os espaços abandonados na cidade: alternativas aos modelos...
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Os espaços abandonados na cidade: alternativas aos modelos convencionais de recuperação
da paisagem urbana
EduardoBrito-Henriques*,AnaLuísaSoares**&SóniaTalhéAzambuja***
*CEG/IGOT,UniversidadedeLisboa
**CEABN-InBIO/ISAeLEAF/ISA,UniversidadedeLisboa
***CEABN-InBIO/ISAeARTIS-IHA/FL,UniversidadedeLisboaeFCT,UniversidadedoAlgarve
Resumo:
Espaçosesquecidose abandonadosondeos seresbiológicos impõema suapresença comescasso
controlo humano são presenças bastante comuns nas cidades contemporâneas. No entanto são
vistosnormalmente comcriticismo.Reverter as ruínaseocuparosespaços vacantesgeradospelo
abandono e a negligência através de investimentos vultuosos de capital em operações de
regeneraçãourbanatêmsidoaspropostasmaisfrequentesdetécnicosepolíticos.
Nesta comunicação pretendemos suscitar um olhar diferente sobre as paisagens urbanas
abandonadas.Chamamosaatençãoparaovalorecológicoepaisagísticodessesespaços,realçandoo
potencialquetaisinterstíciosselvagensnotecidodacidadepodemternaconstruçãodeumfuturo
urbanomaissustentável.Usandoaabordagemestéticadopaisagismonaturalista,sãoequacionadas
hipótesesdeintervençãoalternativasaosmodelosconvencionaisderegeneraçãourbanaapartirde
umarevisãodeexperiências internacionais.Terminamoscomumareflexãosobreassuaspossíveis
aplicaçõesaterrainsvaguesdaLisboaoriental.
Palavras-chave:
Terrainvague,Tierspaysage,naturalismo,selvagemurbano,ecologiaurbana
Abstract:
Forgottenandabandonedspaceswherebiologicalbeingsimposetheirpresenceunderscarcehuman
control are very common in contemporary cities. However, they are usually viewed in a critical
manner. The most common responses of urban planners and politicians for reversing ruins and
occupying vacant land have been through massive capital investments in urban regeneration
operations.
Thispaperaimstodevelopadifferentperspectiveonabandonedurbanspace.Specialattention is
paid to the ecological and landscape valueof these areas, highlighting the great potential of such
wild urban interstices in the construction of amore sustainable urban future. Using the aesthetic
approachofnaturalisticlandscapedesign,alternativehypothesesofinterventioninvacantlandsare
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equatedbasedona reviewof internationalexperiences.Weendwitha reflectionon thepossible
applicationsofsuchinterventionstoterrainsvaguesinLisbon’sEastZone.
Keywords:terrainvague,Tierspaysage,naturalism,urbanwildscape,urbanecology
1. Introdução
Espaços esquecidos e abandonados abundam nas cidades contemporâneas, fazem parte da
paisagemurbanaepovoamoshorizontesemnosso redor.Construçõesemdiferentesestádiosde
arruinamento,restosdedemolições, locaisdeixadosvagosporempresasquefaliramoumigraram,
empreendimentosinconclusoselotesàesperadeprojetosadiados,assimcomoespaçossobrantes
ouinterditosnasmargensdeloteamentos,entreviasrápidasesobviadutos,emterrenosdeclivosos
e locaisalagáveis, integramumavastacategoriadeespaçosdesprezadosdascidades,que formam
paisagens de abandono e desolação (Martin 2014). Na terminologia de G. Clément (2003), fazem
parte da Tiers paysage, i.e. espaços expelidos da civilização que se tornam territórios onde a
sociedadepermitequeapaisagemevoluaentregueàvontadedosseresbiológicos.M.Gandy(2013)
chamou-lhesevocativamentedemarginalia.
Apreendidas vulgarmente como meros “intervalos de espaço” ou “espaçamentos ilegítimos”
(Cavaco2007),asváriasordensdemarginaliaurbanasquereferimos,eoutrasafins,nãocostumam
colher simpatias.Comomanifestaçõesdeausênciasqueemparte são, conotam-se comovazio, a
morte,adesolaçãoeocaos.Fábricaseprédiosdevolutoseemruínassãolidoscomoexpressõesna
paisagem de fracassos – individuais, económicos,mas também políticos – e da inelutável derrota
humanasobreamarchadotempo.Porqueourbanoéconotadocomoartificializado,oconstruídoe
o habitado, interrupções nessa previsibilidade são tomadas pela sensibilidade dominante como
imperfeiçõeseincompletudes.Poressemotivo,arespostadominantedaspolíticastemsidotentar
contrariaressasváriasexpressõesaparentesdedesordemedesmazelo investindomilionariamente
em operações de regeneração urbana destinadas a reverter o arruinamento, a atrair novos
residenteseatividadeseconómicas,eareurbanizaracidadeatravésdereedificações,reocupaçõese
preenchimentos desses ‘espaçamentos’ vistos como intromissões inoportunas de vazio no urbano
(Tallon2010,TrindadeJr.2010).
