patogÊnese das doenÇas fÚngicas · 4 imunidade inata também conhecida como resposta...
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MICROBIOLOGIA
MICOLOGIA
PATOGÊNESE DAS
DOENÇAS FÚNGICAS
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INTRODUÇÃO
A relação entre o hospedeiro e o agente fúngico consiste em um equilíbrio entre
a imunogenicidade do parasito (seus fatores de virulência) e a funcionalidade adequada
do sistema imune. Diversos fatores moduladores do sistema imune interferem nessa
relação como o patógeno gerador de infecção, a atividade neuronal do hospedeiro, o
sistema endócrino-metabólico e fatores que favorecem ou não o desenvolvimento de
uma doença.
São chamados de fatores de virulência os mecanismos e estruturas do agente
que possibilitam sua patogenicidade. De uma forma geral, a maioria dos fungos
tendem a causar infecções oportunistas, que são patogenias dependentes de um
estado de imunodepressão do hospedeiro e de outros fatores predisponentes. Por
outro lado, outros fungos são patógenos verdadeiros, definidos como aqueles que
causam doença mesmo na integridade do sistema imunológico. Ambos os tipos de
infecção são dependentes dos fatores de virulência do patógeno em questão.
Uma resposta imunológica adequada está associada a integridade das barreiras
mecânicas e fisiológicas, como também da resposta imune inata e adquirida
apropriadas:
• Resposta inata: mais evidente na fase aguda (grande mobilização de células
polimorfonucleares)
• Resposta específica: ativação linfocitária (produção de anticorpos e imunidade
mediada por células)
Alguns microrganismos modulam o sistema imune, provocando diferentes
respostas imunológicas, já outros apresentam mecanismos de evasão desta. Além
disso, a resposta do hospedeiro pode variar de acordo com a localização do agente
infeccioso. Estabelecida a infecção pelo agente, as lesões causadoras de doença podem
ser decorrentes da ação direta do patógeno ou da própria resposta imune.
As infecções causadas por fungos podem ser classificadas quanto a origem do
patógeno. Os tipos de infecção são:
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• Exógena: patógeno proveniente do ambiente
• Endógena: patógeno proveniente da microbiota
FATORES DE VIRULÊNCIA
Ao se tratar de doenças fúngicas, os principais fatores de virulência associados a
algumas espécies destes patógenos são o dimorfismo e o dimorfismo invertido.
No dimorfismo define-se pela alteração de forma filamentosa para a
leveduriformeinduzida por alterações térmicas do ambiente. No processo, há alteração
dos antígenos de superfície dos patógenos, como por exemplo, alteração de β-
glucanapara α-glucana, impedindo o reconhecimento pela Dectina-1.
O processo garante termotolerência ao fungo, favorecendo a infecção que, em
geral, se dá com a levedura na forma infectante. Os principais fungos dimórficos
associados a micologia clínica são: Paracoccidioides brasiliensis, Histoplasmacapsulatum,
Coccidioidesimmitis.
O hormônio 17β-estradiol endógeno é capaz de inibir a alteração da forma
filamentosa para leveduriforme. Sendo assim, as mulheres têm um fator protetor a
mais ao tratar-se de dimorfismo.
O dimorfismo invertido consiste na alteração da forma leveduriforme para a
forma filamentosa, realizado pela Candidaalbicans. Este é um processo que não é
dependente de alterações de temperatura e o 17β-estradiol, neste caso, favorece a
levedura a formar hifas (maior incidência em mulheres).
Candidaalbicans faz parte da microbiota humana na forma de levedura, sendo
apenas a forma filamentosainfectante. Quando ocorre a transição da forma
leveduriforme para a filamentosa é que se dá o processo infeccioso. Há um aumento da
síntese de adesinas e proteases com o dimorfismo invertido na candidíase. A forma
filamentosa é capaz de formar biofilmes que dificultam a ação de antifúngicos e a
atuação da resposta imune, pois forma uma barreira física impedindo a interação do
medicamento e das células imunológicas com o microrganismo.
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IMUNIDADE INATA
Também conhecida como resposta imunológica inespecífica, tem grande papel
no processo de contensão das infecções fúngicas.
1. Barreiras do hospedeiro
As principais barreiras que protegem o organismo humano são a pele e o trato
respiratório, pois são os tecidos que ficam expostos direta ou indiretamente ao
ambiente.
A pele é composta por diversas camadas celulares e contém queratina, que
forma uma estrutura pouco permeável e que funciona como uma barreira física para os
patógenos. Os fungos dermatófitos produzem queratinases, que são importantes para
a nutrição e invasão do agente, possibilitando a infecção sem presença de vetor.
