os telejornais brasileiros de ney vilela
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2 Os telejornais brasileiros.
Ao iniciar a anlise dos telejornais, reiteramos a observao de que,diferentemente dos sistemas polticos totalitrios (nos quais a fora fsica pode
ser facilmente usada para coagir a populao como um todo), as sociedades
democrticas precisam se valer de meios de controle bem menos violentos.
Os telejornais, no contexto democrtico, poderiam ser analisados como
meios de fabricao de consenso, distorcendo a cobertura das notcias? Pararesponder este pergunta, preciso conhecer como evoluram e como esto
estruturados.
2.1 Imagem e palavra, na TV.
No que se refere ao Brasil, a televiso o mais importante meio de
comunicao de massa. A fascinao exercida pela TV no encanta apenas
brasileiros e s pode ser explicada quando admitimos a premissa do canadense
Marshall Mcluhan: o meio a mensagem. H que se aceitar o primado da
forma sobre a funo desempenhada pelo contedo da mensagem. O que
importa, no fundo, no o que se assiste na televiso, mas o prprio ato de
assistir TV.
A televiso parece hipnotizar. Quem liga o aparelho de TV para assistir
um programa determinado, corre o risco de passar horas sob o fluxo de imagens.
O discurso da TV integra estruturalmente toda a programao, um fluxo
audiovisual ininterrupto que integra programas e propagandas com os mais
variados contedos. A utilizao do controle remoto ampliou a convergncia
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entre esses dois fatores aparentemente contraditrios: o fluxo integrador e os
contedos diversos. Tal convergncia leva muitos telespectadores a perderem a
capacidade de identificar os contornos que separam a realidade da fico:
A inocncia de um desenho animado pode ser interrompida subitamente por um segmento de discurso sobre as propriedades de umbiscoito, ao qual se segue um trailerde um filme da sesso da noite mostrandocenas de sexo e violncia, uma chamada para o telejornal anunciando outrascenas de violncia real, sem que nada as diferencie da violncia fictciamostrada h pouco, volta-se a uma propaganda de lingerie , a umaapresentadora de minissaia e finalmente ao desenho animado interrompido.(KEHL, M. R. 1991:67)
A forma de mosaico transbordou da televiso para todos os segmentos da
criao cultural, da literatura ao cinema, produzindo uma juno de partes,
perodos, cenas curtas e impondo um imperialismo das imagens que solapam e
tornam incompreensveis as anlises de profundidade. O modelo televisivo exige
a permanente substituio de signos. Busca-se a novidade constante, embora isto
no signifique originalidade constante: costuma-se repetir o que j conhecido,
utilizando-se embalagens novas.
A redundncia uma caracterstica fundamental da televiso e recurso
indispensvel para manter o espectador fiel telinha. No , como muitos
crticos preconizam, imperdovel falha de linguagem: to necessria que os
manuais de telejornalismo recomendam-na em nome da simplicidade e da
clareza exigidas de uma notcia feita para ser ouvida. Nunca demais lembrar
que, ao contrrio da notcia de jornal (que pode ser relida), o que dito pelos
apresentadores do telenoticirio no pode ser reapresentado ao espectador que se
distrai por um momento.
Outro personagem importante da linguagem televisiva o comercial.
Alm da bvia funo de principal fonte de financiamento, o comercial impe
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sua irrefrevel tendncia espetacularizao absoluta (REQUENA, apud
REZENDE. 2000:34) e introduz agilidade visual com atraes sucessivas, para
segurar a audincia. Estes apelos frenticos induzem os telespectadores a
confundir os limites entre o que est sendo apresentado no programa e o que
insero publicitria.
A confuso torna-se ainda maior porque a programao tende a buscar o
espetculo e a diverso, o que afeta inclusive os telenoticirios. Realidade e
fico se interpenetram, abolindo as fronteiras entre si. Guilherme Jorge de
Rezende (op.cit.) nos apresenta uma passagem reveladora dessa situao de
fuso entre concreto e imaginrio:
Recorde-se no final de 1996, durante a exibio da novela O rei dogado , a participao de dois senadores de verdade Eduardo Suplicy eBenedita da Silva no velrio do senador Caxias, interpretado pelo atorCarlos Vereza. Meses antes, ocorrera o inverso. Em uma das edies doJornal
Nacional , o telejornal de maior audincia do Brasil, o fictcio senadorCaxias aparece ao lado do presidente real do Brasil, Fernando HenriqueCardoso, pedindo-lhe para acelerar o processo de reforma agrria (o principaltema de fundo da telenovela) e ao mesmo tempo manifesta apoio ao projeto dereeleio (proposta que o Congresso estava apreciando e, se aprovada,
permitiria que Fernando Henrique se candidatasse novamente presidncia).
O discurso televisivo antes sensorial e afetivo, do que racional. Produz
um contato permanente entre o emissor e o receptor, em clima de familiaridade e
de conversa ntima. A impresso de dilogo, de bate-papo, to forte que alguns
telespectadores respondem aos cumprimentos dos apresentadores de TV: Boa
noite; um abrao para voc... Como ficar impassvel ao olhar simptico,
amistoso, solcito que, instalado na sala de visitas (ou no quarto) do
telespectador, convidando-o para a cumplicidade.
O discurso televisivo sensibiliza audio e viso, enquanto as mensagens
impressas (ou as radiofnicas) atingem um nico sentido. A abrangncia
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sensorial do discurso televisivo permite a ligao entre imagem e signo sem
o uso de referentes: ou seja, no h fronteiras entre o que se v e o significado do
que se est vendo. Quando uma estrela do cinema aparece na telinha, ela
imediatamente identificada pelo espectador. A informao jornalstica impressa
mais exigente, pois precisa da alfabetizao para que o receptor inicie a
operao de construo do sentido; a informao radiofnica necessita se
amparar em referentes numerosos para se dar a compreenso da mensagem que
est sendo enviada.
Se considerarmos que a imagem uma mensagem sem cdigo 1, ento
se pode afirmar que o componente visual da mensagem televisiva no necessita
em princpio do domnio de algum cdigo prvio, por parte do telespectador.
Isso faz da televiso um meio extremamente eficaz, pois vence trs problemas
bsicos para quem quer se comunicar: o do tempo (pois a comunicao
imediata); o do espao (pois a televiso pode transmitir a partir de praticamente
todos os lugares); e o do cdigo (pois a linguagem visual universal).
Estas suposies sobre as imagens nos levam s seguintes inferncias: se
a imagem reproduo do mundo concreto, os objetos e elementos da natureza
so apreendidos de maneira anloga, independentemente das caractersticas
culturais do receptor; como a televiso apresenta as imagens em movimento,
objetos, figuras e pessoas ganham corporalidade e substncia, tornando-os
virtualmente reais (tomo, aqui, emprestada uma expresso cunhada por
Manuel Castells2).
