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Pedro Demo http://www.nepet.ufsc.br/Artigos/Texto/Demo_1099.htm[09/12/2013 03:59:16] Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica Centro Tecnológico - Universidade Federal de Santa Catarina POLITICIDADE DA EDUCAÇÃO E/OU APRENDIZAGEM RECONSTRUTIVA POLÍTICA Pedro Demo[1] UCLA, outubro de 1999. A relação entre poder e educação é intrínseca, uma vez que educação é fenômeno político em seu âmago. Paulo Freire e Carlos Torres designam este fenômeno como “ politicidade ”[2]. Para reforçar tal entendimento, vou propor aqui a consideração de dois argumentos a mais, um voltado para a discussão em torno da pobreza política e outro em torno da aprendizagem reconstrutiva política. 1. Pobreza Política O conceito de pobreza política surgiu no contexto da política social[3], em particular do combate à pobreza, e hoje é também vastamente usado nos Relatórios do Desenvolvimento Humano da ONU/PNUD, sobretudo após 1997. Pretende assinalar que pobreza não pode ser reduzida à carência material, por mais imporante que esta sempre seja, porque significa fundamentalmente fenômeno de exclusão política. Ser pobre é menos não ter, do que não ser. Passar fome é grande miséria, mas é miséria ainda maior não saber que, primeiro, fome é inventada e imposta, e, segundo, que para superar a fome não basta receber comida, mas é mister ter condições de prover o próprio sustento. Com isto, passou-se a considerar ignorância como centro da pobreza: pobre é sobretudo quem não sabe ou é coibido de saber que é pobre. Não se permite que se constitua sujeito capaz de história própria. Assim, pobreza não implica apenas estar privado de bens materiais, mas sobretudo estar privado de construir suas próprias oportunidades. Quando se fala de ignorância, entretanto, não estamos indicando aquela que todo educador sabe que não existe, já que todo ser humano está hermenêutica e culturalmente plantado, desenvolve cultura própria, saberes compartidos, mantém patrimônios históricos, identidades múltiplas, mas aquela historicamente produzida, cultivada e reproduzida. Quanto aos Relatórios do Desenvolvimento Humano, publicados todo ano desde 1990, apesar de seu fulcro neoliberal óbvio, possuem o mérito de, definindo desenvolvimento como oportunidade , acentuar principalmente sua face política[4]. Critérios econômicos continuam importantes, mas passam a ser considerados dentro de um conjunto, onde já não aparecem como os principais. O critério principal de desenvolvimento é educação, porque está mais próxima da capacidade de construir oportunidades. A qualidade educativa popular poderia ser considerada a vantagem comparativa mais decisiva. No contexto do capitalismo neoliberal esta proposta soa irônica e contraditória, mormente quando aplicada para a América Latina, como é o caso da CEPAL, ao falar de “educação e conhecimento” como “eixo da transformação produtiva com equidade”[5]. Embora a ONU, como entidade tipicamente neoliberal, esteja comprometida ideologicamente com a economia capitalista de mercado, isto não impede de reconhecer que alguns de seus técnicos e espertos produzem conceitos e idéias interessantes e pertinentes. O processo de produção da ignorância foi retomado academicamente pelas teorias pós-modernas e pós-colonialistas, algumas de cariz feminista, como é o caso de Sandra Harding[6] , que apontam, como eco também das propostas de Foucault[7] , que a relação principal que conhecimento mantém é com poder, não com verdade. Certamente, a busca da verdade é central para a pesquisa, mas, sendo conhecimento fenômeno também multicultural, socialmente plantado, não pode ser visualizado como

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Pedro Demo

http://www.nepet.ufsc.br/Artigos/Texto/Demo_1099.htm[09/12/2013 03:59:16]

Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica

Centro Tecnológico - Universidade Federal de Santa Catarina

POLITICIDADE DA EDUCAÇÃO E/OU APRENDIZAGEM RECONSTRUTIVA POLÍTICA

Pedro Demo[1]

UCLA, outubro de 1999.

A relação entre poder e educação é intrínseca, uma vez que educação é fenômeno político em seuâmago. Paulo Freire e Carlos Torres designam este fenômeno como “politicidade”[2]. Para reforçar talentendimento, vou propor aqui a consideração de dois argumentos a mais, um voltado para a discussãoem torno da pobreza política e outro em torno da aprendizagem reconstrutiva política.

