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ALBERTO DA CUNHA MELO

NOTICIÁRIO(Poemas 1969-1978)

ORIGINALEDIÇÕES PIRATA – RUA BETÂNIA, 10/102

DERBY – RECIFE – PE – 5000

RECIFE, 1979

EDIÇÃO ELETRÔNICA COMEMORATIVADOS 40 ANOS DE POESIA DO AUTOR

OLINDA, 2006

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NOTAS PARA ESTA EDIÇÃO ELETRÔNICA

Este livro, Noticiário, foi escrito entre os anos de 1969 a 1978, aquinta publicação de Alberto da Cunha Melo. A obra foi lançada emoutubro de 1979, logo após a Lei da Anistia, de 28 de agosto de 1979,pelas Edições Pirata, editora alternativa que chegou a publicar mais de300 livros e teve Alberto da Cunha Melo como co-fundador. Por essaeditora alternativa, ele ainda publicou Dez Poemas Políticos, no mesmoano, 1979, que se inseriu neste Noticiário, e Poemas a Mão Livre, em1981. Este último foi reeditado em conjunto com o Carne de Terceira,pelas Edições Bagaço, em 1996. Na virada do século, o poema Canto dosEmigrantes, desta obra, foi selecionado, por José Nêumanne Pinto, para aantologia Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século – São Paulo:Geração Editorial, 2001. Neste ano de 2006, Alberto da Cunha Meloassinou contrato de Direitos Autorais com o grupo musical Cordel doFogo Encantado, que incluiu esse mesmo poema em seu novo DVD, queserá lançado ainda este ano.

Há 40 anos de seu Círculo Cósmico – Ed. Universitária, UFPE,1966 – A Girafa Editora publicou, neste ano de 2006, o 13º livro depoesia do autor, O Cão de Olhos Amarelos & Outros Poemas Inéditos.Sou editora do site do poeta: www.albertocmelo.com, e publiquei em2003, pela Edições Bagaço, o ensaio Faces da Resistência na Poesia deAlberto da Cunha Melo. A longa convivência editorial com a obra deAlberto fez-me editar este e-book, certa de que estarei atendendo aoanseio de seus muitos admiradores e críticos. Selecionei dois registros queavalizam esta obra e dispensam mais justificavas para esta edição:

"Você não pode imaginar o bem que sua poesia me fez.Poesia 'de mesmo' — expressão de vida, compromisso histórico."

Paulo Freire, Genève, 08 de janeiro de 1980.

"Home, você tem a capacidade de fazer com que osescritos no sulmaravilha pareçam frescuras. Assim tipo tricô.Você não faz tricô, você faz bueiros e bilros. Vou contar pra todomundo."

Henfil, Pasquim, 1981.Olinda, 15 de agosto de 2006.

Cláudia CordeiroProf. de Literatura Brasileira, ensaísta e webdesigner

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Primeira e quarta capas e folha de rosto com dedicatória, do exemplaroriginal.1

1 As imagens acima são do único exemplar que possuo da edição original.Estive no lançamento da obra que ocorreu em novembro de 1979, noprédio da ACO - Ação Católica Operária, na Rua Gervásio Pires, emRecife, Pernambuco. Foi o primeiro lançamento ao qual compareci de umlivro de Alberto da Cunha Melo.

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ÍNDICE

Epígrafes......................................................................011

Condições nem tanto objetivas....................................013

NOTÍCIAS LOCAIS ..................................................015

Mais resíduos da Schutzstaffel (SS) ...........................016Aos mestres, com desrespeito .....................................019Divagações sobre o mesmo medo ...............................020De um profeta latino-americano .................................021Ritual do espancamento ..............................................022Chegada de um camponês à rodoviária ......................023Cançoneta do Terceiro Mundo ...................................024Um lide, para o caso Herzog ......................................025Essas velhas surpresas ................................................026As concessões ou os degraus do palácio ....................027Injunções na central de abastecimento .......................028O desertor se justifica .................................................029Em quatro tempos a ordem .........................................030Antonios & Antonio's.................................................031Ame-a ou chore-a ........................................................032Nos quintais, depois dos quartéis ................................033Réquiem a um ditador .................................................034Macroproblemas e microsoluções ...............................035Bazucas para os colibris ..............................................036Pelo rádio do ônibus, em Recife ..................................037Abel, o reformista maior .............................................038Meninos serpentes ou exportadores de rãs ..................039Previdência social (sem comentários) .........................040Persuasão muito extremista .........................................041Observações do terceiro andar ....................................042Pergunta a todos os condenados .................................043Aconteceu na ala norte ................................................044

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Dilema dos moralistas oficiais ....................................045Quinta enfermaria no fim do corredor(Lá meu pai se hospedou) ............................... ...........046Os cereais e seu destino ..............................................047Cemitério de ônibus da CTU ......................................048O que não era belo ......................................................049Volante, na Mata Sul ..................................................050Neo-romantismo à nordestina ....................................051O porre do comandante ..............................................052O servente: como descobri-lo ....................................053As emergências tão rotineiras ....................................054Um cidadão chato mas respeitável .............................055O executivo está acompanhado ..................................056Reunião da diretoria: expectativas .............................057Na mansão dos York ..................................................058Argumento estranho numa casa de tolerância ............059Instruções para jantar no Hilton .................................060O diretor chega ao restaurante ....................................061A ceia de Maria, última também ................................062As mulheres, na enchente de 75 .................................063Demografia, segundo ela mesma ...............................064As ameaças do auto-encontro .....................................065Na lanchonete dita "Estrela" ......................................066Os substituíveis: um flagrante ....................................067Jorge, o pequeno maneta ............................................068A enfermidade de Cyntia, da boite Color ...................069Uma estratégia como desculpa ...................................070Armas para a alegria conquistada ...............................071Código animal, impróprio para heróis ........................072Vinte e três horas .......................................................073Insinuação à porta de casa ..........................................074Perímetro e periferia ...................................................075Sob as contentes ciladas .............................................076Orgulhos de um autodidata .........................................077As sucedâneas severas ................................................078Quando muitos ficam sem o ópio ...............................079História da princesa Alegria .......................................080A chegada dos paizinhos .............................................081

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Um casal muito auto-suficiente .................................082Avaliações a zero hora ...............................................083Rute, a mundana do cais ............................................084Bondade tipo primeira dama ......................................085Sábios sonhos de sabotagem ......................................086Segundo poema sobre João Câmara ..........................087As vantagens de ser um sórdido ................................088A Jaci Bezerra, num papo antigo ...............................089Ora, que pureza mais suja ..........................................090Uma etiqueta muito reveladora ..................................091Morra este antieducador .............................................092A arrogância dos enforcados ......................................093Homem sozinho na balança ........................................094Olhando-se no espelho do hotel ..................................095A Plekanov, antes e depois do expurgo.......................096A vergonha, poucos sabem contá-la ...........................097O cidadão, mártir do nada ...........................................098Uma sociologia do mercado .......................................099Algum silêncio particular ...........................................100

NOTÍCIAS DA ALDEIA PERDIDA ........................101

Lamento um tanto regressivo ...................................102Canto dos emigrantes ................................................103Nos escombros da comunidade .................................104Refugiados do cotidiano ............................................105Altas sereias de setembro ...........................................106Um sítio, perto de Lagedo ..........................................107Em Tampico, quando ela existia ................................108Novidades na aldeia perdida ......................................109Os Kaapor ..................................................................110Os Adamaneses ..........................................................111Os Esquimós (Para os poetas esquimós Equeerko eMarratse).....................................................................112Os Boximanos ............................................................113Os Zuñis .....................................................................114Inscrições ao vivo .......................................................115

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Herói escovando os dentes .........................................116"Ponta Verde", no litoral do Nordeste ........................117A paz eterna, para os utópicos ....................................118No álbum de Tereza Motta .........................................119Alguma pressa na calçada ..........................................120As penélopes urbanas não têm ajuda dos deuses .......121Tiranos & caramelos ..................................................122Desembarque de rum .................................................123Ninguém diga: desse filho não beberei ......................124Apolo XI, visto de Brasília .........................................125Uma sopa chamada turbulência ..................................126Operação Fênix: relatório ...........................................127Aos poetas patriotas ....................................................128Muito prazer, igualmente ............................................129O que o expediente camufla (Para Renato CarneiroCampos) .....................................................................130Uma carta quase igual às outras .................................131Quase à maneira de Jacques Prévert ..........................132Conversações com uma masoquista .................... ......133Atualizações de Penélope .................................... ......134Este ciúmes dos começos ...................................... ....135No bar da Livro 7 .......................................................136Uma semana de Rute .................................................139A paz relativa ou a catástrofe legal ........................... 141Uma conversa de casal ...............................................142É difícil punir o gato certo .........................................143Assim, já não é fugir ..................................................144Ela, na aula de anatomia ............................................145Olhem os inimigos delicados .....................................146A poesia entra na terapia intensiva ............................147O poeta está na pior, como dizem os jovens(Para Almir Castro Barros) ........................................148A princesa e o plebeu no posto de gasolina ...............149José Teotônio, jardineiro público ..............................150Ainda o mar ou talvez a luta ......................................151A umbanda, novas louvações ....................................152Crueldade de gala, o pragmatismo.............................153Nova discussão sobre o medo ...................................154

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Os Otis, falando também de segurança ......................155Reminiscência de um herói doméstico .......................156Meditações para algum executivo ..............................157"Help", aos periféricos ...............................................158A chantagem dos extremosos .....................................159Domingo, na matinée .................................................160Quando algo foi desligado .........................................161Quando chove no progresso do Recife ......................162Importância da guerra familiar .................................163

Bibliografia ................................................................

