os erros de marx acerca da exploração

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OS ERROS DE MARX ACERCA DA EXPLORAÇÃO Não tem melodia a prosa, nem rendilhos, só legível; tem sarcasmo, é belicosa. Assim me foi possível. É dizer um tanto pobre, brusco com o erro alheio, quiçá altivo, mas nobre como meu nome do meio. Empolgado com a luta, cansado, mas contente, rui o dogma, a crença bruta, ao uso da razão cogente. Livre como o bravio potro, é assim meu jeito. Fui eu, não outro, quem o fustigou tão a preceito. Desejo receber troco com o que temos à mão,

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I – Sobre a origem do lucro ou mais-valia Tem sido hábito apontar supostos erros de Marx na sua crítica da economia política, isto é, na crítica a que submeteu os discursos dos economistas clássicos sobre a economia política, e na descrição mais completa que ele próprio produziu do funcionamento do modo de produção capitalista. Embora não se resumam a ele, um dos aspectos mais visados, desde a publicação do primeiro livro de O Capital, em 1867, tem sido a chamada teoria do valor-trabalho das mercadorias. Em boa verdade, esta não é uma teoria marxista, mas de Ricardo; Marx apenas a clarificou e expurgou, tentando torná-la consistente, e a partir de então é aceite como teoria sua. Criticando a concepção do valor de troca das mercadorias ser a expressão do seu valor em trabalho, os críticos pretendem atingir o cerne da teoria marxista da génese do lucro e da exploração que o origina. O seu objectivo não é tanto demonstrar os erros de Marx, mas apenas afirmá-los; acima de tudo, criticando a teoria do valor interessa-lhes negar a exploração. Eles também não produzem concepções consistentes para a ocorrência do lucro, mas tão só explicações que melhor permitam legitimá-lo. Ora, melhores ou piores legitimações do lucro não constituem qualquer objecto científico; o lucro é produzido de há longa data na prática social quotidiana e esta é a sua melhor legitimação. Interessaria produzir concepção consistente para esta ocorrência social quotidiana tão antiga. Mas, também neste aspecto, os críticos ficam muito aquém de Marx: enquanto este tentou produzir conhecimento, eles apenas procuram produzir legitimações aceitáveis.

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Page 1: Os erros de marx acerca da exploração

OS ERROS DE MARX ACERCA DA EXPLORAÇÃO

Não tem melodia a prosa, 

nem rendilhos, só legível; 

tem sarcasmo, é belicosa. 

Assim me foi possível. 

É dizer um tanto pobre, 

brusco com o erro alheio,

quiçá altivo, mas nobre

como meu nome do meio.

Empolgado com a luta,

cansado, mas contente,

rui o dogma, a crença bruta,

ao uso da razão cogente.

Livre como o bravio potro,

é assim meu jeito.

Fui eu, não outro,

quem o fustigou tão a preceito.

Desejo receber troco

com o que temos à mão,

Page 2: Os erros de marx acerca da exploração

sem floreado oco,

apenas com recurso à razão.

José Manuel Correia

I – Sobre a origem do lucro ou mais-valia

Tem sido hábito apontar supostos erros de Marx na sua crítica da economia

política, isto é, na crítica a que submeteu os discursos dos economistas

clássicos sobre a economia política, e na descrição mais completa que ele

próprio produziu do funcionamento do modo de produção capitalista. Embora

não se resumam a ele, um dos aspectos mais visados, desde a publicação do

primeiro livro de O Capital, em 1867, tem sido a chamada teoria do valor-

trabalho das mercadorias. Em boa verdade, esta não é uma teoria marxista,

mas de Ricardo; Marx apenas a clarificou e expurgou, tentando torná-la

consistente, e a partir de então é aceite como teoria sua. Criticando a

concepção do valor de troca das mercadorias ser a expressão do seu valor em

trabalho, os críticos pretendem atingir o cerne da teoria marxista da génese do

lucro e da exploração que o origina. O seu objectivo não é tanto demonstrar os

erros de Marx, mas apenas afirmá-los; acima de tudo, criticando a teoria do

valor interessa-lhes negar a exploração. Eles também não produzem

concepções consistentes para a ocorrência do lucro, mas tão só explicações

que melhor permitam legitimá-lo. Ora, melhores ou piores legitimações do lucro

não constituem qualquer objecto científico; o lucro é produzido de há longa

data na prática social quotidiana e esta é a sua melhor legitimação. Interessaria

produzir concepção consistente para esta ocorrência social quotidiana tão

antiga. Mas, também neste aspecto, os críticos ficam muito aquém de Marx:

enquanto este tentou produzir conhecimento, eles apenas procuram produzir

legitimações aceitáveis.

Alguns críticos tentam refutar a teoria do valor-trabalho baseando-se no facto

de o valor de troca de muitas mercadorias, nomeadamente das mercadorias

não reprodutíveis, não decorrer do seu conteúdo em trabalho. Marx clarificou

bem esta questão, pelo que aquelas críticas são improcedentes. Enquanto o

comércio tem por objecto a troca das mercadorias em geral, a economia

política — o modo de produção capitalista — tem por objecto fundamental a

troca das mercadorias reprodutíveis, porque apenas esta permite a reprodução

Page 3: Os erros de marx acerca da exploração

regular e continuada do capital. Os mesmos ou outros críticos apontam que o

valor de troca de muitas mercadorias varia com a sua raridade e com as

flutuações da oferta e da procura e não é determinado pela quantidade de

trabalho utilizada na sua produção. Outros, ainda, invocam que o valor de troca

das mercadorias é estabelecido pela preferência dos consumidores, conjugada

com os outros factores já enumerados. Todas estas objecções não têm

qualquer cabimento, porque o próprio Marx esclareceu aceitavelmente estas

questões da raridade, da flutuação da oferta e da procura e da preferência,

assim como outras, na variação dos valores de troca efectivos ou de mercado

(ou dos preços, expressos pelos valores de troca relativos a uma mercadoria

equivalente geral). Múltiplos são os factores que intervêm na variação dos

preços, e, através dela, na eventual variação da taxa de lucro; um único factor,

porém, origina o lucro: a exploração ou troca desigual entre os capitalistas e os

trabalhadores assalariados.

Apesar de serem despropositadas, na generalidade, porque Marx abordara e

esclarecera suficientemente as variações dos preços em função dos factores

invocados pelos críticos, tanto pelos mais antigos como pelos mais modernos,

as críticas acabam por encontrar algum fundamento na não confirmação duma

das premissas da teoria do valor-trabalho, que Marx não descortinou: a de que

o valor de troca das mercadorias era a expressão do seu valor em trabalho. De

facto, mesmo desprezando as variações dos preços em função da raridade, da

flutuação da oferta e da procura ou da preferência dos consumidores, por

vezes ocorrem discrepâncias entre os preços de mercadorias contendo

idênticas quantidades de trabalho, ou o seu inverso. Mercadorias do mesmo

tipo, produzidas com diferente produtividade e contendo quantidades diversas

de trabalho, acabam sendo vendidas por preços similares, originando taxas de

lucro menores para aqueles que as produzem com menor produtividade. Estas

discrepâncias são meramente temporárias, e a concorrência acabará por

equiparar os tempos de trabalho empregados na produção das mercadorias

vendidas por preços similares. Mas tais discrepâncias podem ocorrer entre

mercadorias de tipo diverso, nomeadamente, quando os capitais com que são

produzidas estão diferentemente onerados por juros ou por rendas e no caso

em que a mobilidade dos capitais entre os ramos não permita anular essa

diferença de encargos. Ao contrário do que julgam os críticos, porém, uma tal

constatação não basta para refutar a teoria do valor-trabalho; quanto muito, ela

apenas lhes permitiria refutar a afirmação que identifica o valor de troca das

mercadorias como expressão da quantidade de trabalho que contêm.

Page 4: Os erros de marx acerca da exploração

Na sua crítica da economia política, um dos objectivos de Marx era a produção

duma concepção consistente da génese do lucro e da exploração que o

origina. Para o atingir, Marx tentou formular uma teoria do valor das

mercadorias que suprisse as insuficiências da teoria de Ricardo. Aproveitou o

que até aí os economistas políticos clássicos tinham produzido como

conhecimento aceite como válido e tentou superar as lacunas e as

inconsistências em que haviam esbarrado. Adoptou, para esse efeito, duas

premissas — a que identifica o valor das mercadorias como sendo expresso

pelo seu valor de troca (ou pelo seu valor de troca relativo à mercadoria

equivalente geral, o seu preço) e a que dela decorre, que a troca das

mercadorias é uma troca equitativa ou de equivalentes — aceites

correntemente. Ironicamente, são estas duas premissas que estão na base dos

erros que Marx viria a cometer na sua tentativa de produzir uma concepção

consistente para a ocorrência do lucro e da exploração que o origina. Tendo-as

adoptado como plausíveis sem as ter submetido a crítica, Marx viu-se

confrontado com a impossibilidade de com elas fundamentar de forma

consistente a génese do lucro. Para ultrapassar a dificuldade, produziu depois

uma outra premissa, também ela não plausível, que identificava a força de

trabalho — a capacidade para produzir trabalho — como sendo a mercadoria

vendida pelo trabalhador, ao contrário do que até aí fora afirmado pelos

economistas políticos clássicos, que a identificavam com o trabalho.

Distinguindo o trabalho da força de trabalho, atribuiu a origem do lucro à

utilidade da força de trabalho para fornecer maior quantidade de trabalho do

que a necessária para a sua produção.

Ao invés do que até aqui tem sido apontado pelos críticos, os erros

fundamentais de Marx não residem nas discrepâncias entre os preços e a

quantidade de trabalho contida nas mercadorias, nem na enumeração dos

factores que intervêm na formação dos preços de mercado ou dos que

influenciam a sua variação. Aqueles erros estão localizados, por um lado, na

sua formulação duma teoria do valor das mercadorias, e, por outro lado, na

argumentação com que fundamentou a ocorrência do lucro e da exploração

que o origina. Eles provêm de premissas não plausíveis — duas oriundas da

economia política clássica (a não distinção entre as grandezas valor e valor de

troca e a afirmação de que a troca das mercadorias é uma troca equitativa,

sendo elas trocadas na proporção dos seus valores) e uma produzida pelo

próprio Marx (a de que a mercadoria vendida pelo trabalhador é a força de

trabalho e não o trabalho) — e da invalidade argumentativa com que afirma ser

o lucro originado pela utilidade da força de trabalho para fornecer maior

quantidade de trabalho do que a necessária para a sua própria produção (como

Page 5: Os erros de marx acerca da exploração

se algo pudesse fornecer mais do que contém, seja do que for que contenha).

Para identificar os erros de Marx, portanto, é desnecessário deturpar as suas

concepções; eles encontram-se nas premissas e nas inferências lógicas que o

próprio Marx usou na argumentação, as quais não permitem justificar de forma

consistente, isto é, válida e plausível, as conclusões a que chegou.

As premissas de que Marx parte podem ser enunciadas assim: 1) o valor das

mercadorias é criado pelo trabalho vivo e corresponde à quantidade de

trabalho socialmente necessário para a sua produção; 2) o valor da força de

trabalho é determinado, como o de qualquer outra mercadoria, pelo tempo de

trabalho necessário à sua produção e, por consequência, à sua reprodução; 3)

as mercadorias são trocadas na proporção dos seus valores, numa troca

equitativa; 4) o valor de um factor produtivo é determinado pelo processo de

trabalho do qual saiu como produto, dado que no processo de trabalho em que

entra serve apenas de valor de uso, de coisa com propriedades úteis e não

transferirá nenhum valor para o produto que já não possua antes de entrar no

processo. Aceitando como plausíveis aquelas premissas, teríamos como

corolário que o valor do produto seria idêntico à soma dos valores dos factores

produtivos, e o valor das mercadorias seria o correspondente ao somatório dos

valores das que entram no processo da sua produção (o valor dos meios de

produção mais o valor da força de trabalho). Deste modo, no processo

produtivo não ocorreria a criação de qualquer valor suplementar e não seria

possível justificar a ocorrência do lucro.

Impossibilitado de justificar a ocorrência do lucro com tais premissas, Marx

afirmou que para além do valor dos meios de produção o “valor do novo

produto abrange ainda o equivalente ao valor da força de trabalho e uma mais-

valia”. E abrangeria esta mais-valia “porque a força de trabalho vendida por um

determinado espaço de tempo, dia, semana, etc., possui menos valor do que

aquele que é criado nesse tempo com seu emprego”. À primeira vista, esta

afirmação parece contrariar a premissa de que as mercadorias, incluindo a

força de trabalho, seriam vendidas pelos seus valores. Marx, porém, reafirma

que ao vender a sua mercadoria “o trabalhador recebeu em pagamento o valor

de troca de sua força de trabalho, alienando por isso seu valor de uso, o que

sucede em qualquer compra e venda”. Sendo a força de trabalho vendida pelo

seu valor e com ele entrando no processo produtivo, Marx atribui aquela mais-

valia a “essa mercadoria especial, a força de trabalho, possuir o valor de uso

peculiar de fornecer trabalho e, portanto, criar valor”. A força de trabalho,

embora vendida pelo seu valor, “possui menos valor do que aquele que é

criado com seu emprego”, isto é, esta mercadoria especial teria a utilidade (o

Page 6: Os erros de marx acerca da exploração

valor de uso) de fornecer trabalho e, com ele, a utilidade de criar valor, e valor

superior ao valor que ela própria conteria como produto. Esta diferença entre o

valor criado pela força de trabalho e o valor da própria força de trabalho — a

mais-valia — constituiria o valor apropriado que estaria na origem do lucro.

