pensamento sistémico e ensino das ciências
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Nota da Autora: A minha tese de doutoramento defendida em 2001 e abordada na IIª parte deste livro faz prova que desde há bastantes anos me preocupo com a ausência da explicitação e desenvolvimento do conceito de pensamento sistémico nos programas do ensino secundário em Portugal. A coincidência desta minha preocupação com a de investigadores estrangeiros, concretizada através de investigações recentes (2009, 2010 e 2011) parece-me evidenciar a oportunidade e actualidade deste livro.TRANSCRIPT
Maria Ausenda Baptista da Costa
PENSAMENTO SISTÉMICO E ENSINO DAS CIÊNCIAS
Um Guia Metodológico para Professores e Mestrandos
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências
Índice
Nota da autora ................................................................................................................ 2
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 3
PARTE I .......................................................................................................................... 6
O PENSAMENTO SISTÉMICO .................................................................................. 6
1. Pensamento Sistémico: uma perspectiva unificadora.................................................... 6
2. Referentes teóricos para uma pedagogia motivadora do pensamento sistémico ......... 24
Da aprendizagem por transmissão verbal à aprendizagem por mudança conceptual . 24
Ensino e aprendizagem das ciências centrado na resolução de problemas ................. 63
Desenvolver a capacidade de argumentação dos estudantes: estratégia fundamental
para fomentar o pensamento sistémico dos estudantes ............................................... 77
PARTE II ...................................................................................................................... 88
ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA ................ 88
1. Introdução ................................................................................................................... 88
2. Experiências realizadas pela autora ............................................................................. 89
3. Experiências recentes realizadas por outros autores ................................................... 99
ANEXOS ..................................................................................................................... 120
BIBLIOGRAFIA BREVE ......................................................................................... 143
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 2
Nota da autora
As investigações recentes que irei analisar no último capítulo deste livro, reflectem a
preocupação dos investigadores de diversos países relativamente ao ensino e
aprendizagem do conceito de pensamento sistémico.
Verifica-se que mesmo nos países como a Suíça onde o tema está incluído nos
currículos, como uma competência a ser alcançada pelos estudantes, os investigadores
constatam que os livros escolares e os professores não dão ao conceito a atenção que lhe
é devida. Consequentemente, o ensino e aprendizagem do conceito não conduz ao
sucesso desejado e os estudantes saem das escolas sem terem instrumentos que lhes
permitam fazer uma interpretação holística das realidades.
Em Portugal a situação não é diferente.
A minha tese de doutoramento defendida em 2001 e abordada na IIª parte deste livro faz
prova que desde há bastantes anos me preocupo com a ausência da explicitação e
desenvolvimento do conceito de pensamento sistémico nos programas do ensino
secundário em Portugal. A coincidência desta minha preocupação com a de
investigadores estrangeiros, concretizada através de investigações recentes (2009, 2010
e 2011) parece-me evidenciar a oportunidade e actualidade deste livro.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 3
INTRODUÇÃO
Acompanhei cerca de 40 anos as várias reformas efectuadas no Ensino Secundário.
Verifiquei que, apesar do empenho de quem as procurou realizar, estas reformas
repetiram alguns erros básicos.
Do meu ponto de vista entre os erros que têm sido repetidos destaco os seguintes: não
terem em conta, de forma substantiva, a experiência dos professores; não terem um
conhecimento adequado da pessoa do aluno e não definirem directrizes para uma
abordagem sistémica dos conteúdos disciplinares.
Relativamente aos professores importa exigir-lhes uma preparação científica adequada
e conhecimentos didácticos profundos. No entanto estas exigências só terão resultados
eficazes se o professor não tiver de executar múltiplas tarefas administrativas que o
desviam constantemente do papel que compete à sua profissão e que é o de se
concentrar nas suas aulas. É também urgente que o ministério da educação disponha de
um conjunto de cursos de actualização, efectivamente adequados, regidos por equipas
competentes e por isso com autoridade moral para avaliar a actualização científica e
didáctica dos professores. É também necessário prestigiar a classe docente a fim de
consciencializar pais e sociedade, em geral, do papel fulcral que os bons professores
têm na formação harmoniosa dos seus filhos e como tal no desenvolvimento sustentado
do país.
Uma reforma educativa desejável requer para a sua execução a estabilidade do corpo
docente das escolas que considero indispensável a uma fecunda relação professor/aluno
sem a qual não haverá reformas educativas bem-sucedidas.
No que diz respeito aos alunos não basta, seleccionar conteúdos, recomendar estratégias
e definir objectivos gerais e específicos; bem como fundamentar opções em estudos
sobre a psicologia dos jovens. Estes estudos são efectivamente parâmetros importantes
para a implementação das reformas educativas mas a rentabilidade de todo este trabalho
exige também um conhecimento mais profundo dos alunos a que as reformas se
destinam. Na verdade os estudantes razão primeira da existência da escola são, na
generalidade, pouco conhecidos pelas equipas que organizam e regulam o sistema
educativo. Se bem que a diversidade intrínseca destes públicos-alvo tenha constituído
um facto óbvio em todas as gerações não restam dúvidas que ela se encontra
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 4
particularmente reforçada no século 21. Consequentemente, é urgente multiplicar as
investigações cujo objectivo seja averiguar as necessidades e aspirações dos jovens para
construir uma Escola que para eles faça sentido e que se transforme num lugar onde
regressam, ao longo da vida, para actualizarem, ampliarem e aprofundarem as suas
competências. Uma escola que seja também um lugar onde se cimentam afectos, se
partilham saberes, e se aprenda que conhecer é uma via essencial para aprender a Ser;
uma escola que tenha como uma das suas vertentes estruturantes um profícuo diálogo de
culturas.
O sistema educativo necessita uma revisão profunda que permita torná-lo num conjunto
em que os diversos níveis de ensino estejam perfeitamente articulados e interajam em
reciprocidade. Esta articulação deverá existir não só ao nível dos conteúdos mas
também das estratégias, dos objectivos, das instituições e dos actores dos vários níveis
do sistema.
E por fim o terceiro dos erros que enunciei e que é a razão primeira para me ter proposto
a exaustiva tarefa de escrever este livro:
A abordagem analítica veiculada pelos curricula do ensino secundário concretiza-se
numa aprendizagem de saberes fragmentados que impede o aluno de compreender o
global e dilui o essencial. Assim, o aluno aprende com frequência uma informação
descontextualizada que lhe que não permite relacionar os saberes e integrá-los na
totalidade do conhecimento. Desta forma será muito difícil que os estudantes
desenvolvam um pensamento sistémico. Dado que o pensamento sistémico é um dos
alicerces básicos para a compreensão das ciências em geral o seu défice arrastará,
certamente, consequências negativas para uma preparação científica sólida dos
estudantes.
Por outro lado a escola deve preparar os indivíduos para uma fundamentada perspectiva
sistémica das sociedades no sentido de lhes permitir o exercício de uma cidadania
responsável. Não é provável que sem uma visão sistémica das diferentes realidades cada
individuo exerça o papel que lhe deve estar reservado numa sociedade que desejamos
verdadeiramente democrática. Entretanto, no futuro alguns dos estudantes exercerão
cargos políticos em que a ausência de uma perspectiva sistémica na governação poderá
acarretar consequências muito negativas para as populações.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 5
Na primeira parte começo por definir o conceito de pensamento sistémico bem como as
capacidades que este conceito implica. Seguidamente é feita uma breve síntese da
evolução das metodologias de ensino/aprendizagem das ciências e são abordados com
detalhe os referentes teóricos que, na minha opinião, são indutores de uma pedagogia
motivadora de pensamento sistémico. São eles: uma aprendizagem das ciências por
mudança conceptual e um ensino aprendizagem baseado na resolução de problemas,
sempre que possível, propostos pelos alunos. Admite-se e justifica-se que a capacidade
de argumentação conjugada com a proposição e resolução de problemas, pelos
estudantes, é indutora de pensamento sistémico. Nesta obra a capacidade de
argumentação dos estudantes é considerada um requisito básico para uma pedagogia de
sucesso no ensino de qualquer disciplina do currículo escolar.
