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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
PATRIMÔNIO CULTURAL, AGENTES E AÇÕES: intervenções no Centro Histórico de Vitória – ES previstas no Plano de Ação Vitória
Sustentável / 2015
TRINDADE, Débora Hoth.
Universidade Federal do Espírito Santo
Centro de Ciências Humanas e Naturais - Programa de Pós-Graduação em Geografia Av. Fernando Ferrari, 514 Goiabeiras, Vitória – ES
CEP: 29.075-910 [email protected]
RESUMO
O artigo analisa as ações previstas para o Centro Histórico de Vitória - ES no Plano de Ação Vitória Sustentável, lançado em 2015. O objetivo é compreender e analisar a metodologia do programa Iniciativa Cidades Emergentes Sustentáveis (ICES), parte institucional do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), responsável pela concepção e implantação do Plano de Ação Vitória Sustentável. O estudo foi desenvolvido com base na leitura e recorte do Plano, e posteriormente na revisão bibliográfica sobre temas como: o funcionamento da lógica transformativa do capitalismo, a dimensão simbólica do espaço, as dinâmicas impostas pela indústria cultural, como o turismo transforma o lugar do patrimônio e questões teóricas sobre os processos de revitalização urbana. Para tanto, buscou-se referências de diversas áreas acadêmicas, tais como a Geografia, o Turismo, a Arquitetura e o Urbanismo. O Plano de Ação Vitória Sustentável é fruto de parceria do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a CAIXA, o Instituto Pólis e a Prefeitura Municipal de Vitória, que teve sua participação coordenada através da Secretaria Municipal de Gestão Estratégica (SEGES). Conceitualmente, a iniciativa do BID propõe importantes inovações para a gestão da cidade com vistas à promoção de competitividade através do desenvolvimento sustentável. Contudo, nosso estudo mostra que há pouca participação popular ao longo do processo, em contraste com o estreitamento com os agentes privados durante a realização do Plano. A articulação entre o BID e o governo local em intervenções urbanísticas, apesar de conceitualmente propor importantes inovações para a gestão do desenvolvimento apresenta, ao menos no caso específico do Plano de Ação Vitória Sustentável, pouca consistência em questões como as demandas da comunidade, a apropriação atual dos espaços, o caráter simbólico do lugar. Observou-se pouca preocupação com a identidade patrimonial, o que pode acarretar em consequências como a gentrificação e a espetacularização do Patrimônio. Conclui-se com a análise que as relações favorecidas no caso são prioritariamente as de produção do capital, o que na prática constitui quase sempre em um enfraquecimento das relações democráticas e de participação social.
Palavras-chave: Intervenção Urbana; Centro Histórico; Patrimônio Cultural; BID.
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Introdução
O Plano de Ação Vitória Sustentável (Instituto Pólis, 2015) é fruto de parceria do Banco
Interamericano de Desenvolvimento - BID, CAIXA, o Instituto Pólis e a Prefeitura Municipal de
Vitória, que teve sua participação coordenada através da Secretaria Municipal de Gestão
Estratégica. O grande lema conceitual da iniciativa é a promoção de competitividade das
cidades através do desenvolvimento sustentável, como podemos observar no seguinte
trecho, retirado da apresentação do plano:
As ações propostas deverão contribuir para a atuação e para o direcionamento dos investimentos do poder público, das organizações da sociedade civil e do setor privado para o planejamento integrado das políticas, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida de toda a população, de forma equilibrada com o meio ambiente e com as especificidades territoriais. No entanto, a transformação positiva do uso do território, do planejamento da gestão urbana, e da prestação de serviços dependerá do esforço e da cooperação entre esses agentes, do setor privado, e da cidadania, juntamente com o indispensável apoio do governo estadual e federal. A formulação do Plano de Ação procurou contribuir para o diálogo entre os diferentes atores que atuam na cidade de forma a avançar na articulação de ações cada vez mais integradas (Instituto Pólis, 2015, p. 3).
Pretende-se com a análise do Plano identificar até que ponto a participação social nas
decisões é efetivada, e qual o peso da produção do capital no processo de intervenção do
espaço. Para tanto, buscou-se referências bibliográficas de diversas áreas, tais como a
Geografia, o Turismo, a Arquitetura e o Urbanismo.