Nesteartigo,onossoobjetivoésuscitarumolhardiferentesobreasmarginalianãoedificadas
da cidade e equacionar hipóteses de intervenção nesses espaços que possam ser alternativas aos
modelos convencionais de regeneração urbana. O conceito de terrain vague de I. Solà-Morales
(1995) serve demote à abordagem que vamos desenvolver. Na verdade, ele sintetiza o primeiro
tentamedeuma leituramenossevera,e tambémemcertamedidamais límpidasobreosespaços
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abandonadosdacidade,porquemaisconcordantecomasuaontologia.Otermoterrainvague,que
I.Solà-Moralesinsistiuemusaremfrancêsnumtextoqueveioalumeoriginariamenteeminglêspor
ojulgarmaiscapazdecaptarereterosváriosmatizesdacomplexafenomenologiadaspaisagensdo
abandono, não pretende apenas descrever uma situação de vacância ou desocupação em certa
porção de solo urbano. Alude também a um estado de disponibilidade, expectação e
indeterminação,eaumaestranhacondiçãodeinterioridadeeexterioridade,depresençasimultânea
dentroe fora,que liquefazas fronteirasentreourbanoeonão-urbano,ouoartificialeonatural,
dadoqueestesespaçossão“internosàcidademasexternosaoseuusoquotidiano”e“existemfora
doscircuitosefetivosdacidadeedassuasestruturasprodutivas”(Solà-Morales1995,120).Através
dalentedesteconceitoépossívelperceberquetalveznãosejaafinaldesolaçãomassimliberdadeo
sentimentoquemelhorexprimearealidadedestes locais.Oconceitodeterrainvagueconvida-nos
alémdissoaolhardeformamaistranquilaparaapresençadessesespaçosemnossoredor,vendo-os
nãocomoanomaliasmascomoelementostriviaisdapaisagemurbana,emboracomapeculiaridade
deconfiguraremumestádiointermédioouhíbridoentreoartificialeonatural.Essacondição,que
empartetambémfoicaptadapeloconceitodeTierspaysageaorealçarodomíniodobiológicoeao
sublinharigualmenteasituaçãoliminardessesespaços,semumapertençaóbvia“nemaoterritório
da sombra nem ao da luz” (Clément 2003, 4), abre caminho a que outras formas de abordar as
paisagens do abandono e de pensar a sua missão e lugar na cidade futura sejam possíveis,
nomeadamentenumaperspetivadeecologiaurbanaedesustentabilidadeambiental.
Aspáginasseguintesservirãoparadesenvolverestestópicos.Começaremoscomumareflexão
brevesobreabanalidadedaspaisagensdoabandononacidadecontemporânea,tentandomostrar
que não se tratam de aberrações mas de inerências do desenvolvimento urbano no capitalismo
avançado.Emseguida,procuraremoschamaraatençãoparaovalorecológicoepaisagísticodesses
espaços,realçandoopotencialquetaisinterstíciosnotecidodacidadepodemternaconstruçãode
um futuro urbano mais sustentável. Terminaremos com uma reflexão sobre as suas possíveis
aplicaçõesaespaçosvacantesdacidadedeLisboa.
2. Abanalidadedoabandononaurbanidadecontemporânea
No urbanismo, tradicionalmente, nunca foi o abandonomas sempre o crescimento a grande
preocupaçãoeo temade todas as reflexões.Aurbanísticamoderna surgiu no século XIX ligada à
necessidadedeencontrarsoluçõesdehabitatadequadasparaumapopulaçãourbanaemexplosão,
eessapermaneceuasuamissãofundamentalaolongodamaiorpartedoséculoXX.Éumfactoque,
nessedecurso,houvesurtosdearruinamentocomqueosurbanistastiveramdeseconfrontar,mas
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tais devastações ocorreram circunscritamente no tempo e no espaço, em ligação com eventos
cataclísmicos e portanto extraordinários – incêndios como o de Chicago em 1871, terramotos, as
duasguerrasmundiais–,oqueajudouafixarumaimagemdaquelesfenómenoscomodisrupções,
anomalias,ousejaerrosnatrajetórianormaldascidades.
No último quartel do século XX, inesperadamente, os urbanistas viram-se confrontados com
dinâmicas até então desconhecidas na evolução das cidades.De repente constataramque não só
áreas centraisdeaglomerações comoaté regiõesurbanas inteiras, emvezde crescerem,perdiam
população e atividades económicas. O abandono irrompia como uma nova força modeladora da
paisagemurbana,oquepareceuaurbanistasecientistasurbanoscontranatural.Conceitoscomoo
de“contraurbanização”(Berry1980)e“desurbanização”(vandenBergetal.1982),surgidosentão
paradescreveranovarealidade,exprimembemaestranhezasentida.
Numaprimeirafaseencontrou-senametáforadociclodevidaumaexplicaçãoplausívelparaa
inversãonatrajetóriaseculardominantedecrescimento.Ateoriadociclodevidaurbanopostulou
que as cidades transitavam no seu processo histórico por etapas sucessivas de crescimento
(urbanização), apogeu (suburbanização) e declínio (desurbanização), posto o que poderiam entrar
numafasederenascimentoereurbanização,reiniciandoociclo,ouentão involuíremnumdeclínio
progressivo até à extinção final (van den Berg et al. 1982). Foi por influência desta teoria que se
generalizou a ideia de investir em políticas de regeneração urbana para reverter o declínio e
recuperarocrescimento.
