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Os Significados do Design Moderno A Caminho do Século XXI - Peter Dormer - compartilhandodesign.wordpress.com

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  • I I

    Coleco " DESIGN , TECNOLOGIA e GESTO"

    Peter Dormer

    I

    A caminho do sculo XXI

    Editado com o apoio do PEDIP 11

    aNTRO PORTUGUS .,OESIGN

  • Os significados do design moderno

  • Ttulo Original: The Meallillgs 01 Moderll Design Towards tlle Twenty-Firsl Ce11lury Peter Dormer

    1990 Thames and Hudson Lld, Londres

    Os Significados do Design Modemo A caminho do sculo XX! por Peter Donner

    Copyright para a lngua portuguesa Centro Portugus de Design, 1995

    Tradutor: Pedro Afonso Dias

    Conse(heira Editorial: Ana Calada D~signer: Paula Cr Grais

    ISBN 972-9445-05:-2

    Todos os direitos reservados. E proibida a reproduo no todo ou em parte desta publicao, seja qual foro me io ou suporte, nomeadamente os electrnicos, mecnicos (incluindo fotocpias. gravaes ou outros sistemas de regislO e recuperaao de infonnaes), sem aUlOrizao prvia, por escrito, do editor.

    Impresso por Bloco Grfico, Lda. Rua da Restauraao, 387 4050 PORTO - Portugal, 1995

  • -Coleco "DESIGN, TECNOLOGIA e GESTAO"

    Peter Dormer

    A caminho do sculo XXI

    ,

  • 4

    n

    ,

    INOICE

    PREFCIO 7

    1 O DESIGN E O ESTILO I 1 A relao entre estilo e engenharia

    Acima e abaixo da linha Estilos agradveis vista No h artesos autnomos?

    2 NOVENTA ANOS DE DESIGN O estilo em design desde 1900

    31

    O direito de escolha A economia norte-americana e o design do sculo XX - Design e consumo na Europa

    3 COMO DUAS GOTAS DE GUA O impacte dos novos materiais

    59

    Os valores do plstico A revoluo da supercondutividade As limitaes da carne E o Homem criou a mquina -

    4 O PANORAMA DOMSTICO ACTUAL O design e o lar

    A infra-estrutura incorprea

    8 1

    Os instrumentos que prolongam o corpo humano A alma da mquina -- Emoes face ao objecto Valores em mudana

    I

  • 5 DESIGN DE LUXO O luxo do design

    A deificao do dinheiro Objectos de figurao

    6

    Objectos paradi sacos

    -VALORIZAR A PRODUAO MANUAL O artesanato de atelier e significado do seu estilo

    113

    Feitos mo

    139

    David Pye O percurso do arteso Libertao face ao mercado -~ .- ~ .. - ----- - -

    Realizao pessoal O estilo do artesanato Uma esttica de oposio?

    7 OS FUTUROS DO DESIGN Conservao e conservadorismo

    167

    Publicidade e ideologia - Ouro de lei - O design e as razes da sociedade

    NOTAS 179

    -ILUSTRAOES 183

    NDICE REMISSIVO 184

    -

    _ .

    -

    ----,

    5

  • ,

    PREFACIO

    Porque compramos tantas coisas? Quem convence os designers a re-desenharem tudo constantemente? O consumidor, o fabricante, o publicitrio? Ou os prprios designers? Porqu e de que forma a arte, os misteres, o artesanato e os acabamentos mo so relevantes para o design numa cultura de consumo industrializada? Embora haja, como sempre, excepes regra, subjacente ao enorme interesse que actualmente existe pelos objectos de design est uma verdade insofi smvel: desde que lhes seja dada a oportunidade, as pessoas gostam de adquirir coisas. O desejo de possuir coisas contribui para o xito tanto da indstria como do designo Haver provavelmente razes subtis que expliquem os vrios tipos de avidez aquisitiva, mas existem tambm outras bastante lineares: as mquinas de lavar roupa e outros equipamentos tornam a vida mais fci l (e, conse-quentemente, mais agradvel); outros objectos, como as cadeiras, proporcionam conforto; e existem artefactos ldicos, como a telefonia, a alta fidelidade, a televiso e os brinquedos. H ainda outras coisas algumas classificadas como arte, outras como peas de artesanato que queremos nossa volta para nos emprestarem cor, variedade ou expressiv idade. Raramente so indispensveis nossa sobrevivncia. Mas a partir do momento em que o aumento da populao e a complexidade das nossas relaes sociais passaram a caminhar a par da evoluo associada produo da energia, da medicina e do comrcio, pode dizer-se que a nossa existncia est dependente daquilo que algumas pessoas consideram suprfluo. A moderna cultura dos materiais de tal modo elaborada que ficamos mutuamente interdependentes de um conjunto complicado, gongrico e aparentemente esban jador de relaes e condies, qual mirade de insectos da floresta tropical. A sobrev ivncia pura e simples no se pe sequer como hiptese. Aquilo que torna designers, fabricantes e objectos irresistivelmente interes-santes o facto de estarem integrados no seio de culturas materiali stas, procurando dar expresso a uma grande variedade de realizaes culturais e aspiraes do Homem. Neste livro, d-se nfase ao designerenquanto estilista, espcie de conetor de uma bolsa de ideias e valores; um intermedirio entre fabricantes, engenheiros e cientistas, por um lado, e o consumidor, por outro. Toda a interaco pressupe necessariamente valores partilhados. Para que o fabricante possa ter lucros, o designer receber honorrios e o consumidor

    -

    ---~." 7

  • Prefcio

    ver aumentada a sua auto-estima, tm de partilhar a mesma linguagem. Tem que existir um consenso sobre o que bom aspecto, quais os materiais que devem ser valori zados e porqu; tem que existir uma comunho de opinies sobre aquilo a que vale a pena aspirar e de que modo essas aspi-raes podem ser reforadas atravs de bens materi ais. A consonncia nestes aspectos manifesta-se por convenes de gosto, classe e moda que caracte-rizam uma cultura em todos os momentos da histria. Consequentemente, a poss ibilidade de um vanguardismo no design mais restrita do que nas belas-artes o que bvio, porque, se o des ign estiver muito avanado relativamente compreenso das pessoas, deixar de corresponder s suas expectati vas enquanto consumidores, perdendo-as enquanto tal. Na actualidade, as belas-artes deixaram de valorizar a ideia de que o vanguardismo deve ser acess vel ao grande pblico, pelo que a maioria das pessoas o ignora. Existem importantes diferenas ao nvel econmico entre arte e des ign; mas a estrutura e as ambies de arti stas e designers confundem-se por vezes no campo do des ign de luxo e do artesanato de qualidade, reas em que a exclusi-vidade um valor em si e em que o valor esttico apenas pode ser reconhecido pelos conhecedores. Um exemplo deste facto foi o mobilirio produzido em

    8 Mi lo pelo Grupo de Memphis em princpios dos anos oitenta. O seu trabalho no atraiu o pblico, mas esse no parece ter sido alguma vez o objectivo; foram os museus que o compraram, enquanto smbolo de um fenmeno cul tural, no que foram imitados por alguns coleccionadores ricos. De uma maneira geral, os des igners e os fabricantes no se podem dar ao luxo de estar muito avanados em relao aos gostos dos consumidores nem do que os preocupa - sobretudo numa poca de crescente conscienc ializao para questes ecolgicas. Mas isto no significa que o consumidor esteja na origem de todas as influncias dos designers e fabricantes. Fazem-se experincias, avana-se uma ou outra provocao, testam-se coisas nunca pedidas nem sequer esperadas pelo consumidor. Para aguar o apetite dos potenciais consumidores, o fabricante recorre aos servios dos especialistas na matria, as agncias de publicidade. Os publicitrios contribuem para a construo dos valores que moldam o consumismo. Os diferentes elementos design, consumismo e construo da imagem do consumismo atravs da publicidade mantm uma relao bastante instvel: o processo contnuo , como verter tintas de leo sobre a gua e v-Ias misturar--se. Umas vezes conseguimos ver em que ponto as cores se tocam; outras, impossvel determinar a fronteira entre elas. Os mati zes gerados pelo

  • Prefcio

    materialismo so potenciados pela publicidade na televiso e revistas de grande consumo. Todo o design envolve, aberta ou dissimuladamente, a expresso de valores. Neste livro, analisam-se as seguintes categorias de objectos:

    I Objectos de consumo durveis: tais como secadores de cabelo, chaleiras elctricas e aspiradores.

    2 Artesanato: cermica, mobilirio, txteis ou joalharia, fe itos mo.

    3 Artefactos de design de luxo: peas que, tendo sido desenhadas por arquitectos ou designers conceituados, exigem uma grande quantidade de mo-de-obra especializada (aqui se incluem produtos de preo elevado, como automveis, relgios e serv ios de ch l.

    A estrutura do livro reflecte a importncia de quatro temas o contexto econmico do design e da produo, incluindo o fabrico artesanal; o papel desempenhado pelas novas tecnologias na abertura de possibilidades aos estilistas; a relao entre fabrico, consumo e realizao pessoal; a necessidade crescente de enquadrar o design nos valores mais elevados da sociedade sade e segurana, realizao profissional do indivduo e responsabilizao face ao meio ambiente. Este livro no se baseia, portanto, nas histrias e 9 percursos de designers individuais. A nossa relao com o consumismo, neste final do sculo XX, ambgua; apesar de se reconhecer o xito e o prazer tornados possveis pela cultura do consumismo, a actual espiral de excessos no pode continuar sem que haja estruturas nacionais e internacionais para regulamentar o fabrico dos produtos de consumo. Estamos aexercerdemasiada presso sobre o planetaedefrontamo--nos j com o perigo real de o envenenar. E os principais responsveis so sobretudo o Ocidente e o Japo; o resto do Mundo no aderiu ainda ao clube dos consumidores. O design e o estilo, o primeiro captulo, define o mbito de todo o livro e explica a distino entre "abaixo" e "acima da linha", que permite identificar separadamente o design enquanto processo estilstico e enquanto produto da engenharia. No captulo 2, Noventa anos de design, define-se o contexto econmico geral que esteve na raiz da modificao estilstica verficada no design do sculo XX, com especial nfase na economia e na poltica externa dos Estados Unidos. Considera-se frequentemente que a guerra um motor de inovao e de progresso do design, e h boas razes para que assim seja. O captulo 3, Como

    -

  • Prefcio

    duas gotas de gua, demonstra que muito se fez em prol do design tambm em tempo de paz, atravs da dinmica do prprio consumismo em larga medida auxiliado pelas indstrias de armamento e aerospaciais, sustentadas, como em tempo de guelTa, pelos impostos e no por polticas comerciais baseadas no lucro. No entanto, o captulo incide fundamentalmente na contribuio estilstica dos novos materiai s. O panorama domstico actual (captulo 4) comea por analisar o des ign e o estilo das ferramentas, passando em seguida s " pseudoferramentas". Assim, as mquinas de lavar so consideradas "verdadeiras ferramentas", enquanto a mquina de fotografar SLR 3S mm, com todos os seus acessrios, conside-rada uma "pseudofelTamenta". Debate-se ainda o papel do simbolismo e significado do estilo no produto formas, ao longo do livro.

    questes recorrentes, sob diferentes

    Assim, o captulo S, Design de luxo, detm-se no papel do simbolismo no marketing d irigido aos ricos ou aspirantes a ricos, sa lientando a importncia do artesanato neste sector. O trabalho dos artesos o tema principal do captu lo 6, Valorizar a produo manual. A se defende a tese de que o artesanato contemporneo uma inveno do sculo XX e de que o seu significado se forja no s na sua

    10 oposio ao design e indstria, mas tambm pelo seu distanciamento da tica da concorrncia dos preos. O captulo final, Futuros do design, enuncia doi s tipos de abordagem para o des ign: a conservao e o conservadorismo. Agora que os consumidores di s-pem de uma enorme variedade de objectos, o prximo passo no percurso lgico do consumismo (que est a desenrolar-se perante os nossos olhos) a preocupao com o meio ambiente. No design, como em qualquer actividade, h lugar para o ceptic ismo. Mas ao aproximar-se o termo do sculo XX temos de acreditar no futuro se quisermos encontrar o que torna a vida tolervel

    os valores inatos.