O objetivo ao longo do trabalho é levantar a complexidade e os impactos de uma intervenção
urbana no patrimônio cultural de uma cidade. Inicialmente, o subtítulo “Plano de Ação Vitória
Sustentável: proposições para o Centro Histórico” busca levantar todas as informações
encontradas no Plano referentes a intervenções previstas para o Centro Histórico de Vitória.
As reflexões concentram-se nos três subtítulos seguintes, denominados “A lógica
transformativa do capitalismo e a dimensão simbólica do espaço”, “Indústria Cultural e
Turismo: o lugar do patrimônio” e “Revitalização: políticas públicas e marketing urbano”, além
das “Considerações finais”.
É válido ressaltar que além do material disponibilizado referente ao Plano de Ação Vitória
Sustentável, também utilizamos o Guia Metodológico: Iniciativa Cidades Emergentes e
Sustentáveis (BID, 2014), que se apresenta:
Com o objetivo de que a metodologia ICES se transforme em um bem público regional, esta segunda edição do Guia metodológico foi escrito para ser usado por funcionários de prefeituras, municípios e entidades públicas de vários níveis do governo, oficiais de instituições locais, estaduais e nacionais de incentivo/desenvolvimento, instituições acadêmicas locais, organizações
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civis sem fins lucrativos, especialistas do BID, e, em geral, qualquer outro tipo de instituição relacionada com o desenvolvimento sustentável das cidades da ALC. (BID, 2014, p. X)
O material foi essencial para a melhor compreensão da metodologia do programa Iniciativa
Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES), utilizada no Plano de Desenvolvimento Vitória
Sustentável.
Plano de Ação Vitória Sustentável: proposições para o Centro
Histórico
A Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis - ICES foi criada no ano de 2010 como uma
proposta institucional do Banco Interamericano de Desenvolvimento com vistas a atender as
necessidades e desafios de cidades emergentes da América Latina e do Caribe (ALC).
Segundo o Guia Metodológico, cidades emergentes “[...] são áreas urbanas que são
classificadas como médias, de acordo com a população total de cada país, e que, além disso,
apresentam um crescimento populacional e econômico sustentado, em um ambiente de
estabilidade social e governança” (BID, 2014, p.6).
A metodologia de aplicação e diagnósticos rápidos para a formulação de planos de ação foi
desenvolvida com a participação de uma empresa privada de consultoria, entre os anos de
2010 e 2011. Até o ano de 2015 a metodologia foi aplicada em 50 cidades da ALC, e a meta é
que até o final do ano de 2016 ao todo 71 cidades façam parte da iniciativa (Figura 1).
A ICES é um programa de assistência técnica aos governos de cidades médias da ALC que apresentam uma grande dinâmica de crescimento demográfico e econômico. Este programa de avaliação rápida permite identificar, organizar e priorizar projetos de infraestrutura de curto, médio e longo prazo, além de definir projetos e propostas urbanísticas, ambientais, sociais, fiscais e de governança, que possibilitem melhorar a qualidade de vida das cidades latino-americanas e obter uma maior sustentabilidade. (BID, 2014, p. 3)
A expansão da aplicação da ICES no Brasil está sendo possível a partir de uma parceria entre
o BID e a CAIXA, iniciada coma a assinatura de um Termo de Compromisso em 2013.
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Figura 1: Cidades inseridas na ICES em parceria com o BID. Fonte: Site do BID. Disponível em: < http://www.iadb.org/es/temas/ciudades-emergentes-y-sostenibles/ciudades-usando-el-enfoque-de-desarrollo-urbano-sostenible,6693.html>. Acesso em: 23 junho 2016.
A iniciativa consiste em desenvolver diagnósticos e propor ações urbanas focadas em o que
órgão chama de “três dimensões de sustentabilidade”. São elas: ambiental e mudança
climática; urbana; e fiscal e governança. Em síntese, segundo o BID, uma cidade sustentável
é definida como aquela:
[...] que oferece uma boa qualidade de vida aos seus cidadãos, minimiza seus impactos sobre a natureza, preserva seus ativos ambientais e físicos para gerações futuras e, por meio disso, promove sua competitividade. Ademais, ela conta com um governo local que tem capacidade fiscal e administrativa para cumprir com as suas funções urbanas com a participação ativa dos cidadãos. (BID, 2014, p. 4)
A metodologia ICES compreende seis fases, agrupadas em duas etapas. A primeira etapa
consiste em uma avaliação rápida da realidade urbana. Tal etapa inclui quatro fases (Figura
2): preparação, análise e diagnóstico, priorização e por fim a elaboração do Plano de Ação.
