os filmes de julgamento no cinema hollywodiano
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
DEBORA CHABES DOS SANTOS
OS FILMES DE JULGAMENTO NO CINEMA HOLLYWODIANO:
Uma Questão de Gênero Cinematográfico
SÃO PAULO 2012
DEBORA CHABES
OS FILMES DE JULGAMENTO NO CINEMA HOLLYWODIANO:
Uma Questão de Gênero
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência para a obtenção do título de Mestre em Comunicação, pelo Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea, da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Vadico.
SÃO PAULO 2012
C421f Chabes, Débora dos Santos Os filmes de julgamento no cinema hollywoodano: uma questão de gênero / Débora Chabes dos Santos. – 2012. 132f.: il.; 30 cm. Orientador: Prof. Dr. Luiz Antonio Vadico. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012. Bibliografia: f. 128-130. 1. Comunicação. 2. Hollywood. 3. Cinema. 4. Gênero. 5.Julgamento. I. Título.
CDD 659
DEBORA CHABES DOS SANTOS
OS FILMES DE JULGAMENTO NO CINEMA HOLLYWODIANO:
Uma Questão de Gênero Cinematográfico
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência para a obtenção do título de Mestre em Comunicação, pelo Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea, da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Vadico.
Aprovada em 06 / 10 / 2012
____________________________________ Prof. Dr. Luiz Vadico
____________________________________ Profa. Dra. Sheila Schvarzman
____________________________________ Profa. Dra. Rosana de Lima Soares
DEDICATÓRIA
Ao meu saudoso avô, Francisco Chabes Filho, que me apresentou o universo da
pesquisa nos almanaques da Editora Abril em meu período escolar, me deixando
como herança o hábito dos estudos.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Luiz Vadico, orientador deste trabalho, pelo ensino, pela
paciência, pela confiança, pelos conselhos e pelas conversas nos corredores da
Universidade nestes últimos dois anos.
À Profa. Dra. Sheila Schvarzman pelas aulas que me levaram a conhecer
o universo da história do audiovisual e à Profa. Dra. Rosana de Lima Soares, ambas
arguidoras do meu exame de qualificação, pelas contribuições valiosas dispensadas
a este trabalho.
Ao Prof. Dr. Mauro Machado de Moraes, que abriu as portas da
Universidade Anhembi Morumbi, me proporcionando a realização do sonho de fazer
meu mestrado em comunicação.
Ao Prof. Ms. Augusto Roque, que dispensou uma tarde de sábado
ensolarada para adequar meu projeto de pesquisa quando ainda era um sonho fazer
o Mestrado.
À Profa. Thais Saraiva, colega de mestrado e de docência, que me
aproximou do pessoal do curso de Rádio e TV, ajudando-me na edição dos filmes
para apresentação na defesa.
Ao Prof. Ms. Rodrigo Lopes, que me ajudou na revisão ortográfica, me
auxiliando em domingos e feriados.
Ao Sr. Luiz Franchini que me apresentou alguns filmes antigos, buscando
no centro de São Paulo algumas obras que necessitava, presenteando-me com
algumas delas.
Ao Rafael Alvarenga, pelo carinho e ajuda que tornaram os últimos
momentos da produção desta pesquisa mais alegres possíveis.
Aos Thiago e Matheus, meus sobrinhos, razão pela qual busco ascensão
profissional para poder assisti-los para sempre em boas condições.
E por último, mas não menos importante, aos meus pais, Luiza e Djalma, e
a Hely, pelo apoio em todas as fases de transição que passei durante a realização
do mestrado, inclusive minha mãe, quem deixei mais uma vez, alguns meses
sozinha no escritório para que eu pudesse produzir.
“Ainda amo o direito e sempre vou amar. Mas talvez deva ensinar em vez de advogar neste mundo. Preciso de tempo para pensar” (Rudy Baylor. Rainmaker, 1996).
RESUMO
O presente estudo discute a existência do gênero cinematográfico de filmes de
julgamento. Apesar de ser um tipo de produção bastante comum, tanto na indústria
cinematográfica hollywoodiana, quanto nos seriados exibidos na TV estadunidense,
verifica-se a ausência de sua conceituação adequada nos estudos de cinema. Este
estudo revela diversas estreias de filmes com a mesma temática de julgamento
dentro do período pós “Macarthismo” vivido pelos EUA, sendo vistos como
referências pela indústria cinematográfica até a atualidade. Estas obras trazem à
discussão o anseio dos realizadores de cinema por livre expressão ao mesmo tempo
em que buscavam incentivar na sociedade americana a confiança na justiça. As
obras que compõem o corpus pesquisado são: Doze homens e uma sentença
(Twelve Angry Men, 1957), Testemunha de acusação (Witness for the Prosecution,
1957), O vento será tua herança (Inherit the Wind, 1960), Julgamento em
Nuremberg (Judgment at Nuremberg, 1961) e O sol é para todos (To kill a
Mockinbird, 1962). Por meio da análise fílmica, o trabalho amplia os seus objetivos e
procura identificar o gênero cinematográfico utilizando-se de obras mais recentes
como O Veredicto (The Veredicto, 1981) e O homem que fazia chover (Rainmaker,
1996). Privilegiam estes estudos as análises de congruências, identificando
reproduções de características de personagens, cenários, figurinos, apresentação
das instituições judiciárias, bem como meios de utilização da câmera.
Palavras-chave: Cinema. Gênero Cinematográfico. Hollywood. Julgamento.
Machartismo.
ABSTRACT
This study discusses the existence of the genre of judgment films. Despite being a
fairly common type of production, both in the Hollywood film industry as in US the TV
shows, there is a lack of adequate definition of it in his film studies. This study
reveals several premieres of movies with the same theme of judgment within the post
"McCarthyism" era lived by the U.S. Those still are as references for the film industry
until today. These works bring to the discussion of filmmakers who were longing for
free expression while the tried to reassure confidence of American society in justice.
The works that comprise the corpus search are: Twelve Angry Men (1957), Witness
for the Prosecution (1957), Inherit the Wind (1960), Judgment at Nuremberg (1961)
and To kill the Mockingbird (1962). After analyzing these films, this work extends its
objectives and tries to identify the film genre by using more recent movies like The
Verdict (1981) and Rainmaker (1996). This study identified some features, which are
common to this genre, such as types of characters, sets, costumes, presentation of
the court, as well as ways of using the camera.
Keywords: Cinema. Filme Genres. Hollywood. Judgment. McCarthyism.
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Gêneros arquétipos dramáticos .................................................. 22
Quadro 02 Filmografia .................................................................................. 132
LISTA DE FIGURAS
Fig. 01 Advogados em Law & Order Los Angeles .................................... 25
Fig. 02 Advogada em Good Wife .............................................................. 26
Fig. 03 Advogada em Damages ................................................................ 26
Fig. 04 Advogados em Boston Legal ........................................................ 27
Fig. 05 Acusada por ser integrante de partido comunista ......................... 32
Fig. 06 Advogado de defesa e réu ............................................................ 33
Fig. 07 Autor do processo e seu advogado .............................................. 34
Fig. 08 Trechos do filme Meu primo Vinny (1985) .................................... 35
Fig. 09 Trechos dos filmes Legalmente Loira I (2001) e Legalmente Loira II (2003) ............................................................ 36
Fig. 10 O advogado em plenário (trecho do filme O Mentiroso)................ 36
Fig. 11 Apresentação do tribunal Inglês .................................................... 39
Fig. 12 Tribunal americano ....................................................................... 40
Fig. 13 Assistente a advogado de defesa ................................................. 40
Fig. 14 Juízes no Processo ao Parlamento de Westminster Abbey ......... 41
Fig. 15 Assistente a advogado de defesa ................................................. 42
Fig. 16 O Juiz ............................................................................................ 42
Fig. 17 Assistente e advogado .................................................................. 43
Fig. 18 Advogado de defesa e seus assessores ...................................... 43
Fig. 19 Advogado de acusação ................................................................. 44
Fig. 20 Pilares do Tribunal de Justiça ....................................................... 46
Fig. 21 Pilares do Tribunal de Justiça ....................................................... 46
Fig. 22 Pilares do Tribunal ........................................................................ 47
Fig. 23 Entrada do Tribunal de Hillsboro .................................................. 47
Fig. 24 Crianças adentrando o tribunal ..................................................... 48
Fig. 25 Crianças bisbilhotando a sala de audiência .................................. 48
Fig. 26 Primeiras cenas do tribunal ........................................................... 49
Fig. 27 Localização das crianças e dos afrodescendentes ...................... 50
Fig. 28 Condução do réu a banco dos réus .............................................. 50
Fig. 29 Primeiro contato com a vítima ....................................................... 50
Fig. 30 Localização do réu em plenário .................................................... 50
Fig. 31 Localização da população branca ................................................ 51
Fig. 32 Apregoação das partes.................................................................. 51
Fig. 33 Primeira testemunha de acusação ............................................... 51
Fig. 34 Advogado de defesa ..................................................................... 52
Fig. 35 Expressões das testemunhas de acusação ................................. 52
Fig. 36 Expressões das testemunhas do juiz ........................................... 53
Fig. 37 Plano detalhe Plano detalhe utilizado na imagem da produção da prova documental ............................................... 53
Fig. 38 A vítima amparada......................................................................... 54
Fig. 39 Plano geral no tribunal .................................................................. 55
Fig. 40 O julgamento de Sinbad ............................................................... 57
Fig. 41 Henry Fonda jurado nº 08 ............................................................. 59
Fig. 42 Sir Wilfrid Robarts (Charles Laughton) …………………………… 61
Fig. 43 Cadeira elevatória ......................................................................... 63
Fig. 44 Henry Drummond (Spencer Tracy) ............................................... 64
Fig. 45 Hans Wolfe (Maximilian Schell) .................................................... 66
Fig. 46 Atticus Finch (Gregory Peck) ........................................................ 68
Fig. 47 Atticus Finch (Gregory Peck) ........................................................ 69
Fig. 48 Frank Galvin (Paul Newman) ........................................................ 70
Fig. 49 Rudy Baylor (Matt Damon) ............................................................ 73
Fig. 50 Rudy Baylor (Matt Damon) ............................................................ 74
Fig. 51 O acusado ..................................................................................... 78
Fig. 52 Leonard Vole (Tyrone Power) ....................................................... 79
Fig. 53 Leonard Vole (Tyrone Power) ....................................................... 80
Fig. 54 Prof. Bertram T. Cates (Dick York) …………………………………. 80
Fig. 55 Prof. Bertram T. Cates (Dick York) …………………………………. 82
Fig. 56 Emil Hahn (Werner Klemperer) ..................................................... 83
Fig. 57 Friedrich Hoffstetter (Martin Brandt) ……………………………….. 83
Fig. 58 Werner Lammpe (Torben Meyer) …………………………………... 83
Fig. 59 Advogado Hans Holfe (Maximilian Schell) ………………………… 85
Fig. 60 Tom Robbinson (Brock Peters) …………………………………….. 86
Fig. 61 Tom Robbinson (Brock Peters) e Jonh Coffey (Michael C. Duncan) …………………………………………
87
Fig. 62 Dr. Robert S. Towler (Wesley Addy) ……………………………….. 88
Fig. 63 Dr. Robert S. Towler (Wesley Addy) ……………………………….. 89
Fig. 64 Wilfred Keeley (Roy Scheider) ……………………………………… 89
Fig. 65 Pai do jovem morto por leucemia mostrando a foto dele da vítima ................................................................................
90
Fig. 66 Sr. Myers (Torin Thatcher) ………………………………………….. 92
Fig. 67 Sr. Myers (Torin Thatcher) ………………………………………….. 93
Fig. 68 Matthew Harrison Brady (Fredric March) ………………………….. 93
Fig. 69 Matthew Harrison Brady (Fredric March) ………………………….. 94
Fig. 70 Coronel Tad Lawson (Richard Widmark) ………………………….. 95
Fig. 71 Coronel Tad Lawson (Richard Widmark) ………………………….. 97
Fig. 72 Sr. Gilmer (William Windom) ………………………………………... 98
Fig. 73 Sr. Gilmer (William Windom) ………………………………………... 98
Fig. 74 Mel Coffey (Harry Morgan) ………………………………………...... 100
Fig. 75 Entrada do tribunal de Hillsboro nos dias de julgamento .............. 100
Fig. 76 Dan Haywwod (Spencer Tracy) …………………………………….. 101
Fig. 77 Juiz Taylor (Paul Fix) ……………………………………….............. 103
Fig. 78 Juiz Taylor (Paul Fix) e Atticus Finch (Gregory Peck) .................. 103
Fig. 79 Juiz Hoyle (Milo O’Shea) ………………………………………......... 104
Fig. 80 Juiz Hoyle (Milo O’Shea) ………………………………………......... 105
Fig. 81 Juiz Harvey Hale (Dean Stockwell) e Juiz Tyrone Kipler (Danny Glover) ……………………………………………...... 106
Fig. 82 Juiz Tyrone Kipler (Danny Glover) …………………………………. 106
Fig. 83 Os Jurados .................................................................................... 108
Fig. 84 Jurado nº 01. (Martin Balsan) ....................................................... 109
Fig. 85 Jurado nº 02. (Jonh Fieldler) ......................................................... 109
Fig. 86 Jurado nº 03. (Lee.J. Cobb) .......................................................... 110
Fig. 87 Jurado nº 04. (E. G. Marshall) ....................................................... 110
Fig. 88 Jurado nº 05. (Jack Klugman) ………………………………………. 111
Fig. 89 Jurado nº 06. (Edward Binns) ………………………………………. 111
Fig. 90 Jurado nº 07. (Jack Warder) ......................................................... 112
Fig. 91 Jurado nº 08, Davis. (Honry Fonda) .............................................. 112
Fig. 92 Jurado nº 09, McArdle. (Joseph Sweeney) ................................... 113
Fig. 93 Jurado nº 10. (Ed Begley) ............................................................. 113
Fig. 94 Jurado nº 11. (George Viskovec) .................................................. 114
Fig. 95 Jurado nº 12. (Robert Webber) ……………………………………... 114
Fig. 96 Billy Potter (Randy Travis) …………………………………………... 115
Fig. 97 Briga durante a audiência ............................................................. 116
Fig. 98 Expressões das personagens ....................................................... 117
Fig. 99 Deck Shifflet (Danny Devito) ......................................................... 118
Fig. 100 Rudy Baylor (Matt Damon) ............................................................ 118
Fig. 101 Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton) ……………………….. 119
Fig. 102 Postura de Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton) …………. 120
Fig. 103 Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton) ……………………….. 121
Fig. 104 Depoimento de Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton) ……. 121
Fig. 105 Deborah Ane Kaye (Susan Benenson) ......................................... 122
Fig. 106 Frank Galvin (Paul Newman) ........................................................ 122
Fig. 107 Donny Ray Black (Johnny Whitworth) ……………………………... 123
Fig. 108 Donny Ray Black (Johnny Whitworth) ……………………………... 124
Fig. 109 Donny Ray Black (Johnny Whitworth) ……………………………... 124
Fig. 110 Donny Ray Black (Johnny Whitworth) ……………………………... 125
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13
1. OS FILMES DE JULGAMENTO COMO GÊNERO CINEMATOGRÁFICO ... 21
1.1. Filme de Julgamento como Demonstração da Realidade Social....... 28
1.2. Um Gênero Impuro ........................................................................... 34
2. A ESTÉTICA DO GÊNERO CINEMATOGRÁFICO DOS FILMES
DE JULGAMENTO .........................................................................................
38
2.1. Tipos de Tribunais ............................................................................. 38
2.2. Apresentação do Tribunal ................................................................. 45
2.3. O Julgamento .................................................................................... 49
2.4. O Consumo dos Filmes de Julgamento ............................................ 55
3. O ADVOGADO: PERCALÇOS DE UM PROTAGONISTA ...........................
58
3.1. Doze Homens e uma Sentença (1954) ............................................. 59
3.2. Testemunha de Acusação (1957) ..................................................... 61
3.3. E o Vento será sua Herança (1961) .................................................. 64
3.4. Julgamento de Nuremberg (1961) .................................................... 66
3.5. O Sol é para Todos (1964) ................................................................ 68
3.6. O Veredicto (1982) ............................................................................ 70
3.7. O Homem que Fazia Chover (1997) ................................................. 73
4. BISPOS, TORRES E PEÕES NO XADREZ DO JULGAMENTO ..................
76
4.1. O Réu nos Filmes de Julgamento ..................................................... 78
4.1.1. Doze Homens e uma Sentença (1957) ............................... 78
4.1.2. Testemunha de Acusação (1957) ....................................... 79
4.1.3. O Vento será tua Herança (1961) ....................................... 80
4.1.4. Julgamento em Nuremberg (1961) ..................................... 83
4.1.5. O Sol é para Todos (1962) .................................................. 86
4.1.6. O Veredicto (1982) .............................................................. 88
4.1.7. O Homem que Fazia Chover (1997) ................................... 89
4.2. O Promotor de Justiça .................................................................... 91
4.2.1. Testemunha de Acusação (1957) ....................................... 92
4.2.2. O Vento será tua Herança (1961) ....................................... 93
4.2.3. Julgamento em Nuremberg (1961) ..................................... 95
4.2.4. O Sol é para Todos (1962) .................................................. 98
4.3. Os Juízes ........................................................................................ 99
4.3.1. O Vento será tua Herança (1961) ....................................... 100
4.3.2. Julgamento em Nuremberg (1961) ..................................... 101
4.3.3. O Sol é para Todos (1962) .................................................. 103
4.3.4. O Veredicto (1982) .............................................................. 104
4.3.5. O Homem que Fazia Chover (1997) ................................... 106
4.4. Os Jurados ...................................................................................... 107
4.4.1. Doze Homens e uma Sentença (1957) ............................... 108
4.4.2. O Homem que Fazia Chover (1997) ................................... 115
4.5. A Vítima .......................................................................................... 119
4.5.1. O Sol é para Todos (1962) .................................................. 119
4.5.2. O Veredicto (1982) .............................................................. 122
4.5.3. O Homem que Fazia Chover (1997) ................................... 123
CONCLUSÃO .....................................................................................................
126
REFERÊNCIAS ..................................................................................................
128
ANEXOS .............................................................................................................
131
13
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo discutir a existência do gênero
cinematográfico de filme de julgamento, ante a sua ausência dentre os já
estabelecidos pelos estudos de cinema. Isso pode ser observado na própria
indústria cinematográfica, uma vez que há a falta de denominação do gênero
cinematográfico dos filmes de julgamento, mesmo na esfera comercial. Esse
fenômeno, naturalmente também pode ser observado dentro de nossa prática
cinematográfica cotidiana, afinal dificilmente alguém vai ao cinema assistir um filme
de julgamento, as pessoas vão assistir a uma comédia romântica, a um filme de
ação, ou ficção dentre outros.
A pesquisa realizada teve como sua fonte inspiradora os filmes Doze
Homens e uma Sentença (Twelve Angry Men, Sidney Lumet, 1957) e Testemunha
de Acusação (Witnees for the Pressecution, Billy Wilder, 1957) que estrearam num
mesmo ano e podem ser considerados referências na indústria cinematográfica. Os
elementos em comum trazidos por tais filmes chamaram a atenção desta autora que
buscou analisar os motivos que levaram Hollywood a estreiar dois filmes num
mesmo ano que tratam do mesmo tema: Justiça.
O filme Doze Homens e uma Sentença (1957), baseado numa peça teatral
de Reginal Rose, narra a história de doze jurados que precisam decidir sobre a
inocência ou não de um jovem porto-riquenho acusado de matar o próprio pai.
Apenas onze jurados possuíam a certeza da culpabilidade do réu, sendo necessário
para condenação a unanimidade de voto entre eles. Somente um dos jurados não
tinha tal convicção, o que leva todos os presentes a nova discussão.
O filme Testemunha de Acusação (1957), baseado no livro de Aghata
Cristie, Witness For The Prosecution and Other Stories (1948), trata da questão da
justiça, porém, de forma ainda mais complexa. Um jovem casado é acusado de ter
assassinado uma rica viúva de meia idade, após a inclusão de seu nome no
testamento da vítima. Um advogado renomado concorda em defendê-lo, entretanto
o único álibi do réu é sua esposa, que decidi depor contra seu marido.
14
Durante as pesquisas observamos que, embora os dois filmes citados
acima sejam pontos de partida para a elaboração deste trabalho, outros filmes com
as mesmas características foram produzidos nos anos subsequentes. Por isso
nossos objetos de pesquisas se alargaram, e assim também elegemos para análise
outros trabalhos, como O vento será tua herança (Inherit the wind, Stanley Kramer,
1960), Julgamento em Nuremberg (Judgment at Nuremberg, Stanley Kramer, 1961)
e O sol é para todos (To kill a mockingbird, Robert Mulligan, 1962). Para fazermos
um comparativo do gênero na atualidade implementamos as análises de O veredicto
(The veredicto, Sidney Lumet, 1982) e O homem que fazia chover (Rainmaker,
Francis Ford Coppola, 1997).
Em O vento será tua herança (1960), narra-se a história de um professor
de biologia acusado de ensinar a teoria de Darwin na escola pública. Esta obra,
baseada em fatos reais, foi o primeiro julgamento da história dos EUA a ser
transmitido ao vivo por rádio. Em Julgamento em Nuremberg (1961), enredo também
é baseado em fatos reais, trata do julgamento de magistrados atuantes na Alemanha
nazista, durante o terceiro Reich. O filme O sol é para todos (1962), busca tratar da
realidade da sociedade na década de 30, quando um jovem negro é acusado de ter
agredido e estuprado uma garota branca.
Após analise destes filmes, e estudos sobre a história do cinema, em
particular do cinema hollywoodiano, notamos uma ligação entre o final do período
macarthista e a estreia destes filmes de julgamento. Por conta disso trouxemos a
discussão quanto à subtração dos direitos civis durante o auge da Comissão
Anticomunista que abalou a confiança da população quanto à imparcialidade da
justiça, já que os julgamentos na época do Senador McCarthy embora públicos,
eram eivados de acusações infundadas. Ainda nos estudos da história identificamos
o sofrimento causado à indústria cinematográfica que se enfraqueceu com as
perseguições de diversos diretores e demais operadores de cinema, impedidos
inclusive de trabalharem por terem suposta ligação com partido comunista e afins.
A partir destas verificações é que localizamos nos filmes de tribunal, um
“grito” de cineastas em favor da liberdade de expressão enfatizada pela legislação
daquele País. Os filmes de julgamento serviram para que a população americana
voltasse a ter o sentimento de confiança na instituição judiciária, prejudicada por
tantas arbitrariedades que envolveram o período de pós segunda guerra mundial.
15
Entretanto os filmes de julgamento não apenas tiveram o intuito de reviver
a questão da justiça, como também se estruturaram e mantiveram uma espécie de
código que, se analisados, identificamos tratar de um “filme problema”.
Optamos por chamar o gênero de filmes de julgamento ao invés de filmes
de tribunal, tendo em vista que a terminologia ‘filmes de tribunal’, engessa a trama
num determinado espaço, o que deturpa os fundamentos que utilizamos para a
indicação da existência do gênero cinematográfico, pois o real núcleo da narrativa é
o julgamento de uma pessoa ou pessoas, e não tão somente o tribunal onde
acontecem estes julgamentos. Seria obvio pensar em tribunais em filmes de
julgamento, entretanto como o julgamento é o principal fato existente nestes filmes,
é feito durante o desenvolvimento de todo o enredo, e não somente quando as
personagens se encontram dentro da corte de justiça
Neste contexto questões emergem. O filme de julgamento pode ser
considerado como um gênero cinematográfico? Ainda, se considerarmos um gênero
cinematográfico podemos identificar formas internas e externas que o configurem
como tal?
Assim sendo, este trabalho buscou identificar um gênero específico dos
filmes de julgamento, através da analise fílmica e pesquisa bibliográfica. Buscou-se
ainda analisar se os filmes de julgamento podem permear a existência do gênero
cinematográfico, caminhando sozinho ou acompanhado de outros gêneros, tais
como a comédia, ficção, drama dentre outros.
Esta pesquisa torna-se relevante, a partir da ausência da identificação dos
gêneros de filmes de julgamento. Existe um repertório bastante vasto de filmes que
compõe este gênero cinematográfico, porém a indústria cinematográfica, não o
elege como tal, dentre tantos comercialmente existentes. O que obscurece uma
importante parcela das obras realizadas no cinema hollywoodiano, que são
denominadas como drama somente.