Estudossubsequentesvieramdesacreditarateoriadociclodevidaurbano,comprovandoque
ascidadespodemseguirtrajetóriasvariáveisecomcaminhosnãonecessariamenteacomodáveisna
sucessãode fases que aquelemodelo previa (Cheshire 1995, Turok eMykhnenko2007, Kabisch e
Haase 2011). Os dados entretanto reunidos sugerem que crescimentos e declínios urbanos não
devemserpensadosemtermosdefases,antesdevendoservistoscomotendênciasdivergentesque
podemdecorreraparemdiferenteslocais.Aabordagemvaihojemuitomaisnosentidodeassumir
que o retraimento demográfico das cidades é um processo estrutural e duradouro (Martinez-
Fernandez et al. 2012, Hospers 2014). Pesquisas baseadas em grandes volumes de informação,
envolvendocomparações internacionaisextensivasesériesestatísticas longas,demonstramqueas
dinâmicasurbanasregressivasestãopesadamente instaladasemlargaspartesdoglobo,sobretudo
noNorteGlobal.NaEuropa,segundoconcluíramTurokeMykhnenko(2007),havianoprincípiodo
século XXI três vezesmenos cidades a crescer do que nos anos 60, e as taxas de crescimento da
populaçãourbanaerammaisbaixasdoqueasregistadasháquinzeouvinteanos,eaindamaisdo
que há trinta ou quarenta; os números apresentados apontavampara 62%das cidades europeias
terem passado por algum período de retração demográfica desde os anos 70, e 42% estarem no
momentodoestudoemdeclínio.
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Atualmenteusa-seoconceitode‘encolhimentourbano’(urbanshrinkage)–porvezestraduzido
por ‘contraçãourbana’–paradesignarestefenómeno.Emboraaformamaisfácildeocaptarseja
através das estatísticas demográficas, é um fenómeno multidimensional que não se cinge à
diminuição da população residente, envolvendo também, em maior ou menor grau, retração de
emprego, diminuiçãodaofertade funções centrais, e sobredimensionamentode infraestruturas e
equipamentos, espaço construído e solo urbano (Martinez-Fernandez et al. 2012, Hospers 2014).
Umacidadeemencolhimento(shrinkingcity)define-seporapresentarumatendênciaduradourae
consistente de diminuição demográfica associada a sintomas de crise estrutural (Wiechmann e
Bontje2015).
Há territórios que parecem ser particularmente vulneráveis ao encolhimento urbano. Nas
grandesmetrópoles o encolhimento émenos percetível do que nas pequenas cidades (Kabisch e
Haase2011).NaEuropadeLesteenosBalcãshámaiorespercentagensdecidadesaencolheremdo
quenaEuropaOcidentaledoNorte:seempaísescomooReinoUnido,aSuéciaouaHolandanão
chegama10%,naAlemanhaeemFrançaandamemtornodos20%,naHungria,naRepúblicaCheca,
naCroáciaenaGréciasobemparamaisde40%,eempaísescomoaLituânia,aLetónia,aBulgária
ou a Roménia atingem-se valores extraordinários de mais de 80% das cidades em encolhimento
(Martinez-Fernandez et al. 2016). Em todo o caso, mesmo em aglomerações urbanas que
estatisticamentenãosãoclassificadascomocidadesemencolhimentopor,globalmente,manterem
taxasdevariaçãopositivasdapopulação,éfrequenteencontrarem-senoseuinteriorcircunscrições
ou bairros em encolhimento (Audirac et al. 2012), o que confirma e reforça a ideia de que as
paisagensabandonadassetornarambanaisnascidadescontemporâneas.
Oencolhimentourbanoéumfenómenomulticausal.A literaturaéprolixana identificaçãode
fatores diversos que podem ser responsáveis pelo abandono urbano, desde razões ambientais a
motivos sociais, políticos e económicos. Como recordam Reckien e Martinez-Fernandez (2011),
razõesepidemiológicasefomesãocausasdeencolhimentourbanonaÁfricaSubsariana,naChinahá
cidades abandonadas por ordem política, e desastres ambientais (Nova Orleães, Prypiat, etc.) e
esgotamento dematérias-primas e recursos (o que é comum, por exemplo, em cidadesmineiras)
desencadeiam por vezes abandonos massivos pontuais; a isso, porém, juntam-se outras causas
estruturais e difusas, que são hoje as preponderantes no Norte Global, relacionadas umas com
mudanças de estilo de vida, como a suburbanização e a segunda transição demográfica (baixa
fecundidadeeenvelhecimentodemográfico),outrasdeíndolepolíticaeeconómica,nomeadamente
o colapso do socialismo nas sociedades da Europa de Leste e a desindustrialização associada à
reestruturaçãoglobal do capitalismo.Bontje eMusterd (2012) sistematizaramessadiversidadede
motivos em três categorias essenciais de causas, a saber: (i) destruições (i.e., guerras, epidemias,
desastresambientais,poluição);(ii)perdas(i.e.,escassezderecursoseperdasmassivasdeemprego,
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normalmenteassociadasaregiõesmonofuncionaisoudependentesdeumagrandeempresa);(iii)e
transiçõesemudanças, títuloonde incluemascausas relacionaiscomalteraçõessocietais (comoa
suburbanizaçãoouonovo regimedemográfico)e comaglobalizaçãoe reestruturaçãoeconómica,
este último um aspeto que tem sido especialmente sublinhado em vários estudos onde se liga o
encolhimento urbano à periferização dos territórios perdedores da globalização (Lang 2012,
Martinez-Fernandezetal.2012).