Após o término desta etapa, programada para durar aproximadamente um ano, segue-se para
a segunda etapa, que se concentra na execução inicial do Plano de Ação, com as fases de
pré-investimento, monitoramento cidadão e investimento. A duração prevista para a Segunda
etapa é de 3 a 4 anos, o que dependerá das intervenções contidas no Plano de Ação.
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Figura 2: Fases de uma cidade na Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis. Fonte: Instituto Pólis, 2015, p. 48.
O Plano de Ação Vitória Sustentável, lançado em maio de 2015 pela Prefeitura Municipal de
Vitória, em parceria com o Instituto Pólis, é fruto do apoio do BID e da CAIXA. Segundo
comunicado de imprensa levou-se em conta no levantamento de dados e na análise das
demandas da cidade a colaboração com representantes da sociedade civil, do terceiro setor,
universidades e iniciativa privada, sem contudo citar quais dessas instituições fizeram parte
do processo. Os resultados gerais do diagnóstico apontam que a cidade apresenta bom
manejo de temas como água, energia, esgotamento sanitário e drenagem, conectividade,
gestão pública e transparência. Os temas que demandariam maior atenção são: mobilidade
urbana, segurança, gestão de resíduos sólidos, uso do solo e ordenamento territorial,
competitividade econômica, mitigação de mudanças climáticas e gestão fiscal.
Ações inter-relacionadas são propostas no plano, divididas em seis grandes linhas
estratégicas. São elas: 1. Polos de geração de desenvolvimento; 2. Desenvolvimento urbano,
uso do solo e habitat urbano; 3. Mobilidade e transporte; 4. Desenvolvimento ambiental
sustentável; 5. Segurança cidadã; 6. Governança e sustentabilidade fiscal. É de especial
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interesse para o presente estudo a Linha Estratégica 1 e a Linha Estratégica 2, as quais nos
propomos analisar.
A Linha Estratégica 1 – Polos de geração de desenvolvimento abarca três diretrizes principais.
Segundo o Plano,
As ações propostas nessa linha de ação fomentam novos territórios de desenvolvimento, a partir do fomento de áreas com potencial turístico, assim como, a diversificação das atividades econômicas com uma visão sócio-territorial, trabalhando em de áreas degradadas e monofuncionais, que hoje não geram oportunidades suficientes de emprego e renda. (Instituto Pólis, 2015, p. 29)
Dentro da nossa abordagem, destacam-se a Diretriz 1 - Desenvolvimento Econômico e
Territorial de Áreas Monofuncionais e Precárias, que propõe, entre outras ações, a Criação de
Polos Gastronômicos em zonas monofuncionais e de interesse econômico, histórico e
urbanístico, e a Diretriz 3 – Desenvolvimento do Potencial Turístico de Vitória, que busca
estabelecer um planejamento público de turismo e fomento da atratividade da cidade (Instituto
Pólis, 2015, p. 29).
A ação de Criação de Polos Gastronômicos, parte da Diretriz 1, tem sua implantação prevista
em três regiões de Vitória. São elas a Ilha das Caieiras, o Centro Histórico e a Curva da
Jurema. O objetivo principal é promover a revitalização econômica local, contando com a
conjugação do poder público municipal e a iniciativa privada para a “[...] recuperação da
atividade econômica e revitalização dos espaços públicos em áreas onde se observa
concentração de empresas, potencial de desenvolvimento econômico e vocações locais”
(Instituto Pólis, 2015, p. 147). Algumas das ações concretas propostas são garantir o livre
transite de pedestres e veículos, a sinalização indicativa dos estabelecimentos participantes,
a melhoria da iluminação pública, a limpeza dos logradouros públicos e a segurança local.