De forma a atingir os objetivos apontados, este trabalho será divido em
cinco capítulos. Terminada a introdução deste trabalho o leitor é convidado a seguir
para o capítulo 1 o qual leva o título: Os filmes de julgamento como gênero
cinematográfico. Este item discute a existência dos gêneros cinematográficos
identificando como eles se configuraram. Neste capítulo demonstramos que
embora, alguns estudiosos, tratem da questão da existência do gênero
cinematográfico, ainda inexiste consenso sobre o seu conceito. Ainda neste item
16
trataremos como os estudiosos veem essa questão, indicando formas puras ou
impuras, bem como mostraremos que atual televisão estadunidense explora este
tipo de gênero nas formas seriadas com bastante frequência.
Após a composição do capítulo 1, levamos o leitor à seção 1.1, que
denominamos: Os filmes de julgamento como demonstração da realidade social,
onde identificaremos algumas questões de ordem política das quais o trabalho
sugere um cenário adequado ao investimento nos filmes de Julgamento, pós era
“macarthista” enfrentada pelos americanos ao término da segunda guerra mundial, e
início da guerra fria. Neste mesmo capítulo demonstramos algumas imagens
utilizadas pelo filme Boa Noite Boa Sorte (Good night and Good luck, George
Clooney, 2005) que retrata a austeridade desta época no tocante a liberdade de
expressão, que envolveu tribunais, dividindo a opinião pública. A partir desta análise,
trazemos referentes funções de uma movimentação de massas, pelos filmes de
julgamento, os quais identificamos que podem ter sido elemento para o retorno da
sociedade americana na confiabilidade da imparcialidade da justiça, tendo em vista
que esta foi afrontada durante acusações e penalidades aplicadas arbitraria e
publicamente. Ainda neste item demonstraremos que nos dias atuais os filmes de
julgamento podem expressar discussões inerentes à sua contemporaneidade, ou
seja, nestes filmes podemos identificar o desenvolvimento do enredo abordando
questões que estariam sendo discutidas da época da produção da obra. Para
sedimentar nossa afirmação citamos além dos filmes objetos deste trabalho, o filme
Philadelphia (Jonathan Demme, 1993), que discutiu as questões de
homossexualismo e AIDS, num período que estes assuntos assolavam a sociedade
americana.
Após leitura do item 1.1, convidamos o leitor a analisar a seção 1.2, que
chamamos de: Um gênero impuro. Nesta seção propomos situar o leitor na questão
do gênero, a maneira com que o modo narrativo é realizado nos filmes de
julgamento, indicando que sua estrutura apresenta uma flexibilidade em caminhar
dentro de um mesmo filme com outros gêneros mais conhecidos, como por exemplo,
a comédia. Em Meu Primo Vinny (My Cousin Vinny, Jonathan Lyn, 1992),
Legalmente Loira (Legally Blonde, Robert Luketic, 2001) e O mentiroso (Liar, liar,
Tom Shadiac, 1997), podemos verificar a questão do julgamento aliado com uma
hilária narrativa.
17
Em seguida, o leitor é chamado à avaliação do capítulo 2, que chamamos
de: A estética do gênero cinematográfico dos filmes de julgamento. Neste capítulo
retrataremos algumas questões de ordem estética, da qual verificamos através de
análise fílmica uma constância de elementos que compõem o gênero de filmes de
julgamento. Os filmes abordados permeiam esta discussão, ratificando em suas
imagens, corroboradas neste trabalho. Subdividiremos este capítulo, trazendo o item
2.1 no qual trataremos dos tipos de tribunais; mostrando as diferenças entre os
tribunais americanos e ingleses, apresentados em um plano geral e como é o tipo de
figurino apresentado pelos personagens técnicos do direito e na seção 2.2 nos
preocupamos em mostrar a apresentação dos tribunais nos filmes de julgamento.
Este item propõe uma análise comparativa da forma em que a instituição judiciária é
apresentada, verificando que alguns recursos de câmera logo no início dos filmes
são utilizados para esta apresentação. Sendo assim, mostramos que alguns filmes
indicam os tribunais que serão cenário dos julgamentos, com os mesmos recursos
de contra plongé, nos pilares dos tribunais.
Após mostrarmos algumas figuras que permeiam este item, continuamos
utilizando o mesmo método para apresentar os planos usados no item 2.3 o
julgamento. Usamos imagens para contextualizar o uso da câmera, quando o diretor
quer ressaltar alguns itens importantes inclusive na encenação. Neste caso
utilizamos o filme O sol é para todos (To kill a monkinbird, Robert Mulligan, 1962)
para elucidar planos médios, primeiro plano, planos gerais e planos de detalhe o
durante o trecho analisado.
Posteriormente, na análise estética do gênero cinematográfico de filmes
de julgamento, traremos ao leitor uma análise sobre o consumo dos filmes de
julgamento, na seção 2.4, na qual tratamos da discussão referente a maneira com
que os filmes de julgamento são consumidos pelo público. Também mostraremos o
julgamento ocorrido no filme Sinbad – A lenda dos sete mares (Sinbad – The legend
of the seas, Patrick Gilmore e Tim Jonhson, 2003), que embora não seja um filme de
julgamento, possui o julgamento como ponto de partida para aventura destinada ao
público juvenil.
Ao término das análises mais amplas, passamos a discorrer sobre o papel
criado para a figura do advogado, que leva ao capítulo 4 denominado Percalços de
um protagonista. Neste capitulo apontamos inclusive a hipótese de que o papel do
advogado está implícito na trama, estabelecendo o papel de advogado como herói
18
ou anti-herói, seu envolvimento no caso, sua postura, poder argumentativo e
sabedoria. Utilizaremos imagens para tais demonstrações indicando aspectos
comuns e incomuns entre os personagens dos filmes: Doze homens e uma sentença
(Twelve Angry Men, Sidney Lumet, 1957), personagem: Davis (Henry Fonda);
Testemunha de Acusação (Witness for the Prosecution, Billy Wilder, 1957),
personagem: sir. Wilfrid Robbats (Charles Laughton); O vento será tua herança
(Inherit the Wind, Stanley Kramer, 1960), personagem: Henry Drummond (Spencer
Tracy); Julgamento em Nuremberg (Judgment at Nuremberg, Stanley Kramer, 1961),
personagem: Hans Wolfe (Maximilian Schell); O sol é para todos (To Kil a
Mockingbird, Robert Mulligan, 1962), personagem: Atticus Finch (Gregory Peck); O
Veredicto (The Veredicto, Sidney Lumet, 1982) personagem: Frank Galvin (Paul
Newman); e O Homem que Fazia Chover (Rainmaker, Francis Ford Coppola, 1997)
personagem: Rudy Baylor (Matt Damon).
Através da análise crítica do advogado, retratamos as demais
personagens que compõe os filmes de julgamento, no capítulo 5 denominado outras
personagens como objeto identificador e finalizador do sentimento em que a história
se propõe, indicando ainda sua relevância (ou não) quanto o tramitar do processo
dentro do filme. Este capítulo também é subdividido, sendo cada seção destinada a
uma figura existente nas obras analisadas. Assim sendo o subcapitulo 4.1
denomina-se o réu nos filmes de julgamento. Levantamos as questões que levam o
réu a figura do injustiçado ou do justiçado, sejam por questões raciais, religiosas,
classes sociais, nacionalidade, ou até mesmo questões de ordem psicológica. Tais
descrições são fundamentadas por intermédio de imagens comparativas que levam
o leitor a perceber tais conclusões. Os filmes analisados são: Doze Homens e uma
Sentença (1957), Testemunha de Acusação (1957), O vento será tua herança
(1960), Julgamento em Nuremberg (1961), O sol é para todos (1962), O Veredicto
(1982), O Homem que Fazia Chover (1997).
Na seção 4.2., tratamos de mencionar a figura do Promotor de Justiça. Em
alguns dos filmes nossos objetos de análise, a figura do promotor de justiça é
omitida, como acontecem em Doze Homens e uma Sentença (1957), por ser tratar
de um enredo que tem como início a reunião dos jurados para decidirem sobre a
culpabilidade de réu, sendo assim a narrativa conta com a subtração da personagem
tendo em vista que este já havia concluído seus trabalhos durante o julgamento,
momento anterior a história contada. Outros filmes que não contemplam a figura dos
19
promotores de justiça são: O Veredicto (1982) e O Homem que Fazia Chover (1997),
pois tratam de questões indenizatórias envolvendo particulares e não o estado.
Entretanto os filmes: Testemunha de Acusação (1957), O vento será tua herança
(1960), Julgamento em Nuremberg (1961), O sol é para todos (1962) foram
analisados.
Após analise das personagens que figuram como promotores de justiça,
passamos a analisar as personagens que figuram como juízes na seção 4.3.
Também verificamos a irrelevância destas personagens nas obras Doze Homens e
uma Sentença (1957) e Testemunha de Acusação (1957), sendo que todos os juízes
que figuram nos filmes: O vento será tua herança (1960), Julgamento em Nuremberg
(1961), O sol é para todos (1962), O Veredicto (1982) e O Homem que Fazia Chover
(1997), foram mencionados e comparados neste trabalho.
A seção 4.4., reservamos aos jurados. Estas personagens nem sempre
figuram no filme de forma relevante, mesmo sendo este o corpo que dá o veredicto,
suas atuações nem sempre são significativas nos filmes de julgamento. Para tanto,
deixamos de mencionar os jurados menos relevantes e indicamos que o filme
Julgamento em Nuremberg (1961) não possui este núcleo, posto que os jurados no
caso em questão são um corpo de juízes que neste filme apenas um possui funcão
importante no enredo. Os jurados analisados são dos filmes: Doze Homens e uma
Sentença (1957) e O Homem que Fazia Chover (1997).
A seção 4.5. se discorre sobre as vítimas nos filmes de julgamento. É
importante salientar que as vítimas podem já ter sido mortas antes mesmo do início
da trama, como acontece em Doze Homens e uma Sentença (1957), Testemunha
de Acusação (1957) e Julgamento em Nuremberg (1961), por isso se discutem fatos
que aconteceram com aquela pessoa não mais presente. Também podemos
verificar a ausência da vítima quando esta não é representada em forma de
personagem, é o que ocorre em O vento será tua herança (1960), pois o crime
cometido aconteceu ante a infração de uma lei, sendo a vítima, neste caso, o próprio
Estado. Apesar destas obras não terem a figura da vítima, a discussão quase
sempre versará sobre o prejuízo de um direito de alguém e de alguma coisa
(Sociedade, Lei, Estado). Assim, neste trabalho analisamos as obras que possuem a
personificação da vítima em personagem humana, entretanto nas duas formas, a
questão se dá diante um mesmo núcleo. Os filmes dos quais analisamos suas
21
1. OS FILMES DE JULGAMENTO COMO GÊNERO CINEMATOGRÁFICO
No presente capítulo, apresentamos a configuração dos gêneros
cinematográficos, identificando suas nuances, formas e complexidade, discutindo
sobre o conceito de gênero, e sua pertinência no tocante as análises realizadas por
críticos. Neste capítulo não só expomos a posição sobre o tema por alguns
estudiosos, bem como propomos situar o leitor na questão do gênero. A maneira
com que o modo narrativo é realizado nos filmes de julgamento, indica que sua
estrutura apresenta uma flexibilidade em caminhar dentro de um mesmo filme, assim
com outros gêneros mais conhecidos como, por exemplo, a comédia. Discutiremos,
ainda, a questão do gênero cinematográfico sinalizando que estes são passíveis de
discutirem a sociedade na época de sua estreia, ou na discutir a sociedade do
momento em que se desenvolve à narrativa.
Apesar de existirem estudos1 que tratam da questão dos gêneros
cinematográficos, inexiste consenso a respeito de seu conceito. Sendo assim
verificamos diversas maneiras de abordagem do assunto. Entre eles, Edward
Buscombe (apud Ramos, 2005: 304-306) aponta além da falta de consenso sobre a
conceituação do gênero cinematográfico, muitos tentam evitar a questão, pois existe
um risco de se estabelecer regras que limitariam a liberdade dos artistas na
produção da arte, bem como a liberdade dos críticos em discorrerem sobre aquilo
que entendessem necessário. Assim Luiz Nogueira, no livro “Manual de Cinema II”,
concorda com Buscombe, porém procura conceituar o gênero cinematográfico como
um conjunto de elementos que se comportam de forma idêntica em diversas ordens
com mais evidência nas narrativas ou temáticas.
Estando a delimitação e a caracterização dos géneros sujeitas à constante mutação e hibridação dos mesmos, torna-se difícil atingir um consenso definitivo sobre os critérios e as fronteiras que permitem identificar e balizar cada género. No entanto, podemos afirmar, resumidamente, que um género cinematográfico é uma categoria ou tipo de filmes que congrega e descreve obras a partir de marcas de afinidade de diversa ordem, entre as quais as mais determinantes tendem a ser as narrativas ou as temáticas. (NOGUEIRA, 2010: 03).
1 BUSCOMBE (2005); ORÓZ (1992); e SCHATZ (1981).
22
Para tanto, observamos que a noção de gênero cinematográfico procura
agrupar uma série de filmes que tratam de um mesmo tema, recorrendo a
semelhanças seja no contexto temático seja na narrativa mais propriamente dita.
Neste diapasão, após análises de alguns autores, observamos que é possível tornar
um grupo de filmes que apresentam estas identidades num dado gênero, dando-lhe
assim uma característica agrupando-os para que possa vir a ser em melhor descritos
por nós. Podemos ressaltar ainda que, ao assistir um filme de gênero, o receptor
acaba por esperar determinados acontecimentos inerentes à narrativa estabelecida
dentro do gênero em questão, sendo assim, Rabiger (2007) salienta a afirmativa
sobre agrupamento ilustrando através de Monaco (2000), numa lista sob gênero:
Filme de amizade Filme de terror Filme de guerra
Perseguição Melodrama Faroeste
Comédia besteirol Musicais Juventude
História de detetive Artes marciais
Filmes noir Ficção científica
Filme de gângster Suspense
Quadro 01: Gêneros arquétipos dramáticos2
Os gêneros cinematográficos podem ser considerados o ponto de partida
para uma análise fílmica, pois, a partir do estabelecimento do gênero, temos
elementos que possibilitam a busca de uma abordagem mais adequada quando se
tratar do estudo de um filme específico ou de um grupo deles. Neste sentido,
Buscombe (2005) também afirma que a ideia de forma quanto do gênero
cinematográfico pode se valer no sentido de formas internas e externas, porém
indica que ambas se completam, pois se nos valermos apenas de uma delas,
perderíamos o sentido, com consequente esvaziamento de conteúdo. A ideia da
forma interna baseia-se em atitude, tom, objetivo, conteúdo e público, quanto que
para a forma externa se baseia em cenários, locações ou ambientações, figurino
entre outros elementos. Partindo deste tipo de visão como identificação de gênero,
preferimos evidenciar neste trabalho, que o gênero de filmes de julgamento carrega
em suas características abordagens tanto na forma externa, como também
evidenciamos características que marcam a forma interna.
2 Fonte: Monaco apud Rabiger (2007: 131).
23
Nos gêneros cinematográficos, podemos localizar como exemplo claro da
forma externa que se localiza num determinado tempo histórico, com figurinos
apropriados para a época em que se passa a história, dentre outros elementos que
são passíveis de determinação e que nos levam a perceber um filme tal como um
faroeste3, os quais são amplamente visíveis nos elementos da narrativa. Ao
tratarmos da forma interna precisamos verificar quais são os aspectos inerentes ao
enredo, que buscam atingir os espectadores no desenvolver da narrativa. Assim, ao
tratarmos da forma interna, podemos usar como exemplo o filme O resgate do
Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1996) que, embora tenha como pano de fundo
um drama, trata-se de um filme de guerra. Portanto, quando existe um padrão que
podemos identificar em diversas obras, estes passam a ter uma característica crítica,
que viabiliza sua inserção num determinado gênero cinematográfico, como explica
Nogueira:
(...) precisamos de um conjunto de critérios para a identificação de um género. Se aplicarmos – como usualmente se faz – critérios de ordem essencialmente narrativa na categorização genérica das obras cinematográficas, podemos identificar aquilo que designamos por géneros clássicos como o western, o drama, o musical, o terror, a acção ou o film noir, cujos elementos se manifestam recorrentemente e nos permitem um fácil reconhecimento das características da história (o que se conta) e do enredo (o modo como se conta): as situações e padrões narrativos, a tipologia e perfil das personagens, a morfologia e semiótica dos locais, os temas abordados, a época dos acontecimentos, a iconografia e a simbologia dos adereços e objectos, bem como opções estilísticas convencionais ao nível da música, da montagem ou da fotografia, são aspectos essenciais dessa caracterização (NOGUEIRA, 2010: 04).
Para tanto, entendemos que mesmo o gênero cinematográfico pode
apresentar-se com elementos internos e/ou externos, nas formas mais puras, como
o melodrama, ou nas formas mais impuras, como verificaremos nos filmes de
julgamento, que embora partam de uma narrativa dramática possuem características
que o diferem de um drama propriamente dito. Entretanto, no tocante à identificação
de gênero cinematográfico e no decorrer desta pesquisa, nos depararemos com
diretores de cinema que pontuam sua relevância, ou não, como o diretor Sidney
Lumet, em seu livro Making Movies (1998), que embora tenha um vasto repertório
de filmes de julgamento, sinaliza que a indicação do gênero cinematográfico não 3 Denominação brasileira para os filmes do gênero Western.
24
passa de um atalho para os críticos que necessitam que estes sejam óbvios para os
reconhecerem com facilidade. Embora Lumet defendesse que o gênero
cinematográfico é algo que deve estar implícito nos filmes, sendo por algumas vezes
irrelevante sua distinção, em diversas produções de sua direção, localizamos as
formas internas e externas que caracterizam o gênero, o que nos levou encará-lo
como diretor importante do gênero cinematográfico de filmes de julgamento.
Os críticos falam de estilo como de alguma coisa fora do filme porque precisam que o estilo seja óbvio. O motivo por que precisam que seja óbvio é que realmente não vêem. Bom estilo, para mim, é o estilo que não se vê... Para mim, se separa os verdadeiros estilistas dos decoradores. Os decoradores são fáceis de reconhecer. É por isso que os críticos os adoram... Tentei trabalhar no maior número possível de gêneros. Escolho operadores ou compositores da mesma maneira que escolho atores: São adequados para este filme? (LUMET, 1998: 53-54.)
Por intermédio destes estudos conseguimos identificar elementos
recorrentes nas obras analisadas, o que no faz perceber que apesar de inúmeras
discussões existentes sobre o gênero cinematográfico, e que ele não se encontra
em estado puro por muitas vezes, ainda assim possui os filmes de julgamento
elementos caracteristicos suficientes para serem reconhecidos como essa forma
narrativa, tendo em vista que localizamos todas as formas de indentificação, o que
nos remete a Jullier e Marie (2009) “os gêneros flutuam ao sabor das épocas, dos
países, dos grupos socioculturais e dos círculos de fãs”. Ao que devemos
completmentar que estes conservam a sua estrutura.
Os filmes de julgamento atualmente são um dos gêneros cinematográficos
mais importantes na indústria hollywoodiana, afinal é fruto da história americana,
sendo inclusive bastante utilizado nas produções seriadas da televisão nos Estados
Unidos, exemplos seriam: Law & Order e suas franquias (Los Angeles, Criminal
Intent, Special Victmis Unit); The Good Wife; Damages; Boston Legal; dentre outros.
Estas séries são veiculadas diariamente e compõem um dos gêneros mais
assistidos nos Estados Unidos.
“No sistema judiciário criminal, o povo é representado por dois grupos
distintos, porém igualmente importantes: a polícia, que investiga os crimes, e os
promotores de justiça, que processam os autores. Estas são suas histórias” (Steven
Zirnkiltin – frase da abertura da série Law & Order).
25
Law & Order, estreou em 1990, e que rendeu ao produtor e diretor Dick
Wolf (ex-produtor de Miami Vice - seriado policial/investigativo de grande
repercussão mundial na década de 1980) uma série de franquias (produção de
outros seriados inspirados no originário). Dentre elas temos: Law & Order; Special
Victmis Unit; Law & Order Los Angeles; Law & Order: Criminal Intent; Law & Order:
Trial By Jury; Law & Order: Paris Enquêtes Criminelles (França); e Law & Order: UK
(Inglaterra). Além de enfatizarem as questões investigativas de crimes, também
enfatizaram a questão dos julgamentos, trazendo assim tramas que envolvam
policiais, promotores de justiça e advogados. Law & Order já passa de sua 20ª
temporada, sendo certo que algumas de suas séries derivadas foram canceladas,
embora haja ainda uma série correlacionada chamada “Deadline”.
Figura 01 – Advogados em Law & Order Los Angeles
The Good Wife, produzido por Robert e Michele King e, também, pelos
irmãos Ridley e Tony Scott, retrata a vida de uma advogada que, após escândalos
sexuais que envolveram seu marido promotor de justiça, se divorcia e retoma a sua
carreira para sustentar os filhos. Toda a história se passa dentro do escritório de
advocacia, onde a protagonista volta a conquistar sua credibilidade e autoestima.
Este seriado demonstra como se constituem as “firmas de advocacia” e como os
advogados são contratados, além de mostrar as eleições realizadas para as
nomeações de Juízes e Promotores de Justiça nos Estados Unidos. Ponto que
difere do Brasil, tendo em vista que para funcionar como juiz ou promotor de justiça
devemos ser aprovados em concursos públicos realizados pelos Estados ou pela
União, este último quando trata-se de juízes e promotores federais.
26
Figura 02 – Advogada em The Good Wife
Já a série Damages, dirigido por Jeff King (2009), trata da investigação de
golpes milionários relacionados ao direito empresarial, tendo como subtrama a vida
de uma renomada advogada que, após ter sofrido um atentado, tenta por todos os
meios investigar a vida de sua sócia. Esta série é alocada em Nova Iorque, e apesar
de durar por mais duas temporadas, foi cancelada pelo canal Fox devido ao baixo
nível de audiência.
Figura 03 – Advogada em Damages
27
Boston Legal, criada por David E. Kelley (2004), teve diversos diretores,
relata a história de dois advogados que, embora tenham divergências políticas e de
conduta em tribunal, fazem uma boa parceria, em especial em casos complexos. A
diferença de idade também traz questões de ordem moral entre as personagens,
que acabam por aprender com a experiência ou inexperiência do outro. O mais
velho é sócio antigo da firma de advocacia onde trabalha. A parceria se dá quando a
personagem representada pelo advogado mais jovem é transferido de Washington a
Boston para ficar de olho no antigo sócio.
Figura 04 – Advogados em Boston Legal
Embora defendamos que seja um dos gêneros mais usados na indústria
audiovisual americana, no cinema ou na televisão, dificilmente verificamos a
distinção dos filmes de julgamento dos demais gêneros, trazendo uma assim um
prejuízo às obras em questão. Localizaremos formas internas e externas nestas
produções, o que torna evidente uma deficiência dos estudos de cinema, que ainda
não comportam títulos de referência ao gênero cinematográfico dos filmes de
julgamento.
O American Film Institute (AFI), fundado em 1967 como uma organização
nacional sem fins lucrativos, visa a enriquecer e nutrir a arte do cinema nos EUA,
talvez seja um dos únicos órgãos a instituir e premiar o gênero que denominam
“Courtroom Drama”. A própria nomenclatura utilizada pela AFI, nos remete a um
drama de tribunal, o que salienta nossa posição, afinal quando nos voltamos para a
28
leitura de obras realizadas atualmente pela TV Americana, nos deparamos com uma
produção bastante significativa da qual se utiliza este tipo de gênero.
Provavelmente os filmes de julgamento, da forma como vemos hoje, foram
resultado dos frutos cultivados na década de 50, afinal esta década marca duas
grandes estreias no mesmo ano de 1957, Doze homens e uma sentença (Twelve
Angry Men, Sidney Lumet, 1957), que trata da questão da discussão realizada pelos
jurados nos tribunais norte-americanos, quanto a um a um assassinato que
supostamente teria sido cometido por um jovem porto-riquenho, do qual foi
denunciado por ter matado o próprio pai, e Testemunha de Acusação (Witness for
the Prossecution, Billy Wilder, 1957) ambientado na Inglaterra, trata de um
assassinato de uma senhora rica, por seu ‘acompanhante’ ora casado, que
consegue persuadir sua esposa a fim de obter sua absolvição. Acreditamos que tais
filmes influenciaram o modo de se fazer um filme de tribunal.