1. Pobreza Política

O conceito de pobreza política surgiu no contexto da política social[3], em particular do combate àpobreza, e hoje é também vastamente usado nos Relatórios do Desenvolvimento Humano daONU/PNUD, sobretudo após 1997. Pretende assinalar que pobreza não pode ser reduzida à carênciamaterial, por mais imporante que esta sempre seja, porque significa fundamentalmente fenômeno deexclusão política. Ser pobre é menos não ter, do que não ser. Passar fome é grande miséria, mas émiséria ainda maior não saber que, primeiro, fome é inventada e imposta, e, segundo, que para superara fome não basta receber comida, mas é mister ter condições de prover o próprio sustento. Com isto,passou-se a considerar ignorância como centro da pobreza: pobre é sobretudo quem não sabe ou écoibido de saber que é pobre. Não se permite que se constitua sujeito capaz de história própria. Assim,pobreza não implica apenas estar privado de bens materiais, mas sobretudo estar privado de construirsuas próprias oportunidades. Quando se fala de ignorância, entretanto, não estamos indicando aquelaque todo educador sabe que não existe, já que todo ser humano está hermenêutica e culturalmenteplantado, desenvolve cultura própria, saberes compartidos, mantém patrimônios históricos, identidadesmúltiplas, mas aquela historicamente produzida, cultivada e reproduzida.

Quanto aos Relatórios do Desenvolvimento Humano, publicados todo ano desde 1990, apesar de seufulcro neoliberal óbvio, possuem o mérito de, definindo desenvolvimento como oportunidade, acentuarprincipalmente sua face política[4]. Critérios econômicos continuam importantes, mas passam a serconsiderados dentro de um conjunto, onde já não aparecem como os principais. O critério principal dedesenvolvimento é educação, porque está mais próxima da capacidade de construir oportunidades. Aqualidade educativa popular poderia ser considerada a vantagem comparativa mais decisiva. No contextodo capitalismo neoliberal esta proposta soa irônica e contraditória, mormente quando aplicada para aAmérica Latina, como é o caso da CEPAL, ao falar de “educação e conhecimento” como “eixo datransformação produtiva com equidade”[5]. Embora a ONU, como entidade tipicamente neoliberal, estejacomprometida ideologicamente com a economia capitalista de mercado, isto não impede de reconhecerque alguns de seus técnicos e espertos produzem conceitos e idéias interessantes e pertinentes.

O processo de produção da ignorância foi retomado academicamente pelas teorias pós-modernas epós-colonialistas, algumas de cariz feminista, como é o caso de Sandra Harding[6], que apontam, comoeco também das propostas de Foucault[7], que a relação principal que conhecimento mantém é compoder, não com verdade. Certamente, a busca da verdade é central para a pesquisa, mas, sendoconhecimento fenômeno também multicultural, socialmente plantado, não pode ser visualizado como

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neutro ou socialmente desincarnado. Habermas[8], dentro de suas propostas ligadas ao agircomunicativo, cunhou a definição de verdade como “pretensão de validade”, para sinalizar a dialéticaentre facticidade e validade, admitindo que a cientificidade não pode prescindir de critérios políticos, eque por vezes dominam o cenário. Não por outra razão, ocorreu ultimamente recuperação visível da“retórica”, como faz Perelman[9], no sentido de conjugar habilmente argumento com convencimento.Parece claro que é próprio de todo processo de convencimento não só iluminar, mas igualmente ofuscar,como reconheceria qualquer teoria mais crítica do mundo das comunicações[10].

Irremediavelmente pobre é quem sequer consegue saber que é pobre. Falta-lhe consciência críticapara, primeiro, “ler” sua realidade, como diria Paulo Freire, e, depois, para enfrentá-la dentro de projetopolítico alternativo. Faltando-lhe esta consciência crítica, não consegue fazer-se sujeito capaz de históriaprópria, esperando, pois, a solução dos outros. O sistema se aproveita desta circunstância para mantê-locomo “massa de monobra”, incluindo-o como “beneficiário”, não como cidadão. Embora o welfare statetenha sido grande invenção, sobretudo porque pretendeu – nos “gloriosos trinta” principalmente naEuropa central – impor os direitos da cidadania acima do mercado, não conseguiu ultrapassar a barreirado mercado capitalista, ou da lógica abstrata da mercadoria, na interpretação atual de Kurz[11]. Entreoutras coisas, perdeu-se visivelmente a “politicidade” da educação, à medida que é vista como viaprincipal de inserção no mercado, não como condição fundamental da criação e exercício dosdireitos[12]. A valorização da “sociedade do conhecimento” também é dúbia, porque aprecia a qualidadeformal (manejo do conhecimento), não a qualidade política.