A força de trabalho, como qualquer outro factor produtivo, por maior e mais

peculiar que seja a sua utilidade, ao entrar no processo de trabalho como factor

produtivo“serve apenas de valor de uso, de coisa com propriedades úteis e não

transferirá nenhum valor para o produto que já não possua antes de entrar no

processo”, dado que a utilidade das mercadorias apenas respeita às

características dos produtos que suprem necessidades sociais e, com isso,

lhes conferem aptidão para a troca. Tendo em vista a poupança de recursos,

sempre que possível mercadorias de utilidade similar são escolhidas em função

do menor valor que contenham; e mercadorias com maior utilidade não

acrescentam ao produto mais valor do que aquele que contêm; a maior

utilidade das mercadorias apenas aumenta a produtividade dos processos de

trabalho, aumentando no mesmo período de trabalho a quantidade dos

produtos e reduzindo o seu valor unitário. O valor das mercadorias não advém

da utilidade das que entraram no processo da sua produção, mas do valor que

estas já possuíam enquanto mercadorias. Atribuir à força de trabalho a

utilidade de fornecer trabalho, e a este a faculdade de criar valor para além do

valor que a força de trabalho conteria, entra em contradição com a premissa de

que o valor das mercadorias resulta dos valores das que entraram na sua

produção e não da sua utilidade.

A inconsistência da concepção de Marx acerca da génese do lucro como mais-

valia resulta de invalidade da argumentação usada, decorrente da contradição

existente entre a conclusão e uma das premissas, e da falsidade da conclusão,

porque duas das premissas aceites ou formuladas por Marx não se mostram

plausíveis. Apesar da invalidade argumentativa e da falsidade da conclusão

serem evidentes, uma tal concepção da génese do lucro foi aceite como

verdadeira por gerações de marxistas. Até hoje, nenhum dos discípulos a pôs

em causa; e nem mesmo os adversários do marxismo, antigos ou modernos, a

contestaram com seriedade ou refutaram. Surpreende que assim tenha sido,

porque o erro na argumentação de Marx é grosseiro e nem seria muito difícil de

descortinar. Eventualmente, terá sido detectado por alguém, mas, se tal

aconteceu, estranhamente as denúncias não se tornaram públicas ou não

tiveram divulgação necessária para se tornarem suficientemente conhecidas.

Os discípulos, se a detectaram, preferiram calá-la, tomando-a como erro

menor, ou então desiludiram-se, deixando de seguir o mestre e abandonando

Page 7: Os erros de marx acerca da exploração

aquela condição. Os adversários talvez nem a tenham detectado, já que se

preocuparam sempre com questões menores e com o repúdio das conclusões

sem as refutarem cabalmente, e, passados os primeiros impactos da obra

teórica de Marx, a sua atenção orientou-se preferencialmente para a produção

de instrumentos de gestão do capitalismo, deslocando-se da economia política

para a política económica.

Independentemente da falsidade da concepção de Marx, o lucro constitui uma

realidade quotidiana do modo de produção capitalista. A sua existência não

necessita de ser provada, ao contrário das justificações formuladas para a sua

ocorrência. Alguns economistas pré-marxistas já tinham afirmado resultar o

lucro da troca desigual entre o capitalista e o trabalhador assalariado, mas tais

afirmações não ultrapassavam a mera constatação. Além do mais, elas

contrariavam a premissa de que as mercadorias eram trocadas pelos seus

valores, que os bons ideólogos tinham proclamado como inerente à troca das

mercadorias, e transformavam os honrados burgueses capitalistas em comuns

trapaceiros e burlões. E os clássicos apenas constatavam e legitimavam o

lucro, sem com isso formularem justificações consistentes para a sua

ocorrência. A concepção de Marx, ao tempo, parecia ultrapassar o estado da

arte da economia política, constituindo um avanço notável. Fornecia uma

causalidade plausível para a ocorrência do lucro, atribuindo-o à utilidade

peculiar da mercadoria especial força de trabalho para fornecer trabalho, essa

coisa útil que criava o valor, a qual tinha o “dom” de fornecer mais trabalho do

que aquele que fora necessário para a sua produção; proporcionava a melhor

das legitimações, transformando-o em coisa natural e da inteira pertença do

comprador da força de trabalho, que mais não fazia do que usufruir da utilidade

da mercadoria especial que comprava; tudo isto, por fim, com a bonificação de

não contrariar a premissa de que as mercadorias eram trocadas pelos seus

valores, tida pelos respeitáveis ideólogos burgueses como a “lei geral da

produção das mercadorias” ou o sacrossanto princípio da troca equitativa das

mercadorias.

Como assinalou Engels no prefácio à 1.ª edição (1885) do livro segundo de O

Capital: “Ao substituir o trabalho pela força de trabalho, pela capacidade de

criar valor, (Marx) resolveu de um golpe uma das dificuldades em que soçobrou

a escola ricardiana: a impossibilidade de harmonizar a troca entre capital e

trabalho com a lei ricardiana da determinação do valor pelo trabalho”. A

originalidade de Marx, porém, não residiu no facto de ter adoptado a força de

trabalho como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador — divergindo dos

economistas clássicos, que a identificavam com o trabalho — porque essa

Page 8: Os erros de marx acerca da exploração

ideia era pré-marxista; a sua verdadeira originalidade foi ter atribuído à força de

trabalho uma especialíssima peculiaridade: o “dom” de criar mais valor do que

ela própria possuiria como produto. E, de facto, a força de trabalho veio a

revelar-se de uma fertilidade sem limites, ficando a constituir uma mercadoria

estranha, que ao contrário de todas as outras não era um produto, mas a mera

capacidade de o produzir; uma mercadoria surpreendente, também, porque

não entrava no processo de produção do valor com o seu valor, mas com a sua

utilidade peculiar de fornecer trabalho, a substância que não só criava a

utilidade dos produtos como ainda lhes criava o seu valor; e, por fim, uma

mercadoria verdadeiramente mágica, que possuía a peculiaríssima utilidade de

fornecer mais valor do que o seu próprio valor.

Sem pôr em causa as premissas aceites como plausíveis pelos economistas

clássicos, Marx tentou superá-los pela justificação da origem do lucro, que

aqueles não formularam explicitamente. Para isso, teve de recorrer a uma

mercadoria especial — a força de trabalho — dotada de uma peculiar utilidade

— a de fornecer trabalho, a "substância criadora de valor" — que não era

extensível às restantes. Através dessa mercadoria especial que fornecia mais

valor do que o valor que continha como produto pôde formular a sua

concepção da ocorrência do lucro e da exploração que o origina. Sendo

baseada num tal "dom" da mercadoria força de trabalho, a concepção de Marx

assemelha-se a um passe de magia. Não é caso para duvidar da probidade

nem da envergadura intelectual de Marx; produzir teorias erradas é próprio da

ciência; produzir conhecimento certo, total e acabado é obra da omnisciência.

Mas é caso para dizer: glória à força de trabalho, essa tão especial mercadoria

que produz mais valor do que o seu próprio valor, e benditos os capitalistas que

a compram, que são uns sortudos!

NOTA: O texto sofreu pequenas correcções formais, ganhou um subtítulo

numerado e viu serem-lhe acrescentados uns versos mal amanhados. Espero

que o leitor não carregue o cenho; tal deve-se ao autor faltar para mais o

engenho. Fica desde já o aviso de que poderá sofrer alterações sempre que

aumentarem o vagar e o siso ou chegarem melhores inspirações. Será seguido

de outros abordando os restantes erros de Marx acerca da exploração do

trabalhador assalariado. A novela é extensa, e com a sua publicação em

capítulos espera-se enfastiar menos o leitor e prender-lhe a atenção. Sempre

que cá vier, dê uma olhada.

Page 9: Os erros de marx acerca da exploração

Os erros de Marx acerca da exploração (2)

No prosseguimento da saga Os erros de Marx acerca da exploração, nesta

segunda parte abordamos os referentes à chamada teoria do valor-trabalho.

Desfazemos os equívocos da intuição de Ricardo adoptada por Marx, e

demonstramos que a exploração do trabalhador assalariado tem origem na

esfera da circulação das mercadorias, através da troca desigual que ocorre

pela venda do trabalho vivo abaixo do seu valor.

*

II – Sobre a teoria do valor-trabalho

Como vimos anteriormente, Marx identificou a força de trabalho como sendo a

mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado. De entre as diferentes

mercadorias, a força de trabalho foi definida como uma “mercadoria especial”,

tendo uma utilidade “peculiar”. Enquanto cada um dos restantes tipos de

mercadorias fornece a sua utilidade concreta, aquela que a caracteriza como

produto distinto com aptidão para ser trocado, e o valor que contém, a

mercadoria especial força de trabalho fornecia como utilidade o trabalho

humano vivo. Por sua vez, embora não fosse considerado mercadoria, ao

trabalho eram conferidas as suas próprias utilidades, não só a de transformar

os objectos de trabalho noutros objectos, mas, simultaneamente, a de criar-

lhes o seu valor. Não tendo valor, porque constituía apenas a utilidade da força

de trabalho, ele criava o valor das mercadorias. Esta dupla função da utilidade

da mercadoria força de trabalho — por um lado, dotar as mercadorias das

características úteis que lhe conferem aptidão para serem trocadas, e, por

outro, criar-lhes o seu valor — constitui um verdadeiro paradoxo no reino das

mercadorias. Paradoxo não menor é a conceptualização do valor das

mercadorias como criação da utilidade de uma mercadoria.

Convenientemente, esta utilidade peculiar está reservada somente à força de

trabalho, a única que fornece trabalho humano vivo. Como se não fosse

bastante, tão peculiar utilidade não se fica por aqui. Ela tem ainda o “dom” de

fornecer uma quantidade de trabalho superior à que foi necessária para a sua

Page 10: Os erros de marx acerca da exploração

produção, ou seja, mais valor do que o seu próprio valor. Deste modo, a

mercadoria força de trabalho constitui um verdadeiro sortilégio, é, digamos,

uma daquelas coisas que se não existisse seria de toda a conveniência ser

inventada. E foi o que aconteceu. Não que Marx a tenha inventado, pois o

conceito fora usado antes como sinónimo de trabalho; ele apenas lhe clarificou

o sentido (embora frequentemente, ao longo da sua obra, o tenha usado

indistintamente como sinónimo de trabalho) e a dotou das utilidades mágicas

de fornecer a “substância criadora de valor” — o trabalho — e de fornecê-la em

maior quantidade do que fora necessário para a sua produção. Foi esta

utilidade peculiar duma mercadoria tão especial que permitiu a Marx formular a

sua concepção da origem do lucro, atribuindo-a à diferença entre a quantidade

de trabalho fornecida pela força de trabalho e a quantidade de trabalho

necessária para a sua própria produção, a chamada mais-valia. O lucro era

concebido como diferença de quantidade da utilidade trabalho.

Qualquer coisa transmitir a outra mais do que contém, seja do que for que

contenha, é faculdade que só pode radicar na magia. Mas este autêntico

paradoxo, ao contrário, parece ser uma clara evidência, tal a facilidade com

que ainda hoje é aceite como real pelos crédulos. Se as mercadorias são

trocadas pelos seus valores e se o valor de troca da força de trabalho é menor

do que o valor de troca do trabalho que ela fornece, de onde mais poderá ser

originado o lucro? A um céptico restará, talvez, questionar se as mercadorias

são trocadas pelos seus valores, ou, pelo menos, se a mercadoria força de

trabalho é trocada pelo seu valor. Por muito que questione, não tem como

provar. Pode constatar que o trabalhador recebe pela mercadoria que vende

menos trabalho do aquele que fornece. Esta realidade insofismável, porém,

não prova que o valor de troca da sua mercadoria esteja abaixo, acima ou

corresponda ao seu valor; apenas confirma que ela tem valor de troca menor

do que o do trabalho que fornece. Mas, sendo afirmado que o valor das

mercadorias corresponde à quantidade de trabalho necessária para a sua

produção, se a força de trabalho for produzida pelo tempo de trabalho contido

nas mercadorias que o salário compra, ela parece ser vendida pelo seu valor.

Assim, também a dúvida sobre a equidade da troca teria de desvanecer-se.

A facilidade de apreensão imediata das singulares peculiaridades atribuídas à

mercadoria força de trabalho e a sua aparente plausibilidade talvez expliquem,

pelo menos em parte, o sucesso da aceitação da concepção marxista da

origem do lucro. Existem, contudo, diversas objecções em relação à afirmada,

e não provada, identidade entre o valor de troca da força de trabalho e o seu

valor. Algumas das mais importantes são a variação dos salários de um mesmo

Page 11: Os erros de marx acerca da exploração

trabalhador em diferentes épocas na mesma formação social ou a variação dos

salários dos trabalhadores da mesma profissão em diferentes formações

sociais na mesma época, para não falar da diferenciação salarial das

profissões, tomando como referência os valores das mercadorias compradas

pelos salários. Marx explicou estas variações e diferenciações pela acção dos

factores históricos e morais que teriam determinado a constituição dos

trabalhadores assalariados em cada formação social e pelas disputas por

melhores salários. Assim como explicou a diferenciação salarial entre o

trabalho qualificado e o trabalho indiferenciado pela diferenciação das suas

utilidades e dos valores que criariam.

Esta insólita argumentação foi também aceite como válida. Parece não ter

suscitado dúvidas que a mesma mercadoria tivesse valores tão díspares,

mesmo em curtos períodos de tempo, sendo produzida pelo corpo humano

vivo, que não se diferenciava entre os indivíduos e no mesmo período não

conhecera evoluções biológicas justificadoras de tamanhas variações de

produtividade; assim como também não levantou dúvidas que a evolução

salarial de longo prazo se viesse traduzindo num aumento real, por pequeno

que fosse, do tempo de trabalho contido nas mercadorias compradas pelo

salário, o qual, sendo consumido na sua produção, lhe aumentava o valor,

correspondendo como que a uma evolução negativa da produtividade na

produção da força de trabalho, ao contrário do que acontecia com a produção

dos restantes tipos de mercadorias; nem que o seu valor fosse influenciado

pelas condições históricas e pela disputa salarial, que em nada se

relacionavam com a sua produção. Mais estas propriedades da mercadoria

força de trabalho contribuíam para acentuar a sua qualidade de mercadoria

mágica num mundo de mercadorias prosaicas. A quem já aceitara essa sua

feição, um pouco mais de magia, reforçando o carácter fantástico da realidade,

pouco parecia incomodar. Artes da dialéctica, terão pensado os mais avisados.

