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OS PRODUTORES TRADICIONAIS DE LEITE DE UBERABA E SUA RELAÇÃO COM CANA-DE-AÇÚCAR
Ricardo da Silva Costa1 Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Rosselvelt José Santos2 Universidade Federal de Uberlândia
Resumo A pesquisa foi desenvolvida em Uberaba/MG. No trabalho identificamos e analisamos, a partir da expansão das lavouras de cana-de-açúcar, as territorialidades dos pequenos produtores rurais de gado leiteiro e as redefinições das suas práticas socioculturais. No município de Uberaba, atuam duas usinas de álcool e açúcar, com as seguintes denominações: A Usina Uberaba S/A. e a Companhia Energética de Açúcar e Álcool Vale do Tijuco Ltda. No município, existe ainda uma pecuária de alto valor genético e econômico que dificilmente vai abrir mão das suas áreas de pastagem. Diante desse“jogo” de interesses, fomos nos aproximando cada vez mais dos produtores tradicionais de leite e procuramos identificar e analisar a influência das usinas e como os produtores locais vivem nos lugares pressionados pelo setor sucroenergético. Palavras-chave: Territorialidades. Cana-de-açúcar. Produtores locais. Modo de vida. Introdução A pesquisa desenvolveu-se a partir de trabalhos de campo realizados no Município de
Uberaba, municípiolocalizado namesorregião do Triângulo Mineiro – MG. Nos lugares
habitados por produtores de gado leiteiro observamos várias tensões geradas a partir da
reprodução do agronegócio, sobretudodo setor sucroalcooleiro.
Em áreas rurais ocupadas por produtores de gado leiteiro, tradicionais habitantes do
cerrado, a reprodução do capital sucroenergético tem iniciado um processo de
homogeneização das paisagens com importantes conseqüências, principalmente para as
lavouras de grãos, (milho e soja) e áreas de pastagens. As lavouras de cana-de-açúcar
predominam a paisagem rural, colocando em questão a permanênciados históricos
produtores de gado leiteiro. Com a (re) ocupação das áreas tradicionalmente destinadas
à pecuária e a produção de grãos na mesorregião do Triângulo Mineiro, a “nova3”
dinâmica de implantação das lavouras de cana-de-açúcar, promove a alteração das
velhas estruturas das comunidades rurais. Na prática, as relações de vizinhança, são
depreciadas ou deixam de existir, redefinindo os vínculos territoriais dos antigos
produtores de gado leiteiro.
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A sociabilidade entre vizinhos fica comprometida na medida em que os moradores
alugam parte ou totalidade das suas propriedades e em alguns casos vão morar na
cidade. Nos contratos de arrendamentos os valores ofertados, relacionados ao mercado,
seduzem os antigos moradores. Interessados em ampliar a área dos seus canaviais, os
usineiros agem oferecendo rendimentos que se configuram em vantagens econômicas
que as outras atividades, principalmente a pecuária e a agricultura de grãos, não
conseguem estabelecer concorrências.
Desse modo, quando o produtor arrenda suas terras para o cultivo da cana-de-açúcar,
altera a dinâmica da comunidade. Com a inserção das lavouras de cana, os produtores
rurais locais tendem a redefinir as suas atividades e em certos casos deixam o lugar,
pois, como rentistas não é mais necessário ficar morando na propriedade.
Com o esvaziamento da área rural de Uberaba, o cotidiano das comunidades rurais vai
se alterando, a rede de vizinhança perde seus membros. Nessa condição, o vizinho vai
ficando mais distante. Na área rural do município, as lavouras de cana dificultaram os
deslocamentos, pois a paisagem foi alterada e as estradas não são mais seguras devido à
circulação dasgrandes maquinas e caminhões.
O Brasil em 2011possuia 4324 usinas sucroalcooreiras5, as quais somavam um total de
8.032.950,006 hectares de lavouras. Minas Gerais é o segundo produtor de cana do país,
tendo 649.940,00 hectares plantados de cana e 43 usinas sucroalcooleiras instaladas. Na
região do Triângulo Mineiro existem 23 usinas instaladas, as quais ocupam
principalmente as áreas de grãos e recentemente as de pastagens.