As vacâncias em larga escala de edifícios e até por vezes de bairros inteiros, que de repente
ficamexcedentários,sãoconsequênciasdiretasdoencolhimentonapaisagemaquealiteraturatem
aludido (Couch e Cocks 2013). Novos espaços vazios resultantes de demolições e terrenos
urbanizáveis expectantes que perduram no tempo sem serem edificados por falta de procura
formam, emmuitas áreas urbanas, reservas abundantes de solo. Nos EUA, esse valor cifra-se em
16,7%da área total das cidades, segundoumestudo recenteque inventariou os espaçosurbanos
vacantes,númeroquenasregiõesdoMidwestedoSulsobempara21,2%e23,5%respetivamente
(Newman et al. 2016). Perceber que vocação e utilidade estes espaços podem ter numa ótica de
desenvolvimentourbanosustentáveladaptadoaumcontextodeencolhimentourbanoé,por isso,
essencial.Issosignifica,comotêmdefendidoalgunsautores,sabersubstituirasvelhaspreocupações
focadasemcontrariaroencolhimentoporabordagensnovasque saibamaceitareste fenómenoe
utilizá-loemproldamelhoriadoambienteurbano,tantomaisque,comodiziaG.-J.Hospers(2014,
1514),“aqualidadedevidanumacidadenãodependenecessariamentedadensidadepopulacional”.
Dentrodestaperspetiva,oargumentoquevamosdefendernaspartesseguintesdesteartigoé
queosespaçosvacantesurbanostêmvalorecológicoepaisagísticoepodemservirpositivamentena
construçãodeumacidademaisresiliente,ambientalmentesustentávelebiofílica.
3. Ovalorecológicoepaisagísticodosespaçosabandonadosnãoedificadosnacidade
Osespaçosabandonadosnãoedificadospodemtrazerumamais-valiaecológicaparaacidade.
São espaços com potencial para desempenharem um importante papel funcional, paisagístico e
estético, e para contribuírem para a promoção e conservação da biodiversidade, da resiliência
urbanaedamitigaçãoderiscos.Amaioriadestesespaçosabrigaformaçõesecológicas,algunssendo
vestígios de jardins ou estruturas verdes abandonadas que vão sobrevivendo no tempo, emuitas
vezes desempenham também um papel social, nomeadamente como espaços de recreação ao ar
livreedeproduçãoalimentar, apesardemal aproveitado (Foster 2014).Osespaços abandonados
nãoedificadospodemconstituir,nesse sentido,umreforçoparaaestruturaecológicaurbana,em
complementoaosespaçosverdes.
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Nacidadeasestruturasverdesminimizamosimpactesambientaisdecorrentesdocrescimento
urbano:melhoramoambientequímicoefísico,emparticularaqualidadedoar;regulamahidrologia
urbana e moderam a ilha de calor; atenuam o ruído; controlam a erosão; aumentam a
biodiversidade;ereduzemasnecessidadesenergéticasdacidade.Paraalémdestesefeitos,podem
proporcionarnumerososoutrosbenefícios,comoosestéticos,psicológicosesocioeconómicos,com
reflexospositivosnobem-estardoscidadãos(SchoedereCannon1983;Ulrich1985;KaplaneKaplan
1989; Huang et al. 1992; Kaplan 1992; McPherson et al. 1994; Sullivan e Kuo 1996; Wolf 1999).
Contudo, também existem potenciais custos e, tal como com todos os ecossistemas, numerosas
interações devem ser entendidas (Soares et al. 2011). Criar e manter os espaços verdes de uma
cidade é oneroso; a produção de um novo jardim tem custos nunca inferiores a 10€/m2e anda
geralmente pela ordemdos 50€/m2, e amanutenção varia entre os 2 a 3€/m2/ano em jardins de
regadio(Mata2017).NumacidadecomoLisboa,asdespesasanuaiscomespaçosverdesascendema
5,5milhões de euros(Mata 2017), valor que não é despiciendo e que, sobretudo em contexto de
encolhimentourbano,podecriardificuldadesdeenquadramentoorçamental.
Tem havido em diversas cidades um movimento no sentido da conversão de alguns desses
espaços abandonados em parques. Essa tendência não, é de resto, uma novidade. Experiências
pioneiras deste tipo remontam à reforma urbana de Paris de 1852-1870, conduzida pelo Barão
Haussmann(1809-1891).OengenheiroJean-CharlesAlphand(1817-1891)foioprincipalresponsável
pelacriaçãonessaalturadoParcdesButtesChaumont,tendolideradoumaequipaconstituídapelo
horticultor Jean-Pierre Barillet-Deschamps (1824-1873), pelo arquiteto paisagista Edouard François
André (1840-1911) e pelo arquiteto Gabriel Davioud (1824–1881) (Tate 2015). Parc des Buttes
Chaumontéumparqueparisiensedequase25hectareselaboradoaoestilopaisagista inglês,com
traçadoorgânico.Olugarescolhidoparaasuaimplantaçãofoiumaantigapedreiradeextraçãode
calcáriousadonaconstruçãoereformaurbanadacidade,edepoisutilizadacomolixeira.Éumdos
primeirosexemplosbemsucedidosdarecuperaçãodeumapaisagemurbanadegradadanumparque
paisagista,ou,comotambémjáfoireferido,umdos“maisdramáticosexemplosprecocesdaarteda
paisagemutilizadanarecriaçãodaformaedamatériadosespaçosabandonados”(JellicoeeJellicoe
1995,257).
Apesardeexemploshistóricoscomoeste,amaioriadasexperiênciasderecuperaçãodeespaços
abandonadosparaparquesurbanosérelativamenterecenteeapareceassociadaaopós-industriale
à arquitetura high-tech. Esta corrente da arquitetura surge nos anos 70 do século XX, entre o
Modernismo tardio e o início do Pós-Modernismo, e caracteriza-se pelo elogio das tecnologias, a
exibiçãodasredeseautilizaçãoàvistadasinfraestruturas,eporvalorizaraestéticaindustrial,numa
épocaemqueprecisamentesecomeçaaolharparaasantigasfábricasdesativadascomopatrimónio
industrial.AcriaçãodoGasWorksPark,emSeattle,peloarquitetopaisagistaRichardHaag(n.1923),
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aberto ao público em 1975, inscreve-se nesta estética, ao tirar partido da preexistência da antiga
fábrica de gás abandonada na composição paisagística, mantendo as estruturas fabris como
celebraçãodamemóriahistóricadolugar,doseuvalorestéticoedoseupotencialparanovosusos.
