papel da autofagia no desenvolvimento de câncer
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
Curso de Graduação em Farmácia-Bioquímica
Papel da autofagia no desenvolvimento de câncer pancreático e
resistência terapêutica
Juan Carlos Borges
Trabalho de Conclusão do Curso de
Farmácia-Bioquímica da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da
Universidade de São Paulo.
Orientadora:
Profa. Dra. Ana Paula de Melo Loureiro
São Paulo
2019
SUMÁRIO
Pág.
LISTA DE ABREVIATURAS ............................................................................ 1
RESUMO ........................................................................................................ 3
1. INTRODUÇÃO
1.1 Panorama Geral e Epidemiologia ..................................................
1.2 Fatores de Risco ............................................................................
1.2.1 Fatores não modificáveis ou associados ao hospedeiro ......
1.2.2 Fatores modificáveis ou ambientais .....................................
1.2.3 Fatores protetores ................................................................
1.3 Metabolismo do câncer, autofagia e microambiente ......................
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2. OBJETIVOS ................................................................................................ 16
3. MATERIAL E MÉTODOS .......................................................................... 16
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ..................................................................
4.1 Papel da autofagia na fisiopatologia do ADP
4.2 Efeitos da inibição da autofagia em ADP e resistência terapêutica
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17
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5. CONCLUSÃO .............................................................................................. 25
6. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 26
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LISTA DE ABREVIATURAS
ADP Adenocarcinoma Ductal Pancreático
Atg Gene de Autofagia
BRCA2 BRCA2 Associado a Reparo de DNA
cAMP Adenosina Monofosfato Cíclico
CDKN2A Inibidor 2A de Quinase Dependente de Ciclina
CTGF Fator de Crescimento de Tecido Conjuntivo
CYR61 Indutor Angiogênico Rico em Cisteína 61
FUNDC1 FUN14 Domain Containing 1
HMGB1 High Mobility Group Box 1
IgE Imunoglobulina E
IL-4 Interleucina 4
KRAS Homólogo do Oncogene Viral do Sarcoma de Rato Kirsten
LAMP Proteína de Membrana Associada ao Lisossomo
LC3 Cadeia Leve 3 Alfa da Proteína 1 Associada ao Microtúbulo
LDL Lipoproteína de Baixa Densidade
mTOR Alvo de Rapamicina em Mamíferos
P53 Proteína p53
PALB2 Parceiro e Localizador de BRCA2
PanIN Neoplasias Intraepiteliais Pancreáticas
PI3KC3 Subunidade Catalítica Tipo 3 de Fosfatidilinositol 3-Quinase
PKA Proteína Quinase Dependente de AMP Cíclico
PNI Invasão Perineural
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RAGE Receptor Específico para Produto Final de Glicação Avançada
sICAM1 Molécula de Adesão Intercelular 1
SMAD4 Membro 4 da Família SMAD
TNF Fator de Necrose Tumoral
VEGF Fator de Crescimento Endotelial Vascular
VMP1 Proteína Vacuolar 1 Induzida por Carência Nutricional
YAP Yes-associated protein
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RESUMO
BORGES, J. Papel da autofagia no desenvolvimento de câncer pancreático e resistência terapêutica. 2019. no. 32. Trabalho de Conclusão de Curso de Farmácia-Bioquímica – Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Palavras-chave: autofagia, câncer, pâncreas, resistência. INTRODUÇÃO: O câncer de pâncreas é a terceira maior causa de mortes por câncer e pouco avanço na terapia foi feito nos últimos anos. A autofagia foi identificada como processo chave na manutenção da sobrevivência e proliferação celular, pois permite que o tumor sobreviva em condições de hipóxia, baixa oferta de nutrientes, inflamação e presença de quimioterápicos. Diversos fatores de risco estão relacionados com o desenvolvimento de adenocarcinoma ductal pancreático (ADP) e promoção de autofagia. Além disso, a autofagia também desempenha papel importante na resistência terapêutica, uma vez que diminui a dependência do tumor aos nutrientes externos e bloqueia a penetração do fármaco na célula tumoral. OBJETIVO: Avaliar de que forma processos autofágicos atuam na fisiopatologia do ADP, sua importância para a sobrevivência do tumor e para o desenvolvimento de resistência aos quimioterápicos utilizados no tratamento. MATERIAL E MÉTODOS: Revisão bibliográfica de artigos publicados até 2019 nas bases de dados eletrônicas, utilizando-se as palavras chave cancer, pancreas, autophagy e resistance. RESULTADOS: A autofagia é extremamente importante para a sobrevivência tumoral, progressão da doença e metástase. Por envolver uma diversidade de proteínas, vários alvos moleculares já foram identificados como promissores no tratamento do ADP. Além disso, a inibição da autofagia está diretamente relacionada a uma maior sensibilidade do tumor aos quimioterápicos. Identificaram-se vias moleculares e genes associados à autofagia que, quando inibidos, levaram a um aumento de apoptose e retardaram a progressão da doença, além de aumentar a sensibilidade a outros fármacos. CONCLUSÃO: Como o ADP é um tipo de câncer com um nível basal de autofagia maior do que a maioria dos cânceres, utilizá-la como abordagem terapêutica pode ser interessante no tratamento. Apesar dos resultados serem promissores na indução de morte celular por inibição da autofagia, a maior aplicação desta abordagem se dá pelo aumento da sensibilidade do tumor aos outros quimioterápicos. Dessa forma, o tratamento antiautofágico serve como auxiliar na terapia e permite efeito sinérgico com outros fármacos, diminuindo a alta taxa de resistência observada no ADP.