A reprodução do capital sucroenergético no cerrado mineiro ocorre devido às políticas
publicas federais que em tese se “justificam” por elevar o país a auto-suficiência na
produção de combustíveis. Como não é nosso objetivo debater sobre tais políticas,
analisaremos o processo de implantação/avanço da cultura da cana-de-açúcar no
município de Uberaba.
As usinas de álcool e açúcar em Uberaba-MG Em meados da década de 2000, instalam-se no município às usinas sucroenergética para
produção de álcool (etanol), açúcar e energia elétrica. A primeira indústria a se instalar
no município foi à usina Uberaba S/A, investindo R$ 153,9 milhões para a montagem
da fábrica e das lavouras. Esse empreendimento produz álcool e está em fase de
ampliação para produzir açúcar. No final da década de 2000, é instalada no município a
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segunda indústria, a usina Companhia Energética de Açúcar e Álcool Vale do Tijuco
Ltda. Trata-se de investimentos da ordem de R$ 300 milhões e já conta com uma área
de 25 mil hectares de lavoura de cana-de-açúcar. Na primeira etapa a usina produzirá
apenas álcool e energia elétrica. A usina Vale do Tijuco, nos próximos anosda segunda
década do século XXl, vai investir R$ 220 milhões na expansão da planta industrial para
a produção de açúcar.
Esses investimentos no município acarretaramprofundas modificaçõesno espaço rural,
afetando produtores rurais locais, suas comunidades e o cotidiano das pessoas.
Para pensarmos o cotidiano como categoria de análise, remetemo-nos as ponderações de
Lefebvre (1991):
O cotidiano não é um espaço-tempo abandonado, não é mais o campo deixado à liberdade e à razão ou à bisbilhotice individuais. Não é mais o lugar em que se confrontam a miséria e a grandeza da condição humana. Não é mais um setor colonizado, racionalmente explorado, da vida social, porque não é mais um “setor” e porque a exploração racional inventou formas sutis que as de outrora. O cotidiano torna-se objeto de todos os cuidados: dominós da organização, espaço-tempo da auto-regulação voluntária e planificada. (LEFEBVRE, 1991, p 81-82)
No cotidiano das famílias e das “comunidades” relaciona-se e intervêm as estruturas
recentes do Estado e das duas usinas sucroenergéticas. As intervenções podem ser
percebidas a partir da legislação ambiental, sistemas de créditos, contratos de arrendamento,
higienização dos processos produtivos. Obviamente são alguns dos exemplos dessas
estruturas, mas que ao impor comportamentos,padrões e normas sociais, também
inviabilizam e tem inviabilizado para a maioria dos produtores rurais a produção dos meios
de vida.
O processo de expansão das lavouras de cana-de-açúcar envolve um movimento de
reocupação, redefinição e revalorização dos espaços já ocupados por produtores
tradicionais do cerrado, bem como desarticulações de modos de vida fortemente
vinculados aos seus respectivos territórios, tornando-se necessários amplos estudos.
Pensar a problemática da condição dos produtores “tradicionais” do cerrado sob o avanço
das lavouras de cana-de-açúcar é necessariamente pensar a precariedade da sua existência
imbricada ao modo de produção capitalista.
No interior deste debate teórico apresentam-se alguns referenciais teóricos para se
pensar a condição de formas sociais de produção que não são especificamente
capitalistas, como é o caso dos pequenos produtores de gado leiteiro do município de
Uberaba.
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Os produtores rurais locais de Uberaba, indicam particularidades socioculturais que nos
remeteram a pensar a sua existência nos lugares reocupados pelo setor sucroenergético. Na
relação com o cerrado, desenvolveram uma pecuária leiteira com formas e conteúdos
diferentes daqueles que estamos acostumados a ver sob a lógica do capital. Desse modo, é
na analise das realidades locais e de suas particularidades socioculturais que procuramos
decifrar a permanência/existências desses produtores “cercados” pela cana.