  • o Design e o Estilo

    deste facto. Por vezes, os objectos de segunda ordem, as compras de artigos bsicos, essenciais, so tornados atraentes pelos publicitrios que, inteligentemente, chamam a ateno para a cincia que tais produtos encerram. ,

    E o caso das pilhas secas e do leo para automveis. Por exemplo, ao tentar fazer de uma determinada marca de leo para motores uma compra atraente, a agncia de publicidade pode realar o aspecto sofisticado da cincia invisvel do leo para motor, referindo-se-Ihe como "engenharia lquida" . O consumidor ignora, normal e compreensivelmente, o design "abaixo da linha", at se verificar uma falha. Esta pode ocorrer devido a pelo menos uma de trs razes: conhecimento insuficiente do produto por parte do fabricante ou designer; falta de cuidado na sua elaborao; fim da vida natural do componente. Os critrios subjacentes ao xito ou fracasso do design "abaixo da linha" so, por vezes, perfeitamente identificveis: as peas falham, as pessoas morrem. A ordem e a natureza da responsabilidade do design ao nvel dos estratos ocultos so normalmente essenciais e podem afectar fisicamente as vidas de pessoas e animais ou o meio ambiente. O vaivm Challenger um exemplo recente. Em parte por razes polticas (o pblico teve de ser convencido de que teri am que gastar-se fundos pblicos no Espao para benefcio de industriais privados) e tambm porque alargarmos o nosso horizonte ao sistema solar entusiasmante e revigorante, a NASA manteve a sua mquina publicitria permanentemente em aco, no intuito de convencer o pblico de que no design "abaixo da linha" se pautou sempre por uma grande qualidade. A tecnologia espacial dos Estados Unidos tornou-se, ela prpria, uma metfora do que melhor havia em designo ,

    E claro que o imaginrio colectivo donde tambm o imaginrio de cada um de ns se intrigava com os elementos estilisticamente mais notrios e visveis, um sem-nmero de mincias de que se compunha o programa espacial - as botas dos astronautas, as mochilas e os comandos internos da nave. Esse imaginrio no foi perturbado por coisas como vlvulas de borracha, nem sequer pelos mosaicos cermicos de isolamento trmico que, como telhas ao vento, se desprendiam constantemente. Quem, a no ser um canalizador, se entusiasma com o tipo de canalizao que tem em casa? A exploso do vaivm espacial Challenger provocou, no imaginrio do consumidor ocidental, uma ruptura comparvel ao afundamento do Titanic. Ambos so exemplos do maior expoente das realizaes materiais, cujo fracasso repentino provoca no consumidor um imediato decrscimo na f que ele tem no design e, temporariamente, na cultura em que este est inserido. Alm disso, apesar de tais realizaes serem ou terem sido encaradas como

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    o Design e o Estilo

    expoentes mximos da tcnica, foram logo tidas como dados adquiridos e consideradas seguras. A f dos leigos tambm alimentada pela construo de histrias, mitos e metforas contemporneos. A explorao espacial, em particular, tem sido acompanhada por algumas metforas de um virtuosismo inigualvel para alimentar a nossa imaginao. Veja-se o caso de "2001, Odisseia no Espao", que exalta a tecnologia superior da cultura dos Estados Unidos. O filme apresenta como "realidade" aconquistado Espao na verso de empreendimento sem mcula, em que os erros habituais nas empresas humanas foram erradi-cados o que correu mal no mundo de fico de Kubrick foi a inconstncia de outra inteligncia (essa no humana), nomeadamente a de HAL, o exasperante computador inteligente que falava com uma voz de missionrio mrmon. ,

    E evidente que o chauvinismo nacional afecta a forma como vemos o des ign: pensemos, por exemplo, no modo como foi noticiado no Ocidente o desastre de Chemobyl. A exploso foi, de uma maneira geral, considerada pelos ocidentais como um incidente tipi camente russo, porque se partia do princpio que a tecnologia russa sempre inferior norte-americana ou da Europa Ocidental. Uma parte deste chauvinismo pode ter a ver com aspectosestilsticos: aos olhos do Ocidente, o design russo parece produzir sempre monos de cariz utilitrio, na medida em que transparece que o design "abaixo da linha" continua a ser primrio, dando origem a objectos muito vulnerveis a falhas gerais repentinas. O ar desengraado e primrio do design espacial russo , em parte, resultado de um fraco design "abaixo da linha" no domnio da electrnica a tecnologia russa ainda no chegou ao nvel de desenvolvimento

    ,

    de microprocessadores verificado no Ocidente. E provvel que se tivesse explodido uma nave espac ial russa a f ocidental no design e tecnologia espaciais no sofresse o mnimo abalo. Os nossos preconceitos acerca da superioridade da tecnologia ocidental no sero, talvez, inteiramente justificados. Com linhas antiquadas ou no, as naves espaciais soviticas tm bons desempenhos. Mas a tecnologia "abaixo da linha" exactamente porque se situa "abaixo da linha" consegue camuflar os seus piores aspectos, entre os quais os procedimentos menos cu idados. A cincia pode ser pura, mas, por vezes, a sua aplicao demasiado humana no que tem de falvel. A exploso do Challenger foi um choque, mas choque maior foi saber-se que a vu lnerabilidade da NASA reside no grande primitivismo que, a par da maior das sofisticaes, existe na tecnologia espacial, essa tecnologia em que depositmos a nossa confiana. No obstante, a imagem popular, a ideia mais vulgarizada, e de alguma forma

    /

  • o Design e

    bem fundamentada, da natureza da cincia e da tecnologia a de que no se utiliza o mtodo de "tentativa e erro" na moderna tecnologia ocidental a partir do momento em que algo entrou em fase de produo ou quando esto emjogo vidas humanas ou investimentos avu ltados. Pressupe-se, por exemplo, que os prottipos de avies no se despenhem, mesmo se estiverem a ser sujeitos aos primeiros testes de voo. O lanamento de equipamento dispendioso precedido de testes laboratori ais e simulaes que recorrem a modelos informatizados . Alm de que sempre m publicidade um av io comercial despenhar-se, mesmo que se trate de um prottipo. Os leigos tambm so tranquilizados pela certeza de que, se um engenheiro utili za determinada coisa, h um cientista por detrs dele que compreende como e porqu essa coisa funciona. Esta confiana normalmente justifi-cada, mas o mtodo de tentativa e erro no abandonou por completo o design "abaixo da linha". Por vezes, temos que utili zar materiais que desempenham bem determinada funo antes de sabermos porque que o fazem. Nos ltimos trinta anos, a nossa confiana na tecnologia aumentou significati -vamente, porque se ass istiu ao amadurecimento de vrias tecnologias visveis que alcanaram os mais elevados nveis de sofisticao e fiab ilidade. So disso exemplo os automveis e os avies. Depois de uma vaga de desastres de av io, no se verifica um decrscimo signifi cativo de pessoas a quererem viajar. Neste livro, far- se-o outras referncias ao design "abaixo da linha", mas va le

    .

    a pena resumir as caractersticas da relao existente entre engenharia de produto, estil o do produto e consumidor.

    I O design "abaixo da linha" demasiado complexo, variado e est frequentemente envolto num mistrio demasiado profundo para poder interessar o consumidor leigo. Alguns defendem que, muitas vezes, o design e a engenharia so intrinsecamente complicados para poderem ser compreendidos pelos leigos : nenhum leigo conhece a fundo o Boeing 747.

    2 Se o ponto I verdadeiro, no menos exacto que o consumidor le igo gosta de ter como certo de que, por baixo do invlucro estilstico, tudo est bem e/ou produto da tecnologia de ponta.

    3 A relao entre os pontos 1 e 2 , por um lado, expressa pelo des igner enquanto estili sta e, por outro, pelo publicitrio. Tanto um como outro trabalham para fazer crescer a ideia de insuperabilidade de um produto e das suas qualidades intrnsecas. De uma maneira geral, as actividades que compem a produo de objectos so mantidas separadas do estilo do

    '. /5

  • 16

    o Design e o Estilo

    produto. Em tellllOS comerciais, no h vantagem em recordar s pessoas as situaes desagradveis ou as incertezas que podem minar o fabrico.

    Vejamos, por exemplo, o caso dos Boe ing e das Linhas Areas Japonesas (JAL). O Jumbo 747 considerado por muita gente, incluindo eu prprio, um avio muito seguro. Mas um dos 747 das JAL despenhou-se e as perdas em vidas humanas foram tremendas; a causa, aparentemente, foi uma porta--estanque mal fechada, falha que, apesar dos rigorosos controlos, no foi detectada. No houve, no entanto, qualquer razo e continua a no haver -para ter dvidas quanto aos 747 em geral (as circunstncias em que o avio da JAL foi reparado foram excepcionais) . A companhia area japonesa no dei xou de comprar av ies deste modelo e a imprensa do Japo continuou a publicar artigos acerca de alegadas falhas em 747 posteriormente entregues. As falhas encontradas tm sido rel ativamente pouco importantes. Na verdade, em circunstncias normais, estas pequenas falhas, de fcil correco (como por exemplo os extintores de incndio pendurados ao contrrio) no teriam qualquer interesse noticioso, sobretudo nos casos em que a companhia area efectua uma vi storia antes de pr os aparelhos ao servio. S que a existncia de uma conjuno invulgarde acontecimentos provocou um interesse pblico

    ,

    inusitado sobre o design "abaixo da linha" do 747. E que, para alm da queda, em 1985, do avio das linhas areas j aponesas, verificou-se tambm uma disputa laboral com a prpria JAL durante a qual , para dificultar a vida companhia, os empregados telefonavam para os jornais sempre que era detectada uma falha, por mais pequena que ela fosse. A resposta daJAL, boa maneiranipnica, no deixou nada ao acaso: instituiu um sistema de manuteno e verificao de acordo com o qual destacada, para cada avio e durante a sua vida til, uma mesma equipa de peritos para assegurar a sua assistncia. Em 1989, aps estes incidentes e uma nova queda (no Reino Unido) prota-gonizados por Boeings (no 747), as autoridades competentes dos EUA e do Reino Unido encomendaram peritagens aos sistemas de cablagem dos novos Boeing. Foram detectados defeitos. O que surpreendente no o facto em si,

    ,

    mas que o Mundo espere que os defeitos sejam totalmente eliminados. E claro que os fabri cantes e as empresas de servios devem aspi rar perfeio, mas quer estas entidades quer ns prprios, enquanto consumidores, cometemos erros, muito provavelmente porque acreditamos nos mitos da tecnologia e no tanto por aq uilo que a nossa experincia colectiva e senso comum nos deve-riam ensinar. Exigir perfeio pode ser correcto e sensato; contar com ela pode revelar -se fatal.

