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ISSN 2176-1396
OS SENTIDOS DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA E
NO ENSINO SUPERIOR
LaisDonida1 - UFSC
Sandra Pottmeier2 - UFSC
Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão
Agência Financiadora: Projeto OBEDUC/CAPES
Resumo
O presente artigo busca compreender os discursos que circulam na escola e na universidade
acerca da inclusão/exclusão de sujeitos com e sem deficiência. Esta pesquisa de cunho
qualitativo observa que há dizeres que circulam socialmente na instituição escolar e estes
discursos podem levar os sujeitos a pensarem desta forma e não de outra sobre os sentidos de
inclusão/exclusão no espaço escolar e universitário. Isto, porque o ensino aqui se torna
umaforma de política cultural e uma possibilidade de inclusão a partir do desenvolvimento de
uma linguagem em que se possa compreender a relação entre ensino escolar/universitário, as
relações sociais e os saberes historicamente construídos que esses sujeitos trazem para a
escola/universidade, como se relacionam com os professores, com seus colegas (amizades). A
metodologia apresenta como corpus, quatro sujeitos que frequentam o 4º ano do ensino
fundamental de duas escolas da rede estadual de ensino, bem como um sujeito surdocego que
se insere na educação superior do Estado de Santa Catarina. Os instrumentos de coleta de
dados pautam-se em entrevista individual e desenhos, ambos pilotos. O aporte teórico-
metodológico da pesquisa se inscreve na Análise do Discurso e é cotejado com pesquisas
sobre inclusão, acessibilidade e permanência na Educação Básica e Superior. Os resultados
apontam para inclusão como aquela que acolhe a todos os alunos, pois entende que eles têm a
possibilidade de aprender a partir de suas capacidades, seja qual for o nível ou etapa de ensino
e, assim devem ser respeitadas suas singularidades, suas diferenças nesses espaços de
aprendizagem, de trocas de conhecimento - Lei 13.146 (BRASIL, 2015). Logo, a escola e a
universidade precisam mediar os conflitos. Essas formas de violência são muitas vezes
silenciosas e outras vezes silenciadas e podem ocorrer tanto no ambiente escolar/universitário
quanto em família, o que acaba por excluir o sujeito ao invés de incluí-lo socialmente.
Palavras-chave: Inclusão. Educação. Diversidade.
1Acadêmica do curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integra o grupo de
pesquisa Projeto OBEDUC/CAPES – Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail:
2Graduada em Letras e mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Integra o grupo
de pesquisa Projeto OBEDUC, financiado pela CAPES – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atua
como professora na rede estadual de ensino no município de Blumenau/SC. E-mail: [email protected]
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Introdução
A diversidade é inerente à constituição dos sujeitos, contudo os pressupostos da
modernidade, com os quais as representações existentes na sociedade a escola ainda
opera,adota a ideia de um sujeito padronizado, estereotipado. Assim as posturas,
reações e ações de crianças, adolescentes e jovens causam perplexidade, geram
conflitos, os quais, quando não compreendidos, poderão ser agravados na aplicação
de medidas que pretendem superá-los (EYNG, 2009, p. 2).
Iniciamos o presente texto, discorrendo sobre a diversidade que existe na sociedade e,
principalmente na escola e na universidade a partir do que enuncia Eyng (2009). A escola e a
universidade são instituições que promovem o ensino, a aprendizagem e também são
responsáveis por incentivar o respeito à diversidade visando assim, a inclusão de todos os
sujeitos que se inserem nesses espaços. Isto porque são nessas instituições que as vemos e as
compreendemos como lugares de saber e este é legitimado pedagogicamente (ORLANDI,
2006).
Para além disso, é preciso observar a partir das Políticas de Inclusão uma lista de
critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou
com mobilidade reduzida, ou todas aquelas que se sentirem excluídas do processo de ensino e
aprendizagem. A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), a Lei no
10.098 (BRASIL,
2000); a Lei nº 13.146 (BRASIL, 2015) asseguram os direitos as pessoas com deficiência e a
todas aquelas que sentirem-se excluídas ao acesso à educação gratuita e de qualidade.
