(páginas 84 a 99) marcos silva marinho

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XXV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - BRASÍLIA/DF TEORIA E FILOSOFIA DO ESTADO ALEXANDRE VERONESE GILMAR ANTONIO BEDIN MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA

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Page 1: (Páginas 84 a 99) Marcos Silva Marinho

XXV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - BRASÍLIA/DF

TEORIA E FILOSOFIA DO ESTADO

ALEXANDRE VERONESE

GILMAR ANTONIO BEDIN

MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA

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Copyright © 2016 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte destes anais poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados sem prévia autorização dos editores.

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Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP

Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR

Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA

T314

Teoria e filosofia do Estado [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UnB/UCB/IDP/UDF;

Coordenadores: Alexandre Veronese, Gilmar Antonio Bedin, Márcio Luís de Oliveira – Florianópolis:

CONPEDI, 2016.

Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-203-3

Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: DIREITO E DESIGUALDADES: Diagnósticos e Perspectivas para um Brasil Justo.

1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Encontros. 2. Teoria do Estado. 3. Filosofia do Estado.

I. Encontro Nacional do CONPEDI (25. : 2016 : Brasília, DF).

CDU: 34

________________________________________________________________________________________________

Florianópolis – Santa Catarina – SC www.conpedi.org.br

Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

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XXV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - BRASÍLIA/DF

TEORIA E FILOSOFIA DO ESTADO

Apresentação

O poder político na sociedade moderna se expressa fundamentalmente em torno da estrutura

do Estado que, derivada de uma forma absoluta, foi, aos poucos, se democratizando. Esta

transição resulta de uma grande transformação histórica, cujo processo teve início a partir da

Revolução Inglesa, ao longo do século XVII. Porém, a grande ruptura com estruturas

centralizadas de poder absoluto teve como marcas importantes as duas grandes revoluções do

século 18 (Revolução Norte-Americana e Revolução Francesa). De fato, os referidos

acontecimentos estabelecem uma nova perspectiva de análise das relações políticas (a

perspectiva ex parte populi, isto é, a partir dos indivíduos) e se afastam dos modelos

tradicionais de justificação do poder político (ex parte principis, ou seja, a partir do monarca)

e começam a estabelecer mecanismos de limitação do poder (Bobbio).

Desta forma, é possível observar que, se no Medievo e no Estado Moderno marcado pelo

Absolutismo, o poder não contou com instrumentos efetivos de controle, o Estado, a partir

das revoluções referidas, passou a ser moldado pelos elementos constitutivos de uma nova

gramática das relações políticas: a gramática do respeito às regras jurídicas do processo

político e da soberania popular. Este movimento, aliado à inversão deôntica entre deveres e

direitos, marcou a emergência do Estado Constitucional ou, na feliz na expressão de Norberto

Bobbio, da Era dos Direitos.

Neste novo contexto político, a autoridade política somente pode ser exercida de forma

legítima com o cumprimento das normas constitucionais (conjunto fundamentais de

princípios e regras jurídicas do processo político, elaboradas com a participação dos próprios

cidadãos e representativas da soberania popular), com o respeito às atribuições específicas de

cada Poder do Estado e a observação dos direitos fundamentais. Em outras palavras, é

possível dizer que a sociedade política formada a partir do século XVIII pressupõe o

deslocamento do poder político de fora para dentro da sociedade (Lefort).

Esta concepção democrática do poder político se manteve em curso nos séculos subsequentes

(séculos XIX e XX) e novos desdobramentos (principalmente sociais) foram incorporados

em sua estrutura. Mas, também é importante lembrar que este processo sempre esteve em

aberto e que muitas rupturas e retrocessos aconteceram, como a emergência, por exemplo, de

formas autoritárias ou totalitárias de exercício do poder, muito comuns durante o século XX.

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Refletir sobre o referido percurso do Estado moderno e seus desafios na atualidade foi um

dos grandes objetivos do Grupo de Trabalho 29 – Teoria e Filosofia do Estado – no XXV

Encontro Nacional do Conselho de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI),

realizado em Brasília, de 6 a 9 de julho de 2016, e marcou o conjunto de artigos que o

compuseram. Daí, portanto, ser possível agrupar os textos apresentados em grandes eixos

teóricos.

Os principais eixos teóricos são os seguintes: a Teoria do Estado no Pensamento de Georg

Jellinek, Edmund Burke e Michel Oakeshott; Estado, Federalismo Cooperativo e Sociedade

Civil; Estado, Multiculturalismo e Identidade Nacional; Estado Cooperativo, Individualismo

e Mínimo Existencial; Estado, Controle Social e Cidadania; Estado, Cooperação

Internacional e Refugiados de Guerra.