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EPÍGRAFES

"De acordo com "O Norte" os seis cadáveres encontrados às11 h. de segunda-feira do dia 30, portavam, além das marcasde balas, facas e punhal, sinais de queimaduras,estrangulamento e algemas, o que possibilitou a algumasautoridades paraibanas imediatamente descartarem a suaautoria sobre o crime, alegando que apenas em casos detransporte de detentos em presídio usavam-se algemas"

Diária de Pernambuco - Edição de 24.12.1978)

"Se a humanidade me concedesse a palavra para que eupudesse expressar os meus próprios pensamentos, juro quefalaria bem pouco. Mas, infelizmente, temem que eu tambémseja como eles, que usam as palavras apenas para escondera própria incapacidade de pensar com lógica e justiça (. . .)Existem coisas que, em nosso mundo atual, só poderão servistas por olhos que ainda conseguem chorar. . . "

(Lúcio Flávio Vilar Lírio, assaltante-poeta brasileiro,apunhalado enquanto dormia no presídio Hélio Gomes, noRio).

"Oculta sob vegetações ideológicas, a simples realidade"(Engels)

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Aos meus amigos de geração, que meajudaram a viver e a escrever este livro.

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CONDIÇÕES NEM TANTO OBJETIVAS

Tudo isso aconteceuenquanto os sóbrioschegavam cedo em casapara alcançar os filhos acordados.

Tudo isso aconteceuenquanto os mansosapertavam nas mãoso cascalho de ferropara não mataros que matavam em paz.

Tudo isso aconteceuenquanto os justosconsultavam "O Eclesiástico"para dividir a castigo

em partes iguais.

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Tudo isso aconteceuenquanto o amor, o trabalhoe outras desculpas verdadeirasse tornavam a pontepara que isso acontecesse.

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NOTÍCIAS LOCAIS

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MAIS RESÍDUOS DA SCHUTZSTAFFEL (SS)

"Em todas as paróquias se escolherão um ou dois padres e dois ou três leigos, pessoas debem, a quem se fará prestar juramento, e que farão buscas freqüentes e escrupulosas emtodas as casas, nos quartos, celeiros, subterrâneos, etc., com o fim de se certificarem seporventura não há hereges escondidos". (Concílio de Tolosa)

Quando a pátrianão é mais tangívelcomo a mudançadas folhas nas árvorese das ânsias nos homens,em nome delaas árvores e os homenscomeçam a tombar:Ó SS, S.O.S.nessas noitesimerecidamente tropicais,quando velhos tiose parceiros de dominó(morando a alguns quarteirões)são menos esperadosdo que os lúgubres alunosde Nicolau Américo;são menos esperadosdo que todosos súditos dos sádicos,os sátrapas dos seikos,

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os servos da segurança,tudo conformea fúria dos fatosou o concílio de sempre,o de Tolosa;são menos esperadosdo que Fleury, o carniceiro branco,com seu incandescenteferro de soldarestalando nos pentelhosda guerrilheira Marta;são menos esperadosdo que as caixas de algemasno porto do Recife ou de Santos, ondetodo pobre é suspeitoe todo suspeito é culpadono mínimo de ser pobre;são menos esperadosdo que os carros de choquee o tilintar das medalhasnos coletes à prova de povo,do que o assalto dos tirasnos bairros sem luz,onde jazem as doutrinasda segurança interna,

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do que o rosnar dos ricose seus "pastores alemães",numa terra invadidapelos seus guardiões.

nov.74

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AOS MESTRES, COM DESRESPEITO

Dizem que meu povoé alegre e pacífico.Eu digo que meu povoé uma grande força insultada.Dizem que meu povoaprendeu com as argilase os bons senhores de engenhoa conhecer seu lugar.Eu digo que meu povodeve ser respeitadocomo qualquer ânsia desconhecidada natureza.Dizem que meu povonão sabe escovar-senem escolher seu destino.Eu digo que meu povoé uma pedra inflamadarolando e crescendodo interior para o mar.

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DIVAGAÇÕES SOBRE O MESMO MEDO

O medo cria músculose sólidos ossosnas nuvens do céu.O medo aumenta o perigoe diminui os homens.

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DE UM PROFETA LATINO-AMERICANO

Preparem os corpospara os desertosque vão ser bem longose não merecidos.Nem as crianças sabemde onde vem o fogo,mas o fogo vem.Se os homens de boa vontadenão têm boas armas,os homens de boas armasnão têm boa vontade.Agora, apenasa normalidade repetidajá será a destruição.

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RITUAL DO ESPANCAMENTO

Espancado para aprendera espancare ser espancado,espancado em nome de Deusou de um jarro quebrado,espancado para falare calaro próprio espancamento.Espancado para aprenderque os homens aprendemespancando e sendo espancados,espancado para dizerque não foi espancado,espancado para morrerpensando que o mundoestá povoadode espancados que espancame espancadores espancados.

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CHEGADA DE UM CAMPONÊS ÀRODOVIÁRIA

És tão pouco, tão pobre,tão nada,como chegaste até aqui?Todos esperavam receber,pelos ruídos que vinham do Nordeste,alguma coisa coletivae numerosa,alguma cerca majestosa.Mas, chegaste,criatura despedaçada,uma após outra,no teu humildee poderoso chegar.

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CANÇONETA DO TERCEIRO MUNDO

Quanto açoe ferro gusafaltam aindapara meu povo nascer?

Quanto passode gansoquanto gostode barrofaltam aindapara meu povo crescer?

Quantos carrosde crédito,quantas guerrasde escarrofaltam aindapara meu povo vencer?

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UM LIDE, PARA O CASO HERZOG

Os duzentos e vinte wolttsacenderam os mercúriosdos frios planaltos,passaram a ferroos capuzes dos crápulas,iluminaram a pistapara o pouso belíssimode ansiosas sônias,mas não revelaramo nome e o sonhoque a milícia dos monstros(desde os tempos de Deus)tanto perguntavam.

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ESSAS VELHAS SURPRESAS

Ao padre e líder Romano Zufferey

Fora do fogo,não há saída:porque fugiré a piormaneira de ficar.Teus escurose falsamente apodrecidospedaçosenvenenarão os abutres:isso ainda é lutar.Fora da luta,não há descanso merecidonão existe despertar.

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AS CONCESSÕES OU OS DEGRÁUS DOPALÁCIO

Hoje, por teu filho,amanhã, pelo filhode quem usa teu filho:quanto mais concedesmais com sede irás.

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INJUNCÕES NA CENTRAL DEABASTECIMENTO

Ah, se nossas laranjascobrissem a terrae disséssemos, com orgulho:vejam, fomos nós que plantamosessas coisas douradase nosso povo está salvo.

Mas o trabalho perdeuessa alegria maior,a de justificarnossa espantosa presençasob a água e a luzde ingratas estações.

O trabalho é agoraa grande justificativapara o ódio acertar(com mais ódio) seu alvo.

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O DESERTOR SE JUSTIFICA

Primeiro, se envergonharão de mimDepois, quando essa vergonhafor aspirada como o lixovolátil das cidades cinzentas,saberão porque eu temiaquando eles se divertiam,e temerão muito mais do que eue pedirão meu trêmulo socorro.

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EM QUATRO TEMPOS: A ORDEM

"Não temos desejos. Cumprimos ordens"Fernando BethlemMinistro do Exército(Isto é, 05-04-78)

A ordemé obedecersem discussãoa ordem.

A ordemé mantersem discussãoa ordem.

A ordemé lutarsem discussãopela ordem.

A ordemé morrersem discussãopela ordem.

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ANTONIOS & ANTONlO'S

Essa lei sempre vencecom seus gazese suas coronhadasno rosto dos antonios.

Ela sabe podaras folhas que balançamentre as altas voltagens,ela faz voltarpara casa, vencidos,os que sobraramna fila dos antonios.

qualquer metáfora,qualquer símboloserve apenas para engordarseus dispositivos.Qualquer medalha em nosso peitoé sinal de que sucumbimos,e não nos chamamos antonio.

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AME-A OU CHORE-A

O calendário diz:- o inverno começa hoje.

O oráculo dos órfãosergue uma bandeira molhada,morta,muito pesada para o vento,muito pesada para os órfãos.Impedida de tremular,ela fala do invernocom mais precisão.