    /

  • o Design e o Estilo

    Estilos agradveis vista

    Estilo a linguagem visual que indica a uma cu ltura que ela se est a orientar de forma bem sucedida, segundo padres produtivos de trabalho, de lazer e institucionais. Organizar os assuntos assegura no s a continuidade de uma cultura, mas tambm o seu crescimento e progresso. Mesmo um instrumento estilstico to simples como a arrumao , frequentemente, tanto uma declarao de intenes visual como uma caracterstica necessria quilo que arrumado para responder a uma funo. As pessoas com inseguranas relativamente ao seu espao no Mundo tomam-se por vezes obsessivas na arrumao um terreno muito organizado, uma nao demasiado alTumadinha ou, simplesmente, o acto de varrer o lixo para debaixo do tapete tranquili zam-nos, dizem-nos que continuamos no controlo das operaes. No momento em que este livro escri to, a filosofia estilstica reinante entre os designers e alguns fabricantes determina que se coloquem os componentes mecnicos ou de grandes dimenses de secadores de cabelo, tel efonias, mquinas de barbear elctricas, aparelhagens estereofnicas, televisores e vdeos no interior de inv lucros plsticos de contornos suaves e de cor preta, cinzenta ou branca. A forma destas caixas geomtri ca: paraleleppedos,

    ----._.

    cilindros e at esferas. A prevalncia do estil o, sobretudo nos artigos elctricos, 17 coincide com o seu correspondente na arquitectura. H elegantes antecedentes histricos das "caixas pretas", patentes desde Paul Czanne, pintor do sculo XIX (considerado um dos pais do Modernismo), passando por Johannes Itten (um dos mais influentes professores deste scul o na Bauhaus) e pela Braun, fabricante alemo de e lectrodomsticos. Ora, o Modernismo tem tido uma projeco meditica alternadamente boa e

    ,

    m, mas sempre e sobretudo enganadora. E hoje moda troar da tese de que "a funo detellnina a forma", a qual tinha por base que um design honesto no pretendia disfarar aquilo que o objecto fazia, como funcionava, ou mesmo o material de que era feito ou como tinha sido construdo. Esta filosofia de design foi outrora considerada honesta e democrtica; e, dado o contexto poltico do seu perodo mais influente talvez de 1914 a 1930 adequava-se a uma poltica soc ialista e revolucionria. Afinal de contas, se a poltica era de oposio aos costumes arreigados, a esttica teria de ser, ela prpria, oposio. No entanto, "a funo determina a fo rma" era apenas um estilo. O argumento de que o design modernista ia buscar a sua base lgica da produo em srie no era verdadeiro (ver pgs. 142 e 143). Tivesse o estilo dominante dos

    OSDM-2

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    A escultura crustcea, do autoria deAnn Carrington {Reino Unido, 1987). chamo o ateno poro a riqueza metafrico dos utenslios bsicos de cozjnho, riqueza que alguns designers dos nossos dias procuram incluir no seu trabalho .

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    Equipamento de cozinho, desenhado por Penlogram {Reino Unido) poro o Kenwood {Reino Unido). lindo2 Inexpressivo? Desnecessrio? E porqu utilizar energ"o poIuidoro [electricidodel quando o foro muscular bosto? Depende de quem so os msculos ...

    /

  • o Design e o Esti lo

    objectos e da arquitectura produzidos pela antiga ordem estabelecida, no socialista, sido simples e funcional, e estou convenc ido de que os designers com inclinaes socialistas ou democrticas teriam ripostado com uma actuao que favorecesse a elaborao, a figurao e a decorao. Ou seja, podemos, consoante a ptica, considerar qualquer dos estilos ora opressivo, ora demo-crtico; tanto se pode defender o papel desempenhado pelo objecto, como o

    ,

    facto de ele transmitir s pessoas a metfora e a decorao. E quase um caso de moeda ao ar. Aquilo que continua a ser verdade que qualquer das abordagens a formal ou a elaborada tem uma integridade esttica independente da ideologia que a adopta. E, o que mais, esta integridade pode ser violada. O Modernismo viu a sua integridade violada a seguir Segunda Guerra Mundial, sendo trans-fOltllado em brutalidade e num utilitarismo barato, de segunda ordem. Nos finais dos anos 70, aqueles que comeavam a sentir-se espartilhados declararam que a esttica da caixa preta/cilindro branco era incaracterstica, annima e que estava excessivamente banalizada. Os electrodomsticos, sobretudo, eram vistos como possuindo "falta de individualidade", devido aos aspectos prticos impostos pelo sistema de fabri co com formas de produo relativamente simples. Houve tambm outros fac tores que condu-ziram ao xito da esttica simples: aparelhos domsticos, como as batedeiras ou misturadoras, os moinhos de caf e as balanas, tendem a ser encarados antes de mais como instrumentos, ferramentas, e no como ornamentos. No entanto, alguns destes artefactos so, pela sua natureza, mais individualizados e "expressivos" do que outros. Por exemplo, um martelo exprime a sua funo de maneira inequvoca: a de bater nas coisas; mas algumas ferramentas modernas no do, abertamente, ideia da sua funo. Uma balana de cozinha moderna, de linhas arrojadas, no exprime pesagem: apenas uma pequena espcie de estrado no qual se coloca uma tigela de plstico contendo farinha ou manteiga, e que d a leitura do peso atravs de uma pequena janela situada na sua base, sob a forma de dgitos de cristais lquidos. No entanto, um conjunto antiquado de pesos de cozinha exprime bem o acto de pesar, utilizando pesos-padro como bitola. Tem a mesma expresso que sopesar duas coisas simultaneamente para lhes comparar o peso. Com a antiga mquina, conhecamos a sensao de pesar. Mas a moderna ferramenta provavelmente mais exacta, cmoda e higinica bonito objecto em si.

    e, ainda por cima, um

    Diz-se que o design do tipo caixa preta fez com que os consumidores se senti ssem excludos de um processo. Uma caixa preta evoca bruxaria. no

    ____ o

    /9

  • o Design e o Estilo

    revela funes. A atitude expressiva que podemos atribuir a este estilo encontra paralelo na atitude profissional paternalista da soc iedade oc idental: arquitectos, advogados, md icos e outros profiss ionais fazem-nos coisas em vez de nos envolverem no que fazem. Por outro lado, parece ser verdade que as pessoas, na maior parte dos casos, preferem ser poupadas aos pormenores de design "abaixo da linha" do servio que esto a adquirir seja este uma interveno cirrgica ou uma aparelhagem estereofn ica. Actualmente, verifi ca-se uma viragem em direco individualidade estilstica. Pode ser uma ironia relativamente evo luo "abaixo da linha" da sociedade ocidental, orientada para a globalizao e o corporativismo, e a publicidade "acima da linha" que tornou a Coca-Cola, a Peps iCola, o MacDonalds ou o American Express conhecidos de toda a gente, do Colorado a Calcut. Entre os designers, h uma moda tendente a convencer os fabricantes de que o individuali smo, o marketing e o design por segmentos e o facto de servirem os interesses de uma minoria dever tornar-se regra. Os fabricantes interessam--se pelas vendas por segmentos quando estas se revelam mais lucrati vas do que as vendas em massa. David Pye, escritor, designer e artis ta, esclarece a natureza da moda de design

    ... :____ no seu livro "The Nature and Aestethics of Design" (1974). A nova gerao 20 cresce sujeita s "restries, reais ou imaginadas", impostas pela gerao mais

    velha, sua progenitora. Inev itavelmente, o estilo da gerao mais velha ,

    associado a "restrio", a " limitao". E por isso rejei tado. Mas, em breve, a nova gerao passou a progenitora da seguinte; ocorre um processo semelhante de associao e rejeio, passando ento a novssima gerao a descobrir a qualidade da dos seus avs. Simples . Demasiado simples, no dizer de David Pye. Mas h algo de verdadeiro nesta observao. Alm disso, e apesar de Pye no o di zer, a intensidade com que uma gerao rejeita o estilo de outra para poder defender o seu garantia de que esse estilo possui uma integridade prpria . TellIlos como "moda" e "estilo" so descartados de mane ira excess ivamente fc il , como se se referissem a coisas superficiais porque efmeras . No devemos perder de vista que a mudana tanto um sinal de questionamento, procura, inovao e especulao constantes como de oportunismo. O Modernismo tinha uma integridade de design que ser redescoberta do mesmo modo como, mil agrosamente, as pessoas esto agora a enaltecer os sucessos alcanados pelo des ign nos trabalhos efectuados nas dcadas de 1890 e 1950. Aq uilo que Pye descreve outro aspecto do fenmeno emotivo da saudade e da nossa propenso para olharmos para trs. O tempo, de facto, d

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  • o Design e o Estilo

    s coisas uma nova perspectiva, mas h outras razes pelas quai s os designers e os estilistas se sentem muito mais vontade para dizer bem de um estilo que est pelo menos uma gerao para alm da dos seus pais: os designers'e arti stas ambiciosos acham mais fcil louvar as virtudes dos que se reformaram, morreram ou esto fora de circulao, Pais e professores s muito raramente entram nessa categoria. Ter a rejeio do Modern ismo um componente especial que tenha estado ausente das rejeies anteriores? Alguns observadores tm comentado a aparente falta de humanidade do trabalho de uma das maiores figuras do Modernismo o arquitecto, pintor e des igner Le Corbusier. Esta aparente falta de humanidade deriva do facto do estilo de Le Corbusier no se trans-ferir facilmente de uma regio do Mundo para outra e de poucos edifcios seus possurem contedo figurativo suficiente para que o gosto individual se identifique com eles, excepo feita ermida de Notre Dame-du-Haut. A fa lta de humanidade da arquitectura modernista, associada sua disseminao (transformando cidades inteiras), provocou uma reaco popular. E as rebelies populares, ao cOlltr.rio das profiss ionais ou sectoriais, so muito raras em arquitectura e em designo No tem havido uma corrente visvel contrria esttica da caixa preta no design de produto; excepo de alguns designers, no parece ser sequer tema de debate. Alguns consumidores podem ter-se cansado do estilo; outros, de acordo com o princpio de Pye, podem t-lo associado excess ivamente com a sua infncia. Mas, enquanto a arquitectura modernista transformou a vida de milhes de pessoas, o mesmo no se passa com a esttica da caixa preta. Na maior parte das casas onde se pode, ou podia, encontrar aparelhagens estereo-fnicas ou televisores de caixa preta, provvel que tambm haja tecidos e estofos suaves, alcatifas, moblias de casa de jantar de estilo escandinavo ou reprodues vrias. A caixa preta vulgarizada pelo design no tinha a omnipresena da arquitectura da caixa de vidro. Sobrestimar o domnio de um estilo de design sobre outro , na cu ltura capitali sta ocidental, enganador. ,

    E verdade que a caixa preta dominava uma categoria de artigos (elctricos) , mas as casas contm uma grande variedade de objectos e, consequentemente, uma grande variedade de estilos. Com o aparecimento de novos materiais (ver captu lo 3), surgiram novas liberdades para os estilistas. Coloca-se a nfase, por exigncia do mercado, na facilidade e transparncia de utili zao, na leveza, na segurana evidente, no contedo narrativo. Designers e fabricantes dispem de microcircuitos e tm a liberdade de utilizar dispositivos electrnicos em vez de electromecnicos.

