paolo rossi -maria dolores ferrari

Upload: camille-bolson

Post on 18-Oct-2015

55 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 5/27/2018 Paolo Rossi -Maria Dolores Ferrari

    1/6

    Universidade Tecnolgica Federal do ParanPrograma de Ps-Graduao em Tecnologia PPGTEDisciplina: Histria da Tcnica e da TecnologiaProfessores: Gilson Leandro Queluz, Maclvia Corra da Silva, Mrio Lopes AmorimMestranda: Maria Dolores Ferrari

    O NASCIMENTO DA CINCIA MODERNA NA EUROPA.

    Rossi, Paolo. O nascimento da cincia moderna na europa.Traduo: AntonioAngonese. Bauru: Edusc, 2001. 494 p.

    Sobre o autor Paolo RossiNasceu em Urbino, Itlia, em 1923. Professor dehistria da filosofia na Universidade de Florena organizou importantes edies deobras de Diderot, Rousseau, Vico e Bacon. Escreveu as seguintes obras:

    James Aconcio 1952 Francis Bacon. Da magia cincia , 1957

    Os filsofos e as mquinas 1400-1700 , Feltrinelli, 1962 A antiguidade infinitas: estudos de Vico , 1969 Aspectos da Revoluo Cientfica , 1971 A revoluo cientfica , Loescher de 1973 Os sinais do tempo: histria da Terra e histria das naes de Hooke a Vico , 1979 O novo nome. Cincia e cultura na sociedade contempornea , o Mill, 1981 Clavis universalis. Artes de memria e lgica de Llull para Leibniz , 1983 As aranhas e formigas: uma defesa da histria da cincia , 1986 Histria da cincia moderna e contempornea , ch, 1988 A cincia e a filosofia dos modernos , marca Basic Books, 1989 O passado, a memria, o esquecimento , 1991 Viareggio Prize 1992 A filosofia [4 vols., editado por P. Rossi], UTET, Turim, 1995

    O nascimento da cincia moderna na Europa , 1997 As antiguidades infinitas e novos ensaios Vico , Nova Itlia, Florena, 1999 Outro presente , o Mill, 1999 Crianas, sonhos, fria: trs lies da histria das ideias, Feltrinelli, Milano, 2001 O tempo dos magos: Renaissance e modernidade , Raffaello Cortina Editore, Milano, 2006 Esperanas , Il Mulino, Bologna, 2008 Comer , Il Mulino, Bologna, 2011

    CAPTULO 3ENGENHEIROS

    A PRAXE E AS PALAVRAS

    O autor apresenta textos de Bernard Palissy, Robert Norman e Juan LuisVives sobre a temtica comum: os processos dos artesos, dos artistas e dosengenheiros tm valor para fins do progresso do saber.

    Palissy era um aprendiz de vidraceiro, que procurando o segredo do esmaltebranco para aplicar nas cermicas alcanou a celebridade. Projetou vrias mquinasque jamais conseguiu realizar. Palissy indagava em Admirables(1580): possvelque um homem possa chegar ao conhecimento dos efeitos naturais sem jamais terlido livros escritos em latim? Atacava, assim, os professores da Sorbone. A respostade Palissy era a seguinte: a praxe pode mostrar que as doutrinas dos filsofos(inclusive os mais famosos) podem ser falsas. O laboratrio e o museu de objetosnaturais e artificiais que Palissy organizou poderia ensinar mais filosofia do que se

  • 5/27/2018 Paolo Rossi -Maria Dolores Ferrari

    2/6

    2

    possa aprender, frequentando a Sorbone ou por meio da literatura dos antigosfilsofos (p.65).

    Outro exemplo importante destacado por Paolo Rossi quando cita RobertNorman (15601596), marinheiro ingls auto intitulado matemtico noinstrudo,que fez pesquisas na rea do magnetismo: Norman tem o senso exato de uma

    oposio fundamental entre as suas pesquisas e as pesquisas dos homensletrados. Tais indivduos elaboram conceitos muito sofisticados e gostariam quetodos os mecnicos fossem obrigados a entregar a eles todos os prpriosconhecimentos. Por sorte, conclui Norman, neste pas existem mecnicos queconhecem com perfeio o uso de suas artes e so capazes de aplic-las paraalcanar os seus objetivos com a mesma eficincia que pretendem ter os quegostariam de conden-los (p.66).