1.1. Filme de Julgamento como Demonstração da Realidade Social
Se visualizarmos o contexto escolhido neste trabalho, se nos situarmos
ante o final dos anos 1950, época esta que alguns dos mais conhecidos filmes de
julgamento foram produzidos, notamos um eminente objetivo de trazer de volta o
reconhecimento da justiça como órgão imparcial à sociedade da época. Essa
entidade visou proteger os direitos dos cidadãos americanos, que se afastaram do
poder judiciário após o período macarthista4, questão histórica que marca o gênero
cinematográfico de filmes de julgamento.
Os anos que sucederam a 2ª Guerra Mundial houve o desenvolvimento de
um sentimento anticomunista, amparado pelo governo estadunidense que, a
princípio, o incentivou por intermédio da criação de uma comissão denominada
Comissão de Atividade Antiamericana, cujos objetivos eram exterminar quaisquer
atividades favoráveis ao comunismo, objetivos nem sempre eram alcançados da
melhor forma. Neste período, o país tentou por todos os meios manter a ideologia
4 No âmbito político, a perseguição aos comunistas passou a ter grande amplitude por ações
realizadas pelo Senador Joseph Raymond McCarthy, que através de discursos inflamados e projetos de lei propiciou a criação da Comissão de Investigação de Atividade Antiamericana, mais adiante nos aprofundaremos neste assunto.
29
capitalista imune a qualquer tipo de “subversão comunista”, o que necessariamente
seria conseguido através de um controle ideológico que foi chamado de
“Macarthismo”. Este período é também conhecido como “caça às bruxas”, pois
Joseph McCarthy acabou por organizar uma lista com nomes ligados ao cinema,
sobre os quais pairavam a suspeita de colaboração, ou simpatia com o comunismo.
Isto veio a originar as famosas “listas negras”, compostas por denúncias realizadas
por pessoas que aderiram ao movimento.
O cineasta Elia Kazan foi uma das pessoas que ajudaram a compor a lista
negra com uma delação no jornal The New York Times, informando nomes de
amigos de “ontem” (PEIXOTO, 1991: 04). Apesar disso, existem pesquisadores que
justificam seu ato. Sheila Schvarzman no artigo “O elogio da delação” publicado na
revista Cinemais (1999: 141), explica que, embora tenha realizado um “ato
moralmente condenável”, colocou fim às supostas ambiguidades quanto a sua
postura, mostrando em seus filmes a adesão aos valores definidos como
americanos. Isso lhe permitiu sobreviver em meio de tamanha perseguição, embora
já tivesse se preparando para tal ato, como podemos observar nas palavras da
própria historiadora.
O fato é que se pode observar que a ideia de delação, ou a crença na necessidade do pleno esclarecimento como forma saneadora, amadurece em Kazan e manifesta-se em sua obra a partir do final dos anos 40, isto é, ao mesmo momento em que o realismo torna-se um aspecto central de seu cinema. É possível supor que, nesse momento de triunfo do macartismo, Kazan já se sentisse pressionado a denunciar seus ex-companheiros de PC. Mas, sobre isso, nunca se poderá ir além da conjectura. Ao contrário, a visão de seus filmes fornece inúmeros elementos para acreditar que Kazan preparou-se detidamente para a colaboração (SCHVARZMAN, 1999: 141).
Por essas e outras razões, já vistas anteriormente, verificamos que a
nação americana, por sua vez, se agarrou fortemente ao capitalismo como único
meio sadio de desenvolvimento da nação. Este fato se deve à forte bipolarização
entre o comunismo e capitalismo que ocorreria após a 2ª Guerra Mundial; a Guerra
Fria significava um momento de extrema radicalização política e ideológica, da qual
o Macartismo foi um claro sintoma. Neste sentido, Stephen Whitfield em seu livro
The Culture of Cold War (1996, p. 53) relata que, “a defesa do americanismo era o
outro lado da estigmatização do comunismo”, o que ensejou a criação de um cenário
30
fragmentado entre nações capitalistas e socialistas, sendo assim qualquer atividade
que tivesse relação com militância comunista na América, passou a ser alvo de
acossamentos, infundados que aterrorizavam e até mesmo desmotivavam quaisquer
manifestações de ideologia principalmente com expressividade política, inclusive no
cinema.
Depois da Segunda Guerra Mundia, Hollwwood atravessou uma das fases mais difíceis de sua agitada existência. A presença de certo número de militantes comunistas na comunidade cinematográfica, ou simplesmente dos elementos liberais, colocou o mudo do cinema sob a mira da Comissão de Atividades Antiamericanas. Esta impediu algumas corridas e dificultou outras. A “casa das bruxas”, as listas negras, ou o fênomeno das acusações, marcaram para sempre aqueles homens e determinaram o rumo da indústria para a década seguinte. Com o passar do tempo, a própria perseguição sofrida pela comunidade cinematográfica foi convertida, também, em tema de filme, uma história de bons e maus estilos em Hollywood, o que contribuiu para acentuar ainda mais a lenda sobre este assunto5 (LOPEZ, 2008: 131-132).
Neste período, o movimento Macarthista influenciou a TV americana, pois
“aconselhava” nos conteúdos de programas e em suas grades de horário de
programação, incentivava uma apologia ao capitalismo e rechaçava o comunismo. O
Macarthismo ainda perseguia e tornava difícil a vida das pessoas que se opunham a
estas diretrizes. Enfatizando este movimento arbitrário a liberdade de expressão,
não podemos deixar de citar Guy Debord, que observa a questão de negação da
vida real, em “A Sociedade do Espetáculo”:
O espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta na sua plenitude a essência de qualquer sistema ideológico: o empobrecimento, a submissão e a negação da vida real. O espetáculo é, materialmente, “a expressão da separação e do afastamento entre o homem e o homem” (DEBORD, 2003: 135).
5 Traduzido pela autora. No original: Después de la Segunda Guerra Mundial, Hollywood atravesó una
de las fases más difíciles de su azarosa existencia. La presencia entre la comunidad cinematográfica de cierto número de militantes comunistas, o simplemente de elementos liberales puso al mundo del cine en el ojo del huracán de la Comisión de Actividades Antiamericanas. Esta trunco algunas carreras y puso trabas a otras. La “caza de brujas”, las listas negras, o el fenómeno de lãs delaciones marcaron para siempre a aquellos hombres y determinaron el rumbo de La industria para la siguiente década. Con El tiempo la propia persecución sufrida por La comunidad cinematográfica fue reconvertida también en tema de cine, una historia de Buenos y malos estilo Hollwood, lo que contribuyó a acentuar aún más la leyenda sobre este assunto.
31
As ideologias que influenciaram a criação de obras que pudessem
expressar um algum tipo de subversão a ideologia capitalista realizadas pela
Comissão de Atividade Antiamericana, foram exportadas para outros países
integrantes do bloco Capitalista, inclusive aqui no Brasil. Em meados dos anos 1940
e 1950, como relata o jornalista Fernando Peixoto (1991) em seu livro “Hollywood –
Episódios da Histeria Anticomunista” houve instantes de violência que procuravam
coibir a livre manifestação de pensamento e expressão artística no Brasil, sendo
esta estendida por muitos anos, como quando este autor após a revolução de 1964,
afirmou ter de usar pseudônimos na imprensa onde atuava como jornalista, pelo fato
de que também tínhamos aqui a denominada “lista negra”.
Um filme que relata o período Macarthista da história dos EUA, no qual
seu povo viu-se furtado em seus direitos civis, entre campanhas que incentivavam o
pensamento capitalista e consequente negação dos verdadeiros conceitos sobre
comunismo, é o filme Boa Noite Boa Sorte (Good Night and Good Luck, 2005), cujo
diretor, e ator, George Clooney, tentou enfatizar a história de um jornalista que, por
meio de seu programa de TV, procurou mostrar à sociedade americana, os dois
lados da questão no tocante à caça dos supostos comunistas durante a era
macarthista. Embora não tenhamos este filme como um dos analisados neste
trabalho, Boa noite boa sorte utiliza trechos de julgamentos públicos reais, os quais
se confundem com a história até mesmo porque o filme foi rodado em branco e
preto. Outra observação no tocante deste filme, é que na maioria dos julgamentos
apresentados, o diretor coloca o espectador na mesma plateia com os protagonistas
do filme, já que estes também eram espectadores destes julgamentos. Na figura
abaixo notamos que, quem assiste ao filme, neste momento compõe sua posição
em conjunto com os jornalistas, que assistiam estes julgamentos que eram
projetados na parede do jornal, para que assim tivessem elementos para denunciar
as arbitrariedades que estavam acontecendo.
32
Figura 05 – Acusada por ser integrante de partido comunista (trecho do filme - Boa noite Boa sorte)
Com a utilização de trechos verídicos de julgamentos ocorridos na época,
o diretor nos incluiu na plateia, junto com os jornalistas na trama, o diretor se
esforçou em mostrar a perplexidade da opinião pública colocando o receptor no
lugar das pessoas que viviam na década de 50. O filme deixou claro em sua história,
baseada em fatos reais, que foram utilizadas táticas e muitas acusações infundadas
para punir pessoas inocentes, apenas com o condão de usá-las como bode
expiatório visando à completa disseminação comunista no território norte americano.
Fato que levou o público e questionar a imparcialidade dos tribunais indagando a
existência de uma histeria anticomunista (PEIXOTO, 1997).
A estreia de E o vento será sua herança (Inhert the Wind, Stanley Kramer,
1961) que ficciona um caso real ocorrido em 1925, quando um advogado enfrenta
um líder fundamentalista, para defender um professor acusado de ensinar
darwinismo numa escola, nos leva a acreditar que a obra também tentou buscar a
discussão a respeito do marcartismo. Embora já tivesse sido afastado naquela
época, provavelmente, procurou-se levantar uma discussão sobre julgamentos
infundados e até mesmo com subtração de diretos. Tal subtração de certo inclui o
direito de ampla defesa, tão ignorado no caso do filme quanto da sociedade norte
americana durante os anos que de ascensão do Senador Joseph McCarthy.
Outra questão relevante para este trabalho é o fato da grande maioria dos
filmes de julgamento enfocarem questões morais, éticas e, principalmente, estarem
preocupados com a sociedade ambientada na trama. Um exemplo a ser citado é o
filme O Sol é para Todos (To Kill a Mokingbird, Robert Mulligan, 1962), adaptação do
livro homônimo de Harper Lee, que estreia quando a sociedade norte americana
33
estava no auge da discussão dos direitos civis dos afrodescendentes. No mesmo
ano Martin Luther King recebera o Prêmio Nobel da Paz.
Em O Sol é para todos (1962), verificamos a existência de uma grande
discussão sobre assuntos relacionados à igualdade racial entre os homens. Pai de
um casal de crianças, viúvo, advogado é convidado pelo juiz da pequena cidade
onde moram, a defender um réu negro sob a acusação de estupro. Durante a trama,
a população da cidade se volta contra este advogado e sua família e tentam
persuadi-lo a não se empenhar na defesa, afrontando assim os princípios éticos e
morais daquela personagem.
Figura 06 – Advogado de defesa e réu (trecho do filme O sol é para todos)
Outro filme de julgamento que acompanhou determinadas questões
sociais inerentes à época, é o filme Filadélfia (Philadelphia, 1995) que apresenta,
como poucos em sua época, o efeito social que a AIDS causou em entre os anos 80
a 90. Essa doença era atrelada à homossessualidade, o que fez de Filadélfia um
“filme problema” por tratar da questão do preconceito contra homossexuais ou
portadores do vírus HIV. Ele, também, demonstra de forma muito preocupada a
relação mútua e confusa do preconceito frente a estas duas questões na sociedade
norteamericana de seu tempo.
34
Figura 07 – Autor do processo e seu advogado (trecho do filme Filadélfia)
1.2. Um Gênero Impuro
Os filmes de julgamento possuem características peculiares, pois se trata
de um gênero que caminha independentemente de outros gêneros, afinal nem
sempre o drama é colocado como pano de fundo, por exemplo. Entretanto é
possível verificarmos que os filmes de julgamento podem se desenvolver dentro de
diversos outros gêneros complementando-os, afinal possui a flexibilidade de se
encaixarem na sua estrutura sem perder a sua verdadeira essência. Embora os
gêneros também sejam instituídos através dos modos narrativos dos quais também
são utilizados no desenvolvimento do enredo, quando falamos do gênero dos filmes
de julgamento, estes são passíveis de leituras que se desenvolvem
concomitantemente com outro gênero cinematográfico numa mesma obra, sem que
se perca a estrutura.
O gênero cinematográfico "filmes de julgamento" se desenvolveu durante
a segunda metade do século XX, afinal mesmo sendo um gênero que independe de
tecnologia ou efeitos especiais para torná-lo algo mais emocionante, passou por
algumas modificações sendo absorvido não somente com o gênero de drama, mas
também com outros gêneros cinematográficos como veremos a seguir.
35
Até meados da década de 80, os filmes de julgamento possuíam robustez
nos diálogos em plenário, e sempre tinham como pano de fundo um drama que
envolvia as personagens, inclusive os advogados. Foi a partir desta época que
passamos a verificar que este gênero passou a ser absorvido em outros gêneros,
como por exemplo o da comédia, na estreia de Meu primo Vinny (My Cousin Vinny,
Jonathan Lynn, 1985), o qual apresentou uma diferenciação na estrutura formal
apresentada pelos personagens.
Figura 08 – Trechos do filme Meu primo Vinny (1985)
Meu primo Vinny (1985) é uma comédia que possui praticamente todas as
características dos filmes de julgamento, através de uma paródia que traz a leveza
da comédia, quando um advogado que acaba de passar no exame da ordem dos
advogados é chamado pelo primo que se envolveu num crime que não cometeu. A
história é uma confusão de situações que levam dois jovens a serem detidos como
homicidas. Na realidade eles apenas levaram por equívoco um produto sem o
devido pagamento da loja onde ocorreu o assassinato posterior à presença dos
personagens.
A partir do filme citado acima, Hollywood, após mais de 15 (quinze) anos,
permite-se estrear Legalmente Loira (Legally Blonde, Robert Luketic, 2001), do qual
retirou mais uma vez o estereótipo do advogado sério, com problemas éticos e
morais, demonstrando como advogada uma personagem que se empenha em entrar
para a Universidade de Havard, por ter sido abandonada pelo namorado que a
chama de burra e “patricinha”. Com um figurino extremamente usado na cor rosa, a
personagem que, inicialmente, possuía uma vida fútil que se resumia a salões de
beleza e shoppings centers, consegue absolver uma antiga líder de torcida da
acusação de assassinato de seu marido. Vale lembrar que a personagem analisa os
36
procedimentos necessários para o uso do denominada ‘permanente’ realizado nos
salões cabelereiros.
Figura 09 – Trechos dos filmes Legalmente Loira I (2001) e Legalmente Loira II (2003)
Em O Mentiroso (Liar, Liar, Tom Shadiac, 1996), que embora não
apresente o núcleo da trama uma questão judicial, é passível de ser analisado como
uma comédia com uma pitada do gênero de filmes de julgamento, afinal trata-se de
um advogado mercenário que instrui testemunhas e mente excessivamente para
conquistar seus objetivos. Devido a um pedido realizado por seu filho, perde a
capacidade de dizer qualquer tipo de mentira.
Figura 10 – O advogado em plenário (trecho do filme O Mentiroso)
O gênero de filme de julgamento dificilmente necessita de grandes efeitos
especiais, sendo certo que a história em si é que se encarrega de causar efeitos nos
37
espectadores. Provavelmente seja por este motivo que vários elementos dos filmes
de julgamento se habilitam a serem aproveitados, e reapropriados, em gêneros
diversos. Mesmo que a forma final destes filmes pareça uma hibridação de gêneros,
algo que não o descaracteriza necessariamente a sua estrutura formal absorvida.
38
2. A ESTÉTICA DO GÊNERO CINEMATOGRÁFICO DOS FILMES DE
JULGAMENTO
Neste capítulo, discutiremos alguns elementos de ordem estética, cuja
constância será verificada através das análises que compõem o gênero de filmes de
julgamento. Entre os filmes que serão analisados, vale citar: Doze Homens e uma
Sentença (1957) e Testemunha de Acusação (1957), trouxemos a análise de
Questão de Honra (A Few Good Men, Rob Reiner, 1992), O Homem que Fazia
Chover (Rainmaker, Francis Ford Coppola, 1996), O Sol é para todos (1964) e O
Julgamento de Nuremberg (Judgment in Nuremberg, Stanley Kramer, 1964).
Identificaremos também quais são os motivos que levaram a sociedade americana
ao consumo dos filmes de julgamento. Por intermédio dos estudos de René Gardies
(2007) analisaremos o filme em função do seu impacto como modo de consumo
ritual de formas e conteúdos; como variante de mitos, que tendem a oferecer
representação dos conflitos e das tensões, bem como identificaremos os tipos de
público diante o gênero dos filmes de julgamento.
2.1. Tipos de Tribunais
O uso da câmera para situar o espectador dentro da questão de justiça e
do plenário é bastante corriqueiro nas obras cinematográficas do gênero de filmes
de julgamento. Em geral, a presença da instituição do Poder Judiciário é
extremamente relevante, pois é diante deste órgão que se desenvolve a maioria dos
enredos. Obviamente que as estruturas são diferenciadas, pois é peculiar em cada
filme, a época e país que a trama se localiza, haja vista que a ela é pertinente à
legislação aplicada naquela região.
39
Em primeiro lugar, a câmera não pode responder. Não pode fazer perguntas estúpidas. Não pode fazer perguntas penetrantes que fazem você perceber que esteve errado o tempo todo. Ei, ela é uma câmera! Mas: - Pode compensar um desempenho deficiente; pode melhorar um bom desempenho; pode criar clima; pode criar feiura; pode criar beleza; pode provocar emoção; pode captar a essência do momento; pode para o tempo; pode mudar o espaço; pode definir um personagem; pode proporcionar explicação; pode fazer uma piada; pode fazer um milagre; pode contar uma história! (LUMET, 1998: 75).
Em Testemunha de acusação (Witness for prosecution, 1957), embora
seja um filme hollywoodiano, a história se desenrola na Inglaterra, certeza que nos é
dada pelo uso de perucas e becas pelos técnicos do direito durante a audiência, fato
que persiste até os dias de hoje. Isso contrasta com os filmes alocados nos Estados
Unidos da América, cujas audiências são administradas independendo de
vestimentas extremamente formais, sendo satisfatório apenas o uso e ternos e
gravatas. Outro exemplo bastante pertinente nos é apresentado no filme O Veredicto
(1985), o que torna clara a distinção entre os Tribunais ingleses e americanos.
Figura 11 – Apresentação do tribunal Inglês (trecho do filme Testemunha de Acusação)
40
Figura 12 – Tribunal americano (trecho do filme O Veredicto)
As vestimentas utilizadas pela corte inglesa são muito mais formais que as
que usadas nas cortes americanas, essa distinção advém de um costume herdado
pela monarquia, que fazia uso de acessórios para se diferenciarem a nobreza do
povo. Dentro desta mesma questão notaremos uma terceira maneira de
apresentação de trajes, filmes que tratam de cortes marciais, indicada para
julgamento de acusados membros de forças armadas, ou quando se tratar de
tribunal competente para julgamento de crimes de guerra como vimos ao
analisarmos o filme Questão de Honra (1992). O uniforme militar bem como as
vestimentas usadas pelos técnicos em direito, serão devidamente demonstrado a
seguir.
Figura 13 – Assistente a advogado de defesa (trecho do filme Testemunha de Acusação)
As vestes utilizadas na corte inglesa são bem representadas no filme
Testemunha de acusação (1961), pois tendo seu enredo localizado na Inglaterra é
41
pertinente que as personagens sejam apresentadas em conformidade ao costume
daquele País. Nota-se o uso de becas6 pelos técnicos do direito, bem como os
membros do júri. Também é exigência o uso da peruca para indicar a superioridade
intelectual das pessoas que possuem o denominado “saber jurídico”. Estes trajes
são usados até os dias atuais, e foram inseridos nos costumes ingleses em meados
do século 17.
Figura 14 – Juízes no Processo ao Parlamento de Westminster Abbey7
Na América, por sua história de colonização, a moda ditada pelas
monarquias europeias, não foi muito difundida, o que trouxe uma certa informalidade
nos trajes usados pelas cortes. O uso destes trajes mais informais ocorre até hoje.
Os homens fazem o uso de terno e gravata, bem como as mulheres tailleur, o que
demonstra que, embora não haja a imposição de usos de perucas e becas, as
vestimentas são sóbrias, o que mostra respeito pela instituição judiciária e seus
servidores. Assim os filmes alocados nos Estados Unidos da América, apresentam
técnicos do direito trajados sem perucas ou becas, a não ser o juiz (magistrado) que
preside a secção de julgamento, vestindo-se com beca apenas, não fazendo uso de
perucas.
6 Beca é uma veste talar, preta, usada por funcionários judiciais, catedráticos e formandos de grau
superior. No Brasil é usada nos tribunais do júri, competente apenas para julgar crimes dolosos, tentados ou consumados contra a vida. 7 Realizado em 03 outubro de 2011 em Londres, Inglaterra. Fonte da imagem: Peter MacDiarmid /
Getty Images
42
Figura 15 – Assistente a advogado de defesa (trecho do filme O Veredicto)
Figura 16 – O Juiz (trecho do filme O Veredicto)
Os filmes de julgamento que trazem em seu enredo questões militares
também apresentam em seus tribunais, personagens trajando farda8, com todas as
suas insígnias, que demonstram a posição de hierarquia e homenagens por
condutas louváveis no meio militar. Estas fardas colocam o indivíduo dentro de uma
classe perante a sociedade, sendo que o militar na ativa de um país, exerce suas
funções a qualquer hora do dia ou da noite. Por isso as condutas praticadas que
envolvem estes indivíduos são passíveis de julgamento perante a justiça militar.
Assim como já vimos antes, a estrutura do julgamento é praticamente a mesma dos
demais tribunais aqui analisados, entretanto as vestimentas usadas são bastante
diferentes.
8 Farda: uniforme usado por membros das forças militares e policiais.
43
Figura 17 – Assistente e advogado (trecho do filme Julgamento em Nuremberg)
Os tribunais também se diferenciam quanto ao tipo do direito aplicado no
enredo, sendo que podemos vislumbrar de forma bastante coesa quando o filme
trata de tribunais militares ou civis, como é retratado em Questão de Honra (A few
Good Men, 1992), do qual se passa perante a corte marcial, órgão responsável para
julgar membros das forças armadas. Neste caso, além dos réus serem membros das
forças armadas, todos os técnicos do direito (advogado, promotor, juiz) inclusive os
jurados também fazem parte da instituição militar daquele país.
Figura 18 – Advogado de defesa e seus assessores (trechos do filme Questão de Honra)
O filme Questão de honra (1992) trata de um jovem advogado militar que
recebe a incumbência de defender dois soldados acusados de assassinarem um
colega. A trama se desenvolve a cerca de uma questão a qual o jovem advogado
não está acostumado a enfrentar, afinal está habituado dirimir os conflitos em forma
44
de acordos, e arrisca sua carreira chamando para depor um coronel, salientando sua
defesa dizendo estarem os acusados cumprindo ordens hierárquicas.
A representação da corte marcial, como são denominados os tribunais
militares nos Estados Unidos, embora sejam órgãos completamente autônomos
quanto aos tribunais que comportam os julgamentos de crimes realizados por
pessoas civis, segue uma estrutura muito similar a estes. A diferença em termos de
enredo está apenas na posição militar das personagens, bem como a aplicabilidade
da legislação.
Outro tipo de tribunal que analisamos que está presente entre os filmes
apontados neste trabalho é o Tribunal Militar Internacional, cuja competência se dá
nos julgamentos de crimes denominados crimes de guerra9. Neste caso podem
ocorrer julgamentos de ex-dirigentes de um dado país por atos cometidos durante o
governo, ou por atos cometidos durante o período da instalação de Estado de
Guerra. Neste caso, verificamos que os filmes de julgamento que se utilizam da
Corte Internacional são geralmente alocados na Europa o período pós 2ª guerra
mundial. Um filme que não podemos deixar de citar é o Julgamento de Nuremberg
(Judgment in Nuremberg, 1961), que trata de julgamentos ocorridos na cidade de
Nuremberg na Alemanha em meados dos anos 40. Esta cidade foi na realidade
palco de muitos julgamentos que envolviam membros do partido nazista, entretanto
o filme trata apenas de julgados relacionados aos juízes da época.
