os factores potenciadores da sinistralidade rodoviária
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Os Factores Potenciadores da Sinistralidade Rodoviária
– Análise aos factores que estão na base da sinistralidade –
Pedro Magalhães Oliveira
2007
Índice
1. Introdução à sinistralidade rodoviária …………………………………... 3 2. A sinistralidade rodoviária e as suas consequências ……………………. 5
2.1 Sinistro, sinistralidade e vitimização ………………………………… 5 2.2 Os números negros …………………………………………………… 6
3. O erro estratégico ………………………………………………………... 9 3.1 Na formação teórico-prática …………………………………………. 10 3.2 Nas campanhas de prevenção rodoviária …………………………….. 11
4. O status quo do ensino prático e as suas insuficiências ……………...….. 22 5. As causas da sinistralidade rodoviária? …………………….…………… 24
5.1 Condição básica para a ocorrência de um sinistro …………………… 24 6. Os Factores Potenciadores da Sinistralidade Rodoviária ............……….. 28
6.1 O supra-factor “Humano” ……………………………………………. 28 6.1.1 Incapacidade para dominar as reacções dinâmicas do veículo …... 28
6.1.1.1 Formação em dinâmica automóvel + condução defensiva ….... 28 6.1.1.2 Velocidade excessiva para as condições de circulação ………. 43 6.1.1.3 Estado psico-físico inadequado à prática da condução ………. 45 6.1.1.4 Ergonomia e postura na condução ……………………………. 46
6.1.2 Distracção na prática da condução ……………………………….. 49 6.1.3 Não-prática de uma condução defensiva – postura agressiva ……. 50 6.1.4 Desrespeito pelo Código da Estrada ……………………………... 52
6.1.4.1 Não-sinalização ou sinalização incorrecta na condução ……... 52 6.1.4.2 Desrespeito pela sinalização …………………………………. 53 6.1.4.3 Desrespeito pelas regras de circulação e da prioridade ………. 56 6.1.4.4 Desrespeito pelas regras de estacionamento …………………..65 6.1.4.5 Desrespeito pelos limites de velocidade ……………………… 65 6.1.4.6 Desrespeito pelos limites de álcool no sangue ……………….. 69
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6.1.5 Perseguições das autoridades policiais …………………………… 70 6.1.6 Inaptidão psico-física e cognitiva ………………………………… 72
6.1.6.1 Ausência de verificações periódicas (teóricas e práticas) ……. 73 6.1.7 Sexo, faixas etárias de risco e experiência de condução …………. 73 6.1.8 Factor cultural ……………………………………………………. 75 6.1.9 Os peões na Via Pública ……………………......................……… 79
6.2 O supra-factor “Veículo” …………………………………………….. 83 6.2.1 Estado de conservação e/ou de manutenção ……………………... 83 6.2.2 Capacidade de aceleração longitudinal e lateral …......................... 84 6.2.3 Massa do veículo e sua distribuição ……………………………… 86 6.2.4 Direcção ………………………………………………………….. 93 6.2.5 Ergonomia / posição de condução ………………………….......... 93
6.3 O supra-factor “Via” …………………………………………………. 94 6.3.1 Factor “Via” versus Factor “Humano” …………………………... 101
6.4 O supra-factor “Ambiente” …………………………………………... 104 7. Considerações finais e recomendações ………………………………….. 108
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1. Introdução à sinistralidade rodoviária
Em Portugal, a elevada taxa de sinistralidade rodoviária registada tem merecido, nos
últimos anos, uma atenção especial por parte das autoridades rodoviárias, nomeadamente
da Direcção-Geral de Viação (DGV), tendo resultado em campanhas de prevenção,
legislação mais punitiva e uma consequente acção policial mais forte.
Sem embargo ao esforço meritório das instituições competentes, os números “negros”
continuam a verificar-se, ano após ano, com consequências devastadoras para muitas
famílias afectadas por este fenómeno endémico e obnóxio, para o qual contribuem muitos
factores que vão desde a formação teórico-prática dos condutores, às condições das vias,
passando pelo parque automóvel e, não menos relevante, pela nossa própria cultura.
Não obstante, só com uma compreensão ampla do que está a montante da sinistralidade
será possível actuar eficazmente para reduzir o número de sinistros rodoviários.
Particularmente, o trabalho pretende alertar, com especial destaque, para as insuficiências
do ensino da condução automóvel e sua aplicação prática na Via Pública (VP).
Partindo do pressuposto de que a maior parte dos sinistros rodoviários ocorre devido a
erro humano, defende-se a tese de que uma formação prática mais completa e rigorosa,
nomeadamente na inclusão da vertente da dinâmica automóvel e em harmonia com um
reforço importante da condução defensiva, poderia evitar muitos sinistros considerados,
pois, evitáveis. Talvez, por isso, a aposta das autoridades rodoviárias não tenha sido a
mais eficaz, na medida em que se tem negligenciado um dos aspectos fundamentais do
ensino da condução – a sua componente prática – e, ao mesmo tempo, subvalorizado a
noção de condução defensiva.
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Mas não é só do ensino prático da condução que este trabalho trata. Será, pois, feita uma
análise integral aos factores que estão na base da sinistralidade, pelo que esta não decorre
de uma só causa, mas antes é potenciada por factores diversos e relevantes.
Os principais destinatários serão, por hierarquia descendente de competências: a própria
DGV, que certifica; as escolas de condução, que prestam formação; os condutores
certificados, detentores de título válido de condução, nomeadamente com qualificações
de “Categoria B” (ligeiros), mas também extensível às categorias “A” (motociclos), “C”
(pesados de mercadorias) e “D” (pesados de passageiros).
Todas as ocorrências práticas significativas registadas durante a realização deste trabalho
com interesse para o seu âmbito, estão descritas no texto e servem de exemplos práticos
simples e demonstrativos de determinadas práticas diárias correntes na VP.
Considera-se este um trabalho maduro, tendo sido escrito após um aturado esforço de
recolha de informação, de uma análise aprofundada aos factores culturais vernáculos, de
convívio com indivíduos e grupos diversos e com múltiplos agentes e vítimas da
sinistralidade rodoviária, incluindo grupos de risco de conduta marginalizante. É, ainda,
fruto de uma congregação, confronto e síntese de ideias e impressões provenientes de
indvíduos profissionais em formação de condução, das suas experiências práticas.
As linhas que se seguem são escritas ao arrepio da elevada taxa de sinistralidade
rodoviária nacional, e, como síntese, devem ser encaradas, por um lado, como uma crítica
construtiva ao status quo em matéria de formação rodoviária, e, por outro, como uma
possível linha directora para um ensino mais completo, uma legislação mais adequada, e
uma atitude e desempenho na condução na VP mais responsável e eficaz,
respectivamente.
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2. A sinistralidade rodoviária e as suas consequências
A sinistralidade rodoviária é um fenómeno civilizacional, fruto da existência e da
circulação em massa de veículos na VP. As suas causas assentam numa dinâmica em que
intervêm quatro supra-factores inter-relacionados: humano, veículo, via e ambiente.
Afecta, praticamente, todas as famílias, directa ou indirectamente, e tem consequências
sociais, económicas e, até, ambientais nefastas.
2.1 Sinistro, sinistralidade e vitimização
Para os efeitos do presente trabalho, entenda-se o sinistro como sendo qualquer
ocorrência na VP, de carácter fortuito, não-intencional, resultante do despiste e/ou
colisão de, pelo menos, um veículo em movimento, conduzido por condutor detentor
de título de condução válido, e do qual resultem danos materiais e/ou humanos
(vítimas). Neste âmbito, diferencia-se o sinistro do acidente clássico, pela ausência de
intencionalidade e pela ocorrência exclusiva em veículos automóveis em movimento com
condutor certificado. É, pois, uma definição mais restringente. Os acidentes ocorridos
com veículos imobilizados, não conduzidos ou com intencionalidade evidente, ou ainda
os que conduzidos por condutores sem título de condução válido, remetem a análise para
outros campos, tais como a criminologia, que, pelos objectivos do trabalho, não serão
aqui aprofundados.
A sinistralidade rodoviária é o somatório dos sinistros ocorridos na VP, por unidade de
tempo, nas vias de uma área geográfica específica, de uma divisão administrativa ou de
um determinado país.
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A vitimização resulta da ocorrência de sinistros em que tenham como consequência os
danos humanos, tanto físicos como psíquicos. Ao nível dos danos físicos, há três
categorias de vítimas definidas: mortos, feridos graves (quando os danos corporais
obrigam a um tempo de hospitalização superior a 24 horas) e feridos ligeiros. Os feridos
graves podem sofrer desde escoriações, fracturas ósseas, até lesões medulares resultantes
de traumatismo forte, para-/tetraplegia, perda de sangue, lesões em órgãos internos,
cortes de membros, queimaduras graves, incluindo, ainda, a perda de memória e o coma.
Alguns indivíduos chegam a morrer horas ou dias após o internamento, o que indica que
os dados estatísticos relativos ao número de vítimas mortais poderão não dar uma visão
muito verosímil da negra realidade rodoviária, por defeito.
2.2 Os números “negros”
Nos números da DGV sobre vitimização (ver Tabela 1), observa-se, entre 1984 e 2004,
um aumento de 33% no número de acidentes com vítimas (ainda que uma redução
considerável do número de mortos envolvidos) perante um aumento de quase 200% do
consumo total de combustível. Fazendo fé nestes números, pode afirmar-se, em traços
largos, que, neste espaço temporal, houve uma evolução positiva tendo em conta o
crescimento imarcescível do número de veículos a circularem na VP.
Nesta linha, a evolução positiva tecnológica da indústria automóvel no tocante à
segurança activa e à segurança passiva dos veículos, mais o aumento do número e da
qualidade de construção das vias, em harmonia com as campanhas de sensibilização da
Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), uma legislação mais restrictiva (inclusive na
utilização do cinto-de-segurança), e uma decorrente acção fiscalizadora e punitiva mais
eficiente, podem, conjuntamente, justificar esta diminuição relativa da vitimização.
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Tabela 1 – Número de acidentes com vítimas (1984 a 2004 – Rel. Anual da DGV, 2004).
O ano de 1992 foi o pior em vitimização. De 1998 a 2004 registou-se uma tendência de
redução substancial, quer em número de mortos quer de feridos.
Uma comparação muitas vezes feita, quando se procede a uma análise à vitimização nas
estradas portuguesas, é a da mortalidade ocorrida na guerra do Ultramar Português – onde
perderam a vida, entre 1961 e 1974, quase oito mil soldados (8.000) em campanha – com
a ocorrida nas estradas portuguesas, em período de tempo idêntico. Entre 1991 e 2004,
perderam a vida nas estradas mais de vinte e cinco mil (25.000), ou seja, mais do triplo.
Os números “negros” da sinistralidade rodoviária custam, ao País, anualmente, cerca de
dois mil milhões de Euros. As famílias envolvidas em sinistros rodoviários são
prejudicadas humana, material e financeiramente. O Estado sai, também, lesado, uma vez
que um sinistro comporta, normalmente, custos relacionados com o trabalho das forças de
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segurança (PSP e GNR), bombeiros, hospitais e até tribunais. O Ambiente também é
prejudicado com o aumento do número de veículos acidentados que, por um lado,
estimulam a procura e o fabrico de mais quantidade de veículos novos, e, por outro, o
aumento da quantidade de matérias não-orgânicas, não sujeitas a reciclagem.
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3. O erro estratégico
Como foi dito, medidas diversas foram sendo tomadas, ao longo dos últimos anos, por
parte dos sucessivos governos, do Ministério da Administração Interna (MAI) e da DGV,
com o intuito de reduzir a sinistralidade e, acima de tudo, a vitimização nas estradas
portuguesas. Algumas delas, ao nível de alterações na legislação do CE, nomeadamente
na vertente punitiva; outras, mais morosas e não menos importantes, de obras públicas
com vista ao aumento de segurança nas vias (como é exemplo a construção da auto-
estrada A25, em substituição do traçado do IP5, entre Aveiro e a Guarda).
Contudo, e não obstante uma redução efectiva gradual do número de vítimas mortais e de
feridos desde 1998, os números têm permanecido em níveis preocupantes, como foi
aludido.
Sem prejuízo às campanhas de prevenção conhecidas, a linha directora de actuação das
autoridades competentes em matéria rodoviária tem-se centrado na punição aos
infractores do CE. Esta praxis pauta-se por uma legislação com uma carga punitiva mais
pesada, autuação policial e uma aplicação de coimas e de sanções acessórias.
Mas aqui reside o erro estratégico. Ao contrário do slogan da DGV, não basta cumprir o
CE, nem somente punir, do lado dos condutores e das autoridades rodoviárias,
respectivamente. A penalização dos infractores do CE será importante para ajudar a
desencorajar o incumprimento do mesmo, mas não será condição suficiente garantir a
segurança na VP. A velocidade, as vias e as condições meteorológicas podem agravar
qualquer erro por parte do condutor, ou criar condições propensas ao despiste, mas não
serão propriamente, e em rigor, causas como normalmente se aponta.
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3.1 Na formação teórico-prática
A verdade é que uma fatia muito grande dos sinistros rodoviários ocorridos na VP, dá-se
por falta de destreza no controlo dinâmico do veículo, juntamente com uma grave falha
de práticas de condução defensiva. Isto, independentemente do cumprimento ou
incumprimento do CE.
Os sinistros mais graves estão frequentemente associados a perdas de controlo dos
veículos em curvas, com despiste (causa directa), consequente colisão e vitimação, em
situações de sub-/sobreviragem. Uma grande parte deles encontrando-se em cumprimento
das velocidades ditadas pela sinalização e pelas regras do CE, incluindo taxas de
alcoolemia normais, no momento da sua ocorrência.
Os famigerados troços de algumas vias portuguesas, chamados de “pontos negros” –
como surge, por exemplo, no IP4 – ganharam a sua fama por serem palco permanente de
longas derrapagens descontroladas de veículos em que os seus condutores pouco mais
fazem do que observar, horrorizados e impotentes, o seu próprio deslizar em direcção à
morte que os “espreita” nas curvas lateralmente delimitadas pela geada matinal.
Apontar o dedo, nestas circunstâncias, à velocidade, à via ou às condições meteorológicas
adversas sem primeiro analisar a preparação dos condutores encartados e os requisitos do
seu treino teórico-prático nas escolas, jamais passará de uma tergiversação que esconde
um problema de fundo que nunca foi devidamente identificado nem, muito menos,
solucionado.
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3.2 Nas campanhas de prevenção rodoviária
Por outro lado, as campanhas portuguesas de prevenção rodoviária não terão, porventura,
sido as mais eficazes, pois não chocam ou simplesmente não causam impressão. Há
autores que defendem o estilo da “campanha de choque”, já existente noutros países da
União Europeia, em que são mostradas situações reais arrepiantes como exemplo do que
acontece, por forma a tentar consciencializar, de uma forma mais agressiva, os
condutores para os perigos e consequências de uma condução errada. A integração de
bébés, crianças e jovens nas campanhas de prevenção é um factor emocional adicional
que reforça a mensagem que nelas pretende ser transmitida.
Figura 1 – Exemplo de campanha da PRP.
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Em Portugal, a campanha televisiva, apoiada pelo MAI, na qual surgem crianças a entrar
para dentro de um avião comercial (Fig. 2), foi bastante criticada pelo facto de, por um
lado, não ser visualmente chocante e, por outro, pela analogia com os aviões em
substituição dos automóveis. Embora a mensagem a transmitir seja importante, a forma
como foi transmitida pecava por falta de objectividade e direcção, segundo as críticas.
Figura 2 – Campanha portuguesa de prevenção rodoviária.
Na vizinha Espanha, tal como também em França, as campanhas televisivas para a
prevenção rodoviária são claramente elucidativas. Vejam-se dois exemplos. Na Fig. 3, a
seguir, pode observar-se umas imagens do vídeo de uma campanha conhecida. Algumas
imagens contidas nas páginas seguintes têm um conteúdo forte.
Figura 3 – Campanha espanhola de prevenção rodoviária.
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Os vídeos de certas campanhas estrangeiras de prevenção rodoviária são bastante
objectivos e mostram claramente os efeitos nefastos da condução ora com velocidade
excessiva, sem cinto de segurança, sob o efeito do álcool, sono e distracção.
No exemplo espanhol, a comparação dos efeitos de uma colisão em velocidade com
exemplos de situações físicas de dinâmica da vida real amplificam a mensagem
transmitida.
No exemplo seguinte, (vídeo da Fig. 4), observa-se um veículo acidentado com
capotamento no meio da faixa de rodagem, supostamente devido à perda de controlo por
parte do condutor que circulava em excesso de velocidade. Ouve-se a voz de uma criança
a chamar pela sua “mamã”. O pai tenta abrir a porta para sair do veículo. Quando está já
quase a conseguir sair, vem outro veículo, também em excesso de velocidade, e colide
directamente com o acidentado, matando o pai instantaneamente e projectando o veículo
capotado com os restantes ocupantes para longe, anulando hipóteses de sobrevivência.
Figura 4 – Campanha francesa de prevenção rodoviária.
Não há dúvida de que a campanha francesa é, igualmente, uma “campanha de choque”,
pois pretende atingir emocionalmente os condutores, por forma a consciencializá-los,
com um caso prático e perturbador, para os perigos da velocidade…
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Outro exemplo de “campanhas de choque”, objectivas, é o vídeo britânico que está
apresentado na Fig. 5, em baixo. Aqui em foco a não-utilização do cinto-de-segurança,
no caso de colisão.
Figura 5 – Campanha britânica de prevenção rodoviária.
Observa-se, no vídeo, o traumatismo provocado na cabeça de uma rapariga resultante da
colisão do corpo solto do namorado – que não levava o cinto de segurança apertado –
dentro do veículo, causado pela forte colisão longitudinal com outro veículo, seguido
ainda de outra no sentido contrário à primeira. Supostamente, tal como é apresentado no
vídeo, o embate entre as cabeças do casal iria provocar um dano cerebral permanente na
rapariga. Se o seu namorado levasse o cinto apertado, não teria embatido daquela forma
contra ela, pois sofreria a mesma aceleração e desaceleração consecutivas, resultantes das
colisões, que os restantes ocupantes sofreram.
O carácter emocional da relação amorosa entre os dois protagonistas do spot em
referência, inicialmente apresentada – sendo que um deles seria responsável pela morte
ou invalidez do outro – ajuda, ainda, a causar um impacto muito maior à mensagem da
campanha.
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No âmbito da estratégia de segurança rodoviária, do Department for Transport, Energy
and Infraestructure (DTEI) sul-australiano, foram realizadas diversas campanhas com
spots publicitários para a rádio e para a televisão, também muito elucidativos. Os temas
em destaque são: o álcool, a velocidade, o cansaço, a distracção e o cinto de segurança.
No fim dos spots, surgem mensagens em letras maiúsculas grandes, em branco e em
vermelho, sobre um fundo preto:
1) – Sobre a condução sob o efeito do álcool:
“DRINK DRIVE. YOU’LL BE SORRY.”
“DRINK DRIVE. THINK ABOUT THE IMPACT.”
2) – Sobre a condução com velocidade excessiva:
“SPEED DRIVING. WRECKS LIVES.”
“SPEEDING. WHAT’S YOUR EXCUSE?”
“WIPE OFF 5.” (“5 KM/H MAKES ALL THE DIFFERENCE”)
3) – Sobre a condução sob cansaço:
“STOP. REVIVE. SURVIVE.”
4) – Sobre a utilização do cinto-de-segurança:
“NO TRIP’S TOO SHORT FOR A SEATBELT.”
5) – Sobre a desconcentração na condução e utilização de telemóveis:
“GOOD DRIVERS JUST DRIVE.”
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Para além dos vídeos, as campanhas de cartaz, sejam em panfletos, em revistas ou em
outdoors, têm um papel importante. Em Portugal, também curiosamente, não se
observam campanhas chocantes como se observa nos países anglófonos porventura mais
civilizados em matéria de comportamento rodoviário. Ora, será isto um contra-senso?