Com este tipo de argumentação, porém, a interpretação da realidade que Marx

procurava, tentando desvendar o que se escondia para além das aparências,

acabava por se cobrir de um manto diáfano de fantasia de todo inaceitável.

A variabilidade do valor de troca da mercadoria força de trabalho e os factores

que a influenciam constituem razões suficientes para suspeitar de que o seu

valor não corresponda àquele pelo qual é trocada. Mas a suspeita levanta-se

também em relação à questão de saber se o valor de troca da mercadoria força

de trabalho é determinado do mesmo modo que o valor de troca das restantes

mercadorias. Sendo praticamente todo o salário consumido na compra de

meios de subsistência, o valor de troca da força de trabalho parece não incluir

Page 12: Os erros de marx acerca da exploração

o pagamento de quaisquer outros factores necessários para a sua produção.

Os meios de subsistência, porém, não constituem os factores produtivos

suficientes; quanto muito, constituem as matérias-primas necessárias; mas

para que a força de trabalho seja produzida é condição determinante a

intervenção do corpo humano vivo. O facto de não ser possível atribuir valor ao

corpo humano vivo, por não ser fruto do trabalho, não lhe retira a possibilidade

de ter valor de troca, como acontece com os produtos da natureza usados na

produção dos restantes tipos de mercadorias, que, não tendo valor, têm valor

de troca, cobrado pelos seus proprietários como renda sobre a sua alienação

ou utilização. Se o valor de troca da força de trabalho correspondesse apenas

aos meios de subsistência necessários, não incluindo qualquer parcela

correspondente ao valor de troca da utilização do corpo humano vivo, o

trabalhador ver-se-ia destituído da renda que lhe caberia pela utilização do seu

corpo vivo como meio de trabalho. A ser assim, estaríamos perante mais um

factor de desconfiança em relação à equidade da troca das mercadorias, que

adicionado aos restantes nos permitiria colocar seriamente em causa as

premissas da economia política clássica, adoptadas por Marx, nomedamente, a

da troca equitativa e a das mercadorias serem trocadas pelos seus valores.

Resta uma constatação ainda mais importante, que introduz um outro elemento

de suspeita, agora respeitante a uma particularidade da força de trabalho que a

faz distinguir das restantes mercadorias: na sua produção não entra o trabalho

humano vivo. “Se prescindirmos do valor de uso da mercadoria, só lhe resta

ainda uma propriedade, a de ser produto do trabalho”, disse Marx.

Contrariamente à sua concepção, porém, verifica-se que o trabalho humano

vivo não está presente na produção da força de trabalho. Se assim é, e se o

trabalho humano vivo, e só ele, constitui a “substância criadora de valor” —

pelo “dom” de “conservar valor na ocasião em que o acrescenta, um dom que

nada custa ao trabalhador” — como também foi definido, todas as nossas

dúvidas em relação ao valor da força de trabalho podem ser dissipadas: sem a

intervenção do trabalho humano vivo na sua produção ela não possuirá

qualquer valor. Emerge um novo paradoxo em relação à mercadoria força de

trabalho: embora os meios de subsistência tenham valor, correspondente ao

trabalho humano vivo consumido na sua produção, todo esse valor é

desperdiçado, consumido improdutivamente, porque na produção da força de

trabalho não é conservado, devido à não intervenção do trabalho vivo,

a “substância criadora de valor”, na sua produção. Mesmo para uma

mercadoria tão dotada e virtuosa, não podemos deixar de constatar que as

propriedades que lhe são atribuídas são demasiado paradoxais.

Page 13: Os erros de marx acerca da exploração

Se levássemos por diante as concepções de Marx seríamos obrigados a

constatar que a mercadoria força de trabalho seria dotada não apenas da

magia que ele lhe atribuiu, de onde sobressai o “dom” de fornecer mais valor

do que o seu próprio valor, mas chegaríamos à conclusão ainda mais

surpreendente de que forneceria valor não tendo valor. Não se trata de mero

jogo de palavras. Esta conclusão é o corolário da concepção marxista definindo

o trabalho vivo como a “substância criadora de valor”. Não entrando o trabalho

vivo na produção da força de trabalho, em coerência esta acabaria por não ter

qualquer valor. Mas, se o vendedor de tão especial mercadoria recebe salário

pela sua troca, a força de trabalho talvez pertença ao grupo das mercadorias

que não tendo valor têm valor de troca. O trabalhador receberia esse seu valor

de troca, eventualmente, a título de renda, pela cedência do condão de

produzir trabalho, a “substância criadora de valor”, possuído pela mercadoria

força de trabalho. Deste modo, uma mercadoria sem valor, apenas com valor

de troca, estaria na origem da criação do valor das restantes mercadorias. Isto

entra em contradição com a afirmação de que as mercadorias de que tratamos,

no grupo das quais se inclui a força de trabalho, seriam trocadas pelos seus

valores. Somos, assim, transportados do reino da magia para o reino do

absurdo, esse lugar sem onde, criado por um discurso explicativo da realidade

que ao invés de reconstituí-la pela cognição a representa pela efabulação. Na

investigação para a produção de conhecimento, porém, nem tudo nos é

permitido, e, para voltarmos ao mundo real, não nos resta alternativa que não

seja rejeitar a concepção marxista que apresenta a força de trabalho como

sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador.

A concepção marxista da génese do lucro e da exploração que o origina

mostra-se falsa não apenas porque atribui à mercadoria força de trabalho um

conjunto de propriedades mágicas, não extensíveis às restantes mercadorias,

mas também porque o conjunto das suas premissas se mostra não plausível.

Nada permite afirmar, por exemplo, que a mercadoria força de trabalho seja

vendida pelo seu valor, nem que forneça às restantes mercadorias mais valor

do que esse seu hipotético valor, nem que a troca das mercadorias seja uma

troca equitativa. Levada às suas consequências lógicas, a concepção marxista

até permitiria fundamentar que a força de trabalho não teria valor, apenas valor

de troca. E, contudo, a força de trabalho, a capacidade de produzir trabalho,

existe; é produzida por essa dádiva da natureza que é o corpo humano vivo e

por mercadorias que o trabalhador consome, os meios de subsistência, as

quais têm o seu valor. Do ponto de vista do valor, poder-se-ia admitir que a

força de trabalho tivesse, ao menos, o valor destas mercadorias compradas

pelo salário. Mas porque na sua produção não intervém o trabalho vivo — que

Page 14: Os erros de marx acerca da exploração

na concepção marxista constitui a “substância criadora de valor” — nem

mesmo este valor se lhe poderia atribuir. Apesar de tudo, se a força de trabalho

tinha valor, esse seu valor não lhe poderia ser atribuído pelo trabalho vivo, visto

não entrar na sua produção. Deste modo, o trabalho vivo não poderia constituir

a substância comum à produção do universo das mercadorias reprodutíveis.

Qualquer que seja o ângulo por que se analise a concepção marxista, somos

conduzidos a afirmações não provadas, mas tidas por premissas plausíveis; à

atribuição de propriedades paradoxais, implausíveis, à força de trabalho, não

generalizáveis às restantes mercadorias; à designação inválida de ser o

trabalho vivo a “substância criadora de valor”; e, por fim, à dedução falsa, por

ausência de qualquer réstia de plausibilidade, de ser o lucro constituído pelo

maior valor fornecido pela força de trabalho em relação ao seu próprio valor.

Teremos de descobrir uma nova mercadoria vendida pelo trabalhador

assalariado ou será suficiente retornarmos ao trabalho, como fora identificado

pelos economistas clássicos? O trabalho humano, de facto, é a única utilidade

que os trabalhadores assalariados têm para vender em troca de salário.

Ricardo havia mesmo identificado o valor das mercadorias com a quantidade

de trabalho necessária para a sua produção. Não fundamentara, contudo, a

que se deveria o valor da mercadoria trabalho. Depreende-se, apenas, que o

identificava com o seu valor de troca (ou o seu “valor natural”), com a

quantidade de trabalho contida nas mercadorias compradas pelo salário. Com

esta concepção, a famosa premissa da troca equitativa das mercadorias não

lhe permitia justificar, de forma consistente, a origem do lucro; Ricardo, porém,

contentava-se com a sua legitimação. Na realidade, se o trabalhador vendia o

trabalho e se a troca das mercadorias era uma troca equitativa, uma

quantidade de trabalho (comprada pelo salário) não poderia transformar-se

noutra quantidade maior (o trabalho fornecido). Marx pôs em evidência a

contradição decorrente da concepção ricardiana para fundamentar a origem do

lucro, e rejeitou a identificação do trabalho como sendo a mercadoria vendida

pelo trabalhador, guardando de Ricardo a concepção do valor das mercadorias.

Teve de encontrar uma mercadoria alternativa, que tivesse a capacidade de

fornecer mais valor do que aquele que continha, a qual identificou com a força

de trabalho, a capacidade humana para produzir trabalho.

Esta nova mercadoria, contudo, era frequentemente identificada por Marx com

o próprio trabalho (como se constata, pelo menos, na tradução em português

de O Capital que utilizamos), e não raras vezes tanto a força de trabalho como

o trabalho eram identificados com a energia humana, como nesta passagem

elucidativa: “Todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de

Page 15: Os erros de marx acerca da exploração

trabalho, no sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou

abstracto, cria o valor das mercadorias”. Parece que Marx teria tido a

percepção de que o valor das mercadorias tinha como origem a capacidade

humana para produzir trabalho, enquanto dispêndio de energia humana, mas,

preso como estava à concepção ricardiana do valor como quantidade de

trabalho, considerou que o valor se transmitia às mercadorias por criação do

trabalho, conservando o valor conferido pelo trabalho passado e criando valor

novo. Daí que o próprio trabalho vivo não contivesse valor, apenas

conservasse o valor passado e criasse valor novo. Como Engels também

reafirmou, “(n)ão é o trabalho que tem um valor. Como actividade que cria valor

não pode ter um valor particular”. De facto, se o valor era medido pela

quantidade de trabalho, o trabalho vivo não poderia ter valor, porque não se

continha em si próprio; a quantidade de trabalho teria de ser o valor do que ele

originava, passando a estar contido nas restantes mercadorias; e como não

tinha valor só poderia criá-lo, embora também numa dupla acção, conservando

o valor passado e criando valor novo.

Sem romper com as concepções ricardianas, a Marx não restou outro caminho

se não enveredar por conceber a origem do lucro baseada em atributos

especiais, tanto da mercadoria força de trabalho como da sua afirmada

utilidade, o trabalho. Só pôde explicar a origem do lucro atribuindo ao trabalho

a condição de “substância criadora de valor”, substância que enquanto era

consumida criava o valor das mercadorias pela dupla função de conservar o

valor dos meios de produção e de criar valor novo, valor novo, este, superior ao

da força de trabalho de que era o produto e, portanto, que incluiria o lucro.

Apesar de tudo, acabamos verdadeiramente sem saber, de forma explícita e

convincente, o que constitui o valor das mercadorias, que atributo é esse e qual

a substância que o caracteriza, de que o valor é a quantidade. Sabemos, desde

Ricardo, que o trabalho é a medida do valor; com Marx ficamos a saber, umas

vezes, que é a "substância do valor" e, outras, que é a “substância criadora de

valor”; mas continuamos a desconhecer de que atributo é a quantidade da

substância trabalho a medida ou valor. Por outro lado, admitindo, numa

interpretação benévola, que o trabalho constitua, simultaneamente, a

substância do valor e o meio através do qual ele é conferido, estaríamos

perante mais um paradoxo: a substância do valor — o trabalho — a ser criada

pelo que ela própria criara — a mercadoria, no caso, a força de trabalho —

numa versão do criador criado pela criatura que criara. Uma teoria do valor das

mercadorias que não define o conceito, que apenas identifica a natureza da

substância que o mede, e cuja substância, ela própria, não constitui uma

Page 16: Os erros de marx acerca da exploração

substância original, que não seja criada pelo que cria, não cumpre a sua

função.

Marx, contudo, esteve próximo da chave que permitiria resolver cabalmente o

enigma do conceito e da substância do valor. Ele tinha a noção de que todo

o “trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, no sentido

fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstracto, cria o

valor das mercadorias”, e de que o valor das mercadorias não era outro que

não o dispêndio de “força humana de trabalho”. Apesar do inegável talento de

Marx, o contexto científico da época não lhe permitiu dar esse passo decisivo.

A força de trabalho, a capacidade para produzir trabalho humano, não reúne os

atributos das mercadorias: produtos com utilidade, que lhes confere aptidão

para serem trocados, e que são fornecidos para consumo de outros. Ela é um

produto inseparável do corpo humano vivo que a produz, da pessoa do

trabalhador, e não pode ser fornecida; é dotada da utilidade de produzir

trabalho humano, que também não pode ser transmitida a outrem; e o trabalho

não constitui essa sua utilidade, visto ser o produto dela. Ao invés, o trabalho

humano, pelas diferentes utilidades de que pode ser dotado, as quais se

podem aproveitar desprendendo-se do corpo humano pela sua acção sobre os

objectos e as coisas, reúne as características das mercadorias; o trabalho do

marceneiro pode ser trocado pelo do tecelão ou pela infinidade dos trabalhos

de utilidade distinta. Enquanto a energia humana é indistinguível e tem como

única utilidade a produção de trabalho, a qual não pode ser fornecida a outros,

este produto em que é transformada reúne as características das mercadorias.

Ao contrário do que Marx afirmou, o trabalho — e não a força de trabalho ou

energia humana — é a mercadoria que o trabalhador assalariado produz e

vende. Sendo mercadoria, o trabalho tem custo de produção, cuja quantidade é

o seu valor, no caso, o dispêndio de energia humana que a sua produção

acarreta para o trabalhador. Deste modo, podemos definir o valor das

mercadorias, esse conceito que Marx não definiu, como sendo a medida do

seu custo de produção ou do custo de produção do trabalho, e identificar a

força de trabalho, a energia humana, como sendo a substância do valor. Marx

não se apercebeu de que o trabalho não era o“dispêndio de força humana de

trabalho, no sentido fisiológico”, mas um produto distinto, uma forma

transformada da energia humana, com utilidades diversificadas; e também não

se apercebeu que essa substância intransmissível, a energia humana,

constituía a substância do valor, cuja dimensão podia ser determinada pela

quantidade despendida. Assim, acabou por representar a realidade duma

forma invertida: identificou a força de trabalho como sendo a mercadoria

Page 17: Os erros de marx acerca da exploração

vendida e o trabalho como a “substância criadora de valor”, e ainda ficou

impossibilitado de definir o conceito de valor.