Ou seja, escola/universidade para todos, conforme prevê a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), ressalta que todos
os alunos têm a possibilidade de aprender, a partir de suas capacidades, seja qual for o nível
ou etapa de ensino, desde a educação infantil até o ensino superior. Entretanto, quando não
são levadas em consideração as questões sociais, culturais e econômicas em muitos casos, as
dificuldades apresentadas no ambiente escolar passam a ser vistas e entendidas como
excludentes, pois se tem por entendimento medicalizar através de diagnósticos (Dislexia,
TDAH, dentre outros); ou ainda, as dificuldades dos alunos são todas relacionadas
diretamente às deficiências orgânicas.
Logo, tanto a escola quanto a universidade não cumprem seu papel quando não
possibilitam a socialização do saber e produzem patologias para serem tratadas nos serviços
de saúde. Isso decorre devido ao impedimento do acesso das crianças/jovens pobres aos bens
culturais e é consequência de um processo de ocultação da produção e reprodução das
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desigualdades sociais. Assim, enfrentar essa nova barreira educacional na escola e na
universidade é um objetivo em longo prazo, mas que incide em uma (des)construção no
contexto educacional brasileiro para a nova geração que continua a heterogeneizar o ensino
(DONIDA; POTTMEIER; SANTANA; SOUZA, 2014).
Com base nisso, nos dedicamos aqui a compreender os discursos que circulam na
escola e na universidade acerca da inclusão/exclusão de sujeitos com e sem deficiência. O
aporte teórico-metodológico da pesquisa se inscreve na Análise do Discurso e é cotejado com
pesquisas sobre inclusão, acessibilidade e permanência na Educação Básica num viés
sociológico: Bourdieu (1998), quanto aos bens culturais, e Foucault (1998), no que se refere
ao poder sobre o corpo, aquele que é moldado, fabricado.
O texto está organizado em três seções: o desenvolvimento, que apresenta o
referencial teórico que marca o que é educação inclusiva; a metodologia da pesquisa, com a
abordagem, recorte, análise e discussão dos dados e; por fim, seguem considerações e
referências.
Referencial Teórico
Ao tecermos o presente texto, compreendemos que o sujeito é na Análise do Discurso,
e conforme aponta a Proposta Curricular de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2014), um
ser social, histórico, ideológico. Os sujeitos são constituídos pela linguagem que se dá
socialmente, no contato com o outro, para além do contato face a face. Os sujeitos são
interpelados também pela ideologia que determina os seus enunciados (o que pode e o que
deve ser dito) por meio da história. Isto também ocorre por estarem ideologicamente em
contato com outras instituições (família, trabalho, religião) além da instituição escolar,
constituídos assim, por uma heterogeneidade (ORLANDI, 2006).
Na história, o foco das dificuldades estava voltado para sujeito. As práticas
pedagógicas e os sistemas de ensino no século XIX, eram responsáveis pelo fracasso escolar.
Já no século XX se passa a ter uma visão psicologizante das dificuldades, ou seja, é aquela
que atribui a culpa do rendimento ao aprendiz, portanto, no aluno (BOURDIEU, 1998).
Assim, as causas desse fracasso escolar ora passam a estar voltadas para o aluno, em seu
capital cultural ‘deficiente’ ou ‘diferente’ e, outras vezes, a culpa passa a ser da família e
outrora a instituição e os profissionais são os responsáveis pela evasão e pelo contingente de
alunos que não conseguem atingir os objetivos propostos em relação aos alunos com maior
“capital cultural” (PATTO, 2010).