Figura 19 – Advogado de acusação (trecho do filme O Julgamento em Nuremberg)
9 O crime de guerra se dá quando existe uma violação do direito internacional durante a guerra,
inclusive no tocante aos direitos humanos, Convenção de Genebra e Instituto de Roma.
45
O filme trata dos julgamentos de juízes e promotores de justiça que
exerciam suas funções no regime do nazista instalado na Alemanha durante a 2ª
guerra Mundial. Um Juiz Americano é chamado para julgar estas pessoas e entra
em conflito ético e moral no tocante às verdadeiras responsabilidades daqueles
operadores que praticavam suas funções dentro daquele regime e legislação. O
Tribunal Militar estadunidense se encarregou de promover estes julgamentos, já que
a Europa estava devastada e os próprios técnicos dos direitos eram acusados de
cometerem crimes contra a humanidade. O filme traz em seu enredo conflitos
internos do Juiz em questão, patriotismo exacerbado tanto do promotor (advogado
de acusação), que tenta por todos os meios induzir uma condenação de morte,
quanto do advogado de defesa, que usa como maior tese a ignorância do povo
alemão sobre as arbitrariedades contra a humanidade ocorridas. Ambos duelam em
diálogos pertinentes às questões ali presentes. Apenas um dos réus, que era juiz
renomado, e que chegou a Ministro da Justiça da era Hitler, apontou com um
monólogo consistente sua culpabilidade.
2.2. Apresentação do Tribunal
A apresentação da instituição no filme além de característica em cada
obra é, por conseguinte, responsável pelo primeiro contato do espectador com o
órgão que fará justiça ou não no decorrer da história.
Um exemplo é o filme Doze Homens e uma Sentença (Twelvy Angry Men,
1957), no qual a apresentação é realizada logo nos primeiros segundos do filme;
Sidney Lumet no apresenta o Tribunal de forma bastante imponente, permitindo ao
espectador uma severa observação da superiodade do órgão judiciário. Isso se dá
graças ao contra plongé, que mostra os pés dos pilares gregos que simbolizam a
civilização, além da breve pausa diante os dizeres do topo do tribunal: The
administration of Justice is the firmest pillar of Good (A aplicação da Justiça é o pilar
mais firme de Deus).
46
Figura 20 – Pilares do Tribunal de Justiça (trecho do filme Doze Homens e uma Sentença)
No filme de Francis Ford Coppola O homem que fazia chover10
(Rainmaker, 1996), logo no início, no primeiro monólogo do personagem principal o
jovem advogado Dr. Ruby Baylon, nos deparamos com um tipo de apresentação
muito semelhante da qual citamos acima.
Figura 21 – Pilares do Tribunal de Justiça (trecho do filme: O Homem que fazia Chover)
Inclusive verifica-se uma breve pausa assim como Lumet, Coppola
enfatiza a frase sobre os pilares do tribunal de Justiça do estado do Tenessi: “Equal
Justice Unde Law” (Justiça igual sob a Lei).
10 “O homem que fazia chover” (1996), baseado num romance de Jonh Grisham, relata um duelo
jurídico entre uma família cujo filho sofre com leucemia, e uma companhia de seguros de saúde que indefere o recebimento do benefício de forma arbitraria. O advogado embora jovem se empenha do caso visando justiça, no mesmo momento em que tenta proteger uma garota de um marido agressivo.
47
Figura 22 – Pilares do Tribunal (trecho do filme O Homem que fazia Chover)
Em E o vento será sua herança (1961), verificamos assim como nos
demais filmes acima citados, a apresentação do tribunal, em seus primeiros
segundos. Assim, o diretor Stanley Kramer, logo indicada à cidade e o tribunal como
referência onde localizará boa parte do desenvolvimento do enredo, que versa sobre
um advogado que enfrenta líder fundamentalista para defender um professor
acusado de ensinar darwinismo em escola.
Figura 23 – Entrada do Tribunal de Hillsboro (trecho do filme E o vento será sua herança)
Entretanto em O sol é para todos (A Kill Monking Bird, 1964) a
apresentação da instituição juridica se dá na entrada de crianças visam
bisbilhotarem a sala de audiências. O recurso do contra plongé é verificado, quando
as crianças ao adentrarem no tribunal, passam pelos pilares da instituição, causando
ainda uma sensação de miudeza e até certa fragilidade das persogens.
48
Figura 24 – Crianças adentrando o tribunal (trecho do filme O sol é para todos)
Neste filme o contato com o Tribunal é fornecido através dos olhos das
crianças, proporcionando também uma sensação de inocência que invade a questão
da justiça durante a cena, trazendo o espectador a visualizar o tribubnal grandioso,
porém, por intermédio dos olhos das curiosas crianças. Diante desta análise, não
podemos deixar de citar Béla Balázs no livro “A câmera criativa”, que enfatiza a
produção do olhar do espectador pelo olhar da personagem, carregando-o para
dentro do próprio filme, através da criação que denomina de identificação.
Embora nos encontremos entados nas poltronas pelas quais pagamenos, não é de lá que vemos Romeu e Julieta. Nós olhamos para Romeu, com olhos de Julieta. Nosso olho, e com ele nossa consciência, identifica-se com os personagens o filme; olhamos para o mundo com os olhos deles e, por isso, não temos nenhum angulo de visão próprio. Andamos pelo meio de multidões, galopamos voamos ou caímos como herói, se um personagem olha para o outro nos olhos, ele olha da tela ara nós. Nossos olhos estão na câmera e tornam-se idênticos aos olhares dos personagens. Os personagens vêem com os nossos olhos. È neste fato que consiste o ato psicológico da “identificação” (BALÁZS apud. XAVIER, 1983)
Figura 25 – Crianças bisbilhotando a sala de audiência (trecho do filme O sol é para todos).
49
Esta visão perdura por todo o filme, nota-se da imagem acima que a
câmera capta um contra plongé, porém nos deixa de traz de um corrimão, fazendo o
espectador sentir-se bisbilhotando em conjunto com as personagens. Esta sensação
de curiosidade misturada com ingenuidade acaba por fazer deste filme, uma obra
aclamada até os dias atuais.
2.3. O Julgamento
Passamos a analisar as sequências de cenas de dentro do tribunal no
qual está sendo instalada uma audiência, pessoas sentadas de frente ao plenário,
os jurados instalados na área lateral, o juiz sentado de frente aos espectadores da
secção, bem como de frente aos advogados de defesa, o réu e a promotoria de
justiça. Como descreve Pudovkin: “A sequência servirá para dirigir a atenção do
espectador para diferentes elementos que se sucedem no desenvolvimento de uma
ação. Este é o método básico”. (PUDOVKIN, 1958 apud XAVIER, 2005, p. 60).
No início do julgamento, para que o espectador seja ambientado dentro do
plenário, é possível verificarmos que existe uma sequência de imagens que
estabelecem a posição de cada personagem que participa deste ato, um exemplo
bastante claro, é o julgamento ocorrido em O sol é para todos (1964). Lembramos
que se trata de um julgamento ocorrido em meados dos anos 1930, em Macomb, um
pequeno vilarejo no Alabama, Estados Unidos da América.
Figura 26 – Primeiras cenas do tribunal, localização do advogado e da população
50
Figura 27 – Localização das crianças e dos afrodescendentes, e chegada do réu em plenário
Figura 28 – Condução do réu a banco dos réus
Figura 29 – Primeiro contato com a vítima e seu pai também testemunha de acusação
Figura 30 – Localização do réu em plenário
51
Figuras 31 – Localização da população branca e primeiro contato com a primeira testemunha de acusação, concentração do advogado e do réu.
Figura 32 – Apregoação das partes e localização do juiz e dos jurados e da testemunha
Esta ambientação é muito importante para que o espectador se situe na
cena, sendo extremamente relevante a apresentação, afinal é durante esta
sequência que localizamos todas as personagens que integram e se confrontam
durante o duelo judicial que uma secção de tribunal do júri propõe. O plano médio é
usado de forma habitual quando realizados interrogatórios sejam com as
testemunhas, sejam com o réu, e a vítima quando presente no julgamento. Pois é a
partir da sequência utilizando este plano que o espectador consegue analisar e
talvez tirar as conclusões necessárias, numa espécie de controle de “direção
psicológica do espectador” (PUDOVIKIN, apud XAVIER, 1983, p.63), tendo em vista
que estas também fazem parte da interação com a trama.
Figura 33 – Primeira testemunha de acusação sendo interrogada pelo advogado de defesa e segunda testemunha de acusação sendo interrogada pela promotoria de justiça.
52
O enquadramento realizado demonstra a superioridade do advogado de
defesa que neste caso, em O sol é para todos, é detentor da verdade. A
personagem do advogado se desloca de sua mesa para interrogar a testemunha,
tática usada por muitos quando que a aproximação intimida e coíbe a dissimulação
da testemunha. Já a aproximação da acusação na testemunha também de acusação
é usada para dar uma sensação de proteção ao interrogado, já que este depõe em
favor de quem o está interrogando. Esta técnica de aproximação também é usada
quando a promotoria ou o advogado de defesa se volta em frente aos jurados, o
uma tentativa de envolvê-los em sua tese, seja de defesa seja de acusação.
Figura 34 – Advogado de defesa volta-se para o jurado
Para que a proposta de convencimento dos jurados seja explícita,
geralmente, em filmes de julgamento, utilizam-se planos médios, assim obtemos não
só a imagem do advogado, mas também imagens das expressões dos jurados, que
darão o veredicto. As expressões das testemunhas também ajudam na conclusão
dos espectadores, que procuram, durante as cenas em plenário, identificar quais das
partes estão dizendo a verdade, bem como se o juiz em questão possui a
capacidade da imparcialidade, que se espera em todos os julgamentos.
Figura 35 – Expressões das testemunhas de acusação
53
Figura 36 – Expressões das testemunhas do juiz
O plano médio é perfeito para mostrar as expressões da testemunha a ser
interrogada, bem como as do Juiz que preside a audiência. Essas expressões o qual
leva a perceber se os interrogatórios foram satisfatórios para a parte que interrogou.
Neste entremeio que se estabelece a condição de “quem esta ganhando”, afinal
dependendo das circunstâncias e história apresentadas, o público passa a torce pela
vitória de uma das partes. O Juiz por sua vez, embora não possua muita significação
quanto ao veredicto, preside a secção estabelecendo a ordem no tribunal e pode
interferir com suas expressões inclusive na decisão dos jurados, tendo em vista sua
posição nos órgãos judiciários.
Não menos importante, é analisar as provas documentais produzidas
durante a secção, estas podem ser o grande desfecho da trama, da qual inocenta ou
condena o réu, pois são provas estabelecidas por meios que dificilmente trazem
vícios. Afinal se caso haja dúvidas quanto sua veracidade, existe a eleição de um
perito judicial que comprove sua idoneidade, o que não conseguimos fazer quando
as provas são testemunhais, das quais seriam necessárias acareações que nem
sempre levam a verdade dos fatos.
Figura 37 – Plano detalhe utilizado na imagem da produção da prova documental.
54
O plano detalhe é usual quando uma das partes apresenta um
determinado documento, ou necessitam que as testemunhas, vítimas ou réus
precisem mostrar em plenário a veracidade de parte da tese, seja na defesa ou
acusação. Em O Sol é para todos (1964) a testemunha assina, com o próprio nome,
um papel que comprova ser este. Não podemos nos esquecer do contato com a
vítima, pois em todo filme de tribunal a vítima é elemento essencial da trama. Esta
pode estar ainda viva ou morta, entretanto sua imagem é estabelecida para que não
haja dúvidas quanto à parte que foi prejudica.
Dos filmes analisados neste trabalho, os únicos nos quais não temos
contato visual algum com a vítima são Doze homens e uma sentença, Testemunha
de acusação (1957), O vento será tua herança (1960) O Julgamento em Nuremberg
(1961), pois se desenrolam com as personagens que compõem o julgamento do
prejuízo sofrido pelas vítimas11. Entretanto ambos possuem a indicação das vítimas,
sendo o primeiro, a vítima apresentada no desfecho da trama é o próprio réu e no
segundo no núcleo das vítimas a testemunha de acusação, melhor álibi do acusado
também compõe esta simetria de prejudicados.
Em O Sol é para todos (1962), assim como tantos outros a vítima é
apresentada, seja em fotos de seu assassinato, seja de forma presencial na
audiência. No filme em questão a vítima é exposta perante o tribunal.
Figura 38 – A vítima amparada e conduzida pelo Promotor de Justiça a prestar compromisso.
No Estado Americano, a vítima, o réu bem como as testemunhas prestam
compromisso principalmente de forma religiosa perante a Justiça, o que é
evidenciado nos planos médios apresentados nos filmes que analisamos. A
condução e amparo pelo Promotor de Justiça, reserva uma demonstração de
11
Ver a seguir Capítulo 4, seção 4.5 A vítima.
55
proteção e enseja na criação de um sentimento de pena da vítima, que procura
sensibilizar o jurados pelo estado em que se encontra. Suas expressões, seu
caminhar, seu olhar baixo, procura trazer o espectador a uma situação de pesar.
Neste momento a Promotoria tem como função fazer com que a vítima retome os
acontecimentos e que o demonstre de forma trágica, visando assim sensibilizar o júri
fazendo experimentar o trauma que sofreu.
Figura 39 – Plano geral no tribunal e início do interrogatório da vítima
O Plano geral visa a estabelecer além da localização da vítima, neste caso
mais propriamente dito, também demonstra sua postura no banco de depoimentos,
nota-se que a vítima esta sentada, segurando a cadeira como se não estivesse nada
à vontade com a situação. O plano médio, como dito anteriormente, indica a
expressão da vítima que durante o depoimento para a acusação, se mostra
vulnerável, com olhar baixo e voz embarganhada. Tais usos da câmera não são
surpreendentes, entretanto a forma recorrente verificada dentre os filmes que
analisamos nos chama a atenção para uma forma encontrada de envolver o
espectador na secção plenária solene, a fim de que cheguemos a abordagem mais
subjetiva.
2.4. O Consumo dos Filmes de Julgamento
Acreditamos que embora não seja uma forma explícita de comercialização
de serviços, os filmes de julgamento movimentaram a cultura de massas da época
pós o macarthismo a fim de restaurar a crença na justiça e nos direitos civis, há
muito prejudicados. A atualidade demonstra outra forma de consumo do gênero
56
cinematográfico de filmes de julgamento, pois somos levados a perceber que não se
dá mais de uma forma romântica que visava levar a população a confiar na justiça,
restou à alternativa de que não passa de uma espécie de afirmação de
americanidade, explicitando a consciência do estadunidense em relação ao direito e
a punição dos que os ameaça 12.
Outra questão sobre o consumo do gênero de filme de julgamento vem da
necessidade do espectador ver a justiça sendo feita, pois para que não a veja, basta
voltar-se as arbitrariedades da vida que podemos assistir no noticiário. A obra
cinematográfica o envolve na questão, buscando formar opinião no decorrer da
trama, e surpreendendo-o ou não no final. O público de um filme de julgamento se
vê dentro da história, por vezes até julgando o réu, o que não acontece quando
assiste o noticiário, observamos a necessidade do público ver-se de fora de um
ângulo externo àquela situação. Embora o gênero cinematográfico apresente a
justiça, esta pode permear questões que o tornam “filmes problemas”, de ordem
política, diplomática, racial, e é partir disto que notamos que a escolha do réu é
pautada pelo momento vivido daquela sociedade, como já tratamos no capítulo
anterior.
Por serem "filmes problemas", os filmes de julgamento apresentam um
problema, núcleo da trama a ser resolvido. É evidente que existam níveis de
envolvimento do público causados pelos níveis de compreensão; assim
esclarecemos que dificilmente o filme de julgamento envolverá público infantil, (pelo
menos até agora não conseguimos vislumbrar nenhum título para este público),
tendo em vista tratar de uma trama complexa cujos conceitos não podem ser
facilmente acessados. Isto não significa que inexistam cenas de julgamento nas
animações criadas para este público, um exemplo do qual podemos fazer uso, é o
julgamento no filme Sinbad – A lenda dos sete mares (Sinbad – The legend of the
seas, Patrick Gilmore e Tim Jonhson, 2003), na qual Sinbad é julgado e condenado
à morte por ter roubado o maior tesouro da humanidade, livro da Paz. Acreditando
na sua inocência Protheus, amigo de infância de Sinbad, permanece preso em seu
lugar, para ser executado caso Sinbad não retorne com o livro. Embora trate de uma
filme infantil de aventura, toda a história se desenvolve diante um julgamento, o qual
acreditamos ser assimilado pelo público em questão, tendo em vista ser um filme
12
Vide capítulo 2.
57
que enfatize mais a aventuras de Sinbad em busca do livro, sendo o julgamento
apenas o ponto de partida da obra.
Figura 40 – O julgamento de Sinbad (trechos do filme Sinbad – A lenda dos sete mares)
No Julgamento de Sinbad, embora seja o estopim de toda a aventura, não
há a complexidade existente num filme de julgamento, ao contrário, quando a
personagem é apresentada perante o órgão judiciário, não há sequer uma frase de
maior conteúdo para a defesa. Sinbad apenas disse que não é culpado. Entretanto
notamos que mesmo sendo um filme de aventura para o público infantil, ele não
sonega a informação dos preceitos das acusações, e da condenação. Inclusive na
valoração da pena aplicada neste filme é a pena de morte. Novamente ressaltamos
que esta obra não se inclui dentre os filmes do gênero cinematográfico de
julgamento, tão pouco tenta sê-lo, apenas o abordamos para identificar que também
existe esta questão em enredos para crianças, num nível de complexidade diverso
do que analisamos nesta pesquisa.
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3. O ADVOGADO: PERCALÇOS DE UM PROTAGONISTA
Neste capítulo procuraremos identificar e analisar o papel do advogado
nos filmes de Julgamento, apontando inclusive hipóteses em que o seu papel está
implícito na trama, ou seja, quando inexiste a personagem do advogado, porém o
enredo leva outro personagem a advogar em defensa o réu por exemplo.
Analisaremos ainda cada advogado apontado no objeto deste projeto indicando
algumas características que se estabelecem diante o protagonista e que se
desenvolvem num enredo como herói ou anti-herói, seu envolvimento no caso, sua
postura, poder argumentativo e sabedoria.
O herói é uma figura presente nas grandes obras sejam literárias, sejam
cinematográficas. No melodrama o herói é acima de tudo detentor de virtudes muito
almejadas o que o torna quase que uma figura mítica. Não é menos importante o
anti-herói que conquista por vezes na ausência de virtudes altruístas. Assim não
teríamos como falar em filmes de julgamento, sem falar na possibilidade destes
enredos apresentarem protagonistas tão cheios ou não de virtudes e qualidades,
posto que nos deparamos com vários tipos de índoles, personalidades e valores,
porém, é necessário o apontamento de uma característica comum em todas estas
figuras, afinal por se apresentarem mais virtuosos ou não, compõem a presença da
justiça na trama dos filmes de julgamento.
Não obstante, é visível que os pontos de vista destes personagens entram
quase sempre em conflito com os demais, ora temos um protagonista que acredita
na inocência de seu cliente. Ora encontramos um advogado descrente que passa a
ser conquistado pelo caso a partir de sua complexidade, o que entendemos causar
uma sensação de desconforto, afinal não é difícil que a trama se desenvolva no
sentido no qual o próprio advogado é julgado, por sua conduta e postura, se
envolvendo e participando de situações mais importantes que o próprio julgamento,
afinal esta personagem tenta realizar coisas ainda maiores que a própria questão
central. Conforme Joseph Campebell: “Mesmo nos romances populares, o
protagonista é um herói ou uma heroína que descobriu ou realizou alguma coisa
além do nível normal de realizações ou de experiência. O herói é alguém que deu a
própria vida por algo maior que ele mesmo”. (CAMPBELL, 1986: 136).
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Os heróis dos filmes de tribunal são quase sempre os advogados, que se
dedicam ao pleito daquele caso, como se fossem envolvidos com suas próprias
vidas. Isso torna suas frustrações, ambições e controvérsias aparentes, o que os
levam a trabalhar em seus casos na medida em que desenvolvem suas vidas,
histórias que por muitas vezes caminham concomitantemente, e evoluem na trama
desta mesma forma.
A profissão de advogado, assim como muitas outras profissões, ao serem
descritas, muitas vezes, acabam por ter exacerbadas determinadas características.
Constrói-se, assim, um estereótipo. Como define Nielson Ribeiro Modro (2009, p. 32)
“o estereótipo é quase uma verdade criada a partir de certos elementos observados
que se destacam”. Nos filmes de julgamento, as personagens dos advogados
também sofrem um tipo de estereotipação, marcando características por muitas
vezes encontradas em personagens de diversos filmes, inclusive entre filmes de
épocas diferentes. É apontando características presentes e comuns que passamos a
identificar neste capítulo.
3.1. Doze Homens e uma Sentença (1957)
Figura 41 – Henry Fonda jurado nº 08 em Doze Homens e uma Sentença
Doze Homens e uma Sentença, trata do caso de um jovem portorriquenho
que é acusado de ter matado o próprio pai com uma facada no peito, sua
condenação depende da decisão de doze homens escolhidos para composição do
júri. O veredicto sobre a culpabilidade deve ser unânime, tendo em vista que a pena
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a ser cumprida leva o acusado à cadeira elétrica. Onze dos doze jurados estão
convictos sobre a autoria do crime, enquanto o jurado nº 08 (Davis, interpretado por
Henry Fonda) procura discutir a questão, pois não visualiza elementos satisfatórios
quanto autoria do crime.
Doze Homens e uma Sentença (Twelve Angry Men) de Reginald Rose, foi
criado para um teleteatro da CBS americana em 1954, este drama tomou grande
projeção quando filmado por Sidney Lumet, estreante como diretor de cinema em
1957. O sucesso foi tão grande que até hoje é aclamado um dos melhores filmes
problema já produzidos por Hollywood, indicado ao Oscar em 1957 nas categorias
de Melhor Diretor, Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado e vencedor do Urso de
Ouro Festival de Berlim em 1957, dentre outras indicações e prêmios recebidos na
época.
Em Doze Homens e uma Sentença (1957), a figura do advogado se faz
presente na personagem de Henry Fonda, que embora seja jurado na história,
configura como instrumento de defesa do ora acusado, mesmo que implicitamente, o
que ressalta a ausência de satisfação de justiça, ou de averiguação de provas
durante a audiência em plenário, trazendo assim pontos de vista que a princípio não
foram analisados pelos outros jurados, que se demonstraram menos analíticos. Sua
postura para com os outros, além de fala calma, o torna a princípio um dos únicos
personagens detentores do equilíbrio da balança da justiça, que contagia levando o
jurado mais experiente Sr. McArdle (interpretado por Joseph Sweeney) a apoiá-lo e
envolver-se na argumentação apontando a possibilidade inocência do acusado. A
busca de Davis pelo seu convencimento de que o réu era culpado ou não o leva a
indagar sobre os fatos, mesmo quando os outros se encontram já decididos pela
culpabilidade. “Talvez tenha matado o pai, não tenha ouvido o grito, tenha fugido em
pânico, se acalmado e voltado arriscando-se a ser preso. Talvez tudo isso tenha
ocorrido, talvez não. Acho que há dúvidas sobre ele estar lá na hora do crime” (Fala
/ Davis – jurado nº 08).
Ressaltamos que existem certas congruências entre as figuras que
representam os advogados nos filmes de julgamento. Verificamos a existência de
atribuição de um dom ou uma espécie de sensibilidade na qual inexiste nas demais
personagens envolvidas, como em Doze Homens e uma Sentença (1957). Em uma
comparação de poder de persuasão e capacidade argumentativa temos por exemplo
no filme Legalmente Loira (2001), no qual a personagem de Elle Woods, que é
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apresentada com o estereótipo de uma pessoa fútil e desprovida de alguma
inteligência, passa a surpreender as expectativas ao longo do filme. O começo
desse processo é aprovação na Universidade de Havard que causa polêmica por
sua postura acadêmica pouco convencional. Porém a argumentativadade em
relação ao julgamento quando a protagonista passa a compor a defesa, somente se
valida através de seus conhecimentos até então fúteis.
A argumentação destas personagens possui certa amplitude, que comove
e pode até doutrinar o receptor que muitas vezes surpreende-se com técnicas e
caminhos de defesa inimagináveis. No caso de Doze Homens e uma Sentença, não
é diferente, tendo em vista que os mecanismos utilizados para a defesa do réu,
foram instituídos somente através de uma boa capacidade argumentativa e
inteligência. Neste mesmo diapasão, o advogado Frank Galvin (representado por
Paul Newman em O Veredicto, 1982), na última cena diante os jurados, momentos
das alegações finais no julgamento, faz uma demonstração de argumentatividade
que conota ter sido sua vitória no caso, entretanto deste filme falaremos mais a
diante.