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1. INTRODUÇÃO
1.1 Panorama geral e epidemiologia
O câncer de pâncreas representa menos de 3% dos casos de câncer
no mundo, sendo o décimo primeiro tipo de câncer mais comum no mundo,
segundo dados de 2012 (FERLAY, J et al., 2015). Entretanto, devido à sua rápida
progressão, dificuldade de diagnóstico precoce e agressividade, é considerado um
dos tipos mais letais e com menor expectativa de vida após o diagnóstico, sendo o
quarto maior causador de mortes dentre todos os tipos de câncer (BOONE, B et
al., 2017). Dados da GLOBOCAN 2012 mostram que o câncer de pâncreas é
responsável por mais de 330.000 mortes por ano, representando cerca de 4% de
todas as mortes (FERLAY, J et al., 2015). A estimativa é de que se torne a
segunda maior causa de mortes por câncer até 2020, estando atrás apenas do
câncer de pulmão. Estima-se que em 2017 houve aproximadamente 53.600 casos
nos EUA, sendo cerca de 43.000 óbitos. O subtipo mais comum do câncer de
pâncreas é o adenocarcinoma ductal pancreático (ADP), representando mais de
90% dos casos (BIANCUR, D et al., 2018).
Foi verificada maior incidência do câncer de pâncreas em países
desenvolvidos, especialmente na América do Norte e oeste europeu. Os menores
números de casos registrados concentram-se na região central do continente
africano e centro-sul asiático. Apesar da incidência ser levemente maior em
indivíduos do sexo masculino, não existe um motivo claro que diferencie a
incidência de câncer de pâncreas em cada sexo. O motivo da incidência ser maior
em algumas regiões do que em outras ainda é desconhecido, mas deve-se
provavelmente à maior ou menor exposição aos fatores de risco da doença. A
figura 1 resume os dados epidemiológicos de incidência de câncer pancreático em
todos os continentes (ILIC, M et al., 2016).
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Figura 1: Incidência e mortalidade por câncer pancreático em 2012
Fonte: ILIC, 2016
A mortalidade devida ao câncer de pâncreas é diretamente
proporcional à idade, sendo que 90% das mortes registradas ocorrem após os 55
anos. A incidência e mortalidade são extremamente próximas, devido à alta
letalidade da doença, sendo consequência do diagnóstico tardio e falha
terapêutica. Atualmente, ainda não existe uma forma eficaz de diagnóstico
precoce, refletindo numa taxa de sobrevivência muito parecida entre países
desenvolvidos e subdesenvolvidos (ILIC, M et al., 2016).
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Quando detectado precocemente, a pancreatectomia é
recomendada, pois o tumor ainda não se espalhou para outros órgãos. Na prática,
o que se observa é que apenas 10% dos casos de câncer pancreático são
diagnosticados numa fase ainda possível de realizar a remoção cirúrgica do órgão,
enquanto que a grande maioria dos casos é detectada tardiamente, em um
estágio onde o tumor já apresenta sinais de metástase e a cirurgia não impediria o
avanço da doença (ILIC, M et al., 2016).
Apesar dos avanços recentes na pesquisa e compreensão da fisiopatologia
do ADP, apenas 7% dos pacientes sobrevivem 5 anos ou mais após o diagnóstico.
A maioria dos casos é diagnosticada em fases tardias da doença, onde já existem
sinais de metástase e o tratamento permanece inespecífico e pouco eficaz. Os
avanços recentes no tratamento envolvem novas abordagens terapêuticas,
substituindo a monoterapia pela terapia em conjunto com 2 ou mais fármacos.
Alvos terapêuticos relacionados a mutações no DNA e imunoterapia, que já se
mostraram eficazes no tratamento de outros tipos de câncer, ainda não atingiram
benefícios comparáveis para o câncer de pâncreas, havendo a necessidade de
mais estudos (CINTHYA, S et al., 2016).
1.2 Fatores de risco
Da mesma forma que para outros tipos de câncer, o câncer de
pâncreas não possui uma causa bem definida. Trata-se de uma doença
multifatorial, onde a atuação de diversos fatores de diferentes naturezas pode
elevar ou diminuir o risco de desenvolvimento da doença. No entanto, já se sabe
de alguns fatores de risco que aumentam a chance de aparecimento de câncer
pancreático. Esses fatores podem ser classificados em ligados ao hospedeiro e
ambientais, ou não modificáveis e modificáveis (MIDHA, S et al., 2016).
Os fatores modificáveis são aqueles que geralmente estão
relacionados com o estilo de vida do paciente e ambiente, como dieta não
vegetariana, tabaco, obesidade, exposição a xenobióticos e consumo de álcool.
Os fatores não-modificáveis incluem histórico familiar (genética), idade, sexo,
7
grupo sanguíneo, etnia, pancreatite crônica e diabetes (MIDHA, S et al 2016). Os
fatores modificáveis e não modificáveis são aqueles para os quais há evidência
científica da relação com um maior ou menor risco de desenvolvimento de câncer
de pâncreas. No entanto, existem outros fatores que são classificados como
fatores suspeitos e/ou protetores, pois apesar de haver evidências sobre sua
relação com câncer pancreático, ainda não se tem certeza da associação. Esses
fatores incluem consumo de alguns medicamentos e alergias (SøREIDE, K et al.,
2015).
1.2.1 Fatores não-modificáveis ou associados ao hospedeiro
Idade
O câncer de pâncreas é uma doença que prevalece em indivíduos
mais velhos. Isso se deve ao acúmulo de mutações genéticas que acontecem ao
longo da vida, exposição a diversos fatores de risco, aparecimento de lesões,
estresse oxidativo, infiltração de gordura no pâncreas, atrofia do lóbulo central,
entre outras modificações (MATSUDA, Y 2019).
Genética
A incidência de câncer de pâncreas é particularmente maior em
indivíduos com histórico familiar da doença, onde pelo menos 3 parentes de
primeiro grau foram diagnosticados, sugerindo uma forte influência genética no
risco de desenvolvimento da doença. Mutações no gene BRCA2 foram reportadas
como sendo as mais comuns nos pacientes cujo histórico familiar é importante,
mas também já existem relatos de outros genes sugestivos na transmissão
genética familiar, como o PALB2. A identificação e estudo da importância familiar
no risco de desenvolvimento de câncer pancreático pode contribuir para o
diagnóstico precoce de pacientes identificados como alto risco, aumentando muito
a expectativa de vida desses pacientes (LU, C et al., 2015).
