paz e guerra - funag

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IPRI RAYMOND ARON PAZ E GUERRA ENTRE AS NAÇOES

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(~elson Fonseca Júnior
Carlos Henrique Cardim
A reflexão sobre a temática das relações internacionais está presente desde os
pensadores da antigüidade grega, como é o caso de Tucídides. Igualmente, obras como a Utopia, de Thomas More, e os escritos de Maquiavel, Hobbes e
Montesquieu requerem, para sua melhor compreensão, uma leitura sob a
ótica mais ampla das relações entre estados e povos. No mundo moderno, conlO é sabido, a disciplina Relações Internacionais surgiu após a Primeira
Guerra Mundial e, desde então, experimentou notável desenvolvimento, transformando-se em matéria indispensável para o entendimento do cenário
atual. Assim sendo, as relações internacionais constituem área essencial do
conhecimento que é, ao mesmo tempo, antiga, moderna e contemporânea.
No Brasil, apesar do crescente interesse nos meios acadêmico, político, em­
presarial, sindical e jornalístico pelos assuntos de relações exteriores e políti­ ca internacional, constata-se enorme carência bibliográfica nessa matéria.
N esse sentido, o IPRI, a Editora Universidade de Brasília e a Imprensa Ofi­
cial do Estado de São Paulo estabeleceram parceria para viabilizar a edição
sistemática, sob a forma de coleção, de obras básicas para o estudo das rela­ ções internacionais. Algumas das obras incluídas na coleção nunca foram
traduzidas para o português, como O Direito da Paz e da Guerra de Hugo Grotius, enquanto outros títulos, apesar de não serem inéditos em língua
portuguesa, encontram-se esgotados, sendo de difícil acesso. Desse modo, a coleção CL/isSICOS IPRl tem por objetivo facilitar ao público interessado o
acesso a obras consideradas fundamentais para o estudo das relações inter­ nacionais em seus aspectos histórico, conceitual e teórico.
Cada um dos livros da coleção contará com apresentação feita por um espe­
cialista que situará a obra em seu tempo, discutindo também sua importância dentro do panorama geral àa reflexão sobre as relaç()es entre povos e naçôes. Os CLAsSICOS Il)R] destinam-se especialmente ao meio universitário brasilei­
ro que tem registrado, nos últimos anos, um expressivo aumento no número de cursos de graduação e pós-graduação na área de relações internacionais.
Coleção CLÁSSICOS IPRI
TL'CÍDIDFS 'Histón"a. da Guerra do Peloponeso" Prefácio: Hélio Jaguaribe
E. H. CARR íl1/inte Anos de Cnse 1919-1939. Ultla Introdu­ çào ao ~studo das Relações Internacionais" Prefácio: Eiiti Sato
J. !'vI. 1(1 ·:YN FS '/4.1 Consequeflcias ~conâfJJÍcaJ da Paz" Prefácio: !'v1arcelo de Paiva Abreu
R,\Yi\IOND ARON ílpaz e G'uerra entre aJ lrvações" Prefácio: Antonio Paim
l'vL\QL'L\YFI ílhJcn"tos Selecionados" Prefácio e organização: José Augusto Guilhon Albuquerque
HL '(;O C;ROTIL'S ílO IJireito da G'uerra e da Paz" Prefácio: Celso l.afer
ALI':XIS Dl·: TOO~l'FYllJ,F
"h'Jcn"tos SelecionadoJ" ()rganizaçào e prefácio: Ricardo Velez Rodrgues
H,\;\;s !'vl( )R(; 1·:;'\1'1'/ L\l '~ Política entre aJ Nações" Prefácio: Ronaldo !'vI. Sardenbcrg
I\Ii\L\Nl'J·:J J(.\NT
íll ~scrtos Políticos" Prefácio: Carlos f--lcnrique Cardim
S,\\1l"LI Pl'I;LNDORI' ílI)o I )ireito Natural e das Gentes" Prefácio: Tércio Sampaio l,'erraz Júnior
C,\RI Y()N CI,\l'SI·:\\TI':1. "J)a Guerra" Prefácio: l)omício Proença
G. W. F HJ~(;J]
'rrextos Selecionados" ()rganização e prefácio: Franklin Trein
JFAN-JACQL'/':S ROL'SSFJ\L' 'rfevytos Selecionados"
()rganização e prefácio: Gelson Fonseca J r.