Figura 6 – Campanha britânica contra a velocidade rodoviária.
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Inúmeras imagens fortes e vídeos de colisões rodoviárias contam histórias reais que
acabaram mal e que poderiam ser mais divulgadas como uma advertência para os perigos
da condução errada.
O exemplo chocante de uma jovem de 18 anos que, embriagada, resolveu pegar no
Porsche novo do seu pai sem a permissão dele. O resultado de uma violenta colisão
contra uma estrutura sólida a bem mais de 100 milhas, após perda de controlo e colisão
num outro veículo, está documentado nas imagens que se seguem.
Figura 10 – Violenta colisão a alta velocidade de um veículo conduzido por jovem embriagada.
Na página seguinte, alguns exemplos de consequências, na fisionomia humana, de
colisões em sinistros rodoviários potenciados por condução sob o efeito do álcool ou
simplesmente por quaisquer outros factores humanos específicos.
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4. O status quo do ensino prático e as suas insuficiências
O ensino prático leccionado nas escolas de condução baseia-se na aplicação do CE na
VP, incluindo algumas manobras de estacionamento. Não é dado o devido valor à prática
de uma condução defensiva nem ao treino do controlo dinâmico do veículo,
nomeadamente o treino na prevenção e no controlo da derrapagem. Não há um plano de
aplicação de formação prática deste importantíssimo capítulo; não há pistas com
condições próprias adequadas para este tipo de treino, nem simuladores específicos.
Os simuladores que alguns centros de formação de condução (v. Fig. 12) utilizam,
embora tenham a sua importância na passagem da teoria para a prática real, não
contemplam modelos suficientemente precisos do comportamento dinâmico de um
veículo automóvel, e a sua utilização fica, pois, limitada, à aplicação do CE na VP virtual
em ambiente sintético, e ao treino psicomotor de ab-initio.
Figura 12 – Simulador de condução utilizado pelo ACP.
Os próprios instrutores também não têm, na generalidade, essa preparação necessária ao
treino em causa.
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As escolas de condução não ensinam, pois, um condutor formando a controlar um veículo
na sua vertente dinâmica, mas antes a circular dentro dos limites de velocidade, a
respeitar o CE e a manobrá-lo como se as leis da Física se não aplicassem e a reacção do
veículo às solicitações do condutor fosse sempre linear e imediata.
Não será imprudente afirmar-se que há, actualmente, como tem havido sempre, um certo
facilitismo na emissão de licenças de aprendizagem e de títulos de condução em relação à
complexidade, à exigência e à responsabilidade que a condução na VP exige.
Se se comparar o nível de exigência de um curso aeronáutico para a obtenção de uma
simples licença de Piloto Particular de Avião (PPA), aprovado pelo Instituto Nacional de
Aviação Civil (INAC), com o de um curso para automóveis pesados de passageiros
aprovado pela DGV, observa-se uma disparidade de critérios gigantesca, desde os
requisitos psico-físicos eliminatórios, ao conteúdo teórico ou, até mesmo, à exigência
prática psicomotora no controlo do aparelho. Esta constatação é preocupante, uma vez
que uma aeronave ligeira para a qual a licença é válida tem, estatisticamente, uma taxa de
sinistralidade associada bastante mais reduzida do que tem um automóvel ligeiro, que
circula em vias físicas com grande intensidade de tráfego, com uma margem para erro
muito reduzida, e que pode, até, em caso de sinistro, ter consequências de igual ou,
mesmo, maior gravidade.
Será assim tão mais crítica a pilotagem de uma aeronave ligeira com 2 passageiros num
espaço aéreo vasto e desimpedido do que um carro pesado com 80 passageiros lá dentro
numa estrada movimentada e cheia de curvas?!
A falta de formação em condução nocturna e em condições de má visibilidade é outra
insuficiência do actual ensino. Muitos sinistros rodoviários sucedem nestas condições.
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5. As causas da sinistralidade rodoviária?
Muito se fala nas causas da sinistralidade rodoviária mas, também, muitas vezes se
comete o erro de apontar o dedo a um ou a outro factor, como causa, e de arrumar o
assunto por aí de forma simplista e, até, ingénua.
5.1 Condição básica para a ocorrência de um sinistro
Massa vezes Velocidade. Será esta a condição necessária, sine qua non, para a ocorrência
de um sinistro rodoviário. Tem de haver massa em movimento. O momentum linear de
um veículo é dado pela produto da sua massa pela velocidade. Como é normalmente
representado por um vector, tem ainda uma orientação. Todo o veículo em movimento
tem um momentum próprio, ou seja, uma quantidade de movimento linear.
E=½m.v2 Esta fórmula relaciona a Energia cinética com a massa e a velocidade. Numa
colisão perfeitamente inelástica entre dois veículos automóveis dá-se uma redução
máxima da Energia cinética. A Energia cinética é transformada em Energia térmica
durante a deformação dos veículos. Ora, a variação da velocidade de um objecto faz
resultar uma variação maior da sua Energia cinética do que faz a variação da sua massa,
pela dependência quadrática. Isto significa que um pequeno aumento na velocidade de
um veículo faz aumentar a sua Energia cinética de forma muito acentuada. Em situação
de colisão, um pequeno aumento da Energia cinética contida no veículo em movimento,
potencia um aumento acentuado dos danos físicos resultantes dessa colisão.
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Em termos comparativos, veja-se, por exemplo, que um automóvel ligeiro de 1.500kg de
peso bruto, deslocando-se a uma velocidade de 260km/h contém em si um valor de
Energia cinética superior ao de um veículo pesado de dez toneladas a 100km/h, podendo,
pois, causar importantes danos materiais (e humanos) em caso de colisão.
Mas, para ocorrer um sinistro, basta que um veículo se encontre em movimento. A
velocidade é, pois, a condição necessária essencial para a ocorrência de um sinistro – tem
de haver movimento.
Nos dias de hoje, encontra-se uma enorme discrepência entre as limitações impostas pelo
CE e as capacidades dinâmicas dos veículos que legalmente circulam na via pública.
Com menos de quinze mil euros, é possível adquirir máquinas de duas rodas capazes de
acelerar até aos 200km/h no tempo de sete segundos; e não é preciso uma certificação
especial para as conduzir. Infelizmente, nas nossas estradas, a “Categoria A”, por vezes, é
sinónimo de “licença para morrer”.
O mesmo se passa com veículos de quatro rodas, em que, na prática, em relação ao
parque automóvel existente, a “Categoria B” certifica condutores para a condução de
veículos: desde um “Moto4” de 100kg até um veículo blindado de 3.500kg de peso; com
velocidades máximas entre os 50km/h e os 400km/h (ou mais); com potências dos 10Cv
aos 1.000Cv (ou mais); de tracção dianteira e de tracção traseira. Isto significa que não há
nem limitações em termos dinâmicos para os veículos, que não somente o peso, nem
certificações específicas que tenham em conta as diferentes características dos veículos e
os níveis de perigosidade que uma condução irresponsável nesses veículos pode
comportar para o próprio e, sobretudo, para os restantes utentes da VP.
Os parágrafos anteriores poderiam parecer partes integrantes de um óptimo postulado
para a “cartilha rodoviária” de qualquer defensor da velocidade reduzida na VP e da
respectiva punição aos infractores dos limites estabelecidos pelo CE. Os que alegam que,
juntamente com o álcool, a velocidade é uma das principais causas de sinistralidade
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rodoviária, tradicionalmente remetem a resolução deste complexo problema para uma
simples punição dos infractores, por vezes desconhecendo as verdadeiras causas e quase
sempre negligenciando factores relacionados não menos relevantes. Também as
autoridades policiais, PSP-T e GNR-BT, não referem, nas entrevistas, a insuficiente
preparação prática dos condutores de veículos, apontando, antes, o “excesso de
velocidade”, o “piso escorregadio”, as “manobras perigosas” ou o “álcool”.
Mas contrariamente ao que se advoga, a velocidade não é uma causa de sinistralidade,
mas sim um factor potenciador de sinistralidade, tal como a chuva, as curvas de uma
estrada, o álcool ou o desrespeito do CE. Embora as campanhas de prevenção rodoviária
tradicionalmente convirjam para o aforismo “a velocidade mata”, ou ainda para “basta
cumprir os limites”, a verdade é que a velocidade potencia eventuais erros por parte do
condutor ou dos restantes elementos dinâmicos constituintes da infra-estrutura rodoviária,
tais como veículos terceiros, peões e objectos diversos.
É importante que se respeitem os limites de velocidade; é importante que se não circule a
velocidade excessiva para as condições das vias; mas igualmente importante será garantir
que os condutores, legalmente habilitados a conduzir na VP, tenham uma formação
prática eficaz ao ponto de estarem preparados para controlar os veículos em caso de
instabilidade / perda de aderência, situação frequente em condução automóvel.
O capítulo do controlo dinâmico do veículo, na condução, está, infelizmente, associado
apenas à noção de “condução avançada“, ou seja, opcional à margem do título de
condução aprovado pela DGV. Ora, enquanto não fizer parte integrante de uma formação
completa, obrigatória, portanto, sinistros evitáveis continuarão a suceder tal como hoje
sucedem. Juntamente com uma melhor preparação necessária dos condutores, assim
também o reforço da componente defensiva da condução, a montante da ocorrência da
derrapagem, perda de controlo do veículo e sinistro, é fundamental. A este concerto de
esforços formativos chama-se prevenção.
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Em suma, à excepção das situações humanamente inevitáveis, um sinistro com ou sem
colisão e/ou vítimas, ocorre principalmente devido a erro humano, por incapacidade do
condutor em controlar o veículo ou em modificar a sua marcha de acordo com as
condições e necessidades de circulação, eventualmente potenciado por diversos factores,
ou supra-factores – humano, veículo, via e ambiente. A National Highway Traffic Safety
Administration (NHTSA) norte-americana estima que pelo menos 90% dos sinistros
rodoviários com veículos automóveis tenham causa em factores humanos.
Do ponto de vista da análise à sinistralidade rodoviária global e à sua redução, parecerá
mais coerente ter em conta todos os possíveis e mais variados factores que potenciam o
sinistro, do que abordar a complexa análise do ponto de vista, porventura mais limitativo,
da/(s) causa/(s). As causas directas, essas, variam consoante cada caso e, normalmente,
redundam no despiste do veículo ou na sua incapacidade de imobilização, causas directas,
sendo ainda, por sua vez, originárias em determinadas condições potenciadas por
diversos factores importantes. No ponto seguinte serão apresentados em detalhe esses
factores.
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6. Os Factores Potenciadores de Sinistralidade Rodoviária
São quatro os supra-factores que estão na base da ocorrência dos sinistros rodoviários.
Contêm factores e sub-factores que, conjuntamente, potenciam a sua ocorrência, e que,
seguidamente, serão apresentados.
6.1 O supra-factor “Humano”
O factor humano é o mais importante responsável na ocorrência dos sinistros rodoviários.
No plano do sinistro, o factor humano está associado tanto a condutores de veículos como
a peões que frequentemente atravessam as vias.
6.1.1 Incapacidade para dominar reacções dinâmicas do veículo
A incapacidade para controlar um veículo em situações críticas depende de alguns sub-
factores importantes.
6.1.1.1 Formação em dinâmica automóvel + condução defensiva
Considera-se que só uma formação teórico-prática completa, que integre o capítulo da
dinâmica automóvel, poderá garantir um controlo óptimo do veículo por parte do
condutor. Sem um controlo efectivo e permanente, por parte deste, sobre o veículo que
conduz, não será, igualmente, possível garantir um mínimo razoável de segurança de
circulação na VP.
28
As reacções do condutor ao desequilíbrio do veículo, em situações de derrapagem, perda
de aderência de uma ou de várias rodas, têm de ser prontas e eficazes. Mas a prontidão de
reacção, por parte do condutor, obriga a uma condição prévia – a criação de
automatismos – que pressupõe a reacção imediata à situação dinâmica do veículo na via.
Essa condição pode ser adquirida com treino de simulador e em condições reais.
Figura 13 – Dinâmica de um automóvel numa curva.
O caso mais típico verificado em Portugal de perda de controlo do veículo, com despiste
total ou parcial, é o clássico erro da sobreviragem descontrolada em volta, induzida por
uma desaceleração com transferência de peso para a frente, perda de tracção lateral
traseira e rotação sobre o eixo vertical para o lado exterior da curva (ver Fig. 13).
29
Figura 14 – Ângulo de derrapagem do pneu em curva.
Quando um veículo descreve uma curva, os seus pneus têm de suportar lateralmente a
Força centrífuga gerada. Devido à elasticidade do pneu, por um lado, e aos coeficientes
de atrito, por outro, é formado um ângulo de derrapagem (deriva) na área de contacto
com o piso, que corresponde à diferença entre a direcção da área de contacto ou a
direcção efectiva da deslocação e a direcção física real da roda.
Figura 15 – Diferença ângular de derrapagem entre as rodas dos eixos dianteiro e traseiro.
30
É a diferença angular nas rodas, entre os dois eixos, que dita a subviragem e a
sobreviragem. Numa volta normal, neutra, os ângulos de derrapagem das rodas dianteiras
têm sensivelmente a mesma amplitude que os das rodas do eixo traseiro. Assim, se os
ângulos do eixo dianteiro forem maiores, obter-se-á subviragem; se forem menores, será
a sobreviragem que resulta.
Na realidade, há, também, sempre uma ligeira diferença angular entre as rodas do lado
exterior e interior da curva, por causa da posição em relação ao eixo vertical de
translação, sendo que as do lado interior fazem um ângulo maior com o eixo longitudinal
do veículo do que as do lado exterior (ver Fig. 16). Há, igualmente, uma diferença de
velocidade no movimento circular das rodas, devido ao diferente comprimento dos arcos
de curva (as rodas do lado interior da curva giram menos do que as do exterior que têm
um percurso maior por percorrer), pelo que existem dispositivos mecânicos diferenciais.
Figura 16 – Translação e Rotação teóricos – eixos verticais em volta.
31
Quando há aplicação de Força de tracção, em curva, o ângulo de derrapagem aumenta.
Isto significa, genericamente, que, nos veículos de tracção dianteira tende a haver um
aumento da subviragem; nos de tracção traseira, a tendência é a oposta, ou seja,
sobreviragem. Nos veículos equipados com sistemas de tracção integral com repartição
50% / 50%, o aumento da derrapagem surge de forma equilibrada e neutra.
Quando os limites de aderência lateral se aproximam ou quando estes são ultrapassados,
numa curva, a aplicação de Força longitudinal (tracção) tende a resultar em derrapagem
ou no seu agravamento.
A subviragem surge em situações de entrada em curva com velocidade excessiva para o
piso, ou por aceleração em veículos de tracção dianteira.
Já a sobreviragem tanto pode surgir em aceleração em veículos de tracção traseira, como
também em desaceleração em qualquer tipo de tracção. A transferência de peso para a
frente, em desaceleração, provoca um desequilíbrio no veículo e uma tendência de
sobreviragem eminente, ou seja, de rotação sobre o eixo vertical dianteiro do veículo.
A subviragem excessiva e descontrolada apresenta um perigo de colisão e de despiste.
Surge, sobretudo, em piso pouco aderente e é sempre um efeito indesejável na condução
(o chamado “fugir de frente”). Em subviragem, a tendência de rotação do veículo sobre
um eixo vertical tende a desaparecer e, em vez disso, mantém a direcção inicial. E o
condutor perde momentaneamente o controlo direccional do veículo.
A sobreviragem por desaceleração surge mais frequentemente em piso aderente e, se
descontrolado, pode ocasionar um peão e eventual despiste; se controlado, desde que
ligeiro, pode ajudar na inscrição da frente do veículo para o interior da curva na
trajectória pretendida (sobretudo em veículos de tracção dianteira com o centro de
gravidade avançado). A sobreviragem em aceleração surge mais em piso de baixa
32
aderência, mormente em veículos com elevado torque, ou momento de torção, (comum e
imprecisamente chamado de “binário motor”) e/ou muita potência disponível às rodas
traseiras, pelo que poderá ser aconselhável manter o controlo de tracção e/ou de
estabilidade ligados, sobretudo em piso pouco aderente.
Figura 17 – Eixos verticais (teóricos) de rotação em volta normal e em sobreviragem.
Quando um veículo entra em sobreviragem por desaceleração longitudinal, a derrapagem
das rodas do eixo traseiro (deriva) em torção é agravada se não houver correcção por
parte do condutor e/ou dos sistemas de controlo automático (se os houver). Se não houver
correcção, a velocidade angular da torção aumenta, provocando um aumento do
momentum angular (velocidade angular x momento de Inércia), por sua vez provocando
um agravamento da deriva, podendo mesmo passar do ponto de não-retorno – situação
em que o veículo descreverá uma rotação descontrolada sobre o seu eixo vertical frontal
(efeito designado por “peão”).
33
O controlo da deriva de traseira faz-se através da contra-brecagem, voltando o volante
para o lado da deriva e assim obrigando a frente a contrariar a torção.
Em veículos com tracção dianteira, para além da contra-brecagem, pode recorrer-se ao
acelerador, em simultâneo e com muito eficiência, para cortar a transferência de peso e,
assim, impossibilitar um agravamento do momentum angular.
Nos veículos de tracção traseira, é menos aconselhável o recurso ao acelerador nesta
circunstância, devido à possibilidade de agravamento da derrapagem das rodas do eixo
traseiro e, por conseguinte, da sua deriva. Nestes veículos, para além da contra-brecagem,
deve usar-se o pedal da embraiagem de forma a impedir que a Força do motor transmitida
(pela transmissão) às rodas possa agravar a deriva. Há, todavia, veículos de tracção às
quatro rodas, equipados com um diferencial central que reparte a Força pelos eixos
consoante a derrapagem em cada um deles, possibilitando a aceleração como atenuador
da sobreviragem.
A perda de controlo do veículo na via pública, por erro humano, surge, nas estradas
portuguesas, em todas as condições: em piso seco e em piso molhado, com boa e má
visibilidade, em veículos novos e antigos, com condutores jovens e idosos, inexperientes
e, até, experientes. O erro humano por falta de formação prática em dinâmica automóvel
(onde se inclui o controlo da derrapagem), juntamente com outros sub-factores como a
velocidade excessiva, a ausência de práticas de condução defensiva (que inclui a
prevenção da derrapagem e do sinistro), o estado de conservação da via, e de condições
climáticas, resulta em graves acidentes de viação.
Existem dispositivos de controlo de estabilidade automático para os veículos, alguns dos
quais já vêm, até, incorporados no equipamento de série. O Anti-lock Braking System
(ABS), o Traction Control (TC) e o Electronic Stability Program (ESP) ou Electronic
stability Control (ESC). Os dois primeiros actuam essencialmente na dinâmica
34
longitudinal do veículo, para travar e para acelerar sem derrapagem, respectivamente. Ao
ABS pode, ainda, estar associado um repartidor electrónico de travagem. O ESP/ESC tem
em conta a dinâmica lateral e o equilíbrio durante a transferência de peso em curva. Os
mesmos sistemas podem surgir, na indústria, com nomes diferentes aos apresentados,
mas os princípios são idênticos.
Figura 18 – As Forças no plano horizontal e os sistemas electrónicos de controlo automático (Bosch).
A utilização do controlo de estabilidade não deverá assentar, nunca, num excesso de
auto-confiança por parte do condutor que o leve a conduzir de forma imprudente, assim
como não deve acontecer quando este recebe lições de controlo e prevenção da
derrapagem em cursos de “condução avançada” ou mesmo quando compreende e domina
bem o veículo em termos dinâmicos. Por isso é que é peremptório o princípio da
condução defensiva. O ESP/ESC serve, somente, para ajudar o condutor no controlo
direccional e para manter a estabilidade do veículo.
Um estudo do Instituto para a Segurança Automóvel, alemão, recomenda a inclusão do
sistema de controlo de estabilidade em todas as classes de veículos, depois de concluir
que mais de ¼ das colisões graves em automóveis se devem ao despiste por falta de
controlo directo e efectivo do condutor.
35
Figura 19 – Representação tridimensional da dinâmica automóvel.