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NOS QUINTAIS, DEPOIS DOS QUARTÉIS

Os uniformes de guerraestão lavadoscom o sabão da terrae as alfazemasdas mocas pardas;estão secandodesde o último solna memória do povo,e não devem maiscontra eleser vestidos de novo.

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RÉQUIEM A UM DITADOR

Ajeitou os óculos e disse:queria estar velhonum terraço esquecido,feito de tábuas soltas e azuis tardios.Só assim,nenhum povo assustariaos primeiros abutrespara ver-me, trêmulo, na sacada,e torcer pela minha agonia.Ajeitou (mais uma vez) os óculos e disse:não morri tarde,morri antes de mim.

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MACROPROBLEMAS E MICROSOLUÇÕES

A fronteira sino-soviética,o canal do Panamáe o roubo do canário de Márciosão três problemas para o mundo.O mundo tem problemasporque possui fronteiras,canais e canários.

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BAZUCAS PARA OS COLIBRIS

Arsenais da Otan e do Pacto de Varsóvia:Ó delicados argumentospara os pendões de milhoe os meninoscontinuarem a crescer.Os povos africanosnão planejam invadiro Leste Europeu,e as moças da Rússia,como as outras escovamseus cabelos pela manhã.De que demôniosmais sanguinários do que nósas armas que produzimosnos protegem?

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PELO RÁDIO DO ÔNIBUS, EM RECIFE

O pesado e pisadoônibus de San Martinanunciava pelo rádioa reunião de cúpula do mundo árabe.Ninguém, é claro, prestava atençãoNo longínquo cerco aos palestinos.Todos ali, como se diz,Estavam também cercados(o que aumentava mais aindao cerco universal dos palestinos).Estes, em seus acampamentos,ouvindo já próximoo ranger de dentes cristãos,não podiam preocupar-secom os operários e enfermosdos ônibus que fazema linha San Martin/Recife(o que aumentava mais aindaa solidão dos passageiros).

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ABEL, O REFORMISTA MAIOR

Abel quer salvar a terra,mas a terra se arma,a terra resistee Abel se embriagapara comovê-la.Escreve cartas a Damasco,telefona a Moscou,leva mostrasde arroz calcinadoaos químicos da General Motors.Mas Damasco, Moscou e os químicospouco podem fazere também resistem,e Abel se embriagaporque eles resistem.Enquanto Abel se embriagaCaim toma conta da terra.

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MENINOS SERPENTESOU EXPORTADORES DE RÃS

Os charcos da Zona da Mataexportam rãspara o Mercado Comum Europeu.Dentro da noite pobre,elas são caçadas pelas criançasque dormem tardee conhecem o cantodas rãs adultas e gordas,tipo exportação.À hora em que Deusé louvadopelas outras crianças,esses meninos (répteis e órfãos),silenciam os pântanos.

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PREVIDÊNCIA SOCIAL(SEM COMENTÁRIO)

Os humilhados têm nomes simples,fáceis de decorare de esquecer.Habitam o vestíbulode tudo.Antes mesmo que os zeladoresEspanem as mesas,limpem os cinzeirose abram as janelas,eles já chegaram.Antes mesmo que o solentre na sala principaluma fila silenciosaescurece o vestíbulo.

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PERSUASÃO MUITO EXTREMISTA

Com as mãos recém-urinadas,ele escreve o seu recadopara os amigos.Sujo de si, talvezseja logo entendidoe quatro ou cinco blasfêmiasou risadas recolhaantes do entardecer.A verdade é que desaprendemosa ser grandes em tempos de paze tentamos ser novose outros:o que somos já não servepara iludir a filharadaou amansara perversidade da terra.

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OBSERVAÇÕES DO TERCEIRO ANDAR

Os que não suportavam maise urravameram silenciados pelos motoresda fábrica de cerveja.E tudo era um alarme só,O da terra sendo trabalhadacontra aqueles que a amavam.

O carro fúnebrechefiava o cortejoanônimo e diluídono tráfego das cinco.A morte não faz hojeo barulho de ontem,mas os mortos,como ontem,continuam indiferentes.

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PERGUNTA A TODOS OS CONDENADOS

"Os condenados são belos"dizia Kafka.Os condenados possuema beleza de seropção e desviona linha férrea do tempo.Com eles beboem paz a minha cervejae posso cantarminha inveja supremade não ser um deles.Amo os malditose me deixo matarpelos meus semelhantes.

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ACONTECEU NA ALA NORTE

Que novo tipo de drogaescondida na latao prisioneiro aspiranoite e dia?Cheira apaixonadoas fezes já velhasdo companheiro trucidadopelo carcereiroque agora lhe vem trucidar.

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DILEMA DOS MORALISTAS OFICIAIS

Amanheceu:os ascensoristas estão a postos,a noite não destruiu a ordem.Mas as crianças ainda podem nascere o mundo tentar tudooutra vez.Não vai ser fácilQueimar tanto joioe poupar todas a mães(sempre "santas")e todos os pais(sempre "honestos e trabalhadores").Não vai ser fácilEncontrar um joiocom nome de joiopara queimar.

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QUINTA ENFERMARIANO FIM DO CORREDOR

(Lá meu pai se hospedou)

Finalmente, chegamosà Quinta Enfermaria:onde os tubos de soroe de oxigêniosó chegam para darcerta solenidade técnicaà morte.Aqui, a dorsó é ouvidase for capazde varar o sossegoe a morfinadas outras enfermarias.

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OS CERAIS E SEU DESTINO

Esta falta de Deusera mais esperadado que esta falta de Homens.Mas, que demônioteve os testículos trituradosa ponto de seu ódiotriunfar sobre as balizas do Ocidente?

Não são mais festejadasas notícias de grandes colheitas,porque as notícias sozinhasnão fazem crescer as crianças.E as palavras retornamaos seus primitivos rumorese são pesadas como o grãoque existe,e o grãoque falta.

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CEMITÉRIO DE ÔNIBUS DA CTU

Ônibus mortos, mortos,abatidos com o peso do povo.quando as ervas, manchadas de diesel,vos cobrirão fatalmentena garagem esquecidae fim de todas as linhas?Qualquer metafísica se dobraa essas ferragens fraturadase úmidas carcaças, onde o nomedo bairro humildevai-se apagando cobertopelas hastes dos lírios silvestres.Quantos quilômetros rodadosdo subúrbio à cidade,da cidade ao subúrbio.Quantos quilômetros roubadosà viagem sonhadaque vossos passageirosnão puderam fazer.

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O QUE NÃO ERA BELO

Antônio nunca recebeuo Prêmio Nobel da Paze nenhum jornal de Estocolmojamais fotografouseu rosto cinza, sua barba falhada.Antonio bebeu, bebeupara não explodir,bebeu até perder, definitivamente,a vergonha de correrou cantar.Até receber caladoo primeiro escárniodas mulheres sem dentese os murros do povo abandonado.

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VOLANTE, NA MATA SUL

A foto dos três palestinosenforcados no Líbanofoi encontrada no bolso de Inácio,cambiteiro de cinco engenhos:era um pedaço de jornalque enrolava um pedaço de fumocomprado na feira de Palmares.Inácio, segundo o legista,morreu porque tinha olhos castanhos,e olhos castanhos fazem mal ao futuro:as pessoas que os têm, diz a lenda,geralmente morrem enforcadas.

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NEO-ROMANTISMOÀ NORDESTINA

Com essa queixa, essa repugnantebaba a escorrerno queixoso queixo,é assim que um homemcomeça a sobrar na terra.Justamente quando começaa dispersar em suspirossua grande explosão.

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O PORRE DO COMANDANTE

Na mesa, onde as moscas agonizam,tu bebes, gigante do desgosto,como qualquer ferreiro doente.Tu bebes, porque é estaa única fraqueza permitidaa um guerreiro assim,numa terra assim,depois da derrota.

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O SERVENTE: COMODESCOBRI-LO

Às mesas limpasninguém presta atenção:porque João só existequando não compareceà repartição.

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AS EMERGÊNCIAS TÃO ROTINEIRAS

Enquanto os feridossão transportados às pressaspara o oxigênio e o plasma,e suas hortas genitaissão expostas inteirasnas passarelas do bairro sujo,e o sangue borra seriamenteos colarinhos, as pastas negrase os carros dos bebes;enquanto a vida,louça monstruosa,racha-se nas extremidades,tu bebes teu conhaquecom vergonhade não ter feito mal a ninguém.

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UM CIDADÃO CHATO MAS RESPEITÁVEL

Os impostos pagos em dia,a casa pintada de brancoe a mulher dormindocom as coxas marcadaspelos dentes mais limpose pontuais do subúrbio.Tudo funcionando:o intestino, o relógioe condicionador dos meninos.Mas o mínimo soprodo ventos vizinhosperturbará esse reinodas coisas compradas.

