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imprimir voltar A DIMENSÃO SIMBÓLICA NA CONSTRUÇÃO DE SENTIDO DA PALAVRA PUBLICITÁRIA Professora Dra. Rosane S. M. Monnerat (UFF) 1. Considerações iniciais Com base na Teoria Semiolingüística de Análise do Discurso em que se estabelece - para os sujeitos envolvidos no ato de linguagem que dá suporte ao contrato comunicativo - a diferença entre sentido de língua e sentido de discurso - o estudo pretende analisar os efeitos de sentido decorrentes do emprego das figuras (tropos), em especial da metáfora, no texto da publicidade, apoindo-se num corpus de 50 textos, extraídos das revistas Isto É, Veja, Marie Claire e dos jornais O Globo e Jornal do Brasil , no período de 2000 a 2005. Concordamos com Charaudeau (1995), quando diz que compreender não é o mesmo que interpretar. Compreender remete para o sentido de língua, enquanto interpretar, para o sentido de discurso. O sentido lingüístico refere-se ao mundo de maneira transparente, mundo que precisa ser apenas compreendido. O sujeito comunicante precisa mobilizar o sentido das palavras, construindo um significado literal ou explícito – um sentido de língua - que se mede segundo critérios de coesão, num movimento centrípeto, que organiza o sentido numa sistematicidade intralingüística. Já o sentido discursivo caracteriza-se pela opacidade face ao mundo. O sujeito interpretante deve reconstruir o sentido indireto, implícito, mas verossímil em função da intertextualidade. É pelo grau de coerência do trabalho inferencial que se mede, num movimento centrífugo (voltado às condições extralingüísticas da enunciação), a verossimilhança do sentido do discurso. O estudo das figuras se presta a uma aplicação desse recorte teórico. Para se compreender/interpretar a mensagem que está sob a figura, é preciso, partindo do sentido de língua, chegar-se ao do discurso, por vezes metafórico, acionando fatores e mecanismos de ordem situacional, discursiva e interacional, fazendo a ponte entre o domínio alvo (aquilo que queremos nomear) e o domínio de origem (as experiências já conhecidas), para que se possa, então, atingir o sentido global, finalizado da mensagem. 2. A metáfora e outras figuras: do domínio de origem ao domínio alvo Bakhtin (1988, p.113, apud Freitas, 1994, p. 140) diz: “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra, apóia-se sobre meu interlocutor”. Seguindo essa linha de pensamento, pode-se dizer que o sentido de um texto é construído não só pelo produtor, mas também pelo receptor, que precisa ativar conhecimentos armazenados necessários à interpretação da mensagem veiculada. Assim, percebe-se que o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele. Além disso, é preciso considerar que não se constrói o sentido, mas um sentido, sempre adequado à situação comunicativa e às competências selecionadas pelos partícipes do contrato comunicativo. Para se chegar a esse sentido, precisamos, muitas vezes, ultrapassar o dito para chegar ao não dito, ou seja, perceber as intenções do locutor, os pressupostos, as inferências, os subentendidos. As figuras de linguagem atuam nesse cenário discursivo, e, na linguagem publicitária, em particular, combinando mais de um tipo de signo, pela conjunção de múltiplos elementos: lingüísticos, plásticos (forma, textura, cor), icônicos (imagens) numa riqueza e profusão de signos que tecem a trama para envolver e seduzir o leitor. A linguagem dos signos tem despertado o interesse dos estudiosos. Pierce (1995) considera a idéia de signo como algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém. Segundo esse conceito, essa relação envolve, pois, três elementos: o signo ou representante; o objeto, ou referente e o interpretante. Dependendo de como se relacionam o signo e o referente, classifica o autor três tipos de signos: o símbolo, quando a relação é arbitrária ou convencional; o índice, quando tem por base a experiência, a história, a contigüidade e, por último, o ícone, ou símile, quando a relação se fundamenta na semelhança. Página 1 de 11 07/01/2011 file://C:\Users\Usuario\Desktop\ano5n5\data\articles\Rosane S. M. Monnerat.htm