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Para Foucault (1998), a disciplina deixa de ser uma arte e passa ser força para obter
um aparelho eficiente. O treinamento dos alunos deve ser feito com poucas palavras,
nenhuma explicação, “somente sinais sendo utilizados – palmas, gestos, simples olhares do
mestre, ou ainda um aparelho de madeira que os Irmãos das Escolas Cristãs usavam. O aluno
deverá aprender o código dos sinais” (FOUCAULT, 1998, p. 140). A ideia central foi a de ter
um exército perfeito, uma massa disciplinada e uma tropa dócil e útil. Logo, a escola se
apresenta como um mecanismo de controle e reprodução social. Ou seja, aquela que produz a
exclusão de acordo com a posição do sujeito na estrutura social.
Ainda hoje (2015), notamos que escola faz com que o próprio aluno se culpe pelo
fracasso escolar, atribuindo o fracasso a deficiências pessoais. Isto acaba por perpetuar a
diferença entre classes no que diz respeito ao acesso às oportunidades, que deveria ser
igualitário, principalmente em se tratando do âmbito educacional. Onde se via igualdade de
oportunidades, meritocracia, justiça social, Bourdieu (1998) passa a ver reprodução e
legitimação das desigualdades sociais.
Compreendemos que o objetivo das escolas em pleno século XXI e das Políticas de
Inclusão vigentes e já citadas no presente trabalho, é formar sujeitos para o exercício da
cidadania na sociedade. A escola precisa assumir a valorização de sua cultura e, ao mesmo
tempo, buscar ultrapassar seus limites, rompendo barreiras e possibilitar aos alunos
pertencentes aos diferentes grupos sociais, culturais, étnicos entre outros o acesso ao saber, ao
conhecimento. Ressaltamos que a prática escolar é diferente de outras práticas educativas,
com as quais acontecem na família, no meio social, pois ela (prática escolar) constitui-se de
forma sistemática, planejada e contínua e, acima de tudo libertadora (FREIRE, 2011).
Segundo o Guia Prático para Professores: “Diálogos e Mediação de Conflitos na
Escola”, disponibilizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (BRASIL, 2014, p.
16), a escola é:
palco de uma diversidade de conflitos, sobretudo os de relacionamento, pois nela
convivem pessoas de variadas idades, origens, sexos, etnias e condições
socioeconômicas e culturais. Todos na escola devem estar preparados para o
enfrentamento da heterogeneidade, das diferenças e das tensões próprias da
convivência escolar, que muitas vezes podem gerar dissenso, desarmonia e até
desordem.
Assim, entendemos que o aluno já nas séries iniciais do ensino fundamental precisa ser
levado a aprender a ler, a escrever a compreender o que está lendo, escrevendo para saber
interpretar não apenas um texto, mas compreendê-lo e articulá-lo a sua vida diária. Ou seja,
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como ele faz uso da leitura e da escrita na escola e fora deste espaço? Isto implica na
sobrevivência (inclusão) do sujeito na sociedade em que vive, a saber: pegar um ônibus,
escrever uma carta/e-mail, ler a bula de um remédio, dar e receber informações, até o
manuseio do celular entre outros. Mas também, para além das questões de leitura e escrita, é
necessário que haja inclusão escolar do aluno portador de alguma necessidade educacional
especial, nesse contexto escolar, indaga-se: Como é a sua inclusão e o seu acolhimento pelos
colegas?
Consideramos que o ensino, seja ele em nível de educação básica ou superior,
apresenta-se como ação cultural e social, o que permite pensar em um ponto importante no
combate à exclusão na escola e na universidade. Do mesmo modo que é preciso que se leve
em conta o desenvolvimento de uma linguagem que permita compreender a relação entre
ensino escolar/universitário, as relações sociais e o conhecimento historicamente construído
que as crianças/jovens trazem para a escola/universidade, e de que maneira esses se
relacionam com os professores e os demais sujeitos que se inserem naqueles espaços - escola
e universidade (GIROUX, 1997; FREIRE, 2011).