    Como exemplos dos representantes da cincia que contriburam com avalorizao das artes mecnicas poderamos citar Juan Luis Vives (1492-1540),Andrea Veslio (1514-1564) e o prprio Galileu Galilei (1564-1642). Vives era umfilsofo espanhol de vasta cultura que, em algumas de suas obras, alerta osestudiosos europeus da importncia de sua ateno aos assuntos relativos smquinas, tecelagem, agricultura e a navegao. Superando seumenosprezotradicional, o homem de letras deve visitar as oficinas e as fazendas, fazer perguntasaos artesos.Diz que a cincia conhecida melhor pelos mecnicos do que pelosfilsofos, pois os mecnicos jamais construiriam para si entidades imaginrias comoas formase as heceidades(a ltima realidade do ser).

    Andrea Veslio (autor de De corporis humani fabrica1543) foi um mdicoanatomista francs que estudou os mnimos detalhes da mquina humana,

    tomando enrgica posio contra a dicotomia que se criou na profisso do mdico:de um lado, o professor que fica cuidadosamente longe do cadver a seccionar, e,por outro lado, o seccionador que desconhece qualquer teoria e rebaixado categoria de aougueiro (p.67)

    Nos escritos de um arteso parisiense, de um marinheiro ingls, de umfilsofo espanhol e um cientista flamengo, esto presentes os saberes dos artesos,dos artistas e engenheiros e necessrio reconhecer a dignidade de seus trabalhoscomo fatos culturais (p.68).

    Tanto Veslio como Vives, superaram o senso comum entre os letrados deseu tempo. Encontraram nas obras dos mecnicos a sada para suas angstias e

    deram, assim como outros tantos aqui no citados, imensa contribuio s artesmecnicas. Essas, por sua vez, tornaram possveis novas reflexes e superao develhas crenas. Cada um ao seu modo, os representantes das universidadestiveram que se render ao fascnio da tcnica e da experimentao.

    ENGENHEIROS E TEATROS DE MQUINAS

    O mesmo autor afirma que, em paralelo a estas publicaes, surgiram muitastradues de textos clssicos voltadas aos artesos, do latim para lnguas locais,como, por exemplo, os tratados sobre arquitetura de Vitrvio (I sc. aC),. O acesso a

    este tipo de literatura promove, em alguns artesos mais bem preparados, uma

  • 5/27/2018 Paolo Rossi -Maria Dolores Ferrari

    3/6

    3

    importante interpretao das obras, como por exemplo, de Euclides, Arquimedes eHero. Rossi comenta a esse respeito: (...) a literatura dos sculos XV e XVI extraordinariamente rica de tratados de carter tcnico, a ponto de se constiturem,por vezes, verdadeiros e prprios manuais, ao passo que, em outros casos, contmsomente reflexes espalhadas sobre o trabalho desenvolvido por artistas ou pormecnicos, ou mesmo sobre osprocedimentos usados nas vrias artes (...). Rossi

    cita vrias obras publicadas entre 1594 e 1599 que tratam dos mais variados temas,como: mquinas de guerra, arquitetura, geometria descritiva, pirotecnia, balstica,tratados de engenharia, tratados de navegao.

    Em face deste universo de obras publicadas fcil concluir que asuniversidades e os conventos deixaram de ser os nicos lugares onde se produz ese elabora a cultura. Na verdade, nasce um tipo de saber que tem a ver com oprojeto de mquinas, com a construo de instrumentos blicos de ataque e dedefesa, com as fortalezas, os canais, as barragens, a extrao de metais de minas(p.69-70-71).

    A arte era considerada um trabalho manual. Os artistas vm de ambientesartesanais, camponeses e pequenos burgueses. Escultores e arquitetos erammembros da corporao menor dos pedreiros e carpinteiros, ao passo que ospintores eram inscritos na corporao maior dos mdicos e farmacuticos,juntamente com os pintores de parede e os moedores de tintas. Das Lojas, ondeiniciava o aprendizado prtico dos trabalhos manuais saiam quadros renomados,emblemas, trabalhos em terracota e objetos de ourivesaria. Os arquitetos no sconstruam edifcios, mas se ocupavam de aparelhos mecnicos, mquinas deguerra, preparao de palcos e aparelhagens complicadas para procisses e festas.Nas Lojas de Florena do sculo XV, se realizara a fuso entre o trabalho manual ea teoria. Algumas Lojas, por exemplo, a de Lorenzo Ghiberti (durante a preparao

    das portas do Batistrio) se transformaram em verdadeiros laboratrios industriais.So ao mesmo tempo oficinas e onde so ensinados conceitos bsicos de anatomiae de tica, de perspectiva e geometria. A cultura dos homens sem letras deriva deuma educao prtica que se remete a vrias fontes, passando a conhecer textos dacincia clssica de Euclides e Arquimedes. O saber emprico de personagens comoLeonardo tem atrs de si um ambiente deste tipo.

