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Grupo Temático 1: Transparência, Governo Aberto e Participação BARRETO, A. R. M.; TEIXEIRA, E. M. B.
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PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO PÚBLICA DE
MOSSORÓ-RN
Adna Raquel de Morais Barreto1 Ester Medley Bezerra Teixeira1
RESUMO Com o processo de redemocratização após o período ditatorial e a elaboração da Constituição de 1988, o modelo de administração pública patrimonialista passou a ser substituído pelo modelo gerencial priorizando a eficiência e a participação popular na elaboração das políticas públicas. O presente artigo aborda por meio de breve revisão bibliográfica como esta transformação ocorreu na gestão pública do Brasil e em seus municípios, onde essa participação se mostra mais acentuada e efetiva. Além disso, o trabalho se propôs a investigar as formas de participação social implementadas no município de Mossoró/RN, realizando, para tanto, levantamento dos dados disponíveis nos canais oficiais de informação da Prefeitura Municipal e trabalhos anteriores que abordaram a temática na mesma localidade. Como resultados, apresenta-se uma análise da efetividade das ações desenvolvidas, bem como das dificuldades encontradas na consolidação de uma gestão democrática no município. Palavras-Chave: Políticas Públicas. Gestão Pública. Participação Popular.
1 Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA).
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1 INTRODUÇÃO
A participação social, que também pode ser chamada dos cidadãos, popular,
democrática, comunitária, entre outros, é conceituada por Milani (2008, p. 554) como
a prática de inclusão dos cidadãos e das Organizações da Sociedade Civil no
processo decisório de políticas públicas. Projetos de desenvolvimento e políticas
públicas locais considerados progressistas e inovadores têm se preocupado em
fomentar a participação dos diferentes atores sociais e criar uma rede de
informação, elaboração, implementação e avaliação das decisões políticas.
No Brasil, a Constituição de 1988 demarcou o processo de alargamento da
democracia, resultando na criação de espaços públicos e crescente participação da
sociedade civil nos debates e decisões sobre a formulação de políticas públicas.
Foram estabelecidas a participação direta por meio de referendo, plebiscito e
iniciativa popular; e a democracia participativa a partir de representação paritária de
atores governamentais e da sociedade civil em Conselhos Gestores de Políticas
Públicas, em todos os níveis de governo. (CASTRO, 2010, p. 23)
Desde então, a participação social tem sido reafirmada no Brasil como
fundamental na garantia da efetiva proteção social contra riscos e vulnerabilidades,
bem como dos direitos sociais. Além da garantia dos direitos sociais nos campos da
educação, saúde, assistência social, previdência social e trabalho, com maior ou
menor sucesso, a constituição trouxe inovações institucionais que visavam
assegurar a presença dos múltiplos atores sociais na formulação, gestão,
implementação e controle das políticas públicas. (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005,
p. 374-375)
Para Fedozzi et al (2012, p. 21), a participação, individual e coletiva, é
fundamental para a manutenção do Estado democrático, sendo este não apenas o
conjunto de instituições representativas, mas uma sociedade participativa. Dessa
forma, considerando que os municípios foram outorgados, na constituição, como as
centralidades de execução de políticas sociais, devido principalmente a estratégica
proximidade do cidadão com o governo local (BARBOSA, 2010, p. 1), este trabalho
foi realizado com o intuito de verificar as formas de participação social
implementadas no município de Mossoró/RN e analisar a efetividade de seus
resultados. Para tanto, a metodologia utilizada consistiu em breve revisão
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bibliográfica sobre os temas que envolvem a participação social na gestão pública e
sobre como ela tem se desenvolvido no país de uma forma geral e, de forma mais
isolada, nos municípios; além do levantamento dos dados disponíveis nos canais
oficiais de informação da Prefeitura Municipal de Mossoró, bem como em outros
trabalhos realizados na área.
2 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Saravia e Ferrarezi (2006, p. 28) definem política pública como um fluxo de
decisões públicas, destinadas a manter o equilíbrio social ou introduzir desequilíbrios
que modifiquem uma realidade específica. Pode ter diversas finalidades de alguma
forma desejadas pelos grupos que participam do processo decisório. Milani (2008, p.
574) esclarece que uma ação pública não se restringe à ação governamental, mas
trata-se de uma ação coletiva em que atores governamentais e não-governamentais
tomam parte de um processo político sobre um assunto de natureza pública e o nível
de intensidade dessa ação pública está associado ao grau com que os atores
envolvidos estão comprometidos com uma política pública específica.