O trato respiratório é uma estrutura envolta por epitélio respiratório com
células ciliares. O calibre da árvore respiratória reduz gradativamente até suas porções
terminais, assim partículas maiores entram em contato com o epitélio respiratório e
suas secreções e são expulsas pelo movimento ciliar, bem como pelo reflexo da tosse.
Estruturas infectantes pequenas em suspensão são capazes de ultrapassar as defesas
do epitélio respiratório, como por exemplo, conídios menores que 2 µm, assim essas
estruturas chegam aos sacos alveolares. No alvéolo, conídios com melanina ligam-se a
proteínas surfactantes (opsoninas) e são fagocitados por macrófagos. A melanina
presente na superfície do fungo o protege da lise celular, assim o patógeno ganha a
corrente sanguínea dentro do macrófago, um exemplo é o que ocorre naaspergilose
difusa. Vencidas as barreiras, os neutrófilos são as principais células fagocíticas da
resposta inata, por esse motivo, a neutropenia aumenta a suscetibilidade a diversas
doenças.
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2. Apresentação De Antígenos Fúngicos
Para melhor compreensão do processo de apresentação de antígenos, alguns conceitos
fundamentais devem ser ressaltados:
• PAMPs: Padrões Moleculares Associados ao Patógeno - são estruturas do
patógeno reconhecidas pelas PRRs
• PRRs: Receptores de Reconhecimento de Padrão – receptores dos PAMPs
encontrados em células dendríticas, macrófagos, monócitos, neutrófilos entre
outras não fagocíticas
A partir do encontro entre PAMP e PRR, as células dendríticas participam do processo
de maturação e diferenciação dos subtipos de células T. Na célula fúngica, os principais
PAMPs são:
• Mananas: polímeros de glicose
• β-glucanas: polímero de N-acetilglicosamina
• Quitina: cadeias de muitas centenas de moléculas de manose ligadas a proteinas
fúngicas.
Fatores de virulência dos fungos também podem serPAMPs. Os receptores associados
ao reconhecimento dos PAMPs são:
• Receptores “toll-like” (TLR)
• Receptores de lecitina do tipo C (CLRs)
• Proteinas da família das galectinas
Os principais receptores associados ao reconhecimento de padrões fúngicos são
os TLR2, TLR4 e TLR9. Paciente com defeitos genéticos na síntese desses receptores
“toll-like” dificilmente curam-se de doenças fúngicas, mesmo como tratamento
adequado. O polimorfismo do gene que codifica TLR4 está associado com maior
suscetibilidade a aspergilose pulmonar e candidíase sistêmica. O polimorfismo do TLR9
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está associado com aspergilosebroncopulmonar alérgica. A vulvovaginite recorrente
por candidíase pode ser resultado de defeitos genéticos nesses receptores.
O resultado das alterações em PRRs são infecções recorrentes que muitas vezes
não são tratáveis com antifúngicos. O direcionamento da resposta imune gerada
dependerá de quais receptores são ativados:
• Se mananoproteínas da cândida ativam juntamente receptores TLR-4 e CD14, o
resultado da sinalização intracelular é a produção de citosinas pró-inflamatórias
• Se glucanas e fosfolipomananas são reconhecidas juntamente pelos receptores
TLR-2 e Dectina-1, o resultado dessa ativação e sinalização intracelular é a
produção de citocinas anti-inflamatórias.
• A ativação de Dectina-1 ou de TLR-2 isoladamente gera uma sinalização protetora.
A resposta imune gerada não depende só da ativação dos receptores
individualmente, mas também do nível de cooperatividade dos vários receptores
ativados e a sua localização celular. A geração de uma resposta protetora ou não
depende de diversos fatores como espécie da célula fúngica, receptor ativado, célula
que faz o reconhecimento do PAMP e qual PAMP que é reconhecido. A resposta
gerada pode levar a produção de citosinas anti-inflamatórias ou pró-inflamatórias.
A função dos linfócitos T CD8 é importante na fagocitose de microorganismos
invasores, bem como os neutrófiços. A presença de um fungo desencadeia um
processo de sinalização, através da produção de citocinas e promove a quimiotaxia
para a chegada de mais neutrófilos na região acometida.
Os neutrófilos são uma das principais células da imunidade inata, são capazes de
liberar grânulos contendo agentes microbicidas e armadilhas extracelulares de
neutrófilos (NET). As NETs (NeutrophilExtracellularTraps) nada mais são do que redes
de proteinas citoplasmáticas e DNA lançadas contra o patógeno.