Na segunda parte depois de uma introdução sucinta é feita uma análise breve de uma
investigação feita pela autora, no âmbito da sua tese de doutoramento, que incidiu sobre
os conceitos de sistema e de sistema de regulação com alunos do 11ºano do Ensino
Secundário. Esta análise termina com a discussão das causas gerais e específicas das
dificuldades dos estudantes no estudo dos conceitos referidos.
No último capítulo da segunda parte são analisadas e discutidas algumas experiências
recentes levadas a cabo por diversos autores, em diferentes países. Estes autores
assumiram uma abordagem sistémica de alguns temas curriculares e analisaram, em
particular, os conceitos que esta abordagem implica.
Consequentemente, reafirmo que desenvolver o pensamento sistémico dos estudantes
deverá ser uma referência estruturante para o Ensino Secundário. É este ponto de vista
que me proponho desenvolver e defender neste livro.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 6
PARTE I
O PENSAMENTO SISTÉMICO
1. Pensamento Sistémico: uma perspectiva unificadora
Quando abordamos qualquer tema científico, há dois pontos de vista que se nos
deparam: o ponto de vista tradicional e o ponto de vista sistémico. Assim, ou os
consideramos em alternativa ou simultaneamente. A segunda opção parece-me a mais
correcta dado que as duas perspectivas não se excluem, antes pelo contrário, se
complementam permitindo um tratamento temático mais profundo, completo e eficaz. A
este propósito recordo Joel de Rosnay que, no seu livro O Macroscópio caracterizou as
duas abordagens da forma seguinte:
“Abordagem analítica: considera os elementos e a natureza das suas interacções; a
precisão dos detalhes sobre a percepção global; considera os fenómenos reversíveis
independentemente da sua duração; efectua a validação dos factos por via experimental
no quadro de uma teoria” Na prática, a abordagem analítica traduz-se por acções
programadas em pormenor, veiculando assim um ensino por disciplina.
“Abordagem sistémica: concentra-se nas interacções entre os elementos e nos efeitos
dessas interacções; apoia-se na percepção global; integra a duração e a irreversibilidade;
a validação dos factos realiza-se pela comparação do funcionamento do modelo com a
realidade; é eficaz quando as interacções são não lineares e fortes”. A abordagem
sistémica conduz, assim, a uma acção por objectivos e a um ensino pluridisciplinar.
Considerando como uma referência pedagógica estruturante a preparação dos estudantes
para o exercício de uma cidadania de qualidade, tão necessária a uma efectiva vivência
democrática, uma pedagogia analítica não serve este objectivo. Acontece que esta
pedagogia não está ainda afastada das nossas escolas, onde de uma maneira geral são
realçados, sobretudo a precisão dos detalhes e, quando possível, a validação dos factos
por meio de provas experimentais. Como resultado deste ensino excessivamente factual,
os estudantes não se apercebem, na generalidade dos casos, da interacção entre os
fenómenos e das consequências destas interacções. Desta forma quando entram na vida
prática as pessoas não estão à altura de discutir e argumentar problemas que as nossas
sociedades enfrentam de que são exemplos pertinentes, a utilização desregulada da
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Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 7
tecnologia com os consequentes problemas de saúde pública e a adopção de medidas
avulsas pelos governos dos países sem terem em conta a natureza sistémica do
funcionamento das sociedades. Esta iliteracia terá, a médio prazo, consequências
imprevisíveis se nas escolas não se mudar, radicalmente, a metodologia de ensino.
Para compreender o que se entende por abordagem sistémica há que reflectir primeiro
sobre um conceito nuclear: o conceito de sistema.
Se considerarmos os sistemas, em geral, cada sistema tem uma organização e possui
determinadas propriedades. Assim, na organização incluem-se os elementos, as relações
entre os elementos e a identidade. Nas propriedades, a integridade/emergência, o
equilíbrio dinâmico e os efeitos. Os elementos interagem uns com os outros e as suas
relações constituem a estrutura do sistema; por sua vez a estrutura determina a função.
O sistema tem um limite que o separa do ambiente. Diz-se por isso que tem uma
identidade. Cada sistema tem propriedades específicas que não são as propriedades dos
seus elementos. Designa-se esta característica por emergência. Se considerarmos só
parte dos elementos do sistema este perderá a sua integridade. Os sistemas evoluem ao
longo do tempo e nele podem surgir diferentes efeitos que poderão ser directos ou
indirectos, bem como efeitos secundários.
Entretanto, os estudantes vivem num mundo que é cada vez mais controlado por
sistemas complexos que são dinâmicos, auto-regulados e continuamente em adaptação.
Todavia a maior parte dos livros de ciências falha na ajuda aos estudantes para
desenvolver-lhe uma compreensão sistémica e integrada de fenómenos complexos; isto
é, os livros dão suporte a uma aprendizagem da ciência como um conjunto de factos a
serem aprendidos mais do que ideias abrangentes que possam ajudar os estudantes a
desenvolverem uma compreensão integrada que permita comportamentos adequados.
O reconhecimento da importância dos sistemas complexos, e da inadequação dos
métodos de ensino para ajudar os estudantes a compreendê-los, tem sido uma motivação
para a pesquisa que assim tem proliferado ao longo dos últimos doze anos. Nestas
investigações têm-se examinado sistemas complexos assim como a capacidade dos
estudantes para abordarem sistemas complexos naturais e tecnológicos. Estudos afins
têm sido desenvolvidos em várias disciplinas, incluindo: sistemas sociais (Booth
Sweeny, 2000; Booth Sweeny & Sterman, 2007, etc.); sistemas tecnológicos (ex: Frank,
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2000); sistemas biológicos (ex: Verhoeff, Warlo, & Boersma, 2008) e sistemas naturais
Ben-Zvi Assaraf & Orion, 2005, Hmelo- Silver, Marath,& Liu, 2007;etc).
A compreensão do conceito de sistema resultará clara se, numa perspectiva pragmática,
atendermos às capacidades que um indivíduo deve adquirir para, efectivamente,
compreender e utilizar este conceito básico.
Para melhor enunciar e caracterizar aquelas capacidades recordo Ben-zvi-Asssarf e
Orion (2005) que, após uma revisão de literatura, definiram seis competências que
permitem compreender como é constituído e como funciona um sistema. Essas
competências são as seguintes:
Capacidade para identificar os componentes do sistema e como ele funciona.
Capacidade para identificar relações entre os componentes do sistema.
Capacidade para identificar relações dinâmicas dentro do sistema.
Capacidade para detectar e compreender as dimensões do sistema não
perceptíveis numa primeira abordagem.
Capacidade para compreender a natureza cíclica dos sistemas.
Capacidade para pensar o sistema na sua dimensão temporal.
Uma ideia mais ampla e rigorosa do conceito de sistema implica a compreensão do
funcionamento de um sistema de regulação (sistema que executa uma ou mais funções
de uma maneira pré-definida). Esta compreensão é fundamental para uma abordagem
integrada do mundo em que vivemos. Todavia para compreender o conceito de sistema
de regulação é necessário ter presente um conjunto de conceitos sem os quais esse
entendimento se torna impossível. Esses conceitos1 são os seguintes: sistema; sensor;
controlador; variável controlada; referência; perturbações; erro; tempo de resposta;
regulação. No entanto, pelo interesse de que o conceito de regulação se reveste ele vai
ser objecto de uma abordagem mais detalhada.
O conceito de regulação
O termo regulação figura a seguir ao termo regulador no último volume do dicionário
de Littré (1872), em referência a dispositivos reguladores de máquinas; com a mesma
1 Estes conceitos encontram-se definidos, para consulta, no fim da primeira parte deste livro (página
23).
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 9
significação que aparece no dicionário Tecnológico de Tolhausen (1877) (Enciclopédia
Universalis).