Para Pereira (2009, p. 3), o que garante a inviolabilidade de uma política é o
seu caráter político, que indica sua legitimidade democrática e normativa, assim
como o fato desta não ser redutível ao poder discricionário dos governantes; ao jogo
de interesses particulares e partidários; ao clientelismo ou aos azares da economia
de mercado. A política pública compromete todos (inclusive a lei, que está acima do
Estado) e envolve tanto o Estado no atendimento de demandas e necessidades
sociais, quanto à sociedade no controle democrático desse atendimento.
O discurso sobre a participação social começou a surgir nos manuais de
agências internacionais de cooperação para o desenvolvimento, que apontava a
necessidade do uso de ferramentas participativas no âmbito nos programas de
reforma do Estado e políticas de descentralização, e também por parte de governos
locais que afirmavam que a participação dos cidadãos poderia promover estratégias
de inovação e de radicalização da democracia local. Além de se encontrar presente
no campo acadêmico e intelectual como resposta aos impactos nocivos do Estado-
providência na construção de uma cidadania ativa. (MILANI, 2008, p. 554)
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Silva, Jaccoud e Beghin (2005, p. 375) apontam três motivos pelos quais a
participação social é necessária à garantia dos direitos sociais, à proteção social e à
democratização das instituições: o primeiro é que a participação social é
responsável por promover a transparência na deliberação e visibilidade das ações,
contribuindo para democratização do sistema decisório; em segundo lugar, permite a
maior expressão e visibilidade das demandas sociais, permitindo que haja avanço
na promoção da igualdade e equidade nas políticas públicas; e, por fim, proporciona
à sociedade a oportunidade de intervir nas ações estatais, utilizando diferentes
movimentos e formas de associativismo, podendo defender a manutenção e
alargamento de direitos, demandar ações e executá-las.
Gohn (2004, p. 24) reforça que a participação da sociedade civil na esfera
pública não deve ter o intuito de substituir o Estado, mas sim de lutar para que este
cumpra seu dever, que é o de propiciar educação, saúde e demais serviços sociais
com qualidade e para todos. Dessa forma, a participação da sociedade civil é
importante não apenas para ocupar o espaço dos representantes de interesses
econômicos, mas principalmente para democratizar a gestão da coisa pública,
invertendo as prioridades da administração para políticas que atinjam às reais
necessidades da sociedade e não apenas questões emergenciais.
A participação social tem, portanto, relevância tanto na expressão de
demandas da sociedade como na democratização da gestão e execução das
políticas públicas. É ela que redefine a forma de interação entre os espaços
institucionais e a sociedade civil organizada, garantindo que não haja nem a recusa
à participação da sociedade, nem uma participação polarizada por parte desta, e
nem sua absorção pela máquina estatal, porque o Estado participa da negociação
entre os diferentes grupos da sociedade, mediando os conflitos e divergências nas
formas de equacionamento e resolução das questões sociais. (SILVA; JACCOUD;
BEGHIN, 2005, p. 375; GOHN, 2004, p. 29)
3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL
Até o início de seu processo de democratização, o Brasil foi considerado um
país com baixa propensão associativa, fato este que pode estar relacionado às
formas verticais de organização da sociabilidade política, herdadas do processo de
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colonização. Dessa forma, a esfera pública do país constituiu-se fraca e ampliadora
da desigualdade social gerada pela esfera privada. Somente na década de 1970
surgiria uma sociedade civil autônoma e democrática, acompanhada do crescimento
de associações civis, defesa da autonomia organizacional em relação ao Estado e
de formas populares de apresentação de demandas e negociação com o Estado.
(AVRITZER, 2006, p. 2)
Após a redemocratização vivida pelo Brasil e a promulgação da Constituição
de 1988, foi estabelecido no país um novo modelo de gestão de políticas públicas,
pautado na participação organizada da sociedade civil, na elaboração e controle da
implementação das políticas e, principalmente, fiscalização da aplicação dos
recursos públicos. Tornou-se necessário redimensionar a definição do que é
democracia. A democracia, outrora limitante da participação popular ao simples ato
de escolher seus representantes através do voto, é hoje insuficiente para explicar as
novas práticas políticas e a ampliação da participação da sociedade nas decisões e
atos públicos.
