paraiso
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livro de poemas de Irineu VolpatoTRANSCRIPT
IRINEU VOLPATO
PARAíSO
RENARD
Direitos Reservados
VOLPATO, Irineu, V896P PARAISO, Poesia, Piracicaba: Degaspari, 1994. 52 p; 21 cm.
Santa Bérbara d´Oeste RENARD Edic 1998, 50 p. 21 cm
RENARD Ediç. 2006, 29 p. 21 cm.
1. Poesias brasileiras - I. Título
CDD: 869.915
Reprodução pemitida dês que se cite a fonte
De Guimarães Rosa Ave, Palavra:
"Ser poeta é já estar em experimentada sorte de
velhice.
Toda poesia é também uma espécie de pedido de perdão."
MEU
Quietonho um silêncio de caminho ido roído quarenta anos deídos planchados em mim
Um moleque me ainda calças toscas roçadas sapatos se despedindo pelos artelhos dos pés
Trepado por amoreiras jacas verdes untando
trançando cabresto em taboa
de burra vontade em burro chucro amontar
Arrematado esmaiado pimba-tombo no chão
Sabiá em fronde taiuva
cantar soleado na tarde -o acertei malim-maldoso moleque pedra e bodoque
Alta altaneira
além das colônias urgia casa nossa...
pedaços de em-mim em cada redor
Caras mais caras
antanhas de infância marcavam-se galhos
eram mato rubim
Carroça empuxada atrepava de morro
em passeios de infância
Céu de cima nadando arcado por nuvens
cismando desenhos
Uns tempos de "grupo" Riosinho... que nome?
Sua aula de física ensinou-me nadar
Casario miudinho meandro por vale pipocam "slides"
histórias em cortes saudades setembras
Clarineta em som troado um pistão
bufados dum bombo cordoado violão...
Meu pai... ê saudade Meus tios um avô guardados de bom
As primas desculpem entretantos contudo que gente era outra nossa vida era mato curiosa ou maldade ?
Que maldaram da casa
certa velha casinha à ponta de morro esguelha pro vale arcada aos ventos
lavada num sol onde quantos nascemos?
Um lado pra lá em longe de longe assistia nos olhos uns tombos de luz poeirão levantado
jardineira seguida cargando desejos pra longe... cidade
Histórias... ai histórias! Nenhuns nossos pais
nenhumas avós contavam quaisquer
Visitas... tão poucas
pautavam por lá Vez padre um barbudo
comum os vizinhos à busca da "nonna" pra parto dos filhos
Restados eram gritos agredidos de vozes iradas com bichos
duns burros manhosos canseiras de arado
Cantar... que cantar? Ninguém que cantava
ao me lembre nesse espinho de morro
Vou ora um caminho
desgasto pedrento seguido por mim
Borrões essas cores estampas cerzidas pedaços cosidos infância que fui
Voltar banho d'alma lembrar me compor !
Passarinha saudade
tão bom ir você saltar corgos galhos bicar manga-espada
rosada de quê?
Viajeira saudade me aborda garupa-me asas
eu que espie de cima entos anos somados enterrado-me aqui
Matriz mãe saudade
ajuda juntar me pedaços redesparsos plantados
Renova-me dentro qualquer música ida
meus sons todo-ouvidos
ecos quantos de mim!
De quando entornar por amanho de anos
pés ponham-me livres descalços deseitos travando na boca um sabor sapoti
PARAISO
I
Estação Paraiso rumeira parada ituana de trens Trem que vinha
trem se-ia vezes duas no dia ali cumprido parar
Paraiso café marengo pomar de frutas um dia usina de açucar
hoje aldeia sequer Estrada de ferro partiu caminhos de asfalto fingiram passar aqui sobrou variante de
trilha cuja ninguém previu.
II
Uma estação três linhas de trilhos
e gare armazém além Boa Vista
duas ruas de casas capelinha uma orada casario juntadinho de colmeia plantada Detrás da estação
farmácia açougue
benzedeira costureira farinheira
moinho de arroz arruado mozambo venda do meu avô
- cinco portas tortas pra rua
III
Caminhos de Paraiso para estação cada urgia
trasidos de tantas bandas: - Onça Spila Araquá
Bacuri Ressaca São Lourenço Santa Júlia Sobradinho Charqueada
vergiam de certo Recreio variados planos e vales
entremeando Apiário Pito Aceso um Quadrado
Grimpados mais de/em cima colônia de “seu” Andrade
Caminhos de Paraiso de estágio pré-menino
somente carroças eitavam com mulas passarinheiras
chucras até no trotar
IV
Quintais De meu avô esembocava em rio
rio Araquá de pervinha qualquer descanto dum mato
certa paragem vizinha Fosse cheia obrasse estio
Araquá gesto macio meio inquieto arredio escorria um jeito leito
teceram ponte de chão nelas iam tropas de burros chantaram ponte de ferro
passavam trenzins a berros de sob ia nanico Araquá Tropas tranziam fazendas trem de ferro despencava
vagonadas de frutas gordas anchas gôndolas com café
saidas dali de à pé num indo embarcar em mar
mar de ganhar o mundo Isso mínimo Araquá dessabia só trotava
por quantas beiradas de tantos quintais
um deles de meu avô
V
Outras bandas demoravam rumo dum Sobradinho
ninguém por lá intentava Mesmo seu curto caminho embicado pra Charqueada
quem abusava usar O motivo quem dizia?