A adopção do termo em Biologia resultou da analogia utilizada por alguns autores entre
o Homem e a máquina. Assim, a título de exemplo, pode ler-se na obra de Lavoisier,
Première Mémoire sur la respiration des animaux (1789): “La machine animal est
principalement gouvernée par trois régulateurs principaux”. Esses reguladores, afirma
Lavoisier, são: “la respiration qui produit la chaleur animale, la transpiration qui
maintient la température au degré qu’a fixé la nature, la digestion qui restitue au sang
les pertes dues à la respiration et à la transpiration”. Lavoisier relacionou três funções
que, a priori, não pareciam estar relacionadas e pressupôs um efeito compensador no
sentido de manter um equilíbrio mais ou menos constante — o equilíbrio da temperatura
corporal — Apesar de se tratar de um fenómeno de energética química, constata-se que
o conceito de equilíbrio na vida animal foi importado da mecânica.
A formação do conceito de regulação é indissociável da formação do conceito de meio:
Augusto Comte na sua obra Cours de Philosophie positive (1838) designou por meio
“l´ensemble total des circonstances extérieures nécessaires à l´existence de chaque
organisme” propondo assim, segundo P.Schneeberger (1992), uma teoria biológica geral
do meio.
Se bem que Lamarck já tivesse introduzido o termo “meio” em Biologia, ele não o
pensava como algo com que os seres vivos podiam interagir activamente. Foi, porém,
Augusto Comte quem introduziu a ideia de acções recíprocas entre o organismo e o
meio. Todavia ele considerou negligenciável a acção do organismo sobre o meio
atribuindo uma acção preponderante à acção do meio sobre os organismos: “le milieu
constitue donc le principal régulateur de l´organisme” (A, Comte citado por P.
Scheenberger, 1992). Consequentemente, os organismos vivos eram considerados na
dependência de um meio exterior estabilizado e estabilizador e, como tal, sem nenhuma
autonomia.
A concepção de um meio exterior com acção preponderante na manutenção da vida dos
seres vivos constituiu, na história das ciências um obstáculo à construção de um
conceito de regulação pelo meio interior.
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Posteriormente Claude Bernard (1878) inventou o conceito de meio interno atribuindo-
lhe o papel de solidarizar as diferentes partes do organismo e de coordenar o seu
funcionamento.
Na sua obra Leçons sur les phénomènes communs (1878) C. Bernard afirmou:
“J’ái le premier insisté sur cette idée qu´il a pour l´animal réellement deux milieux: un
milieu extérieur dans lequel est placé l´organisme, et un milieux intérieur dans lequel
vivent les éléments des tissus" (C. Bernard citado por P. Schneeberger 1992).
Segundo G. Canguilhem a concepção de meio interno introduzida por C. Bernard foi
possível em virtude da prévia elaboração que fez do conceito de secreção interna
estabelecido através dos seus trabalhos sobre a produção de glicose pelo fígado e das
informações provenientes da teoria celular.
“En effet, la théorie cellulaire permettait de comprendre la relation entre le tout et la
partie, entre le composé et le simple, dans l´ordre des êtres organisés (…)” (G.
Canguilhem citado por P. Schneeberger, 1992).
Os trabalhos de C. Bernard sobre a glicose e a função glicogénica do fígado puseram em
evidência a existência de uma reserva energética para as células e a possibilidade de
distribuição de uma "secreção interna" a todas as células. Entretanto, C. Bernard situou
os mecanismos reguladores ao nível do sistema nervoso: “C´est le système nerveux qui
se montre toujours le régulateur des phénomènes de la vie de quelque nature qu`ils
soient”. (C. Bernard citado por P. Schneeberger, 1992).
C. Bernard só raramente utilizou os termos de regulador e regulação preferindo utilizar
os seus componentes metafóricos tais como: balanço, equilíbrio, compensação. No
entanto, pelo que acabo de expor, podemos concluir que ele foi o primeiro a elaborar
uma teoria geral das regulações.
Depois de ter posto em evidência o papel do meio interno na vida dos animais
superiores C. Bernard opôs ao modo de “vida oscilante”, directamente submetida às
variações do meio, o modo de “vida constante livre” na qual os elementos celulares do
organismo são protegidos contra as mudanças do meio exterior. Esta vida livre,
independente ou constante, apresenta, segundo C. Bernard, uma propriedade na qual ele
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Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 11
insiste e que designa por “a fixidez do meio interior” e que considera assegurada por
mecanismos compensadores.
A introdução do conceito de regulação em fisiologia acaba por se concretizar em 1882,
quando Léon Frederic publicou o trabalho “Sur la régulation de la température chez les
animaux à sang chaud”.
Entretanto, no campo da embriologia, Hans Driesch (1901) propõe o termo “ovo de
regulação” que ele opõe ao termo “ovo de mosaico” e mostra que um blastómero
isolado pode originar um embrião completo que difere do normal unicamente por ser
mais pequeno. Desta forma abriu-se ao conceito de regulação um novo campo de
aplicação.
Posteriormente os trabalhos de H. Speman e S.Horstadius completam o conceito de
regulação embriogenética de Hans Driesch e confirmam “reconnaissance par les
physiologistes de fonctions contrôlant d´autres fonctions et, par le maintien de certaines
constantes, permettant à l´organisme de se comporter comme un tout” (Canguilhem
citado por P. Scheenberger, 1992).
Se bem que C.Bernard tenha sido o primeiro a elaborar uma teoria geral das regulações,
foram necessários outros trabalhos de pesquisa para clarificarem os mecanismos
reguladores. Entre esses trabalhos foram decisivos a análise da adrenalina (1901) e a da
secretina (1902) que conduziram Bayliss e Starling a propor em 1905 o termo hormona.
Efectivamente a associação dos mecanismos nervosos com a noção de hormona
permitiu elucidar numerosos mecanismos reguladores.
A capacidade dos sistemas vivos manterem as suas variáveis essenciais dentro de
limites aceitáveis para a sua estrutura face a alterações inesperadas, intrigou, desde
muito cedo, os fisiologistas. C. Bernard noticiava na sua Introduction to Experimental
Medicine que “a constância do meio interno era essencial para uma vida livre”. Mas foi
necessário encontrar um conceito que tornasse possível ligar todos os mecanismos que
efectuam a regulação do corpo humano. Este conceito foi, efectivamente, proposto pelo
fisiologista americano Walter Cannon em 1932. W. Cannon impressionado pela
“liberdade do corpo” concretizada pela sua capacidade de garantir a eficiência do
controle do equilíbrio fisiológico, adoptou uma palavra de origem grega, “homeostasia,”
que significa permanecer o mesmo e construiu assim, uma concepção geral das
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Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 12
regulações que designou homeostasia. Cannon sublinhou que o nosso corpo é feito de
materiais extremamente instáveis, mas que nós temos a capacidade de os manter
estáveis em virtude de possuirmos mecanismos correctores que repõem o equilíbrio do
organismo sempre que este equilíbrio é perturbado.
Segundo François Jacob, a regulação tornou-se o facto biológico por excelência a partir
do momento em que os organismos vivos foram encarados como sistemas; daqui
decorre a enorme importância que dou no meu livro ao conceito de análise sistémica. A
teoria dos sistemas, proposta em 1940 pelo biólogo Ludwig von Bertallanfy, é baseada
na suposição de que há princípios universais de organização que são comuns a todos os
sistemas quer sejam físicos, químicos, biológicos, mentais ou sociais.
Cabe aqui referir o livro de J. de Rosnay (1975), intitulado O Macroscópio como uma
das obras fundamentais que permitiram uma divulgação considerável da Teoria dos
Sistemas.
Efectivamente, a avalanche de conceitos originados pelo desenvolvimento e aplicação
da teoria dos sistemas a vários domínios da ciência e da técnica mostrou a insuficiência
de uma descrição analítica dos problemas (segundo a qual se deve dividir, no maior
número possível de parcelas, cada uma das dificuldades a examinar) e fez surgir a
necessidade de um instrumento conceptual que constituísse um suporte para a
compreensão dos problemas complexos que, sucessivamente, foram surgindo. Neste
contexto emergiu, naturalmente, a necessidade de uma nova forma de ver, compreender
e actuar perante a complexidade dos fenómenos e que passou a designar-se por análise
sistémica.