Materiais e métodos Na realização da pesquisa utilizamos os recursos técnicos do Laboratório de Geografia
Cultural, bem como o acervo da biblioteca da Universidade Federal de Uberlândia.
Nesses espaços procuramos suprir as necessidades teóricas e metodológicas. No campo
fomos aos lugares vividos dos produtores de leite. No cotidiano procuramos observar as
transformações socioespaciais e comparativamente com a teoria, fomos estabelecendo
discussões a respeito do território, da paisagem, dos modos de vida. Com o objetivo de
observar e descrever aquilo que estava ocorrendo nas duas comunidades, pensamos as
territorialidades desses moradores e as mutações implicadas entre os modos de vida e a
reprodução dos capitais investidos na produção da matéria-prima, cana-de-açúcar, no
município de Uberaba/MG.
Quanto as leituras e interpretações da paisagem consideramos o quanto as suas formas
poderiam revelar as identidades dos produtores “tradicionais”, principalmente da pecuária
leiteira do município de Uberaba, segundo Claval (1999) A paisagem encontra-se, algumas vezes valorizadas por si mesmas: deixa de ser somente uma expressão da vida social, toma uma dimensão estética ou funda a identidade do grupo. (CLAVAL, 1999, p-295)
Além de conhecer o processo de formação das grandes lavouras, a observação,
descrição e comparação das paisagens existentes no município, nos permitiu
acompanhar o ciclo de algumas atividades produtivas de base familiar, como é o caso da
pecuária leiteira.
No campo valorizamos as relações sociais comunitárias, o envolvimento dos sujeitos
sociais com as coisas e as pessoas dos lugares e ainda as estratégias e arranjos
produtivos decorrentes de valores humanos, costumes, hábitos e tradições. Desse modo,
a leitura sobre a vida cotidiana contemplou o lugar vivido das pessoas. Segundo Santos
(2009),
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A vida cotidiana abrange várias temporalidades simultaneamente presentes, o que permite considerar, paralela e solidariamente, a existência de cada um e de todos, como, ao mesmo tempo, sua origem e finalidade. (SANTOS, 2009, p.127).
As leituras teóricas e observações locais abordando os modos de vida possibilitaram pensar
as diferenças e nos ajudaram na identificação das características do sujeito social que
passou, recentemente a conviver com os canaviais. Esse trabalho permitiu identificar as
suas formas de produzir, revelando algumas especificidades e também elementos da cultura,
do simbólico que constituem as suas lógicas sociais e formas de organização
sócioterritorial.
Considerando as etapas do caminho metodológico, na relação com as comunidades
rurais incorporamos a categoria modo de vida, pois de acordo com Penzin (2001) Os modos de vida supõem o reconhecimento da existência de uma multiplicidade de possibilidades de experiências coletivas e individuais [...] Os modos de vida seriam efeitos reveladores de uma multiplicidade de vetores históricos, econômicos, culturais e psíquicos [...] Por isto mesmo, estão em constante mobilidade e permanente transformação. (PENZIN, 2001, p. 15-18)
O trabalho de campo, no município de Uberaba assume importância para o pesquisador
na medida em que se pode colher informações, algumas que residem na memória dos
sujeitos sociais, que podem indicar novidades, pois de acordo com Santos, R.J (1999), [...] o trabalho de campo, vai além da coleta de dados para desenvolvermos uma pesquisa comprometida com a realidade das populações, vista que será também um esforço acurado do pesquisador em lapidar esse diamante, que é a memória das populações em relação ao vivido. Esse procedimento exigirá dos pesquisadores um respeito radical pelos modos de sentir, pensar, agir e reagir do outro. (SANTOS, 1999, p.117)
No campo partimos do modo de vida existente nos lugares. Buscamos nesse
procedimento compreender as dinâmicas sociais dos produtores rurais locais.