Quando se fala em dinâmica automóvel, i.e., nas Forças que actuam num veículo e o seu
comportamento, tem de se equacionar as três dimensões do espectro dinâmico: a
dinâmica longitudinal, a dinâmica lateral e a dinâmica vertical.
Só compreendendo o jogo de Forças que a dinâmica automóvel abarca será possível
compreender o comportamento dos veículos na VP, incluindo os limites de aderência e a
movimentação de massas.
Figura 20 – Esboço da análise à dinâmica, nas três dimensões: longitudinal, lateral e vertical (Corrsys-Datron GmbH).
36
Como foi dito, a formação prática prestada actualmente nas escolas de condução é
insuficiente, não preparando devidamente, na vertente prática, os potenciais condutores
na base da percepção do comportamento dinâmico nem, menos ainda, no importante
controlo do veículo em situações de derrapagem. Partindo deste pressuposto, a origem de
um sinistro por erro humano, surge numa cascata de causas-consequências:
→Instabilidade do veículo ou perda de aderência →Ausência de reacção, ou reacção errada
→Perda de controlo, por parte do condutor →Despiste do veículo da via de trânsito ou da faixa de rodagem
→Eventual colisão do veículo (sinistralidade e/ou vitimização)
A perda de controlo do veículo, com despiste, é responsável, todos os anos, por milhares
de acidentes e muitas centenas de mortos, nas estradas portuguesas. A perda de controlo
do veículo, em curva, é, quase sempre, originada por sobreviragem descontrolada (por
inabilidade do condutor) ou por subviragem excessiva (por velocidade excessiva para as
condições do veículo e da via).
Uma indicação das situações em que o treino prático de dinâmica automóvel se revela
importante:
• controlo lateral de subviragem / sobreviragem (em aceleração angular);
o subviragem (por velocidade excessiva para as condições da via, e por
aceleração em veículos de tracção dianteira);
o sobreviragem (por desaceleração, e por aceleração excessiva em veículos
de tracção traseira);
• controlo longitudinal de derrapagem (em aceleração linear /±);
• treino diferenciado para veículos de tracção dianteira e traseira;
• condições do treino em piso aderente e em piso escorregadio.
37
São inúmeras as histórias reais de sinistros graves nos quais pessoas perderam a vida na
VP, por falha no controlo do veículo, nomeadamente por falta de preparação prática
específica. Fica, aqui, ilustrado um excerto de uma história de terror bem real:
“(…) A tragédia deu-se em Maio de 1995 (…) Leonor, Patrícia e Natalie juntaram-se ao grupo e foram com Tê-Tê e Liliana até Lisboa, ao aniversário de uma outra amiga num bar em Santos. Às duas da manhã, regressaram à Marginal em direcção à festa da espuma do Coconuts. Para fugirem às poças de águas (…), decidiram viajar pelo lado esquerdo. Não muito tempo depois, um Jeep guiado por um grupo de rapazes colou-se a elas. O condutor fazia malabarismos para dar nas vistas às meninas da Linha. Numa curva entre a Parede e São Pedro do Estoril, o Jeep deu inadvertidamente um toque na traseira do veículo das jovens. A condutora, Natalie, que (…) só tinha a carta de condução há quinze dias, perdeu o controlo e entrou pela outra faixa. Um Seat Ibiza, que vinha na direcção contrária, bateu na zona do depósito do Polo, que voou até ao parque de estacionamento da discoteca Bafureira, aterrando em cima de uma carrinha Bedford. A rapariga que ia atrás, sem cinto, foi imediatamente cuspida do veículo. As restantes ficaram presas no interior em chamas (…) Homens acorreram (…), conseguindo retirar Patrícia, que viajava no lugar do pendura. Tê-Tê que ia no banco de trás gritava: ‘Alguém que me tire daqui. Não consigo desapertar o cinto’. Mas o VW tinha apenas três portas e estava desfeito. Era impossível socorrê-la. Pouco depois, o carro explodiu. As amigas morreram carbonizadas. Patrícia, com graves queimaduras, sobreviveu à catástrofe. Nove anos depois continua em coma no hospital…”Excerto retirado do jornal Correio da Manhã, de 21/11/2004.
A par da vertente prática, a formação com incidência em técnicas de condução defensiva
é, igualmente, de relevância maior, de forma a que os formandos – futuros condutores e
potenciais agentes da sinistralidade – aprendam a proteger-se e a minimizar o perigo.
Figura 21 – Caso típico de de
controlo do veículo por parte do condutor, por sobreviragem em curva (dia 25/12/05 – 14h). spiste, na curva de acesso ao IC-17 / CRIL, resultante da perda de
38
Alguns estudos realizados na Escandinávia, nomeadamente na Noruega e na Suécia –
países periodicamente fustigados pelo mau tempo, incluindo muita neve e muito gelo –
concluiram que um treino prático exclusivamente centrado no controlo da derrapagem
pode ter efeitos exteriores nefastos. A explicação apontada por alguns autores (como
Glad, p.ex., em 1988, Noruega) reside em dois pontos principais: primeiro, no facto de os
indivíduos adquirirem um excesso de auto-confiança com o treino e derrapagem,
expondo-se, em consequência, mais a situações potencialmente perigosas do que
anteriormente ao treino; segundo, no facto de o treino em referência se basear
exclusivamente no controlo da derrapagem e não na sua prevenção.
Sobretudo em condições de baixa aderência, na condução na VP, mais importante será
an a
destreza apreendida no treino
controlo electrónicos de segurança activa existentes em muitos veículos, resolvam a
ento da
destreza, ou driving skills, no treino prático. Ou seja, passou a apostar-se mais na
m
tecipar o perigo, evitando-o, do que negligenciá-lo ou, até, propiciá-lo e esperar que
do controlo da derrapagem, ou que os dispositivos de
situação.
Em 1999, na Suécia, o “syllabus” dos cursos de treino da derrapagem, disciplina incluída
nos cursos de condução, ou skid training, baseado num programa de investigação do VTI
– Swedish National Road and Transport Research Institute (Gregersen & Strandberg,
1994), foi alterado, no seu conteúdo, pela autoridade rodoviária sueca – a Swedish Road
Administration. Assim, implementou-se um programa que passou a privilegiar a
prevenção da derrapagem, ou skid prevention, antecipação na condução e consciência do
risco e das limitações do condutor, em relação à importância do desenvolvim
condução defensiva, mas sem negligenciar o capítulo a que anteriormente era dado maior
valor pedagógico.
39
É preciso não esquecer que os países onde os estudos foram realizados, tal como foi dito,
apresentam anualmente condições do piso propícias à derrapagem. É, também, muito
mais difícil o controlo da derrapagem nestas condições de baixa aderência do que em piso
seco e aderente.
Quando um veículo, em piso escorregadio, entra em derrapagem, é muito mais difícil
imprimir uma alteração do seu momentum do que em piso seco, pois os coeficientes de
atrito são muito mais reduzidos, não obstante a mais reduzida velocidade de circulação.
Por isso é muito importante, sempre que possível, antecipar o perigo e reduzir a
velocidade antes da abordagem de uma curva nessas circunstâncias, e não acelerando
nem travando ao descrevê-la. Isto tem especial relevância sobre o gelo ou sobre estrada
boa aderência. Para que ela se dê em piso de boa aderência, é necessário
mais velocidade do que em piso menos aderente. Nos países mais quentes e secos, como
molhada e suja de óleo ou de outra matéria orgânica tal como a resina das árvores.
A derrapagem tanto pode surgir em piso escorregadio, de baixo nível de aderência, como
em piso seco, de
Portugal, a derrapagem surge frequentemente ligada à desaceleração/travagem a meio de
uma curva com velocidade (sobreviragem por desaceleração), do que à subviragem ou à
derrapagem das quatro rodas como surge no gelo dos países escandinavos. Nesta
perspectiva, o capítulo da condução defensiva, ainda que muitíssimo importante, não será
ainda assim tão delicado, por comparação com as chamadas driving skills, como naqueles
países do Norte em que um pequeno erro ou falta de cuidado pode ser a origem de um
grande sinistro rodoviário.
Embora, como se disse, existam já dispositivos electrónicos que controlam a derrapagem
das rodas motrizes e a estabilidade do próprio veículo – travando cada roda
independentemente – tal não é garantia de que o despiste do veículo não possa surgir,
mesmo em piso seco.
40
Fazendo fé nos estudos nórdicos já referidos, torna-se, na perspectiva do autor deste
trabalho, de grande relevância uma formação teórico-prática que incida nas duas
vertentes:
• no controlo da derrapagem e na percepção da dinâmica do veículo na via e das
forças físicas a que está sujeito, em particular na compreensão da subviragem e da
sobreviragem por desaceleração em curva;
la ocorrer, dando-se, pois, um maior
enfoque, e seguindo as directrizes escandinavas (Suécia).
mínimo de controlo sobre os veículos que transitam diariamente na VP.
E tal formação deveria ser dada, obrigatoriamente, nos centros de formação oficiais,
vul e
Uma vez que a grande m e circulam em Portugal têm as rodas
motrizes no eixo dianteiro, não seria difícil implementar um sistema de treino bipartido –
em
situaçõ
uma cu
Para m ue podem ser colocados
sob o eixo traseiro dos veículos de tracção dianteira (ver as Figs. 22 e 23), para fazer
• na prevenção da derrapagem e da antecipação ao sinistro potencial, através de
práticas de condução defensiva, de forma a evitar a necessidade constante de
controlo da derrapagem, ou seja, antes de
Só desta forma concertada, em que uma vertente não seja a negação da outra é que se
pode garantir um
go scolas de condução, a todos os condutores instruendos.
aioria dos veículos qu
simulador e em pista – no qual o instruendo teria de aprender a reagir prontamente a
es de derrapagem, nomeadamente à sobreviragem por desaceleração a meio de
rva1, mas também à travagem de emergência, incluindo o desvio de obstáculos.
ais, existem dispositivos de baixo custo – os “skid-car” – q
deslizar esse eixo e, assim, simular uma sobreviragem permanente, isto de forma a que os
condutores formandos tenham de contrabrecar e/ou acelerar para aprender a reagir,
atenuando a sobreviragem e controlando a trajectória do veículo. 1 Também designado por “lift-off”, o levantar súbito do pedal do acelerador, provocando o travão-motor.
41
Figura 22 – Para as 2 rodas do eixo traseiro: à esquerda, o sistema utilizado pelo Dept. of Transp. (DOT) do Montana (EUA); à direita, o sistema adaptado pelo centro de formação português CR&M.
Figura 23 – Para as 4 rodas: “SkidCar System”™ .
A simulação por computador atinge, hoje, elevados níveis de realismo. É uma solução
prática, pouco dispendiosa, necessitando, apenas, de um modelo matemático que sim le o
com
da caixa de velocidades). Se aplicada na formação rodoviária, a simulação tanto serve
como repositório de conhecimento teórico (processo cognitivo) como instrumento de
aprendizagem e estimulação da estrutura psicomotora (processo psicomotor).
Inclusivamente, e para demonstrar o seu grande potencial, diga-se que mesmo alguns
simuladores originariamente de utilização lúdica e Commercial Off-The-Shelf (COTS)
são já utilizados na fo . Também a vertente
automóvel destes simuladores tem grande potencial pedagógico que poderia ser
u
portamento dinâmico de forma fidedigna, de um sistema de A/V com ecrã e de
alguns dispositivos periféricos de controlo (volante, pedais e, eventualmente, uma manete
rmação aeronáutica com comprovado sucesso
aproveitado. Os seus modelos são relativamente fidedignos para uma aplicação séria,
42
bastando, para tal, uma parametrização específica para o treino pretendido. Esse potencial
pedagógico deveria ser explorado e tido como exemplo para futuro desenvolvimento e
aplicação efectiva em equipamentos específicos de baixo-custo.
Figura 24 – Simuladores de condução “Commercial Off-The-Shelf” (COTS).
6.1.1.2 Velocidade excessiva para as condições de circulação
A velocidade pode ser excessiva, tendo em conta: as aptidões e o estado psico-físico do
condutor, o estado do veículo e os seus limites dinâmicos, o traçado e o estado da via, o
seu congestionamento, a aderência relativa do piso e as condições meteorológicas locais.
Quando falha alguma destas preocupações maiores, o risco de sinistro aumenta de forma
abrupta. A velocidade excessiva é um factor potenciador da sinistralidade rodoviária.
Na linha do sub-factor anterior, a entrada de um veículo numa curva em velocidade
excessiva pode provocar uma de duas situações: subviragem, se a aceleração for
constante ou se estiver a aum
sobreviragem, se houver desaceleração ou travagem após o início da volta com aderência.
Na prática, acontece com grande frequência na VP um veículo entrar numa curva com
velocidade evitar o
despiste por subviragem; ora, ao fazê-lo, as rodas dianteiras ganham aderência, o eixo
entar, agravado em condições de baixa aderência relativa;
excessiva, tendo o condutor que desacelerar e/ou travar para tentar
43
traseiro fica mais leve com a transferência de peso para a frente, e deixa de fazer a força
necessária no piso, ou aderência, para manter o equilíbrio, provocando uma
sobreviragem. Como poucos condutores têm um treino básico em controlo dinâmico de
veículos, não controlando a subviragem nem a sobreviragem, o resultado “tradicional” é
o despiste e a consequente elevação da taxa de sinistralidade.
Como se disse, há já sistemas que individualmente controlam a rotação/travagem de cada
roda, auxiliando os condutores nas manobras mais críticas.
O ESP/ESC é especialmente eficaz, sobretudo, para reduzir a subviragem e permitir o
desvio do veículo de obstáculos em piso muito escorregadio, evitando ainda, de seguida,
rampas e
a potencial incapacidade do
reacção como pela incapacidade de controlo
dinâmico do veículo, e pela condição cinemática do próprio veículo.
uma consequente sobreviragem excessiva.
O ABS permite manter o controlo direccional em travagem de emergência, mas pode ter
um efeito nefasto quando são atingidos os limites de aderência lateral, sobretudo em
curvas descendentes apertadas, em velocidade, situação em que não permite travar,
podendo potenciar o sinistro (aqui por excesso de intervenção).
O TC controla a tracção evitando a derrapagem do trem motor. Tem utilidade em
veículos com elevado valor de torque, sobretudo em piso pouco aderente em
subidas.
O sub-factor da velocidade excessiva também se reflecte n
condutor em desviar ou imobilizar em segurança o seu veículo perante eventuais
obstáculos ou quaisquer outros elementos constituintes da via (factor ambiental
envolvente). Tanto por causa do tempo de
44
6.1.1.3 Estado psico-físico inadequado à prática da condução
É importante que o condutor em exercício se encontre em bom estado físico e psíquico.
. O cansaço físico pode, também, limitar os movimentos dos membros e
adormecer parte do corpo. O estado febril pode causar sonolência e distracção, bem como
oviário.
xcitantes vegetais como a cafeína e a cocaína, e sintéticos como as anfetaminas
provocam um aumento da excitação, da agressividade, diminuindo a prudência. Outras
drogas, com zantes,
provocam estados mentais de relaxamento sonolentos, entre eles o ópio e seus derivados:
vela perdeu a vida no entroncamento entre a
EN118 e a EN119, próximo do Campo de Tiro de Alcochete. O acontecimento foi muito
te imediata
do rapaz e a de outro indivíduo que com ele ia no veículo, dias após o acidente quando já
internado no hospital.
Só nestas circunstâncias, para além de uma boa preparação teórico-prática, é possível
garantir um bom desempenho na condução. A dor física pode distrair e prejudicar a
condução
a ingestão de determinados medicamentos.
O mesmo sucede com o estado psíquico. Sub-factores, tais como o sono, o cansaço, o
stress quotidiano prolongado, estado depressivo, a adrenalina, o álcool ou as substâncias
psicoestimulantes, podem potenciar muito a ocorrência do sinistro rod
E
o o LSD, produzem alucinações visuais (fantasticantes). Outras, eufori
morfina, codeína, heroína e outros opiáceos. Outras há que provocam o sono
(hipnóticos): os barbitúricos e os benzodiazepínicos. O álcool causa uma redução do
medo e afecta a estrutura psicomotora, aumentando perigosamente o tempo de reacção do
condutor.
Em Abril de 2006 um jovem actor de teleno
publicitado. Nos exames toxicológicos realizados ao cadáver, no Instituto Nacional de
Medicina Legal (INML), revelaram a presença de cocaína e de cafeína, substâncias que o
rapaz terá ingerido antes de se fazer à estrada. Desse acidente resultou a mor
45
A excitação pode propiciar uma condução agressiva e rápida. A cafeína é também um
psicoestimulante excitante, e é ingerido diariamente por uma grande parte da população
condutora portuguesa. Também a excitação pode prejudicar o controlo dinâmico do
veículo, para além de propiciar manobras bruscas e excesso de velocidade. Um estado
psíquico emocional desequilibrado pode potenciar, em grande medida, o sinistro,
incluindo a criminalidade ao volante e, até, a tentativa de suicídio.
O tipo de condução na VP varia na medida do estado de espírito dos condutores. O
cansaço psíquico e o sono podem provocar a falta de atenção na condução e, até, o
6.1.1.4 Ergonomia e postura na condução
esmo e dos
pedais diminui a atenção na condução, dificulta o controlo e, consequentemente, aumenta
adormecimento – causa frequente de despiste com consequências nefastas. Por isso, é
importante que os condutores descansem em viagens longas e conduzam, somente,
quando se sentem em boas condições psico-físicas de forma a possibilitar um bom
desempenho na condução. É preferível encostar do que continuar. Tal como a distracção,
o sono é um sub-factor crítico, responsável por uma enorme fatia da sinistralidade
rodoviária.
A ergonomia, na condução automóvel, é de grande relevância para o seu bom
desempenho. Uma posição de condução errada, um desconforto acentuado ou a falha de
contacto do corpo humano com os dispositivos de controlo de um automóvel – volante,
pedais, manetes da caixa e do travão de emergência – podem propiciar o sinistro
rodoviário. Uma posição ao volante demasiado descontraída, afastada do m
o tempo de reacção. O condutor deverá comportar-se como elemento do veículo. O cinto-
de-segurança tem importância não só para a redução da taxa de vitimização, mas também
para a redução da taxa de sinistralidade, na medida em que ao prender o condutor ao
veículo, fá-lo parte integrante do mesmo, melhorando o seu controlo dinâmico.
46
O uso de calçado desconfortável, de sola e/ou salto altos, de baixa aderência aos pedais,
dificulta o controlo do veículo. O tipo de calçado ideal para a condução deve ser
confortável, leve, bem adaptado, de sola baixa e de boa aderência aos pedais. Os sapatos
de senhora são, normalmente, desadequados para a condução automóvel. As sapatilhas,
ou ténis, e o calçado desportivo em geral são mais recomendados. O “calçado de praia”,
as sandália , ainda que permitida a sua
mentos
verticais descendentes) e ainda causar cansaço e distracção na condução.
s e os chinelos, muito na “moda” actualmente
utilização em espaços públicos fechados, deveria contudo ser proibida a sua utilização
para os efeitos da condução automóvel, uma vez que prejudicam o controlo dos pedais.
A posição das mãos no volante é uma das coisas mais básicas da aprendizagem em
condução automóvel mas que, ainda assim, é, frequentemente, das mais desconhecidas
pelos condutores. Infelizmente, os instrutores de condução ainda não estão bem
sensibilizados para com estes pormenores básicos e importantes.
Se as mãos do condutor estiverem colocadas em posição elevada – o típico “dez para as
duas” – em vez de numa posição média e em oposição imediatamente abaixo do eixo
médio, poderão potenciar a ocorrência do sinistro por excesso de reacção (movi
Figura 25 – A importância da posição ao volante.
Muitos condutores conduzem de braços esticados até ao volante, o que é errado. Ou com
uma mão apoiada no topo do volante, como que a descansar ou a mostrar aos outros que
têm um “domínio total” sobre a situação. Ou, ainda, com uma mão no volante e com a
outra apoiada na manete da caixa de velocidades – muito praticado por portugueses.