NORl\L\N AN(;I-JJ '~ G'rande IIusào" Prefácio: José Paradiso
THOl\L\S !'v10HV 'Utopia" Prefácio: João Almino
ílConselhos ]Jzplomáticos " Vários autores ()rganização e prefácio: l __ uiz Felipe de Seixas Corrêa
E\I1·.RIUf DI·: V,\TTI':J ílO IJireito das G'entes" Tradução e prefácio: Vicente Marotta Rangel
T/I()i\1;\S H(mBl·:s
Ufevytos Selecionados" ()rganização e prefácio: Renato Janine Rlbeiro
ABl~(': DL S.\INT PJl':RRF (7)rqjeto para uma Paz Perpétua para a huropa" S,\INT SIi\ION 'Reorganização da Sociedade Européia" ()rganização e prefácio: Ricardo Seitcnfuss
HI])LLY Bl 'IJ
'~ Sociedade Anárquica " Prefácio: Williams C;onçalves
FR.\:\lClSCO DL VITOR!,\ "J)e Indis et J)eJure Helli" Prefácio: l:ernando Augusto Albuquerque l'vIourão
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
Secretário Geral.· Embaixador OSMAR CHOHFI
FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GusMÃo - FUNAG
Presidente: Embaixadora THEREZA MARIA MACHADO QUINTELLA
CENTRO DE HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DIPLOMÁTICA - CHDD
Diretor: Embaixador ÁLVARO DA COSTA FRANCO
INSTITUTO DE PESQUISA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS IPRI Diretor: Ministro CARLOS HENRIQUE CARDIM
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Diretor da Editora Universidade de Brasília: ALEXANDRE Lll\1A
Conselho Editorial Elisabeth Cancelli (Presidente), Alexandre Linla, Estevão Chaves de Rezende
Martins, Henryk Siewierski,josé Maria G. de AlmeidaJúnior, Moema Malheiros
Pontes, Reinhardt Adolfo Fuck, Sérgio Paulo Rouanet e Sylvia Ficher.
IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PALTLO
Diretor Presidente: SÉRGIO IZOBAYASHI
I P R I
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais
São Paulo, 2002
Copyright © Éditions Calmann-Lévy 1962
Título Original: Paix et guerre entre les nations Tradução de Sérgio Bath
Direitos © desta edição: Editora Universidade de Brasilia SCS Q. 02 bloco C n°. 78, 2°. andar 70300-500 Brasília, DF
A presente edição foi feita em forma cooperativa da Editora Universidade de Brasília com o
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI/FUNAG) e a Imprensa ()ficial do
Estado de São Paulo. Todos os direitos reservados conforme a lei. Nenhuma parte desta
publicação poderá ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem autorização por
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Equipe técnica: ElITI SATO (planejamento editorial); ISABFLA MFDEIROS SOARES (Assistente)
Fotolitos, impressão e acabamento: IrvIPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Aron, Raymond Paz e guerra entre as nações / Raymond Aron; Prefácio de
Antonio Paim; Trad. Sérgio Bath (1 a. edição) Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002
936 p., 23 cm - (Clássicos IPRI, 4)
ISBN 85-230-0095-X (Editora UnB) ISBN 85-7060-030-5 (Imprensa Oficial do Estado)
1 - Relaçóes Internacionais; I. título. 11. Série.