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Apesar da maioria dos casos de câncer de pâncreas serem
esporádicos, pacientes cuja família já apresentou pelo menos um caso em algum
parente de primeiro grau devem ser observados com maior cautela. O número de
casos de câncer pancreático familiar está na faixa de 4-10% e, nesses casos,
contava-se com pelo menos 3 casos em parentes de primeiro grau. Diversas
síndromes genéticas, como a síndrome de Peutz-Jeghers, pancreatite hereditária,
síndrome de Lynch já foram identificadas como fatores de risco para câncer
pancreático em pacientes com histórico familiar dessas síndromes
(MATSUBAYASHI, H et al., 2017).
Etnia
Estudos epidemiológicos sugerem que a incidência de câncer de
pâncreas é maior em negros do que em brancos, hispânicos e asiáticos, assim
como a taxa de mortalidade. Um estudo mais detalhado das diferenças entre estas
populações é necessário para explicar os dados observados. Um pior prognóstico
está associado à idade mais avançada, cor negra da pele e sexo feminino devido
à resposta ao tratamento. Algumas hipóteses incluem a exposição das diferentes
etnias aos outros fatores de risco, como fatores nutricionais, obesidade, tabaco,
entre outros (NIPP, R et al., 2017).
Grupo sanguíneo
Apesar de ainda ser discutido se realmente existe uma relação ou
não entre grupo sanguíneo e câncer pancreático, diversos estudos
epidemiológicos em várias populações diferentes observaram que a incidência da
doença em indivíduos dos grupos A, B ou AB é maior que naqueles do grupo O.
Particularmente o grupo A apresenta uma chance maior de desenvolver câncer de
pâncreas, mas ainda não se tem uma explicação clara sobre a interferência
desses antígenos no desenvolvimento da doença (GONG, Y et al., 2012).
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Algumas hipóteses são que processos inflamatórios associados ao
sangue segundo a classificação ABO promovem progressão e metástase do
câncer. Polimorfismos nos genes desses antígenos estão ligados aos níveis
sanguíneos de selectina-E, selectina-P e molécula de adesão intercelular solúvel 1
(sICAM1), que são proteínas envolvidas no recrutamento de células do sistema
imune, estando envolvidas na resposta inflamatória sistêmica. Essa relação
sugere ligações diretas com a iniciação e progressão do tumor, evidenciando uma
possível interferência do grupo sanguíneo no desenvolvimento do câncer
pancreático (LI, X et al., 2018; RISCH, H et al., 2013; EGAWA, N et al., 2013).
Pancreatite crônica
A relação entre pancreatite crônica e câncer pancreático já é bem
estabelecida, apesar de os mecanismos moleculares ainda não serem totalmente
compreendidos. Pacientes com pancreatite crônica possuem um risco muito maior
de desenvolver câncer de pâncreas. Isso se deve à instalação de processos
inflamatórios crônicos no órgão, que levam a uma série de alterações genéticas,
estresse oxidativo e elevam a chance de ocorrência de mutações em genes
ligados à proliferação celular (RAIMONDI, S et al., 2010).
Diabetes mellitus
Casos de pacientes com diabetes e câncer pancreático são
reportados há mais de 150 anos. Diversos estudos epidemiológicos relataram que
diabetes pode elevar o risco de desenvolvimento de câncer de pâncreas em até
80%. Além disso, observou-se que o risco relativo é inversamente proporcional à
duração do diabetes, ou seja, pacientes com histórico de diabetes superior a 5
anos apresentaram menor risco relativo de câncer pancreático do que pacientes
com histórico mais curto de diabetes, podendo chegar à redução de até 50% do
risco. Diversos estudos sugerem que o câncer de pâncreas pode induzir o órgão a
10
um estado diabético, mas os mecanismos desta indução ainda não são
compreendidos (HUXLEY, R et al., 2005).
1.2.2 Fatores modificáveis ou ambientais
Obesidade
Um dos motivos pelos quais o número de casos de câncer de
pâncreas e sua mortalidade vêm crescendo é o aumento da incidência de
obesidade, a qual já é reconhecida como um forte fator de risco para o
desenvolvimento da doença. Uma análise recente do Instituto Nacional de Saúde
dos Estados Unidos revelou que aproximadamente 17% dos casos de câncer
pancreático (do tipo ADP) são atribuídos ao excesso de peso corporal (CHANG, H
et al., 2019).
Além de elevar o risco, a obesidade também implica em um pior
prognóstico, não somente por dificultar o tratamento devido a influências na
farmacocinética e farmacodinâmica dos antitumorais, mas também por causar
alterações no microambiente do tumor. Os mecanismos pelos quais a obesidade
influencia no desenvolvimento de ADP são múltiplos e estão relacionados a
eventos inflamatórios e mudanças metabólicas que favorecem o crescimento e
sobrevivência do tumor. O principal evento descrito é inflamação do tecido
adiposo, acumulado em excesso, em caso de obesidade, no pâncreas (CHANG, H
et al., 2019).
Dieta
Devido à dificuldade de diagnóstico precoce e baixa expectativa de
vida, diversos estudos exploram maneiras de reduzir o risco de câncer pancreático
estudando-se a influência que várias classes de alimentos podem ter no
desenvolvimento da doença. Frutas (especialmente cítricas, que possuem
flavonoides), vegetais, grãos e peixes não fritos parecem contribuir para a redução
11
do risco de câncer de pâncreas, enquanto gordura, açúcar refinado e carne
vermelha (dependendo do modo de preparo) podem possuir uma relação com o
desenvolvimento da doença. Café e chás não apresentaram impacto no risco de
câncer de pâncreas (PERICLEOUS, M et al., 2012; GHADIRIAN, P et al., 2010).