Como contrapartida, os estabelecimentos que integrarem o Polo participarão de programas
de qualificação do empresário e seus funcionários, visando a “[...] excelência no atendimento
e na manutenção do negócio” (Instituto Pólis, 2015, p. 147), e áreas públicas, com disposição
de mobiliários e equipamentos poderão ser usadas para o atendimento dos clientes.
Sobre as ações propostas para que o Centro Histórico receba tal Polo Gastronômico,
aponta-se que recentemente foram realizadas obras de revitalização da Rua Sete, uma
importante rua na história do Espírito Santo, pela concentração de repartições públicas e as
antigas lojas mais sofisticadas da cidade, com acervo patrimonial e potencial paisagístico
relevantes. É indicada como ação direta a intervenção denominada Rua Viva, que traria
“omblerones, paisagismo, demarcação da área de bares nas calçadas e melhor iluminação
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pública”. O intuito é preparar o local, criando ambiência para o aumento do fluxo de pessoas e
turistas por conta do Polo Gastronômico incentivado na área.
O Planejamento Público de Turismo e fomento da atratividade da Cidade é proposto na
Diretriz 3 – Desenvolvimento do Potencial Turístico de Vitória, e tem como ações a serem
realizadas a elaboração de um Plano Diretor de Turismo e a elaboração de um Estudo de
Fluxo Turístico. Tais projetos são voltados para o subsidio à Prefeitura e aos empreendedores
privados na tomada de decisões que tornem a cidade mais atrativa para investidores e
turistas.
A Linha Estratégica 2 – Desenvolvimento urbano, uso do solo e hábitat urbano concentra seus
esforços principalmente nas áreas da Orla Noroeste e na área central da cidade. O intuito é
formar um eixo a partir da área do Centro Histórico, passando pelo tradicional Mercado da Vila
Rubim até a região das Goiabeiras. Vamos nos concentrar dentro dessa Linha mais
especificamente na Diretriz 3 – Implantação do Projeto de Revitalização do Centro Histórico.
No texto do Plano referente a essa diretriz, encontra-se breve histórico das intervenções do
Poder Público na área, iniciadas na década de 1990, baseadas na ideia de valorização do
patrimônio histórico. Esse movimento continua ao longo da década de 2000, com novos
projetos e estudos pela gestão 2005-2008. É citado o Planejamento Urbano Interativo do
Centro, de 2006, ressaltando-se como boas proposições “a qualificação da mobilidade
urbana, valorização e preservação da paisagem e do meio ambiente, valorização
turístico-cultural e educação patrimonial, programa de ação integrada e segurança pública no
centro, além da dinamização econômica” (Instituto Pólis, 2015, p. 161). No entanto, aponta-se
que apenas algumas ações foram implementadas, apesar da existência de um Plano.
A Implantação do Projeto de Revitalização do Centro Histórico pretende ser realizada em
duas ações. A primeira é de Intervenções em edifícios de interesse cultural e histórico na área
central de Vitória, e a segunda, a Qualificação da Infraestrutura na Área Central de Vitória
(Instituto Pólis, 2015, p. 161-163). É lembrado o esforço da Prefeitura em conceder, desde
2001, a isenção parcial ou total do IPTU aos proprietários que mantêm seus imóveis
protegidos por lei em bom estado de conservação, ação que será continuada de acordo com o
Plano. Concomitante, são propostas ações de recuperação de imóveis de interesse com
projetos específicos de intervenções, a identificação e a destinação de imóveis ociosos para
novos usos e a reurbanização e requalificação dos espaços públicos.
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Figura 3: Mapa de Intervenções para a Área Central de Vitória. Fonte: Instituto Pólis, 2015, p. 162.
Segundo o plano, a valorização e a potencialização do patrimônio histórico, cultural e
paisagístico da cidade passarão pela implantação de novos equipamentos turísticos, culturais
e de lazer na região. É prevista a continuidade dos projetos de intervenção que já vem sendo
realizados pela prefeitura a alguns anos, de modo que se promova a intervenção integral em
todo o conjunto do patrimônio histórico. Os pontos citados no Plano para restauro são: o
Edifício Majestic, antigo Hotel Majestic; a Escola de Artes São Vicente de Paulo; a Escadaria
Maria Ortiz; a Escadaria São Diogo; e esculturas da Escadaria Bárbara Lindenberg. O
Mercado da Vila Rubim recebe menção de “requalificação (...) com vistas a recuperar sua
importância socioeconômica e cultural” (Instituto Pólis, 2015, p. 163). Entretanto, nenhuma
informação adicional sobre quando ou como se daria tal requalificação é explicitada.