47
Refira-se, ainda, a má utilização do campo de visão, mormente em curvas e manobras de
evasão em situação de colisão eminente. Muitos condutores visualizam as zonas erradas
ou pouco importantes da estrada à sua frente, ou, simplesmente, fixam os olhos nos
mente perigosa,
para a evitar com mais antecedência.
A simples utilização do travão de emergência (ou de mão) quando parado no trânsito ou
em semáforos, em vez de manter o pé direito a pressionar o pedal do travão, reduz o
cansaço físico e evita, veículo de trás. Uma
prática tão simples não é, sequer, normalmente referida pelos instrutores de condução.
s de
formação em “condução avançada” que funcionam como uma “escola de
objectos com os quais pensam que vão colidir, em vez de descortinar o percurso que
pretendem que o veículo siga, a linha de fuga imaginária. Em todo o caso, é importante
que o condutor visualize sempre mais à frente, sobretudo quando a maior velocidade, de
forma a prever qualquer situação ou ocorrência que possa ser potencial
de noite, o encandeamento do condutor do
Todas estas práticas erradas propiciam a distracção e a ocorrência de sinistros
rodoviários. E deveriam ser corrigidas (e não desenvolvidas) logo na aprendizagem
inicial ab-initio, nas escolas de condução, em vez de, posteriormente, em centro
desaprendizagem” de vícios e erros. Ou seja, muitos dos conteúdos fornecidos na
frequentemente chamada “condução avançada” deveriam fazer parte integrante dos
currículos dos cursos de condução. Muitos dos erros vêm do “berço”, ou seja, do ensino
leccionado nas escolas de condução, desde o início. E, como, na maior parte das vezes, os
instrutores não estão preparados nem sensibilizados para com muitas destas coisas, o
ensino sai, por conseguinte, deficiente, com repercussões directas na condução na VP.
48
6.1.2 Distracção na prática da condução
Este factor tem um peso importante na taxa de sinistralidade rodoviária. Na linha do que
Comer e beber são acções que, também, apresentam um certo perigo, sobretudo quando
entorna algo e o condutor é imediatamente distraído.
O som ito movimento é um factor
potenciador, na medida em que também distrai o condutor da dinâmica do veículo na via
smo tempo, bem como para ver
tem sido dito, a condução de um veículo exige concentração. Por isso, toda a prática que
possa provocar distracção ao condutor deve ser evitada.
O manuseamento de telemóveis durante a condução foi já proibido por lei. Contudo,
fumar é ainda mais perigoso e, à data da elaboração deste trabalho, continua a não ser
reprimido. Fumar durante a condução pode propiciar o sinistro, seja porque ocupa uma
mão, porque enquanto na boca o cigarro liberta fumo para os olhos, ou, ainda mais grave,
porque deixa cair cinza e pode, mesmo, cair aceso nas pernas do condutor, no banco ou
no chão, ora queimando o condutor, incendiando matérias combustíveis – peles,
plásticos, carpetes – ora distraíndo a atenção do condutor para o apanhar, baixando-se.
se
do auto-rádio em cidade ou em zonas de mu
e da infra-estrutura rodoviária externa ao veículo.
A leitura também deve ser evitada. Quando a leitura urge, preferível será imobilizar o
veículo em local seguro, em vez de conduzir e ler ao me
TV ou DVD em veículos equipados com estas tecnologias audiovisuais.
Painéis luminosos, anúncios, cartazes e outras formas de publicidade que possam
prejudicar a atenção dos condutores é reprimido pelo CE. Contudo, em muitos locais
críticos, essa forma de abuso continua a verificar-se (exemplo do painel luminoso gigante
visto no enfiamento da descida do Monsanto, ao chegar ao viaduto Duarte Pacheco, ou o
49
do cruzamento da Av. da Índia com a Rua Mécia Mouzinho de Albuquerque, próximo do
hospital Egas Moniz, ambos em Lisboa, ou ainda o do cruzamento da Rua Alexandre
Herculano com a Rua Brancamp, também em Lisboa, entre outros).
em psíquica individual, potencia
também o sinistro. A condução exige uma entrega quase total, alheia aos problemas e
dução defensiva
potenciam, em grande medida, o sinistro. Práticas simples como a sinalização luminosa e
ar o suficiente antes
de entrar nela e deixa o resto da travagem/desaceleração para durante a curva (erro
de iniciar a trajectória, como prevenção da
derrapagem. É, pois, uma forma de prevenção fácil mas importante.
O clim
excesso de veículos automóveis que entram e circulam na capital, pela poluição, pelas
Finalmente, refira-se que a distracção, por si só, de orig
factores que intervêm na vida do dia-a-dia.
6.1.3 Não-prática de uma condução defensiva – postura agressiva
A postura agressiva ao volante e a falha na prática de uma con
sonora correctas e eficazes, a redução da velocidade de circulação antes da entrada numa
curva apertada, num cruzamento, numa passadeira, etc, ou em condições de baixa
aderência ou visibilidade, ou, ainda, a preocupação constante em prever o comportamento
de outros condutores e terceiros utentes da via, e o respeito pelos utentes da via e a
cortesia ao volante são exemplos de práticas defensivas importantes.
Quando um condutor, na aproximação a uma curva, decide não trav
frequente), está a potenciar a “saída de traseira” do veículo, sendo necessários
automatismos de reacção para a controlar a sobreviragem. A condução defensiva, nesta
situação, será reduzir a velocidade antes
a de stress do dia-a-dia que caracteriza a vida na cidade de Lisboa, propiciado pelo
50
obras na VP, pela crise financeira generalizada, pela vida laboral e concorrencial, pelos
horários, entre outros factores, não ajuda a uma condução civilizada, mas antes potencia a
agressividade e a falta de civismo ao volante. O recurso frequente à buzina como protesto
é um reflexo da irritação que a vida numa sociedade tão agitada como a citadina lisboeta
provoca.
E a sinistralidade aumenta proporcionalmente à ira dos condutores, ou seja, à condução
agressiva, mormente quando a prática da dinâmica da condução não está presente, por
aseira do veículo da
frente, sem respeitar a distância de segurança para reacção e travagem, é um dos erros
Pela sua importância, a sensibilização para a prática da condução defensiva deverá ser
falta de formação como foi aludido, para resolver situações críticas a jusante dessa
agressividade. A audição de música ou de ruído sonoro intensos, de ritmo acelerado e
baseados em baixas frequências, também conferem um estado de espírito agressivo ao
condutor pronto para “o combate” na estrada.
A condução em perseguição, com a frente do veículo “colada” à tr
grosseiros de condução agressiva muito praticados no País, não especialmente relevado
pelo CE nem pelas autoridades rodoviárias. Isto acontece com grande frequência nas
auto-estradas (AE) e vias reservadas a veículos automóveis. Circular a uma distância
reduzida do veículo da frente diminui a capacidade de reacção do condutor a eventuais
acções do outro condutor ou a obstáculos que possam surgir no caminho à frente. As
autoridades policiais deveriam ter uma mão mais pesada para com esta prática…
feita, com maior rigor, nas escolas de condução. Por outro lado, e igualmente relevante, a
repressão à condução agressiva e à postura de competição na VP deve ser tomada em
grande consideração, tanto nas escolas de condução como na prevenção precoce nos
currículos das escolas tradicionais, na formação rodoviária e cívica, em jovens.
51
As ultrapassagens realizadas imediatamente antes ou em cima das travessias de peões
potenciam muitíssimo a sinistralidade. As sanções para este tipo de prática deveriam,
igualmente, ser punidas de forma muito mais severa, bem como o não respeitar a
e via de
trânsito ambas previstas no CE. Este facto é responsável por inúmeros sinistros
ua realização. De
pouco ou nada serve começar a sinalizar a manobra após esta ter sido iniciada. O início
ou retoma da marcha, bem como da sua detenção, devem ser sinalizados. A manobra de
marcha doras de perigo intermitentes
como complemento da luz branca automática.
com o braço de fora. A
prioridade de passagem dos peões nas travessias destinadas a esse fim.
6.1.4 Desrespeito pelo Código da Estrada
Portugal é um dos países da União Europeia onde o desrespeito pelo CE surge
frequentemente e está, mesmo, enraízado na própria cultura.
6.1.4.1 Não-sinalização ou sinalização incorrecta na condução
É prática corrente, nas estradas portuguesas, o não-recurso à sinalização por parte dos
condutores, nas situações de ultrapassagem e de mudança de direcção ou d
rodoviários em que condutores de veículos foram surpreendidos por reacções inesperadas
de outros condutores, por ausência de sinalização.
A sinalização das manobras deve ser realizada com antecedência à s
-atrás também deve ser sinalizada com as luzes avisa
À falta da sinalização luminosa de mudança de direcção do veículo, a mesma deverá ser
substituída por sinalização manual equivalente, realizada
52
sinalização via –
incluindo os peões – das intenções do condutor do veículo, por forma a prever posições e
a imobilização brusca de emergência
deve ser realizada com recurso às luzes avisadoras de perigo.
qualquer situação de perigo eminente.
s máximos, de dia e na cidade, em vez dos obrigatórios médios, ou
luzes de cruzamento. O uso correcto do sinal de pré-sinalização de perigo, quando
6.1.4.2 Desrespeito pela sinalização
s
condutores, quando do exercício da condução, estivessem atentos a toda a sinalização.
é fundamental, como instrumento de aviso aos restantes utentes da
a prevenir sinistros.
No caso de uma situação de perigo eminente, ou de alteração brusca das condições do
veículo ou da via, e que possam representar perigo para os restantes utentes, deverá fazer-
se a sinalização do perigo através das luzes. Um
Antes de iniciar-se uma manobra de ultrapassagem ou de mudança de direcção, deve
assinalar-se a intenção do condutor em efectuá-la. A utilização de sinais sonoros deve ser
utilizada fora das localidades no início das curvas de visibilidade reduzida, para alertar os
outros condutores da presença do veículo, ou em
A ausência, por avaria, de alguma ou de ambas as luzes de cruzamento e de presença
dianteiras e traseiras, por não assinalar de forma conveniente a posição do veículo na VP,
pode potenciar o sinistro. O encandeamento por negligência ou intencional é uma contra-
ordenação muito grave, e que também o potencia. Em motociclos surge frequentemente a
utilização abusiva do
aplicável, bem como do colete reflector, alerta e igualmente reduz o risco.
Este sub-factor contempla, por hierarquia descendente, a sinalização luminosa, a
sinalização vertical e a sinalização horizontal. A sinistralidade é, naturalmente, muito
potenciada pelo seu incumprimento. Muitos sinistros poderiam ser evitados se o
53
Mas poucos são os condutores que atentam a toda a sinalização, sobretudo a vertical mas
também a horizontal. Para as respeitar, dentro das localidades, é necessário circular com
muita atenção e com velocidade reduzida.
Em Portugal, sobretudo nas metrópoles, é prática comum perante a sinalização luminosa,
tomar o sentido do sinal amarelo, de abrandamento, pelo sentido de aceleração, para
passar antes daquele ser substituído pelo vermelho, de obrigação de paragem; ou, então,
arrancar com o sinal vermelho ainda ligado; ou, ainda, continuar a circular por dois ou
três segundos, após a iluminação do vermelho – situação muito grave.
A negligên requente na VP. Os sinais de perigo
devem sempre ser tidos em elevada consideração, na medida em que alertam para
sinistralidade, podendo ser de considerável
gravidade. Situações de transposição de traços contínuos e duplo-contínuos, de separação
cia relativamente à sinalização vertical é f
eventuais perigos prováveis e frequentes; a atenção e respeito pela sinalização de perigo /
travessia de peões reduz o risco de atropelamento. Também a sinalização de proibição e
de obrigação é elemento básico e importante para uma circulação correcta e controlada
dos veículos. O seu incumprimento voluntário ou negligente potencia a sinistralidade.
Não obstante a sinalização vertical e luminosa, o desrespeito pela sinalização horizontal,
consoante as circunstâncias, potencia a
de vias de trânsito e de sentidos de trânsito, desrespeito pelas setas no pavimento (ver
Fig. 26) – indicadoras de sentido de circulação – podem originar colisões com outros
veículos em circulação no mesmo e em outros sentidos.
54
Figura 26 – Frequente desrespeito pelas marcas do pavimento (em Algés).
A anterior representa uma prática frequente de desrespeito pelas marcações no
pavimento, em que o veículo de vermelho pretende mudar de via, encontrando-se em
posição irregular para realizar a manobra. Esta situação acontece diariamente na VP.
O desrespeito pelas marcações no pavimento surge em muitas situações. Uma grande
parte dos condutores portugueses pura e simplesmente não tem em conta o factor
delimitador dos traços que delimitam as vias de trânsito, desorientando-se
horizontalmente na via.
Nas rotundas estreitas e nas curvas e aviso
prévio sem a preocupação da posição dos restantes veículos que transitam ao lado noutra
m geral, é prática comum o atravessar sem
via de trânsito. É uma autêntica desorientação negligente.
55
6.1.4.3 Desrespeito pelas regras de circulação e da prioridade
O desconhecimento, a negligência e o desrespeito pelas regras de circulação e da
prioridade na VP, por parte dos condutores portugueses, são enormes. É dominando e
fazendo uso sistemático das regras de circulação, entre outras práticas, que é possível, na
m,
próximo da berma ou do passeio, e nas filas e vias de trânsito mais à direita.
A excepção vai para o trânsito realizado dentro das localidades em que existe pluralidade
e vias de trânsito, não havendo obrigação em circular na fila ou na via de trânsito mais à
direita. Nestas condições, a ultrapassagem é possível realizar-se a partir de uma via de
trânsito mais à direita, mas não é considerada ultrapassagem a circulação de veículos a
velocidades diferentes, em vias de trânsito paralelas, no mesmo sentido. Cada condutor
deverá esc outra
io, é frequente assistir-se a uma demonstração
agressiva de sinais luminosos e/ou sonoros ilícitos – podendo, mesmo, causar
estrada, fazer por reduzir a sinistralidade.
Regra geral, o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodage
d
olher a via de trânsito que lhe é mais conveniente, podendo mudar para
nas situações de ultrapassagem, para mudar de direcção, parar ou para estacionar.
Ora, poucos condutores têm conhecimento desta e de outras excepções relevantes, e,
menos ainda, fazem uso dela; pelo contrár
encandeamento – por parte de condutores apressados e imbuídos de um forte “espírito
pedagógico” errante. Isto surge a qualquer hora do dia, todos os dias do ano.
O trânsito efectuado pela via de trânsito da esquerda ou central, nas AE e vias
equiparadas, constitui um desrespeito às regras da circulação referentes à posição da
marcha, mas é prática frequente em Portugal. A ultrapassagem pela direita, ilegal,
também pode potenciar o sinistro.
56
Na fase de ultrapassagem, o veículo que está sendo ultrapassado deve facilitar a
ultrapassagem, chegando-se, sempre que possível, para o lado direito e não aumentando a
velocidade ou, até, reduzindo em caso de perigo de dificuldade de ultrapassagem do
amente, em
particular nas AE e em vias reservadas a veículos automóveis, como que a ver quem é o
O trânsito em sentido contrário nas AE, para além de ser considerado uma prática-crime,
inistro.
Acontece que, à falta de sinalização, tantas vezes a regra da prioridade é substituída, nas
ercebe, e, quando vê
um veículo com prioridade à sua direita, num qualquer entroncamento, não detém a
marcha. resolve buzinar e, até, acelerar, já para não falar da linguagem gestual obscena
que sempre foi Nosso apanágio.
veículo. Acelerar no momento da ultrapassagem, manobra muito comum neste País,
impedindo que o veículo ultrapassante concretize a manobra, é ilegal e potencia
muitíssimo o sinistro, sobretudo se existir trânsito de veículos em sentido oposto.
Mais uma vez, em Portugal, essa competição absurda tem lugar diari
“rei da estrada” ou quem tem o carro mais potente. As ultrapassagens em lombas e curvas
de visibilidade reduzida são situações críticas para o agravamento da sinistralidade, e,
para além de serem proibidas pelo CE, são práticas muito perigosas.
é um sub-factor potenciador de elevadíssima gravidade e resulta, quase sempre, em
sinistro com vitimização mortal múltipla.
A regra da prioridade é válida para as situações em que não existe sinalização em
contrário. O seu conhecimento é uma condição básica sine qua non para a prevenção
contra a sinistralidade. O incumprimento da regra da prioridade potencia, pois, o s
ruas e nas estradas portuguesas, pela “regra do quem chega primeiro” ou pela “regra da
via aparentemente mais importante” ou pela regra do veículo mais pesado ou importante.
Quase nenhum condutor cumpre sistematicamente a regra da prioridade. Em situações em
que tem de ceder a passagem, pura e simplesmente ignora, nem se ap
57
Diz assim o CE (arts. 29º e 30º): “O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a
passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de
veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da
velocidade ou direcção deste.” A regra geral: “Nos cruzamentos e entroncamentos, o
situações mais evidentes e na presença das autoridades policiais. Estima-se que, dentro
sabilidade.
radou-lhe: –Achas que eu ia parar no cruzamento para tu passares?!
condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita”. A
sanção para o desrespeito desta regra varia de 120 a 600 Euros, mas isto só em teoria,
porque, na prática, não só a regra não é cumprida como a aplicação da coima também não
acontece.
A sinalização vertical também não é bem observada nem respeitada, à excepção das
das localidades, em cada 10 (dez) sinais verticias, o condutor “normal” português não
observe com atenção sequer 1 (um), por incrível que possa parecer, não só porque circula
naturalmente com velocidade excessiva, como também porque circula de forma incauta e
sem precaução ao que passa fora da sua via de trânsito. A má colocação da sinalização
também tem uma parte da respon
Durante a realização do trabalho, foi registado, num cruzamento, a seguinte ocorrência:
um veículo ligeiro aproximou-se de um cruzamento; ao chegar, foi quase abalroado por
um autocarro da Carris que o atravessou a grande velocidade sem respeitar a regra básica
da prioridade, sem deter a marcha nem, sequer, abrandar o andamento; o veículo que
tinha prioridade, e que se apresentou pela direita do autocarro, conseguiu parar a tempo
de evitar o desastre; indignado, o seu condutor seguiu o autocarro até à paragem próxima
e mostrou indignação pela manobra potencialmente assassina; lá de cima, o condutor do
autocarro b
58
Este tipo de mentalidade e de actuação põe em causa a segurança dos veículos mas
também das pessoas que nelas circulam. É uma complexa questão cultural que será
abordada mais ao pormenor no ponto 6.1.8.
Também surge em veículos de emergência – sobretudo do Instituto Nacional de
zamentos
encadeados de ruas compridas e sem sinalização, por exemplo, na zona entre a Av.
rodoviário é a distância de marcha entre
veículos. Nas AE, a prática do aumento da distância é muito importante, pelo que, a
Em Portugal, é muito comum a circulação em auto-estrada pela via de trânsito mais à
Emergência Médica (INEM) – a condução perigosa e imprudente. Ora, valerá, para salvar
uma vida, pôr em risco a vida de outros? Nos países mais civilizados, a resposta é
claramente negativa. Em Portugal, contudo, ainda não é assim tão claro…
Uma colisão em cunha, entre dois veículos, num cruzamento ou num entroncamento,
pode resultar na projecção do veículo abalroado para fora da faixa de rodagem e atingir
objectos, peões e/ou outros veículos, provocando vitimização, para além do sinistro.
Situações deste género surgem frequentemente em zonas urbanas, em cru
António Augusto Aguiar e a Av. 5 de Outubro, em Lisboa.
Também importante no âmbito do trânsito
velocidades mais elevadas do que nas restantes vias, no caso de uma travagem de
emergência, as distâncias de travagem aumentam consideravelmente e os tempos de
reacção necessários ao seu início diminuem, pelo contrário.
esquerda, em geral em excesso de velocidade, em condução agressiva e com o veículo
quase colado ao da frente. Na Alemanha, país civilizado, a detecção e autuação dos
veículos perseguidores nas AE é pronta e impiedosa; em Portugal essa preocupação, por
parte das autoridades, é reduzida ou quase nula.