1 BARTHES, R. A mensagem fotogrfica. In LIMA, L. C. (org.)Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 303.
2 CASTELLS, M. A era da informao: economia sociedade e cultura(volume 1: A sociedade em rede). So Paulo: Paz e Terra, 2002.
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As imagens, assim, repercutem diretamente sobre a afetividade, sem ter
que passar pela mediao do intelecto. Ou, como expressou Guilherme Jorge de
Rezende (op.cit., p.40):
Na comunicao audiovisual, portanto, registra-se o predomnio dasensao sobre a conscincia, dos valores emocionais sobre os racionais.
Ao mesmo tempo em que agem diretamente sobre a afetividade, as
imagens so consideradas, por vrios autores, como atrofiadoras da capacidade
imaginativa. A atrofia ocorre em escala proporcional exposio do
telespectador ao impositiva das imagens televisivas. Ou, na expresso de
DEBRAY (1993, p.405):
Uma civilizao da imagem acabaria construindo um mundo semimaginao em que o ser teria vencido a aniquilao; a tica, a dialtica; e o
presente, o tempo. Seria um mundo sem histria nem relevo e desprovido desmbolos; um mundo impossvel, pois sem possibilidades; abstrato fora deconcretude; e de tal modo pleno que acabaria por estar vazio. desse mundoque estamos nos aproximando de acordo com uma curva assinttica.
Deixemos em segundo plano a anlise da linguagem da TV, em geral: tempo de estudar, mais de perto, o telejornalismo.
Observa-se em primeiro lugar que, no Brasil, a maioria dos estudiosos (e
dos prprios produtores dos telejornais) atribui imagem a funo primordial no
processo de codificao das notcias. Esta percepo muito costumeira entre os
jornalistas que trabalham na Rede Globo:
com a imagem que a televiso compete com o rdio e o jornal,exercendo o seu fascnio para prender a ateno das pessoas.(PATERNOSTRO, 1987, P.41)
A televiso precisa da imagem, o texto secundrio e fica merc daimagem. Mesmo no noticirio internacional, por causa do pequeno espao querecebe, acaba prevalecendo a imagem do espetacular, do sensacional, semmuita preocupao em situar o fato num contexto, explicar o que provocoutudo aquilo, as conseqncias. De vez em quando, d para acrescentar algumacoisa e, quando isso acontece, muito bom. (BIAL, apud REZENDE, 2000, p.44)
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Respeitar a palavra muito importante no texto da televiso.Imprescindvel, no entanto, no esquecer que a palavra est casada com aimagem. O papel da palavra enriquecer a informao visual. Quem acharque a palavra pode competir com a imagem est completamente perdido. Ou otexto tem a ver com o que est sendo mostrado ou o texto trai sua funo. (TVGLOBO, 1984, p.11)
Apesar do aparente consenso sobre a hegemonia da imagem, na televiso
e por conseqncia no telejornalismo, talvez seja possvel defender a tese
oposta: a de que o som fundamental e obrigatrio, nas transmisses televisivas.
Observa-se que possvel o cinema mudo (e h quem diga que o cinema mudo
o cinema puro), mas a TV muda inimaginvel. Segundo Barthes (1987), o
que ocorre a complementaridade entre texto e imagem, sendo que a emisso
verbal realiza a ancoragem dos significados; produz a significao conceitual
que nos permite seguir acompanhando a programao de TV.
Quem se coloca como observador do cotidiano acaba aceitando a idia de
que a palavra conduz, de fato, o discurso televisivo. A me est entretida na
cozinha; o pai l jornal; a vov est tricotando; a filha est ao telefone. Todos
esto, ao mesmo tempo, acompanhando a TV com os ouvidos: ao serem
estimulados por motivao sonora (jingle, rudo, ou fala de algum) de vez em
quando eles se rendem em grupo ou individualmente atrao das imagens
correspondentes.
No possvel ficar diante da tela, se ela transmite sem sons cenas de
uma telenovela ou de uma entrevista. Ningum fica mais de um minuto diante de
uma transmisso sem voz. Mas o oposto, som desvinculado da imagem,
perfeitamente possvel: apesar da perda de muitos elementos da transmisso, h
totais condies de se seguir a trama da telenovela ou a evoluo do talk-show.
Ciro Marcondes Filho reconhece a dependncia do programa de TV em relao
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palavra, alm de contrastar essa dependncia com a maior liberdade expressiva
do cinema:
Na narrativa da TV, o que importa o dilogo, a fala, as palavras.H um atrofiamento das demais formas expressivas (o silncio, a linguagemdos ambientes, das paisagens, das cenas por si) em favor do texto. No cinema diferente: os efeitos visuais podem at desprezar as palavras j que o ambiente(e a concentrao) da exibio permite que se ampliem as formas deexpresso. (MARCONDES FILHO, 1994, p.16)
No telejornalismo, o poder da palavra evidente. No h imagem
jornalstica que surja soberana, sem os comentrios explicativos. A imagem
desacompanhada da bitola sonora produz uma situao de perigo, pois sua
polissemia um convite busca de significados que podem escapar aos
objetivos de quem emitiu a informao. O prprio telespectador, incomodado
pela necessidade de abandonar a confortvel situao de dependncia em relao
ao emissor, tende a mudar de canal ou a supor que esteja ocorrendo alguma falha
tcnica. No telejornalismo, dizer que TV imagem talvez no seja mais do
que pronunciar uma frase feita, sem grande vnculo com a realidade.
Em obra literria, ou na esttica cinematogrfica, a polissemia
qualidade desejvel. Mas a mensagem telejornalstica busca ser precisa e clara:
polissemia, aqui, risco de caos. Por isso, independentemente do avano
tecnolgico aplicado rea jornalstica, a forma mais simples de se apresentar
uma notcia resiste: o locutor l um texto, com clareza e preciso. A singela
presena do locutor diante do vdeo no ocorre por acaso, nem por deficincias
tcnicas ou por limitaes financeiras.
Por ltimo, os que defendem a primazia da palavra em relao imagem,
no telejornalismo, apresentam um argumento irrefutvel: se algum ouvir, em
um dia, o telejornal sem ver suas imagens e, no outro dia, assistir as imagens dos
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fatos sem as palavras correspondentes, certamente ficar mais bem informado no
primeiro dia; no segundo dia, ficar apenas inquieto.
Como nos inclinamos pelo primado da palavra no discursotelejornalstico, torna-se necessrio verificar qual o cdigo lingstico que as
emissoras de TV utilizam com tanta eficcia, permitindo-lhes realizar a
comunicao com uma audincia incrivelmente diversificada.