CDU - 327
INTRC)DUÇÃC) 469
CAPÍTULO XIII: O mundo finito ou a heterogeneidade do sistema
CAPÍTULO XVI: Jogo empatado na Europa ou a diplomacia entre os
CAPÍTULO XVII: Persuasão e subversão ou os dois blocos e os não-
IV PARTE: PRAXIC)LOCIA
As ARTINOJ\llAS DA AÇÃO DIPLOl\1ÁTICA ESTRATf~CICA
CAPÍTULO XX: Em busca de uma moral - 11 Convicção e responsa­
universaI 475
CAPÍTULO XIV: A estratégia da dissuasão 509
CAPÍTULO XV: Os irmãos maiores ou a diplomacia dentro dos blocos 551
blocos 591
alinhados 625
INTRC)I)UC;ÀC) 699
CAPÍTULO XIX: Em busca de uma moral - I. Idealismo e Realismo 703
bilidade 739
CAPÍTUIJO XXI: Em busca de uma estratégia - 1. Armar-se ou desarmar-se 769
CAPÍTULO XXII: En1 busca de uma estratégia - 11. Sobreviver é vencer 807
CAPÍTULO XXIII: Além da política de poder - I. A paz pela lei 847
CAPÍTULO XXIV: Além da política de poder - 11. A paz imperial..... 885
ApÊNDICE: Estratégia racional e política razoável............................... 917
SUMARIO
INTRC)DUC~À() . 47
I PARTE TEORIA - CONCEITOS E SISTEl\lAS
CAPÍTULO I: Estratégia e diplomacia ou a unidade da política externa . 69
CAPÍTULO 11: O poder e a força ou os meios da política externa . 99
CAP1TUIJ) 111: O poder, a glória e a idéia ou os objetivos da política externa . 127
CAPÍTUL() IV: Os sistemas internacionais . 153
CAPÍTULC) V: Os sistemas pluripolares e os sistemas bipolares . 189
CAPÍTULO VI: Dialética da paz e da guerra . 219
11 PARTE SOCIOI~OGIA - DETERl\fINANTES E REGULARIDADES
INTR()DUC~ÀC)
CAPÍTULO XI: Em busca de uma ordem histórica . 399
CAPÍTUL() XII: As raízes da guerra como instituição . 435
PREFAcIO
Antônio Paim
I.INI)/CAÇOhJ l)h ORl)bM BIBIBI.JOGRAJ-'ICA
RAYMC)ND Aron nasceu em Paris em 1905 e notabilizou-se, no último pós-guerra, pela defesa da democracia e da liberdade ameaçadas na Europa pelo totalitarismo soviético, que contava com as simpatias da imensa maioria da intelectualidade france­ sa. Atuou, assim, isolado e como franco atirador. Tendo faleci­ do em 1983, antes da queda do Muro de Berlim e do abandono, pelos russos, da experiência comunista, não pôde assistir à vitó­ ria de sua pregação.
Aron concluiu a Escola Normal Superior de Paris e seguiu a carreira do magistério, ingressando no Corpo Docente da Uni­ versidade de Colônia (1930) e na Casa Acadêmica de Berlim (1931 a 1933). A ascensão do nazismo na Alemanha forçou-o a regressar à França onde se inscreve no doutorado em filosofia, concluído em 1938. Interessava-o, nessa fase inicial da vida pro­ fissional, o tema da filosofia da história, a que dedicou seus dois primeiros livros: ((Essai sur la théorie de l'histoire dans l'Allemagne
contemporaine - la philosophie critique de l'histoire" (Paris, Vrin, 1938) e "Introduction a la philosophie de l'histoire" (Paris, Gallimard, 1938). Considera-se ter sido o autor melhor sucedido na apre­ sentação da filosofia neokantiana da história. A essa matéria de­ dicou ainda diversos ensaios, alguns deles reunidos no livro ((Dimentions de la conscience historique" (Paris, Plon, 1960).
8 PAZ E GUERRA ENTRE AS N AC;C)ES
A guerra iria reorientar a sua carreira e levá-lo à luta políti­ ca. Passando à Inglaterra para combater no exército de liberta­ ção que estava sendo organizado pelo General De Gaulle (1890/ 1970), foi então incurrLbido de conceber e editar a revista La France Libre, função que exerceu até fins de 1944, quando se consuma a libertação de Paris da ocupação alemã. Desde então Aron afeiçoou-se ao jornalismo e nunca mais o abandonou. Tor­ nou-se colaborador eminente dos jornais Combat e Le Figaro, bem como da revista L'Express.