Este tipo de visão poderia oferecer outras estratégias de combate à pobreza, muito diferentes dasneoliberais, que apostam apenas na capacidade do mercado – nunca demonstrada em âmbito mundial –de distribuir renda. O último Relatório do BID[13] é exemplar neste sentido: reconhece que a pobrezasobretudo na América Latina persiste e aumenta – o índice de Gini em países como o Brasil está porvolta de 0.60 (a média mundial é metade disso); mais ainda: a diferença entre o decil superior (dos 10%mais ricos) e o nono, que nos Estados Unidos seria por volta de 60%, na Escandinávia de 30%, naAmérica Latina atingiria 160%, e no caso do Brasil mais ou menos 200%; mais: nesse decil suprior,apenas 15% seriam empresários, o que denunciaria processo de concentração de renda tambémpromovido por autônomos e assalariados extremamente privilegiados. Entretanto, o Relatório mantém aexpectativa de mera distribuição de renda, enquanto, na verdade, trata-se de “redistribuição”,entendendo-se por isso a necessidade política, mais que econômica, de retirar de quem tem demais etransferir para quem tem de menos. Esta reestruturação das relações de poder não provêm do mercado,mas sobretudo da cidadania. Política social não pode ser feita com as sobras do sistema. Neste sentido,o combate à pobreza precisa, primeiro, da consciência crítica do pobre, de preferência politicamenteorganizado, ou seja, começa com a cidadania. A seguir, implica inserção no mercado, e, por fim,assistência social. Daí seguiria a necessidade de política social do conhecimento, tipicamenteemancipatória e pós-moderna, na qual educação deteria a posição chave, ainda que jamais exclusiva ousetorialista.

Pobreza política não é outra pobreza, mas a mesma, vista politicamente. Tem como marca que ocombate à pobreza não pode ser benificiência, concessão, doação. Precisa ser conquista coletivamenteorganizada, com base em cidadania reflexiva e combativa. Porquanto, o sistema não teme o pobre comfome; teme o pobre que saber pensar. Tarefa principal da educação seria, pois, confrontar-se com apobreza política, desfazendo véu de ignorância historicamente produzida sobre as camadas populares,que lhes impede de tomar em suas mãos o rumo de sua história. Esta tarefa lhe é própria, por conta desua politicidade, em todos os casos mais decisiva que a inserção no mercado de trabalho. Em primeirolugar vem a cidadão, depois o consumidor e o beneficiário.

2. Aportes da aprendizagem reconstrutiva política

Esta discussão pós-moderna é por demais complexa. Tomaremos aqui alguns aportes maisexpressivos, apenas como exemplo[14]. Primeiro, há que se aludir à obra de Piaget, que, apesar dascríticas recebidas[15], instaurou a idéia de que conhecimento não se copia, se constrói. O construtivismopode, por vezes, sugerir a idéia de criação excessiva, como se o mundo fosse invenção mental nossa,mas, se não perdermos de vista seu pano de fundo hermenêutico, indica apenas a reconstrução darealidade a partir do que já conhecíamos ou havíamos aprendido. Segundo, há que ressaltar a tendênciaatual de valorizar a aprendizagem, mais que o ensino, porque este representa vinculação reprodutivaclara, enquanto aquela aponta para a construção da autonomia, saber pensar e aprender a aprender.Com efeito, a crítica ao instrucionismo está chegando igualmente ao ambiente da inteligência artificial,

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com destaque para a obra de Tapscott, sobre a “geração digital”[16]. Embora este autor reveleentusiasmo excessivo pelo mundo digital e aposte com certa ingenuidade na vontade de aprender do“net generation”, é notável sua crítica ao instrucionismo, no sentido de rejeitar a postura clássica quedistinguia entre o professor que ensina e o aluno que aprende.