Caracterização da área de estudo. Uberaba é um município brasileiro do estado de Minas Gerais, localizado na região do
Triângulo Mineiro(mapa 1), possui uma área de 4.524 Km2. Sua população, segundo o
IBGE no ano de 2010, era de 296.000 habitantes.
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De acordo com o INCRA (2009), o município de Uberaba classifica suas propriedades a partir da sua área territorial.
Segundo os dados do INCRA, cerca de 65,14% do município de Uberaba é formado por
mini e pequena propriedade, as quais são na grande maioria responsáveis pelo
fornecimento de hortifrutigranjeiros e abastecimento do CEASA do município. Além de
produzirem os meios de vida, os pequenos produtores, têm como renda principal a
pecuária leiteira.
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A presença de duas unidades sucroenergética, como se pode observar no mapa 1, pode
ser relacionada, principalmente a dois fatores espaciais. O primeiro é a logística7 e o
segundo são os recursos naturais8.
As condições infra-estruturais e naturais do espaço indicam, por um lado, vantagens
econômicas para o setor sucroenergético, enquanto para o produtor rural local, essa
reocupação tem acarretado algumas interpretações. “[...] a tem tanta usina aqui perto que agente fica cum medo de não sobra mais lugar pra pode cria galinha, cria vaca cria nossos animais....aqui no município tem duas usina a Uberaba e a Vale do Tijuco, oiá a quantidade de cana que já tem plantada [...]”9
Na fala do produtor observamos ponderações e essencialmente inquietações no que se
refere as possibilidades de continuar existindo na condição de produtor familiar, pois
cercados pelas grandes lavouras de cana, prevêem situações de perda de
espaço.Percebemos, a partir do produtor de gado leiteiro que as tensões decorrentes da
reprodução do capital sucroenergético existem e se materializam no uso do espaço do
município de Uberaba.
No quadro 2 podemos observar a distribuição do uso do solo.
A partir da ação do setor sucroenergético, constata-se que as terras do município estão
na sua grande maioria ocupadas pela agricultura, o que reforça a preocupação dos
pequenos produtores de leite de Uberaba.
O leite como principal produto da pequena produção familiar indica também que os
vínculos territoriais foram se constituído na relação das pessoas e de suas práticas
socioculturais arroladas a essa atividade. Assim,nas comunidades rurais as
territorialidades desses produtores locais devem ser relacionadas ao vivido dos sujeitos
sociais de uma determinada coletividade, pois segundo Raffestin (1993) A territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas. (RAFFESTIN, 1993, p-158)
Desse modo, procuramos pensar os vínculos territoriais do produtor de gado leiteiro
observado e analisando as práticas socioculturais relacionadas a pecuária leiteira.
Pecuária leiteira: adaptações e perspectivas A pecuária leiteira nacional vem recebendo cada vez mais investimentos, tanto financeiros
quanto tecnológicos. No decorrer da última década a quantidade de leite produzida no
Brasil, mesmo passando por algumas dificuldades, não parou de crescer10. Como podemos
observar no gráfico 1.
Uma das crises enfrentadas pelos produtores de leite no Brasil foi a
A partir de investimentos, obtidos através de empréstimos com instituições financeiras,
alguns produtores familiares conseguiram elevar a produtividade dos seus rebanhos.
Trata-se de investimentos realizados no setor e que proporcionaram redução nos preços
de alguns equipamentos, por exemplo, a ordenha mecânica e tanque de expansão.
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Produção Leiteira Nacional
Gráfico 1: Quantidade de Leite produzido no Brasil na última década. Fonte: Banco de dados, IBGE. Adaptado por COSTA, 2011.
No estado de Minas Gerais, a pecuária leiteira é uma atividade econômica que criou
suas bases na pequena produção. Historicamente, o pequeno produtor, organizou a sua
propriedade para ter no leite a sua principal renda. Neste processo de globalização da
economia, o pequeno produtor vive novas imposições e terá que investir em tecnologia
para atender as determinações do mercado.