Observa-se, em primeiro lugar, que a linguagem nos d a dimenso
humana e social. A linguagem retira-nos, homens, da solido e nos permitedescobrir os outros homens. Falar com outra pessoa, nos leva ao conceito de
oralidade, que antecede ao conceito de escrita. A linguagem escrita, na
verdade, no mais do que uma alternativa ao discurso oral. O oral nos leva
alm do significado dos vocbulos e das frases, pois utiliza a entonao e o
timbre de voz, usa tambm a mmica e o jogo fisionmico.
De certa forma, a escrita a linguagem oral com mutilaes. Escrever
eficientemente reduzir os constrangimentos causados pela falta de alguns
elementos expressivos presentes na linguagem oral. A escrita reflete uma
situao de comunicao descontextualizada, pois no ato de escrever no ocorre
a relao imediata entre emissor e receptor. FRAGA ROCCO (1989, p.31)
seguiu, pioneiramente, a mesma trilha de raciocnio quando afirmou que na
escrita s temos acesso ao produto final reelaborado e que, ao refazer-se, acaba
por apagar as marcas do prprio processo de produo.
Na comunicao oral configura-se uma situao real, contextualizada, de
comunicao. O emissor e o receptor se encontram e quem fala graas
interao face a face pode observar as reaes do interlocutor. Como o ato
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iterativo, o emissor pode dosar a quantidade de informaes a ser emitida,
repeti-las se for necessrio. O emissor pode abandonar uma frase, deixando-a
fragmentada, se perceber que o entendimento j se deu. Para reforar a
expresso de seu raciocnio, pode mudar o ritmo da fala, variar a entonao,
gesticular...
Por no passar por qualquer processo de reedio, o oral mais
espontneo que a escrita. Feita para ser consumida imediatamente, a expresso
oral no permite a reteno de grande quantidade de informaes: a escrita,
produzida para permanecer, que pode ret-las para o receptor.
O discurso televisivo atende s necessidades do telespectador, que
prefere a comunicao prxima da oralidade, com as repeties, autocorrees e
outras marcas tpicas da lngua falada. Como necessria a simulao do
dilogo, para manter o contato com o telespectador, empregam-se regras que
caracterizam a comunicao oral. A adequao da mensagem oralidade reduz
os efeitos negativos tpicos da relao unilateral. Por isso, utilizada em todos
os gneros de programas, inclusive os jornalsticos.
Nos telejornais, o texto foi escrito para ser lido. Estamos diante de uma
situao especfica: um discurso oral produzido. Apresenta-se uma escrita
oralizada, que precisa ser coloquial e informal para garantir o envolvimento do
receptor. Assim, a linguagem dos telejornais constitui a soma da chamada norma
culta (que prpria da modalidade escrita) com a expresso coloquial (com as
expresses correntes no bate-papo entre amigos). A linguagem formal preserva
os usos lingsticos da modalidade escrita; a linguagem coloquial utiliza a
espontaneidade da modalidade falada.
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Para aumentar o grau de eficincia da comunicao, aconselhvel
recorrer ao coloquial, desde que ele no fuja aos parmetros da preciso
lingstica. Esta recomendao encontrada tambm nos manuais do jornalismo
impresso:
O texto de jornal deve ter estilo prximo da linguagem cotidiana, semdeixar de ser fiel norma culta, escolhendo a palavra mais simples e aexpresso mais direta e clara possvel, sem tornar o texto impreciso.3
Embora existam semelhanas entre as recomendaes para o uso da
palavra, a televiso tem especificidades que esto relacionadas a duas vantagens
que possui sobre os meios impressos. A primeira vantagem a de abolir a
barreira do tempo (o que permite noticiar os fatos no exato momento em que
eles ocorrem); a segunda vantagem a de abolir o espao (pois com as
transmisses por satlite, milhes de pessoas podem acompanhar o desenrolar de
um evento distante). Ao retransmitir a mensagem no momento em que ela surge,
a televiso precisa construir a notcia atenta ao entrosamento mximo entreimagem e palavra. S esse entrosamento permite a relao direta e imediata com
o vivenciado, dando TV um altssimo grau de veracidade e de poder
referencial.
Armando Nogueira (apud REZENDE, 2000, p.83 e 84) analisa as
caractersticas do entrosamento entre imagem e palavra, da seguinte maneira:
Como na televiso, voc tem primeiro um complicador essaharmonia na conjugao da palavra com a imagem. Ela [a TV] exige que vocuse a palavra como se usa no jornal [...] para ilustrar uma fotografia. Ou seja,o texto da televiso tem de funcionar um pouco como o texto-legenda. Masalm de ser um texto-legenda, tem de conter uma coisa que fundamental, que essa conciliao de duas linguagens, para no perturbar a capacidade de
pensar do telespectador, quando se passa para ele uma informao visualacompanhada de palavras que no reforam aquela imagem que voc estmostrando. Ou seja, o conflito das duas linguagens acaba provocando no
3 Manual de Redao da Folha de So Paulo. So Paulo: Folha de SoPaulo, 1992, p.86.
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telespectador um efeito que o de reter s a informao visual e no reter ainformao sonora, a informao verbal. Por isso, preciso que voc ajuste a
palavra imagem de tal maneira que a televiso acaba dando a idia de queela em si um veculo redundante, porque a imagem est mostrando uma coisae voc est reforando isso que voc est mostrando atravs das palavras. Porque voc deve fazer isso? No s para ajustar, para harmonizar as duasmensagens, mas tambm para fixar melhor [...] Porque se o veculo redundante porque ele redundante ele redundante porque precisa
passar a mensagem integralmente. E voc sabe que no rdio como na televiso,as palavras voam e as palavras que voam passam e no voltam. No jornal,
fcil voc no entender no primeiro momento uma orao, voltar e reler parareter a informao. Na televiso, voc no tem essa chance. Voc no tem oreplay na informao jornalstica que voc v e rev. Voc v e j foiembora. Verba volant; scripta manent.
H, ainda sobre a abordagem das especificidades na relao palavra-
imagem, na TV, um trecho do livro Television News, inspirao costumeira paraos manuais de telejornalismo adotados no Brasil. Irving Fang discorre sobre as
diferenas entre as reaes dos consumidores de jornais e de TV, ao receberem
uma informao:
Embora, em muitos casos, o telespectador seja tambm um leitor de jornais dirios, a recepo da informao diferente porque o mdiumteleviso requer graus de ateno e participao no to exigentes quanto osrequeridos pela imprensa. Na imprensa, o leitor precisa estar envolvido econcentrado no momento de receber a mensagem. Ele precisa dirigir suaateno para a palavra impressa, deixando fluir sua imaginao e, com o olharda mente, elaborar uma imagem correspondente ao que o texto descreve.Situaes opostas so suscitadas pela televiso. O telespectador tem umaatitude passiva. Ele no pode ir at as notcias, como poderia faz-lo, virandoas pginas de um jornal. As notcias vm at ele. Seguem-no se ele levantar-seda cadeira. Seguem-no enquanto ele toma um lanche, na cozinha; seguem-noonde o som da TV estiver ao alcance de seu ouvido. Enquanto ele olha para ovdeo, seu sentido de viso capturado, mas sua imaginao no despertada.