59
Quando há intersecção de estradas ou de ruas, em que há cruzamento de veículos ou
mudanças de direcção, o risco de sinistro aumenta logo muito. Para além do respeito à
sinalização local e à regra da prioridade quando aplicável, é de grande importância a
execução correcta das manobras.
Manda o CE que, nos cruzamentos e entroncamentos, para mudar de direcção para a
o de circulação, devendo dar a esquerda
ao centro de intersecção das duas vias.
meros sinistros rodoviários evitáveis.
direita, o veículo se aproxime do limite direito da faixa de rodagem e efectue a manobra
no trajecto mais curto. Nas mudanças de direcção para a esquerda, deve aproximar-se do
limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afecta a um
ou a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que
pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentid
A prática mais frequente, errada, em inúmeros cruzamentos e entroncamentos, é realizar-
se a mudança de direcção para a esquerda, em contra-mão, com início da volta antes do
eixo da via, o que responde por inú
Na Fig. 27, a seguir, pode observar-se um cruzamento de duas vias de Lisboa: a verde, o
trajecto correcto dos veículos em mudança de direcção, a dar a esquerda ao centro de
intersecção das duas vias; a vermelho, o trajecto em contra-mão, prática diária.
60
Figura 27 – Cruzamento: Av. Infante Santo / Rua da Lapa (Lisboa).
A seguir, na Fig. 28, está representado um entroncamento de duas vias, também em
Lisboa, uma de sentido único e outra de dois sentidos com linhas demarcadoras das duas
vias de trânsit pre feita sem
dar-se a esquerda ao centro de intersecção, entrando alguns metros em contra-mão.
o, onde, mais uma vez, a mudança de direcção é quase sem
61
Figura 28 – Entroncamento: R. de Buenos Aires / R. de S. Domingos (Lisboa).
Há, inclusivamente, cruzamentos de concepção irregular, nos quais a mudança de
direcção, realizada sem dar-se a esquerda ao centro da intersecção, é propiciada pelas
marcações no pavimento (ver a Fig. 29, na página seguinte). É um exemplo de excepção,
em dissonância com o procedimento previsto no CE. Deveria, contudo, existir uma placa
informativa.
62
Figura 29 – Cruzamento irregular: Av. EUA / Av. de Roma.
Ainda para terminar este sub-capítulo extenso, note-se que o trânsito nas rotundas
realizado de forma incorrecta pode, também, potenciar a ocorrência de sinistros. Os
condutores portugueses, na sua grande maioria, não circulam correctamente nas rotundas,
sendo também nelas que ocorrem acidentes com alguma frequência: uns, circulam
sempre na periferia, independentemente da saída pretendem; outros, circulam por dentro,
sem critério, quando se lembram de voltar brusca e repentinamente, junto da saída que
pretendem alcançar, ameaçando a integridade física dos outros veículos.
63
Na Fig. 30 está representado um esquema com a circulação ideal nas rotundas, de forma
a reduzir o risco de sinistro e a aliviar o trânsito.
Figura 30 – Esquema de circulação ideal nas rotundas.
64
6.1.4.4 Desrespeito pelas regras de estacionamento
Os veículos mal-estacionados na VP podem potenciar o sinistro rodoviário, na medida
em que retiram visibilidade, ocupam espaço na via, por vezes obstruindo-a, aumentando
o risco de colisão e/ou despiste: veículos estacionados junto a curvas de visibilidade
reduzida, junto a passagens de peões ou em zonas apertadas.
Muito frequente em Portugal, o estacionamento junto (ou imediatamente antes) das
passagens de peões é uma prática negligente responsável, em boa parte, por inúmeros
atropelamentos em zonas urbanas. O CE proibe o estacionamento a menos de 5 metros
antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões, prevendo a mesma distância
para ambos os lados dos cruzamentos, entroncamentos e rotundas.
6.1.4.5 Desrespeito pelos limites de velocidade
O não-cumprimento dos limites de velocidade potencia, de facto, a sinistralidade. Há,
contudo, uma diferença entre a condução com velocidade excessiva (para as condições de
circulação) – em que entram em jogo os quatro supra-factores: humano, veículo, via e
ambiente – e a condução com excesso de velocidade. Esta segunda condição, tal como é
entendida, depende directamente das regras do CE e da sinalização local. Ou seja, é
possível circular-se com velocidade excessiva, mesmo respeitando os limites de
velocidade impostos pelo CE e locais, sem excesso de velocidade; mas também é
possível circular-se em excesso de velocidade, mesmo sem atingir velocidade excessiva.
O desrespeito pelos limites de velocidade pode, em variadas situações, não constituir um
perigo maior, mas deve, contudo, ser evitado. Não obstante, o perigo de circulação com
velocidade mais ou menos elevada é muito relativo: ruas há, em zonas urbanas, estreitas e
superlotadas, nas quais circular a 50km/h poderá parecer quase um crime, em contraste
com certas vias de óptima construção, com boas condições atmosféricas e com volume de
65
tráfego reduzido, nas quais circular a velocidades próximas dos 200km/h não traz, por si
só, condição de perigo excepcional – tendo em conta, claro, a preparação do condutor e o
próprio veículo.
Por exemplo, a auto-estrada “A6” (Lisboa-Elvas), de pouco tráfego, por vezes é palco de
acelerações momentâneas de veículos de elevada potência e segurança activa. Sem
embargo ao perigo existente, a sua quantificação é sempre relativa. Na Internet é possível
observarem-se vídeos de um veículo sem limitação electrónica de velocidade, nessa via, a
marcar no velocímetro nada menos que “335 km/h”! Será um pouco excessivo, para uma
via cujo limite é de, somente, 120km/h, não?! Sobretudo, se em competição com outros
“aceleras”...
Figura 31 – Veículo BMW M6 a 335 km/h (no mostrador) na auto-estrada A6 (Elvas-Lisboa).
Ainda assim, o ideal seria um sistema de sinalização de velocidade máxima local,
variável consoante as condições atmosféricas e próprias das vias. Como tal não existe em
Portugal, ao contrário de alguns países mais desenvolvidos como a Alemanha – país que
adoptou, curiosamente, a supressão dos limites de velocidade em alguns troços de AE –,
a opção certa será, sem qualquer dúvida, respeitar os limites de velocidade legalmente
66
estabelecidos e, não obstante, circular sempre na observância dos limites razoáveis do
bom-senso, tendo em atenção a condição relativa da “velocidade excessiva”.
A condução com excesso de velocidade é uma das práticas com maior ocorrência na VP.
O limite legal dentro das localidades, que em Portugal é de 50km/h, raramente é
cumprido pelos condutores; também, nas AE, um veículo que circule dentro do limite
legal de 120km/h, e na via de trânsito da direita, é sucessivamente ultrapassado pela
maior parte dos utentes, e, se tiver de usar a via de trânsito da esquerda para ultrapassar
algum, a essa velocidade, é agressivamente perturbado por sinais de luzes ou sonoros
intensos, por condutores apressados que se colam à sua traseira – isto, quando não
decidem ultrapassar pela direita ou até pela berma ao jeito de “kamikaze”…
Em 2007 entram em pleno funcionamento os 21 radares de velocidade (v. Fig. 32) com
câmera fotográfica acoplada, previstos para a cidade de Lisboa. À semelhança dos
existentes na VCI no Porto, os sistemas são constituídos, ainda, por um painel luminoso,
imediatamente antes do radar, com indicação da velocidade máxima e proximidade do
radar. Trata-se de uma medida preventiva eficaz que não simplesmente punitiva e
(comprovadamente) ineficaz.
Em apenas 24 horas após a montagem dos primeiros radares dos 21 previstos para a
cidade de Lisboa, em 21 de Dezembro de 2006, foram verificados cerca de 13 mil
veículos em excesso de velocidade, alguns circulando a velocidades acima dos 220km/h.
Figura 32 – Novos radares de velocidade estacionários TraffiTower da Robot Visual Systems™, na
cidade de Lisboa.
67
A filosofia do funcionamento destes radares difere do modus operandi 100% punitivo das
perseguições da EFT da PSP e da GNR-BT em veículos descaracterizados e porventura
agressivos ou em radares móveis colocados temporariamente num determinado local sem
aviso prévio algum.
Comparativamente às metrópoles dos países mais desenvolvidos do Norte da Europa, e
dos EUA, não obstante a muito mais fraca qualidade das vias, Lisboa é uma cidade onde
a velocidade média praticada é elevada, à excepção das horas de ponta especialmente
caóticas. Os limites legais mais comuns para a cidade, de 50km/h e de 80km/h, consoante
as vias, raramente são respeitados. Há algumas artérias em que é relativamente normal a
circulação fazer-se a bem mais de 100km/h. A título de exemplo: na 2ª Circular, no Eixo
N/S, na radial de Benfica, na CRIL, na Av. General Gomes da Costa. Estas, só para não
falar nas que atravessam a cidade por dentro e na zona ribeirinha, da Infante D. Henrique
à Avenida da Índia... Resta saber se os radares terão um impacto significativo.
Apesar dos sinais de indicação de velocidade máxima controlada – bem visíveis e em
fundo amarelo fluorescente – em muitas vias, o trânsito faz-se com velocidade excessiva
em negligência da sinalização clara e inequívoca. Este tipo de sinalização tem a vantagem
de ser mais facilmente visível pelos condutores de veículos, nomeadamente à noite.
Figura 33 – Sinal de indicação de velocidade máxima controlada.
68
Figura 34 – Mapa fotográfico de Lisboa, com identificação das vias onde a velocidade dos veículos em
circulação é frequentemente elevada, dados os limites impostos para os locais.
6.1.4.6 Desrespeito pelos limites de álcool no sangue
O álcool, tal como foi dito, causa uma diminuição da eficiência das funções do cérebro,
interferindo com a acção dos neurotransmissores existentes nos neurónios, e fazendo com
que partes diversas da máquina cerebral – responsáveis pelo movimento, pela memória,
pelo julgamento, etc. – sejam afectadas pelo seu efeito sedativo.
A condução sob o efeito do álcool representa um perigo, sobretudo se a quantidade
ingerida, prévia e durante o seu exercício, for elevada. Cada indivíduo tem um limite
diferente. Contudo, a legislação actual que regula as quantidades de álcool no sangue,
proíbe níveis superiores a 0,5g/l. Contudo, mesmo dentro deste limite, a condução sob o
69
efeito desta substância deve ser evitada a menos que estritamente necessária, tendo
sempre em mente as suas implicações directas na condução de veículos (e de animais).
Nestas circunstâncias, a velocidade de circulação deve ser reduzida.
Como foi dito, a condução sob o efeito do álcool é um forte factor potenciador da
sinistralidade rodoviária.
6.1.5 Perseguições das autoridades policiais
Achou-se relevante fazer, aqui, um parêntesis à acção, por vezes abusiva, das autoridades
policiais na fiscalização da circulação na VP.
A Brigada de Trânsito (BT) da GNR e a Esquadra de Fiscalização Técnica (EFT) da PSP
estão preparadas para detectarem e perseguirem veículos em contra-ordenação na VP.
Equipados com veículos capazes de circular a velocidades superiores à média do parque
automóvel nacional, nomeadamente, e à data deste presente trabalho, Subaru Impreza
WRX (230km/h) e STi (245km/h), BMW 330d “Série E46” (230km/h), Volkswagen Golf
V GTi (235km/h) e Seat Leon TDi150 (215km/h). Estes veículos patrulham as AE, vias
reservadas a veículos automóveis, algumas estradas nacionais e localidades (no caso da
PSP). Passam quase despercebidos pois estão descaracterizados; possuem câmara de
vídeo no pára-brisas, antena de comunicações, luzes de emergência azuis escondidas na
grelha frontal com sirene e altifalante.
A actuação destes veículos dificilmente encontrará justificação como instrumentos de
dissuasão, pois a sua presença não é detectada à distância, confundindo-se com o restante
trânsito. Mas é aqui que surge a questão perniciosa. O modus operandi dos agentes da
autoridade destas unidades não se compadece, frequentemente, nem com a ética cívica
70
rodoviária nem, até, com a prática de uma condução segura, sobretudo quando os seus
condutores são de idades mais novas: assim, quando detectam, por exemplo, um veículo
em trânsito com excesso de velocidade, iniciam uma perseguição automóvel com o
auxílio da câmera de filmar que serve como prova de autuação; aceleram a velocidades
muito superiores às permitidas pelo CE, pondo, muitas vezes, em risco a segurança dos
restantes utentes da via; quando conseguem alcançar o veículo perseguido, sobretudo em
auto-estrada, aproximam-se demasiado, não mantendo a distância de segurança
conveniente; passado algum tempo, ou quilómetros, anunciam a sua presença com os
dispositivos legais próprios e dão ordem de paragem ao veículo, na berma da via. Ora,
deva dizer-se que: a paragem na berma da auto-estrada representa um perigo potencial; a
perseguição com veículos agressivos – os Subaru Impreza pretos com asa traseira de
grandes dimensões – confunde-se com o espírito “tuning” ou de “street racing” e incita à
aceleração, tal como as perseguições em auto-estrada da GNR, muitas vezes realizadas
com proximidade excessiva à viatura perseguida e com recurso (ilícito) a sinais de luzes,
mais uma vez a incitar à aceleração e/ou à intimidação dos condutores.
Durante a realização deste trabalho, foi registada a ocorrência de uma patrulha da PSP em
Subaru Impreza descaracterizado e de cor preto (no dia 27/01/06 às 23:50), a acelerar a
uma velocidade superior ao dobro da permitida, na Av. General Correia Barreto, em
Lisboa, pelo simples prazer de acelerar, sem se encontrar em perseguição de nenhum
veículo, e desacelerando antes do final da mesma avenida, após dois quilómetros.
Aconteceu meia-hora após ter interceptado e autuado em Algés um ligeiro, de marca
Mazda, que circulava a uma velocidade bem mais baixa. Manobras perigosas
(supostamente em situação de emergência), mal assinaladas, tais como a inversão de
marcha em auto-estrada, saída pelas vias de entrada de sentido único e ultrapassagens
arriscadas foram outras situações críticas igualmente registadas por veículos da GNR
descaracterizados. Sem embargo ao que por vezes sucede, deva dizer-se que isto não
significa que as forças de segurança procedam todas desta forma. Afigura-se, contudo, e
71
dada a óbvia falta de eficácia na redução da sinistralidade, a substituição dos veículos
descaracterizados destas forças da autoridade por outras bem identificadas e mais
económicas, de forma a evitar um esbanjamento desnecessário do dinheiro dos
contribuintes em “brinquedos” que servem para, sob uma capa legal/policial, praticar
autênticos atentados ao CE e à segurança rodoviária.
6.1.6 Inaptidão psico-física e cognitiva
O Plano Nacional de Prevenção Rodoviária reconhece as limitações do sistema de
formação e avaliação de condutores. Esta limitação é patente de forma muito clara no
processo de selecção de candidatos e de reavaliação de condutores que inclui critérios
elementares de avaliação das aptidões físicas, que somente exigem um exame médico
indiferenciado com uma apreciação básica das capacidades visuais e auditivas.
A avaliação das capacidades de ordem psicológica e neuro-fisiológica são, igualmente,
elementos fundamentais numa acção de natureza preventiva, como forma de evitar a
ocorrência de um eventual sinistro rodoviário. Indivíduos hiper-activos, com traços
característicos de epilepsia ou que, por qualquer razão decorrente da sua condição psico-
física, possam desenvolver comportamentos de risco na VP, devem ser identificados
precocemente, considerados inaptos ou colocados sob reserva com possibilidade de
tratamento e/ou controlo psiquiátrico, e limitando a sua actividade de condutor. Essa
limitação poderia, por exemplo, assentar na inibição de condução de noite, redução das
velocidades máximas permitidas, ou, até, proibição da ingestão de álcool ou excitantes.
Nos sectores dos transportes ferroviário e de transporte aéreo de passageiros têm sido
desenvolvidos instrumentos e práticas de avaliação das capacidades dos condutores e
pilotos, baseados no uso de baterias de testes psico-técnicos e físicos.
72
Os instrumentos que têm sido desenvolvidos nesses sectores para avaliação de
capacidades psico-físicas poderão ser adaptados de forma a serem aplicados ao sector
rodoviário, quer aos candidatos a condutores particulares ou profissionais, quer aos
condutores envolvidos em processos de revalidação da carta de condução.
6.1.6.1 Ausência de verificações periódicas (teóricas e práticas)
Uma vez obtida a licença de condução, na actual legislação, um condutor, legalmente
habilitado, não está sujeito a novo exame teórico nem prático, com excepção para
situações específicas de cassação da carta de condução ou a pedido especial do juiz.
Tal desobrigação, contribui para uma despreocupação pela necessidade continuada de
treino cognitivo e psico-motor, levando os condutores a negligenciarem aspectos
importantes da condução na VP, tanto em termos de actualização legislativa (CE) como
na sua aplicação prática.
Posto isto, bom seria que fosse implementado um sistema de verificação periódica
teórico-prática, com período de tempo máximo de, por exemplo, 10 anos, com redução
gradual do período consoante o avanço da idade do condutor.
6.1.7 Sexo, faixas etárias de risco e experiência de condução
Tanto o sexo como as faixas etárias fazem variar as estatísticas da sinistralidade. É sabido
que os jovens-adultos, os recém-encartados e os idosos têm um factor de risco associado,
por razões diferentes. Os condutores de menor idade são menos conscientes, mais activos
e envolvem-se mais frequentemente em confrontos e em condução rápida e agressiva,
73
mormente os do sexo masculino. As raparigas são, regra geral, mais calmas e conscientes
do perigo da condução agressiva do que os rapazes e não arriscam tanto. Isto deve-se a
questões hormonais e culturais também.
Gráfico 1 – Sinistros rodoviários, com colisão, consoante a faixa etária, nos EUA (DOT-Montana).
A hormona testosterona é responsável pelo aumento da agressividade no ser-humano. Por
esta razão, sobretudo, indivíduos do sexo masculino são mais agressivos na condução do
que os do sexo oposto. Mas também razões culturais relacionadas com o conceito (latino)
da masculinidade propiciam um aumento da agressividade.
Os recém-encartados pouca experiência têm da condução na VP, estão ainda numa fase
de maturação de toda a informação (assimilação do treino cognitivo e desenvolvimento
de psicomotricidade) que receberam durante a sua formação teórico-prática inicial.
Embora com uma ampla experiência de condução, os idosos têm a sua estrutura psico-
motora degradada, com uma consequente diminuição da velocidade dos reflexos. Por não
existirem re-examinações periódicas (teórico-práticas), e pela sua relevante antiguidade,
raramente estão a par da legislação actual que difere da do tempo que obtiveram as suas
licenças.
74
Em média, cerca de 30 condutores são, todos os anos, identificados a circular em contra-
mão nas AE portuguesas. Mais de 1/3 deles são idosos. Alguns chegaram mesmo a fazer
algumas dezenas de quilómetros em contra-mão e a causar sinistros de consequências
graves.
Em relação directa com o factor anterior abordado, parecerá também óbvia a necessidade
de um estabelecimento de um sistema de verificações periódicas das capacidades
mentais, psico-físicas – incluindo a parte cognitiva e a psicomotora – dos idosos,
limitando-se-lhes a actividade da condução na VP consoante o estado individual.
6.1.8 Factor cultural
Este é, certamente, um dos pontos principais a referir quando se aborda o problema
complexo da sinistralidade rodoviária. Afecta toda a população – os condutores, os peões,
as autoridades rodoviárias, as câmaras e as empresas de construção e manutenção das
vias.
O desenvolvimento dos países, nomeadamente a nível sócio-cultural, pode ser medido
pelos comportamentos dos seus povos. E o comportamento na VP é, indubitavelmente,
um reflexo cultural importante. Por outro lado, é apanágio dos países menos
desenvolvidos, e dos latinos, uma clara tendência para a desresponsabilização e para a
emotividade, que se traduz ora no desconhecimento e incumprimento do CE ora na
prática de condução agressiva, respectivamente.