Algumas ações que abarcam o centro de forma geral são propostas, para além da intervenção
e restauro específicos em edifícios de interesse histórico. São essas “[...] a substituição da
rede elétrica aérea por rede subterrânea, a iluminação cênica de todos os monumentos e
escadarias [...] e a construção de calçadas cidadãs garantindo acessibilidade e melhorando a
mobilidade do pedestre” (Instituto Pólis, 2015, p. 163). Uma possibilidade apontada pelo plano
para o financiamento das obras é de se estabelecer uma parceria entre a Prefeitura Municipal
e o Governo Federal por meio do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -
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IPHAN, deixando pouco claro se há alguma verba já destinada no orçamento geral do plano,
ou se tudo dependeria de tal captação externa.
O valor total do Plano de Investimento é de R$3,10 bilhões, sendo apontadas como fontes de
financiamento recursos próprios do Município de Vitória, recursos previstos da CAIXA,
recursos previstos do BID, recursos do Governo Federal e recursos de fonte “não
identificada”. Também entram na conta do Plano (é importante ressaltar, com o maior peso
estatístico na conta) “[...] recursos já investidos de fontes diversas” (Instituto Pólis, 2015, p.
197).
A lógica transformativa do capitalismo e a dimensão simbólica do
espaço
A ideia de que devemos sucumbir à abertura e mobilidade sem discriminações transformou a
forma como os planejadores (do poder público aos atores privados, crescentemente mais
presentes nesse meio) lidam com o espaço, espaço esse cada vez mais encarado como
produto. Em seu trabalho, Haesbaert e Mondardo (2010) ressaltam o paradoxo dos tempos
atuais. De um lado, a sobrevalorização do vetor identitário, prática de segmentos culturalistas,
ecoam os dilemas contemporâneos da compreensão e produção do espaço, com todas as
nuances étnicas, religiosas, linguísticas etc. De outro, a ideia neoliberal cada vez mais
difundida, de que é inútil lutar contra a aceitação da homogeneização da cultura pela
globalização.
A vida cultural, num número cada vez maior de lugares, é alcançada pela lógica da circulação
do capital próprio do capitalismo. Para Harvey, o capitalismo cria sua própria “geografia
histórica distintiva” (Harvey, 1992, p. 307), baseando-se na especulação de novos produtos,
novas tecnologias, novos espaços e localizações. Por conseguinte, a fragilidade das culturas
é latente diante desta lógica:
As práticas estéticas e culturais têm particular suscetibilidade à experiência cambiante do espaço e do tempo exatamente por envolverem a construção de representações e artefatos espaciais a partir do fluxo da experiência humana. Elas sempre servem de intermediário entre o Ser e o Vir-a-Ser. (Harvey, 1992, p. 293)
A transformação da cultura em mera mercadoria, e por consequência alvo de especulação,
pode esmagar as práticas autênticas, o cotidiano que define a vivência dos sujeitos e o
sentido de identidade como único e relacionado ao lugar. Porém, longe de somente provocar
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raiva e resistência, o movimento de tradução da cultura local em produto cultural vem
adquirindo cada vez mais tolerância e apreciação. Tais adequações ao ritmo imposto da
circulação de mercadorias e mobilidade irrestrita são preconizadas nas seguintes palavras de
Santos:
[...] nas condições atuais, quem se atrasa, quem não acerta o passo, é penalizado. Na escala do globo, o motor implacável de tantas reorganizações, sociais, econômicas, políticas e, também, geográficas, é essa mais-valia global, cujo braço armado é a competitividade, que neste nosso mundo belicoso, é a mais guerreira de todas as ações. (Santos, 2014, p. 333)
O interesse (ou seria imposição externa?) das cidades para entrar na corrida competitiva leva
a inversões na construção do que Corrêa (2012) chama de sentido simbólico de um lugar:
Os lugares simbólicos resultam de complexo processo de criação, interno ou externo, para o qual há várias tensões que envolvem diferentes agentes sociais, criadores e usuários de significados. Desse processo, resultam a preservação ou a transformação, parcial ou não, dos lugares simbólicos e a ressignificação de seus status político, religioso, étnico ou histórico, que pode ou não incluir sua mercantilização. Nesse caso, é possível falar em lugares simbólicos mercantilizados, cujas paisagens e história foram valorizadas ou plenamente inventadas. (Corrêa, 2012, p. 140)
Ao invés do sentido simbólico ser construído por seus moradores, ele passa a ser discurso de
interesses e pessoas externas ao lugar, seja a população em geral ou um segmento muito
específico dela, grupos empresariais ou até mesmo o próprio Estado. Não falamos aqui das
relações usuais entre o econômico, o político e o social, que inclusive são também
constituintes do simbólico. Mas sim de um esgarçamento, uma distorção do simbólico, que
frequentemente não inclui os próprios moradores nas novas dinâmicas propostas por
segmentos externos.