Esta redefinição foi acompanhada da elaboração de novos mecanismos que
promovessem a participação popular de modo a conferir e garantir maior eficiência
nas ações do governo. A democracia participativa proporciona novo fôlego na luta
contra a exclusão social e no alcance de uma cidadania mais efetiva. (ROCHA,
2011, p. 173)
A Constituição Federal promulgada em 1988 transportou essas características
democráticas para a gestão das políticas públicas, sugerindo um novo formato
fundamentado nos princípios da descentralização, municipalização e participação da
sociedade civil desde a deliberação das diretrizes das políticas até o planejamento,
execução e controle dos programas e projetos. (TEIXEIRA, 2007, p. 155)
Algumas formas de participação popular na tomada de decisões sobre
políticas públicas, que são estimuladas na CF/88, são o princípio de cooperação
com associações e movimentos sociais no planejamento municipal e de participação
direta da população na gestão administrativa da saúde, previdência, assistência
social, educação e criança e adolescente. Porém, é válido destacar que, apesar da
abrangência desses princípios ser nacional, a cultura política de cada região, estado
e município afeta a condução bem sucedida de políticas públicas participativas,
assim como a forma pela qual se dá essa participação. (MILANI, 2008, p. 561)
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Orçamentos participativos, conselhos de políticas públicas, fóruns e redes de
desenvolvimento local, círculos de estudos, conferências de construção de
consenso, pesquisas deliberativas e júris de cidadãos são exemplos das inúmeras
experiências de participação social que podem ser citadas. Estas tanto podem estar
ligadas ao processo de construção da cidadania e à promoção do protagonismo
autônomo da sociedade civil, como a iniciativas do poder público com a finalidade de
descentralização e modernização do Estado. (MILANI, 2008, p. 561)
Pereira (2007, p.10, 13) aponta algumas mudanças na forma de atuação do
Estado brasileiro nas políticas urbanas. Primeiramente, a construção de espaços
híbridos, em que há o compartilhamento dos poderes institucionais entre o Estado e
a sociedade civil, como é o caso do Orçamento Participativo e dos conselhos de
políticas e/ou de desenvolvimento urbano; Cooperações entre diferentes níveis de
governo, nas quais cada uma conserva suas prioridades e especificidades,
garantidas pela participação das comunidades na elaboração e execução dos
programas e no distanciamento gradativo do Governo Federal após a
descentralização constitucional. Mas, apesar de existir a responsabilização dos três
Poderes, na prática, eles ainda não possuem agendas comuns pré-estabelecidas; E,
por fim, contratos público-privados locais, em que as comunidades se tornam
partícipes e corresponsáveis pela elaboração, gestão e acompanhamento de
projetos.
De acordo com Avritzer (2006, p. 23), existem no Brasil cerca de 10.000
conselhos de políticas públicas, originadas no processo Constituinte e na legislação
que se seguiu especialmente nas áreas de saúde, assistência social e meio
ambiente. Esses conselhos são mecanismos de deliberação pública criados no
interior do Poder executivo para a participação da sociedade civil, além de
representantes de provedores de serviços privados. São instituídos nas três
instâncias da federação e por isso possuem o maior grau de institucionalidade
formal dentre as demais experiências participativas. Neles, os participantes possuem
a prerrogativa de, juntamente com o poder público, deliberar sobre as políticas,
exercer controle direto e regular as ações do governo.
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4 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NOS MUNICÍPIOS
Apesar da democracia deliberativa, intimamente associada ao conceito de
participação social, ter sido concebida como uma macroteoria, são muitas as
dificuldades para a sua prática em processos de amplo curso e larga escala, como
nacional ou regionalmente. De forma que as investigações a esse respeito têm se
dado em públicos mais restritos, como é o caso de municípios. Ainda assim, são
poucas as experiências de práticas deliberativas em sua totalidade, especialmente
em um contexto de alta desigualdade socioeconômica, como é o do nosso país.
