Os mistérios da pirâmide de Cheops

Quando um jornalista não tem assunto, lem-bra-se de vez em quando de reeditar conceitosestranhos e misteriosos a cêrca da ciência pro-funda dos velhos egípcios: as pirâmides foramedificadas para guardar secretamente os núme-ros sagrados da ciência faraônica; os sábios con-temporâneos de Cheops (Khufu ) nada ignora-vam dos problemas de geodesia e cle astronomia,gue foram, milênios após, novamente resolvidospelos modernos, conheciam a obl,iqüidade da eclí-

A. CHrr.orDa Academia Brasileira de Ciências

no 30" grau de latitude norte; não é verdade,encontra-se em 29" 59' 51" - o que constituipara aquêles astrônomôs eméritos, um êrro de

2,125 quilômetros nessa latitude.Quanto à orientação, sôbre a qual os mes-

tres Cheosophos, igualmente insistiram ameúde,

não é mais precisa do que a dos "mast3f6s"; s5

faces deviam estar em relação com os 4 pontos

cardiais; o eixo norte-sul, todavia, faz com onorte verdadeiro um ângulo de 4'35". Desvio

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tica, a precessão dos equinóxi,os, a esfericidade,a superfície e a densidade do globo, o valor deÍ, gue mais ainda?. . .

Tudo isso é errôneo, e fantasista. As pirâ-mides são simplesmente túmulos gigantescos.Foi a respeito da de Cheops que os amadoresde esoterismo se distinguiram. Pretenderamgue o cume do monumento se achava exatamente

tão leve pode parecer sem grande importâncía,é o gue afirmam os autores dessas balelas, en-tretanto, o mesmo ângulo prolongado até à cir-cunferência do horizonte real da pirâmide -segundo um raio de cêrca de 35 quilômetros,equivale a um afastamente de 46m663 do pontoda projeção do norte verdadeiro sôbre aguelacircunferência. É evidente que nesta distância,

10 REVISTÀ DO MUSEU NÀCIONÀL

a diferença é pràticamente pouco sensível, maso fato conduz a uma outra conseqüência, maisgrave, para aguêles que pretendem que a entra-da do monumento foi orientada sôbre a estrêlapolar da ép'oca, - gue era "alfa" do Dragão.Em 3200 antes da nossa era, guando a pirâmidede Cheops foi construída, aquela estrêla descre-via um círculo em redor do polo, de cêrca de l''3l' 27" de raio,'o que, sôbre o horizonte real doedifício se media por 778m322. As relações dês-tes algarismos podem ser representadas em umaescala proporcional, e verifica-se que, sôbre avertical, figurando o norte verdadeiro dos egíp-cios de entáo, o diâmetro do círculo de evoluçãode a do Dragão, seria menor de 15'44". Estainexatidão no movimento de uma estrêla, que é

perÍeitamente admissível nos cálculos dos sábios

duma época tão remota, não concorda, porém,com as afirmações dos teoricianos esotérios, sus-tentando que os construtores tinham tomado em

consideraçáo atê a refração atmosférica e colo-caram o cume da pirâmide exatamente a l' e 9"abaixo de 30" de latitude, para corrigir o efeitodesta mesma refração. . .l Se a latitude tivessesido, então, calculada com aquela precisão ma-ravilhosa, como explicar um êrro de 4.' 35", sô-bre a orientação do norte verdadeiro, mais fácilde determinar?

Tudo isto é singularmente sutil e perfeita-mente errôneo. Afirmaram que os egípcios deCheops sabiam o valor de r; ora, segundo opapiro Pntssn, (cêrca de 2000 A. C., e mais tar-de ainda ) , fica provado gue êles não encontra-ram a relação exata, e a avaliaram em 3,16049.

O território ocupado pelo Distrito Federalapresenta, grcsso modo, dois maciços monta-nhosos escarpados - Cari.oca-Tijuca e Bangu-Guaratiba. Erguem-se ambos numa planíciealuvial recente, e são ramificações, hoje isoladas,do conjunto geológico-tectônico denominadoSerra do Mar.

A Serra do Mar, que forma o arcabouço doDistrito Federal, se compõe das rochas mais an-tigas da superfície da Terra - os gneiss - de-positados nos primeiros mares, cujos Íundoseram Íormados pela crosta recentemente solidi.ficada. Tais sedimentos foram impregnadospor massas eruptivas. Do contacto, resultaramrochas híbridas, e, mais em cima, argilas ouareias, por cristalizaçáo ou recristalizaçáo (fenô-meno de metamorfismo). Os três nÍveis ou ti-pos de gneiss, freqüentes na cidade do Rio de

]aneiro, são o granulito branco salpicado de gra-nadas (pedreiras de Laranjeiras), de origemprovàvelmente eruptiva; o gneiss porfiroide ca-

I Publicado na Qevista Nacional de Educação, ns. 16 e 17,janeiro-Íevereiro de 1934 Pg. 42-43 e reproduzido como homena-gem ao geólogo patrício, falecido em 6 de julho de 1938 (N. da R.).

ÀGOSTO, 1944

À Formação Geologica do DisfriÍo Federal I

Arnenro Brrrnr Pars Lnnar

racterizado pela presença de grandes olhos cla-ros e alinhados, provenientes da impregnaçãoeruptiva pelos sedimentos; finalmente o gneisscinzento, que assenta sôbre os outros, em cama-das regulares, por ex. : Avenida Atlântica.Além disso, existem massas de granito típicoque, mais resistentes à erosão, surgem nos picosmais altos.

A história geológica da Terra percorre umciclo: a gliptogênese desgasta a superfície, aplai-na-a; a litogênese produz rochas novas, com osdetritos; a orogênese ergue novas montanhas.

No Rio de faneiro eu admito gue êste ciclotenha sido percorrido mais de uma vez.

As montanhas atuais são muito alcantiladase abruptas para gue não se lhes atribua idaderelativamente recente.

A grande escarpa do Corcovado, por exem-plo, é uma fratura que descol,ocou um magotede gneiss porfiróides, transportando-o a700 me-tros acima do nível anterior, ao mesmo tempo quefortes pressões laminavam essas rochas. Natu-ralmente essas manifestações orogênicas se fa-ziam com erupções vulcânicas.

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