p o e t a , e scri t o r e e n sa i st a , i n t e g ra n
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Poeta, escritor e ensaista, integrante daGeração de 45, a qual pertenceu tambémJuan Carlos Onetti.É considerado um dos principais autoresuruguaios.Iniciou sua carreira literária em 1949, eficou famoso em 1956, ao publicar"Poemas da Oficina", uma de suas obrasmais conhecidas.
Mario BenedettiPaso de los Toros, departamento de Tacuarembó, Uruguai, 1920
Montevidéu, Uruguai, 2009
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
Benedetti, era filho de uma família italiana, com a qual mudou-se paraMontevidéu aos quatro anos de idade, onde passou a infância e cursouseus estudos.
Em 1938, muda-se para Buenos Aires, Argentina, onde permaneceu até 1941.Em 1945 passa a integrar a equipe de redação do semanário Marcha, junto com EduardoGaleano, no qual permaneceu até 1974, ano em que o semanário foi fechado peladitadura de Juan Maria Bordaberry.Em 1946 casa-se com Luz López Alegre.Em 1948 dirige a revista literária Marginalia.Em 1949 torna-se membro do conselho de redação da revista literária Número, uma daspublicações mais destacadas da época.Participa ativamente no Movimento Contra o Tratado Militar com os EUA, sua primeiraação como militante.Em 1971, participa ativamente da vida política uruguaia como membro do Movimento 26de Março.
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
É nomeado diretor do Departamento de LiteraturaHispano-americana da Faculdade de Humanidadese Ciências da Universidade da República deMontevidéu.Sob o golpe de estado de 1973, renuncia ao cargona Universidade.Por suas posições políticas deve deixar o Uruguai,partindo para o exílio em Buenos Aires, Argentina, eposteriormente ao Peru, onde é detido e deportado,indo em 1976 para Cuba.Volta ao Uruguai em 1983, iniciando oautodenominado período do desexílio, motivo demuitas obras.Morreu aos 88 anos, no dia 17 de maio de 2009,em Montevidéu.
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
Realizou sua formação em ilustração e artes gráficas nacapital Argentina até que em 1968 migrou para SãoPaulo, onde atuou como caricaturista e ilustrador nosprincipais jornais diários e veículos da imprensaalternativa paulista e carioca. Adotou o Rio como endereço desde 1974, dandoprosseguimento as suas atividades nas páginasdo Jornal do Brasil, O Globo, Última Hora, Tribuna daImprensa e Pasquim, entre outras publicações.Trimano também criou capas de disco como 20 Anos deRock do cantor de Raul Seixas e cartazes de teatro..Colaborou nos principais jornais e revistas do País.
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
Luis TrimanoNatural de Buenos Aires (1943), Artista gráfico que atuou nas áreas
da ilustração, caricatura e gravura.
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
AS ATAS DO RANCOR
Pouco a pouco o rancor vai me invadindoanimaliza minha anima lisa
me empresta garras iras maldiçõesme sobresalta a paciência boba
dá brilho ao ódio como para abutresme põe em áscuas e ascos
abro o livro e aprendo
a história do rancor seus pormenoresseus desenvolvimentos e suas pautas
seus herdados instrumentos
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Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
mesmo assim me espera uma surpresaquando fecho o breviáriofica entre minhas mãos
uma beira desarmada e desalmadaum rastro tão tedioso
sem prestígio e sem medula
então me reduzo ao que souvazio de ferramentas culturais
fecho os olhos masque vou fazer
não sonho com perdões
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PROPRIEDADE DO PERDIDO
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"Tudo o que perdestes,me disseram, é teu."José Emilio Pacheco
É minha a inocênciaánfora de cristal tão desvalida
que nada me sugerem seus pedaços
a juventude é minhae é ainda atávico sussurro
rescaldo prévio ao impossível fogo
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
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o rosto do meu paitão meu é que acode a meus espelhospara comprometer-me em seus dilemas
é meu o primeiro salmo
débil embelezado entre as árvorescerzido com linhas do esquecimento
meu broto de amor
que era quimera e foi descobrimentopara soltar arroubos como um lastro
meu o muro de deuscom sua gretada e fosca pele de pedras
e suas mil garatujas de receio
e a mão fraternatão minha é que surge das ruínas
para estreitar minha mão e exumar-me
tudo que perdíé meu irremediavelmente meu
tão distante de mim que é desamparo
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
Jesus e eu respeitadas as distânciassomos dois habitantes do exílio
e o somos por cautelosos por ingênuos
algo se quebrou na metade do verboe assim carregamos esta pena
restaurando vitrais e lembranças
não temos altares nem perdõesjesus e eu de povos memoriososàs vezes compartilhamos o exílio
SEM TERRA SEM CÉU
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Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
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compartilhamos os pães e desertose as cumplicidades e os judas
e o camelo e o buraco da agulhae os sãotomases e a espadae até os mercadores e a fúria
não é eco nem abstração
é uma história apenas
ele veterano eu inexperientechegamos emigrantes ao futuro
descalços e sem norte e surpresos
eu/ obscuro e fraturado/ sem minha terraele/pobre desde sempre/ sem seu céu
Me custa confessá-lomas a vida é também um bandônion
há quem sustente que quem toca é deusmas eu estou certo de que é Troilo
já que deus apenas toca harpae mal
BANDÔNION
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Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
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seja quem for o certo éque nos espicha num único gesto puríssimoe logo nos reduz aos poucos a quase nada
e claro nos arranca confissõesqieixas que são clamores
vértebras de alegriaesperanças que voltamcomo os filhos pródigos
e sobretudo como os estribillos
me custa confessá-loporque o certo é que hoje em dia
poucosquerem ser tango
a natural tendênciaé ser mambo ou rumba ou chachachá
ou merengue ou bolero ou tal vez cassinoem último caso valsinha ou milonga
passodoble jamaismas quando deus ou Pichuco ou quem fortoma entre suas mãos a vida bandônion
e lhe sugere que chore ou regozijea gente sente o tremendo decoro de ser tango
e se deixa cantar e nem se lembraque lá espera
o estojo.
