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MAIO DE 2011 - PÁGINA 7 PÁGINA MIDIÁTICA Agora, o teatro pode ser visto em casa Dividindo opiniões, um novo projeto chega para inovar e questionar o atual quadro cultural do Brasil Nathalia Alves Sandra Mesquita Peças teatrais disponibilizadas via internet têm provocado uma revolu- ção no mundo cultural. No ar, desde março de 2010, o Teatro em Casa é um projeto que está surpreendendo o mercado cultural e tem divido opiniões entre atores, produtores e espectadores. Os espetáculos são disponibiliza- dos em alta definição via internet após a aquisição de ingressos virtuais. Os valores variam de R$10,00 a R$40,00 e são aceitas diversas formas de paga- mento, tais como: cartões de crédito, débito, transferência bancária e boleto. Quem compra os créditos virtuais tem acesso à peça durante as 24 horas seguintes à aquisição dos ingressos, podendo ver o espetáculo quantas vezes desejar durante esse período. Em um país onde as desigualdades não se dão apenas no campo social e econômico, mas também no cultural, muitos são os fatores que despertam interesse nesse tipo de iniciativa. Milhares de pessoas nunca foram a um teatro e, segundo o Ministério da Cultura, aproximadamente 95% da população brasileira não têm acesso a atrações desse tipo. Os principais motivos que geram o afastamento entre a população e o teatro estão re- lacionados à distância e à classe social. Dados do IBGE de 2006 mostram que apenas 21% dos municípios bra- sileiros têm teatro ou salas de espetá- culo, sendo mais da metade loca- lizada na região sudeste. Além dessas dificulda- des, para assistir uma produção ao vivo, o espectador pode pagar até R$80,00. A nova opção entrou no ar na data em que é comemorado o Dia Internacional do Teatro (27 de março). Com um investimento de R$10 milhões, a proposta principal é incentivar a cultura e a arte, além de promover a inclusão sociocultural e criar o primeiro acervo digital de teatro do Brasil. As peças são gravadas com plateia e os equipamentos utilizados são espe- cíficos para não atrapalhar o desempe- nho dos atores. As captações das ima- gens ocorrem em São Paulo e no Rio de Janeiro, entretanto, Santa Catarina também já foi palco de gravação. As equipes variam conforme a produção Bastidores de gravação de um dos espetáculos sendo realizada por empresa especializada teatral. “Podemos gravar com até 12 câmeras profissionais. Quanto maior a produção, maior o número de pessoas envolvidas”, informa Jefferson Casti- lhos, produtor da empresa responsável pela veiculação das peças teatrais. Apesar da inquietação no meio teatral, Márcio Santos, gerente de pro- jetos da compa- nhia, garante que o objetivo não é desestimular a ida das pessoas ao teatro: “Não queremos dividir, muito menos extinguir a sensação de se vivenciar uma apresentação ao vivo, muito pelo contrário, temos ciência de que isso é impossível e inigualável.” Santos também ressalta a importância de levar esses espetáculos além do eixo Rio-São Paulo. Ainda segundo ele, no início, o projeto causou estranheza e desconfiança. Convencer os atores e produtores de que o objetivo não era tirar o público do teatro foi um dos principais desafios. Há os que aprovam a iniciativa e os que discordam. A advogada Bian- ca Coutinho, que vai ao teatro com regularidade, diz que experimentou a nova opção por indicação, e além de aprovar, recomenda. “É válido pelo conforto e comodidade”. A advoga- da conclui ressaltando que apesar de recomendar, não abre mão de assistir o espetáculo ao vivo. Já a dentista Denise Garcia, que abandonou a profissão por amor ao tea- tro, mesmo não tendo assistido a uma apresentação on line, rejeita o projeto: “Não concordo. Teatro