Nesse sentido, seguem os textos dos autores que participaram do Grupo de Trabalho 29.

Ressalta-se que os artigos ora publicados poderão enriquecer as reflexões dos leitores

interessados na temática da Teoria e da Filosofia do Estado.

Prof. Dr. Alexandre Veronese (UNB)

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ)

Prof. Dr. Márcio Luís de Oliveira (UFMG)

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1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito e Inovação da Universidade Federal de Juiz de Fora.1

EM BUSCA DO VALOR POLÍTICO DO FEDERALISMO COOPERATIVO

IN SEARCH OF THE POLITICAL VALUE OF THE FEDERALISM COOPERATIVE

Marcos Silva Marinho 1

Resumo

O presente artigo visa analisar a afirmação constitucional do federalismo cooperativo

enquanto modelo organizacional do Estado brasileiro, a fim de compreender as dificuldades

de sua implementação. Valeu-se, para tanto, das teorias pós-positivistas do Direito, que

defendem a imprescindibilidade dos valores morais para a legitimação das práticas

institucionais, e de algumas teorias sociológicas que, ao analisarem a consolidação do Estado-

Nação enquanto arquétipo de organização social da modernidade, foram capazes de

distinguir as categorias “Estado” e “Nação” como elementos não necessariamente

complementares. Por meio dessa distinção, o artigo tentou debater a relação entre essas duas

categorias na construção do tecido social brasileiro.

Palavras-chave: Federalismo cooperativo, Estado, Nação

Abstract/Resumen/Résumé

This article aims to analyze the constitutional affirmation of cooperative federalism as an

organizational model of the Brazilian state and the difficulties of its implementation. To do

so, were used the post- positivist theories, that defend the indispensability of moral values for

the legitimation of institutional practices, and some sociological theories that, analyzing the

consolidation of the nation-state as the archetype of social organization of modernity, were

able to distinguish the categories "state" and "nation" as not necessarily complementary

elements. Through this distinction, the article tried to discuss the relationship among these

categories in the construction of Brazil's social fabric.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Cooperative federalism, State, Nation

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Introdução

Parece razoável concebermos a inviabilidade da determinação legal pormenorizada de

regras de cooperação entre as entidades federativas. A crença nessa possibilidade remete o

intérprete do Direito ao pensamento positivista, ainda bastante presente na interpretação e

aplicação do Direito no Brasil (CAMARGO, 2003). Em contraposição a essa corrente do

pensamento jusfilosófico moderno, o pós-positivismo tem se apresentado enquanto alternativa

hermenêutica para a materialização dos valores políticos constitucionalmente tutelados.

Nesse trabalho, foram adotados os pressupostos metodológicos presentes na maioria

das teorias pós-positivistas do Direito. Primeiro porque elas consideram que o Direito não

deve estar alheio aos princípios morais presentes na comunidade política a que se dirige

(DWORKIN, 2010); e, segundo, porque elas entendem que o Direito não se restringe ao

conteúdo de normas cogentes, como propõe o pensamento positivista mais conhecido no

Brasil, atribuindo, portanto, normatividade aos princípios de direito (BOBBIO, 2007).

A princípio, importa ressaltar que não seria possível propor qualquer espécie de

federalismo cooperativo enquanto alternativa à organização do Estado se não se partisse de

um pressuposto identificado com as teorias pós-positivistas. O Federalismo cooperativo está

relacionado com a construção de arranjos flexíveis de governo e, no caso do Estado brasileiro,

se mostra relevante na busca por um maior equilíbrio do arranjo político e social determinado

pela Constituição Federal vigente.

No entanto, a identificação social de uma comunidade política com o seu respectivo

modelo federativo se mostra necessária à concretização das propostas de cooperação. Isso

porque a ideia de cooperação entre os cidadãos está relacionada à integração do tecido social

em torno de um arquétipo específico de sociedade, o qual foi historicamente identificado com

o binômio Estado-Nação (WEBER, 2004).

Nesse sentido, é preciso investigar o real conteúdo do modelo federativo brasileiro, a

fim de compreender em que medida ele traduz a adesão dos cidadãos representados pelos

municípios, estados federados e União, ao ideal político do Estado nacional, mediado pela

cooperação entre as entidades da Federação, conforme estatuiu a Constituição brasileira em

seus artigos 23 e 241 acerca de sua organização (BRASIL, 1988).

