patrícia nobre, 20 poemas numa noite
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Patrícia Nobre, 10.º ano, n.º23, turma F, Escola Artística António Arroio - Disciplina de Português - Professora EliTRANSCRIPT
20 Poemas Numa Noite
Escola Artística António Arroio
Patricia Nobre | nº 23 | 10ºF
Disciplina de Português
Professora Eli
Índice
Introdução
Poemas:
o Poema da Utopia
o Música
o Tu à Noite
o Nocturno
o Ó Noite, Coalhada nas Formas de um Corpo de Mulher
o Noite por Ti Despida
o Hora Mística
o Noite Apressada
o Lacrimae Rerum
o Nocturno
o Acordo de Noite Subitamente
o Como a Noite é Longa!
o Ao Longe, ao Luar
o Abdicação
o Por Estas Noites
o Luz entre Sombras
o A Noite Desce
o Noite de Saudade
o Por uma Noite de Outomno
o Oh Retrato da Morte, oh Noite Amiga
Explicação do tema escolhido
Ilustração de um poema e explicação da ilustração
Webgrafia
Introdução
Para este trabalho foi-nos pedida a selecção de 20 poemas com um tema comum.
Depois de refletir, optei por orientar a minha pesquisa em torno de «a noite».
Comecei a minha procura por autores mas, considerando a grande variedade de
poetas, tomei a decisão de mudar de critério e passei a orientar a minha pesquisa pelo
tema, o que se revelou bastante eficaz para a concretização do meu objectivo. Tinha,
ainda, à minha disposição um mundo de textos para escolher e muitos poetas, para mim
desconhecidos, para descobrir.
Neste trabalho há poemas de: Fernando Namora, Harold Pinter, Juan Ramón
Jiménez, Casimiro de Brito, Afonso Duarte, Antero de Quental, Alberto Caeiro,
Fernando Pessoa, Olavo Bilac, Machado de Assis, Florbela Espanca, António Botto e
Bocage.
De entre os versos selecionados, elegi Noite Apressada de David Mourão-
Ferreira, À Guitarra e à Viola para ilustrar. A escolha não me foi difícil, pois, logo que
o li, despertou-me a atenção, cativou-me por completo.
A ilustração, desde que própria, podia ser feita de várias maneiras: desenho,
pintura, fotografia, etc. Tomei a decisão de fazê-lo com uma fotografia tirada por mim.
Escrevi os textos necessários para explicitar todas as minhas opções tomadas.
Os poemas
Poema da Utopia
A noite
caiu sem manchas e sem culpa.
Os homens largaram as máscaras de bons actores.
Findou o espectáculo. Tudo o mais é arrabalde.
No alto, a utópica Lua vela comigo
E sonha coalhar de branco as sombras do mundo.
Um palhaço, a seu lado, sopra no ventre dos búzios.
Noite! Se o espectáculo findou
Deixa-nos também dormir.
Fernando Namora, Relevos
Música
Noite perdida,
não te lamento:
embarco a vida
no pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,
puro e sem nada,
- rosa encarnada,
intacta, ao vento.
Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,
e ressuscitada...
(Asa da lua
quase parada,
mostra-me a sua
sombra escondida,
que continua
a minha vida
num chão profundo!
- raiz prendida
a um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,
muda alvorada
que o pensamento
deixa confiada
ao tempo lento...
Minha partida,
minha chegada,
é tudo vento...
Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada...
Cecília Meireles, Viagem
Tu à Noite
Tu à noite havias de escutar
A trovoada e o ar ambulante.
Tu nessa margem hás-de virar
Para onde estão as intempéries dominantes.
Toda essa honrada esperança
Ruirá na ardósia,
E destroçará o inverno
Que vocifera a teus pés.
Se bem que ardam os altares apaixonantes,
E que o sol deliberado
Faça ladrar a águia,
Tu avançarás na corda bamba.
Harold Pinter, Várias Vozes
Tradução de Jorge Silva Melo e Francisco Frazão
Nocturno
Por onde quer que minha alma
navegue, ou ande, ou voe, tudo, tudo
é seu. Que tranquila
em toda a parte, sempre;
agora na alta proa
que em duas pratas abre o azul profundo,
descendo ao fundo ou subindo ao céu!