Ex: O conídio que sobreviver ao macrófago, germina e forma hifas. A presença
das hifas induz a resposta imune e promove quimiotaxia de neutrófilos, que lançam
suas NETs e liberam grânulos com agentes microbicidas. A formação das NET’s é um
processo inicial de morte programada de neutrófilos, que regula a resposta imune inata
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frente a infecções. Contém DNA nuclear ou mitocondrial, peptídios antimicrobianos,
defensinas, lactoferrina, catepsina G, elastase, gelatinase e histonas.
IMUNIDADE ADAPTATIVA
A partir da apresentação de antígenos pelas células fagocíticas, via MHC, ocorre
a diferenciação do linfócito Th0 (virgem) para diferentes respostas:
Th1: Ativam resposta celular via macrófagos através do Interferon γ. Relevantes
no combate de microrganismos intracelulares (bactérias, protozoários). Relacionadas a
autoimunidade e hipersensibilidade tardia.
Th2: Relacionados a produção de anticorpos e processos alérgicos. Relevantes
no combate de parasitas extracelulares, helmintos e respostas alérgicas.
Th17: estimulam neutrófilos a migrarem para regiões de mucosa. Em ativação
excessiva podem causar dano tecidual.
T reguladora: inibem o processo de resposta imunológica, exercendo um
controle sobre ela. Se muito estimulada, pode levar a infecções crônicas. Porém, se
pouco estimulada, pode levar a uma exacerbação da resposta imune.
1. Perfil TH1
Trata-se do perfil capaz de gerar resposta protetora frente a infecções fúngicas.
A resposta Th1, pela produção de INF-γ leva a:
• Ativação de macrófagos e a um aumento do poder microbicida relacionado a
produção de reativos de oxigênio e óxido nítrico.
• Produção de IgG (opsoninas) e fixadores de complemento, facilitando a
fagocitose
• Ativação de neutrófilos, amplificando o poder microbicida
A ativação de macrófagos também pode ocorrer por uma via alternativa (pela
resposta Th2, com produção de IL-14), sem depender do interferon γ. A ativação
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macrofágicapela via alternativa leva a produção de citocinas anti-inflamatórias e a
produção de fatores de crescimento relacionado a processos de regeneração tecidual
(cicatrização e fibrose), além da produção de uréia e quitinase.
2. Perfil TH2
Testes laboratoriais indicam que um predomínio de resposta Th2 leva a
suscetibilidade às infecções fúngicas. Como exemplo, estudos realizados com o
Cryptococcusneoformans mostram que na ativação de macrófagos pela via alternativa
(M2), a produção de ureia (e não de NO, como na via clássica) serve como substrato
para o crescimento do fungo e que o crescimento do fungo dentro dos macrófagos M2
leva a sua ruptura e liberação da quitinase no parênquima pulmonar, que se cristaliza e
causa danos ao tecido.
3. Perfil TH17
Representado pela diferenciação da linhagem de linfócitos produtores de IL-17 e
IL-22. Esse perfil participa da ativação e recrutamento de neutrófilos, importantes na
proteção de mucosas, pois estimulam um aumento da produção de
defensinas(peptídeos antimicrobianos) pelas células epiteliais, bem como aumentam o
efeito de barreira.
Na mucosa intestinal, por exemplo, quando um paciente faz uso prolongado de
antibióticos, há uma redução da microbiota bacteriana e, consequentemente, facilita o
crescimento da Candidaalbicans, que invade o tecido alcançando a submucosa. A
resposta inflamatória via Th17 gera:
• Produção de IL-22: induz o epitélio a produzir defensinas – tem atividade
microbicida e impede proliferação do patógeno
• Produção de IL-17: quimiotaxia de neutrófilos – impedem que o patógeno chegue
a circulação.
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4. Perfil TREG
Regula a expressão da resposta imunológica em geral, especialmente aquela
mediada por TH17. A expressão de TReg deve ser constante e em equilíbrio, para que a
microbiota se mantenha como comensal. A alta expressão de TReg leva a uma redução
da resposta imunológica Th17, facilitando a infecção, já a baixa expressão de TReg leva
a uma exacerbação da resposta Th17 e consequente dano tecidual.
MECANISMOS DE EVASÃO DO SISTEMA IMUNE
Os principais mecanismos fúngicos de evasão do sistema imune são:
• Dimorfismo (alteração de antígenos de superfície)
• Conídios com melanina (evitando fagocitose)
• Ativação de PRR gerando resposta anti-inflamatória
• Evitar a fusão do fagossomo com o lisossomo(ex.Candidaalbicans)
• Indução de apoptose
Os polissacarídeos GalXM e GXM da cápsula deCriptococcusneoformans, quando
liberados nas células apresentadoras de antígenos, induzem a expressão da molécula
de superfície Fas-Lnessas células. Durante a apresentação antigênica, o Fas-L então
presente na APC liga-se ao Fas do linfócito, induzindo a apoptose linfocitária.