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O EXECUTIVO ESTÁ ACOMPANHADO

De longo negro,tua fêmeapassa entre as mesascercadade olhos famélicos:isto é naturalmente bompara o cadastro bancárioou a úlcera de estimação.Fartas fatiasde presunto e melãodescem fácilse descempela garganta vitoriosa.Vences, agora, fácilo que vences:tua vitória éser visto somente.

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REUNIÃO DA DIRETORIA: EXPECTATIVAS

Todos reconhecemseu direito exclusivo de estar nervosoe seus coices serão perdoados no fim do ano.Quando cisma em calar-se,seu silêncio é dissecado nas ante-salascom pinças longas de quem mexe(de longe) nas entranhasde algum cadáver radioativo.E ele sabe disso.Seu murro na mesa de vidropode interromper um destino.E todos sabem disso.

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NA MANSÃO DOS YORK

Três vezes por semanaa piscina é lavadaa sumo de limãoe os jardineiros se revezamexpulsando as folhas mortas,desabraçando as parasitas.Cada sala, cada banheirotem o perfumede um bosque estrangeiro.Esta casa é tão grandeque seus moradoresraramente se encontram.

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ARGUMENTO ESTRANHO NUMA CASA DETOLERÂNCIA

Seus dodges de luxojá buzinam agorapara os portões dos fundosda História.Mas a raiva de certos séculosenferrujou os ferrolhos,modificou os mordomos,forrou de ferro e fungoo tempo da tolerância."Quem faz confusãopaga com o espinhaço",diz-nos do alto de suas omoplatas,o leão-de-chácara do puteiro pobre.

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INSTRUÇÕES PARA JANTAR NO HILTON

Observe com atençãoo teor de cristaldos altos copos,a virgindade das velase a limpeza das unhas do garçom.Nem a face de Cristodeve maculara pureza de teu guardanapo:tudo deve estarcomo não estás.

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O DIRETOR CHEGA AO RESTAURANTE

O motorista abre-lhe uma portae as mulheres a outra.O vinho passou um séculoesperando para mergulharem sua garganta,e os garçons treinaram três anosuma nova gentilezapara servi-lo.Que coisa extraordináriafez esse homem?

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A CEIA DE MARIA, ÚLTIMA TAMBÉM

Cheiravas a ódio alaranjadoquando, para teus inimigos,serviste o último jantar.Os que iam morrerreceberam, no fim, vinhos e guardanapos,e fizeram um brindeà tua hospitalidade,e prometeram ainda voltar.Mas, nem sequer se erguerampara socar as camisas,nem sequer viramtuas saias em chamas.Um a um, foram emborcandosobre a mesa: começarama ferver seus vinhosvenenosos,a partir-se delicadamenteseus hipócritas cristais.

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AS MULHERES, NA ENCHENTE DE 75

Sobre a lama e os inchados cadáveresas mulheres passeiam excitadas.Elas gritam, com seus shorts ligadosà delicada borracha,que vida e seus despojosprecisam de raivosose altivos sobreviventes.Elas mordem, para vingar-se,a oblíqua haste dos vencidose os denunciam, sedentas,e se recolhem, depois da catástrofe,ao seu rancor milenar.

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DEMOGRAFIA, SEGUNDO ELA MESMA

Ordem, mais ordem:a massa deve fluircomo um grande pedaço de águasem história, um pardofarrapo de rioque deságua no nada.Ordem, mais ordem:Cada homem pensandoo que pesa na multidão,cada homem crescendona ordem inversada quantidade de seus irmãos.

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AS AMEAÇAS DO AUTOENCONTRO

Poucos, como você,Trabalharam o vazioCom tanta certeza triste,com tantas garras de garçacom tantos zeros e zebraspela frente.

De todas as coisas,só buscava a alegriae buscava tudo.Houve muitas piadas,muitos vermouths,muitas mulheres,só você mesmo não houve.

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NA LANCHONETE DITA "ESTRELA"

O almoço rápidodesce em bolos, balas,em filas, fungosde ferro,com ticketsde caixa,sinais da cruza telefonemas soluçados.O almoço rápidotem o gostodo gás brancodas botasdo fugitivos.Depois dele,nem redes,nem risos:que cansaçoque infinito!

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OS SUBSTITUÍVEIS: UM FLAGRANTE

Mulheres em chamasjogam filhosnos maridos repugnantes,que rezam deitadosde tão bêbadose a noite apenas começou.

Estas mulheres, estes filhose estes maridos repugnantes,quando desaparecerem,casas tranqüilos habitarão suas casas,já de muros mais altos,e em cujas ruas a prefeituraplantará ficus e flamboyants.

Como se nada tivesse acontecido,como se o próprio abandonobaixasse à terra com os abandonados.

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JORGE, O PEQUENO MANETA

Decepada a mão direita de Jorge,aos dois anos, quando eleousava enchê-la de arroz.Essa mão solta, apertandoos grãos cozidos pelo ódioe pelo ódio defendidosficou na mesa muito tempo.

Os irmãos mais velhos olhavam-nacomo a um brinquedo sem graçaque a mãe, de um só golpee, de surpresa, jogarasobre a mesa de fórmica.

Essa mão de dois anos,incapaz de abarcarum copo de sorvete,segurou-os, um a um, pelas roupase arrastou-os para uma cidadeonde o horror toma o ônibustodas as manhãs.

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A ENFERMIDADE DE CYNTIA,DA BOITE COLOR

No corpo de Cyntia,limpo e cintilante,o cristal vazavacinicamente o seu pus.Pelos rachões do cristalCyntia se viavazando escondidasua fétida luz.

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UMA ESTRATÉGIA COMO DESCULPA

Um passo a maisnesse poçoé irreversível,porque o resto é cairna flora terminalde todos os abismos.

Todo erro dos fracosé um erro fatal.

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ARMAS PARA A ALEGRIA CONQUISTADA

Com odesou ódiosdefendaa sua alegria:tão mansatão mudae medrosa:menina excitadana selade um cavalo ferido.

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CÓDIGO ANIMAL, IMPRÓPRIO PARA HERÓIS

O esquecido heroísmo do corpopela sua unidade,o subterrâneo recrutamento da luzcozinhando por dentrosuas formas de adeus.Tudo isso, e maisa infinita vontade de vencer.Há touros, pássaros e peixescovardes.Só o homem perdeu esse direito.

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VINTE E TRÊS HORAS

Deveríamos estar em casaouvindo a mulher queixar-sedas crianças, das varizes,do vento de agostoquebrando suas dálias,do seu corpo jovemesperando o outro... verão.Deveríamos estar com as mãosem seus cabelos indecisose propondo-lhe o terrívelpasseio de ônibusà praia de São José da Coroa Grande,em algum Domingodepois da promoção.Tudo isso seria possívelse a vida merecesseuma agonia maiordo que o remorsode não ter sofrido um pouco mais.

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INSINUAÇÃO À PORTA DE CASA

Tudo que é grandetem de ensangüentar a cabeçapara abrir caminhonos bosques viciadoscom animais e sonhosde pequeno porte.Tem de ensangüentar a cabeçaOu diminuir o seu ímpeto,levando para o túmuloa metade de sua grandeza.

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PERÍMETRO E PERFIFERIA

Uma terra feitapara mortos e matadores,o habitat perfeitopara as soluçantes terezasque abrem as portas de um mundo em movimento,e se jogam no seco granito.

Com o sexo apodrecidoelas às vezes atacamos bons rapazes da capital,e dançam com seus longos de mesclaà beira de uma piscina noturna.Altivas putas que empunhamos nossos pênis e batemem nós com nosso própria culpa.

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SOB AS CONTENTES CILADAS

A alegria, esta moça do campo,arma alçapões coloridospelos caminhos;a alegria, esta poça de canto,prende caminhões perdidos,pelos caminhos;a alegria, esta lança de louça,mata a atenção dos vivospelos caminhos.

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ORGULHOS DE UM AUTODIDATA

Enquanto cavas tua própria fonte,outros procuram os regatosprontos, as chuvas automáticas.Mas ardem mais, e morrem maisos que ousam viver mais.

Eis a infâmia e sua justificaçãoao alcance de todos,para homens sem tempo, ocu(l)padosem crimes mais perfeitos.

Teus dedos sangramantes de tua fonte.Profunda é a terra,mas continua.O último órfãodo último séculoainda pagaráos juros de tua cicatriz.

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AS SUCEDÂNEAS SEVERAS

Limpasou manchadas de digitais,alcançadas ou não,elas perturbam.Quantos olhos vencidosdeixaram de receberesse brilho,essa luz, esse cuidado luminosocom a superfície das coisas?De que ausências,de que símboloselas são a madeira?Quem as protegeda poeira e da chuvaque coisa ausente estará protegendo?Ou, que rosto presente,mais vivoe mais completo do que elasestará sem proteção?

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QUANDO MUITOS FICAM SEM ÓPIO

Os que mataram Deusnão tiveram ainda imaginaçãobastante para inventaroutra coisa tão mágicaquanto aquele ser de borrachaque nos alcançavaem qualquer ponto da floresta.Naquele tempo,não se era tão pobrequando se erafilho de Deus.