Segundo D. Durand (1992) uma efectiva análise sistémica abrange os conceitos de
interacção, globalidade, organização e complexidade. Como afirmou J.Rosnay (1987)
na sua obra O Macroscópio: "A abordagem sistémica apoia-se numa aproximação
global dos problemas e concentra-se no jogo das interacções dos seus elementos".
Consequentemente, partilho a ideia de que os alunos só poderão compreender o
conceito de regulação no organismo humano se forem capazes de abordar este
organismo sob uma perspectiva sistémica.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 13
Neste livro considero que há regulação quando uma determinada grandeza do
organismo não segue perturbações externas ou varia de uma maneira regular
independente de grandes flutuações no ambiente circundante.
Considero também que a noção de mecanismo regulador implica várias ideias:
uma relação de interdependência ou de interacção criada entre vários parâmetros
estranhos uns aos outros, variáveis ou simplesmente instáveis de maneira regular
ou acidental;
uma função de detecção de um efeito;
uma função de detecção de um desvio em relação a um valor de referência ;
uma função de correcção do efeito.
A enorme importância do conceito de regulação tem feito com que se procurem na
teoria da informação e na cibernética os modelos explicativos mais expressivos dos
processos de regulação.
O termo cibernética deriva da palavra grega — Kibernetes — (piloto, guia); e foi
introduzido pelo matemático Wiener, em 1948, para significar a ciência da comunicação
e do controle no animal e na máquina; actualmente podemos acrescentar a este
significado a sua extensão à explicação de fenómenos sociais e dos seres humanos
individuais. A importância da cibernética em Biologia surgiu quando as aplicações dos
conceitos de informação, "feedback" e controle deixaram de se restringir às suas
aplicações específicas (engenharia por exemplo) e passaram a aplicar-se aos sistemas
em geral, incluindo os seres vivos.
Consequentemente, os seres vivos passaram a ser encarados como sistemas
cibernéticos, isto é, redes multidimensionais complexas de informação onde
mecanismos de causalidade circular permitem que aqueles sistemas se mantenham, se
adaptem e se auto-organizem. Ao contrário das ciências tradicionais que explicam os
fenómenos baseando-se numa relação linear (uma causa / um efeito), a cibernética
utiliza mecanismos de causalidade circular para explicar o funcionamento dos
organismos vivos; o exemplo mais comum deste mecanismo de causalidade é o
mecanismo de retroalimentação vulgarmente conhecido por "feedback". Nestes
mecanismos de causalidade circular o fluxo de informação que constitui o efeito vai
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 14
actuar sobre a causa que o determinou. Em linguagem sistémica isto significa que a
saída de um sistema volta à sua entrada, possivelmente envolvendo outros sistemas.
Tendo iniciado o seu percurso no campo da mecânica o conceito de “regulação” tornou-
se, no fim do século XIX um verdadeiro conceito da biologia e a partir do século 20
passou a ser considerado um conceito biológico por excelência presente em vários
domínios da biologia tais como: fisiologia, embriologia e mais recentemente na genética
molecular e na imunologia .
Outro conceito básico para uma abordagem sistémica é o de pensamento sistémico. Este
conceito, considerado uma capacidade de nível elevado, é um conceito unificador que
atravessa os mais diversos domínios. Assim, encontramo-lo na economia, na sociologia,
na tecnologia e na ciência em geral.
Desde meados dos anos 80 que têm sido realizadas várias intervenções no sentido de
clarificar o conceito de pensamento sistémico mas, na verdade, ainda não dispomos de
uma caracterização clara e rigorosa deste conceito. Entretanto, apesar das investigações
realizadas continuam também por definir os métodos rigorosos para avaliar a eficácia
das estratégias utilizadas para o ensino e aprendizagem do conceito. Assim, continua a
ser pertinente perguntar: como podemos avaliar a eficácia das intervenções sobre
pensamento sistémico em educação? Esta questão arrasta consigo a necessidade da
caracterização rigorosa do conceito bem como a análise das pesquisas que estão a ser
feitas em educação sobre este conceito.
Das investigações efectuadas no sentido de esclarecer as características do pensamento
sistémico encontramos, na literatura, os seguintes instrumentos de pesquisa:
Questionários;
Análise de desenhos;
Associação de palavras;
Mapas de conceitos - recentemente foram sugeridos como um instrumento
adequado para analisar o pensamento sistémico dos estudantes. Todavia é
necessário investigar como é que os mapas de conceitos podem ser,
efectivamente, utilizados para avaliar as capacidades dos estudantes em
pensamento sistémico;
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 15
Entrevistas;
Actividades de integração;
Grelhas de repertório - derivada da teoria dos construtos pessoais de Kelly, a
grelha de repertório (repertory grids) é uma técnica que permite revelar a
estrutura e o conteúdo dos construtos pessoais que as pessoas aplicam para
interpretar a sua experiência pessoal e interpessoal. Há um largo consenso na
convicção de que a técnica da grelha de repertório pode, efectivamente, retratar a
forma de pensar da pessoa.
Nos últimos anos vários investigadores em diversos países (Alemanha, Holanda, Israel e
Suíça) têm procurado, na sequência das suas investigações, consciencializar os autores
dos curricula para a necessidade da introdução do conceito de pensamento sistémico
nos programas escolares. Com este objectivo têm divulgado nas revistas da
especialidade as suas conclusões.
Assim a equipa de Ben-Zvi Asssaraf (Israel) chegou aos resultados que a seguir se
enunciam:
1) o desenvolvimento do pensamento sistémico entre os estudantes da junior high
school consistiu em vários estádios sequenciados organizados numa ordem
hierárquica;
2) apesar das capacidades iniciais de pensamento sistémico serem mínimas, a
maior parte dos estudantes conseguiu significativos progressos em pensamento
sistémico;
3) os principais factores encontrados que influenciam o progresso diferencial dos
estudantes foram as capacidades cognitivas iniciais em pensamento sistémico e
o seu nível de envolvimento na metodologia de inquérito na sala de aula e na
aprendizagem fora da sala de aula.
Com base nas suas conclusões a equipa de Ben-Zvi Assaraf (primeira década de 2000)
idealizou o modelo STH (Systems Thinking Herarchy). Neste modelo, os autores
sugerem que o pensamento sistémico pode ser classificado de acordo com oito
capacidades que são evidenciadas pelos estudantes numa ordem ascendente. As oito
capacidades segundo estes autores estão organizadas em três níveis sequenciados sendo
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 16
cada nível mais baixo a base para o desenvolvimento do nível imediato. A distribuição é
a seguinte:
Identificar os componentes e mecanismos do sistema (nível A).
Identificar as relações simples entre os componentes do sistema (nível B).
Identificar as relações dinâmicas dentro do sistema (nível B).
Organizar os componentes do sistema, os seus mecanismos, e as suas
interacções, numa estrutura de relações (nível B).
Identificar ciclos de matéria e energia dentro do sistema (nível B).
Reconhecer as dimensões escondidas do sistema (i.e. compreensão de
fenómenos através de padrões e inter-relações não reconhecíveis sem
dificuldade - nível C).
Fazer generalizações acerca do sistema (nível C).
Pensar o sistema na dimensão temporal (nível C).
Como podemos constatar, o modelo STH apresenta uma progressão desde a análise dos
componentes do sistema no nível mais básico à síntese e generalização no nível mais
elevado.