Álcool e Tabaco
O fumo de tabaco e consumo de álcool ocorrem frequentemente de
modo concomitante e são os fatores mais importantes que estão relacionados a
um maior risco de desenvolvimento de câncer pancreático. Cerca de 14% dos
pacientes são fumantes e 3% consomem álcool. A exposição do pâncreas ao
tabaco e ao álcool causa uma série de alterações na expressão de proteínas que
estão relacionadas à progressão do câncer, infiltração de macrófagos do tipo M2
(os quais suprimem a ação do sistema imune e permitem aumento das lesões
pancreáticas) e fibrose do tecido (KORCK, M et al., 2017).
Infecções
Infecções por hepatite B e C foram evidenciadas em 2 estudos
epidemiológicos como sendo fatores de risco para desenvolvimento de câncer
pancreático, sendo que a hepatite B possui uma relação mais forte com a doença
do que a hepatite C, embora os mecanismos destas interações não estejam bem
estabelecidos (EL-SERAG, H et al 2009; HASSAN, M et al., 2008).
1.2.3 Fatores protetores
Alergias
Estudos epidemiológicos sugerem que histórico de alergias,
especialmente as alergias respiratórias, estão relacionadas com um menor risco
de desenvolvimento de câncer de pâncreas. Ainda não são conhecidos os
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mecanismos que expliquem como as alergias contribuem para diminuição do risco
de desenvolvimento da doença. No entanto, sabe-se que alergias estão ligadas a
um maior nível de imunoglobulina E (IgE) no sangue, a qual é capaz de identificar
e eliminar células potencialmente cancerosas. O envolvimento de mastócitos
(importantes em reações alérgicas) ainda não é bem estabelecido, pois podem
produzir substâncias que induzem à apoptose de células tumorais, como fator de
necrose tumoral (TNF) e interleucina 4 (IL-4), mas também liberam fator de
crescimento vascular endotelial (VEGF), que promove crescimento celular
(COTTERCHIO, M et al., 2014).
Estatinas
As estatinas são uma classe de fármacos utilizados no tratamento de
dislipidemias, reduzindo o nível de colesterol do tipo LDL (Lipoproteína de baixa
densidade). Muitos estudos já reportaram outros benefícios das estatinas,
incluindo redução do risco de diversos tipos de câncer, por interferirem na
transcrição de genes associados à sinalização, crescimento celular e
imunomodulação, contribuindo com um estado anti-inflamatório dos órgãos.
Evidências recentes mostraram que o consumo de estatinas está associado à
redução da expressão de Yes-associated proteins (YAPs), fator de crescimento de
tecido conjuntivo (CTGF) e indutor angiogênico rico em cisteína 61 (CYR61), que
são proteínas ligadas ao desenvolvimento de ADP (HAO, F et al., 2019).
Aspirina
A aspirina é um medicamento utilizado como analgésico, anti-
inflamatório e anticoagulante. Estudos recentes revelaram que a aspirina também
possui ação preventiva em diversos tipos de câncer, incluindo o pancreático,
sendo observado retardo no aparecimento de lesões neoplásicas no pâncreas.
Sabe-se que as células pancreáticas levam pelo menos de 10 a 15 anos para
iniciarem o processo carcinogênico. O uso da aspirina nesse período pode
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diminuir a velocidade do processo, retardando o surgimento da doença.
Recentemente foram relatados diversos alvos moleculares na fisiopatologia do
ADP nos quais a aspirina atua e poderia contribuir com o tratamento da doença
(JIANG, M et al., 2016).
1.3 Metabolismo do câncer, autofagia e microambiente
Para que um tumor possa sobreviver e proliferar de forma
incontrolável, alterações metabólicas são necessárias de modo a permitir o uso de
nutrientes para fins de sobrevivência, invasão tecidual e metástase. Ao comparar
o metabolismo de tecidos normais com tecidos cancerosos, observa-se que o
consumo de nutrientes neste é muito maior e a sinalização celular também está
alterada, para que o tumor disponha de energia suficiente para sobreviver. As
alterações mais comumente observadas incluem aumento do consumo de glicose,
glutamina, serina, metionina, arginina, maior atividade do ciclo da ureia, produção
de acetil-CoA, síntese de lipídeos, consumo de oxigênio e autofagia (VASQUEZ, A
et al., 2016).
A autofagia é particularmente importante no câncer de pâncreas,
uma vez que a baixa irrigação sanguínea torna a disponibilidade de nutrientes
baixa. Dessa forma, a autofagia permite que o tumor utilize suas próprias
organelas celulares para gerar os nutrientes básicos de sobrevivência. Processos
autofágicos ocorrem em condições fisiológicas normais de forma frequente, mas o
aumento da autofagia já foi relacionado com diversas doenças
neurodegenerativas e câncer. Trata-se de um processo envolvendo o lisossomo
onde a célula degrada os próprios componentes celulares para gerar nutrientes
básicos para a sobrevivência em condições de estresse oxidativo, hipóxia,
inflamação e baixa oferta de nutrientes. Estas condições precedem a iniciação das
lesões pancreáticas e são típicas em pacientes com câncer pancreático
(ROPOLO, A et al., 2012).
De forma geral, a autofagia se inicia com a formação de uma
vesícula, denominada fagoforo, que captura organelas danificadas, proteínas,
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lipídeos e outros componentes citoplasmáticos. Após a captura, o fagoforo forma
uma dupla membrana, tornando-se um autofagossomo para então fundir-se com o
lisossomo e formar o autolisossomo, ocorrendo liberação de enzimas do tipo
hidrolases para quebrar as macromoléculas em componentes básicos para o
metabolismo celular, como nucleotídeos, aminoácidos e ácidos graxos. As etapas
do processo autofágico estão esquematizadas na figura 2 (BOONE, B et al.,
2017).