Em Portugal conduz-se mal, não só por falta de preparação teórico-prática dos
condutores, mas também devido ao factor cultural indelével.
75
Uma cultura que ainda exalta a agressividade masculina forma jovens com perfil
psicológico perigoso para a prática da condução, sobretudo quando adquirem alguma
prática inicial e se julgam condutores “dominantes” e “muito rápidos”. Ou seja, quando
começam a acelerar e a fazer manobras bruscas e perigosas, sem que algum treino em
dinâmica de condução tenham tido. O resultado é, normalmente, muito negro, como
mostram as estatísticas da sinistralidade em condutores jovens.
A condução com excesso de velocidade, velocidade excessiva, agressiva, incluindo
ultrapassagens com transposição de traços contínuos, desrespeito pela sinalização e pelas
regras do CE, são práticas diárias na VP, em Portugal, e nomeadamente em Lisboa.
Os fenómenos de grupo, sobretudo entre jovens, são um outro problema ligado à
condução errante na VP e à sinistralidade. Em grupo, nomeadamente entre jovens, os
condutores têm mais estímulo e sentem-se mais confiantes para fazer uma condução
agressiva e, por vezes, acrobática ou, até, criminosa. Por outro lado, a necessidade que os
adultos e jovens-adultos têm constantemente em provar, perante os seus semelhantes,
amigos e elementos do sexo oposto, juntamente com algum excesso de adrenalina ou de
álcool, até, leva-os a ter um comportamento marginal na VP.
Recorde-se, como exemplo, o acontecimento trágico que teve lugar na passagem de nível
de Santos, em Lisboa, em Outubro de 2002, no qual morreram, esmagados por um
comboio, seis jovens, durante a prática de condução errante e irresponsável:
“A colisão que matou duas raparigas e quatro rapazes (…) Os seis jovens regressavam de uma festa (…) Faltavam cerca de dez minutos para as sete horas da manhã, quando o veículo (um Peugeot 205) passou (…) a grande velocidade, tendo realizado uma ultrapassagem proibida uma vez que a via tem um traço contínuo (…) Quando chegaram à passagem-de-nível, fizeram um ‘esse’, no sentido mar-terra para contornarem ambas as cancelas e então aconteceu o pior (…) Uma corrida para a morte (…) O carro parecia que realizava um despique com o comboio…” Excerto retirado do jornal Correio da Manhã, de 03/10/2002.
76
Também o espírito “street racing” – conceito social rodoviário que contempla práticas
agressivas de condução ilegais na VP, de competição entre condutores de veículos, sem
organização oficial –, apanágio de indivíduos quase exclusivamente do sexo masculino e
de classes baixa e média-baixa, das periferias das metrópoles, é um reflexo cultural e
contribui para a insegurança na VP e para a ocorrência de sinistros rodoviários.
Os veículos maioritariamente utilizados para este efeito pertencem à gama baixa (Fiat
Punto, Citroën Saxo, Peugeot 106, Opel Corsa, VW Polo, etc.), mas também os há de
maior preço (Subaru Impreza, Mitsubishi Lancer, Honda Civic, Seat Leon, etc.).
Normalmente (mas não sempre) são transformados com vista a aumentar a capacidade de
aceleração e de fazer barulho (através da reprogramação do mapa da ignição electrónica,
adição de turbo-/compressores ou de transformações na admissão e no escape).
A loucura desta actividade tanto pode ir de uma simples e estúpida corrida em linha recta
(como surge na Ponte Vasco da Gama, normalmente com veículos de baixa gama que
correm em zigue-zague por entre os condutores vítimas dessa prática ilícita e
irresponsável) ao cúmulo de uma aposta suicida de circulação em contra-mão numa via.
O “circuito” junto à Faculdade de Arquitectura de Lisboa (Monsanto) entre duas rotundas
é frequentado, quase todas as noites, por jovens aceleras e por espectadores curiosos, e,
até, por apostadores... As chamadas “picardias”, na gíria do “street racing”, surgem
também na rotunda do limite Norte do Parque das Nações, junto ao Rio Trancão, na recta
ideal para arranques “dragster” de 300m, entre duas passadeiras-zebra para peões!
Por vezes associado à actividade supra referida, embora não sempre, está outro conceito
importado – o “tuning” – que reside na transformação e/ou adição de elementos estéticos,
acústicos e mecânicos de um veículo com vista a um determinado fim específico. As
alterações vão desde os aspectos mecânicos positivos com vista ao aumento da
segurança, incluindo rodas, suspensão e travões, à pura estética (visual e acústica) por
77
vezes anti-aerodinâmica e muito ruidosa. O espírito de agressividade na estrada é
reforçado pelo aumento do ruído de série do escape, através da remoção ilegal do
catalisador e da substituição da panela final por uma de maior abertura. O “tuning”, na
sua origem, tem aspectos positivos, na medida em que melhora a performance e a
segurança dos veículos; há marcas como a BMW, a Mercedes-Benz ou a Porsche, só para
exemplificar, que fazem o próprio “tuning” e comercializam versões melhoradas dos
veículos de série, mais seguros; porém, a cultura frequentemente associada a ele, em
Portugal, é que contém, por vezes, aspectos nefastos.
Tal como se disse, o factor cultural envolve toda a sociedade. Os próprios agentes da
autoridade, nomeadamente PSP e GNR, por diversas vezes, não respeitam o CE e,
mesmo não se encontrando em missão de urgência, transgridem os limites de velocidade,
realizam ultrapassagens pela via de trânsito da direita (sobretudo quando circulam em
motociclos e serpenteiam o trânsito). Já não é a primeira vez que se vêem carros-patrulha
da PSP a circularem, de madrugada, ao dobro da velocidade máxima permitida, na Av.
Brasília, em Lisboa, até de janela aberta e braço de fora, ou a fumar, na mesma onde
outros veículos descaracterizados circulam para perseguir e autuar os cidadãos em falta.
Ora, é condição fundamental, numa sociedade civilizada, as autoridades darem o bom
exemplo, uma vez que é sobre elas que recai uma parte maior da responsabilidade civil.
Nos EUA, um condutor é autuado por um simples farolim partido ou mesmo fundido; em
Portugal, é a própria polícia que muitas vezes circula nessas condições. É uma questão
cultural que estará, naturalmente, indissociável da questão económico-financeira do País.
O factor cultural é, por conseguinte, um forte elemento potenciador da sinistralidade
rodoviária.
78
6.1.9 Os peões na Via Pública
Estatisticamente, a maior parte dos sinistros ocorridos não implica vitimização. Contudo,
uma fatia considerável continua, anualmente, a ceifar a vida de muitos cidadãos
condutores e também de não-condutores. O atropelamento é o exemplo de vitimização de
indivíduos não condutores, e é, ainda, uma dura realidade para a qual contribuem diversas
responsabilidades: da parte de quem atropela; das entidades responsáveis pela segurança,
sinalização e manutenção das vias; e, também, por diversas vezes, de quem é atropelado.
O CE e as regras de civismo têm de ser cumpridas por ambas as partes, por quem conduz
e por quem não conduz, sem embargo à maior responsabilidade que recai sobre os
condutores de veículos no momento em que praticam a condução. Todos os dias se
observam situações lamentáveis de incumprimento do CE perante peões que atravessam
as passadeiras e que são confrontados com condutores que se recusam a dar-lhes
prioridade de passagem, chegando estes mesmo a acelerar para passar primeiro que
aqueles, ou até, a ultrapassar outros veículos mesmo em cima das travessias de peões,
violando descarada e, quase sempre, impunemente o CE.
É curioso verificar que um grande número de condutores certificados que circulam
diariamente pelas vias das cidades não se apercebem da eventualidade de os peões
poderem atravessar a meio de uma avenida. Pensam, pois, que só podem atravessar nas
passagens próprias. Ora, embora o CE obrigue os peões a atravessar a faixa de rodagem
nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito, também prevê a passagem fora
delas, perpendicularmente ao eixo da faixa de rodagem, quando não exista nenhuma a
distância inferior a 50 metros.
Em 2005 registaram-se mais de 900 atropelamentos com vítimas mortais ou muito
graves. Cerca de 190 (mais de 1/5 do total de atropelamentos) resultaram na morte do
peão. Mais de 40 ocorreram com fuga do condutor.
79
Figura 35 – Avenida das Descobertas, em Lisboa. Palco de atropelamentos frequentes.
É, pois, importante que os condutores de veículos conduzam de forma defensiva,
tentando prever as acções dos peões e animais que rondam a faixa de rodagem. Prever é a
melhor forma de evitar os sinistros, incluindo atropelamentos. O inverso também se
verifica, quando os peões não respeitam a obrigação de utilização das passadeiras nem a
sinalização luminosa, ou quando decidem atravessar-se intrépida e irresponsavelmente na
faixa de rodagem, propiciando o sinistro.
Os peões são, muitas vezes, os responsáveis pelos seus próprios atropelamentos:
• quando não respeitam a sinalização luminosa, como tem surgido na Av. 24 Julho
e na Av. de Ceuta;
• quando não atravessam nas passagens aéreas ou subterrâneas que lhes estão
destinadas, como surge na Avenida das Descobertas (junto à escola secundária do
Restelo – v. Fig. 35), no Campo Grande, ou na Avenida da Índia junto a Belém;
• quando não querem avançar mais alguns metros até à passadeira mais próxima;
• quando correm imediatamente a seguir às saídas dos túneis para veículos
automóveis, como acontece nos túneis do Campo Grande, em Lisboa.
80
Todos estes locais referidos foram já palcos de muitos acidentes de atropelamento com
vítimas mortais, em que a responsabilidade se deveu, muitas vezes, ao incumprimento
dos peões.
As crianças, por inconsciência, e os idosos, por lentidão dos movimentos, são os grupos
etários de maior risco. Os que sofrem de cegueira e de dificuldades auditivas também são
grupos de risco.
A distracção, o sono, o álcool, o desrespeito, a falta de civismo ou mesmo o suicídio são,
também, factores que intervêm do lado dos peões, e que potenciam, igualmente, a
sinistralidade.
Figura 36 – Peão intrépido e incauto atravessando junto à saída do túnel.
Também no Campo Grande, em Lisboa, em frente à Universidade Lusófona, perderam a
vida alguns jovens na perigosa travessia. Após manifestações sucessivas, lá foi construída
uma passagem aérea que ainda não existia. Contudo, ainda hoje perdem a vida por não a
utilizarem, preferindo muitos, em vez disso, atalhar caminho e aventurar-se na travessia
da “auto-estrada citadina” que é o Campo Grande… É caso para dizer que deveriam
pagar multa. E pesada!
81
Figura 37 – Manifestação de estudantes da Univ. Lusófona contra a falta de travessia aérea.
Na Av. 24 de Julho em Lisboa, após os atropelamentos mortais de Dezembro de 2005,
foram colocadas novas placas de sinalização (v. Fig. 38) pela Câmara Municipal de
Lisboa (CML), juntamente com semáforos a meio do percurso como tentativa de fazer
abrandar a velocidade naquela via. Contudo, a velocidade dos automóveis continua ali a
ser elevada e os peões a não respeitar a sinalização e a aventurar-se na travessia de uma
das “auto-estradas” da zona ribeirinha lisboeta. Será um problema especificamente dos
automóveis? Será dos peões? Ou será, sobretudo, um problema cultural de fundo?
Figura 38 – Sinal de indicação de perigo.
82
6.2 O supra-factor “Veículo”
Relativamente ao veículo, apontam-se um conjunto de factores que podem ajudar a
prevenir ou a potenciar a sinistralidade rodoviária.
6.2.1 Estado de conservação e/ou de manutenção
O bom-estado dos veículos em circulação é importante para a segurança rodoviária. Não
obstante a obrigatoriedade, para veículos com idade a partir dos 4 anos, de circulação
com aprovação na Inspecção Periódica Obrigatória (IPO), muitos ainda circulam,
contudo, em mau-estado, com diversas falhas – desde iluminação, deficiências graves nos
travões, até pneus com piso abaixo do nível limite de desgaste.
A realização de revisões periódicas ao veículo, juntamente com outras práticas rotineiras
de verificação, assegura um melhor desempenho da condução e aumenta a segurança.
Entre outras práticas, destacam-se: luzes, pneus (em desgaste e em pressão do ar de
enchimento adequada), desgaste dos travões (pastilhas, sobretudo) e níveis dos líquidos
(direcção assistida, travões, refrigeração, óleo, água do limpa pára-brisas, combustível).
Qualquer falha no funcionamento das componentes do veículo poderá resultar num
aumento directo da probabilidade de ocorrência de um sinistro rodoviário.
Deve fazer-se uma inspecção exterior, à volta do veículo, antes de se entrar nele e iniciar
o seu andamento, para verificar se os pneus ou qualquer outra componente física ou
mecânica visível a partir do exterior se encontra em bom estado, incluindo fugas de óleo
ou de combustível. Logo após o início da marcha, deve testar-se os travões para assegurar
83
a sua eficiência. É pois, um somatório de componentes que importa monitorizar com
frequência e ter em bom-estado.
Ao contrário do que, por vezes, se pensa, o bom-funcionamento dos dispositivos de
iluminação do veículo é muito importante, para garantir uma boa visão à noite e em
condições atmosféricas adversas, para ver e para ser visto.
6.2.2 Capacidade de aceleração longitudinal e lateral
Importa considerar a capacidade de aceleração de um veículo, dada pela sua relação
peso/potência e peso/torque, quando este realiza uma ultrapassagem. Esta manobra deve
ser efectuada no menor tempo e espaço possíveis, devendo o veículo que vai iniciar a
ultrapassagem acelerar o máximo possível durante a sua realização, reduzindo o tempo
que demora a efectuá-la, para garantir um mínimo de segurança aceitável. Só assim é
possível reduzir o risco de embate em contra-mão. Para tal, é, pois, necessária uma
capacidade de aceleração adequada. Em vias estreitas povoadas por veículos pesados
longos, como surgia no antigo IP5, a capacidade de aceleração do veículo é um factor
crítico.
Também a desaceleração (travagem) é um factor de importância
absoluta. Será ainda mais importante do que o anterior, na medida
em que a capacidade de redução da velocidade e de imobilização
dos veículos é uma garantia de integridade e de sobrevivência na
VP. Calcula-se que mais de 90% dos veículos que circulam na VP
têm travões de baixa eficiência em condições de utilização intensiva
como nas estradas de montanha. O sobreaquecimento, resultante da Figura 39 – Travões de “alta-performance”, eficazes em condições de intensa utilização.
84
transformação da Energia mecânica em Energia térmica, reduz a eficiência dos travões.
Muitos proprietários têm a preocupação de aumentar a potência dos seus veículos, para
acelerar mais, negligenciando o inverso – um grande erro.
A capacidade de travagem não depende, somente, dos
travões. Depende, também, dos pneus, dos amortecedores e,
sobretudo, da massa do veículo e da sua distribuição. Quanto
maior for a massa, mais espaço precisará para se imobilizar.
Isto, para a mesma Força de desaceleração aplicada. Os
pneus são outro elemento de máxima importância, pois são
eles que asseguram o contacto do veículo com o solo. Figura 40 – Pneus de “alta-performance.
Durante a travagem, há uma transferência de peso para a frente do veículo, com a
desaceleração longitudinal. Os pneus do eixo traseiro perdem Força e, por conseguinte,
capacidade de travagem.
Figura 41 – “Transferência de peso” em desaceleração.
85
Para além da capacidade de aceleração longitudinal do veículo, ou seja, a aceleração e a
travagem propriamente ditas, há que equacionar igualmente a capacidade de aceleração
lateral, i.e., a aceleração centrípeta e a Força que os pneus do veículo têm de conseguir
contrariar quando o veículo descreve uma curva ou muda de direcção.
A utilização de pneus de “alta-performance”, normalmente mais aderentes, bem como o
respeito pelos limites de profundidade do piso do pneu e a monitorização periódica da
pressão, serão sempre factores positivos na prevenção da sinistralidade rodoviária,
sobretudo em situações de travagem de emergência.
Ao nível da transmissão, a utilização de um diferencial com autoblocante poderá ajudar a
prevenir contra o despiste do veículo e contra perdas de tracção.
6.2.3 Massa do veículo e sua distribuição
Quanto maior for a massa de um veículo, maior será a Força necessária a exercer tanto
longitudinal como lateralmente, seja para o acelerar seja para o desacelerar.
A massa é "inimiga" da aceleração, seja ela linear ou angular. Um corpo com mais massa,
para a mesma aceleração, sofre Forças maiores do que um corpo com menos massa.
De forma muito simples, a aceleração linear (a) é igual ao quociente da divisão da
velocidade pelo tempo, ou seja, a=dv/dt . A Força (F) é igual ao produto da massa (m)
pela aceleração linear, ou seja, F=m.a , pelo que um corpo com mais massa precisará de
uma Força maior para a mesma aceleração. A Força também depende da massa em
aceleração angular. A componente aceleração centrípeta (ac) é dada pelo quociente da
divisão do quadrado da velocidade pelo raio (r), ou seja, ac=v2/r . Se se negligenciar a
86
componente aceleração tangencial, ou se ela for igual a zero, então a aceleração angular
será igual à aceleração radial, ou seja, à aceleração centrípeta.
Numa manobra em que há uma aceleração centrípeta, a Força centrípeta (Fc), que é igual
ao atrito, é exercida pelos pneus do veículo em direcção ao centro da volta; opostamente,
uma Força centrífuga actua na massa acelerada, mas em sentido oposto, ou reacção
centrífuga. A Força é igual à massa vezes a aceleração centrípeta (Fc=m.v2/r). Isto
significa que, para a mesma aceleração, um corpo com mais massa será naturalmente
submetido a Forças maiores – i.e., para a mesma velocidade e raio da curvatura – do que
um corpo de massa menor.
O aumento da massa tem uma importante influência na Força centrípeta, embora o
aumento da velocidade ainda tenha mais pela dependência quadrática.
As alterações dos momenta linear e angular também dependem da massa. O momentum
linear (p), ou "quantidade de movimento linear", é igual ao produto da massa pela
velocidade linear (v), ou seja, p=m.v , em que o aumento da massa resulta no aumento do
momentum linear do corpo em movimento, o que resulta, por conseguinte, numa maior
oposição em alterar o seu estado de movimento, em velocidade e em direcção,
necessitando, assim, de uma aplicação de Força maior, para a mesma aceleração linear,
do que num corpo com massa e correspondente momentum menores (F=m.a).
Quanto à componente angular do movimento de um corpo, o momentum angular (L) é
igual ao produto do momentum linear pelo raio ou distância ao eixo da rotação,
L=p.r=m.v.r , ou, dito de outra forma, é igual à velocidade angular (v/r) vezes o momento
de Inércia (I) que é a distribuição da massa em relação ao eixo da rotação – igual ao
produto da massa pelo quadrado da distância de actuação da Força ao eixo da rotação
(genericamente: I=m.r2 , embora a expressão dependa do eixo em questão e da própria
distribuição da massa).
87
É, pois, também demonstrável que quanto maior a massa maior o momentum angular, i.e.,
maior a tendência em manter uma dada rotação.
Resumindo, para a mesma velocidade, um veículo com uma massa maior, tem uma
“quantidade de movimento linear”, ou momentum linear, maior, pelo que a sua unidade
motriz e a de travagem têm de ser capazes de exercer Forças (opostas) também maiores,
de aceleração e de desaceleração respectivamente. A Força de aceleração é aplicada pelo
motor ao piso através da transmissão e das rodas. A Força de desaceleração é aplicada
pelos travões ao piso através das rodas.
Como se disse, lateralmente, numa curva com um determinado raio, para a mesma
velocidade, um veículo com maior massa necessitará de exercer uma Força centrípeta
também maior. Essa Força centrípeta é, como se disse, a Força de atrito que é uma Força
lateral ao veículo, oposta à Força centrífuga, num equilíbrio de Forças an direcção radial.
A Força lateral ao veículo é exercida pelos pneus em contacto com o piso. Então, quando
a massa é maior, os pneus estão sujeitos a uma Força de atrito também maior, para a
mesma aceleração centrípeta, e, por conseguinte, a um desgaste maior.