é vida ao vivo, é a plateia ali presente, é o abrir da cor- tina, é a adrenalina, a emoção passada ali na sua frente, é o erro sem cortes, é o pulsar único”, enfatiza a atriz. O produtor teatral Marcelo Go- mes compartilha do mesmo pensa- mento que Denise Garcia, enquanto o ator, comediante e co-produtor Nelson Freitas, um dos protagonistas do Programa Zorra Total, aprova o novo método. Para Gomes, a gravação não dá certo, desestimula a ida das pessoas ao teatro. Freitas defende outra ideia. “É privilégio de poucos a ida ao teatro. Além dos ingressos serem caros para sustentar as produções, o número de salas está cada vez menor. Não acredito que te- nha influência no resultado final, pois quem prefe- re a magia do tea- tro, vai continuar a frequentá-lo”. Ele ainda ressalta o fato de proporcionar acesso à cultu- ra para um número maior de pessoas. Há também quem aponte o lado positivo e o negativo. Elisa Carneiro, atriz, afirma que ao mesmo tempo em que serve como forma de divul- gação, traz um risco para os artistas. “Ao se transmitir a peça na íntegra, se torna muito mais cômodo vê-la na internet a se deslocar para um teatro. E vamos combinar, brasileiro adora uma comodidade”, observa Elisa. Lucas de Francesco, também ator, concorda com Elisa. Completa afirmando que não teria problema em atuar sendo gravado, apesar de contrapor que não seria mais teatro, 54 % dos teatros estão concen- trados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minais Gerais (Funarte, 2009). Apenas 21,2% dos municípios brasileiros têm teatros e/ou salas de espetáculo (IBGE/Munic, 2006). 98,7% dos consumidores têm práticas culturais em seu domícilio, enquanto apenas 40,6% têm práticas culturais externas (Datafolha, 2008). Os ingressos de cinema são considerados baratos quando com- parados aos do teatro por 41% dos Atual quadro cultural do Brasil entrevistados (Datafolha, 2008). Enquanto 68% e 40% dos entre- vistados frequentaram, respectiva- mente, cinemas e shows nos últimos 90 dias, apenas 25% frequentaram teatros (Quantinet, 2010). 84% afirmaram que vão ao teatro menos que gostariam (Quantinet, 2010). Os principais motivos identifi- cados para a baixa frequência ao teatro são os preços altos, falta de acesso a bons espetáculos, distância e falta de tempo (Quantinet, 2010). Quantidade de teatros no Brasil por regiões São 1.249 teatros divididos nas 5 regiões do país, sendo: Fonte: CTAC (Centro Técnico de Artes Cênicas, Funarte) Aline Maciel / Jaqueline Bonfim Fabiana Chagas / Tamires Freitas e sim TV ou cinema. “Teatro é pre- sença. Se não tem público, não tem teatro”, finaliza Francesco. A empresa transmissora fez acordo com as companhias teatrais. Caso desejem, as mesmas poderão vetar a veiculação de suas peças nas cidades ou Esta- dos onde estão em cartaz. “Fica a critério das com- panhias bloquea- rem ou não o acesso no Estado onde estejam se apresentando, assim as produtoras e os atores não se sentiriam lesados quanto ao esvaziamento dos salas”, explica a produtora Mônica de Francesco. Somente no Brasil, já são 41,7 mi- lhões de internautas, o que favorece a disseminação dessa nova proposta. Fernanda Pires, fotógrafa e jornalista, assistiu pela primeira vez a uma apre- sentação teatral on line. A nova usuária relatou sua experiência: “Há uma grande facilidade na aquisição dos ingressos e uma variedade enorme de gêneros. Quanto ao fato de assistir em casa ou no teatro, atores são atores, seja aonde for”, conclui Pires. Divulgação “Além dos ingressos serem caros, o número de salas está cada vez menor.” “Teatro é presença. Se não tem público, não tem teatro.” “Não queremos dividir, muito menos extinguir a sensação de se vivenciar uma apresentação ao vivo.”