Encontramos pois um produto de utilidade diversificada — o trabalho humano

— já anteriormente identificado pelos economistas políticos clássicos como

sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado, que tem custo de

produção, representado pela energia humana consumida na sua produção, e

que pelo facto de ser produzido concomitantemente com a produção das

mercadorias que constituem os produtos da sua acção lhes confere aquele seu

valor. Sem necessidade do recurso a qualquer arte mágica, facilmente se

compreende que se a energia humana produz o trabalho e este, enquanto é

produzido, produz as restantes mercadorias, o valor das mercadorias

corresponde ao dispêndio de energia humana necessário para as produzir. O

trabalho, ele próprio, tem valor, e transmite esse seu valor às mercadorias em

cuja produção participa; e o valor das mercadorias não é mais do que o valor

do trabalho, já que a sua produção ocorre simultaneamente e decorre da

produção do próprio trabalho. Não necessitamos de atribuir ao trabalho

qualquer utilidade suplementar para além daquela de cada trabalho concreto, e

também não necessitamos de lhe atribuir qualquer “dom” especial para “criar o

valor” e, muito menos, para acrescentar às mercadorias mais valor do que

aquele que contém.

O trabalho distingue-se apenas pela diversidade das suas utilidades, quer das

utilidades do trabalho presente ou vivo, quer das utilidades que passou a

conferir aos objectos em cuja produção foi consumido. Em geral, a mesma

quantidade de trabalho de utilidades distintas implica o dispêndio da mesma

quantidade de energia humana e tem o mesmo valor, salvo se pela sua

especificidade concreta uma determinada utilidade tiver requerido para a sua

produção quantidade diferenciada de energia humana. E uma determinada

quantidade de trabalho vivo não só corresponde a idêntica quantidade de

trabalho passado em que se transformou no instante em que cessou a sua

produção, como um e outro estado do trabalho são uma e a mesma coisa ou

substância, energia humana consumida, e representam um e mesmo valor, a

quantidade de energia despendida, somente se apresentando sob a forma de

utilidades diversas — a de trabalho humano presente ou vivo e a de resultado

da acção desse trabalho sobre os objectos e as coisas quando cessou a sua

produção e adquiriu a qualidade de trabalho passado ou morto. O trabalho

humano não só reúne as condições das mercadorias como constitui a

mercadoria universal no reino das mercadorias produzidas, distinguindo-se

apenas pelas suas utilidades concretas.

Page 18: Os erros de marx acerca da exploração

Poderemos perguntar: a energia humana tem custo de produção? Como tudo o

que existe, também ela é gerada por algo que lhe dá origem e cuja

quantificação constituirá o custo da sua produção; no caso, é gerada pelo

corpo humano vivo e por outros produtos naturais ou transformados. Mas não

sabemos como definir nem como quantificar este custo de produção. E também

poderemos perguntar: a energia humana tem valor? Não, a energia humana

não tem valor. Primeiro que tudo, a energia humana não constitui um produto

que reúna as características das mercadorias; depois, embora seja produzida

também com o recurso a mercadorias, produtos contendo valor, um seu

hipotético valor acabaria por ser indeterminado, porque não é possível atribuir

valor ao corpo humano vivo, esse meio de trabalho essencial para que seja

produzida. A energia humana é uma condição da manutenção da vida; produz

trabalho e muitas outras coisas mais; e até produz trabalho em maior

quantidade do que aquela que o trabalhador vende. Há mais vida para além do

trabalho, e tudo isso é assegurado pela energia humana. O trabalho humano

produzido com ela, por seu lado, reúne as características das mercadorias e

tem custo de produção passível de ser determinado, precisamente pela

quantidade da energia humana despendida para produzi-lo.

Que é, então, o que correntemente é designado por “valor” das mercadorias?

Não é outra coisa se não a dimensão do custo de produção do trabalho. Qual a

unidade de medida para quantificar ou dimensionar ou atribuir valor ao custo de

produção do trabalho? Um padrão de medida baseado na energia humana,

susceptível de permitir a determinação da quantidade dela que é consumida na

produção de uma quantidade qualquer da mercadoria universal trabalho

humano. Considerando, porém, o trabalho, em geral, prestado com esforço e

ritmo, ou potência, médios, requerendo uma quantidade média de energia para

ser produzido, a quantidade de energia humana consumida na produção do

trabalho de qualquer utilidade específica varia apenas com o tempo durante o

qual é produzido. Deste modo, o tempo de produção ou de prestação do

trabalho é unidade de medida suficiente para expressar o seu valor, e o valor

do custo de produção das restantes mercadorias pode igualmente ser expresso

pelo tempo de produção do trabalho que requereu. Não considerando agora a

confusão dos clássicos identificando valor (do custo de produção) com valor de

troca, a velha intuição de Ricardo acaba por encontrar confirmação, ainda que

com outro fundamento. E qual a função desempenhada pelo valor (do custo de

produção)? Desempenha não uma, mas diversas funções, de entre as quais

podemos destacar a gestão da produção e, a mais importante, estabelecer as

proporções reais em que os intervenientes na troca de mercadorias as trocam.

Page 19: Os erros de marx acerca da exploração

Em relação ao valor (do custo de produção), todo o trabalho é abstracto, isto é,

idêntico, porque representa uma única e a mesma substância, a energia

humana. Em relação à utilidade, todo o trabalho é concreto, precisamente

devido à utilidade específica que distingue os diversos tipos de trabalho, trate-

se de trabalho vivo ou de trabalho passado objectivado nas restantes

mercadorias. O valor (do custo de produção) do trabalho é independente das

suas diversas utilidades concretas, visto a utilidade apenas conferir às

mercadorias, e consequentemente ao trabalho, a sua aptidão para serem

trocadas. Marx, aliás, mesmo com a sua concepção errada acerca da

mercadoria vendida pelo trabalhador, já havia definido que quanto ao valor todo

o trabalho era abstracto, pelo que as confusões que ainda hoje grassam entre

os marxistas ou entre os neo-marxistas acerca do trabalho abstracto são mais

um exemplo de quanto os seguidores e apaniguados foram maus leitores da

obra do seu mestre. Lê-lo e compreendê-lo ainda era a melhor homenagem

que lhe poderiam ter prestado. Se assim tivesse acontecido talvez pudessem

ter passado de apologetas a críticos, essa condição indispensável para refutar

o erro e produzir conhecimento sucessivamente renovado.

Se o trabalho, a mercadoria vendida pelo trabalhador, tem valor, e se as

restantes mercadorias têm o valor do trabalho necessário para a sua produção,

de onde provém o lucro? Só pode provir da troca desigual de valor entre o

capitalista e o trabalhador assalariado, através da troca do trabalho por valor

inferior ao valor que contém. Cai por terra a lei geral da economia política

clássica, adoptada por Marx, de que as mercadorias seriam trocadas pelos

seus valores, como se de uma troca equitativa se tratasse. Do mesmo modo,

também cai por terra a concepção marxista da génese do lucro e da exploração

que o origina. O lucro não é o “mais valor” criado pelo trabalho para além do

valor da força de trabalho, a mais-valia marxista; o lucro é o “menos valor”

recebido pelo trabalhador assalariado em troca do trabalho que vende.

Constatar a exploração não é sinónimo de fundamentar de forma consistente a

sua génese. Fundamentá-la pela naturalização da sua produção, como efeito

natural do “dom” da mercadoria força de trabalho para fornecer mais valor do

que o necessário para a sua produção, é apenas proporcionar a melhor forma

da sua legitimação. O lucro não é produzido naturalmente, mas o produto duma

relação social que impõe a desigualdade na troca de mercadorias entre o

capitalista e o trabalhador assalariado.

No que respeita à explicação da realidade social, nomeadamente, em relação à

crítica da economia política, as concepções marxistas constituem um puro

equívoco, pela invalidade da argumentação e pela falsidade das conclusões,

Page 20: Os erros de marx acerca da exploração

que não resiste à crítica cuidada. Os erros em nada diminuem o mérito de Marx

como investigador social. Mas se a tão cantada validade científica do marxismo

não tem qualquer consistência e é um mito, a sua profecia panfletária

proclamando ser o comunismo proletário o necessário sucessor do capitalismo,

essa, então, não passa de logro grotesco.

Apesar de todos os dias o Sol nascer de um lado e se pôr do outro, e da ilusão

que o fenómeno produz nos crédulos, a Terra move-se. Basta a tais crentes

ingénuos, como consolo, que os dias continuam a suceder-se às noites. Uma

ilusão do mesmo tipo está presente na representação que o marxismo e os

marxistas fazem da ocorrência do lucro e da exploração que o origina. Também

a eles parece bastar, apesar da sua errada justificação, que a exploração

existe.

(continua).

Os erros de Marx acerca da exploração (3)

Os marxistas persistem agarrados aos preconceitos da obra do seu mestre.

Não só em relação aos preconceitos da proclamação panfletária classista que

revela a profecia messiânica de que o comunismo será o necessário sucessor

do capitalismo, mas também em relação aos preconceitos da obra teórica do

Marx. Os adeptos comunistas marxistas, embora afirmem que o marxismo-

leninismo, o catecismo prático da liturgia revolucionária, não constitui um

dogma, mas um guia para a acção, não ousam questioná-lo. Criticar as

sagradas escrituras, então, é impensável, está fora de qualquer conjectura.

Uma das razões para que assim procedam será, eventualmente, o receio de

que todo o edifício se esboroe como frágil castelo de areia, como aconteceu

com os regimes políticos totalitários comunistas, e daí lhes advenha trauma

ainda maior; outra, mais prosaica, será a de que muitos deles não conhecem a

obra teórica do mestre, ou, conhecendo-a, não a compreendem. Mais

surpreendente é o caso dos intelectuais marxistas, sejam adeptos dos partidos

comunistas, ou não, que tendo obrigação de conhecerem a obra teórica do

mestre repetem a argumentação inválida e as conclusões falsas da sua crítica

da economia política como se de puras verdades se tratassem. Depois que

ruíram as experiências políticas comunistas, uns e outros remetem-se à

Page 21: Os erros de marx acerca da exploração

comodidade de apontar a expansão global do capitalismo, as crises periódicas

e o domínio imperialista de uns Estados por outros como confirmações das

previsões marxistas, como se tais tipos de ocorrências constituíssem

novidades que não tivessem acontecido também outrora, em vida do profeta e

mesmo antes de proclamada a profecia, ainda que com outra amplitude e outro

ritmo e visibilidade.

Um leitor dos meus textos vem-me confrontando com dúvidas e

incompreensões que eles lhe despertam. É uma postura que me apraz registar,

por partir de pessoa que não se poderá qualificar propriamente como marxista

ou adepto comunista, como ele próprio já referiu, e por me parecer motivada

pelo simples desafio intelectual de compreender melhor alguns aspectos da

realidade social e pelo deleite que cada avanço lhe possa proporcionar. Este

seu interesse é tanto mais de realçar quanto a crítica das concepções teóricas

do Marx, pelo tema ter passado de moda, não suscitar qualquer interesse na

intelectualidade dos tempos modernos, nem constituir motivo de polémica com

os intelectuais marxistas. Apesar da crítica que empreendo ser demolidora para

com aquelas pretensas verdades, a sobranceria e a arrogância típicas dos

prosélitos impedem que os marxistas desçam do seu pedestal em defesa da

obra do mestre. Detentores da verdade revelada pelo ilustre profeta, não

aceitam que um qualquer mortal, desprovido de dotes premonitórios, possua a

competência necessária para refutá-la, muito menos reconhecem aos heréticos

a ousadia ou o direito de o fazerem. Parece não passar pela cabeça dos

adeptos que os males da sua desdita residam na própria verdade revelada. Por

isso, alheios a qualquer crítica, entretêm-se a tentarem descobrir os eventuais

erros de construção causadores da derrocada do edifício comunista, a

traçarem novos planos para o reerguerem e a engendrarem novas receitas que

lhe assegurem uma solidez à prova de todas as contingências e do fluir dos

tempos. É a sina dos fiéis devotos: quando a realidade teima em contradizer a

profecia, tratam de negar a realidade, para que se mantenha intacta a

esperança.

Num seu comentário, aquele leitor colocava-me duas questões pertinentes, que

lhe pareciam resultar de contradições da minha concepção da exploração dos

trabalhadores assalariados e do lucro que ela origina. Uma refere-se à

localização do lucro na esfera da circulação das mercadorias, na troca desigual

entre o capitalista e o trabalhador assalariado, através da compra do trabalho

vivo abaixo do seu valor, ao contrário da concepção marxista, que o localiza na

esfera da produção, originado pela faculdade da mercadoria mágica "força de

trabalho" fornecer mais valor do que o seu próprio valor; a outra, decorrente da

Page 22: Os erros de marx acerca da exploração

primeira, refere-se a uma eventual tendência para a contínua desvalorização

do trabalho, que resultaria de o trabalhador receber um valor menor do que o

valor do trabalho que fornece, valor menor esse que lhe conferiria cada vez

menor valor, o que não acontece, porque o valor do trabalho é função do tempo

da sua produção e não do salário que o trabalhador recebe. Respondi-lhe na

caixa de comentários, desfazendo as suas dúvidas e incompreensões. Porque

alguns leitores que aqui vêm podem não consultar os comentários, ao contrário

daqueles que consultam os textos através da cache do Google, que por isso

têm acesso directamente ao texto e aos comentários, mostrados

simultaneamente em página única, apresento uma versão revista e ampliada

da resposta que então lhe dei, tentando ser o mais sintético e claro possível.