1 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...]; Art. 24: Art.

24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...]. (BRASIL, 1988).

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1- O modelo federativo brasileiro

O primeiro objetivo desse item é revelar que o discurso presente nas normas jurídicas

não traduz, necessariamente, a compreensão dos indivíduos que integram determinado espaço

territorial acerca da organização política de uma comunidade. Diante disso, é possível

considerar que até mesmo a noção de comunidade pode ser questionada enquanto perspectiva

consentida de um determinado grupo social.

Conforme afirma Chauí e Santos (2013), o processo de colonização das Américas

impediu a autodeterminação dos povos da América Latina. Dessa forma, não foi possível aos

povos reunidos no Brasil desenvolver a sua própria história de forma autônoma e livre, isto é,

decidir qual seria o melhor modelo de vida a ser perseguido. Observar esse fato, por mais

tautológico que isso possa parecer, é importante para que ocorra a desnaturalização da

compreensão do Estado enquanto destino último e inevitável de qualquer sociedade, bem

como para revelar a historicidade das desigualdades presentes entre as diversas regiões do

país (BONAVIDES, 2004).

Historicamente, a organização do Estado brasileiro foi marcada pela alternância entre

períodos de maior ou menor autoritarismo e centralização do poder. A existência de um poder

moderador na Carta Constitucional de 1824 e do regime antidemocrático regulamentado pela

ordem jurídica de 1969 comprovam, por um lado, essa assertiva. Em sentido oposto, as

promulgações das Constituições de 1946 e de 1988 representaram marcos decisivos para o

desenvolvimento da democracia brasileira que, desde então, tem requerido constante

resguardo ao texto constitucional, a fim de que sejam protegidos e promovidos os direitos e

garantias nele reconhecidos (BONAVIDES e ANDRADE, 1991)

Nesse sentido, é importante reconhecer que a forma atual do federalismo brasileiro é

fruto de um processo político que, ao mesmo tempo em que prezou pela democracia do

Estado de Direito e pela autonomia dos entes federados, estruturou a Constituição de maneira

a permitir um alto grau de centralização na organização do Estado brasileiro (SILVA, 2008).

A designação, pela Constituição vigente, de várias de competências à União, a inclusão dos

Municípios na condição de entes federados e a determinação de competências residuais aos

estados-membros torna as relações intergovernamentais entre as três esferas de governo muito

complexas no Brasil.

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Assim, é correto compreender o federalismo enquanto forma de democratização do

Estado e de contenção de seu poder, que, ao menos em tese, decorreria da multiplicidade de

centros decisórios que o caracteriza. Um Estado será tanto mais democrático quanto maior for

a participação do povo nas decisões governamentais que, ao invés de obter fundamento no uso

da força e da autoridade, dessa forma adquirem legitimidade na comunicação

democraticamente constituída (HABERMAS, 1984).

A esfera pública brasileira está organizada, portanto, pelo federalismo, estabelecido no

artigo 1ª da Constituição Federal, e requer a participação dos cidadãos no maior número

possível de espaços institucionais públicos, principalmente nos subníveis de governo. No

entanto, a mera confirmação do republicanismo e do federalismo enquanto valores políticos

do Estado brasileiro, por si só, não é condição suficiente para a garantia da democracia. Para

Tavares (2009, p. 18), a participação dos cidadãos nas decisões:

[...] nem sempre acontece naturalmente, havendo necessidade de incentivos e

de aprendizado. Os principais problemas para o envolvimento dos cidadãos

nas decisões governamentais são, em primeiro lugar, o fato das elites locais

ainda manterem o poder de controlar a implementação de políticas de seu

interesse, restringindo a participação de grupos menos influentes; em

segundo, as desigualdades socioeconômicas tendem a dificultar a

participação de grupos menos favorecidos; e, por último, a existência da

assimetria da informação, ou seja, o governo detém o controle da informação

e dos recursos, o que permite que a participação seja manipulada por

membros do próprio governo.

Como se percebe, a organização do Estado não depende exclusivamente de sua

determinação abstrata no texto constitucional. Isso porque ela não exaure as possibilidades de

realização dos arranjos políticos necessários para o desenvolvimento das políticas públicas,

isto é, das atividades estatais. Além disso, a organização do Estado necessita ser confirmada

na prática das instituições democráticas, as quais se materializam por meio das ações dos

agentes públicos que as integram.