No gráfico 2, constata-se que o estado de Minas Geraisé responsável por 21 % da
produção nacional,
Gráfico 2: Produção Leiteira do ano de 2009: comparativo da produção mineira com a nacional. Fonte: Banco de dados, IBGE. Adaptado por COSTA, 2011.
Minas Gerais destaca-se no cenário leiteiro, por vários motivos, questão histórica,
tradição, mas a partir de 2011 passou a ser a principal fornecedora de genética leiteira
do país, sendo que as suas basesexperimentais estão localizadas no Triângulo Mineiro.
Segundo a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas
Geraiso estado se mantém líder em produtividade leiteira, distanciando-se cada vez mais
da média nacional. Historicamente, Minas Gerais se destaca como o maior produtor de leite do país. Segundo dados do IBGE trabalhados pela Embrapa Gado de Leite, em 2009 o Estado produziu 7,9 bilhões de litros, representando 27,2% do total de 29,1 bilhões de litros produzidos no Brasil. Possui o maior rebanho de vacas ordenhadas, com 5,3 milhões cabeças e uma produtividade expressa em litros de leite/vaca/ano de 1.502, ou seja, 15,8% superior à produtividade brasileira, registrada no ano de 2009 em 1.297 litros/vaca. (SECRETARIA...,sem data)
Em Minas Gerais a mesorregião que mais se destaca na produção leiteira é o Triângulo
Mineiro que representa 21% da produção estadual de leite como podemos observar no
gráfico 3.
Gráfico 3: Produção Leiteira do ano de 2009: comparativo da produção leiteira mineira com do Triângulo Mineiro. Fonte: Banco de dados, IBGE. Adaptado por COSTA, 2011.
Comparando a produção de leite do Triângulo Mineiro com o município de Uberaba
temos os dados apresentados no gráfico 4.
Gráfico 4: Produção Leiteira do ano de 2009: comparativo da produção do Triângulo Mineiro. Fonte: Banco de dados, IBGE. Adaptado por COSTA, 2011.
O município é responsável por 4 % da produção leiteira do Triângulo Mineiro o que
equivale a 76.778 litros de leite. No entanto, cada vez mais o cultivo da cana-de-açúcar
se expande sobre as pastagens. O que eleva os desafios dos pequenos produtores em
manterem-se no setor.
O leite é uma mercadoria produzida a partir de saberes e fazeres da produção familiar e
que no município assume dimensões históricas. Atualmente o município conta com
estabelecimentos que coletam, armazenam e produzem alimentos a partir do leite. A
importância da pecuária leiteira no município pode ser constatada a partir dos eventos
realizados nos anos de 2009 e 2010.Segundo a prefeitura de Uberaba: “A Megaleiteno
ano de 2009 obteve o faturamento apenas nos leilões de animais de R$ 9.380.500,00. A
11
feira teve a 14 leilões presenciais e 13 virtuais. Em 2010, a feira teve faturamento de
cerca de R$ 8,2 milhões nos 14 leilões. Além de leilões, julgamentos e torneiro leiteiro,
a exposição teve espaço para a capacitação” 11. Nesse tipo de evento, além da
comercialização de mercadorias, observa-se a troca de experiências e de divulgação das
conquistas tecnológicas, principalmente relacionadas aos avanços conquistados na
genética dos rebanhos.
Além dos laticínios instalados no município observamos a presença de outros grupos
ligados ao setor que recolhem o leite nas fazendas e os levam para outras cidades da
região.
Na nossa pesquisa, constatamos que ainda não houve uma diminuição na produção de
leite. Isso significa que a maioria dos produtores ligados a pecuária leiteira investiram
no setor, principalmente em sistemas de confinamento12, em genética e em várias
tecnologias de manejo (Imagem1 e 2).
Imagem 01 – Investimento em tecnologias. Ordenha mecanizada, apesar das instalações simples, o produtor família investe na mecanização.