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    o efeito desta liberdade estilstica fac ultada pela cincia dos materiais na corrente principal do design abordado no captulo 4. Aqui falaremos do interessante e inovador trabal ho que emerge nos Estados Unidos, daquilo a que podemos chamar o design "narrativo". Os arquitectos Michael Graves e Robert Venturi tiveram uma enorme influncia na criao das bases deste estilo e, de entre os elementos da nova gerao, que despontaram num ambiente de expressividade, contam-se os profissionais f 011 Itados pela escola Cranbrook de semntica de produto. . O conceito de design "narrativo" merece que nos detenhamos sobre ele. O gosto " popular" norte-americano do princpio da dcada de 50, tal como revelado pelo design domstico desse perodo, tem paralelismos com a evo luo verificada nos finai s dos anos 80 ( interessante referir que Helen Drutt, galeri sta, coleccionadora e crti ca de arte, defende que o clebre estilo Memphis foi um rapto intelectual do estilo dos lares norte-americanos da dcada de 50). H uma casa em Filadlfia com uma coleco de objectos dos anos 50 que teria deixado Andy Warhol verde de inveja. Frascos para bolachas, candeeiros, cortinas, toalhas de mesa, aventais , relgios, cadeiras, lancheiras e conjuntos

    .. de frasquinhos para especiarias tm vindo a ser reunidos por dois argutos 22 coleccionadores, numa casa situada num vu lgar bairro de construo em

    banda. Todos os objectos so figurativos, coloridos, produzidos em srie e baratos. Podemos ver relgios em forma de televisor ou bule de ch, uma telefonia em forma de vela Firestone, candeeiros com formas de animais e bailarinas ou at a imitar a gruta de Belm. Hconjuntos de saleiroe pimenteiro em forma de nus reclinados, em que os saleiros so nus femininos e os pimenteiros masculinos. Todas as superfcies planas, sejam de mesas de cozinha (com tampo de frm ica e pernas cromadas) ou dos lados dos porta--guardanapos de papel , so embelezadas com motivos diversos, por vezes

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    abstractos, mas mais frequentemente vegetais ou animais. E uma demonstrao constante da arte de fazer com que um objecto sugira outro. A narrativa, por vezes muito especfica uma lancheira tratada como po de forma , , mais frequentemente , genrica. Muita da decorao txtil , por exemplo, quase tnica, representando mexicanos, mes pretas ou outros povos exticos felizes. H referncias a fil mes e a personagens da televiso. O contexto destas pequenas narrativas est inserido noutra mais lata: a da publicidade e as substruturas sobre as quais ela assenta, do cinema e dos fi lmes TV e rdio, substruturas essas que fornecem por sua vez novas imagens a serem inclu das nos padres de designo Os candeeiros da poca so

  • Rdio em forma de velo de outoffivel[EUA). Este tronsstor, oferto promocional , tem o comando ligor/desligar e o sintonizador no porte superior.

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    o design popular dos EUA designavo-se noif quando se lhe reconhecia o gosto das classes trabalhadoras (exemplos de 195 1). tv\ais larde, o atitude de narrativa plstico passou o ser respeitado; era o ps"modernismo, criado por designers de primeiro plano como Michael Graves.

    Existe uma relao entre um relgio em fOi ma de bule (Tea Time) e o atendedor de chamadas telefnicas, da autoria de Lisa Krohn e Tucker Viemeister, que tem a f 011 lia de um li vro. No se trata de menosprezar o trabalho de Lisa Krohn , nem subestimar a sua compreenso daquilo que est a fazer. Diz ela do seu atendedor de chamadas premiado: "Trata-se de um telefone e atendedor integrados; o Phonebook utili za a sua aparncia quer como cone quer como manual de instrues. Viram-se as pginas, de plstico rgido, para passar do modo de chamadas reproduo ou gravao de mensagens, tal como folhear uma agenda pessoal nos faz percorrer as suas vrias utilizaes. De certo modo, o Phonebook foi a cobertura de acar da plula tecnolgica". Estabelecendo a comparao entre um design contemporneo srio e aquilo

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    A famoso chaleira com apito de plstico em forma de pssaro !Ale~i, 19861.

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    Este prottipo de telefone/olendedor de chamados, desenhado por liso Khron e Tucker Viemeister (EUA, I 987), serve se do imagem da agendo telefnico poro tornar o mquino simptico. mais um exemplo da narrativo estilstico norte-americana.

    que pomos de lado como uma manifestao do kitsch dos anos 50, veja-se o rico filo que a procura popular de design narrativo constitui. Abordagem diferente, mais subversiva e, finalmente, menos comercial , do design narrativo, foi a de Daniel Weil com o seu rdio Small Door. Weil um judeu argentino com muita aceitao em Itlia e que desenvolve em Londres a sua actividade de designer. Small Door revela um olhar travesso sobre o gosto britnico e o ambiente fora de moda dos seus lares. As entranhas do rdio esto penduradas de uma plataforma de madeira as entranhas provm do rdio Roberts, famoso pela sua solidez, boa qualidade e design inspido. Os grandes manpulos de plstico , com riscas tipo chupa-chupa, fazem lembrar as pequenas confeitarias britnicas que vendem rebuados de contedo duvidoso, fabricados por pequenas firmas situadas nas profundezas da cintura industrial britnica. O altifalante, disparatadamente colocado na extremidade de uma haste, coberto por um pedao de chinlz cobrir horrores com um tecido decorativo garrido uma tradio enraizada na classe mdia-baixa de todo o mundo ocidental. O rdio de WeiJ contm mais aluses e camuflagens do que o atendedor de chamadas de Krohn. O objecto de Krohn claro no seu voca-bulrio, pejo que ser entend ido por muitas pessoas com grande facilidade. O rdio de Wei l muito intrigante, algo ridculo e provoca um certo diveltimento .

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    o rdio Smoll Ooor, de Daniel Weil (Reino Unido, 1986), um gozo o vrios nveis _ Weil, estrangeiro em Londres, divertia-se com o carcter antiquodo do indstria ingleso _

    No h artesos autnomos?

    Grande parte do xito alcanado pela nossa cultura deve-se ao trabalho colectivo das pessoas, especializao e fragmentao coordenada do trabalho. Nenhuma pessoa isolada poderia, por si s, alimentar a complexidade de um design avanado. Este facto obviamente verdade no caso de um Boeing 747, mas no menos verdadeiro se falarmos de componentes relativamente pequenos e insignificantes, como a nova gerao de pra--choques que absorvem energia mecnica. Todas as criaes mais complicadas e valiosas da soc iedade moderna, quer sejam produto de processos governamentais e administrativos de prestao de servios, quer sejam actividades prticas fabrico de rdios, vdeos, automveis ou artigos de plstico , implicam que as pessoas cooperem objectivamente em segmentos do empreendimento. A cultura tem tudo de cooperativo e cumulativo. O xito das culturas industriais produziu algumas reaces contra elas. Temos necess idade de acreditar que ainda possvel ganhar a vida fazendo as coisas mo, de acordo com o nosso prprio ritmo e tendo perfeito domnio do processo total. Os artesos podem ser considerados pessoas que dirigem todo o seu processo de trabalho, bem como a concepo dos seus artefactos.

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    fv'Iarta Rogoyska, lecedeira, trabalhando. A essncia do artesanato o trabalho com um determinado material, o que o arteso se dedica por completo. O designer pode dedicar-se o vrios ,

    Qualquer que seja o resultado da abordagem de grupo, parece haver uma necessidade profundamente enraizada de acreditar no valor, especificidade e capacidade do indivduo , Esta necessidade explica o interesse votado s manifestaes pblicas de destreza manual e mental quer seja na exibio de um virtuoso do violino ou no trabalho de um oleiro. Gostamos de ver as pessoas fazerem coisas com habilidade. O sculo XX assistiu criao do mito do arteso e redefiniu , se que no reinventou, o seu papel. A natureza tanto do mito como do novo papel do arteso abordada no captulo 6. Mas o grande argumento de promoo do artesanato a variedade do seu contedo narrativo, facto que verdade tanto para a camisa feita mo como para o automvel de luxo ou a pea de barro feita roda. Por exemplo: o modo como encaramos os potes de barro feitos mo tem

  • o Design e o Estilo

    A porle superior de uma loto de Coco-Colo perfeito. Um ferreiro do sculo XVIII enlusiasmor-se-ia com a sua exoctido e com o focto de ~r incessantemente reproduzido_

    seguramente que ver com o facto do pote ser um smbolo do modo de trabalho de algum e do seu estilo de vida. Poderamos dizero mesmo de um automvel: compre-se um automvel e estar-se-, num certo sentido, a comprar um smbolo, uma representao do modo de vida de vrias centenas de pessoas. Mas uma das diferenas que distingue o objecto nascido do design e destinado a ser fabricado em srie do objecto artesanal o facto de um tentar disfarar a realidade do trabalho que lhe deu origem, enquanto o outro o pretende exaltar. Ningum gosta de ser recordado do barulho, da cadncia do trabalho por turnos ou da monotonia da produo fabril. Um pote feito mo, pelo contrrio, pode dar-se ao luxo de ser transparente quanto ao seu fabrico . Entre o ceramista e o pote no h necessidade de interveno de designers, de publicitrios ou de tcnicos de relaes pblicas. Ao compralIDos cermica domstica feita mo, estamos a comprar uma

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    o Design e o Estilo

    entrada num mundo de trabalho que as pessoas respeitam e at invejam. Um dos valores da tecnologia do artefacto a circunstncia de utilizar uma I ingua-gem mais acessvel: pode-se discorrer como foram feitos e concebidos um pote, um cesto ou um pano. Somos capazes de entender o processo de fabrico, mesmo que tenhamos uma completa falta de jeito de mos. No caso dos objectos que o design molda para a produo em srie, o processo e a feitura so um mistrio para a maioria das pessoas. No sendo designers, ver-se-iam em apuros para explicar a gnese de uma lata de Coca-Cola. Os misteres "tradicionais" proporcionam uma representao reconfortante num mundo cheio de perplexidade. Para tal, tm de assumir formas familiares. A necessidade constante de formas tradicionais na cermica, no mobilirio ou ainda nos objectos de ir mesa uma procura de familiaridade, de uma linguagem visual com razes. A grande fora dos misteres tradicionais reside na sua linguagem visual comum de formas e funes fami liares. No interessa se as pessoas de facto querem usar os bules, jarros ou taas: o que esto a comprar , antes de mais, um conjunto genrico de representaes do tipo de trabalho que as produziu, do modo de vida que as produz e de uma linguagem visual facilmente entendvel.

