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Paul Tough: "A educação de sucesso depende da personalidade"
O jornalista e escritor americano, que lança no Brasil o livro "Uma questão de caráter", diz que ser determinado, curioso e ter autocontrole vale mais do que ser inteligente
CAMILA GUIMARÃES04/04/2014 07h00 - Atualizado em 04/04/2014 07h42
Especializado em educação, o jornalista Paul Tough trabalhou 20 anos em
veículos prestigiados, como o The New York Times. Hoje ele se dedica a entender
a ciência que explica por que algumas crianças e jovens viram adultos de sucesso
e felizes, enquanto outros não. As respostas de Tough, publicadas em seu livro,
lançado no Brasil pela Editora Intrínseca, são provocativas. “Associamos sucesso
a inteligência”, diz ele. “Mas as pesquisas provam que estamos errados. Não
ensinamos a nossas crianças o que realmente faz diferença: caráter.” Pai de um
menino de 4 anos, Tough diz que é possível ensinar traços de personalidade na
escola.
O escritor Paul Tough. Ele reuniu pesquisas e relatou casospráticos de como ensinar caráter (Foto: divulgação)
ÉPOCA – No livro, o senhor tenta responder a uma questão central: por que algumas
crianças crescem e se dão bem na faculdade e na vida adulta e outras se perdem
pelo caminho? Há uma resposta para isso?
Paul Tough – O que tentei fazer foi reunir as pesquisas mais relevantes sobre o
assunto, conversei com educadores, psicólogos e neurocientistas que tentam
diariamente desvendar essa questão e, a partir daí, entender o que se sabe sobre
o que ajuda as crianças a ter sucesso. As evidências mostram que não damos a
ênfase necessária ao desenvolvimento de algumas habilidades – traços de
personalidade ou caráter –, como determinação, autocontrole, persistência,
curiosidade e inteligência social. As notas altas não são determinantes para formar
adultos felizes e bem-sucedidos. Damos importância quase exclusiva à avaliação
de desempenho cognitivo, que mede o Q.I., e ignoramos as evidências mostrando
que os traços de personalidade importam, no mínimo, tanto quanto as habilidades
intelectuais para que essas crianças sejam bem-sucedidas ao longo da vida.
ÉPOCA – Qual sua definição de sucesso?
Tough – Não cito uma definição exata do que é sucesso. Mas falamos de algo no
longo prazo na vida escolar e universitária dos jovens. Quando os economistas
querem medir o sucesso, usam critérios como estabilidade da vida adulta, se
vivem em famílias felizes, se estão bem no trabalho, lugares onde moram. Além
desses indicadores, certamente há algo mais profundo. Psicólogos falam em se
sentir completo e feliz. O mais importante para mim é o longo prazo. Quando
pensamos em sucesso na educação, temos de olhar adiante uma, duas décadas.
Somos muito imediatistas. As análises de educação olham resultados de curto
prazo, fornecidos por avaliações de desempenho imediatistas. Essas avaliações
não são capazes de prever dez anos adiante. Os adultos de sucesso e felizes têm
outras habilidades além das intelectuais.
>> Os melhores do mundo em educação ainda estão insatisfeitos
ÉPOCA – Uma das conclusões das pesquisas é que o caráter é maleável. Qualquer
um pode aprender traços de personalidade? Quem ensina?
Tough – Sim, qualquer criança ou jovem pode aprender a ser diferente. Pesquisar
sobre a maleabilidade do caráter é complicado, porque os cientistas já sabem que
o ambiente em que as crianças crescem tem forte influência na formação dos
traços de sua personalidade, especialmente ambientes vulneráveis, violentos,
traumatizantes. Nessas condições, habilidades como autocontrole e determinação
tendem a ser inibidas. Há evidências científicas fortes de que o contato com um
professor, ou um mentor, ou alguém da família, nesses casos, pode mudar os
traços de personalidade do indivíduo. O que não se sabe ainda com clareza é
como fazer isso. Não podemos ainda dar uma receita aos professores de como
ensinar seus alunos a ter mais autocontrole ou resiliência. Não temos um currículo
escolar para isso. O certo é que a regra da maleabilidade vale para qualquer
criança. Mesmo para as menos favorecidas.
"Os pais protegem demais os filhos, que crescem sem saber como lidar com erros e fracassos"ÉPOCA – Como as escolas que você conheceu ensinam isso na prática?
Tough – A Kipp School, uma escola do Bronx, adotou um cartão de personalidade.
É uma espécie de boletim. Nele, os alunos recebem avaliações de suas
habilidades não cognitivas. De novo, não se sabe bem o efeito disso. De qualquer
forma, essas ideias são levadas para o cotidiano escolar desses alunos. Os
professores com seus cartões mandam uma mensagem importante a seus alunos:
é possível mudar e lidar de forma diferente com os problemas. Eles discutem em
sala de aula que traços de caráter o aluno poderia exercitar para evitar o mesmo
erro no futuro. Essa discussão por si só já ameaça a antiga mentalidade, tão
comum nas escolas, de que não é possível mudar o que está ruim. Muitos alunos
acham que não podem. Essas novas ideias dizem que, se trabalharem duro, se
continuarem tentando, podem tirar uma nota melhor ou fazer uma redação melhor.