Figura 2: Componentes e produtos da autofagia
Fonte: BOONE, 2017
Existem pelo menos 3 tipos de autofagia, incluindo microautofagia,
macroautofagia e autofagia mediada por chaperonas. No entanto, para o câncer o
tipo mais importante é a macroautofagia. A maquinaria molecular da autofagia é
extremamente complexa e envolve diversas proteínas. Mais de 30 genes
diferentes já foram descritos como autofagia-relacionados, sendo que a maioria é
funcional nos humanos. A indução da autofagia ocorre pela via AMP cíclico-
proteína quinase A (cAMP-PKA), que causa inibição da proteína mTOR (Alvo de
Rapamicina em Mamíferos), resultando na formação do complexo quinase
PI3KC3-Beclin1 (também conhecido como Atg6), responsável pela nucleação do
fagoforo. Para formação do autofagossomo, 2 sistemas de conjugação ubiquitin-
like são necessários, Atg8 e Atg5-Atg12-Atg16. Esses sistemas permitem que a
Cadeia leve 3 da Proteína Associada ao Microtúbulo (LC3) seja convertida em
LC3-II, por meio de uma reação de lipidação. A LC3-II é essencial para a formação
do autofagossomo e pode ser degradada pelo autolisossomo após se ligar à
proteína p62, ativando cascatas intracelulares de autodegradação. A proteína
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associada à membrana lisossomal 1 e 2 (LAMP1 e LAMP2) e a GTPase RAB7
estão envolvidas na junção do autofagossomo com o lisossomo para formação do
autolisossomo, seguido da liberação das enzimas digestivas e degradação do
conteúdo (KANG, R et al 2012; NEW, M et al., 2017).
O microambiente do tumor é essencial para promoção da autofagia e
diversos processos e condições simultâneas do microambiente favorecem
sinalização celular para autofagia. Hipóxia, baixa disponibilidade de nutrientes,
acidose, radiação e quimioterápicos levam a uma liberação de proteínas
sinalizadoras de danos por células do microambiente, como a HMBG1 (High
mobility group box 1), que se liga ao receptor específico para produto final de
glicação avançada (RAGE) e desencadeia estresse metabólico e um
microambiente inflamatório, desencadeando a autofagia. Como células tumorais
estão em rápido crescimento, necessitam de grandes quantidades de nutrientes, o
que leva a um rápido consumo dos nutrientes disponíveis no microambiente e
então as células passam a realizar autofagia para suprir suas necessidades
energéticas. Na figura 3 está esquematizada a interação entre células tumorais e o
microambiente (BOONE, B et al., 2017; KIM, S et al., 2015).
Figura 3: Componentes do microambiente que afetam a autofagia.
Fonte: BOONE, 2017
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2. OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho é avaliar a importância do processo autofágico
dentro da fisiopatologia extremamente complexa do câncer de pâncreas, com o
intuito de esclarecer a relação entre níveis de autofagia, gravidade da doença e
sucesso no tratamento farmacológico.
Além disso, busca-se também destacar a contribuição da autofagia na
resistência à resposta terapêutica frente aos tratamentos farmacológicos. Com
isso, contribuir para a identificação de possíveis novos alvos terapêuticos com
base nos mecanismos moleculares da autofagia e sua importância para o
desenvolvimento e progressão da doença.
3. MATERIAL E MÉTODOS
Foi conduzida uma revisão bibliográfica de estudos que tratam da
importância da autofagia na fisiopatologia do câncer de pâncreas, considerando
progressão da doença e resistência terapêutica. Foi realizado um levantamento
das contribuições mais recentes sobre este tema em bases eletrônicas de dados
científicos, como Pubmed, Web of Knowledge, Scielo e SciFinder. O período
considerado incluiu todas as publicações até o momento, com destaque para as
revisões que abordam a autofagia em câncer pancreático. As palavras chave
utilizadas na pesquisa foram cancer, pancreas, autophagy e resistance.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Papel da autofagia na fisiopatologia do ADP
A fisiopatologia do ADP é complexa e envolve várias etapas. A
iniciação e progressão resultam da interferência de fatores genéticos e ambientais
já previamente discutidos. Observa-se que 90% dos casos de ADP possuem
mutação no proto-oncogene KRAS (vírus do sarcoma de rato Kirsten), que já pode
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ser detectada nas lesões pré-neoplásicas, denominadas lesões PanIN. Os sinais
oncogênicos do KRAS mutado levam as células tumorais a uma metaplasia ductal
acinar, que é essencial para formação das PanIN’s. Além do KRAS, outros genes
já foram identificados como importantes na progressão do estágio PanIN para o
câncer invasivo, como o CDKN2A (inibidor 2A de quinase dependente de ciclina),
p53 (proteína p53) e SMAD4 (membro 4 da família SMAD). Com o aumento das
lesões e progressão da doença, observa-se que a atividade da autofagia também
aumenta, uma vez que a demanda energética das células passa a ser maior e a
disponibilidade de nutrientes no sangue é insuficiente, sendo necessário recorrer à
autofagia para suprir suas necessidades metabólicas. A figura 4 mostra a relação
entre mutações gênicas, autofagia e progressão da doença até ADP propriamente
dito (LOVANNA, J et al 2017; KANG, R et al., 2012).
Figura 4: Mutações gênicas e autofagia na progressão do ADP
Fonte: KANG, R et al
A autofagia possui diferentes papeis em diferentes estágios do ADP,
impedindo tumorigênese, mas promovendo crescimento de tumores já formados.
As células tumorais do ADP possuem um nível basal de autofagia maior do que a
maioria dos cânceres e isso se deve às cascatas metabólicas ativadas pelo KRAS.