Indústria Cultural e Turismo: o lugar do patrimônio
O Plano a que nos propomos estudar no presente artigo deixa claras novas orientações
conceituais para a Secretaria do Turismo. É afirmado que o documento deverá balizar as
ações programáticas do setor nos próximos 10 anos, e segundo o trecho:
[...] evidenciando as ações necessárias para a colocação do turismo como negócio importante para o desenvolvimento sustentável do município, deixando de ser considerado apenas como uma atividade residual ou simples consequência das riquezas naturais existentes. Com este planejamento será possível a estruturação de produtos turísticos, sua promoção e comercialização. Além disso, o planejamento permitirá estabelecer padrões de novos incentivos públicos para o setor, determinar a capacidade de
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investimento público e privado para garantir as mudanças no fluxo turístico e promover avanços nas ações voltadas para o desenvolvimento do setor. (Instituto Pólis, 2015, p. 154)
O turismo de massa trouxe, ao longo dos últimos anos, o discurso de que ele seria o
responsável por transformar drasticamente as economias locais. Tal pressuposto é o grande
argumento para explorar todos os recursos, naturais ou culturais, de forma a retornar o maior
lucro possível. (Brusadin, 2012, p. 37)
Contudo, a cultura, ao contrário de mero produto, engloba tanto aspectos materiais quanto
imateriais, construída na realidade empírica dos movimentos cotidianos. O termo patrimônio
cultural vem sofrendo diversas evoluções ao longo dos últimos anos, alargando-se cada vez
mais no intuito de abarcar toda a complexa condição de produção e reprodução da sociedade.
Conforme diz Brusadin:
Em sentido estrito, entendia-se patrimônio cultural como as obras de arte no espaço, ou seja, a pintura, a escultura e a arquitetura. Entretanto, existem outras artes, aquelas que transcorrem através do tempo, como a dança, a literatura e a música, que também fazem parte do patrimônio cultural e artístico, mas, por não terem a mesma materialidade que as anteriores, é complexa sua qualificação como ‘bens’, donde sua quase permanente exclusão das preocupações oficiais em termos de patrimônio. Por outro lado, os seres humanos não produzem apenas obras de arte, sendo os hábitos, usos e costumes também parte integrante dessa cultura. (Brusadin, 2012, p. 36-37)
O turismo urbano tem aumentado principalmente pelo crescente interesse na procura por
cultura. O turismo histórico, artístico e cultural é uma tendência forte, principalmente em
algumas capitais da América Latina. O consumo de bens culturais é, nesse contexto,
primordial para a atividade turística, e dentro dessa oferta oferece-se não só espetáculos e
eventos, mas também museus, monumentos e locais históricos. Algumas relações
conflituosas podem surgir, pois se esse turismo é utilizado como mero reprodutor da lógica do
capital, ou seja, como mais uma das modalidades do processo de acumulação, as novas
configurações geográficas geradas pela sua oferta e materialização no espaço levariam a
novas apropriações, tanto dos espaços quanto dos recursos nele contidos. Os atrativos são
assim transformados em mercadorias, e a exclusão é praticamente inevitável nesse contexto.