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    ANOS DE DESIGN

    o esti o em design desde 1900

    o design do Ocidente como , em larga medida, dev ido cultura capitalista liberal na qual se insere e a qual serve. Assim sendo, uma resenha da "histria do design" no Ocidente tem de levar em conta a ideologia subjacente histria recente do consumismo. O design, tal como o prprio consumismo, no uma activ idade nem amoral nem apol tica.

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    Neste estudo, muito elidido, abrev iado ou condensado. E claro , no entanto, que, at data, o des ign tem sido alimentado por uma ideologia que assenta no conceito de crescimento contnuo. O crescimento contnuo, enquanto conceito econmico, tem sido equacionado em termos da prpria noo de liberdade. Comprar tanto quanto possvel , to frequentemente quanto possvel, consi-derado um direito, quase uma necessidade. E uma atitude que tem beneficiado o design ocidental. No entanto, uma tal interpretao do que a liberdade pode,

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    por sua vez, tornar-se Histria. E este o tema da primeira metade deste captulo. A segunda metade contm uma breve anlise das mudanas de estilo no designo

    o direito de escolha

    O design e os designers devem muito da sua actual projeco ao facto de estarem inseridos numa sociedade capitalista e liberal em vez de estarem, por exemplo, numa sociedade marxista-leninista. Nas sociedades assim designadas (tanto quanto possvel existirem pases verdadeiramente marxistas-leninistas), tudo indica que as directivas de planeamento central praticadas nesses regimes no estimularam o consumismo (excepto talvez como reaco falta de bens essenciais). E o consumismo, muito mais do que o desenvolvimento da indstri a pesada, que d aos designers oportunidades "criativas". A razo simples: num ambiente industrial, a mq uina tem apenas que desempenhar o seu papel; deve ser de utilizao fc il e segura, mas no precisa de ter linhas que a tornem sedutora aos olhos do consumidor ou que levem o potencial comprador a adquiri-la. Numa economia de planeamento central no h neces-sidade de uma dzia de tipos de mquina, quando uma s chega perfeitamente.

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    Noventa Anos de Design

    No preciso um estilo metafrico ou dirigido publicidade. O planeamento central no encoraja virtualmente qualquer espcie de sensibilidade adicional nem quai squer elementos de design "desnecessrios". O planeamento central tambm cerceia, com toda a probabilidade, as inovaes tecnolgicas. E um dos xitos do liberalismo econmico do Ocidente fo i o estmulo dado tecnologia e, poss ivelmente, s artes os artistas so mais ou menos livres de explorar as formas que lhes dite a fantasia . No entanto, so as prprias liberdades do Ocidente que podem limitar tanto a eficcia como a acutilncia das artes. Nos regimes autoritrios, os artistas so frequentemente algumas das principais vozes da oposio e, portanto, a arte que desafia a viso oficial sofregamente desejada, nem que seja por causa da

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    sua diferena. No Ocidente, ser diferente ser nOllnal. E tambm duvidoso que, quando o artista est em oposio a seja o que fo r, a sua arte tenha assunto, alm do vigor nascido da diferena. Frequentemente, a arte tem de ser construda por uma complex idade subtil e metafrica, de fOllna a ev itar a censura fili stina, no deixando contudo de revelar, a todos quantos tm olhos e ouvidos, uma viso alternativa das coisas . Os filmes do russo Andrei Tarkovsky so disso exemplo. O consumismo de tipo ocidental no comeou, evidentemente, depois da Segunda Guerra Mundial, nem sequer neste sculo. Simon Schama, no seu "Embarrassment ofthe Riches" I , transmite-nos uma imagem convincente da Amesterdo do sculo XVII em plena vaga consumista, com ruas e mais ruas de lojas atulhadas de gente e mercadorias. Mas fo i a vaga de consumo emer-gente nos EUA depois da Segunda Guerra Mundial que guindou o design e o consumismo a nveis de verdadeiro excesso. Na base deste excesso estava o extraordinrio desempenho dos protagonistas da guerra durante o prprio confl ito, nomeadamente os EUA . Depois da Segunda Guerra Mundial, a obsolncia integrada tomou-se uma caracterstica inerente economia do Ocidente, talvez porque a experincia da guerra tenha actuado sobre a tolerncia, partilhada por des igners e fabricantes. Dado o xito na produo de armas, que foram em seguida destrudas, possvel que esta atitude de "fazer e destruir" se tenha tornado uma ideia fixa na cultura fabri l dos EUA.

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    Existia, assim, uma crena na tica do consumo em espiral. E esta a opin io da histori adora do design norte-americano, Kathryn B. Hiesinger, no seu excelente ensaio introdutrio a "Design Since 1945", catlogo da exposio com o mesmo nome, reali zada no Museu de Arte de Filadlfia em 1983. Diz ela: "A indstria americana identificava novo com bom e defendia

  • Noventa Anos de Design

    a obsolnc ia planeada como um bom princpio econmico: o consumidor americano espera produtos novos e bons todos os anos. Habituou-se expo-sio automvel an ual .. . o nosso costume de trocar de carro todos os anos, de comprar novos frigorficos, asp iradores ou ferros elctricos de trs em trs ou

    ,

    de quatro em quatro anos econom icamente saudvel... E um hbito verdadei-ramente americano, e assenta saudavelmente na nossa economia de abundncia". Grandes palavras, citadas por Hiesinger a partir de um livro chamado "Design for Business", da autoria de J. Gordon Lippincott, publicado em 1947. Acreditar que o novo bom fundamentava-se numa crena nas virtudes e na necessidade da concorrncia. No era, por si, uma crena nova, j que estava bem enraizada no esprito empreendedor do sculo XIX e, nos EUA, na teoria e prtica de gesto comercial dos princpios do sculo XX. A concorrncia, no capitali smo liberal norte-americano, no era um laissez--faire; tinha uma estrutura, uma organizao, uma ideo logia e um designo Todos estes elementos foram reconhecidos e sistematizados por F. A. Hayek, economista e socilogo de origem austraca que publicou, em 1944, o seu agora famoso livro "The Road to Sei/dom". A inteno da obra era criticar o planeamento central soc ial ista, sobretudo o marxi sta-leninista (Hayek argumentava que acabari a quase de certeza em tirania) , e defender o liberalismo cap itali sta. Hayek tem sido, a espaos, to denegrido como aclamado - e foi denegrido com o epteto de fasc ista, o que no dei xa de ser irnico tendo em vista o ataque ao fascismo que o seu livro constitui. O livro foi um estrondoso xito nos Estados Unidos . Teve um sucesso menor e mais controverso no Reino Unido, o que compreensvel se atentarmos em que a ortodoxia poltica britn ica entre 1945 e 1979 tendia para ideais socialistas e de economia de planeamento central. Alm disso, o Reino Unido, como de resto vrios outros pases da Europa Ocidental, tinha monta-do um esquema de segurana social que parecia ento (como ainda hoje) prestar um bom servio populao. Por isso, os vigorosos argumentos de Hayek contra o planeamento central ou governamental pareciam desajustados, quando julgados luz de um servio de sade nacional, planeado centralmente, que parecia funcionar. No obstante, h muito de atraente no liberalismo de Hayek, porque ele fri sa constantemente a desvantagem de co locar nas mos de um punhado de pessoas o poder de decidir como deve viver toda a gente. Uma anlise das polticas habitacionais em muitos pases da Europa de Leste, no Reino Unido e nos Estados Unidos pode mostrar quo desastrosa, e at tirnica, se pode revelar a centralizao da tomada de decises.

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    Noventa Anos de Design

    Hayek enunciava a sua posio do seguinte modo:

    1 "O liberal ismo defende o melhor uso poss vel das foras da concorrncia como meio de coordenar os esforos do Homem; de deixar as coisas tal como esto" 2

    - . .

    nao tem o propOSltO

    2 "Numa sociedade compet iti va, o preo que temos que pagar por uma coisa, bem como o ritmo a que podemos trocar uma coisa por outra, depende das quantidades de outras coisas das quais, em adquirindo uma, privamos os restantes membros da sociedade. Este preo nao determinado pela vontade consciente de ningum" 3 .

    O ponto 1 extraordinariamente ev idente e existe uma grande quantidade de provas empricas que o sustentam: o consumismo, o design e o marketing de bens em concorrncia entre si produziram um grande leque de escolhas, que manifestamente entusiasma, entretm e satisfaz o consumidor ocidental. Para s falar dos automveis, ex iste concorrncia bastante entre europeus, japoneses e norte-americanos para proporc ionar amplas possibilidades de escolha. No entanto, mais ev idente ainda considerarmos que a concorrncia nasce da coordenao e de que no um salve-se quem puder. Para tudo o que seja mais complicado de produzir do que os potes ou os cestos feitos mo, as pessoas tm de juntar-se para trabalhar, para projectar, para promover e para vender. Isto explica um dos fenmenos patentes nos EUA, no Japo e na Alemanha e que o de grandes companhias competirem ferozmente entre si, ao mesmo tempo que cada uma requer dos seus empregados lealdade e empenhamento em relao empresa com o intuito de a tornar a melhor. Hayek tomou conhecimento da profunda investigao levada a cabo nos EUA e, de facto, ainda antes, na Alemanha, sobre a maneira como as pessoas podem ser encorajadas a trabalhar em conjunto de modo a competir com outros grupos de pessoas igualmente a trabalhar em conjunto. Podemos constatar que os norte-americanos, como os alemes, tm um talento especial para a organizao e para a racionalizao. Em 1911, um norte--americano, de seu nome. Frederick Winslow Taylor, publicou um livro chamado "The Principies of Sciell/ific Mallagement", destinado a tornar as foras produtivas mais eficientes, e que, visto em retrospectiva, parece ter tido como efei to sincroni zar o ser humano com o ritmo das mquinas quer fossem tapetes rolantes ou filas de mquinas de escrever nos escritrios. Mas as empresas, grandes e pequenas, depressa descobriram que esta abordagem

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  • Novenlo Anos de Design

    atomstica do trabalho, que tornava os trabalhadores componentes separa-dos de uma mquina humana, precisava de ser temperada com melhores