Os altos níveis de autofagia previnem o acúmulo de espécies reativas de oxigênio
(EROs) e consequentemente danos ao DNA. Fornecem também, por meio da
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degradação de lipídeos, ácidos carboxílicos intermediários que são necessários
para a atividade do ciclo de Krebs, acompanhada da fosforilação oxidativa e
produção de ATP, mantendo a mitocôndria funcional para o crescimento tumoral
(GUKOVSKY, I et al., 2013).
A regulação da autofagia ocorre por diversas vias que incluem vários
genes e proteínas. Apesar de os mecanismos pelos quais essas vias regulam a
autofagia não estarem totalmente elucidados, algumas já foram identificadas como
sendo importantes para promoção de autofagia no ADP e sobrevivência celular. A
proteína vacuolar 1 induzida por carência nutricional (VMP1) está associada à
formação de LC3-II e, portanto, possui um papel importante na indução de
autofagia. A inibição de mTOR induz expressão de VMP1, que interage com o
complexo PI3KC3-Beclin1 no fagoforo e é controlada por KRAS pela via fosfatidil
inositol 3 quinase (PI3K) (NEW, M et al., 2017).
A autofagia também desempenha papel importante na progressão do
ADP para fases mais avançadas e permite metástase do tumor, por promover
sobrevivência celular. Observa-se que em pacientes com níveis mais altos de
LC3-II, um importante biomarcador de autofagia, a taxa de invasão perineural
(PNI) e metástase para os linfonodos é maior. Considerando que PNI ocorre em
pelo menos 80% dos casos de ADP e que este tipo de câncer é altamente
dependente de autofagia, a relação entre os 2 eventos é comumente observada.
Além disso, estudos indicam que a autofagia possui uma contribuição maior para
promover metástase do que os fatores de risco mencionados, incluindo-se
também tamanho e localização do tumor (YANG, Y et al., 2017).
No contexto de ADP, muitos fatores atuam de forma dinâmica para
influenciar nos processos autofágicos realizados pelo tumor para garantir
sobrevivência em condições extremas. O microambiente nestas condições é
fundamental para que interações moleculares com as células tumorais ativem
cascatas de sinalização que resultem em autofagia. Aqui serão listados alguns
fatores e como ocorrem essas interações (ROPOLO, A et al., 2012).
19
Hipóxia
O ADP é um câncer com baixa irrigação sanguínea, devido à sua
localização anatômica. Sendo assim, a oferta de oxigênio é baixa, causando
hipóxia no microambiente tumoral. A hipóxia causa uma série de alterações
moleculares que induzem autofagia nas células tumorais e aumentam a
sobrevivência do tumor. Essas alterações incluem aumento da produção de
espécies reativas de oxigênio, que suprimem a atividade da proteína Akt. Esta, por
sua vez, é importante na ativação da mTOR, que regula negativamente processos
autofágicos na célula. Como no ambiente de ADP, Akt está inibida, mTOR não
será ativada, permitindo iniciação das etapas da autofagia (JOSHI, S et al., 2016).
Inflamação
O ambiente inflamatório tumoral é importante para promoção da
autofagia e sobrevivência celular. Estudos indicam que a inflamação é
responsável pelo aumento de expressão do receptor RAGE, que está diretamente
relacionado com sobrevivência das células a agentes citotóxicos e também com a
inibição da mTOR. Além disso, RAGE limita vias apoptóticas nas células de ADP,
por meio de processos p53 dependentes e facilita a formação do autofagossomo
por aumentar os níveis do complexo Atg6 (KANG, R et al., 2010).
Quimioterapia
Diversos quimioterápicos podem induzir autofagia em células de
ADP. Isso se deve ao aumento do estresse metabólico causado por esta classe de
fármacos nas células tumorais, ativando vias autofágicas, principalmente pela via
Akt-mTOR. Gencitabina, sorafenibe, complexos de platina, glicosídeos
antraquinônicos, irinotecano, doxorrubicina e capecitabina são exemplos de
fármacos indutores de autofagia. Em resposta a essa indução, as células tumorais
20
desenvolvem resistência aos quimioterápicos e conseguem sobreviver e proliferar
(ROPOLO, A et al., 2012).
4.2 Efeitos da inibição da autofagia em ADP e resistência terapêutica
Como o câncer de pâncreas é um tipo de câncer com maior
dependência de autofagia do que a maioria dos cânceres, utilizá-la como alvo
terapêutico passa a ser interessante, uma vez que existem diversas proteínas de
sinalização intracelular envolvidas no desencadeamento de processos
autofágicos. De forma geral, os antiautofágicos são classificados como inibidores
precoces, que atuam na formação do autofagossomo, ou inibidores tardios, que
atuam na fusão do autofagossomo com o lisossomo (BOONE, B et al., 2017).
O primeiro fármaco identificado como inibidor de autofagia foi a
cloroquina, utilizada no tratamento da malária. Em 1989, Zeilhofer e colaboradores
demonstraram pela primeira vez o potencial anticancerígeno da cloroquina em
ADP. Após cultivar células de ADP em um meio de cultura contendo cloroquina,
observou-se que o fármaco foi capaz de inibir o crescimento das células tumorais
em todas as concentrações, enquanto células de fibroblastos expostas ao mesmo
meio de cultura continuaram crescendo, evidenciando a especificidade da
cloroquina. O estudo analisou cloroquina nas concentrações de 0, 1, 4, 6, 12 e 18
μM, sendo que o efeito de inibição do crescimento foi proporcional à concentração
de cloroquina. Esse estudo foi pioneiro na investigação da autofagia como papel
importante no estabelecimento de ADP e seu potencial terapêutico (Zeilhofer, H et
al., 1989).