Concluindo o racínio, quando há mais massa em movimento, a alteração dos seus
momenta requer maior Força do que nas situações em que a massa a acelerar/desacelerar
– seja longitudinal ou lateralmente – é menor.
Quanto à distribuição da massa, esta é medida em percentagem da sua distribuição pelos
dois eixos do veículo. Uma repartição de equilíbrio perfeito ronda os 50% -Fr / 50% -Tr,
com o centro de gravidade (CG) localizado longitudinalmente a meio, entre os dois eixos.
Os veículos com mais massa sobre o eixo traseiro tendem a sobrevirar mais intensamente
em situações de desaceleração com derrapagem do eixo traseiro, em curva, pela
transferência de peso para a frente. A localização do centro de gravidade do veículo tem,
pois, importância para a sua estabilidade. O excesso de carga e a sua desigual
88
distribuição, criando problemas de equilíbrio dinâmico, são outros factores que
potenciam a sinistralidade rodoviária.
Relacionado com a distribuição de massas, merecem referência os momentos de Inércia
de massa do veículo. Genericamente, o momento de Inércia de massa obtem-se
multiplicando a massa pelo quadrado da distância ao eixo de rotação (Iz=1/2.m.r² para um
cilindro rodando em torno do eixo longitudinal). A distância ao eixo de rotação faz variar
o momento de Inércia mais do que a variação da massa.
O momento de Inércia de massa de um automóvel aproxima-se ao de um sólido cuboide
com uma altura h, largura w e profundidade d, em que, em vez do raio, somam os
quadrados das duas distâncias (Ih=1/12.m.(w²+d²) para uma rotação em torno do eixo
vertical médio h). Note-se que, conforme o afastamento do eixo de rotação vertical, do
ponto médio em direcção às extremidades do sólido, o momento de Inércia varia (na
extremidade, o momento de Inércia pode aumentar para 4 vezes o valor obtido com o
eixo no ponto médio). O momento de Inércia de massa quantifica a Inércia rotativa de um
corpo rígido, ou seja, a sua Inércia em relação ao movimento rotativo. De outra forma,
denota a dificuldade de indução de rotação. Também, uma distribuição de massa
equilibrada entre os dois eixos (CG central, neutro) proporciona ângulos de derrapagem
dos pneus menores e mais homogéneos do que em situação de desigual distribuição. Em
volta estabilizada, para a mesma massa, os veículos com o CG deslocado para a frente
tendem, portanto, a subvirar mais devido à carga adicional sobre esse eixo. Na Fig. 42,
quatro veículos com diferentes configurações:
Figura 42 – Veículos com diferentes configurações e distribuições de CG.
89
O VW Golf (à esquerda) é um veículo de tracção dianteira que tem o seu CG avançado
longitudinalmente, com uma percentagem de distribuição de massa de 59/41 devido,
sobretudo, à posição frontal do motor. Por isto, ele tanto é subvirador com aceleração
como em volta estabilizada. Em desaceleração/travagem, também pode ser sobrevirador,
devido à transferência de peso para a frente, ajudado pelo baixo momento de inércia (CG
frontal e relativamente reduzida distância entre-eixos) quando em sobreviragem (rotação
em torno do eixo vertical dianteiro) e pela eficiência do efeito travão-motor à frente.
Na segunda imagem a contar da esquerda, o BMW Série 3 que, embora tenha também o
seu motor à frente, apresenta um CG neutro e uma distribuição de massa equilibrada de
50/50. A reacção em curva estabilizada é neutra. Tendo a tracção aplicada ao eixo
traseiro, pode provocar uma sobreviragem, com aceleração, bastante equilibrada.
A seguir, o Porsche Cayman tem uma repartição de massa de 46/54, ou seja, ligeiramente
para trás. Isso deve-se, sobretudo, à posição central-traseira do motor. Para além do CG
ser recuado, tem, ainda, um baixo momento de Inércia em volta estabilizada, ajudado
pela relativamente curta distância-entre-eixos e pequena massa e pela posição do motor, o
que contribui para uma resposta mais rápida às solicitações da direcção e uma tendência
maior para girar sobre o eixo vertical central do que o BMW.
Finalmente, na imagem mais à direita, um Porsche 911 com o seu CG posicionado para
trás (distribuição de massa de 38/62). Este veículo tem um momento de Inércia de massa
grande com o seu motor colocado em posição traseira, pelo que a sua dinâmica em
sobreviragem actua como efeito de pêndulo: tem mais dificuldade em iniciar a rotação
em sobreviragem com aceleração, mas, uma vez iniciada, tem igualmente uma
dificuldade muito maior em contrariá-la; assim, em desaceleração, a transferência de peso
de trás para a frente pode provocar uma sobreviragem muito intensa, uma vez libertado o
eixo traseiro, necessitando de correcções permanentes e rápidas na direcção.
90
Figura 43 – Ângulos de derrapagem consoante a posição do CG.
Quando um veículo descreve uma curva normal, estabilizado, o seu eixo de rotação
vertical está posicionado atrás, próximo do eixo traseiro, variável ainda consoante os
ângulos das rodas dos dois eixos e os ângulos de derrapagem. Nesta situação, um baixo
momento de Inércia facilita a manobra, ou seja, reduz o ângulo de derrapagem do eixo
anterior, permitindo acelerações angulares maiores. Já quando um veículo entra em
sobreviragem, o eixo de rotação “avança” longitudinalmente em direcção ao eixo
anterior; dá-se uma alteração do momento de Inércia de massa. Se, nestas circunstâncias,
ele for grande (comum em veículos com motor central-traseiro e, sobretudo, traseiro, ou
seja, a sua massa concentrada em zona posterior), a sua massa em movimento
desenvolverá um efeito rotativo de “pêndulo” mais intenso, uma vez iniciada a aceleração
angular, que não existia quando não em sobreviragem.
O aumento de massa de um veículo, ou a sua grande quantidade em termos absolutos, e a
sua desigual distribuição, são factores potenciadores da sinistralidade do lado do
“Veículo” em ligação estreita com o condutor, ou seja, com o factor “Humano”.
A suspensão do veículo, responsável pelo adorno ou inclinação da carroçaria em
manobras de aceleração, desaceleração e em volta (inclinação lateral), é um factor que
pode, igualmente, potenciar o sinistro. Se o seu curso for excessivamente longo e o
91
conjunto molas/amortecedores demasiado macio, pode provocar situações de
desequilíbrio e perda de aderência em qualquer uma das manobras referidas. Os
amortecedores gastos devem ser prontamente substituídos, por forma a reduzir o risco de
perda de controlo do veículo devido a instabilidade – em curva e em travagem.
Como foi dito, durante uma travagem ou durante uma mudança de direcção, dá-se um
desequilíbrio temporário no veículo, com a sua massa (peso) a ser transferida no sentido
contrário à (des)/aceleração. A taxa de transferência é proporcional à altura do centro de
gravidade, à aceleração centrípeta (g) e é inversamente proporcional à largura das vias
(distância entre os pontos de apoio – as rodas). É também proporcional ao adorno da
carroçaria, este por sua vez proporcional ao curso e dureza da suspensão.
A afinação do camber, ou inclinação lateral da roda em relação ao plano vertical, pode
ainda trazer alguns benefícios em termos de aderência lateral, se for ligeiramente
negativo, conforme a suspensão do veículo e os ajustes disponíveis de fábrica.
Há, ainda, mais ajustes possíveis, em alguns veículos, tais como o caster (inclinação
longitudinal) e toe-in (convergência). Em todo o caso, é importante circular com as rodas
alinhadas e calibradas. A alteração assimétrica das dimensões, tipo e dureza e pressões
dos pneus, bem como da suspensão, de frente e de trás, podem servir tanto para aumentar
como para diminuir a tendência de subviragem e de sobreviragem.
Em estrada normal, de uma forma geral, um veículo será mais seguro e eficaz se adornar
menos nas curvas e nas travagens, dentro de certos limites e consoante o estado do piso.
Para a mesma massa, e considerando o equilíbrio de um veículo – tanto em volta
estabilizada como em aceleração – como um indicador de segurança, será mais seguro o
veículo mais neutro possível, ou seja, com uma repartição de massa próxima dos 50/50 e,
igualmente, com tracção integral 50/50, e de massa pequena.
92
Faça-se o reparo de que, em cidades como Lisboa – em que as condições do piso são
geralmente deficientes – o recurso a uma afinação da suspensão rija e rebaixada pode
trazer grandes desvantagens, entre elas um grande desconforto e uma potencial
degradação da eficácia de travagem sobre lombas e irregularidades acentuadas do piso, o
que, em certas situações limite, pode, até, potenciar um sinistro.
6.2.4 Direcção
Também a direcção é fundamental, na medida em que controla o ângulo das rodas em
relação ao chassis, o que permite o controlo direccional do veículo. Uma direcção
demasiado assistida e pouco directa reduz a sensibilidade por parte do condutor e, por
conseguinte, prejudica o controlo do veículo.
6.2.5 Ergonomia / posição de condução
A posição de condução possibilitada pelo veículo, incluindo o apoio lateral e lombar dos
bancos, a posição dos pedais e do volante, é importante tanto para o conforto do condutor
como para a segurança na condução.
93
6.3 O supra-factor “Via”
O terceiro supra-factor considera a importância da VP, na origem da sinistralidade
rodoviária. Essa influência tem enquadramento em alguns factores específicos: na
projecção e/ou construção erradas, incluindo lombas e curvas de má visibilidade, relevé
desfavorável, material do piso escorregadio, cruzamentos e entroncamentos perigosos; no
mau estado de conservação e falta de fiscalização; na deficiente sinalização e iluminação;
na concepção inadequada da via ao volume e tipo de veículos que nela transitarão.
A concepção das vias deve, pois, ter sempre em consideração todos estes múltiplos
aspectos. Falhar algum destes aspectos significa propiciar um aumento da taxa de
sinistralidade rodoviária.
A má concepção das vias pode, pois, em certa medida, justificar a elevada taxa de
sinistralidade em Portugal. O famoso traçado do IP5 é o exemplo de uma obra importante
mas com erros de concepção original. Este itinerário foi concebido para ligar o litoral
português a Espanha, partindo de Aveiro com passagem por Viseu e Guarda. No troço
entre a Guarda e Celorico da Beira, por entre os contrafortes da Serra da Estrela, estão
situados alguns “pontos negros” graves das estradas portuguesas. Por ele passam,
diariamente, centenas de veículos pesados carregados de mercadorias, muitas vezes com
excesso de peso e/ou em mau estado de conservação mecânica – os travões,
nomeadamente.
Na descida da Guarda para o Porto da Carne (ver a Fig. 47, mais à frente), entre os kms
154 e 158, no IP5, uma descida com cerca de 4 kms e com declive considerável (8%),
serpenteada de curvas apertadas, constitui um perigo potencial para os veículos pesados
que percorrem aquele itinerário e para os ligeiros que podem ser alvos de colisão por
parte daqueles quando em descida desgovernada.
94
A juntar à forte inclinação continuada da estrada (Factor “Via”) que sobreaquece os
travões dos veículos pesados, a idade e a baixa fiabilidade mecânica de muitos deles
(factor “Veículo”) resulta, por vezes, no terror de um “monstro” desgovernado a embater
nos pequenos ligeiros que por ali transitam. Que o digam as vítimas que pereceram junto
à curva do famigerado km156… Aqui, não obstante os factores “Veículo” e “Humano”
terem, por ventura, uma responsabilidade maior nos sinistros que nesta via ocorrem, o
factor “Via” também potencia em sua grande medida, uma vez que oferece condições
propensas a essa ocorrência.
Para além do IP5, muitas outras vias há em Portugal, em que a perda de controlo dos
veículos, por parte dos condutores – e para além de outros factores tais como a falta de
preparação prática no controlo dinâmico do veículo, a condução agressiva, o próprio
veículo ou, ainda, as condições atmosféricas adversas – é amplamente potenciada pelo
traçado, pelo seu estado de conservação e pela sua deficiente sinalização. Muitas vezes os
erros são de concepção. Vejam-se os exemplos das curvas descendentes da Av. Calouste
Gulbenkian e do Eixo Norte-Sul, ambas em Lisboa.
Figura 44 – Curvas em declive acentuado: Avenida Calouste Gulbenkian (à esquerda) e
Eixo N-S (à direita).
95
Figura 45 – Av. Calouste Gulbenkian e Eixo Norte-Sul. Curvas em declive acentuado.
Figura 46 – Acessos ao IC-19 e à CRIL. Acidentados com muita frequência.
96
97
Figura 47 – IP5: Descida (kms 154-158), troço perigoso do IP5 para veículos pesados em mau estado.
No referido Itinerário Principal n.º 4 (IP4), as curvas apertadas com grandes declives e
sem relevé conveniente, juntamente com outro factor maior – o factor ambiental, que
inclui veículos pesados e condições climáticas adversas – provocam sinistros de
gravidade extrema.
Figura 48 – Sinistro com vitimização ocorrido no IP4 próximo de Amarante. Os p is do bébé na foto
anão sobreviveram. (Ass. Utentes IP4).
98
As ruas da cidade de Lisboa estão, na generalidade, em mau estado de conservação. A
Av. 24 de Julho e a Baixa, só para exemplificar, está repleta de tampas metálicas de
e (LRV)
imediatamente em cima ou imediatamente antes do perigo, como sejam as passadeiras, os
der potenciais perigos que o
condutor tem de prever, bem como também a falta de manutenção das vias e da sua
rodoviária de forma muito
evidente.
saneamento que destroem a suspensão dos veículos e potenciam o sinistro. O asfalto é,
também, muito irregular, aumentando perigosamente as distâncias de travagem.
Outro erro inconcebível é a colocação de lombas redutoras de velocidad
entroncamentos ou os cruzamentos. Acontece que, se um veículo, por distracção, circular
em velocidade excessiva, será incapaz de travar uma vez em cima delas. A sua colocação
deverá ser numa zona com bastante antecedência ao perigo. O final da A5, sentido
Lisboa-Cascais, na saída para Aldeia de Juzo, contém uma grande quantidade de LRV
seguidas que terminam junto à estrada onde a via da saída entronca, o que é um perigo
enorme, para os veículos que queiram travar em cima delas.
A sinalização inadequada e a sua má colocação podem escon
sinalização (vertical e horizontal). É frequente encontrar-se, nas vias portuguesas, sinais
verticais e luminosos escondidos atrás de árvores e vegetação em crescimento, ou,
simplesmente deteriorados ou até, mesmo, já inexistentes…
Todas as situações descritas potenciam a sinistralidade
99
Figura 49 – Situação que potencia o sinistro: zona limitada de piso molhado a meio de uma curva. Av. Marginal, entre o Estádio Nacional e a recta do Dafundo.
Na Fig. 49, observa-se uma via que apresenta, periodicamente, condições ideais para a
ocorrência de despistes. Entre o Estádio Nacional e a recta do Dafundo ocorreram
numerosos sinistros com vitimização. A existência de um relvado com rega automática
na margem da curva da estrada, que inunda periodicamente metade da faixa de rodagem,
provoca uma zona de piso molhado e pouco aderente, contrastando com o piso seco do
restante troço, imediatamente antes e depois desta. Surge frequentemente o despiste de
veículos no sentido Estádio–Dafundo (Oeste–Este) em duas situações:
– por subviragem: o veículo segue em frente e colide contra o muro da linha de caminho-
-de-ferro que se encontra mais à frentre e um pouco mais elevada;
– por sobreviragem: o condutor trava quando sente a subviragem inicial provocada pela
água que alaga o piso (a frente a fugir da faixa de rodagem, contra o muro), que se
transforma em sobreviragem logo que as rodas dianteiras ganham aderência com a
transferência de peso para a frente quando atingem a zona de piso seco, uns metros mais
à frente, entrando em pião para o lado interior de curva e pela parte da faixa de rodagem
100
contrária, originando colisões sérias com veículos que transitam no outro sentido. No
início do mês de Março de 2007 mais uma rapariga perdeu a vida nesse mesmo local nas
condições descritas.
Acresce o facto de não existir sinalização que indique precaução especial para a
possibilidade de piso escorregadio.
O exemplo descrito tanto serve para mostrar as más condições de sinalização e de
manutenção/fiscalização de muitas vias portuguesas, como para reforçar a necessidade de
uma formação em condução defensiva e em controlo da derrapagem por forma a evitar a
perda de controlo frequente em situações tão simples e idênticas è ilustrada, como ainda
para introduzir o outro supra-factor que falta: o “Ambiente” – que inclui a ocorrência de
substâncias na VP que diminuem o seu nível de aderência, como a água ou o óleo.
6.3.1 Factor “Via” versus Factor “Humano”
Diga-se, em forma de parêntesis, que, numa análise às “causas” de um acidente, e não
retirando a sua devida responsabilidade na sinistralidade, há, contudo, sempre uma
grande tendência, sobretudo por parte dos condutores, em atribuir “as culpas” à via, seja
pela sua má construção ou pela deficiente sinalização, negligenciando-se outros factores
por vezes tão mais importantes como o erro humano, ou seja, o “Factor Humano”.
Recorde-se que, a jusante do sinistro ocorrido na referida passagem de nível de Santos,
em Lisboa, a mesma foi encerrada – como que a desculpar a condução suicida do jovens
que nela pereceram por aquela passagem ser considerada de “perigosa” – prejudicando
muito quem frequentemente se deslocava para o outro lado da linha, que tem agora que
dar uma volta de vários quilómetros para lá chegar. Não quer isto dizer que, neste
101
exemplo, a passagem-de-nível fosse especialmente aconselhada para o local, mas é,
efectivamente, uma infeliz coincidência o seu encerramento. E, até à data, não foi
encontrada uma solução plausível para o local: continua fechada e sem alternativa! Este
tipo de acção pós-ocorrência parece vir ao socorro dos perfis do “cidadão estúpido” ou do
“cidadão prevaricador”, o que vai prejudicar e impedir o normal funcionamento da vida
daqueles de bom-senso que cumprem. Será, porventura, um erro político e cultural agir
desta forma. Deve agir-se preventivamente, se se justificar, mas nunca a justificar os
erros dos que não cumprem, prejudicando terceiros.
Outro erro de pensamento frequente é o apontar do dedo aos “túneis assassinos” das
avenidas das cidades em vez de se criticar a falta de passagens desniveladas para os peões
ou a própria estupidez daqueles que, não tendo cuidado ou respeito pela legislação que
rege o trânsito de peões na VP, decidem atravessar-se mesmo à frente da saída dos túneis,
potenciando muitíssimo a ocorrência de sinistros, ou seja, o seu próprio suicídio. Os
túneis das avenidas da cidade de Lisboa têm tido, desde a sua construção, uma importante
acção de “desentupimento” dos cruzamentos e alívio do trânsito à superfície. Porém, a
construção dos túneis deve ser acompanhada, por um lado, nas rampas de acesso, da
construção de passagens aéreas para peões, e, por outro, de radares de velocidade com
aviso luminoso. Agora, não será razoável pensar que se deve deixar de construir túneis
por causa de peões que não querem ter o trabalho de andar uns metros e/ou de subir as
escadas de acesso às passagens que lhes estão destinadas.
As condições das vias têm a sua fatia de responsabilidade na sinistralidade, mas não são,
necessariamente, o factor que mais contribui para a ocorrência de um sinistro. E não são
mesmo!
102
6.4 O supra-factor “Ambiente”
O supra-factor “Ambiente” contempla diversos factores que intervêm na condução
automóvel, potenciando a ocorrência de sinistros rodoviários. Eles são: a existência de
água na via; a baixa visibilidade atmosférica; o vento forte; a existência de animais,
objectos e de outros veículos na via e sua interacção; a ocorrência de catástrofes naturais
e de outros fenómenos externos, tais como a existência de óleo, resinas vegetais ou de
outras substâncias derrapantes que possam diminuir o coeficiente de atrito da via.
A água na via, sob a forma de humidade, precipitação, neve ou gelo, diminui os limites
de aderência dos pneus com o piso. Nestas circunstâncias, deve reduzir-se a velocidade
de forma a evitar a derrapagem indesejável.