(FEDOZZI et al, 2012, p. 24)
No início do processo de democratização no Brasil, o associativismo cresceu
nas grandes cidades e três grandes tipos de associações redefiniam a forma de
fazer política: associações religiosas; associações de classe média, que a partir do
começo dos anos 1990 seriam conhecidas como ONG’s criadas fundamentalmente
a partir de uma reestruturação da ação da esquerda brasileira durante o processo de
democratização; e associações populares concentradas em áreas como o
associativismo comunitário e o associativismo ligado a temas específicos, tais como
saúde e habitação. Entretanto, não existem muitos dados disponíveis sobre
organização da sociedade civil em pequenas cidades brasileiras. Na região
Nordeste, os poucos dados mostram que mesmo em cidades que possuem políticas
sociais participativas, há um baixo grau de associativismo. (AVRITZER, 2006, p. 5)
Com a CF/88 o Brasil atingiu o ápice da descentralização fiscal, e a
municipalização de políticas públicas foi se consolidando ao longo dos anos 1990,
assumindo diferentes ritmos de acordo com a área. Porém, isso não resultou
necessariamente em uma democratização do poder local, nem refletiu em uma
melhoria da gestão das políticas. Na maioria dos casos, o potencial transformador
da descentralização foi reduzido por consequência dos poucos controles da
sociedade sobre as ações do poder público, além da baixa qualidade da burocracia
municipal. Contudo, houve também efeitos positivos advindos das inovações
experimentadas nas políticas públicas realizadas por governos locais, como o
Orçamento Participativo, o Programa Bolsa Escola, o Programa Mãe Canguru,
dentre outros. (ABRUCIO; FRANZESE, 2007, p. 7-8)
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Barbosa (2010, p.4) ressalta que a descentralização deveria ser um indicador
de transformações no sentido da política pública, já que tinha a participação social
como decisiva no âmbito da formulação, execução e gestão das ações. De forma
que não poderia se restringir a uma simples passagem de atribuições entre entes
federativos, pois preconizava o empoderamento cidadão baseado na gestão
territorial de proximidade.
Gohn (2004, p. 24) elenca quatro razões pelas quais a participação social é
relevante no contexto local: a primeira delas é que, para ele, uma sociedade
democrática só é possível pelo caminho da participação dos indivíduos e grupos
sociais organizados; e que é a partir do plano micro que se dá o processo de
mudança e transformação na sociedade; o plano local é onde se concentram as
energias e forças sociais da comunidade, onde ocorrem as experiências,
constituindo a fonte do verdadeiro capital social; e é no território local que se
localizam instituições importantes no cotidiano de vida da população, como as
escolas, os postos de saúde etc., sendo fundamental na definição de objetivos que
respeitem as culturas e diversidades específicas, que criem laços de pertencimento
e identidade sociocultural e política.
5 PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL DE
MOSSORÓ-RN
Mossoró, localizada na região oeste do Rio Grande do Norte, é a segunda
cidade mais populosa do estado, 259.815 habitantes, segundo dados do último
censo do IBGE (2010). Possui IDH de 0,720 e, portanto, considerada de médio
desenvolvimento urbano. Suas principais atividades econômicas são a fruticultura
irrigada e a indústria salineira.
No cenário político Mossoró permanece sob o controle de grupos oligárquicos
tradicionais, em especial os Rosados, que se alternam e influenciam na
administração da cidade, direta e indiretamente, há mais de 60 anos. Como traço
característico e predominante do modo de governar dos Rosados está a criação de
instituições públicas de natureza cultural como meio de sobrevivência política.
(ALMEIDA, 2009, p. 9)
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A participação popular pode ser vista, nos últimos anos, não só nos discursos
progressistas e democráticos, pois se tornou referência para todos partidos inseridos
em um sistema de governo democrático e vêm se apresentando nos discursos e
ações da direita e esquerda.
Na Lei Complementar n° 001/2000, que dispõe sobre a organização do
quadro administrativo da Prefeitura Municipal de Mossoró, fica claro o esforço pela
adequação da gestão municipal ao novo modelo gerencial, pautado nos princípios
neoliberais e na ampliação do conceito de cidadania por meio da participação
popular, que ganhou maior espaço no Brasil em 1995 no governo de Fernando
Henrique Cardoso. (MENEZES, 2009, p. 5)
O orçamento participativo é o exemplo mais difundido no Brasil de abertura da
gestão à participação popular. Pode ser considerado uma construção coletiva onde
as classes mais desfavorecidas têm a oportunidade de participar e assumir uma
função executiva definindo e fiscalizando as ações que elas consideram prioridades.