Os solos contaminadosda áreade intervençãodoGasWorksPark foram removidos, criandouma
colinaartificialdenominadaGreatMound,umdospontoscomvistapanorâmicasobreolago(Lake
Union)eacidadedeSeatle1.OprojetoGasWorksParkserviude inspiraçãoparaosurgimentona
Alemanha, nos anos 90 do século XX, do Landschaftspark Duisburg-Nord (Parque Paisagista de
Duisburg Norte), um parque pós-industrial de 230 hectares projetado pela equipa do arquiteto
paisagistaPeterLatz,e reconhecidocomoumsucessoquerpeloseumilhãodevisitantesporano,
querpelocustodemanutençãoconsideradobaixo,orçadoem4milhõesdeeurosporano2
Outra referencia inevitável éo TheHigh Line, construídoentre2009e2014emNova Iorque.
Trata-sedeumparquelinearcomaextensãode2,4Km,eumaáreade2,7hectares,plantadonuma
antigalinhaferroviáriadesativadaqueatravessatrêsbairrosdacidade(Meatpacking,WestChelseae
Hell'sKitchen/Clinton)sobreumviadutoelevadoa8mdealtura.OprojetoTheHighLinealcançou
famainternacionaldevidoaofactoderesultardeummovimentoderesistênciacívicoqueseopôsao
desmantelamento da antiga linha ferroviária pretendido pelas autoridades locais, reclamando a
criação de um jardim suspenso inspirado na vegetação espontânea que ao longo dos anos fora
colonizandooviadutoabandonado.Oprojeto foidesenvolvidosobumplanodeplantaçãodePiet
Oudolf (n.1944), sobcoordenaçãodoarquitetopaisagista JamesCorner (n.1961).Esteparquede
pequenas dimensões recebe cerca de 4,5 milhões de visitantes, mas tem um custo anual de
manutençãomuitoelevado,quechegaaos4,6milhõesdeeuros,suportadosem90%pelosFriends
oftheHighLineeem10%peloNewYorkCityDepartmentofParks3.
Embora as soluções anteriormente referidas sejam ambientalmente mais adequadas do que
seriaaconversãodosespaçosabandonados iniciaisemnovosprodutos imobiliáriosouespaçosde
consumo, qualquer delas não deixa de envolver custos vultuosos. Estratégias como as descritas
consistememsubstituirosterrenosvacantesporespaçosverdesdelazerqueconfiguramsoluções
permanentes. Németh e Laghorst (2014) questionam essa opção; na verdade, iniciativas para
promover soluções de longo termo devem ser ponderadas, desde logo porque não são as mais
adequadas ao contexto de incerteza em que cada vezmais se faz a gestão urbana,mas também
porque implicam inevitavelmente investimentosmaisvultuososdoquesoluções temporárias.Com
um adequado planeamento, desenho e gestão, é possível que os espaços abandonados não
1“GasWorksParks”,RichardHaagAssociates,acedidoemjaneirode2017,http://richhaagassoc.com/studio/projects/gas-works-park/
2“Duisburg Nord Landscape Park, DE”, Latz + Partner, acedido em janeiro de 2017, http://www.latzundpartner.de/en/projekte/postindustrielle-landschaften/landschaftspark-duisburg-nord-de/
3“TheHighLine”,FriendsoftheHighLine,acedidoemjaneirode2017,http://www.thehighline.org
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edificados cumpram missões semelhantes e proporcionem serviços assimiláveis aos dos espaços
verdes, nomeadamente nas vertentes ecológica, estética e social, sem serem transformados em
parques e objeto de planos integrais de replantação. Assim, em alternativa, aqueles autores
propõemummodelodeutilizaçãoflexívelqueenvolvausostemporáriosdosespaçosvacantescomo
infraestruturas verdes, assumindo a sua natureza liminar e vocação indefinida. Os espaços
abandonadosnãoedificadosdascidadespodemservalorizadoscomoespaçosparausufrutocoletivo
de lazer e infraestruturas verdes espontâneas, suscetíveis de diversas utilizações apenas com
intervençõesmínimasnosentidodeabriroseuacessoequalificarasuafruição,oucorrigireventuais
situações de risco que possam estar neles presentes. Um caso que pode vir a ser um modelo
paradigmático nesta lógica de reutilização de espaços urbanos abandonados por novos usos
temporáriosouintermédioséoantigoaeroportodeBerlim,desativadoem2008,equedeuorigem
ao Tempelhofer Feld, um parque público de 387 hectares onde pistas de ciclismo, de skate e de
patinsemlinhausamagoraasantigaspistasdeaterragem(Colomb2012).Emtodoocaso,convém
terpresentequeamaioriadosespaçosurbanosabandonadosnãoedificadossãoparcelaspequenas,
comformasirregularesedelocalizaçãodispersa,oquerelevaodesafiodeosintegrarnaestrutura
ecológicaurbana.