Só o Deus dos pobresmorreu.

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HISTÓRIA DA PRINCESA ALEGRIA

Era uma alegriaque olhava sempre para os ladose tinha medode ser uma alegria.Quando se extremava,guardiões a tangiampara os becos baratose os portos desertos.

Nós, os zeladoresdas ruas mais claras,demos-lhe um nometão cheio de fel,que só com ódioconseguimos pronunciá-lo.E, no entanto, ela é levecomo julgávamos nossos filhos,e bela,como julgávamos nossas amadas.

Ó alegriaquando poderemosnus e indefesos merecer-te?

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A CHEGADA DOS PAIZINHOS

Eis o mal que fizeram hoje:três copos partidose o tapete cortado.Chegamos cedoe somos o seu medo:os criminosos chegam cedopara punir as crianças.Nosso castigo gigantescoensina-as a cometerum crime de verdade.

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UM CASAL MUITO AUTO-SUFICIENTE

Eles se bastamporque são rasose pouca água os completa ou se bastamporque não querem mesmo se completar?

Parafuso e porcade uma máquina surda, ele e elanão discutem que flores,que homens, que junhos

ajudam, com seu amor,a triturar.

Eles se alcançamporque não tentamoutra coisa mais altaque seu amoralcançar.

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AVALIAÇÕES A ZERO HORA

Hoje, não paramos no bar,não cortejamos a moca da lanchonete,não discutimos os defeitos do chefee, no entanto, não estamossuficientes levese livres para dormir.O serviço ficou pronto,a autoridade dos diretoresestá salva.Mas, como dormirdepois de um dia inexistente?

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RUTE, A MUNDANA DO CAIS

Nem tudo e nem todosestão perdidos.Só Rute e o Ocidenteestão perdidos.Quando o garçomjogou-lhe uma cadeirae expulsou-a da terra,o Time silencioue "O Estado de S. Paulo"escolheu divulgaras últimas olimpíadas.Um diao sol explodiráe os maus também desaparecerãoQue consolo, hein, Rute?

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BONDADE TIPO PRIMEIRA DAMA

A bondade é, às vezes,o simples temorde ficar à vontade.O simples temorde partir a coleirado animal já coléricoque nos morde por faltade ração mais estranha,de garganta mais novae mais baixa que a nossa.A bondade é, às vezes,simplesmente o medode morrermos juntosdo animal que somos.

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SABIOS SONHOS DE SABOTAGEM

De repente, escutaro que a brisa ou o rumor do tráfegogentilmente souberam esconder:sob risos ou discos de Pink Floyd,estás visivelmente perdido.O que antes era chamado limiteassume a sua temívelnatureza concretade colibri ou exaustão.Mas, antes de entregar a cabeça,vamos enchê-la de sonhos:alguns deles rebentarão dos estercos,onde pastam com os cãesas magnólias enlouquecidas.

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SEGUNDO POEMA SOBRE JOÃO CÂMARA

Objetividade perversacontra o sonho delicadode quem se distraicom o fumo policrômicodos incêndios alheios,enquanto uma mulherprocura avidamenteum sanitário pela cidade.

Realismo anteriorporque antes que o realpossa disfarçar-se,cirurgia intestinaprocurando o verãolá dentro dos homens.

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AS VANTAGENS DE SER UM SÓRDIDO

Só os sórdidosamam a mulher do próximomais do que o própriobebem e babama buceta das bruxasque abusam delese, às vezes, choramcomo qualquer anjo.Só os sórdidossaltam os salmosdos salvospara ouvir os sujose os sórdidos.

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A JACI BEZERRA, NUM PAPO ANTIGO

As caixas de anfetaminas,as urnas e os mísseis juninosse misturam nos quartosdas fêmeas enfermas,nas bolsas dos fetosfermentados pelo medo.

O dia está belo,dizem os que vão para a praiaAh, talvez seja um crimetanto desmenti-losquanto fuzilá-los.

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ORA, QUE PUREZA MAIS SUJA

A pureza é outra coisa:é este modo de estar sujoda lágrima ou do catarroque não jorraramdos nossos olhos ou de nossa boca.É esse jeito de esponjaque morre pesadae mais sujamas morre maior.

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UMA ETIQUETA MUITO REVELADORA

O conhaque aquecidona mão direitadeve elevar-se lentamenteaté os lábiosque, por sua vez, estarãoapenas entreabertos,como os de quem diza palavra cedo.Justamente porqueé realmente cedopara os gestos mais largosde cortar o faisãoou desdobraro guardanapoverde da permissão.

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MORRA ESTE ANTIEDUCADOR

Para criar nossos fi1hosinterrompemos a aventurae chegamos cedo em casa.Quanto menos somos,mais o mundo se orgulhade nossa triste maturidade.

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A ARROGÂNCIA DOS ENFORCADOS

Todos estão feridos,os fortes, inclusive.O que difere é comoferidos nos comportamos.Poucos sabem que o choroé também estelevantar de cabeça,este modo de limpar o revólver.Para todos, é sempre isto:o oscilar do corpo para uma terraávidapor recebê-lo de volta.Nem só aqueles que oscilam merecem misericórdia.

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HOMEM SOZINHO NA BALANÇA

Sou pouco para tantospedidos de socorroe pouco, muito pouco,para ser socorrido.

Sou pouco para amaros que têm merecidomeu pouco amor;para prender, seguraro amor que mereço,pouco para suportarser tão pouco.

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OLHANDO-SE NO ESPELHO DO HOTEL

Agora me lembrodo que sou:nenhuma palavra alta,nenhuma ousadia maiordo que a de esperarque os outros não ousem contra mim.

Agora me lembrodo que posso:posso o que não sonho,o que não amo,posso o que sou.

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A PLEKÃNOV, ANTES E DEPOIS DOEXPURGO

Falo do sempreou melhordo que sempre nos acontecee não me saio bem:é disto que todos fogemà procura da enésimamaravilha do mundo.Não estou certo, nem errado,estou sozinho.

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A VERGONHA, POUCOS SABEM CONTÁ-LA

Cheio de vergonha,gaguejo diante cios diretoresque nasceram só para assistirà minha vergonha.Verme perfumado, rastejocom pedaços de terra vivasoltando-se do corpo:envergonhado de ser vermee ver-me sorvendosuco de sânie e triturandoolhos azuis apodrecidos.Tanta vergonha,e nenhum gol na infância.Tanta vergonhae nenhuma facefeita para a fuga.Tanta vergonhae nenhum deuspara assumi-la por mim.

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O CIDADÃO, MÁRTIR DO NADA

Renunciei a tomaro décimo rume meus filhos não se salvaram.Renunciei a tocara carne ansiosa de Carla,quando tudo já estava pronto,e minha mulhernão interrompeu o seu pranto.Renunciei a partir,enquanto a madeira do barcoapodrecia no cais,e não salvei meu país,Renunciei a romperas artérias dos mause fui sepultado como um deles.

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UMA SOCIOLOGIA DO MERCADO

Esquecido dos anúncios,compro as coisas anunciadas:a pasta branca do sorriso de Maria,o detergente detetiveem busca do gérmen misterioso,a goma de mascarsucedânea de quemnão podemos triturar,ou um tipo discretoe menos bíblicodo ranger de dentes.Esquecido dos painéissou, à distância, acionado:as faixas de pedestree os sinais semafóricosnão me defendem propriamente:eles visam a salvara caminho do consumoo provável consumidor.

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ALGUM SILÊNCIO PARTICULAR

Dentes trincados, contra o falso que procura borraro teu vestido imaculado.Dá-me, na garganta de granito,um silêncio cheio de porosonde todos os sonhospossam respirar.Cansei de não ter cansadoo bastante:quero dormir como dormemos que tentaram tudo.

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NOTÍCIAS DA ALDEIA (PERDIDA)

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LAMENTO UM TANTO REGRESSIVO

Calei muitosanos de calados dezembros,quando o gosto da champanha azedacombinava com todas as ânsias.Calei muitoe não falaram por mim.

Aprendi sozinhoo que sozinho se aprendedo instante que não quer sermais que um instante,e de nós, que nos matamos,para ser esse instante.

Calei muitoe não fui reclamado:minha voz não era a esperada.Mas, o que disseramdurante o meu silêncio?

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CANTO DOS EMIGRANTES

Com seus pássarosou a lembrança de seus pássaros,com seus filhosou a lembrança de seus filhos,com seu povoou a lembrança de seu povo,todos emigram.

De urna quadra a outrado tempo,de uma praia a outrado Atlântico,de uma serra a outradas cordilheiras,todos emigram.

Para o corpo de Bereniceou o coracão de Wall Street,para o último temploou a primeira dose de tóxico,para dentro de siou para todos, para sempretodos emigram.