As notcias de TV no demandam ateno total do telespectador. Sua mente
pode vaguear. (FANG, 1972, p. 122)As notcias de TV so texto para leitura e audio. Isto explica porque os
manuais de jornalismo exigem que o redator leia a notcia em voz alta, assim que
a escreve. Podem-se constatar as falhas do texto em tempo de corrigi-las antes
que interfiram no trabalho do apresentador do jornal. como se o ouvido tivesse
menos pacincia que os olhos, desorientando-se quando contamos a ele uma
histria montona ou excessivamente rica em detalhes. Todo o discurso
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jornalstico deve buscar o vocabulrio mais usual e a sintaxe mais simples, em
funo de seu destinatrio final (a audincia) e do seu intermedirio (o
apresentador, que ler o texto em voz alta).
Por ltimo: como destinado audio, o texto de TV precisa ter
sonoridade, no momento em que proferido. Joelmir Beting, comentarista do
Jornal da Band, busca dar musicalidade ao texto jornalstico:
Voc tem de falar assim: p-p-p/p-p-p! Com isso as pessoascomeam, sem perceber, a sentir o ritmo gostoso da fala. Para chegar a esseresultado eu at foro um pouco a rima em algumas situaes. Se eu ponhoeconomia, eu vou rimar com carestia e no com inflao; eu faotaxa cambial com ajuste fiscal [...] Eu uso mesmo e no tenho medo de
fazer isso, tenho de botar molho nesse texto porque o material mesmo pesadoe o telespectador no agenta um minuto de conceito econmico. (apud
REZENDE, 2000, p.96)
Eis a notcia acessvel do ponto de vista intelectual pela clareza das
informaes divulgadas e emocional pela simulao de um contato
interpessoal, sensibilizando a afetividade do telespectador.
2.2 Jornal Nacional.
Comeamos nosso estudo referindo-nos a Walter Clark, um dos nomes
mais importantes da histria da Rede Globo. Foi dele4a idia de estabelecer, no
j longnquo ano de 1968, o princpio bsico da construo da grade de
programao da empresa: locar um telejornal o Jornal Nacional entre duastelenovelas. Clark buscava criar o hbito de se ver TV em famlia. O pai
acompanharia a primeira telenovela, enquanto aguarda o incio do telejornal; a
me assiste o telejornal enquanto espera a segunda telenovela. Numa poca em
4
BORELLI, S.H.S.; PRIOLLI,G. (coord.) A deusa ferida: porque aRede Globo no mais a campe absoluta de audincia. So Paulo: Summus,2000, p.19.
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que s existia uma TV por residncia, as crianas ficavam sem alternativa seno
a de acompanhar a programao escolhida pelos adultos...
A fidelidade familiar engenhosa e simples grade bsica de programaoproduziu um vertiginoso incremento nos ndices de audincia. Walter Clark foi o
primeiro profissional da TV brasileira a utilizar a tecnologia dos novos
equipamentos de vdeotape para dar padro grade de programao. Foi
recompensado, pois construiu um virtual monoplio de audincia, que gerou
uma elevada captao de recursos na venda da publicidade do horrio nobre. O
Jornal Nacionaltornou-se o espao de programao de maior prestgio do
mercado publicitrio. Os comerciais veiculados em seus intervalos so os mais
caros da televiso brasileira.
As telenovelas geram, tambm, muita renda. Esta modalidade de
programao ganhou caractersticas tipicamente brasileiras, embora em suas
razes possamos encontrar marcas do folhetim francs do sculo XIX, das
radionovelas e do cinema de lgrimas latino-americano e da soap opera norte-
americana. A relao custo-benefcio5 muito vantajosa para a emissora de TV:
os custos fixos so relativamente elevados, mas podem ser rateados em uma vida
til de aproximadamente 150 captulos; alm das inseres comerciais (quatro
blocos, com 04 minutos de comerciais em cada um), h a possibilidade de
merchandising(meia dzia, por captulo, em mdia).
O padro de exibio o seguinte: assim que se encerra o Jornal
Nacional, aparece a vinheta apresentando a novela; em seguida, espao para o
patrocinador; imediatamente surgem as cenas finais do captulo anterior, j
5
BORELLI, Silvia Helena Simes e PRIOLLI, Gabriel (coord.). Adeusa ferida: por que a Rede Globo no mais a campe absoluta deaudincia. So Paulo: Summus, 2000, p 22.
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articuladas s novas imagens do captulo que se inicia. O mecanismo seqencial,
sem interrupes aparentes entre um programa e outro, uma interessante
estratgia de captura da ateno do receptor, com o objetivo de mitigar seu
impulso de utilizar o controle remoto parazapear.
Antes de nos determos na anlise do telenoticirio faz-se necessrio
constatar que o modelo de serializao, tpico da telenovela, com o objetivo de
prender o telespectador, fazendo-o retornar ao mesmo canal no dia seguinte, tem
sido utilizado pelo Jornal Nacional. Em algumas reportagens especiais, o
noticirio repercute o mesmo tema por uma semana inteira. O mesmo ocorre nos
grandes casos, como o de Suzane Von Richtoffen que, com ajuda do namorado,
assassinou seus pais.
Comeamos o estudo do Jornal Nacional, acompanhando uma ao do
jornalista Roberto Marinho proprietrio da Rede Globo realizada alguns anos
antes de morrer. Marinho decidiu historiar parte da aventura de se produzir
televiso, em nosso pas. A idia por si s meritria, mas tropeou na
megalomania do velho capo da televiso brasileira: ao invs de se entregar a
tarefa a um historiador, cientista social ou jornalista que no fizesse parte da
Rede Globo, criou-se, dentro da estrutura da empresa, um ncleo que se intitulou
Memria Globo. Este ncleo, cujos componentes no assinam os documentos
que resultam de suas pesquisas, produziu um livro em 1984 (Jornal Nacional,
15 anos de histria. Rio de Janeiro: TV Globo, 1984) e outro, vinte anos depois
(MEMRIA GLOBO.Jornal Nacional a notcia faz histria. Rio de Janeiro:
Ed. Jorge Zahar, 2004). Esses livros relatam 35 anos de atividade do noticirio
mais assistido da TV brasileira.
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Estes livros poderiam ter adquirido imprescindvel valor histrico. Mas
por falta da necessria iseno e de metodologia (os documentos comprobatrios
e os textos de referncia so apresentados ou no esporadicamente, de
acordo com as convenincias empresariais) acabaram se tornando uma simples
produo memorial.
Feita a ressalva, utilizaremos criticamente as informaes destes livros
para apoiar parcialmente a anlise sobre o Jornal Nacional, que se apresenta a
seguir.