Da perspetiva da arquitetura paisagista, para a qual as intervenções podem ser de caráter
temporáriooupermanenteconsoanteolocaleofuturoplaneamentourbano,estaformaalternativa
deabordagemaosespaçosurbanosabandonadoséaceitável,viávelepodeatéconstituirumdesafio
particularmenteinteressante.Defacto,estáemsintoniacomumatendêncianaturalistanodesignde
espaçosverdesque,nãosendodeagora,temvindoaganharpesonosúltimostempos,privilegiando
oespontâneo,oorgânicoeoautêntico,noquetambémpodeservistocomoumelogioaoecológico
e ao selvagem. No que diz respeito à vegetação, muitas vezes os planos de plantação têm sido
inspiradospelaestéticadasassociaçõesespontâneasdasplantasnapaisagem.Estavisãonaturalista
tantoenglobaplanosdeplantaçãoexclusivamentecompostoscomplantasautóctones,comocoma
incorporação de plantas introduzidas (exóticas). Numa perspetiva histórica, a edição em 1870 do
livro TheWild Garden por William Robinson (1838-1935), conjugado com o trabalho prolífico de
Gertrude Jekyll (1843-1932), marcam o início dessa abordagem naturalista dos jardins.
Contemporaneamente,PietOudolf(n.1944)éumdosprojetistasquemaistemcontribuídoparaa
difusão desta estética naturalista através de obras como Planting the Natural Garden (Oudolf e
Gerritsen 2003) e de projetos como o The High Line, mencionado antes, mas onde, todavia, o
‘selvagem’nãoéespontâneoesimprodutodeumminucioso(edispendioso)planodeplantação.
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5. OsterrainsvaguesdaZonaOrientaldeLisboa
Muitas das reflexões acima feitas a propósito da banalidade dos espaços abandonados na
cidadecontemporâneaedoseupotencialpaisagísticoeecológicotêmplenocabimentoquandose
pensanumarealidadecomoLisboa.Nãoobstanteestacidadecorresponderaocentrodaprincipal
aglomeraçãourbanadopaís,eportantoaonúcleomaisdensoeconsolidadodeumaextensaárea
urbanizadademaisde3milkm2ondeseconcentravam2,8milhõesdehabitantesàdatadoúltimo
censo,Lisboaéumcasopatentedecidadeemretrocessodemográfico.Desde1981,perdeucercade
260.000habitantes,ousejaquaseumterçodasuapopulação,valorqueacolocaentreascidades
capitaisdaUEquesofreramumacontraçãomaisdrástica.
Embora a suburbanização deva ser tida como uma explicação maior para esta evolução, é
reconhecido que o encolhimento de Lisboa tem também razões estruturais que se prendem com
mudançasglobaisnaorganizaçãodocapitalismo,dequeadesindustrializaçãoéumadasexpressões
maispatentes(Guimarãesetal.2015).NãoéporissosurpreendentequeaZonaOrientaldeLisboa4
(fig.1),comasuahistóricaligaçãoàindústria,sejaumapartedacidadeondeasruínaseosterrenos
vacantes estão especialmente presentes. No trabalho de inventariação de espaços urbanos
abandonadosrealizadonoâmbitodoProjetoNoVOIDconstatámosque31,3%daáreadeterrenos
vacanteseespaçosarruinadosdeLisboaseencontravamnaZonaOriental,estendendo-sepor151
hectares,i.e.7,9%dasuperfíciedesteterritório5(fig.2).
ApresençaderuínaseterrenosvacantesnaLisboaOrientaldeve-seemgrandeparteàhistória
deocupaçãodestapartedacidade.XabregasfoiumdosfocosiniciaisdaindustrializaçãodeLisboa
noséculoXIX.Todaaocupaçãourbanada faixaribeirinhaatéaoBraçodePrata foipropulsionada
por esse surto industrial. É dessa fase uma geraçãomais antiga de fábricas, sobretudo ligadas ao
setor alimentar e do tabaco, ao têxtil, tanoarias e grossistas de vinhos e azeites, de que resistem
aindavestígiosváriosdearqueologia industrialnapaisagememassociaçãocomrestosdediversas
tipologias de habitação operária. Na sequência do plano de urbanização de Lisboa de 1938, essa
vocaçãofabrilconsolidou-secomacriaçãodeumavastazonaindustrialplanificadamaisamontante,
4 AZonaOrientaldeLisboaabarcaasfreguesiasdeBeato,Marvila,OlivaiseParquedasNações.DesdeareestruturaçãoorgânicadaCâmaraMunicipaldeLisboade2011,correspondeàáreadejurisdiçãodeumadascincoUIT(UnidadesdeIntervençãoTerritorial)criadasnessaocasiãoparafuncionaremcomoumníveldegestãoautárquicointermédioentreasfreguesiaseomunicípio.
5 OinventáriofeitopeloProjetoNoVOID(PTDC/ATP-EUR/1180/2014)abarcaruínasequintaisarruinados(construçõesqueatingiramumavançadoestadodedegradaçãoqueas torna incapazesdedesempenharema funçãoparaqueestavamoriginariamentedestinadase respetivosespaçosenvolventes),projetosabortados/suspensos (edificações inacabadaseterrenos correspondentes a processos de loteamento e/ou urbanização suspensos) e terrenos vacantes (espaços nãoagricultados e não ajardinados, com coberto arbustivo e/ouherbáceo a dar sinais de abandono, localizadosno tecidourbanoconsolidadoounassuasáreasdeexpansão,assimcomoespaçosdeantigasconstruçõesdemolidasondeaindapodemsubsistirfragmentosdeedificações,entulho,ouimpermeabilizaçãodosolo,equeporissoformam‘buracos’notecidoconstruído).Maisinformaçãosobreoprojetopodeserobtidaemhttp://www.ceg.ulisboa.pt/novoid/.