Metodologia
A metodologia em que esta pesquisa se insere é de cunho qualitativo exploratório, pois
instiga os sujeitos pesquisados a pensarem livremente sobre o tema, objeto ou conceito.
Permite ainda, que os pesquisadores tenham familiaridade com o problema a ser investigado,
com vista a torná-lo mais explícito ou construir hipóteses (GIL, 2008).
O corpus desta investigação envolve quatro sujeitos (com 9 anos de idade) que
frequentam o 4º ano do ensino fundamental de duas escolas da rede estadual de ensino, uma
localizada em Florianópolis/SC e, a outra, localizada em Blumenau/SC, bem como um sujeito
(com 50 anos de idade) que frequenta um curso do Programa de Pós-Graduação de uma
universidade pública de Santa Catarina.
A escolha desses sujeitos se justifica por atuarmos na educação básica como docente, e
educação superior como pesquisadoras. Temos observado que no ambiente
escolar/universitário com a vinda de muitos alunos com deficiências ou de classe mais pobre
tem gerado estranhamentos, uma vez que o dito normal pode não estar/ser adequado para o
novo perfil de aluno que se insere nessas instituições. Logo, como vem ocorrendo essa
inclusão/exclusão nesses espaços?
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Na busca por algumas respostas para nossas questões, no ano de 2015, realizamos uma
entrevista individual com um aluno da escola pública com fissura labiopalatina transforame
total à esquerda (Florianópolis/SC) e com um sujeito (surdocego) da universidade e, desenhos
de três sujeitos (Blumenau/SC). A entrevista qualitativa,
fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre
os atores sociais e sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das
crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas
em contextos sociais específicos (GALKELL, 2003, p. 65).
Assim, ao buscarmos compreender na voz destes alunos o que é inclusão/exclusão na
escola e na universidade, inscrevemo-nos na Análise do Discurso de linha francesa que
considera o sujeito como um ser social e constitutivamente heterogêneo, uma vez que este
ingressa em outros discursos de outras instituições (outras ideologias). Pêcheux (1988)
conceitua os dizeres (formações discursivas) como variáveis do processo sócio-histórico em
que as palavras circulam, mudando de sentido, conforme a posição de quem, o que e como diz
(o dito e o silenciado).
Resultados e Discussões
Nesta seção de análise e discussão dos dados, depreendemos que as reflexões de
Foucault (1998) e de Bourdieu (1998) nos parecem muito pertinentes, contudo estes autores
analisam o contexto escolar francês. Muito embora existam semelhanças com a realidade
brasileira, há fatores que são pontuais em nosso contexto escolar/universitário.
A partir da leitura da obra “Vigiar e Punir” de Michael Foucault (1998), podemos
considerar uma sociedade constituída por instituições que buscam formar um único corpo.
Este corpo social pode ser representado por poderes hierárquicos e que juntamente se utilizam
de métodos parecidos para o exercício do mesmo. Constatamos que a escola, o exército, os
hospitais, as fábricas, apesar de terem uma lógica própria, exercem o mesmo sistema
disciplinar e que uma coexiste juntamente a outra.
Portanto, isto nos leva a refletir de que forma podemos mudar essa realidade escolar.
Por que nos permitimos esse disciplinamento? Como seria a sociedade sem esse modelo
disciplinar, classificatório e excludente? Para Pryjma e Guebert (2004, p. 7),
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A criança e o jovem que foram excluídos da escola são vistos como um entrave aos reais interesses dominantes na ideologia educacional vigentes no país, e a superação
desse quadro demanda enormes esforços coletivos que talvez, nem mesmo a própria
classe educativa esteja disposta a despender,seja por não entender tais educandos
como excluídos, seja por não compreender nem valorizar as capacidades intelectuais
desses alunos.