Fonte: ZANZARINE, 2010.
Imagem 02 – Investimento em tecnologia e alimentação do rebanho leiteiro. Os produtores investiram nos concentrados (alimentos para rebanho) para aumentar a produtividade leiteira, sem aumentar a área.
Fonte: ZANZARINE, 2010.
O dinamismo do produtor de leite no município, mesmo em plena expansão das
lavouras de cana-de-açúcar, indica que as práticas sociais relacionadas a pecuária
tendem a fortalecer o território. No que se refere aos sujeitos sociais que usam o
território podemos pensar a existência do pequeno produtor de gado leiteiro
considerando o pensamento de Milton Santos O território em si, para mim, não é um conceito. Ele só se torna um conceito utilizável para a análise social quando o consideramos a partir do seu uso, a partir do momento em que o pensamos juntamente com aqueles que dele se utilizam. (SANTOS, 2009, p. 22).
Já Haesbaert (2005) afirma que, [...] todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar “funções” quanto para produzir “significados”.(HAESBAERT, 2005, p 6776).
No caso do produtor familiar, a produção de leite ajudou-os a criarem vínculos
territoriais que de algum modo acabam dificultando a entrada da cana-de-açúcar em
suas propriedades.
No gráfico 5,os dados indicam que a evolução na produção leiteira no município de
Uberaba continua mesmo com a incorporação de áreas de pastagens pelo setor
sucroenergético.
010.00020.00030.00040.00050.00060.00070.00080.000
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Evolução na produção Leiteira no Município de Uberaba
Gráfico 5: Evolução na produção leiteira no Município de Uberaba. Fonte: Banco de dados, IBGE. Adaptado por COSTA, 2011.
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Em uma década, no município de Uberaba, a produção leiteira passou de 45.000 litros
de leite para 75.000 litros. No entanto, os pequenos produtores reclamam do preço pago
peloslaticínios. Segundo um dos entrevistados
Eles paga (os laticínios) pra noismuito barato na época da seca nois empata nem ganha nem perde nosso serviço fica pra pagá ração e silo pro gado .... agora vai na cidade pra compra um litro de leite de caxinha pra vê o absurdo que paga e lá só tem água num ébão igual o que nos vende13.
As dificuldades dos produtores em obter melhores preços pelo leite não é uma
particularidade recente. Lopes (1985) observa que: [...] A situação do pequeno produtor apresenta uma deterioração constante, dado que o preço do leite é controlado, ao passo que o preço dos insumos, da terra e das pastagens não o é. (LOPES, 1895, p-96)
O alto preço dos insumos (ração, milho, remédios, etc...), acarreta para o produtor várias
dificuldades e que em alguns casos implica em buscar ou desenvolver novos práticas
produtivas para reduzir custos e baratear a produção. Nois pranta sorgo e milho pra faze silo pra trata do gado na época da seca si não nois tem que soltar as vacas e ficar sem tirar leite porque a ração e muito cara, se compro aração e a mesma coisa de compra leite pra entrega14.
Observamos na reclamação do produtor, que se faltar área para plantar alimentos para o
gado (principalmente milho e sorgo), vai ocorrer uma diminuição da produção de leite
no período de estiagem. Manter a renda na atividade, mesmo no período seco, impõe ao
produtor familiar, também produzir o alimento do seu rebanho.
Trata-se de um rebanho que apresenta melhoramento genético e que demanda algumas
melhoras na alimentação, principalmente, atenção ao fornecimento e produção de novas
fontes de proteínas. Esse gado leiteiro, no município de Uberaba, começou a apresentar
melhoras genéticas em meados da década de 1980. Os primeiro trabalhos realizados
ocorreram com a inserção de touros reprodutores das raças GIR, Guzerá, Zebu e
Holandês.