    Leonardo da Vinci (1452 1519), segundo Paolo Rossi, no tem qualquerinteresse pela cincia como mtodo, nem concebe a cincia como empreendimentopblico e coletivo. Pintor e engenheiro, construtor e projetista de mquinas, homemsem letras e filsofo; smbolo do homem de conhecimentos mltiplos, um exemplo

    real de superao da antiga separao entre artes mecnicas e artes liberais.Pensava que as cincias que comeam e terminam na mente no possuem averdade, porque nos discursos mentais no ocorre a experincia, sem a qual nadaoferece certeza em sim mesmo.Tal certeza se adquire onde podem ser aplicadasas matemticas e que aqueles que se apaixonam pela praxe sem a cincia socomo os pilotos que entram num navio sem timo e sem bssola, e que nunca tmcerteza pra onde esto indo (Rossi, apudSolmi, 1889, p.84-86). Em 1482 executa,em Milo, trabalhos de escultura e fundio. Na Toscana preparou um projeto dedefesa militar e logo depois em Mntua assume o cargo de engenheiro militar. Emum caderno de apontamentos (conhecido como manuscrito L) faz anotaes edesenha tudo o que desperta o seu interesse em seus deslocamentos pela Itlia.

    Neste perodo produz a Gioconda e a obra inacabada Batalha de Anghiari. Em sua

  • 5/27/2018 Paolo Rossi -Maria Dolores Ferrari

    4/6

    4

    pintura destaca-se a exigncia de tornar tudo visvel. Seus desenhos de rochas,plantas, animais, nuvens, movimentos das guas e dos ventos so atos deconhecimento cientfico da realidade natural. A prtica de dissecaes traz umprogresso notvel aos seus desenhos anatmicos. A anatomia comparada dosvertebrados, o voo dos pssaros, a tica fisiolgica: so trs temas pelos quaisLeonardo se apaixonou e existem inumerveis desenhos. Sua tese era a da

    superioridade do olho sobre a mente, da observao do mundo real sobre os livros eas escrituras. Aqui est a razo por quem se ops imagem mtica de Leonardocomo cientista moderno, mas tambm sua irrepetvel grandeza. Menosprezava atipografia e a imprensa. Oscilava entre a experimentao e a anotao, comapontamentos escritos em uma simbologia obscura e no transmissvel. Leonardono tem nenhum interesse em trabalhar para um corpus sistemtico deconhecimentos, como tambm no tem a preocupao (dimenso fundamentaldaquilo que chamamos de tcnica e cincia) de transmitir, explicar e provar para osoutros suas descobertas. As mquinas projetadas por Leonardo no so para aliviara fadiga dos homens e aumentar o seu poder sobre o mundo. Visam objetivospassageiros: festejos, diverses e atraes mecanizadas. Se preocupa mais com aelaborao do que com a execuo dos seus projetos. Muitos de seus desenhos soatos de conhecimentos cientficos, de investigao crtica em torno da realidadenatural. Os manuscritos, sua anotaes, seus desenhos nos do o limiar de queaquela compenetrao entre cincia e arte no s pareceram possveis, mas seconfiguram como reais. (ROSSI, 2001, p.72-77).

    UM SABER CAPAZ DE DESENVOLVIMENTO

    Nos escritos dos artistas e dos prticos do sculo XV e nos tratados de

    engenharia mineradora, arte da navegao, balstica e tcnicas das fortificaes dosculo XVI, abre caminho uma nova considerao do trabalho manual e da funocultural das artes mecnicas. Se firma, tambm, a imagem do saber comoconstruo progressiva, posto que tal saber constitudo por uma srie deresultados que alcanam, um aps outro, um nvel de complexidade ou de perfeiocada vez maior. Escreve Agostinho Ramelli (1588) que as artes mecnicasnasceram das necessidades e da fadiga dos primeiros homens empenhados emdefender a prpria vida em um ambiente hostil (Rossi, apud Ramelli, 1588, prefcio).

    ARTE E NATUREZA

    Filsofos como Bacon, Descartes, Boyle levariam as prprias ideias ao nvelda conscientizao filosfica, inserindo-as em contextos tericos de grandedestaque, em contextos considerados com hostilidade, ou at mesmo comdesprezo, pela cultura das universidades. A imagem positivista de Bacon fundadorda cincia moderna, leva para o nvel filosfico temas e ideias que foram seafirmando margem da cincia oficial. Bacon avalia as artes mecnicas em trspontos: 1) elas servem para revelar os processos da natureza e so uma forma deconhecimento; 2) as artes mecnicas se desenvolvem sobre si prprias, ao contrriode todas as outras formas do conhecimento tradicional, elas constituem um saberprogressivo, e crescem to rapidamente que os desejos dos homens se acabamantes mesmo que elas tenham alcanado a perfeio; 3) nas artes mecnicas, ao

    contrrio de outras formas de cultura, vigora a colaborao, tornando-se uma forma

  • 5/27/2018 Paolo Rossi -Maria Dolores Ferrari

    5/6

    5

    de saber coletivo; nelas convergem as capacidades criativas de muitos, ao passoque nas artes liberais os intelectos de muitos se submetem ao intelecto de umanica pessoa e os adeptos, na maioria das vezes, corromperam tal saber em lugarde faz-lo progredir.