A famlia de Roberto Marinho considera que a histria da rede Globo se
constri de maneira coerente desde sua fundao, ainda na dcada de 1920. Joo
Roberto Marinho, ao apresentar o livro sobre o Jornal Nacional sentencia:
O Globo de Roberto Marinho sempre foi mais voltado para a notciado que para o debate pseudo-intelectual, muitas vezes estril, to em moda nos
jornais do incio do sc. XX. Ele tinha a convico de que a um jornal no cabe
formar opinio, mas oferecer ao leitor as informaes relevantes para que eleforme suas prprias opinies. (MEMRIA. 2004, p. 11),
Joo Roberto Marinho nos quer fazer crer que seu jornal (e todas as
empresas das Organizaes Globo) consegue informar sem qualquer rudo
ideolgico, sem qualquer interferncia de interesses econmicos ou polticos.
Isto lembra um brilhante slogan criado pelO Estado de So Paulo, na dcada de
1970, utilizado nas campanhas de divulgao do matutino da empresa: Assine
O Estado de So Paulo: o espelho do mundo visto por olhos nos quais voc
confia!
Acompanhado por Hilton Gomes, Cid Moreira (como faria nos 26 anos
seguintes) abriu o noticirio da primeira exibio do programa em 1 de
setembro de 1969 afirmando que o Jornal Nacionalseria o integrador do
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Brasil novo, com imagem e som de todo o pas. Dirigindo-se diretamente ao
espectador, Cid Moreira enfatiza: o Brasil ao vivo, a em sua casa.6
A tcnica de redao e a apresentao das notcias eram totalmente novase se tornaram modelares para o telejornalismo brasileiro: o texto, lido de forma
intercalada pelos apresentadores, era redigido em frases curtas e simples,
afastando-se do estilo magnificente que vigorava em outros telejornais.
O Jornal Nacional foi construdo para ser apresentado simultaneamente
em todo o pas e atendia aos interesses do regime tecnocrtico-militar (quegovernou o Brasil entre 1964 e 1985), que buscava a integrao nacional. Desde
o primeiro programa percebia-se, tambm, a preocupao com a perfeio
tcnica. Alm da EMBRATEL, responsvel pela disponibilizao da rede, a
introduo dos equipamentos de videotape foi fundamental para o salto de
qualidade, dado pelo novo programa jornalstico. Armando Nogueira soube
sintetizar os vnculos entre perfeio tcnica e limitao de contedo:
Ns queramos saber se tudo ia funcionar do ponto de vista tcnico,estritamente tcnico, no estvamos preocupados em fazer, no Jornal Nacional,um belo jornalismo, porque isso no seria possvel debaixo de uma censura queera exercida de uma forma rigorosa. Nossa preocupao, em matria detelejornalismo no ia alm da forma, do formato, da parte visual, porque
soframos restries ao exerccio da plena liberdade de informao.7
Outra anlise, realizada por jornalistas desvinculados da Rede Globo
(Revista Imprensa, So Paulo, junho de 1991, p.23), chega a concluses
semelhantes, usando um vis mais crtico:
O Jornal Nacional logo se cristalizou como o modelo dotelejornalismo brasileiro. Foi o primeiro telejornal transmitido em rede
6 Jornal Nacional, 15 anos de histria. Op.cit.
7 Idem. Observa-se que no havia censura direta ao Jornal Nacional.
Armando Nogueira provavelmente refere-se ao ambiente jornalsticobrasileiro, tolhido pela censura, e auto-censura praticada pelos editores doJornal Nacional.
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nacional, incentivado pelos militares no poder que colocaram um pioneirosistema de transmisso por satlite e microondas da EMBRATEL disposiodas emissoras de TV, Globo frente. O objetivo do governo era integrar aimensido do territrio brasileiro por meio da televiso. O forte do Jornal
Nacional, desde os seus primrdios, foi o padro de qualidade das imagens eas reportagens produzidas em todos os cantos do pas. O fraco era o tomnotadamente chapa-branca do noticirio poltico, ainda que os caciques daGlobo atribuam este defeito censura exercida na poca em toda a imprensa.
Outra grande diferena entre o Jornal Nacionale os outros noticirios
apresentados pela TV Brasileira (Mappin Movietone, Reprter Esso) era
conceitual. O telejornal da Rede Globo apresentava matrias testemunhais, com
a fala dos entrevistados. Armando Nogueira explica (MEMRIA. 2004, p. 31):
O que caracterizava o nosso jornal era o som direto. O Reprter Essono tinha som direto porque saa embalado da redao do Jornal do Brasil,onde funcionava a United Press, distribuidora do noticirio, tanto na poca dordio quanto na da televiso. Saa de l pronto, era s botar no ar. GontijoTeodoro apenas lia. No nosso telejornal, alm de imagens cobertas com udiodo locutor, inseramos depoimentos, com voz direta, da pessoa falando.
O Jornal Nacionalfoi o primeiro telejornal a ser exibido em rede para
todo o pas. Este fato levou a equipe de jornalismo da Rede Globo a desenvolver
o conceito de noticirio nacional, ainda inexistente na televiso brasileira. Uma
srie de critrios foi formulada para servir de guia na seleo e na hierarquizao
das notcias. As matrias deveriam ser de interesse geral e no regionais ou
particularistas. Os assuntos tinham que chamar a ateno tanto do telespectador
de Manaus quanto de Porto Alegre. Era necessrio no privilegiar uma regio
em detrimento de outra, pensar sempre em como determinada nota poderiarepercutir em estados diferentes.
Como o Jornal Nacionalfoi criado no perodo do regime tecnocrtico-
militar, no podemos nos esquecer do ambiente geral: havia censura s matrias
jornalsticas. Quem no era diretamente censurado, acaba por praticar
autocensura. Diante das dificuldades polticas para tratar dos assuntos nacionais(1970), Armando Nogueira procurou fortalecer o jornalismo internacional,
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investindo na formao de correspondentes. No decorrer dos anos, esta
preocupao em manter um noticirio internacional que atrasse o interesse do
espectador, acabou se tornando um diferencial que favorece o jornalismo da
Rede Globo.
A busca por imagens do exterior levou a TV Globo a buscar um convnio
com o Sistema Ibero-Americano de Notcias (SIN) no incio de 1971, que lhe
traria as imagens do exterior. A matria, para ser aceita no satlite, precisava do
voto de, no mnimo, trs pases. Nessa poca, de franquismo na Espanha,
salazarismo em Portugal e regimes militares na Amrica Latina, os critrios para
a escolha das matrias eram, muitas vezes, alheios aos interesses jornalsticos. O
problema foi resolvido em 1973, com a assinatura de um contrato com a agncia
de notcias United Press International, que passou a enviar diariamente, do
mundo inteiro e via satlite, imagens para o Jornal Nacional.