Por mera casualidade, a publicação deste texto ocorre na data comemorativa

do nonagésimo aniversário da revolução comunista desencadeada na Rússia

em 7 de Novembro de 1917. A coincidência faz com que seja uma modesta

contribuição para a refutação da validade científica da ideologia em nome da

qual foi implantado o comunismo, que ficou constituindo o maior logro político

do século XX.

*

III – Ainda sobre a origem do lucro

A concepção do Marx de que o lucro era originado na produção resultava da

aceitação da premissa de que a troca das mercadorias era uma troca

equitativa. Aceitando como plausível esta premissa, as mercadorias seriam

trocadas pelos seus valores e a sua troca não geraria lucro. Em conformidade,

o lucro só podia ser originado na produção das mercadorias, como valor novo

aí criado que lhes fosse adicionado. Subsistia, porém, uma dificuldade:

constituindo os factores produtivos mercadorias tendo o seu próprio valor, o

produto resultante não podia ter valor superior ao somatório dos valores das

mercadorias que lhe deram origem. Também assim, a origem do lucro ficava

por desvendar. Para ultrapassar este impasse, o Marx rejeitou que a

mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado fosse o seu trabalho,

identificando-a com a força de trabalho, e atribuiu-lhe a faculdade mágica de

fornecer mais valor do que o seu próprio valor. Esse valor a mais, que designou

por mais-valia, constituía o lucro, que deste modo aparecia como sendo

originado na produção. Com esta concepção, a ocorrência do lucro era

Page 23: Os erros de marx acerca da exploração

apresentada como coisa natural, e a sua apropriação pelo capitalista estava

plenamente legitimada como simples consequência de ter comprado a força de

trabalho, a mercadoria mágica que tinha a faculdade de proporcionar mais

valor do que o seu próprio valor.

A premissa da troca equitativa fazia também corresponder o valor das

mercadorias ao seu valor de troca. Se as mercadorias eram vendidas pelos

seus valores os seus valores de troca correspondiam à relação dos seus

valores de custo. Daí que na obra do Marx o valor de custo seja apresentado

como expresso pelo valor de troca e designado apenas por valor. A grande

variabilidade dos salários das diferentes profissões, ou da mesma profissão em

diferentes regiões ou na mesma região em diferentes épocas, porém, parecia

contrariar o princípio de que o valor de troca da força de trabalho — o salário —

fosse expressão do valor do custo da sua produção, visto não ser plausível que

a mesma quantidade de força de trabalho, ou de energia humana, pudesse ter

custos de produção tão variados. Do mesmo modo, aquele princípio parecia

contrariar a desigualdade das taxas de lucro obtidas pelos diversos capitais

particulares e a concorrência e a mobilidade dos capitais que continuamente a

renovam, assim como o desenvolvimento desigual que se observava entre o

modo de produção capitalista e o modo de produção tributário ou entre as

diversas formações sociais capitalistas. A variação do valor da força de

trabalho era justificada pelo Marx como sendo devida à acção de factores

históricos na formação dos trabalhadores assalariados, à acção das culturas

locais, ou, até, à luta reivindicativa dos trabalhadores. Apesar de muito

diversificados, porém, aqueles são factores sociais e, como tal, não intervêm

no processo fisiológico da produção da força de trabalho, não podendo, por

isso, determinar o valor de custo que dele resulta.

Facilmente se comprova que as premissas de que o Marx partiu — a troca

equitativa e a capacidade da força de trabalho para fornecer mais valor do que

o seu próprio valor — não se mostram plausíveis. A grande variação salarial,

por exemplo, mostra que a força de trabalho produtora de trabalho de diversos

tipos não é trocada pelo valor do custo da sua produção; e, por outro lado,

nenhum factor produtivo, seja qual for, produz mais valor do que aquele que

possui como mercadoria, porque nada fornece mais do que contém, seja do

que for que contenha. Deste modo, como a realidade não permite comprovar

que as mercadorias sejam trocadas pelos seus valores, nem que no processo

produtivo a força de trabalho forneça mais valor do que aquele com que nele

entrou, e, pelo contrário, permite refutar a sua veracidade, a concepção

marxista da origem do lucro na produção revela-se falsa. Para a refutação,

Page 24: Os erros de marx acerca da exploração

como se vê, basta a demonstração da falsidade das premissas que o próprio

Marx usou na sua argumentação. A concepção marxista, contudo, contém

outras falsidades — nomeadamente, a que identifica a força de trabalho como

sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado e a que apresenta o

valor como sendo criado pelo trabalho — que também são facilmente

refutáveis.

Na produção das mercadorias é originado o valor, não o lucro. É aí que o

trabalho é produzido e nasce como coisa com custo de produção ou com valor;

simultaneamente, com o seu consumo, o valor do trabalho é transferido para as

coisas que são objecto da sua acção. Os objectos de trabalho não adquirem

outro valor que não seja o do trabalho que os transforma. A marca da sua

acção, fazendo com que os objectos de trabalho adquiram novas utilidades, é a

forma através da qual o trabalho lhes transmite o seu valor. O trabalho não cria

o valor; o valor é criado pela energia humana ao produzir o trabalho humano.

Deste modo, o valor é conferido ao trabalho enquanto é produzido; o trabalho

adquire e tem valor, o valor do custo da sua produção, ou quantidade de

energia humana despendida na sua produção. Como a produção das restantes

mercadorias é concomitante com a produção do trabalho, e elas, enquanto

objectos de trabalho, são o resultado da sua acção, que lhes modifica a

utilidade, o valor das mercadorias não é outro se não o valor do trabalho que

sobre elas incide.

No processo produtivo, através da produção do trabalho e dos seus produtos, é

criado o valor das mercadorias; e não é criado outro valor que não seja o valor

do próprio trabalho, passado e presente, que nele é consumido. Se na troca do

trabalho presente ou vivo por trabalho passado ou morto o trabalhador

recebesse a mesma quantidade de trabalho que forneceu não haveria lugar à

existência de valor para ser apropriado. Por isso, a apropriação de valor ocorre

fora do processo de trabalho ou de produção, no processo de troca, na relação

social de troca desigual estabelecida entre o capitalista e o trabalhador

assalariado, através da troca de uma quantidade de trabalho presente por outra

quantidade menor de trabalho passado. Para que o valor apropriado sob a

forma de trabalho alheio seja convertido em lucro, porém, não basta que o

trabalho presente ou vivo seja comprado abaixo do seu valor; é necessário que

seja depois vendido, na qualidade de trabalho passado ou morto, pelo seu

valor. A troca de uma determinada quantidade de trabalho presente por uma

menor quantidade de trabalho passado origina a apropriação de valor sob a

forma de trabalho; a troca de uma determinada quantidade de trabalho

passado por uma maior quantidade de trabalho presente origina a apropriação

Page 25: Os erros de marx acerca da exploração

de valor sob a forma de lucro do capital. O lucro tem origem na relação social

estabelecida entre capitalistas e trabalhadores assalariados, através da compra

do trabalho presente abaixo do seu valor e da sua venda como trabalho

passado pelo seu valor.

IV – Sobre a mercadoria mágica força de trabalho

Em conformidade com a premissa de que as mercadorias eram trocadas pelos

seus valores, o Marx designou como valor da força de trabalho o valor pelo

qual ela era trocada. Nada, a não ser a aceitação daquela premissa como

plausível, permitia comprovar que o seu valor de troca correspondia ao valor do

custo da sua produção. De qualquer modo, mesmo admitindo como plausíveis

as premissas do Marx — que a força de trabalho fosse a mercadoria vendida

pelo trabalhador, e que o valor pelo qual era trocada correspondia ao valor do

custo da sua produção — o valor das mercadorias teria de ser constituído pelo

valor da força de trabalho, passada e presente, consumida na sua produção.

Com base nestas premissas, a justificação da origem do lucro continuaria a

não ser possível. Para ultrapassar esta impossibilidade, o valor das

mercadorias, que só poderia resultar do valor daquelas que participavam no

processo produtivo, passou a ser concebido como criação do trabalho vivo, e a

mercadoria força de trabalho passou a ser dotada de características especiais,

sendo uma delas a faculdade de fornecer mais valor — maior quantidade de

trabalho — do que fora necessário para a sua produção. Esta diferença de

valor, que o Marx designou por mais-valia, era por ele identificada com o lucro.

Sendo o trabalho vivo definido como a substância criadora do valor ele teria de

intervir no processo de produção de todas as mercadorias. Para ter valor, como

qualquer outra mercadoria a força de trabalho teria de ser, obrigatoriamente,

um produto do trabalho vivo. Paradoxalmente, como se constata, o trabalho

vivo, tido como substância criadora do valor, não participa na produção da

força de trabalho; ao contrário, ele é o seu produto. Em coerência

argumentativa, a força de trabalho não poderia possuir qualquer valor, ou, para

tê-lo, o trabalho vivo não poderia constituir a substância criadora do valor. O

Marx, contudo, não só atribuiu valor à força de trabalho — não o fazer

constituiria um absurdo, uma vez que ela não era vendida graciosamente —

como lhe atribuiu o valor correspondente apenas ao trabalho passado ou morto

contido nas mercadorias compradas pelo salário, em contradição com a sua

concepção de que o valor das mercadorias era criado pelo trabalho vivo. Esta

contradição lógica, porém, era a condição necessária para fundamentar a sua

concepção da origem do lucro na esfera da produção.

Page 26: Os erros de marx acerca da exploração

Para além de ter o seu valor criado apenas pelo trabalho passado ou morto, a

força de trabalho ainda tinha a faculdade de fornecer maior quantidade de

trabalho do que aquela que fora necessária para a sua produção. A realidade

mostrava, de facto, que o valor atribuído na troca à suposta mercadoria

vendida pelo trabalhador constituía um valor menor em relação ao que ele

fornecia, representado pelo trabalho que produzia na jornada; mas não

mostrava que aquele valor de troca constituía o valor do custo de produção

daquela suposta mercadoria. Admitir que o valor de troca da força de trabalho

correspondia ao valor do custo da sua produção decorria apenas da premissa

tida como plausível de que as mercadorias eram trocadas pelos seus valores.

Não ter o seu valor criado pelo trabalho presente ou vivo, mas apenas pelo

trabalho passado ou morto, e ter a faculdade de fornecer mais valor do que

aquele que continha, portanto, são as características que fazem da força de

trabalho uma mercadoria especial no reino das mercadorias. A primeira das

características contradiz a premissa de que o trabalho vivo é o criador do valor;

a segunda contradiz o princípio físico de que nada fornece mais do que

contém, seja do que for que contenha.

Impõe-se questionar se uma mercadoria tão especial, dotada de propriedades

tão paradoxais, será sequer uma mercadoria real. Quando se confronta a força

de trabalho com as características definidas para as mercadorias — produtos

úteis, produzidos para serem trocados, sendo para esse efeito fornecidos para

o consumo de outros — verifica-se que ela não reúne tais condições. A força

de trabalho, a energia humana ou capacidade de produzir trabalho humano,

não pode ser desligada da pessoa que a produz, o trabalhador assalariado, e,

por esse facto, não pode ser fornecida a outros, para eles, consumindo-a,

produzirem trabalho humano. Embora a força de trabalho seja identificada

como sendo a mercadoria vendida, a impossibilidade de a fornecer faz com

que o produto fornecido não seja a própria mercadoria vendida, mas um

produto distinto produzido com ela pelo trabalhador: o seu trabalho. Se o

trabalhador fornece como produto o trabalho por si produzido com a sua força

de trabalho, é o trabalho, e não a força de trabalho, a mercadoria que vende.

Não seria lícito a alguém vender um produto e fornecer outro. Deste modo, é

falsa a identificação marxista da força de trabalho como sendo a mercadoria

vendida pelo trabalhador assalariado.

Se o trabalho é o produto fornecido pelo trabalhador e a mercadoria que vende,

e como da sua produção resulta a produção das restantes mercadorias, que é

com ela concomitante, todas as mercadorias podem ser reduzidas à

mercadoria trabalho, nas suas formas de trabalho presente ou vivo e de

Page 27: Os erros de marx acerca da exploração

trabalho passado ou morto, que assim constitui a mercadoria universal. Por

outro lado, se o trabalho é produto da força de trabalho, da energia humana, é

esta a substância de que ele é constituído, e o seu valor é determinado pela

quantidade da energia humana consumida na sua produção. Deste modo, o

valor de qualquer mercadoria corresponderá à quantidade de energia humana

consumida na sua produção, o que no caso de mercadorias que não o trabalho

presente ou vivo corresponderá ao valor do trabalho (passado e presente) que

tenha sido empregado para esse efeito. Se homogeneizarmos os diferentes

tipos de trabalho, reduzindo-os a um trabalho geral e abstracto, cuja produção

seja efectuada em condições ambientais e com esforço e ritmo, ou potência,

similares e, portanto, que exija a mesma quantidade de energia, a unidade de

medida prática e expedita do valor do trabalho pode também ser reduzida ao

factor que diferencia a energia consumida: o tempo da produção do trabalho.

Assim sendo, quando trocam mercadorias, seja na forma de trabalho presente

ou vivo, seja na de trabalho passado ou morto, os intervenientes trocam a

mesma substância, a energia humana, o que torna possível a comparação

objectiva das quantidades trocadas.

Cada modo de produção é caracterizado pela forma específica como se

processa a apropriação de parte do produto social, pelo tipo de instituições

políticas que a regulam e pelos instrumentos ideológicos que a legitimam. No

modo de produção capitalista, a apropriação de uma parte do produto social

pela classe dos detentores dos meios de produção — a exploração de que o

trabalhador assalariado é alvo — assume a forma de uma troca desigual da

substância do custo de produção das mercadorias, a energia humana

empregada; diferentemente do que acontece noutros modos de produção, a

exploração ocorre entre intervenientes que se apresentam no mercado como

produtores aparentemente livres e iguais. A constatação do facto não envolve

qualquer julgamento moral; importa apenas que a fundamentação da sua

génese seja plausível. Tementes dos julgamentos sobre a apropriação de parte

do produto social, os ideólogos burgueses desde sempre se mostraram mais

preocupados com a elaboração de boas legitimações do lucro do que com a

fundamentação da sua génese, e persistem negando a sua verdadeira

essência. O que não falta são legitimações para o lucro, umas melhores do que

outras; não sem razão, o lucro tem uma existência milenar, acompanhando o

capitalismo como seu mote, e ter possibilitado que ele se tenha tornado no

modo de produção dominante constitui certamente a melhor das legitimações.