QUESTÕES
1) São chamados de fatores de virulência os mecanismos e estruturas parasitárias que
possibilitam sua patogenicidade. Quanto aos fatores de virulência associados a
célula fúngica, assinale a alternativa incorreta:
a) O dimorfismo é a alteração entre a forma filamentosa e leveduriforme por
alterações de temperatura
b) o estrogênio aumenta o risco para infecções por fungos dimórficos
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c) fungos dimórficos alteram suas proteínas de superfície ao alterarem sua forma
d) a Candidaalbicans é capaz de realizar dimorfismo invertido, sua forma infectante
é a filamentosa
COMENTÁRIO: o 17β-estradiol é um fator protetor, pois inibe a alteração da forma
filamentosa para a leveduriforme. Sua ação favorece o dimorfismo invertido, em que a
forma infectante é a filamentosa, mecanismo de infecção da Candidaalbicans.
2) Para que ocorra uma infecção fúngica, é preciso que o patógeno vença as barreiras
físicas da imunidade inata. Quanto a patogênese dos fungos, julgue os itens abaixo:
I. As principais barreiras que protegem o organismo humano são a pele e o
trato respiratório.
II. Os fungos dermatófitos produzem queratinases, importantes para a nutrição
e invasão fúngica através da pele, possibilitando a infecção sem presença de
vetor.
III. A melanina dos conídios demáciosprotege a estrutura da lise celular, assim o
patógeno é capaz de ganhar a corrente sanguínea dentro de macrófagos.
Assinale a alternativa que contém itens verdadeiros:
a) I e II
b) I e III
c) II e III
d) I, II e III
COMENTÁRIO: todas as alternativas estão corretas e representam patogêneses
diferentes por meio da evasão das barreiras da imunidade inata.
3) São os diferentes tipos de resposta imunológica, que podem ser montadas frente a
um patógeno, que definem quais serão os sinais e sintomas apresentados em um
processo infeccioso. Quanto a resposta imunológica às infecções fúngicas, assinale
a alternativa incorreta:
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a) Os principais antígenos fúngicos que participam do processo de apresentação
de antígenos são mananas, β-glucanas, quitina e colesterol
b) A apresentação antigênica pode induzir a uma resposta anti-inflamatória ou pró-
inflamatória de acordo com os receptores que participarem do processo
c) O perfil TH1 é aquele que induz imunidade protetora frente a infecção fúngica,
entre seus mediadores encontra-se o interferon-γ
d) Macrófagos ativados pela via alternativa de ativação macrofágica (via TH2),
levam a susceptibilidade a infecções fúngicas.
COMENTÁRIO: Todos os componentes citados são imunogênicos para a célula fúngica,
exceto o colesterol, éster presente nas membranas das células humanas.
4) Sobre os conceitos de imunologia aplicados na resposta imunológica aos agentes
fúngicos, assinale a alternativa incorreta:
a) Dimorfismo e dimorfismo invertido são mecanismos fúngicos de escape do
sistema imune
b) Infecções oportunistas apresentam mecanismos patogênicos dependentes de
um estado de imunodepressão do hospedeiro
c) O perfil TH2 da resposta imunológica é aquele que induz a produção de
anticorpos. Sua ativação garante proteção as infecções fúngicas
d) As infecções podem ser heterógenas, quando o patógeno é proveniente do
ambiente ou endógenas, quando o patógeno é proveniente da microbiota
COMENTÁRIO: estudos imunológicos mostram que a prevalência de uma resposta TH2,
com produção humoral, frente a uma infecção fúngica pode resultar em susceptibilidade
a infecção. Um dos mecanismos pelo qual isso se dá é através da ativação de macrófagos
pela via alternativa, esses macrófagos, ditos M2, podem cursar com desenvolvimento de
uma resposta anti-inflamatória, cicatrização e fibrose tecidual.
5) São mecanismos fúngicos de escape do sistema imune, exceto:
a) Evasão da fagocitose pela presença de melanina em conídios
b) Dimorfismo, pois leva a alteração das proteinas de superfície
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c) Indução de apoptose através da interação Fas e Fas-L
d) Ativação de PRR gerando resposta pró-inflamatória celular
COMENTÁRIO: quando a resposta gerada é pro-inflamatória, com mobilização de
células, tem-se uma resposta com características do perfil TH1, sendo este o perfil
protetor frente a uma infecção fúngica.