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voltarA DIMENSÃO SIMBÓLICA NA CONSTRUÇÃO DE SENTIDO DA PA LAVRA PUBLICITÁRIA

Professora Dra. Rosane S. M. Monnerat (UFF)

1. Considerações iniciais Com base na Teoria Semiolingüística de Análise do Discurso em que se estabelece - para os sujeitos envolvidos no ato de linguagem que dá suporte ao contrato comunicativo - a diferença entresentido de língua e sentido de discurso - o estudo pretende analisar os efeitos de sentido decorrentes do emprego das figuras (tropos), em especial da metáfora, no texto da publicidade, apoindo-se num corpus de 50 textos, extraídos das revistas Isto É, Veja, Marie Claire e dos jornais O Globo e Jornal do Brasil , no período de 2000 a 2005.

Concordamos com Charaudeau (1995), quando diz que compreender não é o mesmo que interpretar. Compreender remete para o sentido de língua, enquanto interpretar, para o sentido de discurso. O sentido lingüístico refere-se ao mundo de maneira transparente, mundo que precisa ser apenas compreendido. O sujeito comunicante precisa mobilizar o sentido das palavras, construindo um significado literal ou explícito – um sentido de língua - que se mede segundo critérios de coesão, num movimento centrípeto, que organiza o sentido numa sistematicidade intralingüística. Já o sentido discursivo caracteriza-se pela opacidade face ao mundo. O sujeito interpretante deve reconstruir o sentido indireto, implícito, mas verossímil em função da intertextualidade. É pelo grau de coerênciado trabalho inferencial que se mede, num movimento centrífugo (voltado às condições extralingüísticas da enunciação), a verossimilhança do sentido do discurso.

O estudo das figuras se presta a uma aplicação desse recorte teórico. Para se compreender/interpretar a mensagem que está sob a figura, é preciso, partindo do sentido de língua, chegar-se ao do discurso, por vezes metafórico, acionando fatores e mecanismos de ordem situacional, discursiva e interacional, fazendo a ponte entre o domínio alvo (aquilo que queremos nomear) e o domínio de origem (as experiências já conhecidas), para que se possa, então, atingir o sentido global, finalizado da mensagem. 2. A metáfora e outras figuras: do domínio de origem ao domínio alvo Bakhtin (1988, p.113, apud Freitas, 1994, p. 140) diz: “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra, apóia-se sobre meu interlocutor”. Seguindo essa linha de pensamento, pode-se dizer que o sentido de um texto é construído não só pelo produtor, mas também pelo receptor, que precisa ativar conhecimentos armazenados necessários à interpretação da mensagem veiculada. Assim, percebe-se que o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele. Além disso, é preciso considerar que não se constrói osentido, mas um sentido, sempre adequado à situação comunicativa e às competências selecionadas pelos partícipes do contrato comunicativo.

Para se chegar a esse sentido, precisamos, muitas vezes, ultrapassar o dito para chegar ao não dito, ou seja, perceber as intenções do locutor, os pressupostos, as inferências, os subentendidos. As figuras de linguagem atuam nesse cenário discursivo, e, na linguagem publicitária, em particular, combinando mais de um tipo de signo, pela conjunção de múltiplos elementos: lingüísticos, plásticos (forma, textura, cor), icônicos (imagens) numa riqueza e profusão de signos que tecem a trama para envolver e seduzir o leitor.

A linguagem dos signos tem despertado o interesse dos estudiosos. Pierce (1995) considera a idéia de signo como algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém. Segundo esse conceito, essa relação envolve, pois, três elementos: o signo ou representante; o objeto, ou referente e o interpretante. Dependendo de como se relacionam o signo e o referente, classifica o autor três tipos de signos: o símbolo, quando a relação é arbitrária ou convencional; o índice, quando tem por base a experiência, a história, a contigüidade e, por último, o ícone, ou símile, quando a relação se fundamenta na semelhança.