Por meio do orçamento participativo é possível criar uma articulação eficiente entre
Estado e sociedade, mesmo quando as relações predominantes do governo sejam
inicialmente clientelistas. (ALMEIDA, 2009, p. 7)
O primeiro programa de orçamento participativo em Mossoró foi denominado
de Orçamento Cidadão e implantado em 1999, no segundo mandato de Rosalba
Ciarlini, com o intuito de promover a participação de organizações e lideranças
comunitárias no processo de elaboração do orçamento do município. Foi promovida
a discussão e exposição dos princípios e normas legais pertinentes a Administração
Pública e orçamento, de modo que, em razão dos limites financeiros, a população
pudesse apontar as prioridades na aplicação dos recursos. Estava inserida no
escopo do programa também a apresentação das atividades, projetos e obras que
estavam sendo realizadas, assim como as despesas do município. (ALMEIDA,
2009, p. 10)
No entanto, não foram destinados ao Orçamento Cidadão (OC) recursos
financeiros ou elaborados instrumentos legais que permitissem a criação de uma
organização administrativa da prefeitura que gerenciasse o programa, além disso, os
resultados não se tornaram de conhecimento da população. Almeida (2009, p. 12)
afirma que o “OC foi utilizado apenas enquanto instrumento para apoiar a
administração municipal no processo de elaboração do orçamento municipal”.
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A participação popular não esteve presente na elaboração final do orçamento,
sendo este elaborado exclusivamente pela prefeitura, ao cidadão coube apenas
informar sua necessidade, não participando da elaboração nem da execução.
Entretanto, como aponta Avritzer (2006, p. 24), deve ser papel dos participantes
deliberar, exercer controle e regular as ações do governo.
Além disso, com o não cumprimento das obras escolhidas como prioridades
pela população as reuniões foram suspensas. Fica presente nestes fatos a distorção
dos princípios do orçamento participativo, pois aparentemente o programa assume
um papel apenas de projeto de marketing elaborado pela prefeita para se adequar
às reinvindicações da população. O modelo de orçamento participativo, referência
nacional não conseguiu se consolidar. No segundo mandato de Rosalba Ciarlini
(2001-2004) não foram registradas ações relacionadas ao programa Orçamento
Cidadão. (ALMEIDA, 2009, p. 14)
A ação do governo municipal de Mossoró é regida pelas formas racionais
desprezando a importância da criação de mecanismos que assegurem a
participação, tomada de decisões e acesso da população aos programas municipais.
(MENEZES, 2009, p. 6)
Em 2004, Fafá Rosado, pertencente ao mesmo grupo político de Rosalba
Ciarlini é eleita para a chefia do executivo municipal e embora tivesse o mesmo
discurso pautado na democracia participativa não trouxe maiores avanços para este
modelo. Apenas no final de seu segundo mandato algum avanço foi feito neste
sentido. Foi sancionada em agosto de 2012 a Lei n° 2910 que estabelece o
Orçamento Cidadão como forma de participação popular na elaboração da lei
orçamentária anual (LOA). Por meio deste dispositivo a Prefeitura Municipal de
Mossoró se responsabiliza pela implementação de mecanismos que possibilitem a
participação da população em forma de consultas devendo o resultado destas serem
contemplados na elaboração da LOA. Além disto, fica estabelecido que as despesas
decorrentes da aplicação desta lei devem ser previstas no Orçamento do Município
ou financiadas por créditos adicionais. No entanto, esta lei nunca foi cumprida e a
população segue sem poder de opinião direta na elaboração do orçamento
municipal.
Em 2013, durante a breve administração de Cláudia Regina, eleita com apoio
de Fafá Rosado, foi lançado o Orçamento Interativo, estabelecido em 20% do
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Orçamento Geral do Município. A proposta do projeto era que a população, por meio
de formulário eletrônico disponível no portal da Prefeitura de Mossoró durante dez
dias, podia apontar quais obras e serviços propostos para o desenvolvimento urbano
e bem-estar social deveriam ser priorizados pela Prefeitura Municipal no ano de
2014. Mais uma vez a participação popular se restringe ao seu aspecto meramente
consultivo.
Já durante a administração de Francisco José Júnior (2013-2016) foi instituído
pela Lei n° 3.369/2015, o Fórum Permanente de Planejamento e Gestão Estratégica
denominado Projetando a Mossoró do Futuro que tinha como objetivo ampliar o
diálogo e a participação popular no planejamento e avaliação das ações do
município por meio de reuniões em vários pontos da cidade que promoviam o
contato direto do prefeito, vereadores e secretários com a sociedade civil. No
entanto, a transparência prometida e o cumprimento na aplicação de ações
propostas pela população não puderam ser observados.