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NOS ESCOMBROS DA COMUNIDADE

Marchamos para o urro de Kiekergarde não para o ingênuo cantardas lavadeiras de nossa terra.Descobrimos que a vidapode ser possívelque a vidapode ser divididae começamos a despertarpara a caça sangrentado que ainda existe de vidaem nossa vida.Mas, às vezes, despertamospara salvaros que se afogamnas águas do nosso despertar.

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REFUGIADOS DO QUOTIDIANO

As crianças sabem morrerporque pouco aprenderam conosco,porque não tivemos tempode estragar a sua morte.

Mas, alguém começa a reger,onde quer que elas morram,uma orquestra brutal.E esta era uma noiteque prometia revelar,uma por uma suas estrelas;que prometia revelar,aos seres extremos,uma por uma suas estradas.

Onde, as cidades, as aldeiassabiamente estagnadasem sua inocência?Para lá deveríamos transportaros pequenos corpos arquejantes,os pássaros velhose as folhas amarelecidas.

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ALTAS SEREIAS DE SETEMBRO

Setembro vem depois dos ventos,depois dos tristes noticiários de agosto.Na minha terra os pobres saúdamo início das colheitas de cana,a estação pública dos banhos de sole abraçam as espumas:brancas recepcionistas do Atlântico.

Setembro, na minha terra,é o mês do mar,o aniversário da esperança.

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UM SITIO, PERTO DE LAGEDO

Tudo tinha sentidoquando a chuva e o sol,não os outros homens,diziam quantos filhos e espigas teríamosnos próximos anos.

Tudo tinha sentidoquando nossas mulheres,abrindo a porta dos celeirosse enfeitavam, sem medo,para a entrega noturna.

Tudo tinha sentidoquando éramos poucose envelhecíamos ensinandoa viver e plantar.

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EM TAMPICO, QUANDO ELA EXISTIA

As crianças da aldeiaàs vezes tinham febre

e os médicos, naquele tempo,moravam tão longedos pobres, como hoje.Mas as ervas cresciampara salvá-las ou matá-lascomo eles o fariam.As crianças enfermasbebiam o suco ásperodas ervas braviase esperavam o amanhecer.O tamanho da aldeiadependia do minúsculo corpoque lutava no escuro,o tamanho da terraaguardava o finaldesta lutapara voltar a crescer.

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NOVIDADES NA ALDEIA PERDIDA

De tão previsíveis,vestíamos com medouma roupa nova,mas ali uma roupa e um homemcustavam a envelhecer.Tão previsíveisque uma festa sem os Silvaou sem os Queiroztornava-os estranhos:porque ali as festaseram poucas, mas feitaspara todos nós.

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OS KAAPOR

Acreditávamos no reino de Maíra,um céu longínquo, que ficava(depois soubemos),na cidade de São Luiz do Maranhão.Para lá fomosdespidos, mas portandoos emblemas tribais.E vocês nos prenderame vocês nos vestiramcom suas roupas compradase depois nos bateramcom seus bastões de borracha.Quando Uirá, nosso grande chefe,humilhado compreendeuque aquele sofrimentonão era desígnio de Maíra,afogou-se num rioinfestado de piranhas e piroques.E só nos restou acreditarque o reino de Maíraé aquele onde Uirá,nosso grande chefe,agora está.

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OS ADAMANESES

Não precisamos sermais precisos que a natureza,quando as árvores nos dizemem que safra estamos,quando as frutas e as criançasnascem no tempo certo.

As árvores, nossas protetoras,com seu luxuosocalendário de cheiros,seus milhares de olhos maravilhosospresidem tudo por aqui:marcam as horas em que as mãospercorrem o corpo das jovensprocurando estrelasque nunca se perderam,marcam as horas dos rituaisfúnebres de nosso povo,um povo educado pelas árvores,que aprendeu a safrejarem silênciopara não acordar os lenhadores.

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OS ESQUIMÓS(Para os poetas esquimós Equeerko e Marratse)

Como somos poucos,tentamos preservar-nose a canção é a únicaforma de defendero nosso amor,e a canção é a únicaforma de reaveras vísceras de ursoque alguém nos roubou,e a canção é a únicaforma de castigaro que pecou,e a canção é a únicaforma de mediro vencedor,e a canção é a únicaforma de batalhaque nos restou.

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OS BOXIMANOS

Entre nós, as coisassão maispara serem dadasque possuídas.De mão em mão,esta faca perderá o seu fioe morrerá saciadade tanto saciar.O que mais desejaé o que mais merecea coisa desejada.O que mais se desprendedaquilo que possuié o que mais possui.

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OS ZUÑIS

Ele não ganhounenhuma corrida,e também não ficoutão atrás, que chamassea nossa atenção.

Seu nome só eralembrado por nósquando estava presente.Sua voz nunca foitão alta que calasseas vozes vizinhas,nem tão baixa, a pontoque a aldeia exigissesua repetição.

Tão igual, tão únicoem sua igualdade,que um pedaço de nósrealmente partiuquando ele morreu,que um pedaço de nósrealmente existiu,

realmente partiuquando ele morreu.

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INSCRIÇÕES AO VIVO

Escreveu sua alegriaassim: "outubro",e ninguém entendeu.Ela era simples: ao arroz quentedeu a forma de suas mãose o amado achou-o doce,e o amado nunca o esqueceu.De pequenose constantes gestosé que se faza grande saudação.Foi assim que as palmeirase as criançasconseguiram crescere suportar-nos.

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HERÓI ESCOVANDO OS DENTES

Mandaram-me brilhare fui apenasuma lâmpada jovemde poucas velas e muitos valespara iluminar.Resolveram aceitar-metal simples vontade de luzno céu dos antepassados,mas com a cômicae conseqüente cautelados que tememsorrir com intensidade,dos que temempagar com altas taxasde colesterolsua primeira alegria.Muitos me amaramcom enormes mãos delicadas

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e no fim gritaram:- Nem mesmo este cordeirodeve apodrecer tanto tempona mesa da misericórdia.Ao sul de Mombasa,em qualquer suleu teria o mesmo destino.

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"PONTA VERDE",NO LITORAL DO NORDESTE

O noite, conte-nos de novosua história de barcos extintos

e essa chuvosa falta de socorrona trêmula superfície do mar.

O primeiro rancor,o primeiro roncarde caminhões na estrada:a morte seca:

a morte sem o elegantíssimocortejo das sardinhas.

Velhos cadáveres,como doces relíquias espetadasnas portas verdes do mar,voltam a afogar-see, de novo, a oferecer-seà impiedosa falta de lembrançados homens.

A mudança, a mudança,eis o mais recentenome da pressa e da aflição

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A PAZ ETERNA, PARA OS UTÓPICOS

Não moramos aqui,mas onde o espíritoou qualquer coisa mais levedo que os dedos da amadacostuma habitar.Numa casa só violadapelas folhas da brisae o riso das moçasque passam na estrada.

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NO ÁLBUM DE TEREZA MOTA

Quando a terra crescer,vai mudar de nome:talvez terrível, talvez Tereza.Se estudar de mesmoos senões dos sinos,as lições da luz,Tereza será o nome da Terra.

Os habitantes de Terezaterão a pele coloridaque nunca vi,e escreverão livremente os livrosque nunca escrevi.

A História dividida em antese depois de Tereza:a vida recomeçadaem cada fósforo,em cada pássaro,em cada Tereza.

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ALGUMA PRESSA NA CALÇADA

As vezes, nos sentimosacima desta agonia concretae cantamos poderosamentesobre o majestoso granito.Algo pode ser feitodesta massa comumque tudo assimila e reduzà sua própria matéria?Alguma mulher infinita(só duas ou três não são infinitas)abrirá sobre os balcõessua carne melodiosade tanto ser beijada?As pessoas se descobremmuito tarde:só se vêeme se falam(mesmo)quando já passaram.

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AS PENÉLOPES URBANAS NÃO TÊM AJUDADOS DEUSES

Os meninas fazemtantas coisas iguaisque espero tua chegada:único acontecimento do meu dia.

Mas, quando o trincoé aberto devagarsei que não chegas para mim.A noite já devoroutuas palavras maduras,teu modo antigo de chegar.Teu alvoroçofoi substituídopor um certo respeitopelas coisas distantes,e eu queria ser amadaou pisadacomo uma coisa viva.

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TIRANOS & CARAMELOS

Dai-nos as tardescobertas com o cremedas areias livresdas areias que cobremos corpos gigantesdos tiranos mortose onde correm as moçascheirando a caramelo.

Dai-nos as tardesque os antigos cantaram,onde cruzam no espaçocom o pólen dos jambeirosas cinzas voláteisdos tiranos mortose onde correm as moçascheirando a caramelo.

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DESEMBARQUE DE RUM

Os músculos negroserguem as caixas de rume os sacos de raízesquando a noite começaa ter sede e. fomede simplicidade.

São fortes e brilhamos músculos negrosao suspender as criançasnos celeiros do norte,quando até os insetosconseguem perturbaro sono dos sábios.