Por causa do Eletronic News Gathering8, o formato narrativo do
telejornalismo norte-americano, apoiado no desempenho de vdeo dos
reprteres, tornou-se o padro dominante no pas, na metade da dcada de 1970.
At ento, o reprter pouco aparecia, uma vez que era necessrio economizar
pelcula. Depois que a nova tecnologia foi implantada, o reprter passou no s a
ir ao local dos acontecimentos e apurar as informaes, mas tambm a fazer o
texto e ele mesmo apresentar.
Em 1976, considerava-se amadurecido o processo de construo de uma
linguagem televisiva, adotada em funo da tecnologia que permitia ao reprter
mostrar o acontecimento e no mais dizer o que viu. Desde aquele ano, o
8
Captao eletrnica de notcias, realizada com uso de cmarasportteis de TV, em substituio s cmaras de cinema. A gravao feitaeletronicamente em fita e no mais opticamente em pelcula.
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reprter comeou a acumular as funes de produtor e apresentador de suas
prprias matrias, tornando-se uma das peas mais importantes do
telejornalismo da Rede Globo. Este comportamento passou a ser adotado,
paulatinamente, pelas outras emissoras de TV.
A presena do reprter na tela obriga-o a se curvar ao padro global. O
linguajar que a emissora impe aos locutores em estdio alcana as equipes de
reportagem. Com o tempo, cria-se tambm um padro visual. Uma consultora de
moda orienta os reprteres na escolha dos trajes, na maquiagem e at no corte de
cabelos. Voltando s palavras, um estilo de redao de notcias construdo com
a preocupao de abafar as manifestaes de acentos e sotaques regionais. A
aposta no sentido de se uniformizar a fala nacional do telejornal, buscando-se
um efeito didtico que poderia levar construo da homogeneidade dialetal em
todo o territrio brasileiro.
A padronizao de estilo promoveu um efeito colateral terrvel: o
empobrecimento lingstico. A reduo do uso de adjetivos e a busca de uma
linguagem concisa e direta provocaram limitaes no uso da palavra. Por
conseqncia, h um dficit na emisso de informaes. Isso prejudica o
telespectador. Busca-se reduzir o dficit multiplicando-se o uso de imagens.
Aps algum tempo, a crena de que o poder informativo das imagens poderia
suprir a indigncia verncula foi criticada pelo chefe do departamento de
jornalismo da Rede Globo, Armando Nogueira:
(...) achei que deveria dar mais importncia imagem. Depois de unsoito anos, comecei a achar que estava exagerando no conceito. Ao
subestimarmos a palavra, transformando a linguagem coloquial em algo chulo,pobre, ns, de um veculo poderoso como a Globo, estvamos deseducando o
telespectador. Ento, passei a defender que a palavra tinha um papel essencial
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na composio da informao. (...) Infelizmente, perdi essa parada notelejornalismo. 9
A censura deixou de ser um fator limitante para a atividade jornalstica,
no final da dcada de 1970. Em fins de 1984, com a vitria de Tancredo Neves
no colgio eleitoral, o perigo de um retrocesso institucional ou poltico
desapareceu. Mas a TV precisou aprender a fazer investigao jornalstica, coisa
que no acontece imediatamente. S em 1991 observa-se que a orientao um
pouco mais investigativa chega aos telejornais. O noticirio, principalmente na
Rede Globo, comeou tambm a se aproximar mais do pblico, produzindo mais
matrias ligadas comunidade, ao direito do cidado e ao comportamento, de
modo geral. Algumas afiliadas da Rede Globo, as EPTVs, apostam
vigorosamente na aproximao com a comunidade nas regies onde atuam.
tambm no incio da dcada de 1990 que a Rede Globo decide entregar
nas mos do editor-chefe a responsabilidade por todo o noticirio a ser
apresentado. Nesse novo modelo, o papel da produo seria de apoio. Mais uma
vez, observa-se que as outras emissoras seguiram o mesmo caminho. Nesta
poca, Boris Casoy deixa o cargo de editor-chefe do jornal Folha de So Paulo e
inicia a carreira de ncora de tele-jornalismo; acumula a funo de editor-
chefe. Com sucesso.
Evandro Castro de Andrade, ao assumir o cargo de editor-chefe, na Rede
Globo, decidiu despolitizar o noticirio do Jornal Nacional. Dizia que as notcias
deveriam atender tanto ao interesse pblico quanto ao interesse do pblico.
Com este argumento, recomendava aos editores a busca pelo equilbrio entre
esses dois interesses:
9
Gazeta Mercantil, 04 jun. 1999, apud. BORELLI, Silvia HelenaSimes e PRIOLLI, Gabriel (coord.). A deusa ferida: por que a Rede Globo no mais a campe absoluta de audincia. So Paulo: Summus, 2000.
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claro que o telejornal tem que atender ao interesse pblico, istonem se discute; mas o interesse do pblico tambm precisa ser satisfeito. Em
jornalismo, 90% do que se divulga s servem para conversa durante o jantar,no modificam a vida da pessoa em nada. A vida modificada por uns tantosatos do governo, que definem a cobrana de mais impostos, a proibio distoou daquilo, o aumento de preos, a alterao dos salrios e dos direitos. Mas ointeresse do pblico tambm fundamental, para que as pessoas tenham oque conversar. J imaginaram chegar a um jantar e perguntarem se voc leu oartigo 3 da lei 5432? Seria insuportvel um jantar movido a leitura delegislao. (MEMRIA. 2004, p.288-289)
Evidenciando sua postura despolitizadora, Evandro Castro de Andrade
acreditava que o telejornalismo da Globo deveria contribuir para melhorar o que
ele chamava de situaes crticas no Brasil:
Assim como contribui para a unidade da lngua portuguesa, devecontribuir para uma noo de cidadania. Ns acabamos com o bl,bl,bl da
poltica. Conversa fiada de poltico no tem espao no telejornalismo daGlobo. Acabamos com isso porque convertemos as questes legais e os
procedimentos de Estado em coisas que afetam o pblico. Se no afeta, no nosinteressa. Voc tem a medida concreta daquilo que se reflete no pblico: o
preo do remdio, a falsificao do remdio. Ns denunciamos a falsificaode remdios. Foi um choque quando o Jornal Nacional denunciou. Temos deter a capacidade de fazer, e isso resultar sempre em alguma coisa, pelo menosum constrangimento da autoridade. (MEMRIA. 2004, p.300)
Evandro Castro de Andrade sustentava suas posturas em pesquisas de
opinio produzidas pelo Instituto Soma, de Braslia. Segundo o instituto, o
telespectador brasileiro gosta de noticirios em linguagem simples, com
apresentadores fixos e baseados principalmente em reportagens de servio,
comportamento, sade, meio ambiente, alm de cincia e tecnologia. Alm
disso, os brasileiros preferem notcias curtas, mximo de meia hora de
noticirio e diviso baseada em blocos que comeam com notcias de impacto e
terminam com assuntos leves. (apud REZENDE, 2000, p. 173)
A mudana de milnio convida mudana de paradigmas. Mas as poucas
mudanas ocorridas no Jornal Nacional, com a chegada do novo milnio,
ocorreram por reflexo. Com a morte de Evandro Castro de Andrade em junho de
2001, a direo de jornalismo da Rede Globo passa para Carlos Henrique
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Schroder. Sintomaticamente, Schroder define sua atuao frente do jornalismo
da Globo como sendo de mudana com continuidade (MEMRIA. 2004,
p.334). A outra mudana digna de meno a consolidao do casal William
Bonner e Ftima Bernardes, tanto na apresentao, como na editoria do Jornal
Nacional.