A humidade na via e o gelo apresentam um perigo acrescido, por poderem não ser
detectados à primeira vista. O granizo, por descida brusca da temperatura do ar, pode cair
alguns hectómetros mais à frente do veículo sem que o seu condutor se aperceba,
podendo vir a provocar um sinistro de consequências imprevisíveis, sobretudo se a
velocidade do veículo circulante for elevada.
O controlo direccional de um veículo,
equipado com pneus normais, sobre o gelo –
situação em que o atrito é mínimo – é
praticamente quase nulo. Sobre a neve o
atrito é maior mas, ainda assim, requer a
utilização de pneus adequados para a neve
ou, quando a altura da neve aumenta,
104
correntes próprias.
Em regiões muito chuvosas ou de Inverno mais rigoroso, será recomendável a mudança
do jogo de pneus de Verão para o de pneus de Inverno, consoante a estação. Os pneus de
Inverno, embora apresentem coeficientes de aderência inferiores em condições de piso
seco e aderente, são, contudo, menos propícios ao aquaplaning e agarram-se melhor ao
piso molhado.
Os veículos de duas rodas são os mais prejudicados em relação à variação dos
coeficientes de aderência. Em piso molhado, é, pois, recomendável a circulação com
velocidade especialmente reduzida.
As primeiras chuvas são sempre as mais críticas, uma vez que a mistura da água com o
óleo e a sujidade, que normalmente se encontram sobre as vias, forma, por vezes, uma
camada muito propensa à derrapagem. As poças de água representam um perigo
adicional, na medida em que desaceleram a/(s) roda/(s) que por ela passarem, podendo
desequilibrar o veículo se a velocidade não for especialmente reduzida. Podem, ainda,
esconder buracos e obstáculos que podem danificar o veículo.
A geada matinal constitui, igualmente, um perigo para os condutores menos avisados e
preparados, tal como acontece no IP4, no troço entre a serra do Marão e Bragança. Por
isso é importante monitorizar a temperatura exterior do veículo, de forma a prever a
ocorrência destas formas de gelo. Em altitude, em estradas e caminhos com muita neve,
após fortes nevões, devem ser utilizadas correntes ou, em substituição, pneus próprios
com pregos, tanto para veículos de duas como de quatro rodas motrizes. Estes últimos
têm uma vantagem clara em termos de tracção, nestas condições.
A baixa visibilidade também requer uma condução atenta e a velocidade reduzida. A
ocorrência de nevoeiro ou de uma tromba de água pode reduzir a visibilidade para poucos
105
metros à frente do veículo. Nestas circunstâncias, devem usar-se os faróis de nevoeiro, os
médios e a luz de nevoeiro traseira.
Em condições de baixa aderência e de baixa visibilidade, é muito importante que o
veículo circule com uma distância de segurança maior em relação aos veículos que o
antecedem e sucedem. As distâncias de travagem variam consoante o coeficiente de
atrito, ou seja, para uma condição de aderência inferior, o espaço necessário para uma
travagem completa e em segurança é superior, para o mesmo veículo.
Para além da distância de segurança e da velocidade reduzida, como condução defensiva,
em condições de baixa aderência e visibilidade, é importante que se procure sempre
observar o que se passa na estrada à sua frente o mais longe possível, por forma a tentar
prever acções inesperadas por parte de condutores e peões, aumentando assim o tempo de
reacção e de paragem no caso de esta ser necessária.
O vento é um outro factor que pode dificultar o controlo do veículo, sobretudo se este
tiver uma área lateral grande que possa criar muita resistência ao vento lateral.
Catástrofes de origem natural podem, igualmente, potenciar o sinistro: queda de pedras
ou de árvores, desabamentos, furacões, relâmpagos, incêndios, trombas de água, tremores
de terra, tornados, ou até vulcões. Muitas delas são imprevisíveis e as suas consequências
podem ser devastadoras.
A existência de animais na VP é responsável por diversos sinistros, desde a vaca que
resolve “pastar” na VP ao cão inconsciente que decide atravessar a auto-estrada. O acto
de desviar o percurso de um veículo, repentinamente, para evitar um cão, pode provocar
um despiste grave, sobretudo com veículos sem dispositivos automáticos de controlo de
estabilidade ou com condutores sem preparação. Muitos acontecem, diariamente, na
estrada nacional e, até, na auto-estrada. Nestas condições, alguns podem ser evitados com
106
uma boa preparação prática de condução, com automatismos de reacção, nomeadamente
no já abordado controlo da sub-/sobreviragem. A circulação atenta e com velocidade
moderada ajuda a minimizar possíveis consequências que surgem nessas situações.
Por último e antes de terminar este ensaio, resta referir a existência dos outros veículos da
VP, factor que tem uma grande relevância, na medida em que uma grande parte dos
sinistros ocorrem entre dois ou mais veículos. O sub-factor “outros veículos” pressupõe a
existência física de veículos automóveis na via, conduzidos por indivíduos sobre os quais
recai, igualmente, o factor humano, bem como todos os outros que nesta análise foram
sendo apresentados.
107
7. Considerações Finais e Recomendações
A solução para a redução da sinistralidade rodoviária passará pela revisão dos diversos
factores aqui dissertados. O Factor Humano é, sem dúvida, o mais importante, o que mais
influência tem no desempenho diário na VP. A maior parte dos sinistros graves ocorre
devido ao erro humano. Outros factores, ou supra-factores na análise hierárquica
apresentada, têm, na sua certa medida, importância na sinistralidade rodoviária.
Não será, certamente, coisa de somenos, a congregação de esforços que se direccionem
na atenuação do que foi chamado, no capítulo primeiro, de fenómeno endémico e
obnóxio.
A cultura de um país reflecte-se na VP. O mau desempenho dos seus condutores é, por
conseguinte, um reflexo dessa cultura, tal como as vias, a sinalização e o seu estado de
conservação também o são. Em Portugal, a agressividade latente das suas gentes é
manifestamente exteriorizada na VP em autênticas batalhas rodoviárias. O stress
quotidiano, os desequilíbrios emocionais, juntamente com uma cultura de
desresponsabilização e anti-cívica, provocam esses comportamentos. Junte-se-lhes a falta
de preparação teórica e, sobretudo, prática, mais os outros factores externos, e chega-se
ao negro arrepiante dos números que enchem as folhas das estatísticas, frequentemente
tingidas pelo vermelho sangue da vitimização.
Nesta acepção e na sua globalidade, a sinistralidade será, pois, um fenómeno endémico e
não epidémico. Não é um mal “que nos cai em cima”, é, antes, um mal que todos, mais
ou menos activamente, com maior ou menor responsabilidade, ajudamos a criar ou, no
mínimo, colaboramos – desde os condutores, peões, passando pelos centros de formação,
até às autoridades rodoviárias, autarquias e responsáveis pela fiscalização e manutenção
da VP.
108
A sinistralidade rodoviária terá de ser combatida através da prevenção e de uma mudança
de mentalidades. Somente impôr limites e tentar punir, por si só, não tem grande eficácia
no objectivo comum aos que se preocupam com a questão da sinistralidade, por duas
razões maiores: primeiro, porque, tal como está comprovado, a cultura rodoviária e
nacional vernácula, apanágio dos povos menos desenvolvidos, leva a um desrespeitar
permanente e consecutivo do CE, como comprovam os números das autoridades
policiais, todos os anos; segundo, porque muitos sinistros ocorrem em circunstâncias de
condução normal, dentro dos limites do CE. Ou seja, cumprir os limites do CE não
garante ausência de sinistralidade. Ajuda, de facto, mas não garante... Não basta cumprir.
Ora, aqui reside o que foi considerado um erro estratégico, uma visão que se baseia na
punição e no “basta cumprir”, mas que, na verdade, não tem solucionado este complexo
problema.
Quanto ao ensino da condução em Portugal, considera-se estar num estado ainda
deficiente. Será necessário alterar os currículos e as exigências dos mesmos, incidindo,
desde a ergonomia e postura ao volante, à condução defensiva e ao controlo dinâmico do
veículo na via. O interesse das vertentes teórico-práticas referidas reside numa preparação
superior dos candidatos a condutores certificados.
É de grande importância o treino em controlo de manobras de sub-/sobreviragem,
aspectos da aderência, travagem, mudanças de direcção, acelerações longitudinais e
centrípetas. Como foi dito, muitos sinistros graves sucedem por falha no controlo do
veículo por parte do condutor, em situações facilmente evitáveis com esse treino.
Mas a exploração da vertente da dinâmica da condução e a boa preparação prática dos
condutores não chegam, por si só, para uma redução da sinistralidade, pelo que o ensino,
a sensibilização e a prática de uma condução defensiva é condição prévia sine qua non
para a redução da mesma.
109
Vendo as coisas por outro prisma, e sem embargo ao princípio fundamental e absoluto da
condução defensiva, diversas situações de falta de aderência (longitudinal e lateral)
surgem sem que seja praticada uma condução agressiva ou aparentemente rápida. Falhas
de aderência podem surgir em qualquer momento, em qualquer circunstância e, mesmo
durante o exercício de uma condução defensiva. Como tal, é fundamental que os
condutores estejam preparados para as controlar e/ou minimizar as suas consequências.
Para mais, a existência de dispositivos de controlo automático de estabilidade nos
veículos não é condição suficiente nem, menos ainda, garantia de que sinistros, nessas
condições, não ocorrerão.
A incluir, no futuro, os capítulos de prevenção e controlo da derrapegem, nos currículos
dos cursos de condução básicos, deveria ser realizada em dois módulos – um
essencialmente teórico e introdutório, e um outro prático. Para uma correcta aplicação
dos conceitos teóricos apreendidos, seria necessário reforçar, em especial, o
desenvolvimento psico-motor, que não somente cognitivo, e criar os automatismos de
reacção necessários. A primeira fase de um segundo módulo (prático) passaria pela
aplicação de simuladores de condução com modelo dinâmico realista. Numa segunda
fase, passar-se-ia ao treino real em pista fechada e adaptada para condições de piso seco e
de piso molhado. Manobras simples como aprender a travar, a contrabrecar e/ou acelerar
(para veículos tracção dianteira) em situação de sobreviragem, ou desacelerar em situação
de subviragem, entre outras, poderiam ser treinadas em simuladores, sem custos e com
total segurança.
Mas esta formação dinâmica só fará sentido existir se integrada num processo de
aprendizagem completo, desde a formação mais básica actualmente praticada nos centros
de formação para a obtenção do título de condução, até ao que é hoje considerado de
“condução avançada” – conceito que vem tentar reparar um erro maior oficial em termos
de formação e certificação.
110
Como se disse, a criação dos automatismos no ser-humano, necessários às reacções
correctas dos condutores, leva um certo tempo, pelo que o processo de obtenção do título
de condução não deveria ser inferior aos 8 (oito) meses.
Ainda na esteira do que tem vindo a ser dito, deveriam ser criadas pistas com condições
próprias para o treino da derrapagem, para uma aplicação prática dos conceitos teóricos –
adquiridos numa primeira fase – e práticos adquiridos através de simuladores
dinamicamente fidedignos.
O bom condutor será, porventura, aquele que, dominando e fazendo uso sistemático do
Código da Estrada, circula sempre com elevados níveis de segurança, não causa
desconforto para os outros passageiros do veículo e não coloca o próprio nem os restantes
utentes em perigo. Para garantir uma circulação com segurança, terá de praticar uma
condução defensiva bem como de estar apto a controlar o veículo em caso de istabilidade.
Paralelamente, o incentivo à canalização da “agressividade masculina” e das “energias
negativas” dos condutores, para circuitos fechados, preparados com organização e
segurança, em substituição da VP, seria uma aposta também acertada. Tal opção já
acontece em países como o Reino-Unido (Cadwell Park) e a Alemanha (Nürburgring). É
uma estratégia que visa diminuir a condução agressiva na VP. Em Portugal, os circuitos –
autódromos – como o do Estoril ou o de Braga, bem como de alguns kartódromos com
condições, espalhados por todo o país, poderiam ser palco dessas acções positivas que
podem também servir como repositório de conhecimento ou aplicação prática de
conceitos adquiridos na formação automóvel, criando os preciosos automatismos de
reacção, em vez serem criados na VP muitas vezes violando o CE e pondo em causa a
segurança rodoviária. Estas actividades deveriam, ainda, ser acompanhadas por acções de
prevenção e de sensibilização rodoviárias, para maximizar o seu efeito positivo.
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Conduzir na VP é uma tarefa deveras complexa que requer algo mais do que o
conhecimento e o cumprimento do CE: requer atenção especial ao veículo conduzido e ao
que fora dele se passa, ou seja, à infra-estrutura rodoviária (à via e à sua sinalização, aos
veículos terceiros, aos peões, às condições climáticas, aos obstáculos); requer uma
postura defensiva de condução; requer civismo e espírito de cooperação avesso à
competitividade e agressividade na estrada, qual recinto de batalha; requer, também, um
estado psico-físico adequado à prática; e requer, tal como foi dito, uma boa e completa
formação teórico-prática.
Circular na VP é, pois, um exercício que envolve a dinâmica do próprio veículo em
harmonia com a dinâmica dos restantes numa interacção constante, cada um permeável à
influência dos diversos factores.
Sobre os veículos pesados recai uma responsabilidade acrescida, pelo facto de
movimentarem uma massa maior, podendo, em caso de sinistro, provocar danos mais
importantes, para a mesma velocidade, do que um veículo ligeiro. O mesmo se aplica aos
condutores de veículos com mercadorias facilmente inflamáveis e perigosas. Mas a
velocidade excessiva dos veículos ligeiros também tem uma grande fatia da
responsabilidade na sinistralidade.
O respeito pelos limites de velocidade, pelos requisitos psico-físicos da prática da
condução, pelas regras de civismo e pelos limites operacionais dos veículos e condutores,
é, pois, um imperativo na condução. Assim, também a repressão às práticas ilegais de
condução na VP é uma parte importante – a acção punitiva.
A aplicação de multas mais pesadas, juntamente com a obrigação de repetição de exame
téorico e prático de condução, em vez do regime (ineficaz) de sanção acessória – nos
casos de contra-ordenação grave e muito-grave, e nos sinistros com responsabilidade
imputável – poderia ajudar a acabar com a sinistralidade de causa humana grosseira. No
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actual regime de coimas aplicável, considera-se um aumento dos mínimos para 250€,
500€ e 1.000€, e máximos para 1.250€, 2.500€ e 5.000€, para as contra-ordenações leves,
graves e muito-graves, respectivamente.
Para os peões, deveria também haver uma aplicação efectiva e severa de multas para os
casos mais aberrantes, mormente quando em desrespeito à utilização das passagens
aéreas e subterrâneas, ou de passadeiras em zonas especialmente perigosas.
Já a colocação de radares de velocidade deverá ser assinalada, para dissuasão. Está
provado que o efeito visual e/ou auditivo, dissuasor, da presença das autoridades e
sistemas de detecção e vigilância tem um efeito positivo e imediato no comportamento
dos condutores portugueses. Em caso contrário, só servirá para encher os cofres do
Estado, já que o efeito psicológico supostamente pretendido não resulta, como também
está provado. Recomenda-se, igualmente, a colocação de sinais luminosos ligados a
detectores de velocidade fixos, nas avenidas e ruas mais críticas das cidades em termos
de atropelamentos.
De outro lado, e ainda dentro da prevenção, é de relevar a importância da introdução de
disciplinas de educação cívica e rodoviária, nas escolas tradicionais, com actividades
pedagógicas diversas, e sujeitas a provas de avaliação obrigatórias. Para mais, a Escola de
Educação Rodoviária, um projecto da Câmara Municipal de Braga, pode ser referido
como um exemplo positivo.
Do lado dos instrutores de condução, é preciso repensar a sua formação. Esta deverá ser
adequada a um novo paradigma de ensino, mais centrado no valor da condução
defensiva, na dinâmica automóvel e no maior rigor ao cumprimento integral e efectivo do
CE. Como prefácio a uma mudança na formação, salienta-se aqui os já existentes cursos
livres da Aprendizagem da Condução Automóvel, da Faculdade de Motricidade Humana
(FMH), da Universidade Técnica de Lisboa (UTL), vocacionados para pessoal de centros
de formação de condução.
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Como exemplos de aplicação dos aspectos da condução defensiva e da condução
chamada “avançada”, i.e., fora das escolas de formação-base certificadas pela DGV,
destacam-se as actividades da CR&M junto ao kartódromo de Palmela, da Prime
Promotion junto ao autódromo do Estoril, EMSDrive junto ao kartódromo de Lagoa, e da
Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP).
O recurso às “campanhas de choque” afigura-se, também, uma estratégia sensata a seguir.
Seria positivo um maior rigor na fase de recrutamento de candidatos a condutores, nas
escolas de condução, nomeadamente incidindo na aptidão psico-física (a aptidão psico-
emocional de cada indivíduo deveria ser apreciada) para a condução, através de exames
de rastreio, com a classificação de “apto”, “não-apto” e de “apto com reservas” – neste
último caso sujeito a correcção ou a aplicação de limites específicos já referidos. A juntar
ao rigor do recrutamento, também se considera de grande importância a implementação
de re-examinações, ou verificações periódicas, teóricas e práticas, e para todos os
condutores, com um período possível de 10 anos até aos 65 anos de idade do condutor,
passando para 5 anos entre os 66 e os 80 anos de idade, e anual a partir dos 81.
Um maior rigor nas verificações finais, por parte dos examinadores da DGV, que incluam
muitos mais variados aspectos técnicos previstos no CE, incluindo circulação em
rotundas e mudanças de direcção específicas (raramente contempladas nas actuais
verificações), também deveria ser considerada.
A introdução de outros aspectos legais, tais como a obrigação de transportar nos veículos
um exemplar do CE impresso em papel, actualizado, tal como acontece, já, com os
coletes reflectores. Nesse caso, em situação de infracção ou autuação, o agente deveria
chamar, no momento, a atenção do/(s) condutor/(es) para a infracção ao CE,
identificando o número do artigo referente, desta forma fazendo com que os condutores
se consciencializem da necessidade de conhecer e respeitar mais a legislação específica
que rege os mais diversos aspectos da condução na VP.
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A alteração do Imposto Automóvel (IA), de modo a favorecer os veículos mais seguros,
sobretudo em termos de segurança activa – para a redução da sinistralidade – mas
também de segurança passiva – para a redução da vitimização – é uma medida coerente
com todas estas preocupações relativas à sinistralidade. A incidência do IA na cilindrada
não faz sentido algum, tanto porque há veículos com menor cilindrada que produzem
valores de potência e de torque muito superiores, como ainda porque a cilindrada de um
veículo, por si só, não o torna necessariamente mais poluente. Já a preocupação com o
consumo e a poluição tem alguma importância, não para a sinistralidade, mas para a
economia e para o ambiente.
A melhoria das vias, em termos de reforço da segurança, da sinalização e da manutenção
é uma condição muito importante, também, que não pode ser postergada. A colocação de
separadores centrais delimitadores de sentido de trânsito, nas zonas mais perigosas é
outra medida positiva.
Em suma, para ter um efeito eficaz, o combate à sinistralidade rodoviária terá de ser
realizado em várias “frentes de batalha”, incidindo nos diversos factores enunciados ao
longo deste trabalho. A punição e o cumprimento do CE não chegam. Como foi dito, a
primeira – porventura a mais difícil e morosa – “batalha” consiste na alteração de certos
padrões culturais, de hábitos e mentalidades. As restantes são igualmente importantes e
vêm em consequência dessa alteração, mas, contrariamente, são de aplicação mais rápida
e directa. É preciso alterar muita coisa, e a sinistralidade só será reduzida para níveis
“aceitáveis” quando os diversos aspectos aqui enunciados forem tomados em alta
consideração e aplicados num esforço global e de forma dinâmica e concertada.
Só dessa forma será possível pôr fim à silenciosa “guerra civil” que tem como palco as
estradas portuguesas, por todos nós conhecida, embora por vezes desdenhada, na qual
participamos e também somos vítimas.
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