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NINGUÉM DIGA: DESSE FILHO NÃO BEBEREI

Uma casa, um poema, uma ponte,muita coisa sendo construída

e eras só a possibilidade de uma ânsiaenquanto os homens trabalhavam.Ao secar o poço materno,o pão já estava cortado,as meias tecidase o jardim varrido.Tudo parecia completoe, no entanto, erasnova tentativa do mundopara completar-se.

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APOLO XI, VISTO DE BRASÍLIA

É nova a nave antesdo primeiro vôo,mais nova aindase apenas projetadana prancheta,ainda mais novase apenas sonhada,mais nova aindase nem pelo sonho podeser tripulada.

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UMA SOPA CHAMADA TURBULÊNCIA

Estrelar alguns ovosde serpentes nativase misturá-las ao sumode qualquer margaridairremediavelmente pisada,ao sustode qualquer irmãque bater no portão caído.Acrescentar água das telhasdo último junhopassado na casa paternae levar tudo ao fogoda alegria não permitida.

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OPERAÇÃO FÊNIX: RELATÓRIO

As crianças sempre encontrammuita coisa para brincardepois dos bombardeios.Nossos trastes, só espedaçados,ganham para elasum novo interesse.A ruína é apenasoutra ordemdifícil de aceitar.

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AOS POETAS PATRIOTAS

Não me deram tempopara amar minha terra:dela só conhecio que há em todos os hectaressombrios da Terra.Estive sempre em salasonde o tempo e as mãoseram mais vigiadosdo que o céu pelos camponeses.De minha terra só ameio que os outros poetasme contarammuito tempo depois.

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MUITO PRAZER, IGUALMENTE

Novos amigosou novos medosde ofenderou ser ofendido.Novas esperasou novas formasde assistirou ser assistido.Novos ensaiosou novos módulosde a (ferir)ou ser a(ferido).Nova fraudeou nova esperançade encontrarou ser encontrado.

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O QUE O EXPEDIENTE CAMUFLA(Para Renato Carneiro Campos)

Tudo era adeuse não sabíamos:o olhar de admiraçãopara as moças do próprio bairro,a urgência de dizer-nostantas vezes que estavacansado de brigare a humildade repentinasolfejada no zênitede sua agonia.Tudo era adeuse só escutávamosa demorada saudaçãode alguém que chegavacom seus incêndios e seus guizospara conversar.

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UMA CARTA QUASE IGUAL AS OUTRAS

A carta era curtamas falava de certa planícieonde carcaças de tourose tratores quebradosdisputavam a mesma desolação.Nenhuma gentileza formalborrava a escassa superfície:só duras informaçõessobre a última tarde de chuva,e rápidas referênciasa alguma moça assassinadanum motel da rodagem.Quanto ao remetente,a caligrafia ofeganteera a única (e involuntária)concessão que faziaà sua velhae irrepreensível desgraça.

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QUASE À MANEIRA DE JACQUES PRÉVERT

Apesar de tudo, de novofez que estava dormindoquando ele chegoumachucando as plantase acendendo um cigarrona porta da entrada,como nos velhos tempos.

Apesar de tudo, bem cedochamou-o pelo maldito apelido(nome de alguma planta ou pássaro)e entregou-lhe as contasda água e da luz,como nos velhos tempos.

Apesar de tudo, na porta,aceitou o beijo sem forçae as desculpas antecipadasde que voltaria tarde, muito tarde,como nos velhos tempos.

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Apesar de tudo,acenou um adeus sem graçapara o carro azulsalpicado de lama,como nos velhos tempos.

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CONVERSAÇÕES COM UMA MASOQUISTA

Eu disse: "acabou-se"e ela entendeu uma rápidapassagem de abutressobre os telhados do Recifee ficou tranqüila.Eu disse: "acabou-se"e ela salpicou meus cabelosde vinho suavepara chamar a atençãodos proprietários mais próximos.Eu disse: "acabou-se"e ela, dilatando as narinas,tocou-me, com a mão boba,por baixo da mesae deu uma gargalhada.Eu disse: "acabou-se"e ela sentiu-semais do que nunca acompanhada.

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ATUALIZAÇOES DE PENÉLOPE

Remendei suas calçasde um jeitotão disfarçado e tão mansoquanto no tempoem que mansa e delicadaeu percorria o seu corpo,mas ele não vai notar.Chegará bêbado e tristee vestirá os seus traposcomo se fossem os mesmos,como se minhas mãosnão os houvesse tocado.Foi um dia perdido,dirá meu coração,quando ele chegartropeçando nos filhose pedindo aos gritossua garrafa de alcatrão.

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ESTES CIÚMES DOS COMEÇOS

Mal acabo de abrir um livro,já te sentes sozinha.E, raivosa, vais ao jardimmatar o tempo e as borboletas.Não chames nunca de abandonoa todo passoque não for dadoem tua direção.Posso estar longe construindotua casa de pedra,posso estar longe, construindo-te.

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NO BAR DA LIVRO 7

Dois velhos boêmios cantam,entre idas e vindasao sanitário do bar.As vozes já não são as mesmas,são mais baixase o tempo é mais curto.Só cresceu mesmoo motivo para cantar.

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UMA SEMANA DE RUTE

Naquela semana,várias vezes, Rutemudou de rosto,de rumoe de cor:do rubro ao firme,do parvo ao verme,do pânico à vergonha.Na outra semana,levantando o lençol,Rute estava vivasob o mesmo sol,e todas as coisasque a tentaram mudarestavam vivas tambéme a vieram saudar.Danem-se, disse Rute,não podemos serjulgados pelo rostoque temos na hora

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em que alguém de súbitoaperta nossa mão.Ainda que esse apertodure uma semana,um mês, uma estação,nossa face é a outra,a que ficou escondidaentre as duas mãos.

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A PAZ RELATIVA OUA CATÁSTROFE LEGAL

Um dia de paz no mundo.houve apenasos duzentos mil mortos habituais.Ainda não foi hoje

teu passo em falso no tráfegoe chegaste em casacom teus pães, tua pasta escura,tua raiva muda do ministério.Chegaste tão suado, tão triste,tão bem,que até notastea blusa nova de Bernardetee o arranhão no joelho de Márcio.Um dia maravilhoso,com uma taxa justa de mortos.

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UMA CONVERSA DE CASAL

Teus cabelos chovem sobre a tua inocência,teus cabelos chovem sobre a tua tristeza.O resto é tão pouco importante:as varizes não operadas,os dentes estragadose o amor também.Mas, existe uma luze ninguém a chamou,uma luz, um remorsoque sentiste ontem.Ontem faz tantos anos,tantos medos,tantos vinhos,tantas vidase nasceste ontem.

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É DIFÍCIL PUNIR O GATO CERTO

Quando começama procurar o culpado,quando começama perguntar quem foique sujou com lágrimao limpo assoalho,tudo está perdido.Quando as pessoas morremumas para as outrasas coisas que as cercamcomeçam a viver.

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ASSIM, JÁ NÃO É FUGIR

Na rua de Luzianinguém os conhecia:fecharam as portasaos pedidos de arroze de socorro.E era um amortão blindadoem suas cobertas,tão surdoe tão cerradoem orgulhoso deserto,que seus gritos de noitenão se ouviramquando lá dentro se mataramem silêncioos que em silêncio se amaram.

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ELA, NA AULA DE ANATOMIA

Quente, como um pedaço de gramaque escapou de um incêndio,eu a sinto no toque(só inicialmente) delicadodos dedos.

Às vezes, apenaspequena porta de borrachaaquecida,ou apenas um olhocego de aventura.Mucosa comovente e sombrasob a seda,enquanto nova,enquanto sedede todas as sedes.

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OLHEM OS INIMIGOS DELICADOS

As primeiras lançasferem mais fundo.Depois disso, fora o furor,há pouca coisa a esperar.As primeiras lançasdoem mais longe.A ingênua piadaera o primeiro escárnio,era o primeiro ataquee não sabíamos.Como sorrir, agora, para os estranhos?Nunca somos ou estamossuficientementeamados ou armados.

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A POESIA ENTRA NA TERAPIA INTENSIVA

Teu amigo foi proibidode acompanhar-te.E, enquanto o enganavam na sala-de-espera,uns homens vestidos de pombote violavam lá dentro.Proibido de te assistir,o poeta fica lá fora:esperando a sua vez,esperando que todos falhem.

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O POETA ESTA NA PIOR,COMO DIZEM OS JOVENS

(Para Almir Castro Barros)

O poeta exige pouco:a amada de poucas curvas ee muitos cabelos soltoso salvará do porre fatal.

O poeta exige pouco:o amigo ébriovai-se tornar a sua únicaconsagração universal.

O poeta exige muito pouco:basta gostar de seu poemae levantará a cabeçapara o dia seguinte.

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A PRINCESA E O PLEBEUNO POSTO DE GASOLINA

Moça na motode cem cilindros,e as nádegasesticadas no jeansazulados de outubro:dois olhosbrilhantes e pobresacompanham esse vôode ave raivosa,ruiva e rasteira,que só se estancanessas plagaspara comprar combustívelao bombeiro adolescente.