É correto perceber que esses agentes, a despeito de quaisquer convicções políticas que

possuam, estão subordinados ao conteúdo das normas constitucionais no exercício de suas

funções. Ao contrário do que se pode depreender da leitura de parte significativa dos escritos

da doutrina jurídica pátria, é tarefa de todo agente público reconhecer a normatividade da

Constituição, o que, no caso do federalismo cooperativo, impõe aos entes federados o dever

de colaboração e solidariedade.

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As dificuldades apontadas para a implementação do federalismo cooperativo nos

termos estabelecidos pelos artigos 23 e 24 da Constituição Federal por meio da fixação das

“competências comuns” e “concorrentes” advêm da indeterminação taxativa do que seria

cabível para os entes federados no exercício de suas tarefas políticas, sobretudo quando se

nota a concentração dos recursos econômicos do Estado na figura da União, em detrimento

das demais entidades da federação (ABRUCIO, 2002).

Diante dos desequilíbrios orçamentários existentes entre as 5598 (cinco mil quinhentas

e noventa e oito) entidades da federação existentes no país2 (estão incluídos neste cálculo

todos os estados-membros e municípios, a União e o Distrito Federal), a implementação de

um federalismo cooperativo no Brasil depende, antes de mais nada, da desconcentração dos

recursos, principalmente no plano horizontal, onde ocorrem muitos conflitos fiscais entre os

estados federados.

Assim, é possível compreender que se por um lado a estrutura federativa brasileira

delimita uma excessiva competência arrecadatória à União e, com isso, provoca um

desequilíbrio orçamentário com repercussões graves na distribuição desigual desses recursos,

afetando, pois, a autonomia dos demais entes federados, por outro, a própria Constituição

reconheceu a importância da descentralização das atividades estatais, principalmente no que

se refere à realização de políticas sociais, das quais são exemplos os serviços prestados pelo

Sistema Único de Saúde – SUS – e a existência do Fundo de Valorização do Ensino

Fundamental – FUNDEF –, criado pela emenda constitucional 14/96 para, dentre outras

medidas, instituir quais são as responsabilidades dos estados e municípios na oferta do ensino

fundamental em seus territórios.

Segundo Tavares (2009, p. 43), “a análise de sistemas descentralizados mostra que o

desempenho dos governos locais é, em grande parte, resultado do desenho institucional dos

sistemas nacionais”. Nesse sentido, é possível confirmar a hipótese desse artigo de que não

existe, nem tampouco existirá, federalismo cooperativo no Brasil enquanto não forem

superadas a centralização dos recursos econômicos e o servilismo por ela gerado em todo o

sistema político brasileiro.

Entre as mais importantes finalidades do federalismo cooperativo está o

estabelecimento de relações intergovernamentais solidárias, justas e democráticas. No

2 Dados consultados no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 30/03/2016.

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entanto, mesmo com a defesa expressa da Constituição em favor do modelo federativo

cooperativo, o Estado brasileiro ainda não foi capaz de efetivá-lo. Nas palavras de Schultze

(2001, p. 41):

[...] é possível dizer que se formaram dois tipos de jogos na

redemocratização. Na relação entre os estados e a União, no que tange

principalmente à questão financeira, predomina um jogo predatório praticado

pelas unidades estaduais; na relação dos estados entre si vigora uma

competição não cooperativa.

Tendo essa realidade em vista, é preciso investigar algumas características da evolução

política da sociedade brasileira, com o objetivo de analisar histórica e sociologicamente os

fenômenos da centralização dos recursos econômicos e das desigualdades de tratamento entre

as diversas entidades da federação no Brasil.

2- Estado, Nação e Federalismo

Ao realizar uma comparação entre os modelos federativos do Estado alemão e do

Estado brasileiro, Schultze (2009) constatou que ambos os países vivenciam, em intensidades

diferentes, a existência de uma oposição política entre federalismo de cooperação e

federalismo de competição. Para ele, esse fato não é acidental e revela não apenas o caráter

hegemônico da economia capitalista neoliberal, mas também a influência dos elementos

culturais para a construção dos marcos institucionais de uma comunidade política.

O federalismo de competição se caracteriza pela assimetria dos poderes e

competências entre as entidades da federação. Assim como o Brasil, a Alemanha, país

mundialmente conhecido pelo sucesso de suas políticas econômicas e sociais, também

vivencia esse tipo de assimetria e desequilíbrio. Os efeitos dessas desigualdades, no entanto,

não são os mesmos nos dois países. Isso porque existem alguns elementos intrínsecos aos

processos políticos que instauraram os seus pactos federativos.