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
Se cada hora vem com sua mortese o tempo é um covil de ladrõesos ares já não são tão bons ares
e a vida é nada mais que um alvo móvel
você perguntará por que cantamos
se nossos bravos ficam sem abraçoa pátria está morrendo de tristeza
e o coração do homem se faz cacosantes mesmo de explodir de vergonha
você perguntará por que cantamos
POR QUE CANTAMOS
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Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
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se estamos longe como o horizontese lá ficaram árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausênciae cada despertar um desencontro
você perguntará por que cantamos
cantamos porque o rio está soando
e quando soa o rio / soa o riocantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino
cantamos pela infância e porque tudoe porque algum futuro e porque o povo
cantamos porque os sobreviventese nossos mortos querem que cantemos
cantamos porque o grito só não bastae já não basta o pranto nem a raiva
cantamos porque cremos nessa gentee porque venceremos a derrota
cantamos porque o sol nos reconhecee porque o campo cheira a primavera
e porque nesse talo e lá no frutocada pergunta tem a sua resposta
cantamos porque chove sobre o sulco
e somos militantes desta vidae porque não podemos nem queremos
deixar que a canção se torne cinzas
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
Vocês quando se amamexigem bem-estar
uma cama de cedroe um colchão especial
nós quando nos amamos
é fácil de ajeitarcom lençóis que bomsem lençõis da igual
vocês quando se amam
calculam interessese quando se desamam
calculam outra vez
VOCÊS E NÓS
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Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
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nós quando nos amamosé como renascer
e se nos desamamosnão nos sentimos bem
vocês quando se amamsão de outra magnitudetêm foto têm imprensa
e o amor é o boom
nós quando nos amamosé um amor comumtão bom e gostoso
como ter saúde
vocês quando se amamconsultam o relógio
porque o tempo que perdemvale meio milhão
nós quando nos amamossem pressa e com fervor
gozamos e nos saibarata a função
vocês quando se amam
ao analista vãoele é quem determina
se o fazem bem ou mal
nós quando nos amamossem carimbo oficial
o velho subconscientesente que isso é legal
vocês quando se amam
exigem bem-estaruma cama de cedro
e um colchão especial
nós quando nos amamosé fácil de ajeitar
com lençóis que bomsem lençóis da igual
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
"Vamosderrotando afrontas"
Ernesto "Che" Guevara
Assim estamosconsternados
raivososmesmo que esta morte sejaum dos absurdos previsíveis
CONSTERNADOS, RAIVOSOS
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Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
Pág - 19dá vergonha olhar
os quadroso sofá
os tapetestirar uma garrafa da geladeira
bater as três letras mundiais do seu nomena rígida máquina
que nuncanunca esteve
com a fita tão pálida
vergonha ter frioe aproximar-se da estufa como sempre
ter fome e comeressa coisa tão simples
abrir o toca-discos e escutar em silênciosobretudo se é um quarteto de Mozart
dá vergonha o confortoe a asma dá vergonha
quando você comandante está caindometralhado
fabulosonítido
você é nossa consciência crivada
dizem que o queimaram
com que fogovão queimar as boas
boas novasa irascível ternura
que você trouxe e levoucom sua tosse com seu barro
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
Pág - 20dizem que incineraram
toda a sua vocaçãomenos um dedo
basta para mostrar-nos o caminho
para acusar o monstro e seus tiçõespara apertar de novo os gatilhos
assim estamosconsternados
raivososclaro que com o tempo a pesada
consternaçãoirá passandoa raiva ficará
se fara mais limpa
você mortovocê vivo
você caindovocê nuvemvocê chuvavocê estrela
onde estiver
se é que você estáse está chegando
aproveite por fimrespirar tranquilo
encher de céu os pulmões
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
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mas haverá outrosclaro que haverá outros
dignos de recebê-locomandante
Montevidéu, outubro de 1967
Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
É uma pena você não estar comigoquando olho o relógio e já são quatro
e termino a planilha e penso 10 minutose estico as pernas como todas as tardes
e faço assim com os ombros para relaxar as costase estalo os dedos e arranco mentiras
AMOR DE TARDE
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Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
É uma pena você não estar comigoquando olho o relógio e já são cinco
e eu sou uma manivela que calcula jurosou duas mãos que pulam sobre quarenta teclasou um ouvido que escuta como ladra o telefone
ou um tipo que faz números e lhes arranca verdades
É uma pena você não estar comigoquando olho o relógio e já são seis.
Você podia chegar de repentee dizer "e aí?" e ficaríamos
eu com a mancha vermelha dos seus lábiosvocê com os risco azul do meu carbono.
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Poemas de Mario Benedetti - Tradução Julio Luís Gehlen - ilustração Luis Trimano 2020
poemas: Mario BenedettiIlustrações: Luis Trimano
tradução: Julio Luíz Gehlen
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