Para tanto, toda a argumentavidade textual trazida pelos diálogos, no que
se refere aos personagens dos advogados principalmente, podem convencer ou não
o espectador, e por isso nota-se a existência de uma maior preocupação na
existência de monólogos durante o julgamento, elaborados para o convencimento de
todos que os ouvem.
3.2. Testemunha de Acusação (1957)
Figura 42 – Sir Sir Wilfrid Robarts (Charles Laughton) (trecho do filme Testemunha de acusação)
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Sir Wilfrid Robarts (interpretado por Charles Laughton), é um renomado
advogado, cuja especialidade baseia-se no ramo do direito criminal. Com uma saúde
frágil, e mesmo contra ordens médicas, torna-se patrono de Leonard Vole
(interpretado por Tyrone Power), que está sendo acusado de ter assassinado sua
amante, uma viúva rica que havia deixado um testamento em seu nome. A trama
versa sobre a autoria deste crime, entretanto sofre uma reviravolta quando a esposa
de Vole resolve testemunhar a favor da acusação.
Witness for the prosecution (Testemunha de Acusação), foi baseado num
conto de autoria da escritora britânica Agatha Christie. Este conto, anteriormente a
produção cinematográfica, foi transformado em peça teatral, porém a obra conquista
maior visibilidade quando adaptada por Larry Marcus, Harry Kurnitz e dirigida pelo
Billy Wilder, recebendo seis indicações ao Oscar, como melhor filme, melhor diretor,
melhor ator (Charles Laughton), melhor atriz coadjuvante (Elsa Lanchester), melhor
trilha sonora e edição, e premiado com o Globo de Ouro como melhor atriz de
cinema (Marlene Dietrich), melhor ator de cinema, e melhor diretor de cinema (Billy
Wilder).
Charles Laughton interpreta um advogado cujo senso de humor é bastante
peculiar, embora seja um filme problema, que envolve questões sérias como
ambição, a obra possui uma pitada de humor o qual sempre envolve o advogado.
Uma das cenas que usa a peculiaridade da comédia existente neste filme é a que
Sir Wilfrid, após retornar de alguns dias internado por problemas cardíacos, verifica
que foi instalado em sua casa, uma espécie de elevador na escada, para que não
haja esforços aos subir e descer as escadas. Este elevador consiste em uma
cadeira, que por um mecanismo preso numa espécie de corrimão, o leva para o
segundo andar e o trás de volta. Quando abordado pela esposa do réu, Sir Wilfrid se
nega a recebê-la e senta nesta cadeira para subir as escadas, porém acha aquilo
tão divertido que aciona o mecanismo para subir e descer como se fosse uma
criança brincando nas escadas rolantes.
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Figura 43 – Cadeira elevatória (trecho do filme Testemunha de Acusação)
Além da pitada de comédia vista em Testemunha de acusação,
verificamos que neste filme como nos demais filmes de julgamento, a sapiência do
advogado é colocada em cheque, quando no decorrer da trama este se vê sem
saída em determinadas situações, sendo óbvio que o seu conhecimento jurídico ou
até mesmo sua disposição de sair de conflitos o torna admirável. Nesta obra, Sir
Wilfrid Robarts é ludibriado por um dos personagens, porém ao final através de sua
experiência de anos de atuação na carreira jurídica, percebe mesmo que após a
sentença o grande erro que cometeu, e se compromete a uma revanche dando uma
sensação de que a justiça por muitas vezes além de cega pode tardar. Esta obra
não tem uma continuação, entretanto fica claro que o caso “Rainha versus Leonard
Vole” não seria o ultimo patrocinado por Sir Wilfrid Robarts, afinal ele mesmo usaria
a prerrogativa do perjúrio para incriminar quem de direito.
Todos os personagens que configuram o advogado demonstram uma
inteligência acima das expectativas, para a criação de soluções que embasem suas
defesas, tornando-os heróis cujos poderes concentram-se em raciocínio rápido, ou
delimitado de forma a prever situações, ou até mesmo desconfiar de circunstâncias
que se apresentam numa forma pouco diferente das demais já vividas pelo então
advogado. “Está tudo arrumado demais e simétrico demais. Isso é o que há de
errado (...) Não é o julgamento deles que me preocupa, mas o meu” (Fala / Sir
Wilfrid).
Em testemunha de acusação Sir Wilfrid, busca analisar o contexto dentro
de uma crítica, quando toda a trama passa a ser muito bem explicada, muito bem
resolvida. Neste caso o advogado desconfia da simetria da história do caso e passa
a observar que provavelmente seu ponto de vista se modificará após a sentença,
que acaba sendo exatamente o que ocorre. Wilfrid nas ultimas cenas encontra
dentro da sua desconfiança a verdade deixando a história com sabor de
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continuação, ou seja, mesmo após a sentença com todo o problema aparentemente
resolvido, o advogado encontra-se com a verdade da qual foi escondida durante
todo o processo.
O encontro com a verdade, é corriqueiro nos filmes de julgamento, tanto
que pode ocorrer mesmo após o ‘desfecho’ do caso, como acontece também em
Duas Faces de um Crime (Primal Fear, Gregory Roblit, 1996), filme que trata de um
ex-promotor de justiça que defende um jovem rapaz de 18 (dezoito) anos acusado
de matar um arcebispo. O caso, embora seja bastante evidente a autoria, se
desenvolve no tocante a saúde mental do acusado, que ludibria todos numa
encenação de perturbação psicológica por dupla personalidade. Isso objetiva
conseguir uma pena com estas atenuantes, quando, na verdade realmente ele se
trata de um psicopata frio e perverso. Neste filme, o advogado é levado a buscar a
defesa do réu alegando insanidade mental, que somente após a sentença, encontra
a verdadeira personalidade do acusado.
3.3. E o Vento será sua Herança (1961)
Figura 44 – Henry Drummond (Spencer Tracy) (trecho do filme E o vento será sua herança)
Um professor de ensino infantil é processado por ensinar a lei da evolução
da teoria de Charles Darwin, numa escola no condado de Hillsboro, Tennesse. Um
líder fundamentalista se convida a compor o corpo jurídico acusatório, e um
advogado renomado é contrato por uma rádio para defender o réu. Embora amigos,
ambos defensor e acusador, duelam em meio de diálogos propostos a defesa de
seus interesses na questão.
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O Vento será sua Herança, foi baseado num caso real ocorrido em 1925,
conhecido como Monkey Trial (Julgamento do Macaco), julgamento este que levou
11 dias para o veredicto e foi o primeiro nos Estados Unidos a ser transmitido pela
rádio, tendo repercussão mundial. A história foi reescrita em 1951 por J. Lawrence e
Robert E. Lee para o teatro, e adaptada do original por Nedrick Young e Harold
Jacob Smith, e dirigida por Stanley Kramer. O filme foi bastante premiado vencendo
o Oscar melhor ator (Spencer Tracy), melhor roteiro adaptado, melhor fotografia e
edição, além das indicações do Globo de Ouro e do Festival de Berlim.
Henry Drummond (interpretado por Spencer Tracy) é um advogado
bastante dedicado, entretanto durante o julgamento ele vê frustrada todas as suas
teses de defesa, quando lhe subtraem o direito da oitiva de testemunhas da defesa.
Em meio de uma cidade que protestava dia pós dia a favor da condenação do
professor, Henry chega à conclusão que teria que usar os próprios escritos bíblicos
para conseguir assim realizar sua defesa, chamando como testemunha o líder
fundamentalista para depor. Mais uma vez o protagonista tenta por todos os meios
achar uma solução para a resolução deste conflito prejudicando o menos possível
ou absolvendo seu cliente. Embora neste caso o réu é declarado culpado sendo
condenado a pagar US$ 100,00 (cem dólares) de multa, Henry antes da condenação
faz um discurso em prol da liberdade de expressão e da aceitação do ensino das
ciências antes rejeitada na grade escolar.
“Digo que não é possível administrar um lei perversa imparcialmente! Só é possível destruir! Só é possível punir! E aviso... essa lei perversa, como cólera, destrói a todos que toca. Seus defensores e seus questionadores! (...) Vocês não entendem. Se pegar uma lei como a da evolução e tornarem um crime, ensiná-la em escolas públicas, amanhã podem virar crime ensiná-las nas escolas particulares? (...) E logo serão banidos livros, jornais e então jogarão católicos contra protestantes e protestantes contra protestantes. E tentarão incurtir sua própria religião na mente dos homens! (...) Se podem fazer uma coisa, podem faze outra. Porque fanatismo e ignorância são sempre famintos. E logo, excelência, com bandeiras tremulas e tambores marcharemos para trás de volta àquela era gloriosa do século 16, quando fanáticos queimaram um homem que ousou trazer esclarecimentos e inteligência à mente humana”. (Fala / Henry Drummond).
Toda a postura do advogado nesta obra, nos leva a crer que este seria um
homem ateu e bastante solitário, no entanto ao final do filme, numa conversa
informal com um repórter, ele nega ser ateu, fazendo subentender que também é um
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homem religioso, porém estava fazendo seu trabalho, que neste caso seria defender
o ensino do Darwinismo na escola. A posição do advogado como homem solitário,
também é bastante usual nas produções do gênero, destacando-se com maior
facilidade um homem sério e sofrido. Assim vemos em outras produções como em O
Sol é para todos (1964), O Veredicto (1981), O Homem que Fazia Chover (1996),
dentre outros.
Outro filme também baseado em um julgamento real é o filme Sob
Suspeita (Find me Guilty, Sidney Lumet, 2006), que se baseia no caso de denúncia
feita pelo Ministério Público de Nova York, contra a máfia, acusando-a de diversos
crimes, perfazendo assim no julgamento mais longo da história dos Estados Unidos,
durando aproximadamente dois anos. Vin Diesel que interpreta o papel de um
mafioso “boa praça”, que busca proteger a “família” diante das acusações que
estavam sendo feitas pela Promotoria Pública, figurando como advogado em causa
própria já que demite seu advogado na primeira audiência.
3.4. Julgamento em Nuremberg (1961)
Figura 45 – Hans Wolfe (Maximilian Schell) (trecho do filme Julgamento em Nuremberg)
O filme Julgamento em Nuremberg (Judgment at Nuremberg, 1961), é
mais uma obra baseada em fatos reais, principlamente quando relata o julgamento
do caso Katzenberger, que foi um dos ultimos jugamentos ocorridos na cidade de
Nuremberg pós segunda guerra mundial. O filme mostra o jugamentos de diversos
acusados que haviam exercido a função de juízes de direito e autorizavam
procedimentos bastante controversos no tocante aos direitos humanos, como a
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esterilização e assassinatos de judeus e pessoas com enfermidades psiquicas e
físicas.
Embora o advogado deste filme não seja um dos personagens principais,
pois o enredo baseia-se mais no conflito de um juiz aposentado que é nomeado para
presidir estes julgamentos, ele é uma personagem que busca defender os acusados
sob a tese de que estes estariam apenas cumprindo a lei estabelecida naquele local,
e época. O advogado em questão é o Hans Wolfe (interpertado por Maximilian
Schell), que aparentemente é o ator mais jovem do elenco. Hans busca todas as
formas de conduzir o julgamento objetivando a absolvição dos acusados, indicando
inclusive que as leis de esterilização de pessoas que sofrem enfermidades psiquicas
eram praticadas nos Estados Unidos da América mais precisamente no estado da
Virgínia.
Um dos apontamentos por Hans durante a defesa é que o povo alemão
não poderia ser punido ad eternum por seu passados nazista, e que provavelmente
se estes julgamentos não acabassem os cidadãos alemães seriam alvo de repúdio
mundial. O filme traz muitos elementos que procuram inocentar o povo alemão da
época, o qual foi submetido a um regime de estado bastante severo sem alternativa
alguma de modificação, ou de demonstração de descontentamento, haja visto que
inexistia a possibilidade de liberdade de expressão e pensamento.
O advogado Hans Wolfe, também passa uma postura séria e
comprometida, embora jovem, é muito firme nas suas alegações e procura sempre
demonstrar muito respeito aos acusados, principalmente por um deles, o ex-ministro
da justiça Ernst Janning (interpretado por Burt Lancaster), cujo saber jurídico é
respeitado inclusive pelo Juiz americano Dan Haywood (interpretado por Spencer
Tracy). O conhecimento jurídico de Hans foi construído inclusive sobre os estudos
publicados por Ernst Janning, que passa a maior parte do filme em silêncio, porém
sobre este ponto, analisaremos mais a seguir quando explicitarmos o capítulo que
trata dos réus de filme de julgamento.
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3.5. O Sol é para Todos (1964)
Figura 46 – Atticus Finch (Gregory Peck) (trecho do filme O sol é para todos)
O filme apresenta questões que envolvem ética, moral, racismo e
discriminação, quando um advogado respeitado do condado de Maycom, Alabama é
nomeado para defender um jovem negro acusado de ter estuprado uma garota
branca. Todos os habitantes (pequenos agricultores) da pacata cidade se revoltam
contra Atticus Finch (advogado interpretado por Gregory Peck) por ter aceitado
defender o réu. Atticus mora com seus dois filhos e a babá, que também passam por
situações de intolerância daqueles cidadãos. O filme foi baseado em um romance de
Harper Lee, adaptado por Horton Foote e dirigido por Robert Mulligan, ganhou Oscar
de melhor ator (Gregory Peck), melhor roteiro adaptado e direção de artes em
branco e preto, sendo hoje visto como um clássico do cinema americano.
Atticus se envolve no caso a tal ponto que temendo pela integridade física
do acusado, ele passa horas em frente à cela da cadeia da cidade para tentar coibir
a prática de abusos realizados pela população, não obstante, é visível que os pontos
de vista deste personagem entram quase sempre em conflito com os demais,
causando assim uma sensação de desconforto, como é verificado no filme, afinal
Atticus (Gregory Peck) torna-se patrono do réu a pedido do juiz da cidade. Sendo
assim conseguimos verificar que o próprio advogado em determinados enredos
também tem sua conduta julgada. Segundo Albagli (1988: 130), através de pesquisa
realizada pelo American Film Institute (AFI) em 2003, Atticus Finch foi eleito o maior
herói do cinema americano de todos os tempos.
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A façanha convencional do herói começa com alguém a quem foi usurpada alguma coisa, ou que sente estar faltando algo entre as experiências normais franqueadas ou permitidas aos membros da sociedade. Essa pessoa então parte numa série de aventuras que ultrapassam o usual, quer para recuperar o que tinha sido perdido, quer para descobrir algum elixir doador da vida. Normalmente, perfaz se um círculo, com a partida e o retorno (CAMPBELL, 1986: 138).
Figura 47 – Atticus Finch (Gregory Peck) em frente à cela (trecho do filme O sol é para todos)
Em O sol é para todos (1962), assim como nos filmes E o vento será sua
herança (1960) e Doze homens e uma sentença (1957), verificamos a produção de
provas muito frágeis ou até mesmo a ausência delas, testemunhas duvidosas, ou
até mesmo impedidas de depor. Essas situações permitem que as personagens dos
advogados coloquem sensibilidade no caso, se surpreendam ou se enfureçam para
partir deste momento, se envolvam com mais força inclusive na argumentação
necessária para absolver ou atenuar a condenação. Vejamos a parte das alegações
finais de Atticus Finch, que exalta a abolição de um código de conduta social,
fundado em suposições e mentiras insensatas, obedecido pela sociedade americana
por muito tempo.
“(...) As testemunhas de acusação com exceção do Xerife de Maycomb County apresentaram diante de vocês senhores jurados, cinicamente confiando que os seus testemunhos não seriam duvidosos. Confiantes que os senhores estariam de acordo com eles na suposição, na terrível suposição de que todos os negros mentem! De que no fundo todos os negros são seres imorais de que não podemos deixar os negros se aproximarem das nossas mulheres. (...) Suposições que só podem sair da mente destas pessoas e que não é nada mais nada menos que uma mentira insensata. Uma mentira que não preciso mostrar para vocês. (...) E assim, um negro humilde e respeitável que teve a mais perfeita
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ousadia de ter pena de uma mulher branca, teve que dar a sua palavra contra dois seres de nossa raça. O réu não é culpado, mas alguém neste tribunal é. (...) Meus senhores, neste país os tribunais devem ser de grande nível. E para eles, todos os homens nasceram iguais. (...) Não sou um idealista que acredita com firmeza na integridade dos nossos tribunais e no sistema de jurados. Não acho ideal, mas não tem remédio que cure. Mas agora confio nos senhores em não analisar sem olhar a classe de tudo que ouviram. E sua decisão, devolver este homem a sua família. Em nome de Deus! Cumpram com o seu deve! Em nome de Deus! Acreditem em Tom Robinson!” (Fala / Atticus Finch).
Embora este forte discurso sobre igualdade racial, hipocrisia e sociedade
americana, usado pelo advogado de defesa, os jurados não acreditaram em Tom
Robinson. Como todo filme de julgamento, o desfecho é intrigante, pois em quase
todos os filmes aqui analisados o final nem sempre satisfaz a questão de que a
Justiça foi feita. Partimos então do pressuposto que a produção deste filme pode vir
a ter cunho político, eis à coincidência da estreia desta obra junto com as discussões
raciais, encabeçadas por Martin Luther King, que dois anos depois da estreia deste
filme ganhou o prêmio Nobel da Paz.
3.6. O Veredicto (1982)
Figura 48 – Frank Galvin (Paul Newman) (trecho do filme O Veredicto)
Filme dirigido por Sidney Lumet, e baseado num drama de Berry Red, teve
muitos roteiristas até voltarem ao roteiro original de David Mamet. Este filme recebeu
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cinco indicações ao Oscar (1983), nas categorias de melhor filme, melhor diretor,
melhor ator (Paul Newman), melhor ator coadjuvante (James Mason) e melhor
roteiro adaptado. Também recebeu cinco indicações ao Globo de Ouro (1983) nas
categorias de melhor filme - drama, melhor diretor, melhor ator - drama (Paul
Newman), melhor ator coadjuvante (James Mason) e melhor roteiro, além e vencer a
categoria de melhor ator estrangeiro (Paul Newman) no Prêmio David di Donatello
(Itália, 1983).
Em O Veredicto (1982) vemos a figura do advogado, homem decadente
que luta para não sucumbir ante a uma devastada vida que o levou a ser um
advogado alcoólatra e medíocre a procura de clientes para ação de Inventários e
Arrolamentos em velórios. Frank Galvin (representado por Paul Newman) representa
este advogado, que demora a se empenhar no caso que a princípio não recebe com
seriedade a questão, quase deixando a oportunidade criada pela indicação de um
amigo a míngua. O descaso fora sanado13, porém questões de ordem íntima do
advogado e sua vida pregressa também influenciaram no decorrer do processo, que
o leva inclusive a descrer seus próprios clientes no princípio da trama. Esta
personagem começa como um anti-herói que vai conquistando o público através de
sua perspicácia e audácia para fazer valer os direitos de uma pessoa moribunda que
se encontra nesta situação por erro médico acobertado pela instituição religiosa
mantenedora do hospital, o que dificultava a obtenção de provas.
O advogado em questão, não possui muitas virtudes, entretanto, a análise
deste personagem serve para salientar a questão do gênero cinematográfico, pois o
filme foi realizado quase vinte anos após os filmes descritos anteriormente, e mesmo
assim é carregado de características em comum com os demais. A solidão da
personagem nos é mostrada logo nos primeiros minutos do filme, assim como nos
filmes anteriores, trata-se um homem de meia idade, cuja aparência traz seriedade.
Porém, este personagem em questão, talvez por causa de frustrações vividas, passa
a beber em demasia, perdendo credibilidade e respeito. Assim a personagem se vê
em busca de resgatar sua reputação e não aceita um acordo cujo valor era
expressivo, pois decide insistir em levar o caso adiante para somente findar-se no
julgamento da questão.
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Vide Capítulo 4 seção 4.5 a vítima.
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Essa busca pelo respeito, não paira somente a respeitabilidade
profissional, paira também sobre o respeito próprio, indicando assim que seu êxito
na trama, certamente lhe trará sucesso na vida pessoal. Porém somente quando a
personagem passa a acreditar no caso, é que passamos a ver ascensão pessoal.
Frank se envolve com o caso e com uma mulher ao mesmo tempo, afastando assim
aquele ambiente solitário do início do filme. Após seu completo envolvimento
pessoal com uma advogada, seu amigo lhe conta que ela é uma espiã do escritório
adversário, e ambos partem em busca da verdade com o encontro de uma nova
testemunha. Durante todo o processo, resta evidente que Frank conquista os
jurados com sua alegação final, que defende a verdade e a proteção da Lei, qual
passamos a expor:
“A maior parte do tempo, estamos totalmente perdidos. Dizemos “ ‘Por favor, meu Deus, diga o que está certo, diga o que é verdade’ Não há justiça. Os ricos ganham, os pobres são impotentes. Cansamos de ouvir mentiras… E pouco a pouco vamos morrendo. Quando uma parte da gente morre e nos vemos como vítimas, nos tornamos vítimas e ficamos… nós ficamos fracos. Duvidamos de nós mesmos. Duvidamos das nossas crenças. Duvidamos das nossas instituições. Duvidamos da Lei. Mas hoje vocês são a Lei! Vocês são a Lei! Não são livros. Nem advogados. Nem uma estátua de mármore ou os enfeites do tribunal, que não são mais que símbolos do nosso desejo… de sermos justos. São de fato como uma oração. Uma oração forte e temerosa. Na minha religião, eles dizem: ‘Age como se tivesse fé, que a fé lhe será concedida’ Se queremos ter fé na justiça, só temos que acreditar em nós mesmos, e agir com justiça. Acredito que há justiça em nossos corações” (O Veredicto, 1985).
O discurso de Frank Galvin, não somente se remete ao caso, este
discurso transparece uma vontade de voltar a sentir-se capaz de passar confiança.
As questões do fracasso e da mentira fazem parte de todo o enredo, e estas
alegações concluem a narrativa, cercando-a de um desfecho satisfatório, não
somente para a paciente ora vítima, mas para Galvin que volta a acreditar em si
mesmo após esta vitória. Este discurso foi um desabafo e um pedido de
renascimento da verdade entre os homens e da verdade dentre de cada um de nós.
Assim sendo mais uma vez verificamos o envolvimento emocional do advogado na
questão judicial, que neste caso a vida pessoal do advogado se desenvolvia
concomitantemente com o avanço do caso.
73
3.7. O Homem que Fazia Chover (1997)
Figura 49 – Rudy Baylor (Matt Damon) (trecho do filme O Homem que Fazia Chover)
O Homem que Fazia Chover (1997), é baseado num romance homônimo
de Jonh Grisham, e dirigido por Francis Ford Coppola, que ao ler o livro ficou
admirado com a capacidade do autor em prender sua atenção durante uma viagem
de avião. Este filme teve uma indicação ao Oscar na categoria de melhor ator
coadjuvante (Jon Voight) e na categoria de melhor ator coadjuvante (Danny Devito)
pelo Satellite Awards.
Rudy é um advogado recém formado, que acaba indo trabalhar com num
escritório de advocacia cujo proprietário também advogado esta sendo investigado
pelo FBI. Entre os casos que busca para o escritório, Rudy patrocina uma denuncia
contra um conglomerado seguro-saúde, que nega assistência a pacientes terminais,
e se vê em meio de um julgamento contra uma equipe de advogados.
O advogado de Homem que Fazia Chover (The Reinmaker, 1997), traz
certa ingenuidade que não vemos nas personagens que figuram o advogado nos
demais filmes aqui analisados. Esta ingenuidade nos é remetida desde o início do
filme quando Rudy entra pela primeira vez no tribunal, a cena traz um ar de graça,
tendo em vista que seu assistente Deck Shifflet (Danny Devito) é quem o empurra
para estar pela primeira vez em frente ao juiz, já que ele fora reprovado cinco vezes
no Exame da Ordem dos Advogados, e por isso não possui capacidade postulatória
para fazer as primeiras declarações.