Conforme foi mencionado anteriormente, a história brasileira está marcada pela

alternância entre períodos de elevada concentração e descontração do poder político. Nesse

sentido, é interessante analisar a descrição de Alessandra Tavares (2009) acerca da “política

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dos governadores”, estratégia utilizada pelas oligarquias brasileiras logo após a adoção da

federação no Brasil pelo Decreto nº 1, de 15 de novembro de 18893. Segunda a autora:

As desigualdades econômicas regionais existentes contribuíram para a

desunião entre as províncias, o que impediu a construção de um projeto de

reforma tributária comum. Como resultado, o projeto vitorioso beneficiou

basicamente os estado exportadores em detrimento dos demais, dando

origem à denominada “política dos governadores”, cujos principais aspectos

foram os seguintes: os governadores de estado eram os atores mais

importantes do sistema político, tanto no âmbito nacional, quanto no

estadual; a constituição do poder nacional, na definição do Presidente da

República, passava por um acordo entre os principais estados da federação,

São Paulo e Minas gerais, na chamada política “café com leite”; os

governadores controlavam a eleição dos parlamentares que iriam constituir o

Legislativo federal; o Presidente da República garantia a supremacia das

oligarquias estaduais no Congresso Nacional, por meio da diplomação dos

deputados eleitos; a inexistência de partidos nacionais e o unipartidarismo

estadual; o controle dos governadores sobre prefeitos e lideranças locais,

pois os municípios gozavam de pouca ou nenhuma autonomia político-

financeira (TAVARES, 2009, p. 26).

Diante dessa realidade, se torna claro o fato de que a cultura política relativa às

práticas institucionais brasileiras possui nuances próprias e, por isso, não se verifica, nos

termos em que foi concebida, nos processos políticos de outros países, sobretudo, os países da

Europa. Dito de outra forma, o que se pretende é chamar a atenção para a necessidade de que

as comparações acerca do desempenho político dos modelos federativos de diferentes países

levem em conta as singularidades ou especificidades de suas trajetórias históricas.

Um aspecto predominante na construção da sociedade brasileira é a elevada

heterogeneidade de sua população. Ao contrário do que se viu nos processos de colonização

dos demais povos latino-americanos, no Brasil não se buscou eliminar completamente a

diversidade de povos, da qual decorreu o intercâmbio cultural promovido pela presença

forçada da população negra trazida do continente africano, bem como da presença dos povos

europeus, na condição de exploradores, e dos povos indígenas que já habitavam o território

brasileiro. Trata-se, portanto, da construção de um modelo de sociedade voltado

majoritariamente ao provimento dos interesses dos sujeitos históricos detentores do poder: os

colonizadores europeus, que mediaram as relações políticas e sociais desde o Brasil colonial

através do uso da força contra os demais povos, explorados de modo desumano (FAORO,

1975).

3 Art. 1º - A Nação Brasileira adota como forma de governo, sob regime representativo, a República federativa a

15 de novembro de 1889, e constitui-se por união perpétua e indissolúvel de suas antigas províncias, em Estados

Unidos do Brasil. (BRASIL, 1988).

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Como se percebe, falar em solidariedade e colaboração na trajetória histórica brasileira

não é tarefa fácil. Apesar de que, para muitos sociólogos4, os conflitos históricos permanecem

velados no país, parecem verdadeiras as assertivas desses e outros estudiosos acerca da

persistência de tais conflitos na realidade brasileira. As desigualdades sociais existentes no

Brasil não foram exclusivamente forjadas em virtude de problemas atuais nos arranjos

políticos. No entanto, os arranjos políticos atuais precisam atualizar os seus propósitos,

outrora voltados à promoção e proteção dos interesses de uma classe de indivíduos em

detrimento dos demais.

No caso da Alemanha, ao contrário, o modelo federativo foi constituído em virtude da

convergência de demandas e identidades entre as diversas regiões do país. O propósito de

uniformização das condições de vida foi pactuado pelos governadores alemães tendo em vista

a construção de um projeto de nação a ser viabilizado por meio da cooperação entre os

estados federados. Segundo Schultze (2001, p. 15):

[...] ao configurar o federalismo, os constituintes não visaram a autonomia

dos estados nem a competição entre estados como a melhor solução, mas

sim, a influência dos estados. Concretamente, tratava-se da influência dos

governos estaduais sobre a política federal. Constituíram uma “República

dos Governadores”, preocupados, evidentemente, com a política de seus

respectivos estados mas, principalmente, com a participação na configuração

da uniformidade das condições de vida em toda a República.