Oh, que serena a alma
quando se apoderou,
como rainha solitária e pura,
do seu império infindo!
Juan Ramón Jiménez, Diario de Un Poeta Reciencasado
Tradução de José Bento
Ó Noite, Coalhada nas Formas de um Corpo de Mulher
Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher
vago e belo e voluptuoso,
num bailado erótico, com o cenário dos astros, mudos e quedos.
Estrelas que as suas mãos afagam e a boca repele,
deixai que os caminhos da noite,
cegos e rectos como o destino,
suspensos como uma nuvem,
sejam os caminhos dos poetas
que lhes decoraram o nome.
Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher!
Esconde a vida no seio de uma estrela
e fá-la pairar, assim mágica e irreal,
para que a olhemos como uma lua sonâmbula.
Fernando Namora, Mar de Sargaços
Noite por Ti Despida
Adulta é a noite onde cresce
o teu corpo azul. A claridade
que se dá em troca dos meus ombros
cansados. Reflexos
coloridos. Amei
o amor. Amei-te meu amor sobre ervas
orvalhadas. Não eras tu porém
o fim dessa estrada
sem fim. Canto apenas (enquanto os álamos
amadurecem) a transparência, o caminho. A noite
por ti despida. Lume e perfume
do sol. Íntimo rumor do mundo.
Casimiro de Brito, Solidão Imperfeita
Hora Mística
Noite caindo ... Céu de fogo e flores.
Voz de Crepúsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
Silêncio ... Eis-me rezando aos fins do dia.
Névoa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.
Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha ópera de Sol ao último arranco.
E, oh! hora mística em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.
Afonso Duarte, Tragédia do Sol-Posto
Noite Apressada
Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!
Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.
Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!
Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!
David Mourão-Ferreira, À Guitarra e à Viola
Lacrimae Rerum
Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!
Aonde são teus sóis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vão busca a certeza que o conforte?
Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas...
É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas...
Antero de Quental, Sonetos
Nocturno
Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...
Como um canto longínquo - triste e lento-
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...
A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.
E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!
Antero de Quental, Sonetos
Acordo de Noite Subitamente
Acordo de noite subitamente,
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a Natureza lá fora.
O meu quarto é uma cousa escura com paredes vagamente
brancas.
Lá fora há um sossego como se nada existisse.
Só o relógio prossegue o seu ruído.
E esta pequena cousa de engrenagens que está em cima
da minha mesa
Abafa toda a existência da terra e do céu...
Quase que me perco a pensar o que isto significa,
Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da
boca,
Porque a única cousa que o meu relógio simboliza ou
significa
Enchendo com a sua pequenez a noite enorme
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com a sua pequenez...
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos - Poema XLIV
Heterónimo de Fernando Pessoa
Como a Noite é Longa!
Como a noite é longa!
Toda a noite é assim...
Senta-te, ama, perto
Do leito onde esperto.
Vem p’r’ao pé de mim...
Amei tanta coisa...
Hoje nada existe.
Aqui ao pé da cama
Canta-me, minha ama,
Uma canção triste.
Era uma princesa
Que amou... Já não sei...
Como estou esquecido!
Canta-me ao ouvido
E adormecerei...
Que é feito de tudo?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,
Dormir a sorrir
E seja isto o fim.
Fernando Pessoa, Cancioneiro
Ao Longe, ao Luar
Ao longe, ao luar,
No rio uma vela,
Serena a passar,
Que é que me revela?
Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.
Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica.
Fernando Pessoa, Cancioneiro
Abdicação
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços
Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Fernando Pessoa, Cancioneiro
Por Estas Noites
Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pálida, perdida
Entre a névoa, abre as pálpebras medrosas
Mas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida ...
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:
Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas ... um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes ...
E os céus se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.
Olavo Bilac, Poesias
Luz entre Sombras
É noite medonha e escura,
Muda como o passamento*
Uma só no firmamento
Trêmula estrela fulgura.
Fala aos ecos da espessura
A chorosa harpa do vento,
E num canto sonolento
Entre as árvores murmura.
Noite que assombra a memória,
Noite que os medos convida,
Erma, triste, merencória.
No entanto...minha alma olvida
Dor que se transforma em glória,
Morte que se rompe em vida.