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O índice e o ícone são sinais naturais, pois mantêm relação intrínseca com o objeto representado (seu referente). Já o símbolo é um sinal artificial, construído pela própria sociedade. Se o significante de um signo referir-se a outro objeto, ou representante baseado na contigüidade, teremos uma metonímia, caso se baseie na semelhança, estaremos diante de uma metáfora.

A metáfora vem sendo estudada há mais de dois mil anos. Aristóteles, por volta do ano 336 a C., a ela já se reportava:

A metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero ou de uma espécie para outra, por via da analogia. (...) O que a velhice é para a vida, a tarde o é para o dia. Diremos, pois, que a tarde é a velhice do dia, e a velhice é a tarde da vida, ou como Empédocles, o ocaso da vida (p. 274).

Pode a metáfora ser focalizada sob dois aspectos. Diz-se que é impura quando apresenta os dois termos da comparação. Considerada uma comparação implícita, difere da símile, que é uma comparação explícita (com conectivo). A presença, ou ausência do conectivo estabelece, pois, a diferença entre símile e metáfora impura. Já a metáfora pura apresenta apenas um termo da comparação, primando pela condensação lingüística (sem conectivo e com apenas um termo). Valente (1999) assim esquematiza o quadro: Podemos exemplificar a símile com o texto seguinte:

(1) “Você vai comer como um rei”[i] NORGE Clube do bacalhau da Noruega

Filipak (1983), por sua vez, estabelece uma distinção entre metáfora conceitual, ou de 1o grau e metáfora referencial, ou de 2o grau, definindo metáfora, do grego metaphorá < meta (trans, além de) + phérein (transportar, levar) como:

uma transferência de significado de um campo semântico para outro. As relações da metáfora são sempre subjetivas, psíquicas, baseadas na similaridade ontológica nas metáforas de 1o

grau e nas similaridades subjetivas nas metáforas de 20 grau, enquanto as relações de metonímia são sempre objetivas (vela por barco) fundadas na contigüidade.

Vamos tentar concretizar essas noções por meio de gráficos e exemplos de peças publicitárias:

(2) “FURNAS. Uma empresa cada vez mais VERDE, AMARELO, AZUL e BRANCO.” Furnas (3) “Todo vinho que a Miolo faz é verde e amarelo” Miolo

Em (2), trata-se de uma metáfora conceptual (1o grau). O gráfico seguinte é explicativo:

Símile ⇒ comparação explícita (com conectivo) Metáfora ⇒ comparação implícita (sem conectivo)

Metáfora impura ⇒ com dois termos da comparação Metáfora pura ⇒ com apenas um termo da comparação