Era eu demais de mínimo pra gente grande fiar-me Sei só que lá Sobradinho ninguém gostava ir andar Muitos anos tratos anos batizei filho dum primo
de demorado por lá Primo esse de enciumado
matou frio a queima-roupa minha prima sua mulher
sabe-se lá por que avença...
VI
Escola Mixta da Fazenda Paraizo Anos quarenta guardo
moleque de mato de calça e blusinha
- uniforme que tinha - onde eram os sapatos ?
Andava de légua em chão sem caminho
chegado cedinho de ver dona Diva,
professora - a primeira me doada e ficou-
me em baú relicário no junto do lado retrato de mãe
VII
Um só ano em escola Não me lembra ninguém só primeira professora
de pares cheïnha - uns olhos tamancos
- de brincos outros pares Nem ficaram outros nadas
"casinha" onde era? Que importância insistiu com quem comparti-me?
Dizer que fincou saudade? seria mentir-me de mim
VIII
Cor-córrego do Onça um acenar derradeiro
a quem saía da colônia prestes casas Boa Vista
Por em diante estirão-estrada Pasto solto em banda sul
mato entregue em vão de norte medo brabo alma da gente
Ah obrada obrigação santo dia ali passar
Quem sabia seria medo do nome de onça
que esse córgo corrigia ou água imaginação?
IX
Charqueadinha rio remava compartindo várzea nossa a desvãos de tal Olimpio Pinguela atava vizinhos Bois bravos bois irados
aos bandos em lá paravam exatos à beira barranca do rio
olhos odiando pra cá Tempo em safra moagem
Charqueadinha - esterqueirava criava nuvens sem conta mosquitos uns carapanãs
que infernavam noites de várzea
X
Moramos um Pito Aceso onde várzea despedia-se dali em frente só morros
Somei lembranças ali tantas fotos embromadas velhas poucas as guardei
Frente ali rua era terra detrás lavando quintais
perseía corgo manso que se fundia ao Araquá Porteira uma trancava caminho de ir colônias
Pau d'alho dos centenários seu folhame toldava
toda paisagem ao Sobrado
Domingo de/em Pito Aceso todo mundo vinha ser
moçoilas - vestido limpo cabelos lustro-asseados
pés em chão riso de boca
Entrecruzados caminhos em sapatão range-range
vinham rapazes de
camisas calças em brim que vezes teciam namoro vezes só de mangação
com as moçoilas só rindo
E domingo escorria vadio pais em soleiras de portas
nas mansas cadeiras bulhavam prosas sendeiras
Na viela em Pito Aceso
também vagavam moleques cães vadios galinhas gordas
cabras requietos burricos
Deslembro sua noite dormindo que eu dormia prestes dela
Mas ficou-me foto velha duma Antonieta
em quem eu batia sem dó
XI
Entrando sábado em noite ninguém sustentava restar por Paraiso Santa Júlia nem por lados Cuvitinga Noite alegre em Bacuri
quente baile ali espoucava Tirantes todos pra lá mais - Viola sanfona pandeiro
violão ganzá matreiro noite aviava-se longa
milonga por madrugada quando função findava e dava na volta alegre
farândula instruindo estrada Ficava-se a contar outro sábado
por de novo um baile curar
XII
Dona Cota costurava Cadas ali em Ressaca Cateto a Tamandupá de Paraíso também
periam até dona Cota -se dizia cosia bem
Só mãe nunca deu lá de procura à dona Cota
Que em banda de Cateto divisa já com Tabela se costurava era mãe
Aquele pessoal Storel
D'Avanzo uns de Coluzzo pervinham em nossa casa com suas roupas costurar
roupas velhas refazer tanto trapo remendar
PONTA DO MORRO
I
Uma ponta de morro nasceu-me peguei dela torta herança
me enleei de ida lida - verde mato alto inculto
- azul alma de sonhar - vermelho côr-hora-incerta
- roxo sulco de arar Não me estranhem- por favor por outrem doutrem lugar !