O advogado deste filme participa de dois casos em paralelo, tendo em
vista que se envolve com uma garota que sofre violência doméstica, e procura
ajudá-la, sem contar no caso acima descrito. Esta questão do herói salvar a mocinha
74
que acontece neste filme, lembra um pouco a empatia que o advogado de O
Veredicto (1981) passa a ter pela paciente em coma. Ambos movimentam
adequadamente a justiça para amparar as pessoas que estão sofrendo por
enfermidades e agressões. Rudy logo de cara, entra de corpo e alma no caso, foca
suas teses, e a insegurança por ser um novato, o torna mais eficaz que os demais
advogados que possuem anos de experiência e consequente segurança em
demasia. Ao fazer suas alegações finais a personagem volta seu olhar para o pai do
rapaz morto por não ter seus direitos exercidos, com os olhos cheios de lágrimas,
fazendo um discurso comovente.
Figura 50 – Rudy Baylor (Matt Damon) (trecho do filme Homem que Fazia Chover)
“Espero que estejam tão chocados quanto eu, com as medidas que uma seguradora rica como a ré toma para tomar dinheiro de uma família de baixa renda e mantê-lo negando uma indenização legítima, não é de se espantar que gastem tanto com advogados, lobistas e sua máquina de relações públicas para nos dizer que devemos mudar a legislação de saúde e acabar com as indenizações punitivas. (...) Tudo que peço aos membros do júri que façam o que o seu coração mandar. Se não punirem a Great Beneffit podem ser sua próxima vítima. Acabei” (Fala / Rudy Baylor).
Outra característica que é comum, Rudy é solitário, veio de uma família
pobre e sofrida, de um pai agressivo, que nos primeiros minutos do filme nos é dito.
Solitário e sério, é a primeira impressão, que perdura com mais leveza no decorrer
da trama, assim como a maioria das personagens que buscamos identificar neste
capítulo, entretanto vemos que dentre os filmes elencados neste trabalho este
advogado é mais jovem. Rudy demonstra-se muito inteligente e bastante intuitivo,
assim como Sir Wilfrid Robarts em Testemunha de Acusação (1957), a pitada de
75
comédia que possuem ambos filmes no caso de O homem que fazia chover, fica a
cargo do assistente representado por Danny Devito. Este personagem embora seja
coadjuvante, rouba diversas vezes a cena, pois os movimentos mais articulosos e
inclusive sorrateiros são arquitetados pelo assistente, sendo que o advogado apenas
da continuidade ao desenvolvimento das situações planejadas pelo Assistente
Deck14. O desfecho deste filme é surpreendente e também nos remete a questão
ocorrida em O sol é para todos, muito embora neste caso a sentença fosse favorável
de nada adiantou, pois quem necessitava de assistência médica falece, e a
indenização conseguida para família, não é paga, pois a empresa seguradora de
saúde abre falência logo em seguida da condenação.
Assim as personagens dos advogados nos filmes de julgamento,
compõem o enredo, passam a se envolver com as questões centrais, e movimentam
todos os outros núcleos se existirem na trama. Os advogados fazem parte da
essência deste tipo de filme, pois verificamos com bastante assiduidade a ligação
deste com todas as informações ou situações apresentadas durante o desenvolver
da obra. O advogado busca algo que não está sendo alcançado, tornando-se pivô
da obtenção ou luta pelos objetivos propostos pela narrativa.
14
Vide Capítulo 4 item 4.2.
76
4. BISPOS, TORRES E PEÕES NO XADREZ DO JULGAMENTO
Retrataremos as figuras do réu, do promotor de justiça, do juiz, dos
jurados e da vítima como objetos identificadores e finalizadores do sentimento em
que a história se propõe desenvolver, indicando ainda sua relevância ou não quanto
o tramitar nos conflitos que trata o enredo dos filmes de julgamento. Este capítulo
será subdividido, tratando cada figura de forma individualizada, entretanto lógico
realizar-se-á a análise comparativa entre os filmes aqui indicados. Estas
personagens compõe a trama tanto na forma do protagonista como na forma de
personagem secundário, porém, suas presenças tornam o julgamento algo mais
realista. Embora em grande parte dos filmes de julgamento o advogado é o
protagonista, que reveste-se em herói ou anti-herói, alguns dos filmes analisados
nos levam a perceber que seus protagonistas não são os advogados propriamente,
e sim outros participantes do julgamento que fazem este papel. Alguns filmes
abordam a questão do julgamento diferentemente dos demais quando alocamos os
conflitos em figuras a quem do advogado, ou seja, às vezes os advogados passam a
ser os personagens secundários, ou antagonistas da obra. Neste sentido é que se
faz necessário falar dos demais personagens comparando-os e inclusive indicando
suas relevâncias ante a trama.
Geralmente as personagens dos réus dão a temperatura da sensibilidade
quanto ao conceito de justiça dentro da história contada. Neste entremeio o público
é levado ao próprio julgamento da questão, ou seja, se a figura do réu se reveste
como a do injustiçado ou do justiçado, seja por questões raciais, religiosas, classes
sociais, nacionalidade, ou até mesmo questões de ordem psicológica. Assim,
dependendo da composição da personagem o público passa a torcer por um
desfecho a favor ou contra sua condenação.
Quanto aos jurados, podemos afirmar que nem sempre são um
componente presente em todos os filmes, assim indicaremos, nas obras analisadas,
quando de sua presença. É neste indicativo que elevaremos as analises quanto à
relevância da existência deste corpo de “julgadores populares” o qual são
responsáveis pela última palavra: guilty or not guilty! (culpado ou inocente!).
77
O papel do promotor de Justiça é promover a justiça, sua competência é
defender o Estado de “crimes públicos incondicionados à representação”15. Nos
filmes de julgamento o papel deste personagem não é diferente, pois este sempre
será a oposição ao advogado que busca defender o réu da acusação. Este
personagem é bastante pertinente neste tipo de filme, sendo que estes se envolvem
no caso às vezes de forma igualitária ao dos advogados. A postura destes
personagens também será analisada, pois eles também são responsáveis pelo
envolvimento do público, que poderão esperar a vitória do promotor de justiça ao
invés do advogado.
Ao Juiz, quando tratamos de tribunais do júri popular, sua competência
cabe na presidência do julgamento, sendo ele o responsável pela valorização da
pena quando os jurados decidem ser o réu culpado. Este personagem também
relevante se reveste pela imparcialidade da questão, e busca durante o julgamento a
análise das provas apresentadas pela acusação e defesa, sendo mediador dos
debates que ocorrem durante a sessão plenária. Pode ocorrer que em alguns filmes
o juiz passa a ser protagonista da história, quando os conflitos são apontados na
mediação dos casos, como por exemplo, no filme Julgamento em Nuremberg
(Judgment at Nuremberg, 1961), o que discorreremos mais profundamente no
subtítulo ‘Os juízes’ a seguir.
A vítima é a pessoa que tem algum direito lesado por outrem, assim
poderemos identificá-la como personagem ou não, afinal em casos que a vítima é
assassinada, todo o filme versará sobre esta questão sem que esta personagem
esteja efetivamente presente. Diante disto, analisaremos os filmes cujas vítimas
foram personificadas em figuras que atuaram durante o processo, mesmo que de
forma bastante indireta como ocorre em O Veredicto (1982), o qual a vítima
encontra-se viva, porém absolutamente incapaz de expressar suas próprias
vontades.
15
Crimes que dispensam a necessidade de representação da pessoa ou família prejudicada pelo ato criminoso, pois quem atua é o promotor de justiça: “Onde o crime a ser apurado é de natureza pública incondicionada, cuja titularidade exclusiva é o Ministério Público, não apresentamos modelos pois o advogado não atuará”. (SANTOS, 2003: 407).
78
4.1. O Réu nos Filmes de Julgamento
Como já citamos acima, o réu configura nos filmes de julgamento como o
medidor do senso de justiça causado no público. Sua conduta, sua postura e os
argumentos levados a julgamento, levam o público a torcer pela condenação ou pela
absolvição da personagem. Importante dizer que a figura do réu em muitas vezes
está ligada à representatividade da sociedade na época da produção do filme, e por
muitas vezes tais questões são levantadas por intermédio da própria figura do réu.
Assim, cabe analisar todos os réus que compuseram os filmes, os objetos desta
pesquisa, a fim de identificar os fatores que levaram à discussão da questão que
envolve o crime indicado pelo enredo.
4.1.1. Doze Homens e uma Sentença (1954)
Figura 51 – O acusado
Em Doze Homens e uma Sentença (1957), Jonh Savoca interpreta o réu,
que foi acusado de ter matado o próprio pai. Sua aparição no filme não leva mais de
cinco segundos, entretanto lhe é conferido este tempo numa tomada em primeiro
plano, sem qualquer tipo de diálogo e música dramática ao fundo, que procura
marcar bem seu rosto. Com uma expressão passiva e olhar sofrido, a jovem
personagem busca transmitir um toque de inocência, que é alcançado pelo jurado nº
08 Davis (interpretado por Henry Fonda), que busca o convencimento próprio e dos
outros jurados quanto a culpabilidade do acusado.
79
Os traços marcantes do personagem hispânico de Jonh Savoca, é
essencial para história, já que trata-se de um jovem porto riquenho que reside nos
Estados Unidos. A utilização do réu hispânico, pode marcar o tom da soberania da
justiça mesmo quando o réu não é de naturalidade americana. Questão esta que
nos remete a conclusão de que Doze Homens e uma Sentença, (1957), foi
produzido justamente em meados do fim da era marcarthista, buscando retomar a
credibilidade dos tribunais, abalada durante o auge da comissão de investigação de
atividades antiamericana.
4.1.2. Testemunha de Acusação (1957)
Figura 52 – Leonard Vole (Tyrone Power)
Em Testemunha de acusação (1957), Leonard Vole (interpretado por
Tyrone Power) é o réu acusado de matar uma viúva rica. Sua postura arrogante
misturada com indignação deixa o público em dúvida a respeito de sua
culpabilidade. Neste filme as histórias se envolvem e criam uma teia de
acontecimentos que nos leva a perceber somente ao final quem verdadeiramente é
o assassino. Nesta composição de fatos, o réu busca por todas as formas
demonstrar-se surpreso com as acusações que lhe são conferidas e procura
persuadir todos ao seu redor a cerca de sua inocência.
80
Figura 53 – Leonard Vole (Tyrone Power) enfrentando, com indignação, a promotoria durante o julgamento.
É certo que a postura tomada pela personagem não deixa que o público
reserve o direito de achar que ele é inocente logo no início do filme, entretanto, fica
claro que também em diversos momentos do filme os papéis se revertem e a
principal suspeita passa a ser sua esposa. É um emaranhado de informações
orquestradas pelo réu e sua esposa, percebido apenas nas últimas cenas do filme.
O verdadeiro desfecho ocorre após a sentença de absolvição do acusado, assim o
narrador faz a seguinte sugestão: “A gerência deste cinema sugere que para maior
entretenimento de seus amigos que ainda não viram este filme, não contem o
segredo do final de Testemunha de acusação”.
4.1.3. O Vento será tua Herança (1960)
Figura 54 – Prof. Bertram T. Cates (Dick York)
81
Betram T. Cates (representado por Dick York), é professor de biologia em
uma escola pública no condado de Hillsboro no estado do Tennessee, ele ensina a
teoria da evolução Darwinista no colégio em questão, conduta esta que o leva ao
banco dos réus, pois a sociedade da época se opunha a ciência que discute o
controverso assunto da evolução versus criação. Sua postura indignada ante a
acusação infundada, permanece durante todo o filme, inclusive ao final quando se
dirige a frente do juiz para ouvir sua sentença. Este apontamento será analisado
logo a abaixo com as figuras que o sedimentam.
O réu namora a filha do pastor local, o que dá maior complexidade aos
seus sentimentos, que embora apaixonado por esta moça sente-se na obrigação de
afastar-se já que está detido. Além do drama psicológico que envolve o réu e sua
namorada, durante o julgamento o promotor de justiça interroga a moça de forma
bastante agressiva, o que prejudica a situação do réu no plenário. Após estes
acontecimentos o próprio réu pede ao seu advogado que não a interrogue mais,
conotando assim que o enredo trata de alguém sentimental. Um réu sensível num
caso de clamor público nos remete à inocência que acreditamos ter sido declarada
logo nas primeiras cenas, quando o professor tem sua aula invadida por pessoas
com câmeras fotográficas dispostas a deporem contra o ministrado em classe.
Em sua ultima oportunidade de falar em juízo Betram, diz que sempre
continuará a se opor da lei injusta que o condenou, continuando a agir na mesma
forma anterior daquela sentença. Nota-se as expressões do ator, que indignado
procura aceitar a sentença. A princípio vemos olhares de um enfrentamento
respeitoso, uma indignação racional, que o leva a demonstrar sua vontade em
querer falar mais alguma coisa, embora recue. Ao final da cena o réu aceita a
sentença, abaixa a cabeça e cruza os braços, porém antes de afastar-se da mesa
do juiz, a personagem novamente retoma o olhar de enfrentamento.
82
Figura 55 – Prof. Bertram T. Cates (Dick York) ouvindo sua sentença
A defesa de ideais também podem fazer parte de um enredo de filmes de
julgamento, afinal embora neste caso o réu não tenha cometido crime contra uma
pessoa necessariamente, segundo a visão fundamentalista o réu afrontou a
sociedade tentando explicar uma teoria que diverge das leis divinas. Esta discussão
também se vê no filme Julgamento em Nuremberg (1961), que embora tenhamos
83
réus distintos, todos eles foram acusados de afrontarem preceitos de dignidade da
pessoa humana em geral, e não por um crime contra uma só pessoa.
4.1.4. Julgamento em Nuremberg (1961)
Figura 56 – Emil Hahn (Werner Klemperer)
Figura 57 – Friedrich Hoffstetter (Martin Brandt)
Figura 58 – Werner Lammpe (Torben Meyer)
84
Em Julgamento em Nuremberg temos uma pluralidade de réus, afinal
trata-se de magistrados que atuavam durante o regime nazista na Alemanha. As
acusações pairavam sobre decisões tomadas durante o nazismo por estas pessoas
que compunham o corpo do judiciário. As decisões pós segunda guerra e
consequente queda do regime nazista, traziam a discussão sobre o prejuízo dos
direitos humanos, sobre as pessoas que foram julgadas por aquele tribunal. Embora
existam quatro réus no filme, apenas um deles nos chama atenção, é o ex-ministro
da justiça Sr. Enst Janning (interpretado por Burt Lancaster). Esta personagem
possui um ilibado saber jurídico, que é reconhecido inclusive pelo juiz Dan Haywwod
(Spencer Tracy), porém este réu passa a maior parte do filme calado, sendo
defendido pelo advogado Hans Holfe (Maximilian Schell), outro admirador da
sapiência jurídica deste réu em questão.
Enquanto os réus Emil Hahn (interpretado por Werner Klemperer),
Friedrich Hoffstetter (interpretado por Martin Brandt) e Werner Lammpe (interpretado
por Torben Meyer), se consideram inocentes em todas as acusações pelo tribunal
instalado, Enst Janning, segundo o advogado de defesa, não reconhece a
competência daquele tribunal a princípio. O juiz, por sua vez, remete-se à
contestação como uma declaração de inocência, embora, nesta cena, entendamos
que um dos réus terá uma postura bastante diferente dos demais. Assim, se
desenvolve este filme, que aponta questões importantes quanto à subtração de
direitos civis e principalmente quanto à degradação dos preceitos da dignidade
humana ocorrida durante o apogeu do terceiro Reich.
O que mais nos chama atenção é que neste filme o réu Enst Janning, faz
um caminho inverso dos demais réus analisados neste trabalho, pois, sua postura
de silencio foi interrompida quando ele se depara com os argumentos usados pelo
advogado de defesa, afinal segundo Enst o espectro do nazismo estava sendo
sumariamente resuscitado ante as afirmações de que ninguém sabia do extermínio
de pessoas.
85
Figura 59 – Advogado Hans Holfe (Maximilian Schell) ouvindo depoimento do réu Ernst Janning (Burt Lancaster)
O testemunho de Janning marca o filme e o resume de maneira que o
público, embora já tenha condenado os réus através de todas as provas
apresentadas pela promotoria, mostra outro aspecto da anuência do povo nazista
quanto as condutas arbitrariamente tomada por aquele governo. Enst busca relatar a
verdade, que não o favorece, tão pouco os demais réu. Esta afirmação, podemos
verificar nos fragmentos selecionados do depoimento de Ernst, o qual passamos a
descrever:
“Eu estava satisfeito em ficar calado durante este julgamento. Satisfeito em cuidar das minhas rosas. Até satisfeito em deixar o advogado tentar salvar meu nome. Até que percebi que para salvá-lo, ele teria que levantar o espectro novamente. O senhor o viu fazê-lo. Ele o fez aqui, neste tribunal. Ele sugeriu que o Terceiro Reich trabalhou em beneficio do povo. Ele sugeriu que esterilizamos homens pelo bem-estar do país. Sugeriu que talvez o velho judeu tenha dormido com uma garota de 16 anos, afinal de contas. Mas uma vez isto foi feito por amor ao país. Não é fácil dizer a verdade, mas se houver alguma salvação para a Alemanha, que sabemos ser culpada, devemos admitir apesar da dor e da humilhação. Eu cheguei ao meu veredicto no caso Feldenstein, antes sequer de entrar na sala do tribunal. Eu o consideraria culpado, quaisquer que fossem as provas. Não era um julgamento em absoluto. Era um ritual de sacrifício no qual Feldenstein era vítima indefesa... Estou ciente! Estou ciente! Meu advogado acredita que não estávamos cientes dos campos de concentração. Não sabíamos. Onde estávamos? Onde estávamos quando Hitler começou a destilar seu ódio no Terceiro Reich? Onde estávamos quando nossos vizinhos eram arrastados no meio da noite para o Nachau? Onde estávamos quando todas as aldeias da Alemanha tinham um terminal ferroviário, onde vagões de gado eram lotados com crianças sendo levadas para seu extermínio? Onde estávamos
86
quando à noite elas gritavam por nós? Éramos surdos? Mudos? Cegos? (...) Meu advogado disse que não estávamos cientes do extermínio de milhões. Ele daria a desculpa de que conhecíamos apenas o extermínio de centenas. E isso nos torna menos culpados? Talvez não soubéssemos os detalhes, mas se não sabíamos, foi porque não quiséssemos saber.... Vou dizer a verdade a eles. Vou dizer a verdade embora o mundo inteiro conspire contra isso. Vou dizer-lhes a verdade sobre o ministério da justiça. Werner Lammpe, um velho que agora chora sobre sua bíblia, um velho que lucrou com a expropriação de propriedade de todos os homens enviados aos campos de concentração. Friedrich Hoffstetter, o bom alemão que sabia como receber ordens, que enviou homens para serem esterilizados em numerosa quantidade. Emil Hahn, o decaído, o fanático, o corrupto obcecado pelo mal dentro de si mesmo. E Enst Jannining, pior que qualquer outro, porque sabia que eles eram acompanhou-os sempre. Ernst Janning, que tornou sua vida em excremento porque os acompanhou”.
Este réu entrega todos os ou outros réus a título da verdade que era
escondida segundo a personagem, por amor a um país culpado por exterminar
milhões de pessoas. Não fica claro que Ernst passa a ter uma crise de consciência
ou se finalmente deixa de ser hipnotizado pelos artifícios utilizados pelo nazismo,
entretanto, temos neste filme um réu que além de se declarar culpado mostra um
arrependimento que supera as expectativas de quem assiste a obra. Seu discurso
inflamado orienta e engrandece o público a cerca dos caminhos percorridos pelos
alemães durante a segunda guerra, sem deixar a culpa e a frustração serem
omitidas.
4.1.5. O Sol é para Todos (1962)
Figura 60 – Tom Robbinson (Brock Peters).
87
Tom Robbinson (interpretado por Brock Peters) é acusado de ter
violentado uma moça branca no condado de Maycomb no estado do Alabama, e
tenta provar junto ao tribunal sua inocência, acreditada e defendida por Atticus Finch
(interpretado por Gregory Peck). As questões raciais que envolvem a trama
perfazem num enredo elaborado e compromissado a discutir questões de ética e
moral, afinal como já temos dito, é contumaz dentre os filmes de julgamento o
enredo perfazer-se em questões relacionadas à época da sociedade. Devemos
lembrar novamente que, em meados dos anos 60, as questões dos direitos civis e
raciais estavam no auge, e os EUA contava com um cenário em cujo líder era
Marthin Luther King que ganharia o prêmio Nobel da paz em 1964.
Outro ponto importante a analisar neste filme, é a figura do réu que
sempre demonstra-se bastante sensível à questão e busca que a sociedade acredite
na sua inocência. Este aspecto nos lembra da figura do réu Jonh Coffey
(interpretado por Michael Clake Duncan) em À Espera de um Milagre (Green Mile,
Frank Darabond, 1996), que foi acusado de assassinar duas crianças brancas.
Embora A espera de um milagre (1996) não seja um filme de julgamento
propriamente dito, ambas as personagens possuem características maiores que
somente a cor da pele, pois os dois se emocionam ao serem indagados de um crime
que não cometeram, e trazem um tom de inocência em suas vozes, que, embora
tenham tonalidade grave, possuem uma doçura. Além disso, ambas as personagem
detém a força física em comum, claro que em proporções distintas, porém ambos
poderiam destruir o tribunal sem muitos esforços.
Figura 61 – Tom Robbinson (Brock Peters) e Jonh Coffey (Michael C. Duncan) em O sol é para todos (1962) e À espera de um Milagre (1996), respectivamente.
Tom Robbison assim como Jonh Coffey, são injustiçados pela sociedade
que os condenam arbitrariamente, injustiça essa que os levam a morte, o que nos
88
faz pensar se foram as personagens ou a inocência que deixou de existir naquela
sociedade em questão.
4.1.6. O Veredicto (1982)
Figura 62 – Dr. Robert S. Towler (Wesley Addy)
O Veredicto (1982) trata de um caso de erro médico, ocorrido no Hospital
St. Catherine Labouré. Dois médicos são acusados de ter cometido um erro que
levou a paciente a perder toda a capacidade de fala, mobilidade e audição. O
anestesista Dr. Robert S. Towler e o Dr. Sheldon F. Marx (réu falecido na trama) são
os indiciados na questão.
Dr. Towler tem uma postura bastante arrogante durante o julgamento.
Entretanto ao ser chamada a testemunha Kaitlin Castello Price (interpretada por
Lindsay Croise), enfermeira demitida do Hospital, o réu demonstra desconforto, o
que leva o público a ter certeza de sua culpa quando ao erro médico que acometeu
a vítima. Este é o primeiro momento que ficamos sabendo o que verdadeiramente
aconteceu no caso, tendo em vista que a testemunha comprova e indica a alteração
na ficha médica da paciente que se tornou vítima após este procedimento
inadequado. O mais interessante que quando indagado sobre a administração de
anestesia geral a paciente que teria acabado de fazer uma refeição, o réu enfatiza
de forma tranquila, ser esta uma conduta criminosa, pois ensejaria em um efeito
colateral danoso ao cérebro, embora também relate que este procedimento não
aconteceu no caso, a administração da anestesia nestas circunstancias é a única
maneira de explicar os danos causados na vítima.
89
Figura 63 – Dr. Robert S. Towler (Wesley Addy) ao ouvir o nome da testemunha Kaitlin Castello Price
Neste filme a figura do réu é menos relevante que nos dois filmes
anteriores, pois não possuem grande movimentação na trama, porém o filme trata
de uma situação de cooperação entre o médico que agiu de forma errada e o
hospital, afinal ambos precisam manter seus nomes ilesos de tamanha atrocidade
cometida em uma jovem.
4.1.7. O Homem que Fazia Chover (1997)
Figura 64 – Wilfred Keeley (Roy Scheider)
Em O Homem que Fazia Chover o réu é uma empresa de seguros de
saúde, esta empresa age de forma bastante prejudicial com seus segurados,
indeferindo tratamentos de forma infundada, apenas para lucrar e não ter nenhum
gasto com seus clientes. Esta empresa é representada pelo diretor-executivo Wilfred
Keeley (representado por Roy Scheider), chamado como testemunha no julgamento,
90
porém é apontado mesmo que implicitamente como réu da questão, afinal logo no
início do seu depoimento o assistente da acusação já indica que Wilfred é o “homem
da última palavra” dentro da empresa, já que é diretor-executivo. Esta testemunha
figurando como uma espécie de ‘réu subentendido’ se dá efetivamente quando o pai
do garoto morto o Sr. Buddy Black (interpretado por Red West), lhe mostra uma foto
do garoto quando ainda vivo, o que faz Wilfred deixar o tribunal às pressas, quase
que fugindo da situação.