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[ii] P. I . CH. Furnas Brasil I = verde, amarelo, azul e branco O elemento intermediário, a cor (verde, amarelo, azul e branco) é elemento (um sema) conceptual, ontológico, que simboliza o nosso país. Ele suprime os outros semas, tornando-se único, englobante e generalizante. Na metáfora Furnas, uma empresa cada vez mais verde, amarelo, azul e branco”, o elemento “Brasil”, ausente do discurso, passa a denotar os dois termos, o de partida e o de chegada. A metáfora conceptual se caracteriza, portanto, por alguma motivação interna, algum sema comum que a torna metáfora motivada. São metáforas denotativas. Em (3), a metáfora é referencial (2o grau). Observemos o gráfico: [1] [2] [3] Miolo verde amarelo Miolo verde e amarelo Na metáfora de 2o grau, a figura [1] e a figura [2], justapostas, representam duas realidades ontologicamente distintas e independentes uma da outra. Os semas de uma e de outra não têm nada em comum; nenhuma isotopia comum interfere nas duas figuras, não existindo nenhuma motivação interna entre as duas palavras. O enunciador, entretanto, aproxima e superpõe essas realidades, que, então, se fundem. Esse tipo de metáfora deve procurar sua motivação fora do significado, no campo subjetivo. São metáforas conotativas. Assim, também, as metáforas sinestésicas. A sinestesia consiste numa associação de sensações que pertencem a registros sensoriais diferentes. Assim, articulam-se cores, sons, odores, impressões tácteis, suspendendo-se as linhas divisórias naturais entre as esferas sensoriais e abrindo-se possibilidades ilimitadas ao campo da percepção: (4) “AromaCor. Você se sente livre e os homens, presos.” Anantha Perfumes e Cosméticos A junção aroma/cor produz o cruzamento das sensações olfativa e visual. Além disso, o foco em diferentes cores do produto conduz à intersecção do visual (icônico) com o verbal, o texto verbal construindo-se sob a antítese “livre” (você) / “presos” (homens). Vale notar, que o azul – cor simbólica da liberdade, associada à amplidão do azul do céu - é a cor do interior do frasco que aprisiona a mulher. Curiosamente, então, o visual apresenta-se em conflito com o verbal. A estrutura da mensagem publicitária constrói-se, portanto, sobre uma argumentação icônico-lingüística, que pode se apresentar como forma de dissensão, quando a palavra entra em conflito com a imagem, possibilitando a polissemia, ou seja, dois relatos em conflito, diferentes, um na imagem (estática ou seqüencial) e outro no texto verbal (como ocorre em 4), ou como forma de complementação (o que é mais freqüente), quando a palavra parafraseia a imagem, ao descrevê-la. Consideremos mais detidamente essas duas situações. A maioria das peças publicitárias analisadas apresentam uma relação de complementaridade entre texto e imagem, muitas vezes, inclusive, a imagem sendo o elemento crucial para a decodificação da mensagem, como ocorre em (5): (5) “No Dia dos Namorados, seu corpo pede Shopping Tijuca.”

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Shopping Tijuca Por outro lado, é bastante freqüente o recurso à polissemia, passando pela ambigüidade intencional, para se alçar ao sentido completo e finalizado do enunciado: (6) “Vamos desatar esse nó. Vamos mudar esse país. Reforma da Previdência. Reforma Tributária. O povo quer. O Brasil precisa.” Brasil Governo Federal Pode acontecer, ainda, que a dissensão, ou os relatos em conflito, apareçam sem a utilização da ambigüidade, mas com o recurso à fragmentação da mensagem, a segunda parte, inesperadamente, desmascarando a primeira: (7) “Você é o que você gosta O anúncio da página anterior é fictício. Os truques, não.” Ministério da Saúde Essa peça publicitária é dividida em dois momentos: na primeira página, aparece um (pseudo) comercial de cigarro: “What’s up” e, na segunda, em duas páginas, o verdadeiro, em que se desmascaram os truques utilizados pelos anunciantes de cigarro para seduzir o leitor, como, inclusive, o próprio título daquela publicidade – What’s up – em que se destacam os valores up, da ideologia da sociedade contemporânea. Essa ideologia, altamente valorizada nos dias atuais, faz parte do conceito do que Lakoff e Johnson (1908,2002) denominam de “metáfora orientacional”. Esse tipo de metáfora baseia-se em nossa experiência física e cultural e recebe esse nome porque a maioria dessas metáforas relaciona-se à orientação espacial. É curioso observar como esses valores funcionam. Por exemplo, em nossa cultura , “feliz é para cima”, o que leva a expressões como “estou me sentindo para cima hoje” (I’m feeling up today). A linguagem publicitária incorporou esse sentido, projetando os sonhos de consumo, objeto de busca do consumidor, para o alto da escala: UP: (8) “UP! Se dê ao luxo.” Cohani Nova marca 500 Outra metáfora apontada por Lakoff e Johnson é a “metáfora da guerra”: (9) “São Paulo vai ser invadida” Feira 2003 Escandinávia Observa-se, nesse texto a silepse de gênero ao se utilizar o particípio “invadida”, no feminino, para se referir a São Paulo. Ainda em relação à “metáfora de guerra”, pode-se dizer que o móbil que a impulsiona é o aproveitamento de esquemas básicos para obter o convencimento dos receptores, como o uso de estereótipos, esquemas, como por exemplo, “a criação de inimigos” (Monnerat, 2003, p.40), os quais é preciso vencer (o creme dental se justifica contra a cárie, o sabão e os detergentes, contra a sujeira etc.): (10) “Veja Revolução na limpeza” Veja Vale destacar, nessa peça, o papel desempenhado pelas cores, numa relação de complementaridade (verbal/visual) com o conteúdo que se pretende transmitir: azul e vermelho, que simbolicamente podem remeter, respectivamente, para tranqüilidade, paz X sangue, guerra. Assim é que nos textos publicitários o elemento plástico da cor é fator determinante na produção de significância, já que a linguagem visual – diferentemente da linguagem verbal, cujos signos, considerados arbitrários devem, por isso mesmo, demonstrar sempre sua adequação