II
Escrevia-se ziz--em-zague certa estradinha caínha subida morro ida acima
sumida banda outro lado Ardia me sempre acendendo
sei lá quão me cotucava no se passava por mim quando daquela janela
nossa casa esguelha em vale mirava naquela estrada que subida se entortava
debruava curvo lado Vontade se me tomava vontade se me plantou
estrada daquela estrada trepada de morro encima quebrada-se morro iada
e ninguém por me contar estrada onde ela ia despatriada-se além
III
Casa que deu-me ao mundo semorava cume um morro com vales por dois os lados uns quietos vincos e covas Céu de em cima azul cosia
derredor só vale andava Dois caminhos iam tiravam
dali daqueles borrões -norte entre pormais usados
susseguia-se via estação estação de trem passar
Por ali sangrava tudo dês saudade antigas té ânsias se mudar... Outro penhava vale
visitando quãos vizinhos meandrico sinuado
Foi n’aí que vi o mundo nessa bem ponta de morro
- infinito se magino socorre-me estar sus lá
IV
Casa em ponta de morro urdia-se inteira com tábuas telha vã chão piso em terra
direitura norte sul montava espinha da serra
Ali me deu ser nascido como uns primos primas quens
Em ali sempre tornamos quando pai brigava o mundo
e apanhávamos nós. Em ali pai solitário
escolheu seu ser sozinho retornou viver seus bichos
té dia que vale somente sobrou-lhe pedaço herdade
Aí desmontou casa velha de tábuas deslargou saudade de morro
ancorou-se rés em vale Nem vento nem lua estranhou frinchas em tábuas copiaram
zum-zum de vento faiscas de lua untando chão
pois que tudo igual igualmente no vale fez mera repetição
V
Entre bambus córgo Araquá visitava-nos
Ruinzinho se ali nadar de nem peixe pescar Parecia bemgostava
ser só limite entre roças
Em dia que plantaram usina dessas acúcar e álcool
à cabeceira esse rio De maio findo novembro rio Araquá se embostava
canaleta de vinhoto untanda sua fedentina todo vale ali e morros
Se cumpria ruim de sina
sem nem peixe de pescar apois de usina de cana
nem córgo fingiu-se mais
VI
Cobreiro lambeu-me perna sei lá se catiça obrada nenhum remédio sarou resultou só benzimento
dum seu Bento de Pinhal Lápis-tinta muita reza um dia ezipra curou
VII
Afinais “nonna” morreu Decidiram ponta do morro
desvalia-se insistir Demais tios venderam quotas
Só pai resistiu sobrado naquele naco de várzea
meando cara pro rio Transferiu-se e sua tapera sozinho mais certo burro
um cão e cabra constituido teimar
VIII
Vale de fértil e verde tão mais
bambus lendo o rio diacho eram chuvas dezembras-janeiras
que bebiam innteira várzea com os roçado de arroz
X
Tardes na várzea mangavam Sol fugido repente
pois que os morros se encostavam esquecia silêncio em lá
Só tintas em contornos dos morros eitavam ocaso dos dias
vultos das capoeiras desenhavam-se de nanquim
céu pintava-se nuvens
XI
Ponta do morro e o mundo mais horizontes vales
Havia trenzinho duas vezes ao dia que repetia viés
seu prumo fumando fumo grito de apito e pó
sua estrada Corcovas estradas encostas
riscadas buliam além Corgo um brocava vale
brincado de/em se esconder por meandros em ralo mato
Céu de dia lavada cara noites desmuito susto
e estrelas às carradas... Ali plantei-me de infância dês oito anos e saudade
RESSACA I
Noutro sítio um outro avô -eram bandas da Ressaca
demoramos ali uns tempos nem bem deram duas safras
Vi dali mundo maior fiz compor-me dum bodoque
matar ave-anum-branco rolinha um joão-de-barro praticantes vôo e pouso
a comer em pés de goiabas sombreados do quintal
Também lá mui tanta coisa quanto sonho de menino
amansou-me mel mansinho... noutro sítio doutro avô
II
Caminho de casa de trato de mato
trançado por árvores Ah medo que na gente batia
quando era noite de ali passar
Engasgo de peito tremuras em os pés fantasmas de folhas desgalho espantalho
maldito esse oco caminho entre mato de trato pra casa
III
Quê mesmo nome do corgo deslimite de Ressaca
de rumos em lá pra cá? Gente passava nêle cada ofício por dali - apanhar alho-sativo
em botica de D’Avanzo - de ir comprar rapadura
na engenhoca dos Colusso Vezes tempo de/em cio Ir emprestar dum boi gir e cobrir as tantas vacas
precisadas de parir ... sempre pinguela e esse córgo
se penhava perseguir
IV
Primeira queimada eu vi durando um vizinho - Spila que socou fogo em tigüera