Figura 65 – Pai do jovem morto por leucemia mostrando a foto dele da vítima
91
4.2. O Promotor de Justiça
Neste item discorreremos sobre a atuação da personagem do promotor de
justiça nos filmes de julgamento. Primeiramente é importante identificarmos qual é a
função da promotoria nos julgamentos. O promotor de justiça é aquele que possui a
função de promover a justiça, ou seja, ele existe para defender o estado dos
prejuízos causados por condutas criminosas, inclusive quando trata-se da morte de
um cidadão por exemplo. A promotoria acusa o suspeito e tentar provar a autoria do
crime, bem como os meios utilizados para a realização do delito. O promotor figura
como advogado do estado, sendo este obrigado a denunciar qualquer tipo de lesão
sofrida mediante a afronta da lei estabelecida16. Nos casos que acontecem em
filmes de julgamento, a competência do promotor não é diferente, nem poderia, já
que afirmamos que os filmes de julgamento representam uma realidade, embora não
tenhamos em todos os filmes esta personagem, percebemos que quando ela
aparece é porque existe uma função dentro do enredo.
Em nosso objeto de estudo inexistem as personagens de promotores de
justiça nos filmes: Doze Homens e uma Sentença (1957), O Veredicto (1982) e em O
Homem que Fazia Chover (1997). No primeiro o promotor de justiça não aparece
porque a história começa ao final da seção plenária, ou seja, a história se inicia
durante os votos dos jurados, o que indica que defesa (advogado) e acusação
(promotor de justiça), já realizaram seus trabalhos em convencer os jurados da
culpabilidade ou não do réu. Em O Veredicto (1982) e O Homem que Fazia Chover
(1996), trata-se o processo de ação indenizatória cujas partes são particulares, sem
envolvimento do estado, afinal ambos os enredos versam sobre a questão de erro
médico e indeferimento de tratamento médico, e não na morte das vítimas. Nestes
casos são advogados que acusam e defendem seus clientes, sem o uso da
promotoria de justiça, qual participaria apenas se em um desses casos envolvessem
menores de 18 anos.
16
É uma função essencial à justiça, pois os membros do Ministério Público, (promotores de justiça) são responsáis pela defesa da ordem jurídica, cabendo-lhes privativamente a iniciativa da ação penal pública incondionada (processos criminais onde o delito é considerado grave o suficiente para que seja apurada a culpa independentemente da vontade ou iniciativa do ofendido).
92
4.2.1. Testemunha de Acusação (1957)
Figura 66 – Sr. Myers (Torin Thatcher)
Em Testemunha de Acusação (1957), Sr. Myers (representado por Torin
Thatcher) é o promotor de justiça que acusa Leonard Vole (Tyrone Power) pelo
assassinato de Emily Jane French. Sua desenvoltura no tribunal marca o equilíbrio
das partes, pois o jeito mais reservado e centrado do promotor compensa a
irreverência advogado de defesa Sr. Wilfrid (Charles Laughton). Neste filme não
vemos um duelo entre promotoria e acusação, talvez seja a maneira inglesa de se
compor as discussões, entretanto ambos papeis são antagônicos, com um leve
toque de humor inglês.
Neste filme não vemos discussões diretas entre a promotoria e a defesa,
porém é obvio que existem trocas de farpas, com uma sutileza e delicadeza tão
educadas que passa a ser uma característica neste julgamento. Quando da abertura
de uma das seções plenárias, o promotor de Justiça sente a ausência do advogado
e com toda certeza indica esta ausência com palavras tão cordiais que chega a suar
bem aos ouvidos, esta sutileza demonstraremos com a fala da personagem que
passamos a expor:
(...) Com sua permissão excelência. Membros do júri, eu estou neste caso com meu colega, Sr. Barton, pela acusação, e meus amigos Sir. Wilfred Robbarts e o Sr. Brogan Moores, na defesa (Meyrs olha na cadeira de Wilfred e não o vê). Imagino que não seremos privados da presença de Sir Wilfred (...) Posso expressar meu lamento que sir Wilfred esteja levemente incapacitado? (Fala Sr. Myers).
93
Ao afinal do julgamento vemos um aceno respeitoso da promotoria
quando a sentença absolve o réu da acusação, aceno este que só é visto pelo
assistente da defesa, posto que o defensor esta reparando no olhar de alívio da
esposa do réu, que só depois de avisado acena para promotoria.
Figura 67 – Sr. Myers (Torin Thatcher) acenando para a defesa parabenizando a vitória
4.2.2. O Vento será tua Herança (1960)
Figura 68 – Matthew Harrison Brady (Fredric March)
Mr. Brady é um líder religioso fundamentalista que possui uma legião de
pessoas dispostas a ouvir tudo que ele tem a dizer sobre religião e justiça, e
justamente por ser tão influente e com interesses políticos, ver figura acima, se
dispõe a figurar como promotor de justiça acusando o professor que infringe a lei
ensinando a teoria Darwinista na escola pública de Hillsboro.
Ao contrário do filme que acabamos de analisar, em O Vento será tua
Herança (1961) existem debates inflamados entre o acusador (promotor de justiça) e
o advogado de defesa. Estes debates são intensos e levam o público a assistir
debates de opiniões e contraposições religiosas que versam sobre a seriedade da
ciência versus fé religiosa. Embora os advogados de defesa e acusação sejam
94
conhecidos e até amigos, durante a seção plenária as partes de digladiam, postura
bastante recorrente em julgamentos.
As personagens são extremamente antagônicas, inclusive fora do tribunal.
Em um diálogo entre os dois personagens na varanda do hotel onde estavam
instalados, percebemos uma mistura de amizade e conflitos ideológicos, que
separam as duas figuras com personalidade fortes e distintas, colocando-as em
lados opostos da trama.
Figura 69 – Matthew Harrison Brady (Fredric March)
Após conseguir que todas as testemunhas da defesa fossem
desconsideradas e não ouvidas pelo juízo por serem especialistas nas teorias
Dawinianas, não reconhecidas por aquele tribunal, o advogado de defesa se exalta e
acaba sendo intimado por desacato pelo Juiz. Assim após uma longa noite de
reflexão o advogado de defesa pede ao juiz, reconsideração da intimação anterior e
perdão pelo que foi dito o que foi deferido pelo juiz. Não satisfeito o acusador num
tom irônico com risadinhas intermitente disse: (...) “Ele é conhecido por ter escondido
passatempos anteriores. Talvez ele volte para a casa tendo aprendido uma lição. E
sugerimos a ele que aprenda as palavras Dele, que disse: “Se tens sede, vem a
mim, e eu te darei vida”. O tom sarcástico e arrogante do acusador é visto desde o
início do filme, entretanto sua sede de ser ouvido a todo tempo em pregações e
defesas da lei divina o leva a um ataque, aparentemente cardíaco, após o
julgamento que condenou o réu a uma pena de multa de US$ 200,00.
95
4.2.3. Julgamento em Nuremberg (1961)
Figura 70 – Coronel Tad Lawson (Richard Widmark)
O Coronel Tad Lawson (interpretado por Richard Widmark) é o promotor
de justiça do filme O Julgamento em Nuremberg (1961). Esta personagem é
bastante importante no enredo, embora não seja a personagem principal, pois este
filme coloca como protagonista a figura do juiz Dan Haywwod (Spencer Tracy), o
Coronel Lawson é uma personagem bastante importante, pois busca uma pena
severa aos réus acusados juízes nazistas, que usaram seus cargos para permitir e
legalizar atrocidades contra o povo judeu durante a segunda guerra mundial. Neste
sentido, o promotor tenta fazer com que o juiz não seja influenciado por depoimentos
de civis nazistas durante a trama, se utilizando de discursos robustos, com de
elementos jurídicos fortes e provas sólidas.
Homem sério, de personalidade marcante, em nenhum momento deixa
abater-se com possíveis indagações de que o estado do qual é militar (EUA)
também pratica esterilização de enfermos mentais em um de seus estados. Como
um bom patriota e promotor de justiça, traz ao julgamento provas que corroborem
com o convencimento da culpabilidade dos réus quanto às acusações que foram
feitas. Embora pareça ter um jeito explosivo, conota num homem que tem princípios
e os respeita com muita veemência. Na trama, o promotor é o contra ponto da
bondade do juiz e da loucura cega vivida pelos nazistas em seu apogeu, pois em
momento algum esmorece diante dos argumentos da defesa. Seu discurso logo no
96
início do filme é contundente e demonstra um ilibado saber jurídico do emissor, o
qual não podemos deixar de citar:
(...) O caso é raro já que os réus são acusados de crimes cometidos em nome da lei. Estes homens, junto com seus colegas mortos ou desaparecidos, são a purificação do que se passou na justiça alemã durante o terceiro Reich. Os réus serviam como juízes durante o período do terceiro Reich. (...) Portanto meritíssimos, como juízes magistrados sentarão em julgamento de juízes como réus. E é assim que deve ser. Porque apenas um juiz sabe, o quanto um tribunal significa mais do que a própria sala do mesmo. O processo é um espírito. È a casa da lei. (...) Os réus sabem disso. Eles conhecem bem as salas dos tribunais. Sentaram-se com suas togas negras e distorceram, perverteram e destruíram a justiça e a lei na Alemanha. Isto por si só é um grande crime, sem dúvida alguma. (...) Mas a promotoria não esta chamando os réus para prestarem contas por violação de garantias constitucionais ou por impedirem os devidos processos legais. A promotoria esta chamando para prestarem contas de crimes, brutalidades, torturas, atrocidades! (...) Eles partilham com os líderes do terceiro Reich as responsabilidades pelos mais malignos calculistas e devastadores crimes na história da humanidade! Eles são talvez mais culpados que alguns outros. Por que conseguiram a maturidade muito antes de Hitler ascender ao poder. Suas mentes não estavam deturpadas numa idade jovem pelos ensinamentos nazistas. (...) Eles abraçaram as ideologias do terceiro Reich como adultos educados quando a maioria deles deveria ter valorizado a justiça. Aqui eles receberão a justiça que negaram aos outros. Eles serão julgados de acordo com as provas aqui apresentadas. A promotoria nada mais pede. (Julgamento em Nuremberg, 1961).
O discurso acima é apresentado diante de imagens em primeiro plano que
giram 360° em torno da cabeça do promotor de justiça. Este tipo de jogo de câmera
denota uma seriedade, pois enfatiza a situação e buscando uma maior atenção do
público diante o discurso do promotor de Justiça. Este uso da câmera é bastante
utilizado no filme abordado.
O giro 360º é continuo, e por isso prende a atenção do espectador, dando-
lhe ainda uma noção de amplitude de cenário, pois embora enfatize a pessoa que
esta centralizada em primeiro plano, mostra como pano de fundo tudo o que esta
acontecendo ao redor daquele monólogo.
97
Figura 71 – Coronel Tad Lawson (Richard Widmark), giro da câmera 360º
Mesmo não sendo o protagonista, o Coronel Tad Lawson, realmente
enriquece o enredo de forma eficaz nas cenas de julgamento.
98
4.2.4. O Sol é para Todos (1962)
Figura 72 – Sr. Gilmer (William Windom)
Em O Sol é para Todos (1962), temos como promotor de justiça o Sr.
Gilmer (interpretado por William Windom). Esta personagem é muito diferente das
demais analisadas neste trabalho, afinal possui uma postura bastante singular
durante o julgamento. Ele possui um jeito desleixado, sua gravata sempre esta do
avesso, conforme imagem à direita acima, sua fala não conota um conhecimento
jurídico, também observamos que em quase todas as cenas no plenário ele esta
com a caneta na boca. Como se não bastasse a personagem interroga a vítima
sentado sobre a mesa, conforme imagem abaixo.
Figura 73 – Sr. Gilmer (William Windom) interrogando Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton)
Realmente esta personagem é única dentre os filmes que analisamos,
afinal não contou com um grande discurso e muito menos demonstrou sapiência
jurídica, e mesmo assim teve o veredicto favorável. Isso nos leva a pensar que este
julgamento já havia sido decidido antes mesmo de ir a plenário, pois o filme trata de
uma conduta social que na época era norma, e que se alguma pessoa branca se
envolvesse com uma pessoa negra, certamente não seria vistos com bons olhos.
99
Neste caso em questão, o advogado Atticus Finch deixou claro e provado que Tom
Robbinson jamais tocará em Mayella, entretanto mesmo com provas superficiais da
acusação, os jurados decidiram por julgar o réu culpado.
4.3. Os Juízes
Neste item trataremos da analise nos juízes nos filmes de julgamento. De
certo em alguns filmes que compõem o objeto deste estudo, a personagem do juiz
torna-se irrelevante para a trama, porém sua existência se faz necessária para que a
representação do julgamento seja fiel à realidade. Os juízes que aparecem em Doze
Homens e uma Sentença (1957) e Testemunha de Acusação (1957), pouco fazem
ao discorrer da trama, o que nos levou a suprimi-los do rol aqui apresentado.
Atentaremo-nos nas personagens que fizeram alguma diferença no enredo,
identificando melhor sua postura e sua atuação na narrativa.
Os juízes no tribunal do júri popular possuem a competência de presidir a
seção plenária, estabelecendo à ordem durante o julgamento e valorando a pena
imposta quando o réu é declarado culpado pelos jurados. Isso ocorre nos crimes
cujas partes são pessoas civis e não militares. Já quando tratamos de filmes nos
quais as partes são militares ou quando um tribunal é instituído para julgar crime
ocorridos em época de guerra, teremos como jurados ou um corpo de militares, ou
um corpo de juízes, que chegaram ao veredicto de culpabilidade e valorizaram a
pena a ser cumprida, conforme o filme Julgamento em Nuremberg (1961).
Os juízes se comportam de maneira imparcial durante a seção plenária,
deferindo ou não pedidos realizados pelas partes durante o julgamento. É este
profissional indicado para manter ou não os protestos durante o procedimento,
reconhecendo ou não testemunha apresentada no decorrer da audiência (Torino,
2010, p. 497). Como falamos em capítulos anteriores, em alguns locais os juízes se
utilizam de uma vestimenta chamada beca, embora notaremos a seguir que em O
Sol é para Todos, o juiz Taylor (representado por Paul Fix), faz uso de terno branco
e o juiz Mel Coffey (Harry Morgan) do filme O Vento será tua Herança (1960) que faz
uso de terno e gravata escuros.
100
4.3.1. O vento será sua Herança (1960)
Figura 74 – Mel Coffey (Harry Morgan)
Mel Coffey (interpretado por Harry Morgan) é o juiz do caso “dos
macacos”, na pequena cidade de Hillsboro. Por se tratar de questões que envolvem
religião e ciência, o juiz Coffey acaba por se deparar com uma cidade alvoroçada,
que protesta por dias e noites pela condenação do professor cujo crime foi ensinar a
teoria de Charles Darwin na escola pública local. O juiz por muitas vezes teve que
chamar a atenção pela ordem dentro do tribunal, conforme figura direita acima, pois
dentro do plenário estavam todos os técnicos do direito, somados a população e os
repórteres que transmitiam ao vivo o julgamento. Em meio desta confusão, o juiz
Coffey manteve a postura e até certa serenidade mesmo quando afrontado por um
discurso inflamado do advogado de defesa, que foi intimado por desacato, e
perdoado pelo juiz na seção do dia seguinte com as seguintes palavras:
(...) Meus amigos... coronel Drummond... O homem que acredito ter vindo ao mundo para nos salvar dos pecados ensinou que era divino perdoar, eu acredito nesses princípios. Aceito as desculpas do coronel Drummond. E retiro a intimação de desacato. (Fala / Juiz Coffey).
Figura 75 – Entrada do tribunal de Hillsboro nos dias de julgamento.
101
Durante o julgamento percebemos que o juiz Coffey tenta ao máximo
cumprir com o compromisso perante a justiça, e deferi todos os pedidos que a
acusação faz para que não fossem ouvidas testemunhas que a defesa apresentava,
pois eram especialistas em ciências não reconhecidas por aquele tribunal. Assim,
mesmo que ao nosso olhar o juiz concordou com o cerceamento de defesa, restou
claro que ele estava agindo conforme os preceitos normativos da época, que faz
parte de sua função dentro da audiência. O juiz Coffey, ao final do julgamento,
pouco antes do veredicto dos jurados, foi abordado e informado que os jornais não
estavam sendo muito agradáveis com a corte local, e que seria muito importante ele
amenizar a pena, pois as eleições estavam próximas. Posto isto, o juiz
fundamentando-se da premissa de que jamais ninguém teria sido julgado por aquele
tipo de crime, e que teria duas alternativas, a pena privativa de liberdade ou multa,
optou por multar o réu declarado culpado.
4.3.2. Julgamento em Nuremberg (1961)
Figura 76 – Dan Haywwod (Spencer Tracy)
No filme Julgamento em Nuremberg temos como juiz Dan Haywwod
(interpretado por Spencer Tracy), foi nomeado pela justiça americana a ir a
Nuremberg na Alemanha para presidir os julgamentos cujos réus são magistrados
que atuavam na época do terceiro Reich. Estes réus permitiam e legalizavam
praticas como esterilização, torturas, assassinatos e confiscação de bens do povo
judeu, ciganos e enfermos físicos e mentais.
102
O Juiz Dan é um homem bastante simples, vindo do interior de Maine,
porém muito bondoso e inteligente. Ao informar o senador Burkette (interpretado por
Ed Binns), de que não necessitaria de três empregados e que se sentia um tolo com
todo aquele luxo oferecido pelo estado Americano, afinal estava num lugar
devastado pela segunda guerra mundial, o senador lhe disse que todos os
empregados comiam naquela casa, assim o juiz Dan o responde: “Bem, eu preciso
de três criados”. (Juiz Dan Haywwod, Julgamento em Nuremberg, 1961). O juiz Dan
também sabe que não foi nem a primeira e nem a décima opção dos EUA para
presidir estes julgamentos, pois desde o início do filme ele deixa claro que muitos se
recusaram a fazer o trabalho, mesmo porque na eminência da guerra fria, ninguém
mais queria animosidades com países aliados dispostos a esquecer o passado.
Sendo assim, Dan Haywwod inicia seus trabalhos em Nuremberg, e
meses se passam até o veredicto final. Os réus foram sentenciados a prisão
perpétua, sendo esta decisão muito criticada pelas circunstâncias em que o mundo
vivia na época. Dan foi abordado pelo advogado de defesa Hans Holfe que lhe
informou que o réu Ernst Janning gostaria de vê-lo, e lhe disse ainda que em cinco
anos, os homens que havia sentenciado a prisão perpétua estariam livres. Com esta
afirmação o juiz Dan lhe respondeu:
“Herr Holfe, admirei seu trabalho no tribunal, durante muitos meses. É particularmente brilhante no uso da lógica. Portanto o que sugere pode muito bem acontecer. É lógico em vista dos tempos em que vivemos. Mas ser lógico não é estar certo. E nada neste mundo de Deus, poderá corrigir o certo” (Fala / Dan Haywwod).
O juiz consegue numa única fala fundamentar que sua decisão embora
provavelmente não seja cumprida inteiramente, promove a questão de ter assumido
e cumprido com seu papel, mesmo contra as circunstancias vividas por aquele país
naquela época. Reforçando seu papel e atuando como ser humano provido de
princípios e ética, Dan vai até o presídio que encontrava-se o réu Janning, adentra
em sua cela, curioso com o que aquele juiz sentenciado a prisão perpétua queria
com sua presença, e recebe de bom grado um fichário com os casos sentenciados
por aquele juiz/réu. Janning se manifestou no sentido de que precisava que o juiz
Dan acreditasse que ele não sabia que sua conduta restaria em todas aquelas
atrocidades. Dan desolado pelo discurso do réu, lhe confere as seguintes palavras:
103
“Herr Janning, concluiu isso na primeira vez que sentenciou a morte, um homem que
sabia ser inocente?”. (Juiz Dan Haywwod, Julgamento em Nuremberg, 1961).
Mais uma vez a personagem marca com um tom de sabedoria jurídica as
questões trazidas pelo enredo, objetivando assim o alcance da justiça, mesmo
quando ela não é exercida na sua integralidade pelos homens.
4.3.3. O Sol é para Todos (1962)
Figura 77 – Juiz Taylor (Paul Fix)
Em O Sol é para Todos, o Juiz Taylor (interpretado por Paul Fix), preside o
julgamento de um rapaz negro acusado de ter estuprado uma moça branca. Taylor
antes do início do julgamento, procura o advogado Atticus Finch (Gregory Peck), e o
nomeia como defensor do réu, que na verdade não foi por bondade
necessariamente, foi porque todos temos o direito de uma defesa técnica nestes
tipos de caso, e ausência de advogado para o réu torna o processo nulo. Assim
Atticus passa a ser advogado de Tom Robbinson.
Figura 78 – Juiz Taylor (Paul Fix) e Atticus Finch (Gregory Peck) nomeação do advogado no caso de Tom Robbinson
104
Durante a seção plenária, o juiz Taylor é muito imparcial, e procura intervir
o menos possível nos debates, que ocorrem de forma pouco inflamada entre as
partes. O juiz Taylor também não tem uma grande participação durante o filme,
embora seja elemento essencial para composição do julgamento.
4.3.4. O Veredicto (1982)
Figura 79 – Juiz Hoyle (Milo O’Shea)
No filme O Veredicto (1982), a personagem do Juiz Hoyle (interpretado por
Milo O’shea) é quem preside o julgamento. Esta personagem é muito distinta das
demais aqui analisadas, pois aparenta ser bastante corruptível nas questões que
dependem de suas funções. Embora não tenha sido subornado, resta claro que o
juiz Hoyle não é o mais ético magistrado, primeiramente que trata do caso como
simples negócio, numa reunião preliminar de tentativa de acordo dizendo: “Vamos
aos negócios! Já tentaram resolver suas diferenças? Pouparia muito tempo e
trabalho ao estado.” (Taylor, O veredicto, 1982).
Os esforços do juiz para que fosse fechado o acordo em US$ 210.000,00,
nos leva a crer que ele não estava disposto a ter mais um julgamento em sua
carreira de magistrado. Quando o advogado de acusação Frank Galvin (Paul
Newman), diz que o caso é complicado e por isso não aceitará o acordo, Hoyle
responde: “Se nós o achamos complicado, imagine os jurados”, demonstrando mais
uma vez certa descrença no sistema do qual é juiz. Durante toda a história Hoyle
tenta cercear a acusação, em uma das cenas, quando Galvin vai à casa de Hoyle
pedir prorrogação do prazo, porque a única testemunha que tinha sumiu sem deixar
105
vestígios, o discurso do juiz é extremamente tendencioso: (...) “Deveria ter aceitado
a oferta. Principalmente se não esta preparado... Esse caso não deveria ir a
julgamento. Mas você é o Sr. Sabichão, o Dr. Independente. Quer ser
independente? Você é independente agora. Não tenho pena de você” (Fala / Juiz
Taylor).
Diferentemente dos demais juízes aqui apresentados o juiz Hoyle não
apenas preside o julgamento, como também interroga a testemunha da acusação,
forçando-a dizer que não havia negligência médica no caso. Esta conduta é
extremante parcial tornando nítida sua posição perante todo o plenário. Como se
não bastasse o juiz Hoyle ameaça denunciar Galvin para o conselho de ética da
ordem dos advogados. Porém o advogado da acusação com sua destreza jurídica
contra ataca ameaçando pedir a anulação do processo e a interdição do juiz, por ser
tendencioso. Este conflito se dá assim que a seção plenária é suspensa, o que deixa
a acusação muito prejudicada, pois o depoimento foi interrompido arbitrariamente
pelo próprio magistrado.
Figura 80 – Juiz Hoyle (Milo O’Shea) interrogando Dr. Thompson (Joe Seneca)
O desfecho deste filme se deu de forma favorável a vítima de erro médico,
entretanto só se chegou a este veredicto por provas e boa representatividade de
advogado de acusação, pois se a decisão fosse apenas do juiz e não dos jurados,
certamente o final deste filme seria diferente.