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referencial - é motivada, pois combina signos em relação analógica com a realidade que representam. Para Souza (1997 apud Pereira, 2005), a imagem significa e o texto verbal fala. A autora introduz em seus estudos o conceito de policromia (jogo de cores com outros elementos não verbais) e de tessitura (rede de relações de imagem no tempo e no espaço) do texto não verbal, articulando-os ao o conceito ducrotiano de polifonia, no âmbito do texto verbal. Desse modo, os implícitos do texto verbal podem ser inferidos, confirmados, ou refutados pela análise do texto não verbal. Em outras palavras, policromia (operadores discursivos da imagem) e tessitura (sincretismo ideológico de imagens) no texto não-verbal relacionam-se à construção da polifonia no texto verbal. Explicando melhor, para Souza (op. cit) a policromia é o conjunto de elementos presentes na imagem, destacados no espaço (mídia impressa) e tempo (mídia eletrônica e multimídia), em sua historicidade. No que diz respeito à propaganda, trata-se de cores, formas, figuras, jogo de luz e sombra, ângulos da câmera, detalhes etc., elementos cuja materialidade está inserida no plano da ideologia, como processo histórico-discursivo:             (11) “Brasil. O país da pitanga, Do Lula, Da Pêra, Do Coelho, Do Carneiro, Do Leite, Do Feijão, Do Cabrito, do Coco, da Azedo, Do Peixe, Da Oliveira, Do Caldas, Do Leitão, Do Pires, Da Figueira, Da Laranjeira, Do Salgado, Da Pimenta, Da Sardinha, Da Farinha, Do Cordeiro, Da Salsicha, Da Batata, Do Horta, Do Pitu, Da Café, Do Caju, Da Melão, Do Filé, Do Camarão, Da Massa, e é claro que ela não podia faltar, Da Linha. Sonrisal. O bem-estar do Brasil.”

Sonrisal Nessa publicidade, a policromia – como jogo de cores e formas – desenha a bandeira do Brasil, articulando texto e imagem. Do ponto de vista da análise das figuras, trata-se de caso de metonímia, já que as partes valem pelo todo, o país. Assim também na peça publicitária seguinte, do ano do Brasil na França, em que os dois países se fazem representar, respectivamente, por uma fatia de goiabada a ser encaixada na parte recortada de um queijo francês:

(12) Exposições culturais Petrobrás Brasil na França. A França com um toque de Brasil.”