Por outro lado,
[...]aidéia de inclusão social surge de um movimento de educação para todos(índios, negros, deficientes, marginalizados, outros), com o direito universal.Através do
processo educacional é que se promove o crescimento humano,desenvolvendo as
capacidades, habilidades e recursos das pessoas,possibilitando aos indivíduos a
conquista de independência e de autorealização.Para isto se faz necessário
desenvolver um trabalho de prevenção às diferenças, atendimento educacional para
todas as pessoas que necessitam, favorecendo sua inclusão em todos os âmbitos
sociais,constituem desafios para serem enfrentados e vencidos exigem a definição, o estabelecimento e a prática de uma política que deve ser encaradas com serenidade,
responsabilidade e competências a fim de mobilizar recursos científicos, humanos e
materiais para atendimento às necessidades específicas da população (PRYJMA;
GUEBERT, 2004, p. 7).
Podemos compreender isto a partir dos desenhos dos alunos de uma escola localizada
em Blumenau/SC que são apresentados na sequência (Desenhos 1, 2, 3) em que se incluem os
sujeitos no espaço escolar, independente de cor, sexo, religião entre outros. No Desenho 1,
observamos meninas interagindo com um menino no pátio da escola. Isto implica em não
levar em conta as diferenças de gênero: masculino e feminino, mas o importar-se com o outro,
respeitando, dialogando e criando-se aí, vínculos de amizade já na infância, já nos tempos de
escola.
Desenho1 – Diversidade de gênero – amizades – S1.
Fonte: As autoras.
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O Desenho 1 vai ao encontro do dizer do aluno que frequenta uma escola em
Florianópolis/SC. Esse sujeito tem fissura labiopalatina transforame total à esquerda3.
Conforme sinalizado no diálogo abaixo, nominado aqui como S4 (2015), quanto a não ter/ter
amigos na escola, ele responde que:
[...]
T: e você me disse que não tem amigos, é verdade?
K: é sim.
T: Mas nenhum, nenhum?
K: ah... tem sim... uma menina... T: e ela é tua amiga? Vocês brincam juntos?
K: é.
[...]
Compreendemos que a menina o aceita melhor como ele é, mesmo apresentando uma
característica particular que o faz ser ‘diferente’ dos demais meninos. Isto, porque ele relata
que sofre de alguma forma discriminação dos demais colegas de escola. Ou seja,
consideramos aqui que pode ser levada em conta a perfeição do corpo. Logo, S4 passa a ser
classificado e excluído de outros grupos de meninos como “aleijado”, pois não apresenta um
corpo único, perfeito, aquele legitimado pela sociedade (FOUCAULT, 1998).
T: E aí K., como que foi teu dia? Tua semana? Foi boa?
K: Não muito (com cara de triste). T: Por quê? Que que aconteceu?
K: Tem uns meninos que ficam me incomodando, dai eu não gosto.
T: O que que eles te incomodam?
K Eles me chamam de aleijado.
T: Nossa, mas e você não conta pra professora?
K: Eu não, eles são maiores.
T: Então não são da tua sala?
K: Não, são do 9º ano.
T: E da tua sala, ninguém te incomoda?
K: Da minha não. Eles incomodam eu e outro menino da minha sala.
T: E o que que eles fazem?
K: (Ficou em silêncio e cabisbaixo) T: Mas e quando que eles te incomodam?
K: No recreio.
T: Só no recreio?
K: (sinal afirmativo com a cabeça) (S4, 2015).
Nos Desenhos 2 e 3, notamos diferenças da ocupação do espaço, pois o Desenho 2,
conforme segue, compreendemos que os sujeitos que se inserem na escola acabam escolhendo
suas amizades pelas afinidades, pela proximidades que tem entre seus pares. Vemos no
3 É uma abertura na região do lábio ou palato, ocasionada pelo não fechamento dessas estruturas, que ocorre
entre a quarta e a oitava semana de gestação. Disponível em: http://ctmc.lusiada.br/malformacoes-craniofaciais.
Acesso em: 31 jul. 2015.
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Desenho 2 que no centro (pátio) não é ocupado, mas sim suas extremidades. Isto, porque os
sujeitos sintam-se mais seguros, respeitados quando estiverem com seus amigos/suas amigas
de escola/da vida.