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    mtodos de gesto. E que se constatou que o moral dos trabalhadores andava pelas ruas da amargura, a produtividade estava a diminuir e a rotao de pessoal aumentava quando os trabalhadores sentiam estar a ser encarados como coisas, em vez de pessoas com as quais se podia trabalhar. Outros socilogos se salientaram. Um dos estudiosos das relaes de trabalho foi George Elton Mayo, um australiano que emigrara para os Estados Unidos e que se tornou chefe do Departamento de Investigao Industrial de Harvard em 1926. Antes de desempenhar essa funo, tinha sido contratado pela Western Electric Company de Chicago para descobrir uma soluo para a insatisfao sentida pelos trabalhadores e para a baixa produtividade. Mayo fez experincias com trabalho pea, perodos de descanso e refeies quentes grtis. Conclui u tendo posteriormente feito a sua demonstrao cientfica pela importncia das atitudes da gesto na prossecuo de boas relaes laborais. Estudou, em seguida, a importncia de permitir s pessoas trabalharem em grupos naturais e fez um cuidado trabalho de investigao sobre a psicologia de grupo e os mtodos atravs dos quais se podia estimular no s a produtividade mas uma produtividade de qualidade. Um tal design "abaixo da linha" (os designers contemporneos encaram o design como um processo, e o design da gesto e do moral do trabalhador enquadra-se nessa viso) um dos factores que tem peltnitido indstria fabril do Ocidente alcanar a sua meta de produo de artigos de qualidade. O trabalho de Mayo e de outros contribuiu para o xito da tica capitalista liberal, que visa proporcionar aos clientes uma verdadeira escolha do que compram. Um moral fraco sabota a qualidade: torna o melhor impossvel de ser atingido 4 Numa economia concorrencial como contraponto a uma econo-mia de planeamento central o conceito de "melhor" , em larga medida, definido no pelo produtor mas pelo consumidor. E, como a histria da soc iedade de consumo do ps-guerra parece indicar, o melhor definido como mais do que simplesmente "barato". "Melhor" indica tambm uma relao qualidade-preo mais favorvel, maior confiana no produto e melhor servio. O resultado, como se ver nos captulos seguintes, tem sido a produo de bens de consumo durveis, possuidores de uma qualidadee de nvei s de desempenho muito superiores aos requisitos normais do consumidor. As mquinas fotogrficas, os automveis e os computadores tm desempenhos muito

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    superIores aos estrItamente necessarlOS.

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    Em sociedades no liberais, o indivduo no li vre de escolher o que quer, antes tem que contentar-se com o que uma meia dzia de planificadores decidiu que devem ser as necessidades dos indivduos. O resultado de tal actuao parece ser sempre, na prtica, um nivelamento por baixo em servio, em qualidade, em design e em variedade. O designer s entra em aco quando os seus serv ios so requisitados para levar a melhor sobre uma oferta da concorrncia, no sentido de cativar o consumidor individual. O consumo em espiral significa tambm asp iraes em espiral consumo e aspiraes alimentam-se mutuamente. No de admirar que as autoridades dos pases do Bloco de Leste tenham escondido aos trabalhadores a existncia de lojas espe-

    ciais reservadas aos membros do Partido (nas quais se vendiam gneros ocidentais) e tivessem impedido a circulao de revistas, filmes e vdeos

    ocidentais que ilustram uma maneira de viver diferente. Censurar as aspiraes um dos modos de evitar a censura da populaa. Aquilo que se desconhece no se deseja. A Segunda Guen'a Mundial, durante a qual todas as naes industriais se sa-ram bem na produo crescente de armas, foi um enorme xito para o planea-mento norte-americano (ajudado, claro, pela c ircunstncia de ningum ter invadido ou bombardeado territrio continental dos Estados Unidos). As esta-tsticas so impressionantes: no perodo de 1943 a 1944, os norte-americanos completavam um navio por dia e um avio em cada cinco minutos; entre os avies, contavam-se grandes bombardeiros de longo curso, como os Super-!ortress. A organizao de fbricas e gabinetes para coordenar este tipo de pro-duo guindou a arte do trabalho em equipa para uma nova dimenso. Os em-pregados norte-americanos foram bombardeados com propaganda explicando que estavam a participar na equipa que trabalhava com os "homens da frente". Anlises de tempos e movimentos decompunham todas as actividades nas suas partes constitutivas, com a finalidade de optimizaro tempo de cada empregado. Nesse momento da sua histria, os norte-americanos provaram ser to compe-tentes no macro como no microplaneamento. A introduo do Plano Marshall depois da Segunda Guerra Mundial foi simultaneamente sagaz e altrusta. Permitiu voltar a pr de p a Europa mais depressa do que qualquer europeu podia imaginar em 1945. Sem a ajuda (e proteco) dos Estados Unidos, a evoluo da Europa Ocidental teria sido mais lenta e talvez to amarga como

    a de Leste. E inegvel que a Amrica precisava de uma Europa Ocidental forte, capaz de funcionar como tampo face Unio Sovitica. No obstante, quem como ns cresceu num Ocidente moldado pelo Presidente Truman, em vez de num Leste da lavra do secretrio-geral Estaline, tem muito por que estar grato.

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  • Noventa Anos de Design

    Depois da Segunda Guerra Mundial, o conceito americano do esforo colecti-vo, consubstanciado na "Empresa", sai u reforado. Os recm-formados ali stavam-se na AT&T, na IBM ou na Coca-Cola como se fosse para toda a vida. "Sejam bons para ns que a IBM ser boa para vocs". A Empresa exigia lealdade aos seus empregados como o fariam pequenas cidades-Estado e, tal como elas, dava grande importncia a uma identidade uniforme, que regesse toda a imagem e modo de actuao da empresa. A identidade institucional teve implicaes no design da arquitectura, do mobilirio e do equipamento de escritrio, bem como na imagem grfica e na publicidade utilizadas pela empresa. A historiadora de design Esther McCoy explicou, no seu ensaio" The Ratio-na/ist Period" 5 - termo que usa para a dcada de 50 -, que a exactido, a padronizao e o comando racional das mquinas eram vistos como uma

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    necessidade tic para o bem da humanidade. No entanto, no diz quem fazia ,

    essa apreciao. E pouco provvel que os trabalhadores considerassem "tica" a racionalizao dos seus empregos e vidas. E manifesto que nem todos assim pensaram tomaram-se contestatrios, passavam a vida a mudar de emprego, a adoecer ou a trabalhar devagar. Da resultou uma rpida evoluo das cincias sociais ligadas gesto de pessoal, no intuito de dar resposta a uma necessidade econmica de resoluo do conflito existente entre permitir que o trabalhador conserve a sua auto-estima enquanto ser criativo e autnomo e os requisitos de produo tendentes a simplificar o trabalho atravs de processos atomsticos (ver tambm pgs. 147 e 155). Parece que nos EUA o conceito de " lealdade empresa" fazia parte de uma crena quase generali zada (se bem que no exactamente aceite por toda a gente) de que a lealdade era intrnseca ao trabalho em prol do bem comum. Foi um conceito que deu bons resultados na Alemanha e que resultou (ao que parece) extraordinariamente bem no Japo. J no Reino Unido, provou ser um conceito frgil, porque os trabalhadores eram fiis sua classe ou sindicato ou, embora menos frequentemente , ao seu partido poltico. Da que tenha obtido piores resultados face ao esquema organizativo do todos-por-um da concor-rncia; no adoptou (certamente com algumas boas razes) a caracterstica mais significativa da cultura industrial moderna: a tica organizativa, que tinha sido aperfeioada e era dominada pelos Estados Unidos. As cincias de gesto e as teorias sobre a empresa no pellllaneceram imutveis. Os elementos mais feudais das grandes estruturas empresariais vo sendo postos de parte, medida que as empresas evoluem em direco a um sistema federal , em vez de centralizado. Decorre um intenso debate sobre o

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    modo como as empresas podem aprender a viver com a incerteza, sobre como devem ou deveriam ser tomadas as decises e a que nvel se verificam as tomadas de deciso mais eficazes. Parecemos estar a mover-nos sistemtica e animadamente para uma liberdade de consumo cada vez maiore para ambientes de trabalho cada vez mais civi lizados, democrticos, interessantes e agradveis. O trabalhador-consumidor , aparentemente, bem servido em todos os aspectos pelo sistema capitalista liberal. Quem precisa de planeamento central? Hayek um heri, afinal. Mas tal, como as cincias de gesto tm evoludo para uma situao em que o modelo feudal vai dando lugar a um modelo democrtico ou federal, tambm o mundo exterior tem progredido. De uma maneira alarmante, a espiral de consumo comea a parecer um vrtice. De espiral ascendente dirigida aos prazeres materiais passou a ser uma espiral descendente em direco poluio, ao desperdcio e cri se ambiental. Alm disso, h um crculo cada vez maior de gestores e polticos que comea a aperceber-se de que a espiral de consumo tem, at ao presente, estado restrita a uma vintena das vrias centenas de pases do Mundo. O que acontecer quando, no futuro , a ex-URSS e a China comearem a satisfazer a procura dos seus vrios milhes de consumidores? O capitalismo liberal, baseado num planeamento central mnimo e num mximo de concorrncia, toma-se cada vez mais desconfortvel quando encarado globalmente. Se os chineses imi-tarem os excessos do Ocidente, eles iro estragar ainda mais o nosso Mundo. Enquanto o Terceiro Mundo se manteve simplesmente pobre, no corria o ri sco de entrar na esfera das liberdades e valores do consumidor ocidental. Mas brasileiros e chineses da Formosa, indianos e chineses continentais esto a dar

    mostras de quererem aderir s liberdades do consumismo. E exactamente na altura em que estamos a acordar para os enormes danos que estamos a pro-vocar no meio ambiente devido nossa ausncia de planeamento central, esto eles a comear a agredir violentamente o ambiente com o seu desejo de usufruir de algumas das nossas liberdades. Ironicamente, regi stam-se agora alguns pedidos dissimulados do Ocidente liberal e capitalista (sobretudo dirigidos ao Banco Mundial), tendentes a assegurar uma certa dose de planeamento central. E tudo indica que, para criar um bem-estar maior, o capitalismo liberal tenha de ser moderado por uma maior interveno do planeamento central e que, em certa medida, as escolhas dos consumidores tenham de se tomar mais restritas. A cultura surgida da Segunda Guerra Mundial, e na qual o design ganhou asas, baseia-se num misto de cooperao (do tipo descrito por Hayek) e de indivi-

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    dualismo quero o meu carro, o meu pedao de estrada, a minha casa, a minha I iberdade de viajar de avio e assim por diante. So liberdades positivas, liberdades cuja negao refora os aspectos pessimistas da vida. E, no entanto, algumas delas tero de ser, em certa medida, limitadas se atravs de meca-nismos tributrios ou de fixao de preos, em vez de recorrer a legislao especial, eis o que no ainda claro. Vejamos um exemplo muito simples. Actualmente, 80 % das viagens so feitas pelos habitantes das vinte naes mais ricas. O que aconteceria se os habitantes da China Continental, da ex-