De nada serve aos ideólogos burgueses, ao procurarem legitimar o lucro,

tentarem ocultar a sua essência ou tergiversarem sobre o mecanismo social da

sua génese.

Page 28: Os erros de marx acerca da exploração

A concepção do Marx identificando a força de trabalho como sendo a

mercadoria vendida pelo trabalhador, atribuindo o valor do custo da sua

produção ao seu valor de troca, identificando o trabalho vivo como a substância

criadora do valor e explicando a origem do lucro pela faculdade mágica da

força de trabalho para fornecer mais valor do que o seu próprio valor, portanto,

não tem qualquer consistência. Assim como também não tem qualquer

consistência a qualificação da troca das mercadorias como troca equitativa,

feita pelos economistas clássicos e aceite como plausível pelo Marx. Na

tentativa de ultrapassar as dificuldades com que o Ricardo se defrontara, o

Marx arranjou para a origem do lucro uma concepção baseada em

argumentação inválida, porque ferida de contradições lógicas, e em conclusões

falsas, porque assente em premissas não plausíveis. Para reconstituir a

realidade, bastaria ao Marx ter refutado a premissa da troca equitativa,

formulada pelos economistas clássicos. Não o tendo feito, engendrou uma

concepção falsa para explicar a exploração do trabalhador assalariado e o

lucro que ela origina. É de admirar que a falsa concepção da origem do lucro

formulada pelo Marx continue, ainda hoje, sendo aceite pelos marxistas como

conhecimento.

Apesar da falsidade da concepção marxista, persiste no senso comum a ideia

de que a força de trabalho, a energia humana, seria produzida pelas

mercadorias compradas pelo salário, e que teria como valor o valor dos meios

de subsistência. A energia humana, contudo, é produzida pela utilidade

daquelas mercadorias, ou pela utilidade da parte que fornece as substâncias

energéticas, e pela utilidade do corpo humano para transformar aquelas

substâncias energéticas em energia humana; ela, portanto, é produto da

utilidade dos meios de subsistência e do corpo humano vivo, e não tem origem

apenas nos meios de subsistência. Embora estes tenham valor, o valor do

trabalho consumido na sua produção, não sabemos como atribuir valor ao

corpo humano vivo, o outro factor produtivo cuja utilidade é indispensável para

transformar a energia contida nos meios de subsistência em energia humana;

deste modo, não é possível atribuir valor à energia humana, pelo que o seu

valor é indeterminado. Para ultrapassar a dificuldade, poderíamos atribuir ao

corpo humano, ou à própria energia humana, valor de troca, legitimando-o

como renda obtida pelo trabalhador pela cedência do seu produto; mas do que

estamos tratando é do valor do custo de produção das mercadorias, não do

seu valor de troca, nem de um hipotético valor que pudesse (se pudesse) ser

atribuído à substância de que são constituídas as mercadorias.

Page 29: Os erros de marx acerca da exploração

Como vemos, não é possível atribuir valor ao custo da produção da força de

trabalho, da energia humana, porque ela não é trabalho nem objecto de

trabalho, mas a origem do próprio trabalho. Embora possamos conhecer o

valor dos meios de subsistência, não é possível atribuir valor ao corpo humano

vivo, o outro factor produtivo indispensável para a produção da energia

humana. Mesmo que assim não fosse, e desprezássemos, para este efeito, o

valor do corpo humano, também não saberíamos como determinar que parte

da energia humana produzida constituiria a força de trabalho, visto a

quantidade transformada em trabalho trocado por salário ser menor do que a

totalidade produzida, que além do mais é variável. Deste modo, também no

que respeita à determinação do valor do custo da sua produção, a força de

trabalho constituiria uma mercadoria especial: ao contrário de todas as outras,

cujo valor de custo poderia ser determinado pela quantidade de trabalho

consumida na sua produção, o valor da força de trabalho não poderia ser

determinado por qualquer medida objectiva. Se levássemos o raciocínio do

Marx por diante chegaríamos a constatações ainda mais absurdas, por

exemplo, que a mercadoria força de trabalho seria trocada por valor superior ao

do custo da sua produção — já que os meios de subsistência possibilitam não

apenas a produção do trabalho assalariado como de outros tipos de trabalho,

para além, é claro, das muitas outras actividades que constituem a vida do

trabalhador — ou que não teria valor, mas apenas valor de troca.

A energia humana é um produto da utilidade dos meios de subsistência e do

corpo humano vivo; e aquelas utilidades produzem maior quantidade de

energia humana do que o trabalhador utiliza para produzir o trabalho que

vende. Pudera que assim não fosse; o trabalhador seria então reduzido a mera

máquina de produzir o trabalho que venderia. A energia humana é a essência

da vida, produz trabalho para dar e vender, como se costuma dizer, e ainda

muitas outras actividades humanas. A energia humana produzida pela utilidade

dos meios de subsistência e do corpo humano é maior do que a necessária

para produzir o trabalho que o trabalhador assalariado vende; e é precisamente

por esse facto determinante que a troca desigual é possível. Se a produtividade

do trabalho humano não permitisse extrair da natureza mais energia do que

aquela consumida com a produção do próprio trabalho usado para obtê-la nada

sobejaria para poupar ou para ser apropriado por outros. A natureza é pródiga,

apesar de todas as contingências e dificuldades, e proporciona a todos os

seres existentes os meios de subsistência; o homem foi adquirindo a

capacidade de usá-la e de transformá-la, conferindo produtividade crescente ao

seu trabalho, e assim tem vindo a produzir condições de existência cada vez

mais desafogadas e confortáveis.

Page 30: Os erros de marx acerca da exploração

V – Sobre a criação do valor de umas mercadorias pela utilidade de outra

A utilidade dos produtos reside na sua capacidade para desempenharem

determinadas funções que respondem a necessidades humanas; essa

capacidade é o que lhes confere aptidão para a troca, para serem

transformados em mercadorias. Os produtos são trocados pela sua utilidade,

mas desde que a sua função útil específica constitua resposta adequada e em

tempo oportuno a uma necessidade concreta, isto é, seja pertinente, para

outros; se a sua utilidade fosse pertinente para o seu produtor ele não se

desfazia deles. O valor da utilidade, portanto, varia com a pertinência das

mercadorias; um produto útil tem pertinência para o seu comprador e não a tem

para o seu produtor; e o mesmo produto útil pode ter valor de utilidade diferente

para dois compradores, em função da pertinência que represente para cada um

deles. O valor da utilidade não pode ser determinado de forma objectiva,

porque é variável em função da necessidade e da oportunidade que a

característica útil que o define representa para um comprador; essa

variabilidade por isso está também reflectida na variabilidade do valor de troca

e no preço das mercadorias. A troca dos produtos de utilidade diversa,

portanto, não é feita com base em qualquer medida objectiva do valor da

utilidade.

Para cada produtor aceder à utilidade dos produtos alheios fornece o que para

si constituiu o custo do produto que cede; para ele, o valor da utilidade do

produto alheio está representado no valor do custo de produção do produto que

cede em troca. Deste modo, a relação estabelecida pelos intervenientes na

troca entre as utilidades dos seus produtos acaba sendo uma relação entre os

respectivos custos de produção. Se cada um desconhecer o custo de produção

do produto alheio, do qual não é produtor, a relação entre os custos de

produção na troca tanto pode ser equitativa como desigual. Uma classe de

produtores, a dos capitalistas, porém, conhece o valor do custo de produção de

uma mercadoria de que não é produtora e de que só ela é compradora, o

trabalho humano vivo, e trata de efectuar com os seus produtores uma troca

desigual. Toda a economia capitalista reside em acautelar que essa troca

desigual seja tão ampla quanto possível, o que também não é tarefa pequena,

visto a concorrência entre os capitalistas pela apropriação do maior quinhão

poder fazer com que tenham mais olhos do que barriga, acabando por reduzir o

bolo com que em conjunto foram agraciados.

A utilidade de uma mercadoria, porém, não é factor que integre o custo de

produção. Utilidade e custo de produção são grandezas de natureza distinta,

Page 31: Os erros de marx acerca da exploração

que não se podem misturar; o custo de produção não é originado pela utilidade;

a utilidade produz utilidade, não produz custo de produção. Uma mercadoria

tem utilidade para o processo produtivo, ou não tem; e mercadorias do mesmo

tipo podem ter valor de utilidade distinto se a função que desempenham no

processo produtivo em que intervêm proporciona distinta produtividade do

factor do custo, o trabalho, economizando o seu consumo. O valor da utilidade

dos factores produtivos, portanto, pode influenciar a diferenciação do valor do

custo de produção de mercadorias do mesmo tipo oriundas de processos

produtivos distintos, mas não é factor constituinte do custo; o único factor

constituinte do custo de produção é o trabalho humano, porque o custo de

produção não é outro que o custo de produção do trabalho. Diferente utilidade

dos factores produtivos, reduzindo o trabalho empregado e, logo, o valor do

custo de produção, pode constituir uma vantagem competitiva entre produtores

do mesmo tipo de mercadorias, que a aproveitam para venderem as suas por

preços similares aos das concorrentes, acabando por trocarem como se

fossem idênticos custos de produção desiguais, obtendo maiores lucros e taxas

de valor apropriado. Tarde ou cedo, porém, a concorrência entre produtores

acaba por esbater ou anular as eventuais vantagens competitivas, até que

surjam outras.

A concepção do Marx, porém, misturava o custo com a utilidade. O valor do

custo de produção das mercadorias era criado pelo trabalho; não pelo valor do

trabalho (ou da força de trabalho, já que na concepção marxista o trabalho não

tinha valor, embora fosse medível e quantificável…), mas pela utilidade da

mercadoria força de trabalho, tal era nela a qualificação atribuída ao trabalho.

Deste modo, o custo de produção resultava da mistura de custos de produção,

representados pelo trabalho passado contido nos meios de produção e na força

de trabalho, com a utilidade trabalho vivo. Ao trabalho, definido como utilidade

da força de trabalho, era atribuída uma dupla utilidade: a criação de novas

utilidades dos objectos de trabalho e a criação de uma parcela nova do valor, o

lucro. Por que arte mágica criava o trabalho esta parcela nova do valor, não

tendo valor, apesar de ser produto de uma mercadoria, nem tendo a

capacidade de se produzir a si próprio, sendo apenas considerado utilidade e,

nesta qualidade, tendo somente a utilidade de produzir novas utilidades dos

objectos da sua acção, foi coisa que ao próprio Marx escapou justificar. Não o

poderia fazer, mesmo se fosse dotado do maior virtuosismo, porque o valor do

custo de produção de uma qualquer mercadoria é determinado pela quantidade

de energia humana consumida na sua produção. Sendo a produção dos

restantes tipos de mercadorias concomitante com a produção do trabalho que

as origina, o valor do custo da sua produção é apenas o valor do custo da

Page 32: Os erros de marx acerca da exploração

produção do trabalho de diversas utilidades que a sua produção consumiu.

Deste modo, o trabalho constitui a mercadoria universal e o custo da sua

produção representa o custo de produção de qualquer mercadoria.

Comparando a quantidade desta mercadoria universal que cada um cede ao

trocar trabalho de diversas utilidades é possível identificar a origem do lucro na

troca desigual do trabalho presente ou vivo por menor quantidade de trabalho

passado ou morto em que se transformou.

Na minha concepção da origem do lucro não existe qualquer contradição ou

qualquer tendência para a desvalorização contínua do trabalho. O valor do

trabalho permanece inalterado (desde que seja trabalho produzido com esforço

e ritmo, ou potência, e em condições ambientais similares); em geral, dez horas

de trabalho continuam sendo dez horas de trabalho, hoje ou noutra altura

qualquer, aqui ou em qualquer lugar. O valor do trabalho não é função do valor

das mercadorias compradas pelo salário; é apenas função da energia humana

consumida para o produzir. As variações do salário, as variações do valor de

troca do trabalho, somente reflectem a variação da troca desigual: quanto

menor o salário, ou, melhor, quanto menor o valor das mercadorias compradas

pelo salário, em troca da mesma quantidade de trabalho fornecida pelo

trabalhador, tanto maiores o lucro e a taxa de exploração ou do valor

apropriado. Devido ao facto dos preços das restantes mercadorias não

descerem concomitantemente com a subida da produtividade, nem na mesma

proporção, os ganhos de produtividade (ou a inflação dos preços) reduzem o

valor do salário, até que a concorrência faça baixar os preços ou que a luta

reivindicativa dos trabalhadores faça subir os salários. A luta económica,

reflectida na variação dos preços e dos salários, não altera o valor do trabalho;

altera apenas os termos da troca desigual.

(continua).

Os erros de Marx acerca da exploração (4)

A obra do Marx tem sido atacada desde há muito e por muitos ideólogos

burgueses. A componente política dessa obra é facilmente contestada, pelo

falhanço dos regimes políticos comunistas que se inspiraram na profecia

idealista messiânica que ela anunciava. A componente apelidada de científica,

Page 33: Os erros de marx acerca da exploração

nomeadamente, a crítica da economia política e um esboço de teoria da

revolução social, tem igualmente sido objecto de críticas. Desta componente da

obra do Marx ressalta a sua teoria do valor das mercadorias, derivada da teoria

clássica do valor, e a concepção da génese do lucro e da exploração dos

trabalhadores assalariados que o origina. Até hoje, a teoria marxista do valor e

a sua concepção da génese do lucro não tinham sido cabalmente refutadas, e

os críticos não conseguiam demonstrar a sua falsidade. Foi este trabalho que

empreendi com o texto O trabalho, o valor e a mais-valia no modo de

produção capitalista e com os da série Os erros de Marx acerca da

exploração (1, 2 e 3), de que este é o quarto e último.