Um estudo realizado por Thakur et al, publicado em 2018, avaliou o
papel do estresse metabólico no retículo endoplasmático de células de ADP na
autofagia, sobrevivência e crescimento celular. Nesse estudo, ratos com ADP
foram tratados com um inibidor de estresse metabólico (com alvo em proteínas
envolvidas na ativação de processos autofágicos) juntamente com outro
quimioterápico de ação diferente. Os resultados mostraram que a administração
conjunta dos 2 fármacos apresentou efeito sinérgico. O inibidor de autofagia foi
21
capaz de aumentar a sensibilidade das células tumorais ao outro quimioterápico,
além de promover diminuição do crescimento celular. Os conjuntos utilizados
foram cloroquina, um composto inibidor de estresse do retículo endoplasmático
chamado STF-083010, gencitabina e sunitimibe. Em todas as combinações,
observou-se que o IC50 reduziu significativamente, demonstrando que a terapia
conjunta desses fármacos é muito mais eficaz do que a administração individual.
Dessa forma, evidencia-se que a autofagia está relacionada com resistência
terapêutica e ao inibir proteínas chaves da autofagia, a sensibilidade aos outros
quimioterápicos aumenta. Além disso, apesar da autofagia ser um processo chave
na sobrevivência do tumor e sua inibição causar morte das células tumorais, a
terapia com inibidores de autofagia não deve ser única, mas sim utilizada como
terapia adjuvante a outros quimioterápicos, uma vez que a eficácia do tratamento
é aumentada (THAKUR, P et al., 2018).
Outro estudo realizado por Chen et al, em 2019, explorou o potencial
inibitório de autofagia da dantrona, uma substância encontrada naturalmente nas
raízes de Ruibarbo turco (Rheum palmatum L.). Células tratadas com dantrona
apresentaram acúmulo de LC3-II. Apesar deste acúmulo poder indicar um
aumento na geração de autofagossomos, o tratamento das células com cloroquina
e dantrona não mostrou um maior aumento na quantidade de LC3-II. Dessa forma,
este acúmulo se dá pelo bloqueio na maturação do autofagossomo e fusão com o
lisossomo, uma vez que a cloroquina é um inibidor tardio da autofagia. Os
achados então mostraram que a dantrona atua de forma semelhante à cloroquina,
inibindo a maturação da autofagia em fases tardias. O estudo ainda investigou se
a dantrona seria capaz de aumentar a sensibilidade das células de ADP à
doxorrubicina, a qual é um quimioterápico não específico utilizado no tratamento
de vários tipos de tumores, impedindo a síntese de RNA e DNA. Estudos
mostraram que, no ADP, a doxorrubicina induziu autofagia nas células por causar
estresse metabólico e genético, tornando o tumor resistente à quimioterapia com
doxorrubicina. A utilização conjunta de dantrona + doxorrubicina foi capaz de
aumentar a morte celular e sensibilidade do tumor por inibir a autofagia que
protegia o tumor do quimioterápico. O estudo utilizou doxorrubicina na
22
concentração de 0,25 mg/L e dantrona a 100 μM e os resultados mostraram que a
terapia combinada foi mais eficaz em inibir proliferação celular do que o
tratamento das células com dantrona ou doxorrubicina individualmente (CHEN, H
et al., 2019).
Yu et al analisaram o papel do zinco no ADP e sua relação com
autofagia. Sabe-se que o zinco é um elemento extremamente importante para
sobrevivência e multiplicação celular e que concentrações anormais deste
elemento podem induzir a danos no DNA e iniciar o processo carcinogênico.
Identificou-se que a concentração de zinco em ADP é maior do que em tecidos
saudáveis e que desempenha um papel de regulação positiva na autofagia. Sendo
assim, o objetivo do estudo foi avaliar os efeitos do composto N,N,N,N‐tetrakis(2‐
piridilmetil)‐etilenediamina (TPEN), que atua como um quelante de zinco, na
inibição do crescimento tumoral de ADP e autofagia em amostras de tecido
pancreático tumoral obtidas de pacientes que foram submetidos à remoção
cirúrgica do pâncreas. Os resultados mostraram que, na concentração de 6 μM e
incubação por 24 horas, o TPEN foi capaz de reduzir em 80% a proliferação de
células tumorais de ADP, inibiu a progressão do tumor, aumentou a produção de
espécies reativas de oxigênio, levando a um estresse metabólico, sendo o pico
atingido após 12 horas. TPEN também foi capaz de atuar na autofagia e os
resultados evidenciaram que o fluxo de autofagia nas células tratadas com o
quelante foi menor do que no grupo controle e que o provável mecanismo de ação
do TPEN na autofagia é a inibição da atividade lisossomal. Nas células tratadas, a
técnica de western-blot mostrou que a razão LC3-II/I foi maior do que no grupo
controle (figura 5), mostrando o potencial terapêutico de quelantes de zinco no
tratamento do ADP e importância deste elemento na sobrevivência do tumor (YU,
Z et al., 2019). A razão LC3-II/I aumentada indica que a inibição da autofagia
ocorre na etapa de fusão do autofagossomo com o lisossomo, dessa forma a LC3-
II não é degradada e ocorre acúmulo.
23
Figura 5: Relação LC3-II/I em células tratadas com TPEN versus controle
Fonte: Yu, 2019
Bryant et al analisaram diferentes abordagens para tratamento de
ADP utilizando inibidores de autofagia, de KRAS e da proteína ERK, que é
importante para proliferação das células tumorais. Após a supressão da atividade
de KRAS em células de ADP por meio de um oligonucleotídeo micro RNA,
observou-se que o fluxo de autofagia aumentou de 2 a 10x em comparação com o
grupo controle. Juntamente com esse achado, as células tumorais foram tratadas
com um inibidor específico de ERK, denominado SCH772984 (ERKi) e os
resultados mostraram um aumento na autofagia em até 30 vezes após 24 h de
incubação das células em meio contendo ERKi. Dessa forma, o aumento da
autofagia foi entendido como um resultado estratégico de sobrevivência tumoral,
devido à inibição de outras vias importantes para a sobrevivência das células,
como as vias das quais participam KRAS e ERK sendo, portanto, uma
compensação metabólica para suprir as necessidades energéticas celulares.