Bonner e Bernardes passaram a apresentar o Jornal Nacional em maro
de 1998. Assumiram a funo em um momento difcil para o Jornal Nacional: o
escndalo Brizola/PROCONSULT e a edio do debate presidencial Lula/Collor
iniciaram um processo de desgaste de credibilidade que, aps uma dcada,
comprometia no s a audincia, como o peso do Jornal Nacional como
balizador da opinio pblica. O fato de Bonner e Bernardes serem casados, de
serem pais de trigmeos, de terem a imagem de casal exemplar, habilitava-os
como coadjuvantes importantes na luta pela reconquista da credibilidade
perdida.
Nos anos seguintes (ao lado de jornalistas como Carlos Tramontina, Caco
Barcelos, Fernando Cabrini e Andr Luis Azevedo), William Bonner, como
editor-chefe, deu nfase a uma reportagem mais investigativa e com denncias
sobre corrupo e desmandos administrativos. Esta atitude investigativa soma-se
disponibilidade fsica do casal de apresentadores que, deslocando-se para a
Coria e Japo (como fez Ftima Bernardes, em 2002, para acompanhar a Copa
do Mundo), ou para o Vaticano (como fez Willian Bonner, no funeral de Joo
Paulo II), conseguem reconstruir a respeitabilidade do Jornal Nacional.
As aes de estabilizao da imagem do Jornal Nacional coroam-se com
dois fatos, ocorridos no final do ano de 2002. Em 28 de outubro, o presidente
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eleito Luis Igncio Lula da Silva, aloja-se na bancada do Jornal Nacional, ao
lado de Willian Bonner, em So Paulo. O presidente responde perguntas,
comenta algumas notcias e, de certa forma, apresenta o noticirio ao lado do
jornalista. O outro fato notvel ocorreu em 23 de novembro: Heraldo Pereira
torna-se o primeiro jornalista negro a ocupar a bancada do telejornal. O Jornal
Nacional (que fez de Lilian Witte Fibbe, no incio da dcada de 1990, a primeira
mulher a dirigir um telenoticirio) assume a fisionomia multirracial para ser o
espelho do pas de todas as raas.
2.3 Jornal da Band.
O Jornal da Band, em meados de 2005, era precedido por Brasil Urgente,
um noticirio local (Grande So Paulo) que prioriza a crnica policial. Luis
Datena, ncora do Brasil Urgente, possui certo carisma e consegue manter a
fidelidade de um pblico eminentemente masculino, adulto, das classes C, D e
E. Observe-se que, em vrias regies do interior do estado de So Paulo e em
quase todos os outros estados brasileiros, o Jornal da Band precedido por
outros noticirios locais, com os mais variados enfoques noticiosos. Estes
noticirios locais eram, alm disso, muito heterogneos. Mesmo uma observao
assistemtica e apressada (como a que se fez para esse trabalho...) permite a
constatao de que esses noticirios eram realizados em condies de baixo
investimento tcnico e com equipes jornalsticas muito reduzidas.
Herdando um pblico relativamente pequeno do noticirio que o precede,
o Jornal da Band entra no ar s 19horas e 20 minutos. No perodo em que se fez
esta pesquisa (meados de 2005), Carlos Nascimento comandava o telenoticirio,
delegando os principais comentrios de poltica nacional para Ricardo Boechat e
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econmicos para Joelmir Betting. O Jornal da Band possua uma cobertura
internacional subdimensionada, mas iniciava, exatamente no noticirio do dia 16
de agosto de 2005, uma reestruturao, por meio de um convnio com a BBC.
O editor-chefe do Jornal da Band, Carlos Nascimento, tornou-se
conhecido do pblico paulista ancorando o Jornal da Cultura, que estreou em
agosto de 1988. Depois, trabalhou na Rede Globo por mais de uma dcada.
Ganhou notoriedade nacional, em 2001, ao narrar ao vivo, os acontecimentos de
11 de setembro. Descreveu os atentados como terroristas, antes mesmo do que a
CNN o fizesse10. Ao se transferir para a Rede Bandeirantes, Carlos Nascimento
levou para o Jornal da Band a mesma cultura de telejornalismo que vigorava no
Jornal Nacional: do lookfuturista da bancada dos apresentadores aos recursos de
vinheta; da priorizao das tomadas externas economia de adjetivos ao emitir
as notcias. O nico diferencial que Carlos Nascimento arriscava-se a comentar
algumas notcias, assumindo uma postura que o aproximava da ao dos
ncoras, muito comuns no telejornalismo norte-americano.
Ao contrrio de Boris Casoy (como veremos a seguir), Carlos
Nascimento prefere trabalhar em equipe, sem se colocar como superior
hierrquico. A equipe dividida em editorias de economia, poltica,
internacional, questes de ecologia e de clima, alm de uma editoria geral (onde
se agregam questes culturais e esportes). Cada uma dessas reas tem seu editor-
executivo e editores de texto.
O mesmo esprito de equipe verifica-se, no ar, quando uma notcia
comentada: quando o tema ecologia e questes climticas, os comentrios
(estritamente tcnicos) so de Mariana Ferro; nas questes econmicas, os10 (MEMRIA. 2004, p.339).
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comentrios (com fortes pitadas de ironia) so de Joelmir Beting; nas questes
de poltica, os comentrios (com razovel dose de bom-humor) so de Ricardo
Boechat.
Durante o perodo em que Carlos Nascimento foi editor-chefe, o Jornal
da Band manteve um estilo redacional enxuto, com evidente economia dos
adjetivos e de palavras que ultrapassassem as trs slabas. Mas no se poderia
afirmar que existia rigor na observao de normas de elaborao de textos
(Joelmir Beting servia-se de muitos adjetivos e Mariana Ferro das palavras
polissilbicas). Um brevirio, de circulao interna, dava mais nfase aos
procedimentos ticos e tcnicos, sem detalhes sobre regras de redao das
notcias.