106
4.3.5. O Homem que Fazia Chover (1997)
Figura 81 – Juiz Harvey Hale (Dean Stockwell) e Juiz Tyrone Kipler (Danny Glover)
No filme O Homem que Fazia Chover (1997), o caso em questão teve
como juízes duas personagens, a personagem do juiz Harvey Hale (interpretado por
Dean Stockwell) que morreu no decorrer do processo, sendo este substituído pela
personagem do juiz Tyrone Kipler (interpretado por Danny Glover), que prosseguiu
na história até o veredicto. Estes dois juízes são personagens de personalidades
bastante distintas, pois a conduta do juiz Hale se parece muito com a do juiz Hoyle
de O Veredicto (1982), afinal ambos possuem discursos tendenciosos e aparentam
ser corruptos. A postura do juiz Tyrone Kipler, é extremamente diferente do juiz que
substituiu. No decorrer do processo se demonstrou um homem muito ético e
comprometido com a justiça, nos remetendo um pouco ao juiz Dan Haywwod de
Julgamento em Nuremberg (1961). Estas comparações são feitas porque vemos
semelhanças entre personagens que compõem o mesmo núcleo no enredo, o que
propicia um olhar de análise entre personagens. Como por sorte da acusação o juiz
Hale pouco atuou no feito, nos atentaremos mais ao juiz Kipler.
Figura 82 – Juiz Tyrone Kipler (Danny Glover) reunião para designar o dia do depoimento do requerente e Juiz Tyrone ouvindo o requerente
O Juiz Tyrone Kipler foi uma das personagens principais deste enredo que
enche os corações dos estudantes de direito, afirmamos isso porque a própria
autora deste trabalho se inspirou neste filme para iniciar sua carreira no direito e na
107
academia. Kipler é essencial para a trama, porque traz uma seriedade ao caso em
questão, que não víamos no início do filme com o juiz Hale. Talvez se o advogado
do filme O Veredicto (1982) tivesse no caso um juiz como Tyrone Kipler, certamente
a vitória seria mais fácil. Entretanto não significa que Kipler agiu contra a defesa, ele
simplesmente acompanhou, o caso com sobriedade e ética, agilizando o processo
por se tratar de pessoa muito enferma, e presidindo depoimentos de forma muito
comprometida com os procedimentos judiciais adequados, sendo certo que o
veredicto favorável à acusação foi dado pelos jurados que se embasaram nas
provas apresentadas, no depoimento do requerente e das testemunhas. Este filme
torna-se singular pelo desfecho que não obstante satisfez as expectativas do público
quanto à sentença proferida, porém ninguém se tornou milionário já que a empresa
condenada abriu falência.
4.4. Os Jurados
Os jurados são pessoas escolhidas para funcionarem como julgadores de
questões judiciais de competência do tribunal do júri. Não adentraremos muito na
questão de conceitos, pois a legislação brasileira é bastante diferente da americana,
sendo aqui julgados pelo tribunal do júri somente os crimes dolosos tentados ou
consumados contra a vida, porquanto que a legislação estadunidense se utiliza
destes tribunais para julgar questões diversas, como indenizatórias, por exemplo.
Nos EUA, os jurados são compostos por doze pessoas, este número segundo a
história mítica dos tribunais do júri que ouvimos quando estudantes de direito,
advém de invocar Deus como testemunha, assim a reunião de doze homens de
consciência pura mais a invocação divina, a única verdade surgiria.
Os filmes de julgamento nem sempre se utilizam das personagens dos
jurados para desenvolver a trama, a maioria dos filmes mostram efetivamente os
jurados ao final, quando estes estão dizendo seus veredictos. Entretanto, alguns
filmes de julgamento são baseados nas personagens dos jurados, como exemplos
Doze Homens e uma Sentença (1957), O Júri (Runaway Jury, Gary Fleder, 2003) e
A Jurada (The Juror, Brian Gibson, 1996). Neste item falaremos apenas dos filmes
108
cujos jurados participaram além do veredicto, assim conseguimos identificar a
relevância deste núcleo em determinados enredos.
4.4.1. Doze Homens e uma Sentença
Figura 83 – Os Jurados
O filme Doze Homens e uma Sentença (1957) é inteiramente baseado na
discussão de doze jurados a cerca da culpabilidade ou não do jovem porto-riquenho
acusado de ter matado o próprio pai. Este enredo versa não somente sobre o crime
propriamente dito, dado que alguns dos jurados tem suas vidas afloradas durante o
enredo o que torna a história ainda mais consistente. Doze homens são incumbidos
de decidir sobre a inocência ou não do acusado, que caso fosse declarado culpado,
sua sentença seria a pena de morte. Somente o jurado nº 08, Davis17 (interpretado
por Henry Fonda) não acredita ser o réu culpado. Como o júri deve ter seu voto
unânime, começa uma discussão sobre o caso, que leva todos os jurados que antes
optavam pela culpa, absolverem o acusado.
17
Citado no capítulo 4 Percalços de um Protagonista.
109
O Jurado nº 01, representado por Martin Balsan, (Figura 84) é técnico de
futebol americano e ministra aulas de educação física, sua atuação no júri foi o de
presidente da mesa, sendo ele responsável de colher votos, contá-los e apresentar
ao juiz quando do retorno em plenário. Ele foi o 9º jurado a se convencer da
inocência do réu.
Figura 84 – Jurado nº 01. (Martin Balsan)
O Jurado nº 02, representado por Jonh Fieldler, (Figura 85), é um
bancário pretensioso que busca vantagem nas situações, entretanto após a
discussão aparentemente demonstra-se menos ganancioso. Este jurado foi o 5º a se
convencer da inocência do acusado.
Figura 85 – Jurado nº 02. (Jonh Fieldler)
110
O Jurado nº 03 (Figura 86). Este é o jurado que mais teve sua vida
exposta durante a discussão que envolvia o enredo, empresário e pai rescentido
pelo desprezo do filho, foi o último jurado a se convencer da inocência do acusado.
Ao final da história, o jurado nº 03 é consolado pelo jurado nº 08, o qual conflitou
praticamente durante todo o filme. Uma cena comovente que mostra a frustração e a
mudança de opinião do jurado nº 03, que parece ter aprendido alguma coisa com a
experiência vivida naquela sala.
Figura 86 – Jurado nº 03. (Lee.J. Cobb)
O Jurado nº 04, interpretado por E. G. Marshall, (Figura 87) é especulador
da bolsa de valores, e por ser bastante lógico reluta em mudar de ideia sendo o 11º
jurado a se convencer da inocência do réu.
Figura 87 – Jurado nº 04. (E. G. Marshall)
111
O Jurado nº 05, interpretado por Jack Klugman, (Figura 88) foi o 3º jurado
a se convencer da inocência do acusado. Nascido e crescido em uma favela, por
várias vezes se sentiu ofendido por afirmações preconceituosas sobre as pessoas
que vivem nestas condições. Ele e o jurado nº 11 possuem características comuns
com o acusado, que neste caso ambos, jurado nº 05 e o réu viveram em favelas,
com moradias precárias e com muitas dificuldades financeiras.
Figura 88 – Jurado nº 05. (Jack Klugman)
O Jurado nº 06, interpretado por Edward Binns, (Figura 89) é um pintor de
parede humilde, porém com princípios bastante virtuosos, este jurado foi o 6º a se
convencer da inocência do acusado.
Figura 89 – Jurado nº 06. (Edward Binns)
112
O Jurado nº 07, interpretado por Jack Warder, (Figura 90) é um fã de
esportes, que pouco se importa com a questão do julgamento, agindo de forma
bastante indiferente. Este jurado é o 6º a se convencer da inocência do réu.
Figura 90 – Jurado nº 07. (Jack Warder)
O jurado nº 08, chamado Davis e interpretado por Henry Fonda, (Figrua
91) arquiteto, foi o único jurado que acreditou na inocência do acusado desde o
início. É a partir da dúvida dele quanto a culpabilidade do réu que o enredo se
desenvolve. Verificamos que Davis, passa a ser um implícito advogado de defesa
deste acusado, pois embora ele não seja o próprio advogado, defende o acusado e
consegue convencer todos os jurados pela sua inocência. Essa questão discutimos
no capítulo 4 Percalços de um protagonista.
Figura 91 – Jurado nº 08, Davis. (Honry Fonda)
113
O Jurado nº 09, Sr. McArdle e interpretado por Joseph Sweeney, (Figura
92), foi o 2º jurado a acreditar na inocência do acusado. Sábio acabou por ajudar
Davis durante a defesa da tese de inocência do réu. McArdle e Davis são os únicos
que possuem nomes próprios, ditos apenas nos últimos segundos do filme.
Figura 92 – Jurado nº 09, McArdle. (Joseph Sweeney)
O Jurado nº 10, interpretado por Ed Begley, (Figura 93) é um dono de
oficina e possui uma visão preconceituosa e infundada a respeito do réu e de todos
que possuem uma vida menos abastada. Talvez seja por isso que ele foi o 10º
jurado a se convencer da inocência do acusado.
Figura 93 – Jurado nº 10. (Ed Begley)
114
O Jurado nº 11, interpretado por George Viskovec, (Figura 94) é um
relojoeiro imigrante e por isso é um dos jurados que possui características em
comum com o réu que neste caso, ambos jurado e réu são estrangeiros, sendo ele o
4º jurado a se convencer da inocência do réu.
Figura 94 – Jurado nº 11. (George Viskovec)
O Jurado nº 12, interpretado por Robert Webber, (Figura 95) é um
irreverente publicitário, que procura mostrar seus dons desenhando slogans e
logotipos, num papel e mostrando aos outros jurados durante a discussão. Ele é o 8º
jurado a se convencer da inocência do jovem acusado.
Figura 95 – Jurado nº 12. (Robert Webber)
No filme Doze Homens e uma Sentença (1957), todos os jurados fazem
parte do enredo, o que não acontece na maioria dos filmes de julgamento. Neste
115
caso é de suam importância o modo de pensar de cada um. Uns mais centrados
com princípios e virtudes admiráveis e outros que possuem opiniões
preconceituosas e presunçosas, porém quando analisamos um contexto geral, todas
as opiniões contribuem para que o jurado elegesse a justiça diante dentro da trama
4.4.2. O Homem que Fazia Chover (1997)
Figura 96 – Billy Potter (Randy Travis)
Billy Potter (representado por Randy Travis) é um dos jurados em O
Homem que Fazia Chover (1997). Neste filme os advogados de acusação
descobriram que estavam sendo espionados pelos advogados de defesa, por
intermédio de escutas no escritório e grampos telefônicos. Com esta informação
Rudy Baylor (Matt Damon) simula o suborno de uns dos jurados. Ele e seu
assistente simulam uma ligação telefônica recebida do jurado, que deixava claro que
aquele voto seria a favor da acusação.
Através de uma investigação sobre a vida e conduta dos jurados,
escolheram o explosivo jurado Billy Potter para servir de instrumento a fim de
enganar e desestruturar a acusação. Assim, a acusação começa audiência
indagando os jurados quanto a um possível acordo, entre um deles e a defesa. Tais
indagações não poderiam ser provadas, afinal as escutas eram ilegais, e complicaria
ainda mais a defesa no processo. Logo que o advogado Leo F. Drummond
(representado por Jon Voight), se dirige ao jurado Potter em tom de acusação, esse
rapaz se levanta a protesta por estar sendo acusado de algo que não fez. Mesmo
exaltado o advogado de defesa continua acusando o jurado por ter sido subornado,
quando é atacado agressivamente pelo próprio jurado, que depois das agressões é
retirado do plenário.
116
Figura 97 – Briga durante a audiência jurado Billy Potter (Randy Travis) ataca o advogado de defesa Leo. F. Drummond (Jon Voight)
Após o ataque inusitado e cômico, as partes tentam se recompor. Os
advogados de acusação ficam felizes por ter dado certo o plano, e fazem
expressões hilárias, que marcam o filme num tom de comédia. Nota-se que até o juiz
117
Kipler (Danny Glover) faz uma expressão de alegria, em presenciar o que aconteceu
denegando o pedido da defesa em anular o processo.
Figuras 98 – Expressões das personagens
Como se não bastasse à cena que “quebra o gelo” da trama, Deck Shifflet
(Danny Devito), vê o sapato do advogado em meio à sala de audiência, e decide
leva-lo ao seu dono, após entregar as personagens são focalizadas em um plano
médio que pormenoriza as mímica e expressões, que passam o recado a defesa de
que tudo não passou de uma simulação da qual a defesa realmente não previu.
118
Figuras 99 – Deck Shifflet (Danny Devito) entregando o sapato ao advogado Drummond (Jon Voight)
Figura 100 – Rudy Baylor (Matt Damon) fazendo as expressões para que Drummond (Jon Voight) soubesse que tudo não passou de uma farsa
O filme O Homem que Fazia Chover da ênfase apenas ao jurado Billy
Potter, que tem uma pequena participação, porém grandiosa durante os
acontecimentos, afinal não há que se falar neste filme sem esta cena.
119
4.5. A Vítima
A vítima é aquela pessoa que possui seus direitos lesados por outra,
entretanto, a vítima nos filmes de julgamento nem sempre aparece. Afirmamos isso
quando analisamos filmes cujas vítimas morreram antes mesmo do início da obra,
ou seja, o filme já começa com a discussão sobre aquele assassinato. Neste
sentido, dos filmes que fazem parte do objeto deste trabalho, temos Doze Homens e
uma Sentença (1957), cuja vítima é o pai assassinado do réu; Testemunha de
Acusação (1957), que traz uma vítima mulher idosa, viúva e rica; e Julgamento em
Nuremberg (1961), no qual as vítimas compõem todas as pessoas que foram
perseguidas e detidas pelo regime nazista. Estas pessoas foram mortas antes
mesmo se iniciar a narrativa, por isso embora a figura da vítima exista, ela não se
personifica dentro da trama, pois se olhamos para os filmes acima citados, não
teremos nenhum ator ou atriz que as represente.
Outra maneira de não se ter vítimas nos filmes de julgamento é quando a
questão trata-se de afronta somente à lei e não à direitos de outrem, por isso o
estado nestes filmes é que faz o papel da vítima em questão, isso acontece em O
Vento será tua Herança (1960), tendo em vista tratar-se de uma ofensa a lei que
proibia a prática do professor em ensinar a teoria de Darwin na escola. Por isso nos
atentaremos nos filmes que trazem as vítimas personificadas em representações
vivas dentro do filme, que são os casos de O Sol é para Todos (1962), O Veredicto
(1982) e O Homem que Fazia Chover (1996).
4.5.1. O Sol é para Todos (1962)
Figura 101 – Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton)
120
Mayella Violet Ewell, (representada por Collin Wilcox Paxton), é a suposta
vítima, em O Sol é para Todos (1962). Esta personagem mente descaradamente
perante o tribunal dizendo que foi agredida e violentada pelo jovem negro Ton
Robbinson. Durante a seção plenária o público é levado e identificar as mentiras
contadas pela suposta vítima e confia na inocência do réu. Todas as expressões e
maneira de falar da personagem dão a entender que as informações faladas por ela
são inverídicas. É possível identificarmos a insegurança da vítima na forma como ela
se senta na cadeira, a expressão corporal conota num desconforto e insegurança
experimentados quando se relata uma mentira. A atriz fez o papel de garota
humilde, que passa a vida sendo agredida pelo pai, um lavrador ignorante que
chama-se Bob Ewell. Durante o julgamento notamos que a história se deu, porque
Mayella tinha atração pelo réu, e tentou beijá-lo certo dia, porém foi surpreendida
pelo seu pai, que a espancou, e a forçou dizer que foi Ton Robbinson.
Figura 102 – Postura de Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton)
O depoimento desta vítima é tão falso, que quando o advogado de defesa
a pede para apontar quem seria o seu suposto agressor, a vítima não consegue
olhar na direção do réu, apontando com o rosto virado para outro lado.
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Figura 103 – Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton) apontando seu suposto agressor
Com uma voz estridente e histérica, a vítima termina seu depoimento
muito alterada e corre tentando fugir do tribunal, mas é impedida pelo seu pai.
Figura 104 – Depoimento de Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton), histeria e tentava de fuga.
122
4.5.2. O Veredicto (1982)
Figura 105 – Deborah Ane Kaye (Susan Benenson)
Em O Veredicto (1982) o único contato visual que temos com a vítima, são
nas fotos tiradas pelo advogado Frank Galvin (Paul Newman), que vai até o hospital
e a fotografa. Uma cena bastante importante, pois neste momento a personagem do
advogado se dá conta da tamanha fatalidade que se abateu na vida da vítima que,
por negligência médica, sofreu danos cerebrais irreversíveis e passou a viver em
estado vegetativo.
Figura 106 – Frank Galvin (Paul Newman), fotografando e reconhecendo as condições da vítima.
123
4.5.3. O Homem que Fazia Chover (1997)
Figura 107 – Donny Ray Black (Johnny Whitworth)
Em O Homem que Fazia Chover (1996), a vítima do caso é Donny Ray
Black (interpretado por Johnny Whitworth), que acaba morrendo no decorrer do
filme, pois sua doença se alastrou ante a morosidade processual que se deu com o
juiz anterior a Kipler (Danny Glover). Donny é um rapaz humilde que acaba tendo
uma forte amizade com seu advogado Rudy Baylor (Matt Damon). Nas primeiras
cenas de contato com a vítima, já identificamos a empatia do enfermo com o
advogado. Donny vai assinar a procuração ad judicia e o contrato de honorários,
para que Rudy possa representá-lo diante a corte americana. Neste momento Donny
passa mal, e mancha esses documentos com sangue que saiu de seu nariz. A cena
marca o filme demonstrando ao público quanto efetivamente doente a personagem
estava, e também envolve claramente o advogado no caso, que passa a ter real
noção da doença que acometeu a vítima, e os transtornos que toda a família passa.
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Figura 108 – Donny Ray Black (Johnny Whitworth), fragmentos da cena do primeiro contato com a vítima
Donny talvez seja a vitima que mais atua na trama dentre os filmes que
analisamos neste trabalho. Afinal ele interage com o enredo, mesmo depois de
morto. Seu depoimento foi colhido na sua própria residência já que o estado de
saúde o impossibilitava se deslocar até o tribunal. O discurso da vítima é gravado e
passado na sala do julgamento para que os jurados possam ver já que não estavam
presentes na casa da vítima.
Figura 109 – Donny Ray Black (Johnny Whitworth), fragmentos da cena da transmissão do depoimento.
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Figura 110 – Donny Ray Black (Johnny Whitworth), fragmentos da cena da transmissão do depoimento
O depoimento de Donny é marcante e muito esclarecedor. Um telão é
utilizado para transmitir o depoimento, a cena começa com a utilização da
profundidade e avança na tela onde Donny esta falando, pormenorizando seu rosto,
que fica idêntico a uma pintura em tela. Esta cena e os meios utilizados pela câmera
comovem o público e aguçam a vontade de ver a justiça ser atribuída ao caso. A
companhia de seguros é condenada ao pagamento de uma indenização milionária,
porém, a empresa abre falência e a família fica sem receber um centavo. Entretanto,
o sabor da justiça é concedido ao público quando se relatado no próprio filme que
uma família humilde conseguiu levar a falência uma empresa inidônea, que usava
do poder do indeferimento para tratamentos médicos de seus assegurados
subtraindo direitos e lucrando com esse tipo de conduta.
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CONCLUSÃO
Existe o gênero de filmes de julgamento? Por que tantos filmes que tratam
dessa questão foram produzidos no final da década de 50 e início da década de 60?
Foram questionamentos que se tornaram o elemento motriz deste trabalho,
motivando a pesquisa aqui realizada.
Trata-se de um tema que a princípio é de difícil conceituação, tendo em
vista que os estudiosos de cinema ainda não entraram num consenso quanto a
definição deste gênero cinematográfico. Foi esta lacuna que procuramos preencher
com este estudo, visualizamos que os gêneros cinematográficos são compostos por
elementos da narrativa adequados e congruentes visíveis em vários filmes, podendo
assim colocá-los em um conjunto. Tais características em comum constituem não
apenas a existência dos gêneros cinematográficos, mas são também elementos
essenciais e ponto de partida para uma análise fílmica.
De acordo com os dados aqui levantados, os filmes de julgamento podem
ser considerados um gênero cinematográfico, pois foram identificadas formas
internas e externas que o configuram como tal. Quando adentramos nas esferas da
estética cinematográfica verificamos muitos elementos em comum dentre diversos
filmes, seja no tocante aos enredos, elementos da narrativa, tais como repetição de
núcleos de personagens, figurino, espaço cenográfico e outros apontados no
trabalho, tais como posturas de personagens e diálogos que versam sobre defesa
de ideias. Neste mesmo sentido vimos também a existência de muitas similaridades
nas formas de apresentação da instituição judiciária em filmes de épocas e diretores
bastante distintos.
Como resultado de uma análise estética, verificamos ainda que os filmes
de julgamento passaram a ser produzidos e tiveram maior visibilidade no final da
década de 50. Por conta disso propomos ser esta a época em que a sociedade
americana se restabelecia ante seus direitos civis que foram usurpados pelo
macarthismo. Neste sentido, as produções destes filmes retomam uma consciência
de justiça imparcial a muito subtraída, além de permitir a livre discussão sobre
questões inerentes à época, sem prejuízos a seus realizadores. Notou-se, ainda,
que esta época de produção influenciou a forma como estes filmes são elaborados e
127
ainda cravou na história do cinema hollywoodiano mais uma invenção, o
desenvolvimento de ‘filmes problemas’, que são até hoje consumidos pelo público
seja no cinema, seja na TV. Os EUA são os maiores produtores de seriados que
tratam da questão de julgamento, e isso demonstra que os filmes do passado, vistos
hoje como clássicos do cinema hollywoodiano contribuíram para tamanha ascensão
desta forma narrativa.
Neste sentido, vimos que o gênero cinematográfico filmes de julgamento
pode ser visto também como uma forma impura, pois caminha em harmonia com
outros gêneros, sem perder sua essência. Temos ainda que este mesmo gênero
pode se propor a discutir questões sociais da época em que são produzidos,
indicando assim uma característica que embora facultativa é bastante comum nos
filmes de julgamento.
Os filmes de julgamento são filmes complexos e preocupados na armação
da trama, pois resulta em fazer o público pensar sobre o tema, indagá-lo e torcer
para que o desfecho satisfaça as conclusões elaboradas no decorrer da narrativa.
Estes filmes aguçam a curiosidade nos fatos e expressam como a sociedade esta se
comportando ante aquela situação. São filmes que expressam uma realidade pouco
vistas em outros gêneros, porque buscam trazer a tona o senso de justiça e elaborar
discussões que permeiam a sociedade.
Enquanto os filmes de tribunal formam definições a partir de uma situação
especial e local (tribunal), os filmes de julgamento, que também aglutinam estes, é o
gênero à partir da essência de sua ideia (o julgamento), ideia esta que preserva uma
estrutura formal que lhe é própria; o que permite à industria entretenimento
desenvolvê-la dentro de outros gêneros cinematográficos como vimos
anteriormente.
Ainda mantendo a premissa de que o filme de julgamento é um gênero,
podemos afirmar que nas situações de julgamento, presente em outros gêneros, a
estrutura naquela forma inicial é adaptada e repetida, fazendo da situação de
julgamento uma forma que ao mesmo tempo define o gênero e o transcende.
128
REFERÊNCIAS
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132
ANEXO 1
FILMOGRAFIA
Filme (nome original)
Filme (nome em português)
Diretor
Ano
Sinopse
Twelve angry man
Doze homens e uma sentença
Sidney Lumet 1957
Doze homens escolhidos para serem jurados, decidem a culpabilidade de um jovem porto riquenho acusado de matar seu próprio pai.
Witness for the
prosecution
Testemunha de Acusação
Billy Wilder 1957
Mulher de meia idade é encontrada morta, sendo o suspeito pelo homicídio, seu amante, que depende do testemunho de sua esposa para comprovar o alíbi.
Inhert the mind
O vento será sua herança
Stanley Kramer 1960
Advogado enfrenta líder fundamentalista, para defender um professor acusado de ensinar darwinismo em escola.
Judgement at Nuremberg
Julgamento em Nuremberg
Stanley Kramer 1961
Juiz aposentado é incumbido de julgar outros juízes que viviam em regime nazista, e acabaram por autorizar e permitir condutas realizadas pelos nazistas.
To kill a mokingbird
O sol é para todos Robert Mulligan 1964
Advogado aceita a defender um negro quanto a acusação de estupro, indo contra toda a sociedade racista da época.
The verdict O Veredito Sidney Lumet 1981
Advogado decadente assumi caso contra um hospital, passando pelas mais diversas coações e impedimentos para conseguir o veredito adequado a questão.
Rainmaker O homem que fazia
chover Francis Ford
Coppola 1996
Jovem advogado processa uma grande companhia de seguros saúde, pelo indeferimento infundado no tratamento de leucemia, ao mesmo passo que tenta proteger uma mulher do marido agressivo.
Quadro 02 - Filmografia