Desenho 2 – Amizades na escola – S2.
Fonte: As autoras.
Em contrapartida, no Desenho 3, notamos que o espaço escola (o pátio) é ocupado em
seu todo, ou seja, os sujeitos circulam por ali, sejam em pares, sozinhos. Contudo, isto
permite uma discussão em que a inclusão pode existir pelo respeito mútuo independente
daquele que está acompanhado ou sozinho.
Desenho 3 – Interação na escolaS3
Fonte: As autoras.
Assim, se por um lado temos a escola como aquela que promove a interação com o
outro, se apresenta como uma possibilidade de aprender, se ter consciência nas escolhas que
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faz (FREIRE, 2011). Por outro lado, ainda é aquela que classifica e exclui os sujeitos que não
se enquadram em um determinado padrão, forma a partir dos grupos sociais portadores de
características inerentes ao grupo modelo. Isso resulta na intenção de criar um discurso
homogêneo, que gera o assujeitamento, ou seja, o apagamento das marcas ideológicas do
sujeito, o que consideramos como uma exclusão na escola (PÊCHEUX, 1988; FOUCAULT,
1998).
Do mesmo que podemos compreender na fala do S5 (2015), aluno do ensino superior,
surdocego, quando este se reporta aos tempos de escola e como era incluído/excluído naquele
espaço diariamente, principalmente por profissionais da educação.
O que tava na teoria não acontecia na prática, na verdade. Era um, era uma, uma simulação do que realmente era, do que era a exclusão. [...] Não tínhamos recursos
didáticos pra isso na minha época e foi muito difícil. Ahn, os professores não tinham
preparo para lidar comigo, não tinham treinamento. Não tinha... Na verdade não
tinha! Nada, nada, nada nada que, que, na minha inclusão. Eu fui na verdade
incluído mas tratado como todos e como todo mundo, na o tinha nada que se
adaptasse pra mim.
Reforça o S5 que a falta de preparo dos profissionais era uma das características para
não estar incluído completamente no processo de ensino e aprendizagem. A falta de estrutura
e de materiais didáticos para sua adaptação também é sinalizada pelo sujeito, pois
representava uma “simulação do que realmente era, do que era a exclusão” e ao mesmo
tempo “Não tínhamos recursos didáticos pra isso na minha época e foi muito difícil”. Ou
seja, ele sente que foi “incluído mas tratado como todos e como todo mundo, não tinha nada
que se adaptasse pra mim”.
Isto, pois no período em que frequentou a escola e sua formação no ano de 1985 no
antigo segundo grau (atual ensino médio), ainda não haviam sido promulgadas as leis e
Políticas da Educação Especial, a saber: Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB nº
9.394 (BRASIL, 1996), Lei 13.146 (BRASIL, 2015) e (BRASIL, 2008), que garantiam o
direito à educação para Todos. Por outro lado, temos notado que essas leis e políticas são um
passo inicial de acesso à educação, porém não têm assegurado as condições necessárias à
inclusão de alunos com necessidades especiais, dentre elas a formação docente. A capacitação
dos professores envolve uma atuação multidisciplinar entre as áreas da educação e saúde
(Fonoaudiologia, Psicologia entre outras), como promotoras de conhecimentos,
conscientização e estratégias que podem colaborar na atuação docente o que se estende ao
ensino superior também.
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Quando questionado ao S5 (2015) sobre dificuldades no que se refere a sua inclusão
no ensino superior, evoca que
Na faculdade eu tive muito menos dificuldade com em relação a isso. O que ta me trazendo mais dificuldade é o mestrado. Eu creio que mesmo tendo questões
teóricas, como [?] de artigo, [?] filosófico. De leituras que são exigias/dirigidas pra
questões de mestrado mesmo. Principalmente leitura de textos de teoria que eu
tenho que ler e reler pra tentar entender.