Nos textos anteriores, julgo ter procedido a uma refutação cabal da concepção

marxista do valor das mercadorias e da génese do lucro, e também penso ter

apresentado uma concepção inovadora, original, para essas questões. A

metodologia que segui foi aplicar às concepções do Marx o método crítico por

ele adoptado na sua crítica das concepções dos economistas políticos

clássicos. Constatei, deste modo, que usando as premissas adoptadas pelo

Marx a sua argumentação se mostrava inválida, porque as conclusões

contrariavam as premissas, devido a erros lógicos grosseiros; e verifiquei, além

disso, que várias daquelas premissas, umas originais, outras oriundas da

economia política clássica, tidas por verdadeiras, não se mostravam plausíveis,

de onde resultavam conclusões falsas. Concluí, por isso, que a concepção

marxista do valor das mercadorias e da génese do lucro e da exploração que o

origina está destituída de qualquer consistência e é falsa.

As concepções do Marx não terem encontrado críticos à altura não deixa de

causar alguma perplexidade. Encarado como profeta duma sociedade nova

apostada em substituir o modo de produção capitalista, compreende-se que

tenha sido tomado como inimigo por muitos ideólogos burgueses e que a sua

obra tenha sido relegada para o índex das leituras não recomendadas. Banida

dos cursos universitários de economia, o que é de lamentar, a sua crítica da

economia política não foi alvo de estudo aturado. Fixando-se em questões

menores — como a famosa e indemonstrável conversão dos valores em preços

de produção, que pode ser considerada uma tentativa tardia e infrutífera de

corrigir o modelo original de formação dos preços nominais das mercadorias

pela aplicação da taxa de mais-valia ao capital empregado como salários, de

que resultava uma inversa proporcionalidade entre a taxa de lucro e a

composição orgânica dos capitais, substituindo-o por outro muito diferente, e

que provavelmente é da lavra do Engels — nem mesmo os críticos mais

sagazes abordaram o que de fundamental constituía a inovação marxista: a

Page 34: Os erros de marx acerca da exploração

identificação da “força de trabalho” como sendo a mercadoria vendida pelo

trabalhador assalariado e a concepção da génese do lucro como mais-valia

criada no processo de trabalho, com a qual o Marx julgava ter ultrapassado os

obstáculos em que o David Ricardo havia esbarrado.

Tolhidos pela ilusória representação da realidade de que a troca das

mercadorias era uma troca equitativa, proclamada pela ideologia dominante

como lei geral — apesar dela ser facilmente refutada, quer pela existência do

lucro, quer pela diversidade das taxas de lucro obtidas pelos distintos capitais

particulares, originando a concorrência e a mobilidade desses capitais, que ao

procurarem constantemente anulá-la geram novas desigualdades — os críticos

não puseram em causa a veracidade duma tal premissa, também adoptada

pelo Marx. E, afinal, são estas duas concepções — a troca equitativa e a “força

de trabalho” como mercadoria — juntamente com os desenvolvimentos que

acarretaram, nomeadamente, a concepção do valor das mercadorias como

sendo criado pelo trabalho vivo, que estão na origem dos erros cometidos pelo

Marx e da falsidade das suas concepções no que se refere à teoria do valor

das mercadorias e à génese do lucro.

Decorreu recentemente em Lisboa um Congresso Internacional dedicado ao

Karl Marx, organizado por um departamento duma universidade estatal

conjuntamente com uma cooperativa cultural. Apresentar uma comunicação a

esse Congresso não foi coisa que não me tivesse ocorrido, e alguém próximo

chegou mesmo a alvitrar a oportunidade para divulgar ali as minhas críticas à

obra do Marx. Indisciplinado, duvido que conseguisse alinhavar coisa de jeito

para cumprir os prazos estabelecidos; defendendo concepções que refutam as

do Marx e demonstram a sua falsidade, suspeito que uma comunicação minha

não seria aceite. Verificando os diferentes painéis em que estava estruturado,

depressa me apercebi de que aquele não era o tipo de evento adequado para o

efeito. O elenco dos temas mostrava que os organizadores não procuravam a

discussão da obra do Marx, mas pretendiam o desenvolvimento do chamado

marxismo, a divulgação e discussão de ideias de adeptos sobre os mais

variados temas políticos. A publicação do programa com a identificação das

comunicações confirmou esses objectivos. Curiosamente, apenas uma das

muitas comunicações versava sobre um tema importante, a teoria do valor, e

do título depreendia-se facilmente o seu carácter apologético. O referido

Congresso acabou por ser um exemplo de como algumas universidades se

envolvem na promoção e na difusão de ideias políticas em vez de incentivarem

e fomentarem a investigação e a produção de conhecimento.

Page 35: Os erros de marx acerca da exploração

Aproveito a ocasião de proximidade em relação àquele evento para fazer um

resumo da minha crítica às concepções do Marx acerca da teoria do valor das

mercadorias e da génese do lucro e da exploração que o origina.

*

Os erros do Marx nascem da concepção de que as mercadorias eram trocadas

pelos seus valores e, em conformidade, de que a sua troca era equitativa. Tal

concepção correspondia à representação que os ideólogos burgueses faziam

da troca, mas não encontrava correspondência na realidade. Aceitando

acriticamente esta errada concepção, o Marx cometeu depois outros erros

inteiramente da sua lavra. O primeiro desses erros foi não ter definido e usado

a grandeza “custo de produção” para caracterizar as mercadorias, restringindo

as suas qualidades às grandezas “utilidade” e “relação de troca”, ainda que

tenha reconhecido implicitamente que o seu valor era o que custava produzi-

las, o valor do custo da sua produção. Outro dos seus erros foi ter identificado

a “força de trabalho”, a capacidade para produzir trabalho humano, como

sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado. E outro, ainda, foi ter

atribuído a criação do valor das mercadorias ao trabalho presente ou vivo,

identificado como utilidade da "força de trabalho", durante o processo imediato

de produção. Toda a argumentação com que fundamentou a sua teoria do

valor das mercadorias e a sua concepção da génese do lucro decorre destes

erros. Para que a minha crítica seja facilmente compreensível, esclareço que

elimino a ambiguidade daquilo que o Marx designa por valor das mercadorias;

defino o conceito de valor como a dimensão ou resultado da medida de uma

característica, e quando me refiro ao valor das mercadorias identifico-o com o

valor do custo da sua produção.

Começo pela famosa premissa de que as mercadorias seriam trocadas pelos

seus valores, isto é, por valores de troca e por preços representativos dos seus

valores de custo, oriunda da economia política clássica e adoptada pelo Marx

como verdadeira. Na realidade, nada permite comprovar a veracidade de tal

premissa. Antes pelo contrário. A existência do lucro é um forte indício de que a

equidade da troca não ocorre na realidade; e a diversidade das taxas de lucro

obtidas pelos distintos capitais particulares, que origina a concorrência nos

ramos e a mobilidade dos capitais entre eles na tentativa incessante da

obtenção da melhor taxa, mostra que a troca equitativa nem ocorre entre os

diversos produtores capitalistas. Mesmo que estes movimentos possam

Page 36: Os erros de marx acerca da exploração

eventualmente gerar equilíbrios transitórios, temporários e precários na

distribuição equitativa do valor apropriado por entre os capitalistas de uma

mesma formação social, logo destruídos por inovações que melhoram a

produtividade e motivam a concorrência e a mobilidade dos diversos capitais

particulares, a troca entre os capitalistas de diversas formações sociais,

contribuindo para o seu desenvolvimento desigual, aí está para comprovar que

até entre eles a troca não é equitativa, mas troca desigual.

Pela sua própria natureza, a troca é uma relação social que não oferece

qualquer garantia de equidade, podendo gerar desigualdade nos valores

trocados, quer pelo desconhecimento do valor da mercadoria alheia, quer pela

sua depreciação intencional. Entre os produtores capitalistas podem ocorrer

trocas desiguais, devido a desvios da produtividade média com que são

produzidos os diversos tipos de mercadorias, diferenciando os seus valores, e

que se exprimem também nas distintas taxas de lucro que obtêm, mas a troca

entre capitalistas e trabalhadores assalariados, através da depreciação do

trabalho presente pela aplicação duma taxa de lucro ao trabalho passado, é a

principal das trocas desiguais. É na troca desigual entre intervenientes

aparentemente livres e iguais que reside a essência do modo de produção

capitalista, pois é ela que origina a apropriação duma parte do valor criado na

produção, o lucro ou a mais-valia (se bem que o termo mais-valia seja

totalmente inadequado para designar a parte do valor apropriada pelos

capitalistas, o valor a menos que o trabalhador recebe em troca do valor que

forneceu), assim como é também ela que gera o desenvolvimento desigual do

modo de produção capitalista em relação ao modo de produção tributário e que

acentua o que ocorre entre as diferentes formações sociais capitalistas.

Se os diversos produtores desconhecerem o valor do custo de produção da

mercadoria alheia, a troca tanto pode ser equitativa como desigual; e se

dispuserem de condições para conhecê-lo e de capacidade para depreciá-lo, a

troca é seguramente desigual. Quando os produtores colocam uma mercadoria

em relação quantitativa com outra, o valor de custo que lhe é atribuído na troca,

que determina o seu valor de troca e o seu preço, corresponde ao valor do

custo de produção da mercadoria pela qual é trocada e não ao seu próprio

valor. Nada garante, portanto, que o valor de troca expresse fielmente o valor

do custo de produção, que as mercadorias sejam trocadas na proporção dos

seus valores de custo e que a relação de troca seja equitativa. No que respeita

à mercadoria trabalho presente, porém, os seus compradores conhecem o

valor do custo da sua produção, que é simultaneamente o valor do custo de

produção das mercadorias que obtêm com o seu emprego; enquanto os seus

Page 37: Os erros de marx acerca da exploração

vendedores desconhecem o valor do custo de produção das mercadorias pelas

quais a trocam. Estão, assim, criadas as condições para a troca desigual de

valor entre os compradores e os vendedores de trabalho presente.

Parecendo uma relação entre coisas, entre mercadorias, a troca é uma relação

social estabelecida entre pessoas, e o estado de necessidade em que cada um

dos intervenientes se encontra em relação à mercadoria alheia, e a

oportunidade com que a pode obter, ou seja, a pertinência que lhe atribui,

influencia a quantidade da sua mercadoria que está disposto a ceder em troca

da que necessita. Mesmo numa situação ideal de equilíbrio entre a oferta e a

procura, a troca é influenciada por avaliações subjectivas da pertinência, que

determinam as preferências e as decisões dos produtores enquanto

consumidores, as quais acabam reflectindo-se no valor de troca das

mercadorias. Para os trabalhadores assalariados, as mercadorias alheias que

obtêm por troca do trabalho que vendem constituem uma necessidade vital; se

não venderem a mercadoria de que são produtores não poderão obter as

mercadorias com que assegurem a existência, e as alternativas que lhes

restarão serão estenderem a mão à caridade ou perecerem. Não admira,

portanto, que aceitem vender a sua mercadoria numa relação de troca

desigual, apesar da desumanidade que atribuam ao facto.

Ao contrário do que acontece com a utilidade e a relação de troca, e com o

preço, o custo de produção é uma grandeza objectiva, cuja dimensão ou valor

pode ser determinado com fiabilidade e não é influenciado pelas vicissitudes

que ocorrem na troca. No acto da troca, que conclui o processo de produção

das mercadorias, consumando a transformação dos produtos em coisas que se

compram e vendem, elas têm determinado o custo da sua produção, que não

mais varia e é independente da relação quantitativa que os produtores

estabeleçam entre as mercadorias que trocam. Porque não está dependente

de qualquer dos factores que podem influenciar a relação quantitativa das

mercadorias na troca, o custo de produção, portanto, é a grandeza que permite

comparar objectivamente o que cada um dos intervenientes cede em troca do

que recebe dos outros. Não só as mercadorias têm custo de produção como

este é a grandeza que constitui a variável independente na troca. Sem a

determinação do valor ou dimensão da grandeza custo de produção não seria

possível conhecer o que não é visível na relação quantitativa entre as

mercadorias na troca. O custo de produção é de tal modo importante na

produção das mercadorias que desde sempre os produtores se têm afadigado

a reduzir-lhe a dimensão ou valor.

Page 38: Os erros de marx acerca da exploração

Partindo do princípio de que a troca era equitativa, que o valor de troca

expressava necessariamente o valor de custo, e caracterizando

economicamente as mercadorias apenas pelas grandezas utilidade e relação

de troca, decorrente do valor do custo que lhes era atribuído na troca, não seria

possível ao Marx, como não fora aos ideólogos burgueses, desvendar o

segredo do “trabalho passado comandar mais trabalho presente”, que o Adam

Smith já apontara, o segredo do valor apropriado. Perante a dificuldade, o Marx

tinha como alternativas refutar o princípio de que a troca era equitativa ou

arranjar uma mercadoria dotada duma faculdade muito especial: o “dom” de

fornecer mais valor do que o seu próprio valor. Ora, um tal fenómeno não

ocorre na realidade; nada fornece mais do que contém, seja do que for que

contenha, e, portanto, nenhuma mercadoria pode fornecer mais valor do que o

seu próprio valor. Foi este, contudo, o caminho seguido pelo Marx ao inventar

uma mercadoria especial dotada duma capacidade tão paradoxal: a “força de

trabalho”.

A “força de trabalho”, a mercadoria que teria a faculdade de fornecer mais valor

do que o seu próprio valor, é o que designo por mercadoria mágica. Ainda que

esta imaginária mercadoria parecesse ter a faculdade de fornecer mais

trabalho do que aquele que o trabalhador recebera em troca, nada permitia

afirmar que o valor do custo da sua produção correspondia ao valor do custo

de produção das mercadorias pelas quais era trocada. Aliás, a diferenciação

salarial comprovava que a “força de trabalho” não era trocada pelo valor do

custo da sua produção, porque o mesmo tipo de mercadoria não poderia ter

custos de produção tão diferenciados quanto eram os salários, nem a mesma

mercadoria produzida pelo mesmo trabalhador em alturas distintas da sua vida

poderia ter custos de produção tão diversos. O Marx tomou a aparência do

fenómeno como representativa da sua essência, e considerou o valor a menos

que o trabalhador realmente recebia na troca daquela sua suposta mercadoria

como se fosse um suposto valor a mais que ela teria a faculdade de fornecer.