No ano de 2011, no município, a pecuária leiteira, destacou-se a partir da produtividade
apresentada pelas raças Gir, Girolando, holandês e o Zebu. Segundo a ABCZ
(Associação Brasileira dos Criadores do Zebu) “Uberaba é reconhecido como a capital
do gado zebu”15. Estes investimentos ocorrem na maioria das vezes para os grandes
produtores, os pequenos produtores muita das vezes investem parcialmente, seja pela
falta de meios ou por insegurança. Segundo um dos entrevistados
14
À... o gado com a genética mió e baum mais depende muito da farmácia ele num é resistente igual as nossa vacas aqui naum.... fico cum medo de investi nesti tipo di gado(holandês) i ficá na mão do veterinário, além dissu e caro...o guverno dá dinhero pra comprá (PRONAF) mais eu prifirú investi na raça que eu cunheço16.
Percebe-se na fala do produtor desinformação e ao mesmo tempo desconfiança e
descrédito nas tecnologias. Nesta parte do cerrado o pequeno produtor sempre produziu
a partir de um gado rústico, sendo que a mudança se constitui em desafios. Desse modo,
não aderir a investimentos indica falta de clareza. Na visão desse produtor, trabalhar
com vacas muito produtivas é sempre um risco, pois a preocupação consiste em manter
essenovo rebanho. Segundo o entrevistado, os custos se elevam e para não correr risco é
mais viável trabalhar com um gado menos produtivo, cerca de 9 litros de leite em média
e não se endividar. Assim, quando o produtor familiar se recusa aderir ao melhoramento
genético,indica-se também dificuldades em se obter recursos para gastar com remédios,
com um gado que tem potencial para atingir uma produção de 40 litros de leite/dia,
como é o caso das vacas holandesas.
A partir dessa racionalidade compreendemos que a grande maioria, dos produtores
visitados opta em investir os seus recursos, sobretudo, na alimentação17 do que
propriamente na genética do seu rebanho leiteiro. Nas paisagens das propriedades, os
silos são um dos novos componente, assim como na cidade de Uberaba, os
estabelecimentos comerciais que vendem ração, tornam-se lucrativos. Contudo essa
situação tende a mudar, pois observamos que alguns produtores compram touros de raça
(Gir, holandês), para cruzarem com suas vacas, dando crias de qualidade intermediaria,
ou seja, que não têm a produtividade nem de uma vaca de raça apurada e nem das vacas
mais rústicas.
Conclusão A expansão das lavouras de cana-de-açúcarmodificou o espaço rural de Uberaba.
Porém, ainda não conseguiu (des)configurá-lo totalmente ou mesmo desarticular a
produção leiteira de base familiar. Os canavieiros compraram e arrendaram terras no
município, só que mesmo assim não conseguiram retirar da pequena propriedade os
produtores de leite. [...] a eles queria alugá nossa terra só que eu não quero lagar a roça não...mesmo com o leite pagano mau eu não vo larga pra pode fica na cidade sem faze nada só recebeno pelo arrendamento pra cana....e depois se eu quizetrabaiá de novo na terra será que vo te disposição e dinheiro?18
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Na fala do entrevistado,a terra é parte da sua existência e também da vida que ocorre no
lugar. Para Santos O lugar é um conjunto de objetos que têm autonomia de existência pelas coisas que o formam - ruas, edifícios, canalizações, indústrias, empresas, restaurantes, eletrificação, calçamentos, mas que não têm autonomia de significação, pois todos os dias novas funções substituem as antigas, novas funções se impõem e se exercem. (SANTOS, 1988, p-19).
Com a produção das lavouras de cana-de-açúcar para alimentar as usinas de álcool e
açúcar e produção de energia elétrica, a preocupação dos pequenos produtores ocorre
devido ao desrespeito com a vida que ocorre no lugar. Nesse processo os pequenos
produtores compreendem que não há respeitoaos limites da propriedade. No campo
percebemos que logo na instalação das lavouras, algumas cercas são retiradas, as
fazendas perdem seus nomes, os produtores rurais do campo têm suas referências sócio
territoriais alteradas e em certos casos anuladas. Por tudo isso, ocorre uma profunda
transformação dos elementos identitários da vida que ocorria no campo. São mutações
que fazem com que os sujeitos não mais reconheçam seus lugares, ocorrendo certos
estranhamentos na relação com o lugar. Em alguns casos há a perda da identidade.