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MAIO DE 2011 - PÁGINA 7PÁGINA MIDIÁTICA

Agora, o teatro pode ser visto em casaDividindo opiniões, um novo projeto chega para inovar e questionar o atual quadro cultural do Brasil

Nathalia AlvesSandra Mesquita

Peças teatrais disponibilizadas via internet têm provocado uma revolu-ção no mundo cultural. No ar, desde março de 2010, o Teatro em Casa é um projeto que está surpreendendo o mercado cultural e tem divido opiniões entre atores, produtores e espectadores.

Os espetáculos são disponibiliza-dos em alta definição via internet após a aquisição de ingressos virtuais. Os valores variam de R$10,00 a R$40,00 e são aceitas diversas formas de paga-mento, tais como: cartões de crédito, débito, transferência bancária e boleto. Quem compra os créditos virtuais tem acesso à peça durante as 24 horas seguintes à aquisição dos ingressos, podendo ver o espetáculo quantas vezes desejar durante esse período.

Em um país onde as desigualdades não se dão apenas no campo social e econômico, mas também no cultural, muitos são os fatores que despertam interesse nesse tipo de iniciativa. Milhares de pessoas nunca foram a um teatro e, segundo o Ministério da Cultura, aproximadamente 95% da população brasileira não têm acesso a atrações desse tipo. Os principais motivos que geram o afastamento entre a população e o teatro estão re-lacionados à distância e à classe social.

Dados do IBGE de 2006 mostram que apenas 21% dos municípios bra-sileiros têm teatro ou salas de espetá-culo, sendo mais da metade loca-lizada na região sudeste. Além dessas dificulda-des, para assistir uma produção ao vivo, o espectador pode pagar até R$80,00.

A nova opção entrou no ar na data em que é comemorado o Dia Internacional do Teatro (27 de março). Com um investimento de R$10 milhões, a proposta principal é incentivar a cultura e a arte, além de promover a inclusão sociocultural e criar o primeiro acervo digital de teatro do Brasil.

As peças são gravadas com plateia e os equipamentos utilizados são espe-cíficos para não atrapalhar o desempe-nho dos atores. As captações das ima-gens ocorrem em São Paulo e no Rio de Janeiro, entretanto, Santa Catarina também já foi palco de gravação. As equipes variam conforme a produção

Bastidores de gravação de um dos espetáculos sendo realizada por empresa especializada

teatral. “Podemos gravar com até 12 câmeras profissionais. Quanto maior a produção, maior o número de pessoas envolvidas”, informa Jefferson Casti-lhos, produtor da empresa responsável

pela veiculação das peças teatrais.

Apesa r da inquietação no me io t e a t r a l , Márcio Santos, gerente de pro-jetos da compa-nhia, garante que o objetivo não é

desestimular a ida das pessoas ao teatro: “Não queremos dividir, muito menos extinguir a sensação de se vivenciar uma apresentação ao vivo, muito pelo contrário, temos ciência de que isso é impossível e inigualável.” Santos também ressalta a importância de levar esses espetáculos além do eixo Rio-São Paulo. Ainda segundo ele, no início, o projeto causou estranheza e desconfiança. Convencer os atores e produtores de que o objetivo não era tirar o público do teatro foi um dos principais desafios.

Há os que aprovam a iniciativa e os que discordam. A advogada Bian-ca Coutinho, que vai ao teatro com

regularidade, diz que experimentou a nova opção por indicação, e além de aprovar, recomenda. “É válido pelo conforto e comodidade”. A advoga-da conclui ressaltando que apesar de recomendar, não abre mão de assistir o espetáculo ao vivo.

Já a dentista Denise Garcia, que abandonou a profissão por amor ao tea-tro, mesmo não tendo assistido a uma apresentação on line, rejeita o projeto: “Não concordo. Teatro é vida ao vivo, é a plateia ali presente, é o abrir da cor-tina, é a adrenalina, a emoção passada ali na sua frente, é o erro sem cortes, é o pulsar único”, enfatiza a atriz.