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    -URSS e da lndia comeassem a ter dinheiro sufi ciente para viajar? Imagine--se o efeito sobre o meio ambiente dos seus prprios pases e o de outros se mais um bilio de pessoas comeasse a deslocar-se de um lado para o outro . At agora, a tica da espiral consumista no tem sido posta em cheque porque os "outros" pases do Mundo so demasiado pobres para aderirem ao clube. O consumo em espiral tem tambm vivido do facto de a maioria dos consumidores no ter ainda percebido o que est a fazer. No sabem como produzido aquilo que compram. A culpa no deles. O componente compe-titivo do mundo capitalista liberal depende da exaltao das virtudes de um produto e no da enumerao dos seus defeitos. A publicidade tem garantido que o divrcio entre as realidades situadas "acima" e "abaixo" da linha continue a ser completo. Quem que quer saber da violncia no matadouro ao trincar um bife? O planeamento central (nas formas desenvolvidas sob o marxismo-Ieninismo) no tem constitudo uma alternativa satisfatria ao capitalismo I iberaJ , porque os pases do Bloco de Leste tm estado em falta perante consumidores e ambiente, por igual. No entanto, os ltimos anos da dcada de 80 testemunha-ram interessantes alteraes no Ocidente - uma certa predisposio dos pases ricos para estudarem formas de planeamento central supranacional que protejam o ambiente, mesmo que em prejuzo da li berdade de produo (e, portanto, da do designer). A Unio Europeia - com comisses centralizadas estabelecendo as normas sobre ambiente, segurana e sade, e ainda sobre direitos do cidado, normas essas cuja observncia obrigatria para os pases-membros constitui uma das evolues culturais mais interessantes dos anos 80, abrindo caminho ao surgimento da UE como uma entidade comercial nica. No pretendo, no entanto, "defender" ou sequer "prever" que se verificar uma completa centralizao do planeamento. Advogar um tal passo seria, luz do falhano da poltica econmica e social da Europa de Leste e da URSS, uma tolice. Seja como for, tendo comeado com Hayek, salutar persistir, com ele,

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    nos avisos relativos ao planeamento central. Diz ele: "O planeamento escala internacional, mais do que o de escala nacional, no pode deixar de ser uma 'razo da fora', uma imposio de alguns sobre o co\ectivo de um determinado tipo de padro e aplicao do que os planificadores pensam ser adequado para os outros". A maioria de ns, no Ocidente, estar talvez tentada a concordar, mas o comen-trio de Hayek era, na altura, inflamado e s parcialmente objectivo (no esqueamos que data da Segunda Guerra Mundial). A UE, por exemplo, impe muitas normas aos seus membros, para benefcio do individualismo e dos indivduos dos Estados-nao que a compem. H casos de pessoas que, injus-tamente julgadas em tribunais britnicos, tm recorrido ao tribunal europeu, onde lhes foi feita justia. A expresso "razo da fora" no se aplica UE. A UE um exemplo interessante de cooperao, porque os seus Estados--membros podem violar (e violam) os acordos celebrados com a UE sem perigo de sanes militares. A UE no est, ela prpria, livre de se autopenalizar por ter sido intolerante ou at, ocasionalmente, corrupta; os seus burocratas e polticos sabem que do seu prprio interesse procurarem atingir polticas justas e essencialmente liberais. O facto dos pases membros poderem aban-donar a federao por sua livre iniciativa introduz de facto um componente de

    40 oferta e procura na poltica comunitria. A unio poltica total seria, prova-velmente, um erro. Como sempre, necessrio procurar um equilbrio de interesses e as federaes e coligaes so instrumentos teis, apesar de imperfeitos, para equilibrar interesses que precisam de coexistir. Com efeito, se temos razo para temer o planeamento central por causa do poder que confere a uns quantos, uma realidade perene que so sempre "uns quantos" que controlam, planeiam e exercem o poder. Numa economia de mer-cado " livre", existe uma real centralizao, assente nos interesses comerciais de um punhado de empresas dominantes em cada sector industrial. Assim, sen-do verdade que, por exemplo , as principais companhias petrolferas competem entre si, no menos certo que apresentam uma frente unida contra tudo o que pensam poder pr em causa os seus lucros . Frequentemente, os seus interesses entram em conflito com OutTOS interesses positivos, sobretudo os ambientais . Claro que, como sempre, no h uma estratgia abrangente que nos possa dar o melhor dos mundos . S que o consumo irrestrito escala do planeta h-de derrotar-nos, porque a dimenso da populao mundial e a dimenso das exigncias potenciais de cada indivduo entraro em conflito. A tirania de uma burocracia mundial , sem dvida, um espectro horrvel; mas, para preservar a possibilidade de escolha e alarg-la ao resto do Mundo, parece inevitvel

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    termos que descobrir uma forma de consumismo ede escolha mais responsvel e madura e gerar um novo modelo, mais subtil , de oferta e procura. O design, que actualmente funciona como uma forma alargada de publi cidade ou como resposta a um simples problema de procura do mercado, ter tambm de amadurecer. Os aspectos ticos e ambientais relativos a onde uma coisa fe ita, quem a faz eem que condies, deque feita, como ser util izadaecomo ser inutili zada ou reciclada tomar-se-o parte to integrante do design como ' so hoje em dia o estilo e a moda. Grande parte desta evo luo, necessria para a sensibilidade do des ign (e da produo), tornada possvel pela evoluo da opinio pblica, ela prpria alimentada pela informao, cuj a existncia ex ige, como Hayek apontaria, uma sociedade li vre. Nenhum sistema garante por si s essa liberdade. Ironicamente, a Gr-Bretanha, que redescobriu a liberdade das foras de mercado, hoje considerada por alguns jornali stas europeus como tendo uma imprensa que apenas livre a 50 %. O perodo do ps-guerra assistiu , em alguns aspectos, a uma histri a da liberdade atravs do efmero. Talvez a prx ima evoluo traga a liberdade at ravs da qualidade, por via do conservadori smo, da conservao e de uma maior nfase nos interesses colectivos. O design enquanto profi sso tornar-se--, ento, adulto, se puder contribuir para que os consumidores de todo o Mundo dem estmulo a estas novas aspiraes colectivas (em contraponto s ind ividuais) .

    A economia norte-americana e o design do sculo XX

    Desde 1941 que os Estados Unidos dominam o Mundo em terlflos econmicos e isso apesar do advento do Japo como superpotncia. Merc da dimenso das suas Foras Armadas, continuam tambm a ser o "polcia do Globo". Neste sculo, os Estados Unidos consumiram mais do que qualquer outra nao. Paul Kennedy, hi storiador e autor de "The Rise and Fali ofthe Great Powers" (1988), mede o crescimento daeconomia norte-americana em termos da energia consumida. Os valores so na ordem dos milhes, calculados em toneladas mtricas de carvo ou equivalente. Ass im, em 1890, os EUA consu-miram 147 milhes de toneladas, valor que, em 1938, ascendia a 697 milhes. Nenhum outro pas igualava este consumo. A importncia do poder econmico dos Estados Unidos da Amrica, para os Aliados ocidentais que combati am as potncias do Eixo na Segunda Guerra Mundial, foi imensa.

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    Paul Kennedy refere "a mudana radi cal devida ao aumento de 800 por cento na produo de armas nos EUA entre 1941 e 1943 ... " . Constata tambm que o poderio norte-americano em 1945 era artificialmente elevado porque o res-to do Mundo estava exausto ou subdesenvolvido. Nas palavras de Kennedy: "Tal como os britnicos depois de 1815, os americanos tinham, por seu turno, descoberto que a sua influncia informal em muitas partes do Mundo se tornava bastante mais complexa; como os britnicos, encontravam ' novas fronteiras de insegurana' sempre que tentavam definir um limite. Era o advento da Pax Americana" 6. Tambm a Rssia, em resultado da guerra, pde alargar a sua esfera de influn-cia de maneira significativa; mas, com Estaline, a URSS agiu de modo dife-rente dos EUA. Partes da Rssia tinham sido devastadas pela guerra e Estaline agiu ao contrrio do Presidente Truman na Europa Ocidental: subtraiu aos pases do Bloco de Leste matrias-primas, materiais de construo e maquinaria. ,

    E difcil defender que tenha havido uma americanizao de estilo na Europa Ocidental. O estilo americano no domina o designo Existe um /ook declaradamente americano, muito diferente do alemo, italiano, francs ou britnico, e constatamos que as diferenas entre os estilos nacionais evoluram marcadamente a partir do princpio do sculo XX. Na base est um gosto pelo orgnico. E apesar da sua apoteose se ter verificado com as cadeiras "tlipa" de Eero Saarinen (1910-1961), no princpio da dcada de 50, a preferncia pelas formas arredondadas e por uma espcie de gtico flamejante continua, nos EUA, a ser endmica, na decorao de interiores, na indstria automvel e nos artigos para o lar. Este orgnico enriquecido, esttica tipicamente norte--americana, tambm dominante em grande parte dos trabalhos produzidos nos Estados Unidos sob a designao genrica de artesanato. A cornucpia, o seio , a forma orgnica em geral fornecem-nos um conjunto de metforas visuais sobre a associao que os norte-americanos fazem do excesso material com a liberdade. A forma escultural orgnica e arredondada tornou-se parte do vocabulrio do design de mobilirio de meados do sculo XX, devido aos trabalhos de Charl es e Ray Eames. Em 1940, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque organizou um concurso e uma exposio intitulados "Organic Design in Home Furnishings" . O prmio foi atribudo, em 1941, a dois designers , Charles Eames e Eero Saarinen (q ue trabalhavam juntos na Academ ia de Arte de Cranbrook).lnfluenciados por Alvar Aalto arquitecto finlands, pioneiro do des ign contemporneo de mobilirio com utilizao de contraplacado, que tinha tido direito a uma expos io retrospectiva, em 1929, em MOMA ,

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    Cadeira envolvente e bonqueta poro os ps, desenhados por Eero Saarinen poro o Knolllnlernotional. Assento de pl6stico moldado, estruturo de ao, estofos de espuma. EUA, 1948.

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    Saarinen e Eamescomearam a fazer experincias, dobrando dois planos (uma 43 necess idade, se qu isermos criar um efeito de recipiente a partir de uma fo lha ou placa plana) . Aparentemente, este efeito escultural no mereceu a apro-vao de A alto; achava que os resultados estavam mais prximos da mol-dagem em plstico e que um tal tratamento do contraplacado, prensando-o de modo a dar-lhe forma cncava, "violava a li nguagem das fibras da madeira". As clssicas cadeiras de Eames eram recipientes, largos e fundos, como uma

    -generosa casca de ovo aberta ao meio. E o equivalente no mobilirio ao tero materno. O namoro dos Estados Unidos ao design escandinavo sobretudo o sueco -, na dcada de 20, deixo u marcas, j que este des ign inspirado nas imagens de rec ipiente e de tero materno. A forma protectora, aconchegante, a base tanto do design como da poltica social da Escandinvia. A dcada de 1920, que assistiu a uma srie deexposies itinerantes suecas nos Estados Unidos, coincidiu com um perodo alto para a economia. Depois da Primeira Grande Guerra, os EUA encontravam-se em excelente situao finance ira. Tinham grandes reservas de ouro, eram o maior fabricante mund ial de produtos de consumo e al imentos e tinham um grande mercado interno para estimular a produo em srie.