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deBraçodePrataaCaboRuivo,queacolheuaindústriapetroquímica,algumasgrandesempresasde
maquinaria e farmacêutica, e ainda unidades ligada ao setor militar, da produção de fardas, a
telecomunicações e a material de guerra. Esta especialização na indústria pesada explica que no
princípio dos anos 90 cerca de 60% do solo da cidade ocupado por fábricas se situasse na Lisboa
oriental(BarataSalgueiro2001).
Fig.1–AZonaOrientaldeLisboa
Fig.2–EspaçosurbanosabandonadosnaZonaOrientalde
Lisboa
(identificaçãoapartirdetécnicasdedeteçãoremotacom
baseemfotografiaaéreadealtaresoluçãode2014)
Emclarocontrastecoma industrializaçãodafaixaribeirinha,osterrenossituadosmaisparao
interior,sobreascolinas,mantiveramatétardefortefeiçãorústica.Muitodessesolo,ocupadoentão
porquintas,foiabrangidopeloprogramadeexpropriaçõesqueacâmaradeLisboalevouacabonos
anos40,tornando-senumaenormereservadesolopúblicoqueviriaaserusadapaulatinamenteno
desenvolvimentodesucessivosprogramasdehabitaçãosocialdeiniciativapública–MadredeDeus,
Olivais,Chelas,Alfinetes,etc.–aolongodomeioséculoseguinte.
Acombinaçãodestesdois factos–apresençada indústriaea reservadesolopúblicoquesó
lentamentefoisendourbanizado,esempredeformadescontínuaedesconexa–contribuírampara
queaZonaOrientalsubsistissecomoumterritóriodeocupaçãourbanamenosdensaqueamédiada
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cidade.Em1981,adensidadepopulacionalerainferiorem1.970hab./km2àgeneralidadedacidade
de Lisboa. A desindustrialização, que se iniciou nos anos 80 e se acentuou fortemente na década
seguinte, não contribuiu para inverter essa situação. T. Barata Salgueiro (2001, 141) refere que a
indústria em Lisboa perdeu “19.538 empregos na década de 80 emais do dobro na seguinte”, e
muitas das fábricas que desapareceram ao longo destes anos situavam-se precisamente aqui. Em
associaçãocomareduçãodasoportunidadesdeemprego,diminuiutambémapopulaçãoresidente:
entre1981e2001,oconjuntodaZonaOrientaldeLisboaperdeu23.930habitantes(-19,4%).
AdesindustrializaçãoabriucaminhoaumaprofundareconversãourbanísticadaLisboaoriental.
Odesmantelamentoda indústriapetroquímicaemCaboRuivo(quase60hectares),dodepósitode
materialdeguerradeBeirolasedomatadouromunicipal,foiabaseparaarealizaçãodaExpo’98e,
atreladoàorganizaçãodessemegaevento,paraograndeplanourbanísticodoParquedasNações,
envolvendo um total de 340 hectares. A renovação desta área e a sua refuncionalização como
modernobairroresidencialecentroterciáriopermitiuqueoconjuntodaZonaOrientalrecuperasse
populaçãoentre2001e2011(+2,2%),emborainsuficienteparacontrariarasperdasregistadasnos
decéniosanterioresereporosvaloresde1981.
Arenovaçãourbana,porém,nãosecingiuaoperímetrodoParquedasNações.Desdeosanos
80,esobretudoao longodosanos90,bairrosdebarracasquehaviamcrescidonas imediaçõesda
cinturaportuáriaedosantigosnúcleos industriaispararesponderàsnecessidadesdehabitaçãode
grupos insolventes foram demolidos e os seus habitantes realojados em novos conjuntos de
habitaçãosocial(bairrosdoArmador,dosAlfinetes,Flamenga,etc.).Esserealojamentomassivoem
novosedifíciosplurifamiliaressignificouumrecuodapopulaçãodafrenteribeirinhaparaointerior,
comsubidadasconstruçõessobreascolinas,eaomesmotempoumaconcentraçãoeverticalização
do edificado residencial: de 8.203 edifícios habitacionais existentes em 1991 na Zona Oriental
passou-separa6.820em2011,enquantoonúmeromédiode fogosporedifício aumentoude4,7
para7,4.
Não obstante esta renovação, continuam a subsistir grandes manchas de arruinamentos e
vacânciasnaZonaOriental.Otipodereconversãourbanística iniciadonoParquedasNações,com
substituição de antigo solo industrial por novos condomínios residenciais, era expectável que se
tivesseexpandidoparasul,masacrisefinanceiraglobaldadécadapassada,edepoisacrisedadívida
soberana da zona Euro, introduziram um compasso de espera nessas pretensões. Ao longo da
Avenida Infante D. Henrique e a sul da Avenida Marechal Gomes da Costa, na frente ribeirinha,
encontram-semassasvolumosasdeedifíciosarruinadosegrandes lotescomrestosdedemolições
ou projetos iniciados que foram interrompidos. Alguns desses espaços encontram-se nessas
condiçõeshávinteanos,vedados,eportantosuprimidosàvidadacidade.Acabaramporseimporna
paisagem como presenças fantasmagóricas e um pouco misteriosas. Uma vegetação espontânea
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secundáriafoitomandocontadoslocais.Pensandonotempojátranscorridoemqueseencontram
nessa situação, é de nos interrogarmos se não teria sido possível pensar em usos públicos
transitórios para esses espaços, com intervenções de baixo custo, semelhantes, por exemplo, às
experiênciasdeBerlim,ondeoterrenodoantigoaeroportodeBerlim–Tempelhof–foidesativado
em2008edeulugaraomaiorparquepúblicodestacidade,ouseessanãopodeserumahipótesea
equacionarparaofuturopróximo.