A idéia da reconstrução de teor político com respeito à aprendizagem possui hoje, ademais, basebiológica cada vez mais clara, a partir da obra de Maturana sobre a “autopoiesis”, na qual defende acapacidade de todo ser vivo de adaptação criativa, à medida que, do ponto de vista do observador, nãoé a realidade que se impõe à mente, mas, ao contrário, é a habilidade mental que interpretareconstrutivamente a realidade externa[17]. Repelindo com veemência a postura representacionista – arealidade se impõe de fora para dentro, de tal sorte que a consciência tem da realidade umarepresentação, tanto mais fidedigna quanto maior for o positivismo em jogo – realiza também forte críticaao instrucionismo, ainda que com certa tendência determinista, por considerar o cérebro uma “máquina”determinadamente auto-organizada. Esta idéia foi acolhida em sociologia por Luhmann com propensãoconservadora, combatida sempre por Habermas , porque a auto-organização, sendo circular, podeapenas girar em torno de si mesma, não atingindo a criatividade que precisa saltar[18]. Por conta disso,Varela, inicialmente colaborador e discípulo de Maturana, avançou para a teoria da “embodied mind”(mente incorporada)[19], com base na “enação”, que significa tipo de relacionamento mais flexível entremente e realidade, ainda que o ponto de partida seja de dentro, sinalizando o sentido da autonomia.Existe a versão mais filosófica da “embodied mind”, de Lakoff/Johnson[20], cujo argumento maior é ametáfora: todo pensamento, por mais abstrato que seja, está plantado na vida das pessoas. Ainteligência é inoncebível sem o corpo, que não é apenas morada da mente, mas parte integrante dageração da aprendizagem. Somos seres naturalmente interpretativos, o que sugere que, perante arealidade, tomamos sempre atitude reconstrutiva.

A lingüística adotou esta postura, desde que se descobriu que a linguagem não retrata a realidade,mas a reconstroi. Foi importante a obra de Rorty neste sentido, bem como de Austin e Searle[21]. Estejá teme que se exagere a capacidade de construção da realidade, crítica que também aparece emHarding. No fundo, surge sempre a idéia de que toda cultura é original – é impossível um povo fabricara cultura do outro, a não ser impor de maneira colonialista. Volta, pois, a questão do sujeito, já que aperspectiva reconstrutiva aponta para a característica da aprendizagem ativa, impraticável na condiçãode objeto. Na prática, coloca-se a tese da politicidade de todo ser vivo, e que Prigogine alarga para todaa natureza, quando imagina poder aplicar a dialética a todas as formas de realidade, inclusive nãohumanas[22]. Surpreendentemente, põe-se a resgatar a “dialética da natureza” de Engels, que forarelegada pela Escola de Frankfurt. Sem dúvida, trata-se de lançamentos extremamente polêmicos.

Alguns autores se entusiasmaram muito com esta perspectiva, como Capra[23], enquanto outroscontinuam reticentes, como Wilson e Casti[24]. Ainda assim, as discussões em torno da inteligênciaartificial, que se nutrem também destas questões pós-modernas do conhecimento, apontam paradireções não menos surpreendentes. A inteligência artificial gostaria de ser “inteligente”, sobretudohumanamente inteligente, e quem sabe um dia suplantar a inteligência humana, como sinalizaria, porexemplo, a obra de Kurzweil sobre as “máquinas espirituais”[25]. Tomando a expressão de Dreyfus, oque os computadores “ainda” não podem fazer?[26] Não sabem ainda pensar criativamente, no sentidohermenêutico da interpretação contextuada, marcada pelo fenômeno da “emergência”[27]. Estefenômeno aponta para a característica do salto de uma situação para outra, indicando a criatividade. Océrebro é composto de base física, neurônios e sua conexões. Observado pelo microscópio, não vemospensamento, mente, consciência. Entretanto, esta massa cinzenta, organizada de forma apropriada, dáorigem ao pensamento, saltando de uma situação composta de elementos simples para outratipicamente complexa, não linear, dotada de qualidade muito além daquela de origem. Estamoscertamente longe de obter explicação satisfatória da origem e funcionamento da consciência, mas já éfundamental reconhecer que mesmo a matéria, sobretudo a matéria viva, não produz apenas fenômenoslineares, mas igualmente não lineares. Chamar a isto de “politicidade” da natureza, seria forçar ostermos, a menos que se siga Prigogine. Todavia, reconhece-se que a atividade criativa, tipicamentereconstrutiva, existe não só no ser humano, mas como marca da dinâmica dialética da natureza.