Quando a terra é preparada para o cultivo da cana-de-açúcar, a paisagem é alterada e no
conjunto modificam seus conteúdos, suas cores, seus cheiros, símbolos e significados.
Em alguns casos, esse sujeito acaba saindo do campo, inclusive ocorrendo a redefinição
das suas práticas socioculturais.
Compreende-se que o processo de reprodução do capital sucroenergético vem gerando
tensões de difícil solução para os produtores “tradicionais” de leite. Para aqueles que
permanecem há mudança tanto territorial quanto sociocultural.
Notas 1 Bolsista do CNPq,graduando em bacharelado e aluno da pós-graduação modalidade mestrado em geografia pelo Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia.Bairro: Santa Mônica, Av. João Naves de Ávila Nº 2121, Bloco H sala 1H 19, Uberlândia – MG, CEP: 38400.299. [email protected] 2 Professor Doutor pelo Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Bairro: Santa Mônica, Av. João Naves de Ávila Nº 2121, Bloco H sala 1H 19, Uberlândia – MG, CEP: 38400.299. [email protected] 3 Ao falar “nova”, fizemos o recorte temporal a partir da década de 2000, período em que o setor sucroalcooleiro, realiza altos investimentos na região do Triângulo Mineiro, deixando fora o Proálcool de 1985. 4 Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Sistema de Acompanhamento da Produção Canavieira Departamento da Cana-de-açúcar E Agroenergia, 2011. 5 No caso em estudo as usinas instaladas no município de Uberaba não produzem apenas álcool ou açúcar, mas também energia elétrica. Desse modo, compreendemos que a denominação mais adequada seria a de usinas sucroenergéticas.
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6 Ibidem 7 Localizado próximo ao estado de São Paulo o maior produtor no setor sucroalcooleiro do país. 8 Solos profundos, fertilidade natural e disponibilidade hídrica, os principais rios do município são Rio Uberaba, Rio Grande, Rio Tijuco, Ribeirão Bom Jardim. O município integra a Bacia Rio Grande/Bacia Rio Paranaíba como o Grande, 9Trabalho de campo realizado no município de Uberaba em Maio de 2011. 10 Uma das principais dificuldades, principalmente na entressafra, é a concorrência com o mercado externo. Porém, apesar da inserção de leite de origem internacional, os produtores nacionais não desistiram e conseguiram reestruturarem sua produção. O estado brasileiro tem recorrido à importação de leite do MERCOSUL e Europa, o que tem acarretado a desvalorização do produto nacional. Na primeira década do século XXl, segundo Santos & Barros (2006) “aumentou a importação brasileira de lácteos oriundos da Argentina, Uruguai, União Européia e Nova Zelândia, países que possuem preços abaixo da média dos praticados no mercado internacional”, o que fez com que os laticínios baixassem o preço do litro de leite pago aos produtores nacionais. 11Fonte prefeitura municipal de Uberaba, disponível http://www.uberaba.mg.gov.br/portal/principal 12 Esse tipo de sistema usa uma menor área para uma maior quantidade de animais. Não e apenas fechar os animais, os produtores têm que plantar grãos para fazer ração, tem que alimentar os animais no cocho. 13 Trabalho de campo realizado no município de Uberaba em Maio de 2011. 14 Entrevista obtida no município de Uberaba em Junho de 2011. 15 Fala do presidente da ABCZ 16 Entrevista realizada com pequeno produtor rural do município de Uberaba no dia 04/06/2011 17 Mesmo que seu ganho diminua, como vimos no texto. 18 Entrevista realizada no município de Uberaba em maio de 2011, com pequeno produtor.
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