Por esse motivo, a comparação entre o desempenho do federalismo cooperativo na

Alemanha e no Brasil – mesmo diante da crise desse modelo apresentada por Schultze em

ambos os países – precisa ser ponderada. Uma importante distinção a ser feita acerca do

conteúdo dos pactos federativos mencionados está na noção de Estado neles adotada.

Para tanto, faz-se necessário analisar o conceito de Estado relacionando-o ao conceito

de Nação. Isso porque a ideia do Estado-Nação, difundida enquanto paradigma das sociedades

modernas, advém da convergência dessas categorias que, como será demonstrado adiante, não

estão necessariamente relacionadas.

O Estado é um modelo de organização da sociedade que integra o processo

civilizatório em curso no Ocidente (ELIAS, 1990). Para o filósofo idealista alemão Hegel

(1992), um de seus maiores defensores, o Estado seria o fim último do desenvolvimento

4 É o caso de autores respeitados no campo das ciências sociais, como Roberto DaMatta (1997) e Sérgio Buarque

de Holanda (1969).

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humano, isto é, a referência institucional de onde derivaria o progresso gerado pelo acúmulo

de racionalidade, técnica e poder articulado pelo homem.

Nesse mesmo sentido concluíram as conhecidas teses iluministas de filósofos como

John Locke, Montesquieu e Voltaire acerca das origens, objetivos e métodos organizacionais

do Estado (BOBBIO, 2010). Tais teses culminaram na construção da vertente jus-filosófica

positivista, a qual pode ser considerada uma das mais importantes matrizes teóricas que

marcaram a transformação do Estado moderno absolutista em Estado de Direito.

Desde a derrocada do Estado Absolutista francês, as sociedades passaram a professar

sua fé na racionalidade do Direito que, em contraposição aos arbítrios e desígnios autoritários

do poder soberano, subordinaria os governantes ao regime das condutas autorizadas pelo

Direito, isto é, ao conteúdo das normas jurídicas legitimamente estabelecidas por meio de

assembléias políticas democráticas.

Ainda hoje, por óbvio, a organização do Estado ocupa o cerne das controvérsias

políticas, de modo que o positivismo jurídico permanece influenciando as sociedades que se

organizam por meio do Estado de Direito. Entretanto, o combate ao arbítrio estatal sustentado

pelo método positivista de interpretação/aplicação do Direito mostrou-se insuficientemente

justo, uma vez que, como bem pontua a crítica de Dworkin (2011, p. XIV):

O positivismo jurídico rejeita a ideia de que os direitos jurídicos possam

preexistir a qualquer forma da legislação; em outras palavras, rejeita a ideia

de que indivíduos ou grupos possam ter, em um processo judicial, outros

direitos além daqueles expressamente determinados pela coleção de regras

explícitas que formam a totalidade do direito de uma comunidade.

Ao defender tão somente a observância de procedimentos de legitimação formal do

Direito, o Positivismo jurídico possibilitou aos intérpretes/aplicadores da lei a exclusão de

qualquer reflexividade entre o conteúdo posto do Direito positivo e os valores morais

reconhecidos como justos por uma comunidade política. Nesse sentido expôs o filósofo

positivista Hans Kelsen:

A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito

positivo geral, não de uma ordem jurídica especial. [...] Contudo, fornece

uma teoria da interpretação. Como teoria, quer única e exclusivamente

conhecer o seu próprio objeto. Procura responder a esta questão: o que é e

como é o Direito? Não importa a questão de saber como deve ser o Direito,

ou como deve ele ser feito. É ciência jurídica e não política do Direito.

Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa

que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e

excluir desde conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo

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quanto se não possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto

dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que

lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.

(KELSEN, 1996, p. 17).

Ao pensar o Direito enquanto ciência pura e objetiva, o positivismo jurídico ensejou

uma compreensão meramente formal do Direito e do Estado, destituindo-os, pois, de sua

relação com as categorias axiológicas (e, portanto, culturais) que constituem, desde a

Modernidade, o lócus político do Estado-Nação (WEBER, 2004).

Para o cientista político estadunidense Benedict Anderson (2008), o Estado-Nação é

uma construção fundamental para as práticas políticas contemporâneas. Isso porque por meio

dele foi possível a expansão de um modelo de sociedade baseado em certas convenções

institucionais e políticas. A invenção da nacionalidade seria, segundo Anderson, o elemento

integrador de certas comunidades que, a despeito das diferenças entre os seus membros, se

constituíram mediante o uso dos valores nacionais, forjados através de “recuos no tempo do

presente para o passado” (ANDERSON, 2008, p. 279).