>> Isabel Clemente: A escola ideal, a melhor e 3 milhões sem nenhuma das
duas
ÉPOCA – Os alunos da Kipp são de baixa renda. A origem dos alunos importa para o
desenvolvimento desses traços de personalidade?
Tough – As pesquisas na área da neurociência mostram que as crianças menos
favorecidas, que cresceram em ambientes traumatizantes e violentos, têm mais
dificuldade de desenvolver concentração, disciplina, autocontrole. Entre as
crianças e os jovens privilegiados, a maior dificuldade é ter determinação, a
habilidade de lidar com a adversidade. Dentro do colégio de elite, ouvi muito esta
frase: “Eles não sabem como lidar com o fracasso”.
ÉPOCA – Por que isso acontece?
Tough – Eles são criados longe do fracasso. São tão protegidos pelos pais, pela
cultura, que têm medo de errar, de se dar mal. Muitos pais temem o fracasso dos
filhos, como não passar no vestibular. Por isso tentam resolver todos os problemas
da vida de seus filhos. Ao privá-los da experiência de errar, e de se frustrar,
acabam atrapalhando o desenvolvimento de traços de personalidade cruciais para
o sucesso futuro. Errar não é divertido, especialmente para adolescentes na
escola. Mas, se aprendem logo cedo que errar não é o fim do mundo, que é
preciso falhar algumas vezes para ter sucesso depois, levarão uma lição valiosa
para a vida adulta. Quem não tem a oportunidade de aprender essa lição nos
últimos anos do ensino fundamental e no ensino médio não saberá o que fazer
quando deparar com os desafios reais da vida.
ÉPOCA – Esses alunos não enfrentam desafios diários? Eles têm um monte de
conteúdo para aprender, têm um monte de lição de casa, cursos extras e ainda
precisam passar no vestibular...
Tough – Não podemos confundir estresse com desafio. Claro que esses
estudantes trabalham duro, ficam noites sem dormir, são cobrados por resultados
à exaustão. Mas não são desafiados de verdade. A diferença é a mesma entre
completar um percurso de corrida e escalar uma montanha. A corrida pode ser
exaustiva, mas você sabe o que precisa fazer e por onde deve ir. Escalar uma
montanha é outra coisa. Envolve tomar decisões arriscadas para fazer algo que
você nunca fez antes. Isso é desafiador. As escolas não são boas em desafiar
seus alunos, em tirá-los de sua zona de conforto, em estimular que corram riscos.
Há muitos bons professores que trabalham para isso, mas, no geral, os sistemas
de ensino não permitem aos alunos ter esse tipo de experiência.
ÉPOCA – O senhor acredita que essas habilidades podem ser medidas em larga
escala?
Tough – Será possível, mas não sabemos hoje como fazer isso. E demorará até
encontrarmos o caminho. Mas não precisamos esperar um sistema de avaliação
para começar a trabalhar essas qualidades. Porque o melhor jeito de medir o
sucesso dessas habilidades é olhar como elas interferem no longo prazo. Na
formação da faculdade, por exemplo. A principal razão de estudantes americanos
largarem a faculdade não tem a ver com inteligência, mas com habilidades de
caráter.
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ÉPOCA – O senhor abandonou a faculdade. Por quê?
Tough – Duas vezes. A primeira, aos 18 anos, quando era calouro da Columbia,
em Nova York. Larguei para fazer uma viagem de bicicleta pelos Estados Unidos
que durou dois anos. A segunda, aos 20, no segundo semestre da Universidade
McGill, no Canadá. Tento até hoje entender as razões para ter desistido. Ficou
mais difícil depois que escrevi esse livro. Quando desisti pela segunda vez, foi
para começar como estagiário numa revista. Foi o começo de minha carreira no
jornalismo. Encontrei ali o que sempre procurei e esperei de uma universidade:
discussão de ideias e aprender sobre o mundo. Para mim funcionou, porque
descobri que o jornalismo é meu jeito de entender o mundo.
ÉPOCA – Como o senhor se sente ao imaginar seu filho querendo desistir da
faculdade para andar de bicicleta? Nervoso?
Tough – Sim (risos)! Definitivamente, quero que ele tenha um diploma! Essa é uma
boa pergunta porque tem a ver com o que disse antes sobre os pais tentarem
proteger seus filhos do fracasso. Quando disse para os meus pais que largaria
tudo para fazer uma viagem de bicicleta, eles não disseram que essa era uma boa
ideia. Mas não me impediram. Não fizeram nada, me deixaram descobrir por conta
própria. Deu certo. Espero poder fazer a mesma coisa por meu filho