Uma competência a ser desenvolvida para uma pedagogia de sucesso, no ensino do
pensamento sistémico, é a capacidade dos estudantes para implementarem a construção
de modelos. Esta competência do ponto de vista da biologia pode ser definida como a
capacidade e a prontidão para ligar os diferentes níveis de organização biológica na
perspectiva segundo a qual os organismos naturais são conjuntos complexos e
compósitos, que se compõem de partes em interacção e que elas próprios podem ser
conjuntos menores (ex: as células num organismo - Mayer, 1997). Como afirmou
Gilbert, (1993) os modelos são instrumentos potencialmente válidos para desenvolver
um método científico de pensamento.
Uma investigação que me parece também pertinente referir é a de Roald P. Verhoeff,
Arend Waldo e Kerst Boersma (2007) com alunos pré-universitários. Nesta investigação
o uso de modelos é considerado uma competência chave para uma compreensão
coerente da célula. Esta pesquisa, a que aludirei na IIª parte do livro, mostrou que os
resultados da aprendizagem melhoraram, embora a competência em pensamento
sistémico ao nível metacognitivo exija ainda mais esforço.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 17
Verhoeff, Waarlo e Boersma (2008) mostraram que a modelação de sistemas habilita os
estudantes dos últimos anos do secundário para uma compreensão coerente dos
fenómenos biológicos.
Gentner e Gentner (1983) consideram que a competência sistémica deve conduzir à
construção de modelos mentais complexos. Estes modelos mentais podem ser vistos
como um mapa de memória das estruturas cognitivas em que o sistema está
representado.
Os pensadores sistémicos são capazes de mudar os próprios modelos mentais; controlar
as suas formas de pensar e enfrentar processos de resolução de problemas. O
pensamento sistémico é útil para analisar situações complexas dado que constitui uma
abordagem holística e, como tal, olha o comportamento do todo sem esquecer as
múltiplas conexões entre as partes.
Para os estudantes mais jovens, os mapas de conceitos constituem um método adequado
uma vez que são uma possibilidade para modelizar o sistema de uma forma mais fácil.
O corpo humano como um sistema e o ensino da biologia
O corpo humano olhado como um sistema assume três características fundamentais:
Hierarquia; Homeostase e Equilíbrio Dinâmico.
Hierarquia
No que respeita aos sistemas biológicos os estudantes deverão compreender os seus
níveis de organização, dado que estes sistemas são caracterizados por hierarquias sendo
impossível compreender um nível de organização sem compreender o nível que lhe é
imediatamente inferior. Assim, a compreensão dos biosistemas comporta não só a das
interacções entre as suas partes bem como as suas interacções com outros sistemas. Isto
inclui a capacidade para identificar as funções do sistema, as interacções moleculares, e
a compreensão das interacções entre os vários níveis de organização. Como referiu
Kresh (2006), os componentes dos sistemas vivos também funcionam ao mesmo tempo
como “subsistemas”, isto é, sistemas completos mas mais pequenos. Assim, num dado
momento, as entidades dentro da estrutura hierárquica da vida (desde o nível
microscópico tais como as células e as moléculas, a entidades mais amplas como os
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 18
órgãos, as famílias e tribos) existem como partes dependentes de um sistema mais
abrangente e, simultaneamente, como sistemas independentes.
Hmelo-Silver (2000) verificaram que os estudantes do six-grade encontraram
dificuldades na aprendizagem do sistema respiratório humano devido à sua
incapacidade para compreenderem que o sistema opera a dois níveis: nível
macroscópico e nível microscópico; estas relações entre os níveis macro e micro são
difíceis para os estudantes pois requerem capacidade em pensamento formal (high
school students).
Homeostase
A homeostase diz respeito à manutenção de um ambiente interno estável e a processos
reguladores (operando via feedback) que conduzem à estabilidade; estes significados
podem ser (para muitos estudantes) difíceis de serem assimilados. A compreensão da
homeostase é difícil porque alguns processos estão escondidos aos nossos olhos e/ou
envolvem percepção dinâmica (Westbrook e Marek 1992). Por exemplo a regulação da
temperatura corporal é uma das responsáveis por aquela estabilidade. Assim, os
estudantes sabem que quando está calor nós suamos (isto é eles estão despertos pela
razão próxima que conduz à mudança), mas o processo fisiológico responsável por este
resultado origina uma “caixa negra” e por esta razão são ignorados.
No estudo de Susan Westbrook e E.Marek (1992), intitulado: “A cross-age study of
student understanding of the concept of Homeostasis,” a amostra era constituída por
estudantes que, no currículo português, correspondem a alunos que frequentam o 7ºe
10º anos e o início do ensino pós-secundário. O estudo teve por objectivo seguir a
evolução da compreensão do conceito pelos estudantes. No início da investigação foi
utilizado um questionário, CES (concept evaluation statement), para avaliar a
compreensão que os estudantes tinham do conceito de homeostase.
Os professores dos alunos sobre os quais incidiu a investigação leccionaram o tema
através de lições expositivas.
Os investigadores deslocavam-se às escolas, antes e depois de ter sido leccionado o
tema, unicamente para recolherem dados. O ensino do conceito de homeostasia faz parte
integrante dos currículos dos três níveis abrangidos pela investigação.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 19
O conceito foi previamente definido como um conceito “formal”. Isto implica que o
estudante necessita das estruturas mentais necessárias para o assimilar e acomodar sem
o auxílio da experiência concreta. O estudante tem de ser capaz de efectuar operações
não directamente sobre objectos mas sim sobre proposições (operações formais). Por
outro lado, requer a capacidade de isolar variáveis e de pensar em termos de “conjunto
estruturado”, isto é, de se aperceber de todas as combinações possíveis e ver como um
processo global os aumentos, as diminuições e as compensações.
A compreensão do conceito aumentou nos vários níveis de ensino, mas esse aumento foi
limitado. Pelo menos 30% dos estudantes do ensino pós-secundário alcançaram uma
compreensão limitada do conceito e 3% dos estudantes do 7º ano mostraram uma
compreensão parcial. No ensino secundário, 12% dos alunos mostraram uma
compreensão parcial do conceito.
Embora a natureza das concepções alternativas tenha mudado, ao longo do estudo, a sua
frequência não diminuiu apreciavelmente.
O teste utilizado na investigação foi o seguinte:
Uma pessoa comparece para um teste de aptidão física:
1º — Depois da pessoa estar sentada 5 minutos, o médico regista: a frequência cardíaca,
a frequência respiratória e a temperatura corporal. Verifica-se então que o número de
movimentos respiratórios é de 18/minuto. O número de pulsações é de 60/minuto. A
temperatura corporal é de 36,5ºC.
2º — O médico pede à pessoa para correr 500 metros. Imediatamente a seguir a este
exercício a frequência cardíaca, a frequência respiratória e a temperatura corporal
registadas foram as seguintes:
frequência respiratória: 40 movimentos respiratórios / minuto;
frequência cardíaca: 115 pulsações / minuto;
temperatura corporal: 36,5ºC;
o médico verificou que a pessoa estava a suar.
3º — O médico pediu à pessoa para se sentar durante 15 minutos e verificou que ao fim
deste tempo a frequência cardíaca e a respiratória voltaram aos valores iniciais. Para
satisfazer a sede resultante do exercício a pessoa bebeu água a seguir ao teste.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 20
Pediu-se aos estudantes que, depois de lerem, atentamente, os resultados do teste e
reflectirem, fizessem uma listagem dos processos biológicos que mudam e que não
mudam como resultado do exercício e dessem uma explicação para os factos
verificados.
O critério utilizado, pelos autores, para considerarem uma resposta completa foi o
seguinte:
velocidade cardíaca aumentada;
velocidade respiratória aumentada;
aparecimento da perspiração;
causa da perspiração;
manutenção da temperatura do corpo;
sede.
As respostas dos estudantes foram agrupadas em cinco categorias, de acordo com a
compreensão do conceito de homeostasia: nenhuma compreensão; concepção
alternativa específica; compreensão parcial com concepção alternativa específica;
compreensão parcial; compreensão completa.
Nenhuma compreensão: a resposta consiste em “não sei”; “resposta em branco”;
“contem afirmações irrelevantes”.