Entretanto, quando se enfoca mais de perto a questão da aprendizagem e se vincula com este panode fundo reconstrutivo, sua politicidade torna-se mais clara, como Tapscott diz: “Life is about learning”.Primeiro, podemos lembrar que aprendizagem exige a presença de um sujeito autônomo e que elamesma é processo de formação da autonomia do sujeito. Segundo, podemos aduzir que, sendo seresinterpretativos, sempre interferimos na realidade, para o bem ou para o mal, o que, aliás, também

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poderia ser fundamento para esperar atitude ética. Terceiro, o instrucionismo indica interferênciareprodutiva, abuso de poder, preformação da consciência alheia. Não se trata apenas de aprender pelacópia (obstruir a atividade reconstrutiva), mas sobretudo de agredir a autonomia do sujeito ou mesmo dea impedir. O contexto político parece claro e aí aponta, possivelmente, diferença central da inteligênciahumana com respeito à inteligência artificial. Esta faz melhor a tencologia heurística do processamentode dados, aquela mescla razão técnica com razão sensível, é hermenêutica e profundamenteemergencial. Tendo em vista os formidáveis avanços da tecnologia computacional, ninguém ousaria hojefechar qualquer porta, mas certamente estamos ainda muito longe de podermos desenvolver na máquinaesta competência tipicamente humana que interpreta vazios e silêncios, metaforiza tudo, fala para nadadizer e nada diz para falar, comunica-se pela ironia e responde com perguntas, infere horizontes imensosde poucos dados, maneja a incompletude intrínseca do conhecimento, e assim por diante. Como diriaPenrose, o computador não aprende porque não sabe errar[28].

Esta maneira de ver recoloca a politicidade da aprendizagem, e conjuga educação muito mais comaprendizagem, do que com ensino. Aos professores cabe assumir a função de facilitadores da autonomiado estudante, abrindo oportunidades de reconstrução permanente do conhecimento. Sendo manejo doconhecimento possivelmente a vantagem comparativa mais decisiva do mundo globalizado, as criançasna escola precisam ter a chance de trabalhar conhecimento com criatividade, partindo sempre de suabase cultural própria. A politicidade do conhecimento inclui sempre o reconhecimento de que todos sãosujeitos capazes de história própria, dependendo das oportunidades que se abrem e da capacidade deiniciativa. Esta visão vai chegando também à teleducação, que sempre esteve subordinada ao ensinoexcessivamente, como mostra a obra recente de Palloff/Pratt[29]. Transmitir conhecimento já não basta,nem é necessário professor para tanto. Os meios de comunicação o fazem com tanto mais graça. Papeldo professor é impulsionar a capacidade de saber pensar no aluno, como bem mostra o “mundo desofia”, que resgata fortemente a vertente maiêutica da aprendizagem para e pela autonomia[30].

Por fim, caberia lembrar ainda que a literatura em torno da emoção – modismos à parte – poderiamostrar o mesmo caminho, ao desvendar que a aprendizagem é sempre fenômeno global, corpo e alma,no qual a relação humana é algo essencial[31]. O humano da relação humana é sobretudo suapoliticidade. Com efeito, a participação política é muito mais fenômeno emocional, que reclamadedicação, entrega, envolvimento, entusiasmo, do que meramente cerebral. Não se pode mais dizer quevida é cognição. Este cartesianismo passou. Mas vida é aprendizagem, porque vida é o que sabemos eaprendemos a fazer dela.

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Notas

[1] Visiting Scholar na UCLA, Faculdade de Educação, sob a supervisão do Prof. Carlos A. Torres.Professor Titular da Universidade de Brasília. Peço desculpas por não seguir, eventualmente, os cânonesacadêmicos da UCLA, pois não estou ainda devidamente “civilizado”.

[2] TORRES, C.A. 1998. Democracy, Education, and Multiculturalism – Dilemmas of citizenship in aglobal world. Rowman & Littlefield Publishers, Inc., New York.

[3] DEMO, P. 1998. Pobreza Política. Autores Associados, Campinas, 7a ed.

[4] PNUD. 1990…1998. Human Development Report. ONU, New York. Veja sobretudo Relatório de 1997.DEMO, P. 1997. Combate à Pobreza – Desenvolvimento como oportunidade. Autores Associados,Campinas.

[5] CEPAL. 1992. Equidad y Transformación Productiva – Un efoque integrado. CEPAL, Santiago.CEPAL/ORELAC. 1992. Educacion y Conocimiento – Eje de la transformación productiva con equidad.CEPAL, Santiago.