Choay versa sobre como a apropriação pela indústria cultural pode impactar na vida local:
Por sua vez, os monumentos e o patrimônio históricos adquirem dupla função – obras que propiciam saber e prazer, postas à disposição de todos; mas também produtos culturais, fabricados, empacotados e distribuídos para serem consumidos. A metamorfose de seu valor de uso em valor econômico ocorre graças à ‘engenharia cultural’, vasto empreendimento público e privado(...). Sua tarefa consiste em explorar os monumentos por todos os meios, a fim de multiplicar indefinidamente o número de visitantes. (Choay, 2006, p. 211)
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É exatamente na falta de visão dos impactos da exploração turística que consiste a ameaça à
cultura de um determinado local. O aumento do fluxo de visitantes, a implementação de novos
usos, ou mesmo o processo de aprimoramento de serviços já oferecidos de forma modesta
aos e pelos moradores locais devem ser cuidadosamente estudados. Qual a parcela da
sociedade receberá a contrapartida dessas modificações na vida cotidiana da comunidade?
Há de fato participação popular em todas as decisões e processos?
O grande desafio do turismo cultural é o de servir também para valorização patrimonial, com a
inclusão da comunidade nos processos de transformação do espaço e nos ganhos
econômicos. Para tanto, é necessário que haja um planejamento que integre diversas esferas
do poder público, da sociedade e dos diversos agentes interessados. No Plano de Ação
Vitória Sustentável, há pouca constância no sentido de integração de diversas Secretarias na
implementação de cada ponto abordado. Inclusive, a própria elaboração do Plano, segundo
sua ficha técnica, só teve a participação de entes das Secretarias Municipais de Gestão
Estratégica, Desenvolvimento da Cidade e de Gestão Pública. O trabalho interdisciplinar de
técnicos e estudiosos de diversas áreas, além de efetiva participação popular nas decisões é
primordial para o equilíbrio entre a manutenção de identidades culturais e a utilização turística
do patrimônio.
Revitalização: políticas públicas e marketing urbano
O bem cultural, muito mais que documento do passado, só tem sentido se for usufruído no
presente. A função social do bem cultural é conferir a sensação de pertencimento e identidade
a um grupo comunitário, orientando as populações e o cidadão individualmente no tempo e no
espaço, englobando-os como participantes de uma história comum e um lugar próprio no
mundo (Casalarde, 2009, p. 78). Faz parte dessa função social, por exemplo, a orientação no
percurso da cidade, através de marcos arquitetônicos, a referência material da fruição da
cultura de uma comunidade e a consolidação de uma identidade coletiva, a qual faz todos os
participantes reconhecerem-se como elos, parte de uma comunidade estimulada em seus
laços afetivos e de cidadania. A recuperação do bem patrimonial é de suma importância para
a potencialização de todos esses fatores, e a intervenção bem pensada passa por esses
critérios.
O conceito de sustentabilidade tem ganhado força crescente nas políticas de planejamento
urbano, e consequentemente no campo patrimonial. De acordo com o que articula Casalarde
(2009, p. 84), fazendo uma transposição da definição do Ministério do Meio Ambiente para o
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âmbito da conservação, o êxito da preservação só é alcançado se esta é legitimada pela
sociedade e apoiada em instrumentos de inclusão social e econômica. Comumente, vê-se a
questão do patrimônio assentada sobre valores do Estado, do gosto das classes dominantes,
e mais recentemente, da mídia e principalmente do capital. Tratar o patrimônio como um
objeto que gera identidades é um equívoco, pois o verdadeiro responsável é o simbolismo do
objeto, as relações construídas e que passam pelas pessoas, pela comunidade ou sociedade,
portanto pelo sujeito.
Partindo desses pressupostos, algumas indagações surgem ao longo da leitura do Plano de
Ação Vitória Sustentável. Apesar de citar o penúltimo Plano realizado, datado de 2006, que
priorizou questões como a mobilidade urbana, valorização e preservação da paisagem, a
valorização cultural, a educação patrimonial, além da dinamização econômica, fica latente no
que se segue que, paralelamente, no presente Plano de Ação Vitória Sustentável, o
patrimônio é tratado praticamente como aporte turístico e fator de embelezamento da cidade.
O uso geral do termo revitalização é questionado por Vasconcellos e Mello (2006, p. 63-64),
bem como todos os seus similares: renovação, reabilitação, requalificação, regeneração, etc.