Concepção alternativa específica: a resposta corresponde a uma concepção alternativa
do conceito.
Compreensão parcial com concepção alternativa específica: a resposta contem
informação incorrecta mas também contem uma concepção alternativa específica
relativamente a qualquer aspecto do conceito:
Compreensão parcial: a resposta não traduz uma compreensão completa mas não
apresenta nenhuma informação incorrecta.
Compreensão completa: a que corresponde à resposta padrão para cada conceito.
A discussão dos resultados do trabalho levou os autores às seguintes conclusões:
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 21
Os dados obtidos nesta pesquisa suportam as conclusões de estudos prévios de
que não obstante a educação formal certas noções erradas persistem.
Uma maior familiaridade com o conceito não conduziu a um aumento
proporcional da compreensão do conceito pelos estudantes.
Os resultados desta investigação suportam a suposição que os estudantes
“operacionais concretos” não aprendem conceitos formais.
Se a homeostase for ensinada nos primeiros anos do ensino secundário, não é de
esperar que os estudantes compreendam o conceito. Os estudantes acabam por
memorizar peças isoladas de informação que não compreendem o que os poderá
conduzir a desenvolverem concepções alternativas do conceito.
Os autores recomendam que o ensino do conceito de homeostase requer uma atmosfera
na aula de modo a que as concepções dos estudantes possam ser discutidas,
argumentadas e avaliadas.
Os autores terminam o relato da investigação salientando que um estudo longitudinal
teria permitido uma análise em profundidade das concepções alternativas sobre os
conceitos e mudança conceptual. Consideram que o estudo transversal foi instrutivo no
sentido de fornecer uma descrição dos pontos de vista dos estudantes sobre o conceito,
mas teve aplicações limitadas em termos de desenvolvimento e mudança conceptual.
Equilíbrio dinâmico
Hmelo-Silver e outros (2000) definem sistema dinâmico como um conjunto coerente
composto de componentes que interagem entre si dentro do sistema individualizado e
em interacção com outros sistemas. O mecanismo responsável por esta interacção é
baseado no transporte de matéria entre todos os níveis hierárquicos do corpo desde as
células a todo o corpo. Todavia, Whitner (1985) também sublinha a importância das
sinergias de um sistema, que emergem da sua natureza dinâmica.
De acordo com diversos autores, no ensino da biologia celular, são quatro os elementos
de competência em pensamento sistémico:
Distinguir entre os diferentes níveis de organização (i.e. célula, órgão e
organismo), e identificar os conceitos em cada nível específico de organização
biológica.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 22
Interligar os conceitos no nível de organização celular (coerência horizontal).
Relacionar os conceitos de biologia celular com conceitos num nível mais
elevado de organização (coerência vertical).
Pensar retroactivamente entre representações relativas a modelos abstractos das
células e modelos reais observados ao microscópio.
Do exposto poder-se-á inferir que as investigações a que aludi se revestem de uma
enorme importância para o ensino das ciências. Efectivamente, se as conclusões dos
investigadores forem tomadas em linha de conta penso que poderão constituir um
suporte substantivo para que a capacidade em pensamento sistémico dos estudantes se
constitua como um dos objectivos a alcançar no ensino secundário. No entanto, não
quero deixar de assinalar que a consecução plena deste objectivo, pela maturidade que
exige, só será viável quando os estudantes alcançarem a fase pré-universitária dos seus
estudos secundários.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 23
Sistema é um conjunto de elementos funcionalmente integrados de modo a ter um
comportamento previsível.
Sensor é uma entidade que detecta directa ou indirectamente o valor da variável
controlada.
Controlador é uma entidade integradora de sinais. A integração, num sistema de
regulação, visa a manutenção da variável controlada dentro dos valores de referência.
Variável controlada é a grandeza sobre a qual o sistema de regulação actua.
Referência o seu valor estima-se registando o valor da variável controlada e
calculando o seu valor médio.
Perturbações são acontecimentos que causam mudanças não desejadas na variável
controlada.
Erro define os limites estatísticos da variável controlada, dentro dos quais o sistema
funciona normalmente. Quando esses limites são ultrapassados, são accionadas as
estratégias reguladoras
Tempo de resposta é o tempo que o sistema de regulação leva a corrigir ou a
compensar uma fracção pré-definida de uma perturbação.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 24
2. Referentes teóricos para uma pedagogia motivadora do pensamento
sistémico
Da aprendizagem por transmissão verbal à aprendizagem por mudança conceptual
Ao longo dos anos a forma de encarar a ciência foi-se modificando e em consequência a
sua didáctica também evoluiu. Considero que o conhecimento dessa evolução é
fundamental para o desenvolvimento de metodologias de ensino motivadoras de
pensamento sistémico. Consequentemente, farei uma breve síntese dessa evolução.
Antes da década de cinquenta os conhecimentos didácticos relativos ao ensino das
ciências não constituíam matéria de investigação e como consequência não eram
reconhecidos como área disciplinar (etapa pré-disciplinar da evolução da didáctica das
ciências).
A didáctica das ciências, como área de conhecimento disciplinar, surgiu somente nos
anos cinquenta associada ao desenvolvimento da investigação e da experimentação que
ocorreu naquela época nos países anglo-saxónicos no campo do ensino das ciências
(Guiterrez 1987; Aliberas e outos 1989; Canal 1990 citados por Porlan). Os governos
destes países tomaram, na altura, uma série de medidas político-económicas e
educativas cujo objectivo era impulsionar o seu crescimento científico e tecnológico.
Nesta fase do seu desenvolvimento, a didáctica das ciências tinha subjacente uma
concepção positivista da ciência e uma perspectiva simplificada dos processos de
ensino-aprendizagem (etapa tecnológica da evolução da didáctica das ciências).
As medidas tomadas por aqueles países foram, na prática, acompanhadas por
investigadores, não só no campo das ciências experimentais como por psicólogos e
pedagogos de prestígio, e concretizaram-se pela apresentação de vários projectos
curriculares de que são exemplo, nos Estados Unidos, o Biological Sciences Curriculum
Study (BSCS) e, em Inglaterra, o programa da Nuffield Foundation contemporâneo do
BSCS. Estes programas salientavam a importância da manipulação de materiais e do
método de inquérito como incentivos à descoberta.
Este movimento de reforma curricular surgiu como reacção aos projectos curriculares
tradicionais, os quais foram reconhecidos como veiculando uma visão fragmentária da
ciência que se baseava numa metodologia de ensino norteada pelos princípios da
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 25
didáctica geral, centrada nas exposições do professor e suportada pelos manuais
escolares.
Embora os vários projectos curriculares surgidos nos anos 60 tivessem as suas
especificidades tinham em comum: a forma como encaravam o aluno e o professor; o
facto de proporem um novo conceito de aprendizagem e uma nova metodologia para o
ensino das ciências.
Assim o aluno era entendido como um produtor de ciência "o pequeno cientista"; o
professor era visto mais como um mediador do processo da ciência do que dos produtos
desta; a aprendizagem passa a ser compreendida como um processo de descoberta
através do qual o aluno descobre, de forma autista, os conceitos, a partir dos dados
apreendidos por uma observação neutra e objectiva e seguindo o pretenso percurso que
seguem os "bons cientistas" método científico (Santos, 1991).
No final dos anos setenta e início dos anos oitenta, factores sociais e políticos
determinam, em parte, uma crise da tendência científica e tecnológica da didáctica das
ciências. Efectivamente os problemas ambientais que surgiram, bem como a ameaça de
uma guerra nuclear, começaram a alertar os cidadãos para a aparente natureza benévola
do trabalho científico e o ideal de uma ciência objectiva, neutral e verdadeira
desvaneceu-se perante a evidência dos interesses sociais e económicos implicados.
(Porlan 1998).