Além da ausência de mecanismos que assegurem efetivamente a
participação popular na elaboração das ações municipais e o não cumprimento
daqueles já existentes, outro fator que entrava a gestão participativa é a falta de
transparência da administração.
A transparência promove o aprimoramento da execução de políticas e
legitimidade dos governos, além de fornecer aos cidadãos os meios necessários
para acompanhar e desempenhar um controle social das políticas públicas,
estimulando a responsabilidade compartilhada da gestão, garantindo resultados
melhores e de menores custos, assegurando o cumprimento das decisões tomadas
e proporcionando o acesso igualitário ao processo de elaboração das políticas
públicas e aos serviços públicos. (SOUZA et al., 2013, p. 7)
A legislação busca se adequar aos anseios de participação nas decisões da
gestão pública criando dispositivos que garantam o acesso à informação. Foi diante
deste objetivo que foi elaborada a Lei Complementar n° 131/2009 que estabelece a
disponibilização, em tempo real, de informações detalhadas sobre a execução
orçamentária e financeira da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (SOUZA
et al., 2013, p. 3).
O Portal da Transparência da Prefeitura de Mossoró apresenta várias falhas,
sendo esta a razão pela qual foi emitida pelo Ministério Público do Rio Grande do
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Norte, em fevereiro de 2016, recomendação para a correta adequação do Portal
solicitando o atendimento à Lei Complementar n° 131/2009 e, entre outros pontos, a
disponibilização atualizada dos dados detalhados relacionados à despesas e gastos
da prefeitura. Um ano após a emissão da recomendação ainda é possível encontrar
estas deficiências. O portal apresenta links indisponíveis, não discrimina os bens ou
serviços, apenas o valor pago aos favorecidos. Além disto, a página de orçamento
não é atualizada há um considerável espaço de tempo, não disponibilizando o Plano
Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual vigentes, o que
dificulta ao cidadão o conhecimento acerca das políticas que devem ser
implementadas na cidade e como acontece a utilização dos recursos arrecadados
pela prefeitura.
O município de Mossoró foi avaliado com nota zero na segunda e última
edição da avaliação da Escala Brasil Transparente (EBT), indicador desenvolvido
pela Controladoria-Geral da União (CGU) que avalia o grau de cumprimento dos
dispositivos da Lei de Acesso à Informação. Ainda ocupa a 45ª posição entre os
municípios do Rio Grande Norte no ranking da transparência do Ministério Público
Federal.
Fica evidente, portanto, o descompromisso por parte da prefeitura em facilitar
para a população o acesso às informações relacionadas a utilização de recursos
públicos.
6 CONCLUSÃO
Diante do que foi anteriormente exposto, assim como aponta Menezes (2009,
p. 7), “embora a política social na cidade de Mossoró tenha adotado um novo perfil
institucional, ainda encontramos lacunas a serem preenchidas quanto à adoção dos
princípios da eficiência, resultados, qualidade de serviços e foco no cidadão”.
A experiência do orçamento participativo de Mossoró não alterou o modo
hegemônico e clientelista da articulação entre representantes e população, nem a
cultura política e a organização da sociedade. A dificuldade na ampliação da
participação popular pode ser explicada, em parte, pela ausência de uma tradição de
associativismo em Mossoró e ausência de estímulos que promovam o
associativismo pelo poder público. A participação de lideranças comunitárias,
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quando ocorre, é apenas consultiva, limitada à definição de prioridades sem espaço
para tomada de decisões.
A permanência de uma mesma família no controle direto ou indireto do poder
máximo municipal dificulta a abertura política para participação popular e inserção
de novos atores sociais, valores e modos de administração que possam renovar a
gestão pública. Diante disto, torna-se necessário que a população rompa com a
cultura de eleger o mesmo grupo político. Esta consciência política só será
alcançada por meio da busca por informações relacionadas às ações da prefeitura
em seus mais variados meios.
O fortalecimento do associativismo da população também pode promover a
ampliação e respeito aos espaços de opinião pública. É necessário, portanto, investir
na criação e manutenção dos conselhos comunitários e participação destes na
elaboração de ações municipais.
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