A nação seria, portanto, o elemento cultural do Estado, e adicionaria a ele a ideia

ficcional da existência de senso e pertencimento a uma consciência moral nacional, mediada

pela consolidação das representações ideológicas do Estado, tais como museus, mapas,

memória, idioma comum, inimigos e, até mesmo, a própria crença na racionalidade.

Diante disso, é possível compreender a indiferença da concepção positivista do Direito

acerca desse tipo de interpretação do Estado enquanto continuidade política consensual e

imaginada de um projeto de Nação, uma vez que basta ao positivismo jurídico identificar ou

não a legalidade estrita de um ato.

Decerto a leitura positivista é insuficiente para a análise da organização dos Estados

pós-modernos. Ao estatuir as relações institucionais entre os governos, as Constituições

sempre atuaram no sentido de viabilizar algum projeto político-nacional de Estado, isto é, elas

jamais foram neutras. Diante disso, o surgimento das teorias pós-positivistas do Direito tornou

possível a exigência de compatibilidade entre as práticas institucionais do Estado com os

valores políticos presentes no projeto de Nação apresentado pelas Cartas Constitucionais

(STRECK, 2010).

Insta observar, contudo, que para as teorias pós-positivistas ou constitucionalistas do

Direito, esse projeto deve ser compatível ao reconhecimento de valores mínimos e universais

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que fundamentam a própria existência do Direito. Valores como igualdade e liberdade são

basilares na construção não só das normas jurídicas, mas do próprio modelo político que deve

ser adotado. Disso decorre uma correlação necessária entre Estado de Direito e Democracia

que está pautada em larga medida pelas teorias pós-positivistas (ou democráticas) do Direito

(RAWLS, 2000).

Dessa forma, é válido admitir que a relação entre Direito e democracia delimita a

organização do Estado de Direito num sentido favorável ao federalismo cooperativo. Primeiro

porque os valores solidariedade e cooperação foram, em larga medida, estatuídos por muitas

Constituições contemporâneas enquanto princípios de direito, o que, por si só – uma vez

reconhecida a normatividade dos princípios constitucionais – requer das instituições estatais a

sua observância. Segundo porque ao reconhecer a importância dos interesses de cada entidade

da federação, o federalismo cooperativo se funda na descentralização das competências

estatais, concedendo, portanto, autonomia e liberdade para todos os entes.

Em regimes democráticos, o federalismo cooperativo necessita ser considerado

enquanto expressão do projeto de Nação celebrado pelas Constituições. A opção

constitucional pelo federalismo cooperativo deve manifestar, para o êxito das relações

intergovernamentais, o reconhecimento cultural mútuo entre todas as entidades.

A despeito da descrição de Schultze (2001) acerca da crise do federalismo cooperativo

na Alemanha, é importante salientar que o federalismo alemão representou, durante a maior

parte de sua história, o reconhecimento cultural e político entre os povos que integraram a

Federação. A colaboração entre os estados federados foi, segundo Schultze, por muito tempo,

o reflexo da identificação do povo alemão entre si, isto é, uma consequência de sua coesão

social.

Com a queda do Muro de Berlim, dentre outros fatores econômicos e geopolíticos,

como a globalização, as crises migratórias etc., entretanto, surgiram conflitos culturais que

desestabilizaram a eficácia do federalismo cooperativo alemão. Basta pensar que a mera

existência de um muro, que separou por vinte e oito anos os povos da Alemanha oriental

(República Democrática Alemã, socialista) e da Alemanha ocidental (República Federal

Alemã, capitalista), foi capaz de alterar significativamente a complexidade do tecido social

desses países que, desde então, enfrentam problemas de desigualdades regionais, assim como

ocorre no Brasil.

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3- Conclusões

Certamente as desigualdades regionais na Alemanha não se equiparam com as

desigualdades presentes na sociedade brasileira. No entanto, isso não significa que o povo

brasileiro seja mais desunido que o alemão ou que, em última instância, sejamos os brasileiros

mais egoístas ou antidemocráticos.

Seria possível defender que a complexidade dos conflitos sociais presentes no Brasil é

muito elevada. No entanto, o mesmo também pode-se afirmar acerca da Alemanha. Ao

fazermos uma ligeira e superficial análise de sua história, é possível perceber que a Alemanha

protagonizou duas guerras catastróficas e abrigou o muro de Berlim, o que simbolizou a

separação do povo alemão por quase três décadas.