[6] HARDING, S. 1998. Is Science Multicultural? Postcolonialisms, feminisms, and epistemologies.Indiana University Press, Bloomington and Indianapolis.

[7] FOUCAULT, M. 1979. Microfísica do Poder. Graal. Rio de Janeiro. FOUCAULT, M. 1971. AArqueologia do Saber. Vozes, Petrópolis.

[8] HABERMAS, J. 1989. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro.

[9] PERELMAN, C. 1997. Retóricas. Martins Fontes, São Paulo. PERELMAN, C./OLBRECHTS-TYTECA,L. 1996. Tratado da Argumentação – A nova retórica. Martins Fontes, São Paulo.

[10] SFEZ, L. 1994. Crítica da Comunicação. Loyola, São Paulo. FERRÉS, J. 1998. Televisão Subliminar– Socializando através de comunicações despercebidas. ARTMED, Porto Alegre. RUSHKOFF, D. 1999.

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[11] KURZ, R. 1996. O Colapso da Modernização – Da derrocada do socialismo de caserna à crise daeconomia mundial. Paz e Terra, Rio de Janeiro. KURZ, R. 1997. Os Últimos Combates. Vozes,Petrópolis.

[12] DEMO, P. 1998. Charme da Exclusão Social. Autores Associados, Campinas.

[13] BANCO INTERAMERICANO DE DESARROLLO. 1998. America Latina Frente a la Desigualdad –Progeso Económico y Social en America Latina – Informe 1998-1999. Banco Interamericano deDesarrollo. Washington.

[14] DEMO, P. 1999. Educação e Desenvolvimento – Mito e realidade de uma relação quase semprefantasiosa. Papirus, Campinas.

[15] FREITAG, B. (Org.). 1998. Piaget – 100 Anos. Cortez, São Paulo.

[16] TAPSCOTT, D. 1998. Growing Up Digital – The rise of the net generation. McGraw-Hill, New York.

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[18] HABERMAS, J. 1982. Theorie des Kommunikativen Handelns. 2 vol. Suhrkamp, Frankfurt.

[19] VARELA, F.J. et alii. 1997. The Embodied Mind – Cognitive science and human experience. The MITPress, Cambridge, Massachusetts.

[20] LAKOFF, G./JOHSON, M. 1999. Philosophy in the Flesh – The embodied mind and its challenge toWestern thought. Basic Books, New York.

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[22] PRIGOGINE, I. 1996. O Fim das Certezas – Tempo, caos e as leis da natureza. Ed. UNESP, SãoPaulo. PRIGOGINE, I./STENGERS, I. 1997. A Nova Aliança. Ed. UnB, Brasília.

[23] CAPRA, F. 1997. A Teia da Vida – Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Cultrix,São Paulo.

[24] WILSON, E.O. 1998. Consilience – The unity of knowledge. Alfred A. Knopf, New York. CASTI, J.C.1995. Complexification – Explaining a paradoxical world through the science of surprise. HarperPerennial, New York. CASTI, J.L. 1998. The Cambridge Quintet – A work of scientific speculation.Perseus Books, Reading, Massachusetts.

[25] KURZWEIL, R. 1999. The Age of Spiritual Machines – When computers exceed human intelligence.Viking, New York.

[26] DREYFUS, H.L. 1997. What Computers Still Can’t Do – A critique of artificial reason. The MIT Press,Cambridge, Massachusetts.

[27] HOLLAND, J.H. 1998. Emergence – From chaos to order. Helix Books, Massachusetts.

[28] PENROSE, R. 1994. Shadows of the Mind – A search for the missing science of consciousness.Oxford Univ. Press, N. York.

[29] PALLOFF, R.M./PRATT, K. 1999. Building Learning Communities in Cyberspace – Effectivestrategies for the classroom. Jossey-Bass Publishers, San Francisco.

Pedro Demo

http://www.nepet.ufsc.br/Artigos/Texto/Demo_1099.htm[09/12/2013 03:59:16]

[30] GAARDER, J. 1995. O Mundo de Sofia – Romance da história da filosofia. Companhia das Letras,São Paulo.

[31] DAMASIO, A. 1999. The Feeling of what Happens – Body and emotion in the making ofconsciousness. Harcourt Brace & Company, New York.