Machado de Assis, Falenas
A Noite Desce
Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!
Assim mãos de bondade me beijassem!
Assim me adormecessem! Caridosas
Em braçados de lírios, de mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!
A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe embriagada, louca!
E a noite vai descendo, sempre calma...
Meu doce Amor tu beijas a minh'alma
Beijando nesta hora a minha boca!
Florbela Espanca, Livro de Sóror Saudade
Noite de Saudade
A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura ...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura ...
Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura ...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!
Por que és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!
Saudade que eu sei donde me vem ...
Talvez de ti, ó Noite! ... Ou de ninguém! ...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!
Florbela Espanca, Livro de Mágoas
Por uma Noite de Outomno
Por uma noite de outomno
Lá n'essa nave sombría,
Hei-de contigo deitar-me,
Mulher branca e muda e fria!
Hei-de possuir na morte
O teu corpo de marfim,
Mulher que nunca me olhaste,
Que nunca pensaste em mim...
E quando, no fim do mundo,
A trombêta, além, se ouvir,
Apertar-te-hei mais ainda,
- Não te deixarei partir!
A tua boca formosa
Será sempre dos meus beijos;
E o teu corpo a minha patria,
A patria dos meus desejos.
António Botto, Canções
Oh Retrato da Morte, oh Noite Amiga
Oh retrato da morte, oh noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha do meu pranto,
Des meus desgostos secretária antiga!
Pois manda Amor, que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga:
E vós, oh cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!
Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.
Bocage, Rimas
A escolha dos poemas foi feita através do tema: a noite.
A partir do tema, comecei a selecionar os poemas com que me identificava mais e
os que abordavam o tema mais de acordo com o meu ponto de vista.
Ter um tema como suporte ajuda imenso, restringe o campo da busca, o se acaba
por se revelar positivo, evitando a dispersão labiríntica neste “mundo” de poemas que
temos a nossa disposição.
Tentei, respeitando as regras, não repetir muitas vezes o mesmo poeta e não
utilizar poemas muito grandes ou que não compreendesse inteiramente.
Em síntese, a minha seleção dos textos, é, fundamentalmente, afetiva. Estão, neste
dossiê, os poemas que, no momento da opção, mais me cativaram pelo modo como
desenvolvem a temática da noite.
Noite Apressada
Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!
Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.
Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!
Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!
David Mourão-Ferreira, À Guitarra e à Viola
Noite Apressada
“Noite Apressada”, um dos poemas mais belos que até hoje li, só ele me bastaria
para representar todo o meu tema.
Escolhi esta fotografia porque me pareceu suficientemente despojada para servir
como uma espécie de contraponto, quase de antítese, ao poema e porque
[É] afinal [um] quase nada,
e tudo [nela me parece] imenso!
Conclusão
Foi um trabalho interessante de fazer, tendo, sobretudo, em conta que gosto de ler
poesia mas apetência para escrever, não tenho nenhuma.
Não encontrei grandes dificuldades na parte da seleção de poemas, o pior foi
mesmo cumprir com os requisitos formais do trabalho. Talvez porque seja o primeiro
que deste género faço, talvez porque, por vezes, sentindo insegurança, oponho alguma
resistência a determinadas tarefas novas.
No entanto, agora que dou por finalizado o dossiê, estou certa de que soube
ultrapassar as dificuldades e de que atingi os objetivos essenciais. Fiz, com prazer, a
selecção dos poemas, escolhi o meu preferido e ilustrei-o com uma fotografia minha de
que muito gosto. As minhas justificações constituem as partes menos bem conseguidas,
mas, estou certa, de que esta experiência dará os seus frutos e de que, no futuro, me
servirá de ensinamento.
Por fim, quero reafirmar que gostei de realizar este trabalho e que foi, talvez, a
primeira vez que, nesta disciplina, me empenhei a sério e retirei prazer desse meu
empenhamento.
Sítios, consultados em Fevereiro e Março, que foram fonte dos
meus textos
http://www.citador.pt/ http://aviagemdosargonautas.blogs.sapo.pt/tag/fernando+namora
http://nescritas.com/poetasapaixonados/listapoesiasdeamor2/1882/02
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Imagens - Todas as fotografias são de minha autoria.