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    Paul Kennedy assinala que a procura do consumo domstico podia absorver o acrscimo de produtividade e que, em 1929, por exemplo, os EUA produziam 4,5 milhes de veculos (enquanto a Alemanha se ficava pelos 1 I7 000). A grave sucesso de crises na economia americana verificadas na dcada de 1930 arrastou as outras economias mundiai s. Apesar disso, os nvei s de consumo dos anos 20 e a continuao de uma procura significativa na dcada seguinte contriburam para o desenvolvimento de uma clientela de design industrial profissional no pas, estreitamente ligada s ex igncias publicitrias e

    - ---promocionais de fabricantes de vrios tipos . O rpido crescimento da procura, sobretudo nos EUA, de produtos como

    ._rdios, aspiradores e frigorficos, deu um grande impulso profissionalizao do design como actividade por direito prprio. O impulso veio da indstria, que se comeava a aperceber das oportunidades comerciais que podia trazer o valor acrescentado gerado pelo estilo e tambm pela utilizao dos prprios produtos para promoo da empresa. Mas no devemos esquecer-nos das estatsticas de Paul Kennedy sobre energia, porque esta, para alm de ser a base da produo, tambm um bem de consumo em si, desde que haja um nmero suficiente de utilizadores que torne rendveis os custos associados sua gerao. Adrian Forty, hi storiador de design, tem muito a di zersobre este assunto no seu 1 ivro "Objects ofDesire" (1986), onde descreve a posio dos produtores de electricidade. Estes descobriram desde muito cedo que tinham que "criar" o maior nmero possvel de utilizadores diurnos de electricidade para que houvesse um equi lbrio entre os picos e as baixas de consumo que habitualmente se verificavam. O equipa-mento gerador tinha que ser suficientemente potente para dar resposta s necessidades energticas dos picos de consumo, mas, se estes fossem muito espaados e de curta durao, haveria muito equipamento dispendioso parado durante longos perodos. Foi por isso que a indstria geradora de electricidade no perdeu tempo a encorajar o desenvolvimento (e o estilo) do maior nmero possvel de mquinas elctricas. O esti lo na indstria elctrica tem uma histria complicada, se no mesmo contraditria:Mas os fabricantes de equipamento elctrico foram dos primeiros a perceber o potencial de um produto que, atravs do seu design, no s se

    publicitava como tambm promovia a prpria empresa. Um dos grandes xitos do esti lo como forma de publicidade, e que estimulou o crescimento do design industrial como profisso nos Estados Unidos, foi o stream/ining. Este estilo imperou no perodo entre 1930 e 1945, referido pelos hi storiadores dos EUA como a " idade do automvel ". O carro torna-se parte

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    da casa, situao ilustrada pela integrao da garagem na habitao. A influn-cia dos esti los dos automveis noutros aspectos do design torna-se cada vez mais forte medida que o tempo passa. Existe um tipo de mobili rioArl Dco, de grande projeco nos anos 30, que ficou desde ento conhecido como StreamlinedModerne. Ostreamlining era um estilo generalizado, em que cada objecto, grande ou pequeno secretria, rdio, isqueiro, automvel , locomotiva adquiria uma forma muito esguia. H quem faa notar que o streamlining no trouxe qualquer melhoramento aos desempenhos do automvel, nem aos da locomotiva; mas, como expresso de progresso, as novas linhas eram o supra-sumo. Electrodomsticos como os aspiradores, os frigorficos e as mquinas de lavar foram adoptados mais rapidamente nos Estados Unidos do que na Europa. Em resultado, as cozinhas tornaram-se cada vez mais mecanizadas e o conceito de cozinha planeada, utilitria e moderna implantou-se nos Estados Unidos muito antes de o fazer em Inglaterra, em Frana ou at na Alemanha. Este facto foi um estmulo adicional para a simplificao do mobilirio e acessrios, tendo os mveis metlicos tubulares entrado nas casas atravs das cozinhas. Na dcada de 30, os designers industriai s norte-americanos ganharam projeco; alm disso, tinham menos pruridos em servir o comrcio do que os designers quase-industriais da Bauhaus, prisioneiros da atmosfera "medieval", de uma escola que privilegiava as ideias em detrimento das actividades comerciais. Apesar disso, registou-se uma dissenso cultural nos EUA. Philip Johnson, nascido em 1906, foi mentor de uma exposio polmica no M useu de Arte Moderna de Nova Iorque em 1934, "Machine Art". No catlogo da expos io, Johnson distanciou-se e exposio do "estilismo" e do streamlining, defendendo um vocabulrio mais bsico, e logo mais honesto, o da linha recta e do crculo. Uma das tenses interessantes da idade da mquina a que se verifica entre o designer, enquanto intelectual querendo servir as massas, e o fabricante e publicitrio, fomecedores de uma comucpia consumista. O primeiro declara: "d-se-lhes a verdade", os outros ripostam: "nem pensar, faam-se mas coisas sexy". Um dos primeiros designers industriais da Amrica foi Norman Bel Geddes, que montou um atelier de design industrial em 1926. Tornou-se especialmente famoso pelo seu descomplexado streamlining em locomotivas e, antes disso,

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    pelos seus designs dos rdios Philco. A semelhana de outros designers que surgiram nos anos 30, como Raymond Loewy e Walter Dorwin Teague, a sua fOI II1ao era na rea da arte comercial. Consequentemente, a ideia do objecto encerrar a sua prpria publicidade era evidente. A influncia dos designers

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    industriais norte-americanos comeou a difundir-se. Raymond Loewe que tinha redesenhado o exterior de uma mquina reprogrfica para a Gestetner em 1929 e depois se lanou no campo dos automveis e com o frigorfico Coldspot da Sears Roebuck Company abriu um gabinete em Londres. Desde a Segunda Guerra Mundial, apesar dos designers norte-americanos se terem afundado em publicidade, consumismo e comrcio (a moda de 1980 das metforas visuais e ps-modernas no design de produto apenas acelerou a noo do "produto como veculo publicitrio"), persistiu uma resistncia intelectual , corajosa e constante. O designer industrial Eniot Noyes procurou defender a tese de que, para um bom design, o uso que se faz do objecto deve ser mais importante do que quaisquer consideraes comerciais . Era a utilizao que tornava a nova cincia da ergonomia to atraente para os designers norte-americanos da dcada de 50. Tambm Henry Dreyfuss, que mais tarde se tornaria o primeiro presidente da Associao de Designers Industriais dos Estados Unidos, defendeu a ergonomia, nas suas obras "Designing for People" (1955) e "The Measure of Man" ( 1959). Est actualmente a ser explorada, em universidades da Pensilvnia e do Ohio, uma nova verso desta cincia, sob a designao genrica de Semntica do Produto (ver pgs. 110-111 e 172-173). As tendncias estilsticas fundamentai s do design norte-americano do ps--guerra, distanciadas da ortodoxia da tica de Empresa, manifestam uma preferncia pelo orgnico, pelo literal e pelo figurativo. Num certo sentido, o

    fo sso entre a Europa e os EUA caracterizado por uma maior aceitao, se no mesmo apetncia, dos consumidores europeus pelo design abstracto. Com efeito, sempre que os designers europeus procuraram renovar o contedo estilstico como no caso do gabinete de design Memphis, em Milo ( 1979--1983) houve uma tendncia para tomar como modelo o design norte--americano. Em muito do que se tomou por radical, ps-moderno, novidade em ornamentao ou neodecorativo no des ign europeu que fez moda nos anos 80, sente-se a influncia do design norte-americano dos anos 50 ou do actual e pujante design proveniente do bairro italo-americano de Filadlfia . Os plsticos laminados e os txteis sintticos dos EUA na dcada de 50, em tons garridos e com decoraes frequentemente exticas, tinham todas as condies para serem alvo de referncias irnicas trinta anos depoi s. E, tal como se d isse no captulo anterior, a opo por um contedo de design de linhas simples produz uma imagem mais intelectuali zada, mas ainda assim muito literal, do novo design de produto. A maior parte do estilo em design

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    Noventa Anos de Design

    resultante das exigncias do mercado e da publicidade; nos EUA, tais relaes tendem a ser mais cruas e, por vezes, mais bv ias do que na Europa.

    Design e consumo na Europa

    Os antecedentes econmicos do design e do consumo na Europa so mais complicados do que os dos EUA; o fac to dos pases europeus terem, por duas vezes, guerreado no solo uns dos outros pode ser visto como um factor

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    limitativo da evoluo da tecnologia e do designo E opinio generalizada que as grandes guerras so um estmulo, e no um obstculo, para o desenvolvimento. Mas trata-se de uma ideia no comprovada: a concorrncia comercial produz efeitos to significativos no desenvolvimento em perodos prolongados de paz como a rivalidade no aperfeioamento de armas em perodos de guerra intensa. A fundao da UE deu origem a um mercado forte, ainda que no tenha atingido - enquanto federao comercial - o poderio dos Estados Unidos ou do Japo. Poder rivalizar com ambas as potncias, mas para que isso acontea necessrio um maior grau de unio poltica. Tal como as coisas esto, a UE tem muito a temer da parte do Japo, se bem que, como sempre acontece em termos comerciai s, o medo no seja unil ateral. O arranque, em 47 1992, de um mercado nico, com a supresso de todas (ou quase todas) as barreiras alfandegrias, fortalecer a UE como potncia comercial e h quem tema uma guerra comercial entre trs superblocos a Amrica do Norte, o Oriente e a UE. Desde sensivelmente 19 14 a 1935, o estilo dedesign dominante na vanguarda europeia era angular, vincado, agress ivo, mas, durante as dcadas de 20 e 30, foi contestado por vrios sectores, incluindo a Ar! Dco, em Frana, e o streamlining, que fazia furor nos Estados Unidos. Aquilo a que agora chamamos, ou que pensamos intuitivamente ser, o Estilo Moderno (modem style), sobretudo no que se refere ao mobilirio e servi os de mesa, tem linhas finas, depuradas e , frequentemente, rematado a metal. Podemos dizer que esse estilo recebeu um impul so considervel da Bauhaus, lanada pelo arquitecto WalterGropius ( 1883- 1969)em Weimar, na Alemanha, em 19 19; em 1925, mudou-se para Dessau e o design industrial desenvolveu--se como di sc iplina autnoma. A Bauhaus, no entanto, no foi a nica nem provavelmente a mais importante instituio a influenciar o est ilo do design europeu. Pense-se na indstria, sobretudo no potentado AEG (Allgemeine Elektricitats--Gesellschaft) , fundado em 1883 na A lemanha. Em 1907, Peter Behrens,

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