O produtor teatral Marcelo Go-mes compartilha do mesmo pensa-mento que Denise Garcia, enquanto o ator, comediante e co-produtor Nelson Freitas, um dos protagonistas do Programa Zorra Total, aprova o novo método.

Para Gomes, a gravação não dá

certo, desestimula a ida das pessoas ao teatro. Freitas defende outra ideia. “É privilégio de poucos a ida ao teatro. Além dos ingressos serem caros para sustentar as produções, o número de salas está cada vez menor. Não acredito que te-nha influência no resultado final, pois quem prefe-re a magia do tea-tro, vai continuar a frequentá-lo”. Ele ainda ressalta o fato de proporcionar acesso à cultu-ra para um número maior de pessoas.

Há também quem aponte o lado positivo e o negativo. Elisa Carneiro, atriz, afirma que ao mesmo tempo em que serve como forma de divul-gação, traz um risco para os artistas. “Ao se transmitir a peça na íntegra, se torna muito mais cômodo vê-la na internet a se deslocar para um teatro. E vamos combinar, brasileiro adora uma comodidade”, observa Elisa.

Lucas de Francesco, também ator, concorda com Elisa. Completa afirmando que não teria problema em atuar sendo gravado, apesar de contrapor que não seria mais teatro,

54 % dos teatros estão concen-trados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minais Gerais (Funarte, 2009). Apenas 21,2% dos municípios brasileiros têm teatros e/ou salas de espetáculo (IBGE/Munic, 2006). 98,7% dos consumidores têm práticas culturais em seu domícilio, enquanto apenas 40,6% têm práticas culturais externas (Datafolha, 2008). Os ingressos de cinema são considerados baratos quando com-parados aos do teatro por 41% dos

Atual quadro cultural do Brasilentrevistados (Datafolha, 2008). Enquanto 68% e 40% dos entre-vistados frequentaram, respectiva-mente, cinemas e shows nos últimos 90 dias, apenas 25% frequentaram teatros (Quantinet, 2010). 84% afirmaram que vão ao teatro menos que gostariam (Quantinet, 2010). Os principais motivos identifi-cados para a baixa frequência ao teatro são os preços altos, falta de acesso a bons espetáculos, distância e falta de tempo (Quantinet, 2010).

Quantidade de teatros noBrasil por regiõesSão 1.249 teatros divididosnas 5 regiões do país, sendo:

Fonte: CTAC (Centro Técnico de Artes Cênicas, Funarte)

Aline M

aciel / Jaqueline Bonfim

Fabiana Chagas / Tam

ires Freitas

e sim TV ou cinema. “Teatro é pre-sença. Se não tem público, não tem teatro”, finaliza Francesco.

A empresa transmissora fez acordo com as companhias teatrais.

Caso desejem, as mesmas poderão vetar a veiculação de suas peças nas cidades ou Esta-dos onde estão em cartaz. “Fica a critério das com-panhias bloquea-rem ou não o

acesso no Estado onde estejam se apresentando, assim as produtoras e os atores não se sentiriam lesados quanto ao esvaziamento dos salas”, explica a produtora Mônica de Francesco.

Somente no Brasil, já são 41,7 mi-lhões de internautas, o que favorece a disseminação dessa nova proposta. Fernanda Pires, fotógrafa e jornalista, assistiu pela primeira vez a uma apre-sentação teatral on line. A nova usuária relatou sua experiência: “Há uma grande facilidade na aquisição dos ingressos e uma variedade enorme de gêneros. Quanto ao fato de assistir em casa ou no teatro, atores são atores, seja aonde for”, conclui Pires.

Divulgação

“Além dos ingressosserem caros, o número

de salas estácada vez menor.”

“Teatro épresença. Se não

tem público,não tem teatro.”

“Não queremos dividir, muito menos extinguir a

sensação de se vivenciar uma apresentação ao vivo.”