Petrobrás Ministério das Minas e Energia

Na análise das figuras, vale acrescentar um processo curioso – a desmetaforização (Sandmann, 2003). Nesse processo, como o próprio nome sugere, há uma quebra do sentido metafórico (geralmente conhecido, ou esperado), reportando-se o leitor ao sentido original, denotativo. É o que ocorre em:

(13) “O fim do sorriso amarelo[iii] . Menos nos seguintes casos:

1. ‘Nossa como sua filha tá grande!’Sobre a nova namorada do chefe.

2. ‘Tá grávida e nem me contou, né?’ Para uma colega de trabalho mais cheinha.

3. ‘É seu neto?’ Sobre o filhinho de uma amiga que você não via há anos.”

Close up whitening

Embora seja a metáfora - e, em menor escala, a metonímia - a figura mais utilizada na comunicação diária e, portanto, também na linguagem publicitária, a hipérbole é também muito empregada na intensificação das qualidades dos produtos apresentados, ou na descrição de estados anímicos: (14) “Seu filho vai transbordar de alegria.” Disney point Além dessas, outras figuras participam da ideologia do prazer e da felicidade veiculada pela palavra publicitária. É o caso da gradação e da repetição, respectivamente, nos textos seguintes:

(15) “Lindo. Maravilhoso. Gostoso. E ainda por cima é grátis! 50 receitas do mar.”

Gomes da Costa

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(16) “Ganhamos, ganhamos, ganhamos, ganhamos e ganhamos.” BF Goodrich Outros textos poderiam, ainda, exemplificar a farta ocorrência da linguagem simbólica no texto da publicidade. Porém, devido à escassez de tempo e espaço, paramos por aqui. 3. Considerações finais A força persuasiva das propagandas se confirma, dessa forma, nas palavras de Freud (1969, p. 101 e 102), quando diz:

um grupo só pode ser excitado por um estímulo excessivo. Quem quer que deseje produzir efeito sobre ele, não necessita de uma ordem lógica em seu argumento; deve pintar nas cores mais fortes, deve exagerar e repetir a mesma coisa diversas vezes. O uso dessa linguagem oferece às pessoas o prazer de se fazerem e de se sentirem belas, já que “a felicidade na vida é predominantemente buscada na fruição da beleza.

O texto de Freud se aplica aos mecanismos inconscientes que regem as nossas vontades e desejos e é sobre esse viés que se constrói a argumentação - explícita ou implícita – que permeia o discurso da publicidade. Ancorado na conjunção de múltiplos elementos: lingüísticos, plásticos (forma, textura, cor), icônicos (imagens), esse discurso procura seduzir o consumidor, levando-o a ação – a compra do produto. Para isso, a linguagem deve ser instigante, não se esgotando numa leitura simplista. Como um prisma que reflete as cores, assim também essa linguagem reflete o mundo e as ideologias vigentes, ultrapassando o meramente convencional para chegar a múltiplos sentidos que deverão ser compreendidos e interpretados pelo consumidor - o alvo dessa mensagem plurissígnica. 4. Referências: ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Ediouro. S/d. CHARAUDEAU, P. Les conditions de compréhension du sens de discours. In : Anais do I Encontro Franco-Brasileiro de Análise do Discurso. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. FILIPAK, Francisco. Teoria da metáfora. Curitiba: HDV, 1983. FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Bakhtin e a linguagem. In: Vygotsky e Bakhtin. Psicologia e educação: um intertexto. São Paulo: Ática, 1994. p. 131-141. FREUD, Sigmund. O mal estar na civilização. Vol. XXI, Rio de Janeiro: Imago, 1969. LAKOFF, George; JOHNSON, M. Metaphors we live by. Chicago/London: The University of Chicago Press, 1980. --------. Metáforas da vida cotidiana. (coordenação da tradução Mara Sophia Zanotto) Campinas, SP: Mercado de Letras; São Paulo:Educ, 2002. LOPES, Edward. Metáfora: da retórica à semiótica. São Paulo: Atual, 1987. MONNERAT, Rosane Mauro. A construção do sentido metafórico no texto da publicidade. In: Anais eletrônicos do XII Congresso da ASSEL-Rio. Niterói: UFF, 2004. Disponível em www.uff.br/assel-rio . ------------. A publicidade pelo avesso. Niterói: EdUFF, 2003. PIERCE, Charles S. Semiótica. 2a ed. São Paulo: Perspectiva, 1995. SANDMANN, Antonio. A linguagem da propaganda. São Paulo: Contexto, 2003 SOUZA, Tânia Conceição Clemente de. Discurso e imagem, texto apostila utilizado no curso “Análise dos sistemas visuais”, do Instituto de Arte e Comunicação Social, da Universidade Federal Fluminense, 1994, apud PEREIRA, Rosane da Conceição. Discurso e publicidade: dos processos de identificação e alteridade pela propaganda brasileira. Projeto de Qualificação de Tese de Doutorado, Niterói: UFF, 2005. VALENTE, André Crim. Metáfora, campo semântico e dialética na produção e na leitura de textos. In: VALENTE, André C. (org.) Aulas de português – perspectivas inovadoras. Petrópolis: Vozes,