As autoras defendem que o uso do prefixo re é uma estratégia que utiliza como aporte a
inclusão do tempo na análise do espaço, porém quase sempre sem consistência
metodológica suficiente. É nessa lacuna que se pode desvelar certo modismo oportunista, a
utilização do termo como elemento promocional de marketing urbano.
Castriota (2009, p. 81-91) ressalta o grau de imprecisão inerente à área de atuação
patrimonial. Há sérias controvérsias em relação a conceitos, e a inconsistência teórica
reflete-se em distorções e esvaziamentos conceituais no que tange a memória e identidade da
comunidade. Extremos nesse contexto, podemos citar políticas imobilistas, que almejam
engessar o patrimônio em prol de uma proteção que inviabiliza seu uso pleno e o
desenvolvimento de seu potencial urbano. O espectro oposto é o da implementação de
políticas com estratégias de transformação do espaço em capital a todo o custo, com perigos
como a fragilização do pertencimento do bem para a comunidade, e mais gravemente, a
gentrificação por especulação imobiliária gerada pela valorização excessiva.
Há de se ter prudência, em uma intervenção, para que não só seja ouvida a voz de grupos
dominantes, políticos, econômicos ou midiáticos. A lógica revitalizadora em que é
negligenciado o ponto de vista do habitante, justamente quem mais utiliza o espaço, é uma
lógica que esvazia a dimensão de reprodução da vida (Carlos, 2007, p. 88). Os lugares
apropriados para uso vão muito além do conceito de lugares para mero consumo produtivo.
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Considerações Finais
O fator primordial para uma intervenção urbana positiva para a comunidade é a participação
popular. A metodologia utilizada pelo programa Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis
(ICES), no entanto, nos deixa espaço para algumas críticas. Ao que consta de consulta à
população, esta se dá apenas na fase mais inicial do processo, denominada Fase 0 -
Preparação. Basicamente, o envolvimento se dá por pesquisas de opinião pública, utilizadas
depois em “exercícios de priorização” de ações para o plano, e a identificação dos “principais
atores da cidade que têm o potencial de participar no futuro esquema de monitoramento
cidadão”. A etapa seguinte, denominada Fase 1 - Análise e diagnóstico, já parte para reuniões
entre o Município, o Banco,
[...] os funcionários locais, os funcionários das agências nacionais ou estaduais que exercem influência sobre o desenvolvimento da cidade, bem como outros agentes locais que possam ser partes interessadas (stakeholders) no processo e que representam vários setores (autoridades locais, câmaras de comércio, ONGs, universidades, etc). (Instituto Pólis, 2015, p. 14)
Contudo, não há clareza sobre a divulgação e convite de tais agentes, se há uma real abertura
para a participação de todos os segmentos da sociedade, ou qual seria o critério de escolha
dos órgãos participantes.
Após o término de várias etapas (Priorização, Plano de Ação, Pré-Investimento), é chegado o
momento da Fase 5 – Sistema de Monitoramento Cidadão. Apesar de o título evocar certa
participação, o sistema nada mais é que o monitoramento remoto de indicadores sobre
resultados do plano nos quesitos abordados, com a elaboração de relatórios e materiais de
comunicação dos feitos do programa. Os atores, previamente selecionados (de forma pouco
elucidada pelo Guia Metodológico) e convidados na Fase 0, farão apenas
[...] acompanhar a aplicação do Plano de Ação desenvolvido e consolidar uma cultura de monitoramento sistemático, baseado em indicadores, que visa elevar o nível do debate público e auxiliar governo e sociedade a estabelecer e seguir prioridades claras e mensuráveis para sua sustentabilidade. (Instituto Pólis, 2015, p. 18)
O que se conclui é que a articulação entre o BID e o governo local em intervenções
urbanísticas, apesar de conceitualmente propor importantes inovações para a gestão do
desenvolvimento, apresenta, ao menos no caso específico do Plano de Ação Vitória
Sustentável, pouca consistência em questões de participação popular e levantamento das
demandas da comunidade, em se tratando da questão de identidade patrimonial. As relações
favorecidas no caso são prioritariamente as de produção do capital, o que na prática constitui
quase sempre em um enfraquecimento das relações democráticas e de participação social.
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