    Para Bacon, as artes mecnicas so, na verdade, de uso ambguo e podemproduzir ao mesmo tempo o mal e oferecer um remdio para o mal. Tanto paraBacon e Boyle, quanto para Galilei, Descartes, Kepler, Leibniz e Newton a vontadehumana e o desejo de dominao no constituem o princpio mais alto. A Natureza objeto de domnio e de respeito. Ela pode ser torturada e dobrada ao servio dohomem, mas ela tambm o livro de Deus que deve ser lido com esprito dehumildade (Rossi, 2001, p.82-86)

    CAPTULO 4 - COISAS JAMAIS VISTAS

    A IMPRENSA

    O Livro, segundo Rossi (2001), surgiu como uma novidade revolucionria. Iriadifundir a ideias e o saber e substituiria a leitura de textos, coletivamente, e em vozalta. Junto com outras descobertas mecnicas, como a plvora e a bssola a arteda imprensa fez acelerar a histria e derivaram infinitas mudanas. JohannesGutemberg imprimiu a Bblia em 1456, com a peas intercambiveis. Tcnica queficou sem mudanas at o sculo XIX. A imprensa foi difundido no mundo todo.Surgem a primeiras feiras internacionais do livro. A mdia de exemplares era emtorno de 100 exemplares por edio. A difuso das idias e o avano do saberimplicavam um forte investimento de capitais e uma boa dose de risco para osempresrios. Como cita Rossi (2001, p.89), quando o saber era elaborado na cela

    do monge ou no escritrio do humanista certamente no provocara este tipo deproblemas.Entre a redescoberta dos antigos e o sentido do novo caracterizam a cultura

    chamada Renascena. John Dryden escreveria que no decurso deste sculo nos foirevelada uma nova natureza. O tema da novidade perpassa toda a cultura daEuropa.

    DOMNIOS DESCONHECIDOS PELA VISO

    Em 1609 Galileu Galilei apontava para o cu a luneta iniciando uma srie deobservaes que seriam publicadas em Sidereus Nuncius, editado em Veneza em

    1610. A Lua a Via Lctea e Jpiter com sua luas e a realidade do Universo tinha sidoampliada pelo telescpio. As observaes astronmicas de Galilei no marcavamsomente o fim de uma viso do mundo, mas tambm o nascimento de um novoconceito de experincia da verdade: a certeza propiciada pelos olhos, quebrou ocrculo sem fim das disputas (Rossi, p.104).

    Assim como o telescpio mostrou o grande e a infinitude do universo omicroscpio, ao contrrio est no comeo de um longo processo que leva constituio de novas cincias, como a histologia e a microbiologia (Rossi, p. 105).O microscpio descrito por Hooke abrira o olhar para um mundo novo de seres vivosinvisveis ao olho humano. usado pela primeira vez o termo clula. O telescpio eo microscpio produz novos mundos e terras desconhecidas para a nossa viso.

  • 5/27/2018 Paolo Rossi -Maria Dolores Ferrari

    6/6

    6

    O NOVO MUNDO

    Tambm Cristvo Colombo e Ferno de Magalhes e outros viajantes enavegadores viram com seus prprios olhos coisas jamais vistas antes. No novomundo se encontram plantas desconhecidas (como o milho, mandioca, batata,feijo, tomate, abbora, tabaco, seringueira) e animais nunca vistos (peru, lhama,

    lince, puma, condor, anta, jacar). Jos Acosta escreve sobre os homens do NovoMundo e sobre seus costumes. Paracelso negara aos Americanos caractereshumanos: eles so semelhantes aos homens em tudo exceto na alma. Montaigne(1970), citado por Rossi, afirma que a humanidade se exprime em uma variedadeinfinita de formas e cada um chama de barbrie aquilo que no est nos seuscostumes. As discusses sobre o selvagem bom e sobre o selvagem mal seentrelaam com as vicissitudes da biologia do pensamento poltico. Buffon e osromnticos, no que diz respeito ao continente americano, continua-se a afirmar,naquela discusso, o carter degenerado, decado ou em todo o caso inferior danatureza do Novo Mundo. A fauna que o povoa, escreveria Hegel na Philosophic derGeschichte, em um aspecto menor, mais fraco e mais tmido (Rossi, p. 114).