Como descrito por Santana et.al. (2015, p. 676):
Logo, é preciso que se discuta seriamente essa questão para que se possa falar efetivamente em “inclusão”, não apenas dos “deficientes”, mas de todos os alunos
que necessitam de apoio quando ingressam na universidade. Assim, precisa-se de
uma educação que supra a necessidade de cada aluno sem homogeneizar o ensino.
A partir do que afirma S5, compreendemos que as políticas da Educação Especial
configuram um cenário democrático à educação brasileira. Na análise do dizer deste sujeito,
depreendemos que há uma demanda de trabalhos, de leituras que precisam ser feitas, o que
incide no conhecimento científico de S5 relativo ao seu processo de ensino e aprendizagem
em um curso de Pós-Graduação. Logo, as necessidades especiais - as particularidades tanto
em relação às deficiências (auditiva e visual) precisam ser exploradas positivamente para que
ele se sinta parte do processo de aprender a ler, a escrever academicamente, ou seja, incluído.
Para Saravali ([2005] apud SANTANA, et.al., 2015), a inclusão no Ensino Superior
perpassa a aporte ao sujeito, enfatizando sua permanência na instituição e sua conclusão no
curso. Assim, não bastaria apenas a democratização do ensino, pois a inclusão estaria evidente
desde a inscrição no vestibular, o acesso às páginas institucionais, todo o percurso do aluno na
instituição - sua permanência com qualidade - até o final do curso.
Considerações Finais
Os sentidos que circulam na escola e na universidade acerca da inclusão/exclusão de
sujeitos com e sem deficiência foi a provocação no título do presente artigo. Compreendemos
aqui que a educação é uma possibilidade para a formação do cidadão. Aquele que respeita a
diferença tem autonomia na sociedade em que se insere e das escolhas que faz, conforme
destacam os desenhos e dizeres dos sujeitos aqui pesquisados. Cabe aqui mencionar que a
democracia é palavra-chave na interação entre as pessoas, neste caso, sujeitos que frequentam
a educação básica e superior, o que permite construir conhecimento, romper com paradigmas
tradicionais de educação.
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Incluir, no sentido amplo da palavra, é mais que acolher. É evitar que possíveis formas
de exclusão, discriminação possam afetar o desempenho do aluno/acadêmico em nível de
educação básica e superior. Depreendemos, desta maneira, que tanto nas falas/desenhos dos
alunos do ensino fundamental, quanto na fala do aluno do ensino superior vemos defasagens
em relação à inclusão. Isto, ocorre porque eles não se sentem ainda completamente inseridos
naqueles ambientes de ensino e, que ainda há falhas nos sistemas e órgãos públicos quanto à
efetivação na prática das leis da inclusão em vigor (BRASIL, 2015). Tanto na escola, quanto
na universidade há sinalizações para que haja assistência e permanência de qualidade a esses
alunos, uma vez que a Educação é para Todos (UNESCO, 1998).
Logo, é necessário que todos os profissionais que atendam as crianças e adultos em
fases escolares e na universidade, estejam atentos aos possíveis sinais e também estejam
abertos para diálogos interdisciplinares. Equipes multidisciplinares com Fonoaudiólogo,
Psicólogo, Psicopedagogo, a fim de auxiliar o professor (da educação básica e superior) com
orientações, recursos e estratégias específicas podem tornar acessíveis as atividades em sala
de aula e a inclusão de alunos com alguma necessidade especial. Isto, pois essas instituições
ensino devem garantir a inclusão de todos os alunos.
Portanto, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (BRASIL, 2008) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Lei nº
13.146 (BRASIL, 2015) asseveram que todos os alunos têm a possibilidade de aprender, a
partir de suas capacidades, seja qual for o nível ou etapa de ensino e, assim devem ser
respeitadas suas singularidades, suas diferenças nesses espaços de aprendizagem, de trocas de
conhecimento.
REFERÊNCIAS
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