sem aceiro não cercou Fogo driblou embestado fome em pasto vizinho
vento-serra ajudou ganindo sopros e gravou
fogo que vinha ôoou Queimada estralou fogame
esfumaçado num céu reverberado por terra
Se catou gente em Ressaca nos D’Avanzo de Tabela obrando coragem-medo
fogo tanto demais coisa de diabo e inferno
foi noite deu madrugada de briga briga danada
contra línguas labaredas derrubando tudo eitada
Povo brigou que brigou só remansou quando manhã sol proando inferno se aquietou
de fumaças derradeiras apagadas de cansar
... de primeira essa queimada apois dessa nunca mais
PAI
I
Teceu-se meu pai seleiro de/em fazenda Paraíso tocava pistão requinta
em banda dum tal Gennaro ele o pai três dos irmãos
Mãe ia de idade menina morada atrás estação
amava de ouvir a banda Gennaro irvir tocando E se deu apaixonada
por meu pai com seu pistão História no que se fez tanta coisa água lavou E tempo fez dessa mãe
casca de manga mascada de amaro que tangeu
Meu pai que de seleiro já desse mundo esqueceu
II
Dera tempo em que meu pai perseía minha frente
duas sombras de maior Vagar bem vagarinho sol caminho brincou
sombra meu pai pendeu-se qualquer buraco de chão
algum desvão nesses céus Copiei minha essa sua sombra
mesma tantinha da dele Trás minha sombra
sombras meus filhos cresceram pojados de novas sombras
de sol ir perlongar paisagens essas de sorte veredas comperseguidas
de vida e morte ... Deus louvado será!
III
Oxalá hoje entendesse solidão essa em meu pai decênios solito em vale
soidão sozinha erma buriti apenas só
Sonhos? sanhas ?
angusto por sua angústia socavando por extempos
silêncios vagos ocos pojamentos de vazios?
Perseguido-se seu nada desse naco em si sobrado restou-se arresto de nada
IV
Em que dia velho cambou da vida de terra em várzea
largou ali tudo alugado indo pousar escoteiro
em maca mal emprestada de casa com uma filha
regastar dias sobrantes que vida lhe inda devia
Até que Numa quinta
sem desleixo de explicar-se desdado de várzea alugada completou-se oco de morte
sem nem
BANDA I
Era a banda Mestre um Gennaro
se vinha de Rio Claro, vez por mês
domingas tardes ensaiava numa gare estação Meu pai era pistom
um irmão de bombardino mais novo inda menino
cangava tesa tarola. Avô - pai de todos - a tuba Outros levavam pratos clarim trompa trombone
tambores bumbo? Entre apenas e zoada
gentes cara indomada Gennaro supino mestre grimpava upa cadeira
mais rugia que ensaiava Tarde dominga emsumia-se
estrídula algaraviada
té trenzin achegar De então Gennaro partia
de vagão em ferrovia promessa em ar porfia
doutro mês se voltar
II
Um dia banda afinou Gennaro sem riu nem chorou
coçou batuta grave cabeleira borra hirsuta
sentenciou: "Dobrado número due” ...Enquanto banda se ardia caiu-lhe olhar... Lombardia se ficada... inda mocinho...
Laco di Garda... Saló... recortes degli Alpi... il Pó... por que navegou ressozinho
caminho de Gênoa Lá giga embarcou vapor...
Dor... ainda doía... Ah, fantasia... repor...
- Dobrado número due rugiu entre dentes tornando:
Ergueu verga olhar que vê sem que enxerga
comandou: "É uno, é due..." Banda bruoou reconcerta
esperta ganhou paz estrada Cortou Araquá Pito Aceso
rodou girou ir tocando
retomou novo à estação Gente em Quadrado colônias
babilônia desceu vivar até trenzim irchegar...
Banda esqueceu se parar tomada Na plataforma
do trem Gennaro partia Mão maneava batuta ensandecida Trenzim apito ardido
ê-dobrava última curva estrada indo Charqueada Até que banda estancou
Gentes se debandaram sol cansado em vermelho
pintava casas em Quadrado Araquá ardia de espelho
a nuvens sol ecos dobrados Paraíso ia dormir
outra noite paziguado
III
Gennaro alma inquietas aventuras dia bandou-se mundo nesse largo interior
Pai mais seu piston fez-se cidade tarola com tio Pedro ganhou serra morrera meu avô herdando tuba
tal Batistela e seu trombone se casaram com moça
em São Pedro Tio Gelim sem banda em
que tocar restou em ponta do morro matado saudade
suas tardes chorando bombardino olhos
em vale
IV
Paraíso transtornou-se pago triste estradinhas arruinadas colônias mal cardadas guampado por silêncios
sem chegadas mais nem partidas de trenzim
Endereço do Autor: otávio angolini, 235 - Cruzeiro
13459-467 Santa Bárbara dÓeste - SP - Brasil
2009/07 xxxiv