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JOSÉ TEOTONIO, JARDINEIRO PÚBLICO

Sob as árvores e sob as ordensdos ventos de agosto,José Teotônio trabalha.Seu ofício, bem simples, é apanhar folhas,cravá-las, no chão, com um espeto de açoe recolhê-las com a mão.

Luta só, contra o outonoa velhice das árvorese as ventanias.

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AINDA O MAR OU TALVEZ A LUTA

Se ainda vives,corre para o mar.Vai ver o velho pugilistapeso pesado, a estragaros seus jabs na areia.Não perguntes porqueele investe e recua,a ganhar e a perdero mesmo espaço.Se ainda vives,vai fogo aprenderessa bela e absurdaforma de lutar.

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A UMBANDA, NOVAS LOUVACÕES

O mistério (que poderia ou não nos salvar)refugiou-se nos subúrbiossem coletas de lixo, sem sistemas hidráulicos,sem reuniões de alto nível.Refugiou-se nos tantansdas madrugadas sem soda,nos tambores altivosque não armam nem sustaminvasões invisíveis.o mistério hospedou-senos frágeis templos de madeira,o mistério fugiue abraçouos abandonados.

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CRUELDADE DE GALA, O PRAGMATISMO

O Secretário de Estado Henry Kinssingerfez um hemograma na Áfricae tremeu de alegria com o resultado na mão:outras mil horas de vôosob o céu de dois hemisférios.Naquele instante,o melhor pastor de Sertâniamordia melancólicosua carne de sol,enquanto a filha sonhavacom um vaqueiro dourado,É Deus, pergunta seu rebanho,quem preside esta catástrofe?Isso mesmo perguntavaà cidade do Recifeum jovem de cabelos chuvosos.

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NOVA DISCUSSÃO SOBRE O MEDO

Pelo temor de Deus,suportávamoso edital das cortes.Por causa dele, obedecíamostanta, ordens fatais.Sem grandes esperneios, íamosinsones deitarpara que os adultosfechassem seus negóciosou trepassem em paz.O temor de Deus acabouquando o calibre das armasum dia dispensouo colorido discursodo paraíso sem f i m.

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OS OTIS, FALANDO TAMBÉM DESEGURANÇA

Porque nos enganamos,porque suas reses não erama estranha e mansa caçaque procurávamos,eles nos trucidarame sobre os nossos corposseus rebanhos continuaram a pastar.Mas, éramos sua cercae eles não sabiam,sua forte cercade papoulas pardase eles não sabiam,e eles só souberamquando foram também trucidadospelas tribos de foraque nos temiam.

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REMINISCÊNCIA DE UM HERÓI DOMÉSTICO

Com Deus, ou sem ele,o dia acabou.Agora, vamos ao chuveiro,às queixas da mulher,sempre com razãoe sempre abandonada,ou, em sonhos, ao mar de Okhotsk.Talvez voltarao hotel suspeitoque abrigou certo estudantemuito inteligentepara os pais e as namoradas de subúrbio.

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MEDITAÇÕES PARA ALGUM EXECUTIVO

Dizem que no Japãoos pedestresalém de pedestres são submissos.E os pedestres japoneses perguntam:- Ser educado é ser submisso?Que a Santíssima Trindadetenha pena dos povos educados,reza um guarda florestalna Serra de Borborema,antes de alimentar os seus porcos.Ele coça, sem perturbar-se,suas partes sagradas,e os porcos não erguem a cabeçapara condená-lo.

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"HELP", AOS PERIFÉRICOS

Londres, a antigacapital dos estranguladores,compôs esta música,este ganido de socorro,quando todos sonhavam habitá-laÉ uma canção que os moçoscantam em São José do Egito,aos domingos, bebendoseu vinho barato e fumandouma erva doce, crescidaà sombra dos cactos.Londres pedia socorroaos que nela buscavamrefugiar-se.

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A CHANTAGEM DOS EXTREMOSOS

Não injetemos na terranossa impotência,nossa raiva de nunca maispodermos fecundá-la.Ela um dia ofereceuos bosques mais livrespara nossos filhose a noite mais cúmplicepara nossa fuga.Que não seja maisdegradadaem nome de nossos filhosou de nossa fuga.

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DOMINGO, NA MATINÉE

Não, não sou o cowboy solitário,mas aquela nuvem de poeiraatravessando a planície:me falta coragem de entrar em Abilene,pedir um trago no balcãoe perguntar grosso pelo fascínora,bebo aqui mesmo e sinto medo da noite;não tenho revólver com marcas na coronha,nem cavalo ensinado que me desamarra com os

dentessou o índio sem rosto, que só sabe cair;não sou o cowboy solitário:não salvo Susan da quadrilha de Jesse,nem do mau casamento,mas brigo com os espinhos para espiá-la no banho.

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QUANDO ALGO FOI DESLIGADO

O ruído de minha máquinaa bater um poemadespertou-te lá dentro: só assim a poesiaainda consegue despertar .

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QUANDO CHOVE NO PROGRESSO DO RECIFE

As alegres e núbeischuvas de janeiroparalisam o trânsito,e tumultuam a cidadeque antes as recebiacom festas e frutas,no tempo em que todos,faziam parte da natureza,no tempo em que as chuvasfaziam parteda natureza de todos.

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IMPORTÂNCIA DA GUERRA FAMILIAR

Agora,sem os seres amados,com seus choros e rixasde prontidão,podemos vagar à vontadee, no entanto, não temoscoragem de vagar:justamente porque,

sem eles, sabemosque não há mais ninguémpara nos perdoar.

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EDIÇÕES PIRATA – RUA BETÂNIA, 10/102DERBY – RECIFE – PE – 5000

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Alberto da Cunha MeloRecife, 09 de maio de 2006,

Livraria Cultura, Paço Alfândega, RecifeLançamento do livro

O Cão de Olhos Amarelos& Outro poemas inéditos

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ALBERTO DA CUNHA MELO

BIBLIOGRAFIA

Sobre Alberto da Cunha Melo, encontram-se verbetes noDicionário Biobibliográfico de Poetas Pernambucanos(CEPE/FUNDARPE, 1993, Recife - PE), na Enciclopédia VERBO dasLiteraturas de Língua Portuguesa. (Editora Verbo, 1999. Lisboa/SãoPaulo) e na Enciclopédia de Literatura Brasileira (Global Editora,2001, São Paulo)., além dos encontrados nas antologias a seguir citadas.

Ensaio publicado: CORDEIRO, Cláudia. Faces da Resistênciana Poesia de Alberto da Cunha Melo. Recife: Bagaço, 2003.

Dissertação/Mestrado: FARIA, Norma Maria Godoy.Metapoesia e Profecia em Alberto da Cunha Melo. UFPB, 2005.

No site do autor: www.albertocmelo.com, encontram-seinformações mais detalhes sobre ele e sua obra.

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1966 Círculo Cósmico. Recife: Separata da revista EstudosUniversitários.1967 Oração pelo Poema. Recife: Universitária, Separata da revistaEstudos Universitários, da UFPE.1974 Publicação do Corpo. Recife: Aquário, in Quíntuplo.1978 Planejamento Sociológico- (em co-autoria com o sociólogo RobertoAguiar). Recife: Massangana.1979 Dez Poemas Políticos. Recife: Ed. Pirata.1979 Noticiário. Recife: Ed. Pirata.1981 Poemas à Mão Livre. Recife: Pirata.1983 Soma dos Sumos . São Paulo: José Olympio Editora\ Fundarpe.1989 Poemas Anteriores. Recife: Bagaço.1992 Clau. Recife: Ed. Universitária (UFRPE).1996 Carne de Terceira com Poemas à Mão Livre Recife: Bagaço.1999 Yacala. Recife: Gráfica Olinda.2000 Yacala. Natal: EDUFRN, edição fac-similar, prefácio de Alfredo

Bosi.2001 Um Certo Louro do Pajeú . Natal: EDFURN.2002 Um Certo Jó. Recife: Edições Uzyna Cultural.2003 Dois Caminhos e uma Oração. São Paulo: A Girafa.2006 O cão de olhos amarelos & outros poemas inéditos. São Paulo: AGirafa.

ANTOLOGIAS

1967 Lírica. Recife: Elói Editor.1981 Coletânea de Poesias Acreanas. Rio Branco. Ed. Cia. de TeatroQuarto Fuso.1981 A cor da Onda por Dentro - Ed. Pirata - Recife - PE1985 Miguel Arraes - um nome que se faz poesia . Recife: s\ed.1986 Poetas da Rua do Imperador - Pool Editorial S.A. - Recife - PE1987 Álbum do Recife - Ed. Prefeitura da Cidade do Recife - Recife - PE1988 Antologia Didática de Poetas Pernambucanos. Recife: Governo dePernambuco.1992 Natal Pernambucano; Recife: Ed. Bagaço.

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