Dessa forma, havendo uma maior dependência do tumor à autofagia, a inibição
desta causaria um efeito muito maior quando em conjunto com os inibidores de
KRAS e ERK do que se administrados em monoterapia. Nesse estudo,
evidenciou-se o efeito sinérgico dos inibidores de KRAS e ERK no efeito
antitumoral da cloroquina. As células tratadas com um inibidor de KRAS ou ERK e
24
cloroquina apresentaram uma taxa de apoptose muito maior do que as tratadas
somente com um dos compostos, utilizando-se técnicas de contagem de células
vivas e quantificação de metabólitos essenciais para proliferação tumoral
(BRYANT, K et al., 2019).
Wang et al observaram que o aumento da autofagia induzida por
quimioterápicos está relacionado à resistência terapêutica. Como forma de
mensurar esse aumento, o estudo monitorou os níveis do micro RNA 137 (miR-
137) em células de ADP, o qual acredita-se estar envolvido em controle negativo
da expressão de genes relacionados à autofagia e consequentemente controle da
sensibilidade das células tumorais aos quimioterápicos. O tratamento das células
com doxorrubicina causou diminuição na concentração de miR-137 e isso levou à
resistência à doxorrubicina. No experimento, uma linhagem de células foi tratada
com doxorrubicina, rapamicina (indutor de autofagia) e 3-MA (inibidor de
autofagia), gerando uma linhagem celular 7 vezes mais resistente do que a
linhagem não tratada. Nas células tratadas, observou-se que a concentração de
miR-137 era muito menor do que no outro grupo, indicando que um dos
mecanismos pelos quais o tumor adquire resistência aos quimioterápicos é pela
regulação da quantidade de micro RNAs, que estão envolvidos com a supressão
de genes que induzem autofagia. Entretanto, o mecanismo pelo qual miR-137 está
ligado à autofagia ainda não é bem esclarecido. Evidências sugerem que o miR-
137 regula negativamente a atividade de Atg5 e FUNDC1, que são genes
envolvidos diretamente com a expressão de proteínas importantes para o fluxo
autofágico e o tratamento com doxorrubicina causou aumento das proteínas
associadas a estes genes, além de outras, como a p62 (WANG, Z et al., 2019).
Um outro estudo publicado por Wang et al, em 2018, analisou o
papel do gene SMAD4 na fisiopatologia do ADP, sua importância para iniciação,
progressão e metástase da doença, assim como para promoção de resistência
terapêutica por meio da autofagia. Estima-se que em 55% dos casos de ADP, há
uma mutação no SMAD4 que representa um pior prognóstico e está associado a
maiores dificuldades no tratamento do câncer. Nesse estudo, foram utilizados
silenciadores de SMAD4 (micro RNAs) para avaliar os efeitos no ADP. Células
25
tratadas com os micro RNAs apresentaram maior resistência à radiação ionizante
do que as células não tratadas, evidenciando papel do SMAD4 na resistência do
tumor à radioterapia. Além disso, observou-se que nas células tratadas, o fluxo de
autofagia era maior, quantificado pela concentração de LC3-II, o qual foi maior no
grupo tratado com depleção de SMAD4 do que o grupo não tratado. Dessa forma,
existe uma relação evidente entre o gene SMAD4, autofagia e resistência ao
tratamento radioterápico e quimioterápico. A autofagia permite que o tumor
dependa menos de nutrientes externos e possa utilizar a própria maquinaria
celular para produzir componentes básicos necessários à sobrevivência. Por conta
dessa relação, tratamentos com radiação ionizante e quimioterápicos levam as
células de ADP a adaptações moleculares que aumentam o fluxo de autofagia e
permitem resistência ao tratamento (WANG, F et al., 2018)
5. CONCLUSÕES
O câncer de pâncreas é um dos mais agressivos e letais tipos de câncer já
caracterizados. A alta taxa de mortalidade e baixa expectativa de vida após o
diagnóstico tornam urgente a descoberta de novas abordagens terapêuticas e
ainda abordagens que possam reduzir a alta taxa de resistência aos
quimioterápicos mais comumente utilizados no tratamento do ADP. O grande
problema é a dificuldade de diagnóstico precoce, levando aos dados
epidemiológicos observados. Há a necessidade de desvendar biomarcadores que
indiquem precocemente o desenvolvimento do câncer de pâncreas e sirvam para
o prognóstico.
A autofagia tem se mostrado interessante e promissora abordagem
terapêutica para tratamento do ADP. No entanto, os inibidores de autofagia são
mais bem aproveitados quando utilizados em terapia conjunta com os
quimioterápicos clássicos, uma vez que grande parte da resistência observada
nesse tipo de câncer ocorre por conta de processos autofágicos celulares e
influência do microambiente e dos fatores de risco. Dessa forma, apesar de os
inibidores de autofagia também terem demonstrado efetividade na indução de
26
apoptose e bloqueio da progressão da doença, o efeito sinérgico observado
quando administrados concomitantemente com outro quimioterápico é, do ponto
de vista farmacoterapêutico, mais interessante do que a abordagem
monoterapêutica.
Por envolver um complexo de múltiplas proteínas, diversos alvos do
processo autofágico podem ser explorados a fim de testarem-se novas terapias
para reduzir a mortalidade devida ao câncer de pâncreas. Além disso, alguns
marcadores biológicos de autofagia, como a LC3-II, amplamente utilizada como
medidor de efetividade dos inibidores de autofagia, poderiam ser utilizados na
prática clínica para avaliação do prognóstico de cada caso de câncer pancreático,
estabelecendo-se uma relação entre biomarcador, nível de autofagia, taxa de
resistência e probabilidade de sucesso no tratamento farmacológico. Essas
abordagens clínicas visam à individualização do tratamento em cada paciente com
o objetivo de melhor aproveitamento dos quimioterápicos já utilizados e
contribuição para redução da mortalidade por câncer de pâncreas.
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