Pode-se imaginar quanta dificuldade terá tido o Marx para engendrar esta

solução, porque sem refutar a concepção que a ideologia dominante decretara

para caracterizar a troca, erigindo a troca equitativa como lei geral, não era fácil

sair do impasse a que tinham chegado os ideólogos burgueses.

Mesmo arranjando uma mercadoria com um tal “dom” o problema da génese

do lucro não ficava cabalmente resolvido. O próprio Marx tinha consciência de

que o valor das mercadorias resultava do valor daquelas que entravam na sua

produção, e afirmara-o. Se esta mercadoria entrasse na produção com o seu

valor, o valor resultante do processo produtivo seria idêntico ao que nele

Page 39: Os erros de marx acerca da exploração

entrara, não havendo lugar à criação de qualquer valor suplementar. Faltava

explicar como esta mercadoria especial forneceria mais valor do que o seu

próprio valor. Para isso, o Marx teve de complementar a sua concepção da

génese do lucro com mais uma originalidade: o valor das mercadorias não

resultava dos valores daquelas que participavam no processo da sua produção,

o inverso do que afirmara, e era criado nesse processo pelo trabalho presente,

identificado como sendo a utilidade da mercadoria “força de trabalho”. O valor

aparecia não como resultado de valores anteriores, mas como sendo criado por

uma suposta utilidade daquela mercadoria especial. Através da sua acção

sobre os objectos de trabalho, o trabalho presente criava não só a nova

utilidade daqueles objectos, mas também o seu novo valor de custo,

transformando-o num valor superior ao do somatório do seu valor anterior com

o da “força de trabalho”. O valor era assim concebido como sendo criado pela

utilidade, uma grandeza de natureza distinta, de uma mercadoria especial.

O fenómeno da génese do lucro parecia enfim ficar suficientemente explicado:

o trabalhador venderia a sua mercadoria pelo seu valor, ficando quite, e, ainda

que em troca recebesse mercadorias com menos valor, ninguém enganava

ninguém. Tudo se passaria no respeito pela sacrossanta lei da troca equitativa,

porque ao capitalista coubera em sorte comprar uma mercadoria que fornecia

mais valor do que o seu próprio valor. Desta concepção, porém, resultava um

problema maior, que o Marx eventualmente não se apercebeu. Se o trabalho

presente era o criador do valor das mercadorias, não era o criador do valor

dessa mercadoria especial que ele inventara, a “força de trabalho”, em cuja

produção não participava, visto ser o seu produto, e a produção daquela

resultar apenas do trabalho passado. Não participando na criação do valor da

“força de trabalho”, o trabalho presente não poderia ser o criador do valor de

todas as mercadorias; ou, então, a “força de trabalho” não seria mercadoria,

ou, sendo, não teria valor, visto não ser produto do trabalho presente, mas a

sua produtora. Afirmando o Marx que a “força de trabalho” era mercadoria e,

além do mais, que tinha valor, a sua argumentação que faz do trabalho

presente o criador do valor das mercadorias não é válida, porque viola as

regras da inferência.

O trabalho presente seria o produtor das restantes mercadorias, menos da

mercadoria especial “força de trabalho”, da qual é apenas o produto. Impõe-se

questionar, por isso, se esta tão especial mercadoria será uma mercadoria real

ou um mero artifício arranjado para encontrar uma explicação cabal para a

ocorrência do lucro. Se analisarmos bem, a “força de trabalho”, a capacidade

para produzir trabalho humano, não é coisa que se possa fornecer a terceiros,

Page 40: Os erros de marx acerca da exploração

para que eles produzam trabalho; é apenas a capacidade produtiva do

trabalhador, aquilo que faz dele um produtor de mercadorias. Como se

constata, o trabalhador não entrega ao capitalista “força de trabalho” para este

produzir trabalho. Diversamente do que sucede com as fábricas, por exemplo,

que devido à sua capacidade produtiva constituem mercadoria e, por isso,

podem ser vendidas, no modo de produção capitalista o trabalhador

assalariado, a fábrica que detém a capacidade de produzir trabalho humano,

não é vendido, não constitui mercadoria, ao contrário do que acontecia com os

produtores de trabalho na escravidão. Assim sendo, a “força de trabalho”, a

capacidade de produzir trabalho humano, não pode constituir a mercadoria que

o trabalhador assalariado vende, porque não é uma mercadoria real.

O trabalhador assalariado, contudo, vende alguma mercadoria. Se não vende

"força de trabalho", capacidade para produzir trabalho, o que vende só pode

ser o trabalho que produz com ela. Trabalho com utilidade concreta, de facto, é

o que os diversos trabalhadores concretos fornecem para ser usado na

transformação da utilidade de objectos de trabalho que sejam pertença dos

compradores da sua mercadoria. Se após o contrato de compra e venda o

trabalhador se apresentasse ao capitalista com a sua “força de trabalho” e não

produzisse trabalho da utilidade, na quantidade e com a qualidade previstas

para entregar-lhe seria acusado de fraude e teria o contrato rescindido. É o que

acontece desde os primórdios do capitalismo, e ainda hoje continua sendo

motivo para rescisão do contrato de compra de trabalho. Então, se o trabalho é

mercadoria e o produtor das restantes mercadorias, que mais não são do que

produtos da sua acção e trabalho sob a forma de trabalho passado, o trabalho

constitui a mercadoria universal a que podem ser reduzidas todas as

mercadorias. Ao trocarem alguma coisa, os intervenientes mais não fazem do

que trocarem trabalho: trabalho vivo, presente, a produzir ou em produção, por

trabalho morto, passado, já produzido. Deste modo, enquanto mercadoria, o

trabalho tem valor, o valor do custo da sua produção; e, enquanto mercadoria

universal, o valor das mercadorias é o valor do custo de produção do trabalho.

O valor do custo de produção do trabalho não é medível em trabalho, mas num

padrão da substância que o origina. Essa substância criadora do trabalho é a

energia humana, que poderá ser designada de forma aligeirada por “força de

trabalho”. Uma certa quantidade de trabalho terá como custo de produção uma

certa quantidade de energia humana, qualquer que seja a unidade de medida

que arranjemos como adequada. Se homogeneizarmos o trabalho concreto de

diversas utilidades — reduzindo-o a um trabalho geral ou abstracto

representativo das diversas utilidades, produzido com esforço e ritmo, ou

Page 41: Os erros de marx acerca da exploração

potência, médios, em condições ambientais similares — o valor do trabalho, de

qualquer trabalho, ou quantidade de energia humana consumida, é função

apenas do tempo da sua produção. Por isto, em termos práticos, o tempo de

produção do trabalho pode ser tomado como unidade expedita adequada para

a medição do seu valor; tanto a quantidade do trabalho como o seu valor

podem ser expressos pelo tempo da sua produção; e é este tempo de

produção, representando a quantidade de trabalho e o valor do custo da sua

produção, que é vendido e comprado. O valor das mercadorias, portanto, é

criado pela energia humana ou “força de trabalho”, e não pelo trabalho, e este

tem valor, o valor do custo da sua produção. Sendo assim, a concepção do

Marx constitui uma completa inversão da realidade.

Comparando as quantidades de trabalho que são trocadas, facilmente se

constata que o vendedor do trabalho presente recebe como pagamento pelo

trabalho que vende menor quantidade de trabalho passado. É pois nesta troca

desigual entre vendedores e compradores de trabalho presente que reside a

génese do lucro e da exploração que o origina. A exploração é produto duma

relação social, a troca, e o lucro em que ela se traduz não é mais do que o

valor a menos que o trabalhador recebe ao trocar o seu trabalho presente por

trabalho passado. O lucro não é qualquer mais-valia ou valor suplementar

fornecido no processo de produção por uma qualquer mercadoria mágica,

como é apontado pela concepção marxista. A sua origem é a exploração do

trabalhador assalariado pela troca desigual do seu trabalho presente por menor

quantidade de trabalho passado. Para justificar de forma consistente, porque

válida e plausível, a génese do lucro e da exploração que o origina não é

necessário recorrer à existência de mercadorias mágicas que produzam mais

valor do que o seu próprio valor, violando as leis da física, nem cometer

invalidades argumentativas, contrariando as leis da lógica. Esta realidade

acontece porque o trabalhador assalariado se encontra num estado de

necessidade que não lhe permite obter uma troca equitativa.

Da errada concepção do valor das mercadorias decorrem outros erros do Marx

acerca da explicação do funcionamento do modo de produção capitalista.

Desde logo, a sua concepção do lucro como mais-valia, como sendo um valor

a mais fornecido gratuitamente no processo imediato de produção, e não um

valor a menos pago ao trabalhador no processo de circulação. Depois, a

concepção do trabalho produtivo restrito ao trabalho empregado no processo

imediato de produção, não extensivo ao trabalho empregado no processo

global de produção, da concepção à circulação das mercadorias, já que apenas

o trabalho empregado no processo imediato de produção criaria a mais-valia.

Page 42: Os erros de marx acerca da exploração

Depois, ainda, a concepção da formação do valor de troca e do preço dos

restantes tipos de mercadorias pela aplicação duma taxa de mais-valia, a

relação do lucro com o capital empregado em salários. Em condições de

exploração similares existiria uma taxa de mais-valia similar, e o valor de troca

resultaria do somatório dos preços de compra dos factores produtivos com a

mais-valia proveniente da aplicação daquela taxa ao capital empregado em

salários.

Deste modo, cada capitalista apropriar-se-ia da mais-valia correspondente à

fornecida pelos trabalhadores que empregava, donde resultava que quanto

maior fosse a composição orgânica do seu capital, a relação entre a parte

empregada em meios de produção com a parte empregada em salários, menor

seria a taxa de lucro que obteria; e, para capitais de igual montante, que quanto

maior fosse a composição orgânica menor seria o lucro obtido. Uma tal

concepção entrava em contradição com a realidade e com os fundamentos do

modo de produção capitalista. Com esta mesma contradição, porém, já o

Ricardo se vira confrontado anteriormente, e é também ela que está patente na

concepção do Marx da ocorrência duma suposta tendência para a baixa da

taxa de lucro, da qual decorreria a decadência do modo de produção

capitalista. Uma tentativa tardia de corrigir estas erradas concepções, através

de um outro modelo de formação dos preços das mercadorias — a famosa

conversão dos valores em preços de produção — mostrar-se-ia infrutífera,

acabando por acrescentar novas contradições à teoria marxista, como veremos

noutros textos.

O acto da troca, concluindo o processo de produção, determina os valores do

custo de produção das mercadorias; esses são os seus valores,

independentemente dos supostos valores do custo que lhes venham a ser

atribuídos na troca e que se reflectirão na sua relação quantitativa e nos seus

preços. Os valores de troca, e os preços, pelos quais as mercadorias acabam

sendo trocadas são influenciados por variadíssimos factores, que se

manifestam no mercado; os valores dos seus custos de produção, porém,

estão determinados no acto da troca e não são influenciados por quaisquer

desses factores. Por isso, a relação quantitativa em que são trocadas as

mercadorias, directamente ou através da intermediação duma mercadoria

equivalente geral facilitadora das trocas contendo o seu próprio valor ou

representando um valor meramente simbólico, não garante a equidade da

troca, nem permite conhecer a desigualdade com que são trocadas. Somente o

valor do custo de produção, constituindo a variável independente na troca,

permite conhecer com fiabilidade a real proporção em que os diversos

Page 43: Os erros de marx acerca da exploração

produtores trocam as suas mercadorias. É possível assim determinar em que

medida o produtor de trabalho presente recebe em troca menor quantidade de

trabalho do que aquela que forneceu.

A existência do lucro impede os valores de troca das mercadorias, e, logo, os

seus preços, de expressarem os seus valores de custo, porque a aplicação

duma taxa de lucro ao trabalho passado deprecia o trabalho presente e faz

com que o seu valor de troca, reflectido na relação que o expressa, não

represente o seu real valor de custo. As mercadorias são trocadas por valores

de custo que lhes são atribuídos para a troca, e estes são distintos dos seus

reais valores de custo, e é através dos valores de troca, e dos preços, que se

efectiva a troca desigual entre os trabalhadores assalariados e os capitalistas,

proporcionando a estes a apropriação duma parte do valor criado na produção;

assim como é também através deles que se realiza a distribuição desigual

daquele valor apropriado por entre os diversos capitalistas, na proporção das

taxas de lucro que obtêm. O valor atribuído ao trabalho presente na troca, e o

seu preço, é depreciado pela aplicação duma taxa de lucro ou de apropriação

na formação do valor de troca e do preço do trabalho passado com que aquele

trabalho é pago; um mesmo preço, o salário, representa menor quantidade de

trabalho passado do que aquela que o trabalhador por ele vendeu como

trabalho presente.

Enleado numa teia de premissas falsas e de erros argumentativos, o Marx

produziu uma concepção fantasiosa para a génese do lucro e da exploração

dos trabalhadores assalariados: transformou-a em coisa natural, ainda que

derivada de capacidades paradoxais duma mercadoria mágica, e assim a

legitimou. Como afirmou o Engels, a grande inovação do Marx na sua crítica da

economia política teria sido a identificação da “força de trabalho” como sendo a

mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado. De facto, foi com o recurso a

essa mágica mercadoria imaginária, cujas características violavam as leis da

física, e com a aceitação da falácia da troca equitativa, e pelo uso de

inferências inválidas, violando as leis da lógica, que o Marx pretendeu ter

desvendado o segredo da génese do lucro e da exploração que o origina.

Tantos erros só poderiam conduzir a uma concepção falsa. É o que acontece

com a concepção marxista do valor das mercadorias e da génese do lucro e da

exploração que o origina.

José Manuel Correia

publicada por JOSÉ MANUEL CORREIA em 18.11.08

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