A crise do positivismo científico-técnico manifestou-se não só no plano social como no
campo da reflexão filosófica e epistemológica acabando por se reflectir nas próprias
disciplinas científicas. Na didáctica destas disciplinas é de realçar o papel determinante
da nova epistemologia da ciência, com particular relevo para as ideias de Kuhn (1962),
Toulmin (1972) e Lakatos (1978). Em torno dos pontos de vista destes epistemólogos
organizaram-se debates acerca da natureza das teorias científicas, do seu carácter
relativo e evolutivo, e do papel que estas teorias desempenham ao condicionar e dirigir,
inevitavelmente, todo o processo de observação, interpretação e intervenção na
realidade. O resultado destas reflexões conduziu a uma nova concepção de ciência que
deixou de ser vista como um conjunto de verdades inquestionáveis; e, sim, um campo
de actividade que está sujeito a condicionamentos de vária ordem e que oferece em cada
momento a melhor explicação possível para os fenómenos e, como tal, os seus conceitos
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 26
são relativos e sujeitos a profundas mudanças. (Abimbola e Hodson, citados por Porlán,
1998).
Apesar dos aspectos negativos do movimento de aprendizagem por descoberta tais
como o seu indutivismo extremo, a falta de atenção aos conteúdos, a insistência de uma
actividade autónoma dos alunos, é inegável a sua contribuição dinamizadora para o
processo de inovação e investigação sistemática que hoje se observa no domínio da
didáctica das ciências.
A crítica ao ensino por descoberta veio acompanhada pela defesa da aprendizagem por
recepção significativa, modelo que foi proposto por Ausubel (1978) que considerava o
ensino/ aprendizagem das ciências como um processo de transmissão/recepção. Esta
proposta não pode ser considerada como um simples regresso à estratégia "tradicional",
uma vez que nos legou a ideia chave de aprendizagem significativa e chamou a atenção
para a importância que tem, para a aprendizagem, o que os alunos já sabem antes da
educação formal. Esta chamada de atenção constituiu a pedra de toque para uma profusa
investigação sobre as explicações idiossincráticas dos estudantes concepções
alternativas que constituiu, durante os anos oitenta, a linha de investigação prioritária
em Ciências da Educação.
Os graves problemas ambientais originados pelo desenvolvimento científico-
tecnológico ilimitado, assim como as críticas contundentes ao positivismo, levaram a
uma revisão metodológica da didáctica das ciências que se orientou para uma visão
mais fenomenológica do objecto de estudo, para metodologias mais abertas e
qualitativas e para uma concepção mais relativista do conhecimento científico (etapa
actual da didáctica das ciências, Porlan 1998).
As metodologias de investigação que eram seguidas pelos investigadores em didáctica
das ciências foram também alvo de críticas, nos anos oitenta, o que levou aqueles
investigadores a adoptarem métodos qualitativos e estudos de casos em contraposição
aos métodos estatísticos quantitativos até aí utilizados (Shulman 1981; Yinger e
Clark, 1982; Porlan, 1982).
Como já afirmei, as investigações sobre os conhecimentos prévios dos estudantes
constituiu, nos anos oitenta, a linha de investigação prioritária em Ciências de
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 27
Educação. O objectivo destes estudos era procurar fundamentos para transformar as
concepções alternativas dos estudantes em contextos científicos concretos.
O movimento das concepções alternativas teve como precursores Ausubel e Piaget:
Piaget, por ter estudado as representações que se formam espontaneamente nas crianças
como resultado das suas experiências pessoais e através das quais elas dão sentido a
estas experiências. Ausubel, porque considerou a "estrutura cognitiva" do sujeito do
conhecimento um instrumento decisivo para a integração de novas informações e de
novos conceitos (Santos 1992).
Os resultados das investigações sobre as concepções alternativas dos estudantes
permitiram fundamentar um novo referencial para a aprendizagem das ciências.
Efectivamente, os investigadores passaram a dispor de uma informação substantiva das
ideias dos alunos sobre alguns domínios do conhecimento científico: ficaram a saber
que os alunos constroem representações mentais relativas aos vários domínios do
conhecimento e que as representações relativas aos conteúdos escolares são da maior
importância para melhorar o ensino desses conteúdos e a prática pedagógica em geral.
Consequentemente, o aluno, para aprender, tem de construir/reconstruir os seus
"conhecimentos científicos". Surgiu, assim, de uma forma lógica, a necessidade de
adopção de uma matriz epistemológica construtivista para o ensino das ciências.
Depois da definição do novo referencial para o ensino-aprendizagem das ciências,
fundamentado nos inúmeros estudos sobre concepções alternativas dos estudantes,
foram surgindo várias propostas de ensino-aprendizagem de orientação construtivista,
apresentadas como modelos distintos mas tendo em comum a ideia de considerarem a
aprendizagem como um processo de mudança conceptual (Nusbaum e Novick 1982,
Posner e al. 1982, Osborne e Wittrock 1983 e 1985, Cosgrove e Osborne 1985, Driver e
Oldham 1986, Hewson e Hewson 1988, Hodson 1988, Giordan 1989, Pozo 1989,
Sequeira e Duarte 1991, Chi 1994, Vosniadou 1994, Caravita e Halldén 1994).
Construir/reconstruir não significa porém a substituição dos conhecimentos intuitivos
pelos conhecimentos científicos. A aprendizagem, de acordo com a matriz
epistemológica construtivista, dever-se-á processar de tal forma que, sem abandonarem
as ideias que trazem para as escolas e que para eles continuarão a fazer sentido em
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 28
situações do quotidiano, os alunos incorporem o conhecimento intuitivo no
conhecimento científico (Pozo, 1996).
Ao contrário de outros modelos sobre o ensino-aprendizagem das ciências, a perspectiva
de mudança conceptual foi a única que não se originou como resposta a um clima social
e político que exigiu uma reforma na educação em ciências. Este ponto de vista baseia-
se nos resultados de estudos de ciência cognitiva sobre a aprendizagem e o
conhecimento (Sequeira 1995).
A revolução cognitiva, que ocorreu na década de cinquenta, teve como finalidades o
regresso da "mente" às ciências humanas (eliminada pelos condutistas) e o
restabelecimento do "significado" como o conceito central da psicologia. Mas, na
prática, como afirmou Bruner (1990), o que aconteceu, efectivamente, foi que a ênfase
se deslocou do significado para a informação e da construção do significado para o
processamento da informação.
Embora o processamento da informação seja a metáfora dominante na psicologia
cognitiva, não esgotou as possibilidades da abordagem cognitiva. Segundo Pozo, pode
falar-se em duas tradições cognitivas:
Uma, a dominante, de natureza mecanicista e associacionista, representada pelo
processamento de informação; outra, a tradição estruturalista ou organicista que se
originou quando, entre outros autores, Piaget e Vigotski sustentaram na Europa, em
pleno apogeu do condutismo nos Estados Unidos, uma concepção do sujeito humano
anti associacionista.
Para os estruturalistas ou organicistas o processo fundamental da aprendizagem consiste
na reestruturação das teorias em que os conceitos se integram. As teorias da
reestruturação admitem não só que o sujeito do conhecimento interpreta a realidade a
partir dos conhecimentos anteriores, mas também que constrói esses mesmos
conhecimentos sob a forma de teorias. (Pozo, 1996).
As dificuldades de incorporação do conhecimento intuitivo no conhecimento científico,
por parte dos estudantes, têm sido objecto de reflexão para alguns investigadores. Gil e
Carrascosa (1985), em virtude do paralelismo entre as concepções alternativas dos
estudantes e as concepções pré-científicas atribuem, em parte, aquelas dificuldades à
mesma estratégia de aproximação dos problemas que eles designam por metodologia da
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 29
superficialidade ou do senso comum; esta caracteriza-se pela ausência de dúvidas, de
propostas alternativas de solução e de procura de uma coerência global, e de utilização
de raciocínios que seguem uma sequência linear.
Outros obstáculos à aprendizagem parecem resultar da ideia que alguns professores e
alunos ainda sustentam sobre a natureza e origem do conhecimento científico.