O fato é que em toda a história brasileira e a alemã poderíamos identificar agressões,

divisões, exclusões brutais e negações de alguns grupos sociais perante outros. Mesmo assim,

concluímos esse artigo em defesa da singularidade histórica da experiência federativa

brasileira.

Isso porque percebe-se que, no Brasil, a criação do Estado não foi, de modo algum,

um fenômeno voluntário, consentido pelas entidades da federação. O Estado brasileiro,

conforme indicam muitas análises políticas da história do país como, por exemplo, a realizada

pelo historiador paulista Caio Prado Júnior (2000), foi forjado segundo os interesses

econômicos de uma classe dominante em detrimento das demais.

Desde análises realizadas a partir de um ponto de vista puramente econômico da

história social do país, como a de Caio Prado (2000), até a compreensão da constituição

cultural do Estado brasileiro, como a que sustenta Holanda (1969), nota-se que os limites da

política brasileira advém de sua própria origem.

A configuração da política brasileira sempre esteve pautada na concentração do poder

o que, em última análise, afeta as tentativas de equiparação das desigualdades históricas entre

as diversas regiões do país.

Assim apontou o antropólogo mineiro Darcy Ribeiro, ao analisar que o projeto de

nação brasileiro jamais foi democrático. Ao invés disso, ele foi constituído pelos interesses e

julgamentos discriminatórios e violentos das elites brasileiras que, nas palavras de Darcy

(1995, p. 106), construíram verdadeiros “moinhos de gastar gente” no país.

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A diversidade cultural do Brasil não foi reconhecida como elemento integrador do

projeto de nação brasileiro. Ao invés disso, o que se verifica na sociedade brasileira é a

existência de projetos culturais centralizados e excludentes. A caracterização da cultura do

Brasil segundo o Estado, nesse sentido, deu origem a um simulacro de nação, amalgamado

por meio da construção vertical e caricata de uma suposta identidade nacional.

Na Alemanha, conforme afirma Schultze (2001), as diferenças culturais e econômicas

foram negociadas através do pacto federativo. No Brasil, ao contrário, não houve

possibilidade de negociação acerca dos valores nacionais, afinal, não seria razoável

cogitarmos, por exemplo, que, em algum momento de nossa história, os negros ou os índios

puderam decidir sobre sua própria liberdade ou sobre sua importância cultural para a

configuração da sociedade brasileira.

A influência do colonialismo na política federativa se reflete com clareza nas

diferenças entre as culturas políticas desses dois países. Por um lado, nota-se que a construção

de um inimigo comum ou a rejeição das identidades exógenas serviu de justificativa para a

consolidação de projetos nacionais das sociedades européias. Por outro, em muitos países

colonizados, é possível defender que, durante toda a Era Moderna, ocorreram diversos

processos de desestruturação dos povos não-europeus em favorecimento dos interesses

econômicos e das identidades nacionais metropolitanos (QUIJANO, 1993).

Nesse sentido, o real valor do federalismo cooperativo advém de seu potencial político

para a reconstrução de um projeto efetivamente democrático de nação que necessite ser

constantemente reafirmado e reformulado, uma vez que as sociedades contemporâneas a cada

dia se tornam mais complexas.

É preciso repensar a relação entre as categorias “Estado” e “Nação” não só no Brasil,

mas em todo o mundo, uma vez que o Estado Democrático de Direito não deve permanecer

existindo enquanto ficção eternizada. Ao desvelar o conteúdo político e ideológico (nacional)

dos Estados Modernos, as análises críticas de Weber (2004), Anderson (2008) e outros

estudiosos nos levam a refletir sobre a importância do pluralismo político na ordem

internacional.

A autodeterminação dos povos não deve permanecer restrita à linguagem

“estadocêntrica” da Modernidade. Ao invés disso, ela parece requerer a construção de

alternativas políticas autônomas e legitimadas pelos desejos e necessidades do povo, que

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precisa estar livre para decidir, até mesmo, pelo fenecimento do Estado enquanto forma de

organização social (SANTOS, 2014).

O federalismo cooperativo merece ser compreendido enquanto uma dentre muitas

possibilidades de organização social. Num tempo em que as sociedades se tornam cada vez

mais complexas e, contraditoriamente, cada vez mais rígidas, pensá-lo em sua essência

implica em rearticular no Estado a obrigatoriedade da relação entre poder e bem-viver.

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