Regressando à atividade acadêmica no pós-guerra, Aron ocu­ pou-se do tema da sociedade industrial, procurando averiguar o que tinha de específico e singular. Na visão de Aron, o essencial consiste na separação entre família e empresa. Nesta, na socie­ dade industrial (que também é sinônimo de sociedade moder­ na), a organização da produção não é determinada pela tradição mas pela aplicação sistemática da ciência e da técnica. Em consequência, o crescimento é uma finalidade imanente a esse tipo de sociedade. A obra que Aron dedicou ao tema - ((Dezoito lições sobre a sociedade industrial"; (.:-4. luta de classes e Democracia e
Totalitarismo" - minou pela base a pregação soviética (marxista) de que o embate central se dava entre socialismo ( na visão so­ viética, o comunismo totalitário, que nada tinha a ver com a tradição ocidental do socialismo democrático) e capitalismo, porquanto ambos achavam-se inseridos no modelo de produção emergente e vitorioso desde a Revolução Industrial. O verda­ deiro embate tinha lugar no plano da organização política, isto é, entre o sistema democrático representativo e o sistema cooptativo, aparecido na Rússia e que esta impôs ao Leste Eu­ ropeu e também a outros países (Cuba, por exemplo).
Desse contato com as idéias de autores franceses e ale­ mães que abordaram em caráter pioneiro a questão do industrialismo (na rrança, Sairlt-Sii11ül1 e Cüi11te, sobretuJo, t:,
na Alemanha, Max Weber, entre outros), Aron produziu alguns livros tornados clássicos como "A sociologia alemà contemporânea"
9 Prefácio à nova edição
(1950) e "Etapas do pensamento sociológico" (1967). A crítica do mar­ xismo ocupa também uma parcela expressiva da obra de Aron. Nesse conjunto, destaca-se "O ópio dos intelectuais" (1955). Amos­ tra expressiva do seu método de análise de temas da política cotidiana encontra-se em "Estudos políticos" (1971).
No ambiente intelectual francês em que viveu, Aron acha­ va que a postura da intelectualidade francesa predispunha à der­ rota diante da União Soviética. Marcara-o profundamente a ca­ pitulação de Munique, quando o Ocidente consagrou a política de expansão de Hitler, admitindo que se deteria no projeto de "reconstituir" as fronteiras alemãs tradicionais no chamado Ter­ ceiro Reich, e temia que a Europa se encaminhasse na direção do capitulacionismo diante do despotismo oriental, simboliza­ do pelo Império Soviético. Entendia também que o destino do Ocidente estava associado à Aliança Atlântica, onde defendia a presença dos Estados Unidos. () essencial dessa pregação reu­ niu-o no livro "Em defesa da E'uropa decadente" (1971). Aron é autor de uma distinção importante entre o que designou de "li­ derança americana", a que os Estados Unidos tinha direito, legi­ timamente, e o que chamou de "república imperial", comporta­ mento ao qual o país tinha sido empurrado em certas circunstâncias, por ambições imperialistas de correntes políti­ cas ali existentes, con10 foi o caso da intervenção no Vietnã.
Por sua combatividade e persistência, Aron conseguiu for­ mar expressivo grupo de intelectuais liberais, que deram curso à sua obra, após a sua morte, em 1983. Presentemente esse grupo acha-se reunido em torno da revista Commentaire e da Fundação Raymond Aron.