Outra situaçãobastantepresentenaZonaOriental correspondeaespaçosvacantesmarginais
ao longodas linhasde caminhode ferro, configurando faixasdeTiers paysages que se interpõem
comobuffersentreasáreashabitadasetransitadas.Restriçõeslegaisseverasaoseuuso,incluindo
como espaços verdes de lazer, devido a questões de segurança e às regras impostas pelo regime
jurídicodoruído,têmlevadoaqueestesespaçospersistamcomomeros‘espaçamentos’sobrantes,
esquecidos pelo sistema de planeamento e pelos órgãos responsáveis pela gestão ambiental e
paisagística. Associações espontâneas de plantas aparecem nestes espaços em conjunto com
espéciesdecaráterinvasor,formandoumacomposiçãoconstituídaporespéciesvegetaisquecarece
de tratamento estético e paisagístico, entre as quais abundam:Ailanthus altissima (Mill.) Swingle
(ailanto), Cortaderia selloana (Schult.) Asch. & Graebn. (erva-das-pampas), Eriobotrya japonica
(Thunb.) Lindl, (nespereira), Ipomoea purpurea (L.) Roth. (glória da manhã, campainha, ipoméia),
Pittosporum undulatum Vent. (árvore-de-incenso), Robinia pseudoacacia L. (acácia-bastarda), e a
Ricinus communis L. (rícino).Merece pensar se não traria vantagens entender estes territórios de
penetração do selvagem na cidade como peças da estrutura verde urbana. Talvez especialmente
positivo fosse equacionar como estes espaços se podem integrar nas várias tipologias de espaços
verdes – cívicos, públicos de recreio, privados, de produção, de equipamentos, de proteção –
desempenhandoumpapelcrucialparaabiodiversidade,aresiliênciaurbana,avalorizaçãoestética
dacidadeeoconfortourbano.
Finalmente, em localizaçõesmais para o interior, encontra-se ainda uma outra realidade que
consisteemgrandesmanchasdeterrenosvacantescorrespondentesaespaçosnãourbanizados.São
restos de solo rural abandonado, heranças de antigas quintas desaparecidas sobre as quais
impendempretensõesurbanísticasouqueconstituemreservasdesoloparaaimplementaçãofutura
degrandesprojetospúblicosdecaráterestruturantecomhorizontedeconcretizaçãoindeterminado,
comosejamosterrenosreservadosparaointerfacedetransportesdeChelas-Olaias,paraoParque
HospitalarOriental (Hospital de Todos os Santos), ou para o acesso à terceira travessia do Tejo e
amarraçãodafuturaponteChelas-Barreiro.Essesolodestinadoaumafinalidadefuturaquenãose
sabe quando ocorrerá está hoje ocupado por várias formas de associações vegetais selvagens de
charnecasematagais,normalmentenãopensadosemrelaçãocomosistemadeespaçosverdese
corredores ecológicos, mas que na prática lhes são complementares. É importante assegurar e
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melhoraraqualidadedevidanascidadesondeosfundamentosecológicosurbanosdesempenham
um papel crucial como diretrizes para um planeamento e uma gestão sustentável urbana com o
intuitodeprogredirmosparacidadessustentáveisecomcapacidadederesiliência.
6. Conclusão
A teoriamais recente sobreoencolhimentourbano recomendaqueosespaçosabandonados
dascidadesnãosejamvistoscomosituaçõesexcecionaiseanómalas,mascomopresençasbanaise
partesintegrantesdacidadeparaasquaisénecessárioencontrarsoluçõesurbanísticaseformasde
integração paisagística inovadoras. A desdensificação que inevitavelmente se associa à retração
demográficaeaoabandonopelasatividadeseconómicasabrehipótesesaoavançodobiológicona
cidade, com a renaturalização de alguns espaços e a formação de ambientes assimiláveis ao que
talvezsepossachamardeselvagemurbano.
AaproximaçãoquefizemosaocasodaLisboaorientaldeixoupatenteoenormepotencialque
osespaçosarruinadosevacantesapresentam.Espaçosocupadosporruínasouprojetossuspensos
estendem-sepor40,2hectares.Quintaisarruinadoseterrenosvacantes,ondeasespéciesvegetais
sãodominantes,totalizammais110,7hectares,normalmentenãoassumidoscomoparteintegrante
dainfraestruturaverdedacidade,masquenaprática,emparte,sepodemedevemsomaraos687,7
hectares de espaços verdes existentes. Este número é bem expressivo da presençamarcante dos
terrenos vacantes na paisagem e recomenda que novas formas de entendimento destes espaços
peloplaneamentourbanoedoseutratamentopelopaisagismosejamensaiadas.
Agradecimentos/apoio
EstetrabalhofoifinanciadoporfundosnacionaisatravésdaFCT–FundaçãoparaaCiênciaea
Tecnologia,I.P.,noâmbitodoProjetoPTDC/ATP-EUR/1180/2014(NoVOID–RuínaseTerrenosVagos
nasCidadesPortuguesas:ExplorandoaVidaObscuradosEspaçosUrbanosAbandonadosePropostas
dePlaneamentoAlternativoparaaCidadePerfurada),doqualéumproduto.
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