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1999. ZANOTTO, Mara Sophia: PALMA, Dieli Vesaro. Metáfora, cognição e ensino de leitura: o pensar metafórico em sala de aula. In: BASTOS, Neusa Barbosa (org.) Língua portuguesa – história, perspectivas, ensino. São Paulo: EDUC, 1998. 5. Anexos

1)

“Você vai comer como um rei.”

2)

“ FURNAS. Uma empresa cada vez mais VERDE, AMARELO, AZUL e BRANCO.”

3)

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“ Todo vinho que a Miolo faz é verde e amarelo.”

4)

“AromaCor. Você se sente livre e os homens, presos.”

5)

“No Dia dos Namorados, seu corpo pede Shopping Tijuca.

6) “ Vamos desatar esse nó.

Vamos mudar esse país. Reforma da Previdência. Reforma Tributária. O povo quer. O Brasil precisa.”

7) “Você é o que você gosta.” “O anúncio da página

anterior é fictício. Os truques, não.”

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8)

“UP! Se dê ao luxo.”

9)

“São Paulo vai ser invadida.” Feira 2003 Escandinávia.

10) “Veja. Revolução na limpeza.”

11) “Brasil. O país da pitanga, Do Lula, Da Pêra, Do

Coelho, Do Carneiro, Do Leite, Do Feijão, Do Cabrito, Do Coco, Da Azedo, Do Peixe, Da Oliveira, Do Caldas, Do Leitão, Do Pires, Da Figueira, Da Laranjeira, Do Salgado, Da Pimenta, Da Sardinha, Da Farinha, Do Cordeiro, Da Salsicha, Da Batata, Do Horta, Do Pitu, Da Café, Do Caju, Do Melão, Do Filé, Do Camarão, Da Massa, e é claro que ela não podia faltar, Da Linha. Sonrisal. O bem-estar do

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Brasil.”

12) “ Exposições culturais Petrobrás Brasil na França. A

França com um toque de Brasil.”

13) “ O fim do sorriso amarelo. Menos nos seguintes casos: 1.’Nossa como sua filha tá grande!’ Sobre a nova namorada do chefe 2.’ Tá grávida e nem me contou, né?’ Para uma colega de trabalho mais cheinha 3. ‘É seu neto? Sobre o filhinho de uma amiga que

você não via há anos.

14)

“Seu filho vai transbordar de alegria.”

15) “ Lindo. Maravilhoso. Gostoso. E ainda por cima é grátis! 50 receitas do mar.”

16) “Ganhamos, ganhamos,

ganhamos, ganhamos e

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ganhamos.”

[i] Para visualizar as propagandas, ver anexo. [ii] Entenda-se “P”,por ponto de partida e “CH”, por ponto de chegada. “I” é a intersecção dos dois pontos. [iii] Observe-se a cor amarela em complementaridade com o texto verbal.

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