11. O [.lUGAR IJI~' "PAZ E C~UERRA ENTRE AS NAC;()ES"
N() CONJlTNTO IJA OHRA
Pela maneira como acompanhou e meditou os desdobramentos da guerra fria, Aron deu-se conta da importância do tema das
10 PAZ E GUERRA ENTRE AS NAC/)ES
relações internacionais e, neste conjLlnto, o problema da guerra. Estudou-o com a profundidade que caracteriza as suas análises não apenas em ((Paz e guerra entre as nações" mas também em "Pen­
sar a guerra: Clausewitz". N as "Memórias"l, Aron indica que se interessou pela guerra
como sociólogo, ainda quando estava em Londres, durante a conflagração. Terminada esta, tendo se tornado comentarista internacional do jornal Le Figaro, "senti necessidade de estudar o contexto tanto militar como histórico das decisões que eu, como jornalista, devia compreender e comentar"2. Adianta ain­ da que, entre 1945 e 1955 debruçou-se sobre as duas guerras do século e data deste período o ensaio em que estabelece um pa­ ralelo com a Guerra do Peloponeso (disputa de Atenas e Esparta, entre os anos 431 e 404, antes de Cristo, na Grécia Antiga), tomando por base o fato de que as questões mal resolvidas da Primeira Guerra é que deram lugar à Segunda. Aron queria saber também se a guerra fria substituía ou equivalia à preparação de uma guerra total.
Movido por essa ordem de preocupações, depois dos três cursos sobre a sociedade industrial, na Sorbonne, dedicou os dois seguintes às relações internacionais. O tema o envolveu a tal ponto que se licenciou da Universidade e passou um semes­ tre como professor pesquisador em Harvard (Estados Unidos) ocupando-se desse assunto. Ao término desta estada, achava-se concluído "Paz e guerra". Escrito nos anos de 1960 e 1961, o livro apareceu no primeiro semestre de 1962.
Do que precede, torna-se patente que esta obra agora in­ cluída na nova Coleçã0 3
, patrocinada pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), corresponde ao desdobramen­ to natural da meditação de Aron no pós-guerra. Ao mesmo tem-
I Memoires. Paris, Julliard, 1983. Tradução espanhola: Madrid, Alianza Editorial, 1985 1 Tradução espanhola, ed. cit., pág. 435. ') As edições anteriores estiveram a cargo da Editora da Universidade de Brasília, sendo a primeira de 1981 e, a segunda, de 1986, com apresentação de Vamireh Chacon.
11 Prefácio à nova edição
po, ocupa um lugar dos maIS destacados no conjunto da sua ex­ pressiva bibliografia.
111. IA1P()RTANCIA b SIGNlf'lCAI)() IJA Th()RIA
A primeira parte de "Paz e guerra entre as nações" 4 acha-se ampla­ mente inspirada em Clausewitz (17801831), no seu conceito de "guerra total ou absoluta", tomado como referência para o estu­ do das guerras concretas. Vale dizer, embora esteja voltado para o presente e para as situações existentes, esse estudo sem a pré­ via determinação de uma "tipologia formal" não asseguraria o feliz desfecho da pesquisa a que irá lançar-se. Entretanto, a pre­ sença de Clausewitz não se limita a este aspecto, como se pode ver das citações adiall_te:
"A guerra é de todas as épocas e de todas as civilizações. Os homens sempre se mataram, empregando os instrumentos fornecidos pelo costume e a técnica disponível: com machados e canhões, flechas ou projéteis; explosivos químicos ou reações atômicas; de perto ou de longe; individualmente ou em massa; ao acaso ou de modo sistemático.
Uma "tipologia formal" das guerras e das situações de paz seria ilusória; só uma "tipologia sociológica" que levasse em consideração as modalidades concretas desses fenômenos, po­ deria ter algum valor. Não obstante, se as análises ..... contribu­ em para esclarecer a lógica do comportamento diplomático e estratégico, a tipologia formal resultante poderá ter também uma certa utilidade".5 Nas Memórias diz expressamente que "Clausewitz me proporcionou a idéia seminal de toda teoria das relações internacionais: a continuidade dessas relações através da alternância de paz e guerra, a complementaridade da diplo­
-l () livro subdivide-se etn quatro partes. Seguindo-se a esta primeira (teoria) trata do que denomina de "tipologia sociológica", isto é, das constantes e pennanência em meio à variedade histórica; a terceira cuida da história concreta e finalmente, a quarta, que deno­ minou de "praxeologia" pretende retirar ensinamentos da trajetória efetivada, isto é, o caminho (estratégia) que melhor conduziria à paz. ') Ed. cit., pág.219.