Por ltimo, no ocioso constatar que Floribela, uma novela para pr-
adolescentes entrava no ar, ao final do Jornal da Band. Como os pblicos do
Brasil Urgente, Jornal da Band e Floribela raramente se interseccionavam,
conclu-se que boa parte da audincia do Jornal da Band acabava sendo
capturada enquantozapeava entre os vrios canais de TV.
2.4 Jornal da Record.
Os problemas de grade de programao, encontrados na Rede
Bandeirantes, repetem-se na Rede Record. Espremido entre um noticirio local
voltado para a crnica policial e um dramalho mexicano, Boris Casoy
comandou, audaciosamente, seu telejornal no mesmo horrio em que o Jornal
Nacional (dono da audincia de 55% dos aparelhos de televiso ligados entre 20
horas e 21 horas). O Jornal da Cultura (TV pblica) e o Rede TV News
comeavam no momento em que o Jornal Nacional terminava; Bandeirantes e
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Gazeta faziam seus noticirios uma hora mais cedo; a Rede SBT no tem
programao em horrios fixos.
O formato do Jornal da Record foi construdo muitos anos antes daprimeira edio ir ao ar: comeou a ganhar corpo quando Boris Casoy, deixando
o cargo de editor chefe do jornal Folha de So Paulo, decidiu se tornar editor e
ncora do Telejornal Brasil, no Sistema Brasileiro de Televiso.
Desde sua estria, em 28 de setembro de 1988, o TJ Brasilproduziu um
telejornalismo original: alm da durao mais longa (cerca de 40 minutos), haviaa figura do ncora, inicialmente inspirado no jornalismo norte-americano. Boris
Casoy no tardou a moldar o trabalho de ncora, dando-lhe uma feio
absolutamente particular.
Utilizando-se de bordes que se tornaram nacionalmente conhecidos
(Isto uma vergonha; Precisamos passar o Brasil a limpo) Casoy pontificouem assuntos internacionais e nacionais, tanto na rea poltica como cultural,
social ou policial. S absteve-se de enveredar costumeiramente em temas
econmicos, delegando os comentrios especficos dessa rea para Sallete
Lemos. Alm de editar o telejornal, Boris Casoy apresentava as notcias e fazia
entrevistas. Anos depois, quando o TJ Brasil j estava consolidado, Casoy
definiu o que ele entende por ser ncora de um telejornal:
Eu acho que no Brasil, ele [ncora] sinnimo de editor-chefe, deapresentador e de comentarista. E, ocasionalmente, entrevistador. Na verdade, o jornalista no pleno exerccio de suas funes. o jornalista que edita seu
jornal, que seleciona as notcias, Que comenta e faz anlise. No meu conceito,no fundo, uma forma de jornalismo crtico e analtico. (apud SQUIRRA,1993, p.100)
Transferindo-se para a Rede Record, em 1998, Boris Casoy trouxe
consigo todos os conceitos desenvolvidos (e quase toda a equipe de jornalistas...)
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no perodo em que trabalhou no SBT. E, no decorrer dos oito anos seguintes, a
equipe do Jornal da Record se manter totalmente independente, espelhando a
imagem e a personalidade de seu ncora. Douglas Tavolaro, diretor de
jornalismo da Rede Record, chegou a dizer que Existia um muro de Berlim de
vidro que dividia a redao do Boris do restante do jornalismo 11.
Nenhum jornalista, na histria da TV brasileira, desfrutou de tanta
liberdade para produzir um telenoticirio. Boris Casoy certamente exigiu, ao
fazer seu contrato profissional na Rede Record, autonomia para fazer o
programa. Lembrando que a Rede Record propriedade da Igreja Universal do
Reino de Deus, h que se louvar a cautela democrtica de Casoy, se realmente
fez a exigncia, e magnanimidade igualmente democrtica do bispo Edyr
Macedo, se a aceitou.
Ao mesmo tempo em que os comentrios de Boris Casoy denotam clara
opo ideolgica, foroso reconhecer que no so partidrios, nem privilegiam
alguma opo religiosa, racista ou de faco. A neutralidade fundamenta-se em
cinco regras de conduta que acompanham o jornalista, desde o comeo de sua
carreira, e que foram explicitadas h muito tempo:
[...] Primeiro, eu no fao ataques de carter pessoal; segundo, eu
defendo o estado de direito com absoluta clareza; terceiro, eu dou voz a todasas correntes sem preconceitos contra qualquer setor da sociedade; quarto, euvolto atrs para comunicar um erro e corrigi-lo; quinto, posso fazer elogios ecrticas a qualquer fato e a qualquer pessoa, posso criticar uma ao do
governo hoje e elogiar outra amanh. (Casoy, apud SQUIRRA, 1993, p.181)
Com o apoio direto de Sallete Lemos, Dcio Nitrini e Selma Lins, Boris
fazia um noticirio com nfase em assuntos polticos, matrias longas e
agrupadas por temas. Ao contrrio de certo jornalismo voltado para o espetculo,
11 ISTO GENTE, 09/01/2006. Reportagem de Rodrigo Cardoso.
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Quando chego redao, j marco no espelho do jornal o que voucomentar e escrevo os comentrios. Oitenta por cento so escritos; o resto coisa que baixa na hora. Mas qualquer tempo que avano, preciso cortar no
final, o que significa que alguma reportagem pode cair. Por isso que marcoos comentrios: alm de evitar erros, serve para balizar tempo. (apud
REZENDE, 2000, p. 165)
As entrevistas realizadas por Boris Casoy so outro diferencial do Jornal
da Record. Realizadas no estdio, ao vivo ou gravadas, tm a durao mdia de
quatro minutos. Essas entrevistas so norteadas por dois princpios: o de deixar o
entrevistado vontade e o de ser orientada por indagaes que os
telespectadores gostariam de realizar.
evidente, por fim, que alm de ser um ncora, Casoy cumpria em boa
parte do tempo do noticirio o papel estrito de locutor de notcias. Quando
chegava o momento de alternar as atribuies, um close indicava que o locutor
dava lugar ao ncora:
Quando estou lendo as notcias eu estou fazendo s isso. Dou uma de
Cid Moreira e leio o texto com as tcnicas de locuo. E quando eu olho para aoutra cmera, eu sou jornalista. De vez em quando, eu misturo as duas coisasde propsito. E isso eu no acredito que seja ruim. (apud SQUIRRA, 1993,
p.163)
Solitariamente acomodado na bancada sbria, Boris Casoy apresentava
um noticirio de formato conservador, mas que possua um pblico fiel e
qualificado. Ao rescindir seu contrato com a Rede Record, em circunstncias um
tanto obscuras, Boris Casoy festejava o fato de que estava alcanando umamdia de 14% de audincia, ou seja, 8% a mais do que no ano anterior.
Celso Freitas e Adriana Arajo substituram Boris Casoy e o noticirio da
Rede Record tornou-se um verdadeiro clone do Jornal Nacional, a partir de
maro de 2006.