12 PAZ E GUERRA ENTRE AS N AÇ()ES
macia e da estrategla, dos meios violentos e não violentos que utilizam os Estados para alcançar seus objetivos ou defender seus interesses".
Aron passa em revista as questões centrais, a começar da correlação entre o que chama de "guerra absoluta" e "guerra real", cujo sentido poderia ser resumido como segue. Quando uma nação ou conjunto de nações lança-se à guerra, seu propó­ sito é submeter o adversário de modo integral e absoluto. Para tanto leva em conta os meios disponíveis, o tipo de mobilização a empreender, etc. Contudo, há um elemento da maior relevân­ cia que não pode ser medido: a vontade de resistência do adver­ sário. Podemos dispor de todas as informações requeridas acer­ ca dos recursos que se acham ao seu alcance, eventuais pontos fracos e tudo mais. Ainda assim, a variável política permanece­ rá como uma incógnita. Por isto, ainda que a disposição de lan­ çar-se à guerra requeira a definição do conjunto de elementos que configuram uma estratégia, aqueles que a conduzem não podem supor que tudo ocorrerá conforme planejado. Há mesmo circunstâncias, que focaliza, quando os homens chegam a per­ der o controle dos acontecimentos.
A par disto, como diz, "a guerra não é um ato isolado, que ocorra bruscamente, sem conexão com a vida anterior do Esta­ do". Tal circunstância leva-o a efetivar a indicação a mais com­ pleta do que compete levar em conta. Não fazendo sentido seguí­ lo passo a passo, parece suficiente referir esquematicamente de que se trata. As guerras nem sempre supõem soluções claras e definitivas. Além de ganhar, cabe considerar a hipótese de "não perder". A condução das operações é tão essencial como a pró­ pria estratégia. A diplomacia merece de sua parte uma conside­ ração toda especial. Resun1indo o que lhe competiria, escreve; "Pensar na paz, a despeito do fragor dos combates, e l1.ão esque­ cer a guerra quando as armas silenciarem.". Enfim, os objetivos da política externa precisam ser fixados com clareza. Para tanto tece considerações teóricas as mais abrangentes acerca da ques­
13 Prefácio à nova edição
tão da potência, ou das potências. E assim chega a uma questão central: os sistemas internacionais. A sua tipologia considera tanto os sistemas pluripolares como os bipolares, que era a cir­ cunstância de seu tempo, isto é, dos tempos da guerra fria.
De toda esta análise adverte ter adotado a guerra como ponto de partida porque "a conduta estratégico-diplomática re­ fere-se à eventualidade do conflito armado". Entretanto, a paz é
o objoetivo razoável de todas as sociedades. E prossegue: "Esta afir­ mativa não contradiz o princípio da unidade da política externa, do intercâmbio contínuo entre as nações. Quando se recusa a recorrer aos meios violentos, o diplomata não se esquece da possibilidade e das exigências da arbitragem pelas armas. A ri­ validade entre as coletividades não se inicia com o rompimento de tratados, nem se esgota com a conclusão de unla trégua. Con­ tudo, qualquer que seja o objetivo da política externa - posse do solo, domínio sobre populações, triunfo de uma idéia -, este objetivo nunca é a guerra em si. Alguns homens amam a luta por si mesma; alguns povos praticam a guerra como um esporte. No nível das civilizações superiores, contudo, quando os Estados se organizam legalmente, a guerra pode não ser mais do que um meio (quando é deliberada conscientemente) ou uma calamida­ de (se foi provocada por causa desconhecida dos atores)" ú.
Para Aron, pode-se distinguir três tipos de paz: o equilíbrio,
a hegemonia e o império. Mais expressamente: " ...…