Numa investigação realizada por Driver (1993) o conhecimento científico é visto por
estudantes entre os 9 e os 16 anos como emergindo de dados observáveis de uma forma
não problemática. A mesma investigadora identificou num pequeno número de
estudantes com 16 anos uma representação em que o conhecimento científico é
considerado mais conjectural do que absoluto e em que é admitida a possibilidade de
várias explicações para os fenómenos.
Os resultados dos estudos empíricos referidos mostram que a concepção veiculada pelos
epistemólogos contemporâneos, segundo a qual toda a observação não é objectiva nem
neutra, pelo que um dado de observação não é entendido como um "dado científico"
é ainda desconhecida por muitos estudantes Estas investigações evidenciaram
também que as questões sobre a epistemologia da ciência se mantêm ausentes da
formação dos professores.
Consequentemente, corre-se o risco dos currículos de ciências não poderem ser
assimilados de forma adequada pelos estudantes e pelos professores. “Suscitando
questões sobre a estrutura do conhecimento científico e como se desenvolve, podemos
estar mais seguros de que o currículo representa legitimamente o conhecimento
científico” (Cleminson 1990, citado por Duschl, 1995).
Outros obstáculos que se colocam à aprendizagem das ciências advêm do facto dos
estudantes evidenciarem claramente um défice de raciocínio formal. Vários estudos
empíricos evidenciaram que os alunos têm dificuldades em efectuar operações sobre
proposições (operações formais) - Susan Westbrook e E.Marek 1992.
A perspectiva de aprendizagem como mudança conceptual é informada pelos pontos de
vista cognitivistas, inicialmente representados por Werthmeir (1913), que consideram
que a aprendizagem deve ser orientada para a compreensão e criar condições no sujeito
para que ele possa estabelecer relações entre corpos de conhecimento. Trata-se de uma
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 30
perspectiva de aprendizagem cujo objectivo é munir o sujeito de uma compreensão do
objecto como um todo, e não como uma série de partes aparentemente relacionadas.
Os cognitivistas admitem que os conceitos não são listas de características, mas
consideram que são partes de teorias mais amplas. Consequentemente, segundo estes
psicólogos, para caracterizar um conceito há que ter em conta não só a sua referência,
mas também as relações deste conceito com os que, com ele, constituem uma estrutura
semântica.
O ensino para uma aprendizagem como mudança conceptual está centrado no aluno e
valoriza de uma forma particular as interacções entre este e o professor.
O professor não é mais o transmissor de uma ciência constituída por um conhecimento
verdadeiro e definitivo. Este professor não encara a sala de aula como um local de
transmissão do conhecimento científico, mas como um lugar de construção de
significados conducentes a um conhecimento que é, em cada fase da sua evolução, o
melhor de que a comunidade científica dispõe.
Decorre também desta perspectiva de ensino que o ambiente na sala de aula se reveste
de uma importância capital. Este ambiente deverá propiciar a livre expressão do
estudante, sem temor de uma avaliação que se tem mostrado inibidora de uma
aprendizagem verdadeiramente significativa.
O aluno tem de tomar consciência que as suas ideias e explicações sobre o tema
curricular em estudo são de importância crucial para a aprendizagem. O debate,
fundamentado em regras negociadas, tem de instalar-se na sala de aula e permitir aos
sujeitos uma discussão construtiva de ideias.
Se bem que referendadas por numerosas investigações, realizadas em diferentes
domínios científicos (Nusbaum e Novick 1982, Anderson e Smith 1983, Hewson e
Hewson 1984, Roth 1984, Osborne e Fryberg 1985, Ziestman e Hewson 1986, Sequeira
e Duarte 1991, Duschl e Gitomer 1991, J. Lemberg 1995 ...), a implementação das
estratégias de ensino para a mudança conceptual dos estudantes tem, no entanto,
deparado com alguns obstáculos. Entre eles destaca-se a resistência ao ensino de
algumas concepções alternativas, constatada por vários autores, mesmo quando este
ensino se orienta explicitamente para produzir mudança conceptual (Fredette e Lochead
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 31
1981, Engel e Driver 1986, Shuell 1987, White e Gunstone 1989, Duschl e Gitomer
1991, citados por G.Perez,1993).
A aprendizagem das ciências como mudança conceptual
A análise de literatura sobre mudança conceptual evidencia três vectores principais de
pesquisa:
a) Um primeiro vector tem procurado responder às questões relativas à natureza das
concepções alternativas dos estudantes e constitui a área de pesquisa mais
substancial.
b) Um segundo vector diz respeito à aprendizagem e como as concepções alternativas
sustentadas pelos estudantes afectam essa aprendizagem. Os investigadores nesta
área têm sugerido vários modelos de aprendizagem.
c) Um terceiro vector focaliza-se no desenvolvimento de estratégias de ensino que
promovam uma aprendizagem por mudança conceptual. (Asoko, e outros 1991). A
pesquisa nesta área tem procurado averiguar sobre a eficácia de estratégias de ensino
destinadas a levar à prática os vários modelos de aprendizagem propostos pelos
investigadores sobre mudança conceptual.
Neste livro situar-me-ei no terceiro vector de pesquisa reiterando a minha convicção de
que a resolução de problemas propostos pelos alunos, em grupo, constitui uma
estratégia de aprendizagem por mudança conceptual.
A minha primeira preocupação foi procurar, através da revisão de literatura, uma
maneira consensual de definir o processo de mudança conceptual.
A leitura de uma revisão, publicada durante a década de 80 e princípio da década de 90
revelou-me, porém, uma série de termos para designar o processo de mudança
conceptual, o que me levou a analisar, detalhadamente, o significado desses termos.
Desta revisão emergiram termos como assimilação e acomodação (Posner e colegas
1982; Strike e Posner, 1992, Smith, Blakesbee e Anderson, 1993); reestruturação fraca e
reestruturação forte (Carey, 1985); captura conceptual e troca conceptual (Hewson e
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 32
Hewson, 1992); diferenciação e reconceptualização (Dystra, 1992); enriquecimento e
revisão (Vosniadou, 1994).
Posner e colegas consideram dois tipos fundamentais de mudança conceptual:
assimilação que corresponde às alterações nos períodos de "ciência normal", e em que a
estrutura conceptual do sujeito do conhecimento se mostra capaz de fundamentar a
explicação de novos fenómenos; acomodação que corresponde às alterações durante os
períodos de "ciência revolucionária" e em que a estrutura conceptual do sujeito tem de
ser reestruturada a fim de possibilitar a explicação daqueles fenómenos.
Apesar de, teoricamente, Posner ter considerado dois processos de mudança conceptual,
na prática restringia-os ao processo de acomodação, dado que ele tinha do processo de
mudança conceptual um ponto de vista radical.
Hewson (1981), um dos coactores do modelo de Posner, propôs uma modalidade
diferente, para o caso em que as novas ideias não sejam incompatíveis com o ponto de
vista prévio do aluno, e designou esta modalidade por captura conceptual. A
modalidade, que radica no processo de acomodação foi designada por troca conceptual.
Em trabalhos mais recentes e como resultado da complexidade do fenómeno, Hewson
(1992) considerou uma terceira modalidade que designou por intercâmbio, nesta terceira
modalidade a ideia prévia não muda mas também as novas concepções não se integram
nas anteriores, o que acontece, segundo Hewson, é que as novas ideias coexistem com
as anteriores e são utilizadas em alternância com elas.
Carey (1991) distingue entre si o processo de reestruturação forte e reestruturação fraca.
Reestruturação forte, para os casos em que a mudança conceptual implica uma
modificação ontológica (como exemplo cito um caso frequente que diz respeito ao facto
dos alunos considerarem inicialmente a baleia como um peixe). A reestruturação fraca,
consiste na aquisição de novos conhecimentos e na diferenciação e integração das
concepções prévias.
Chin (1992), considera que as entidades que existem no mundo pertencem a diferentes
categorias ontológicas e também considera que há mudança conceptual quando um
conceito é mudado de uma categoria ontológica para outra. Assim, se as duas
concepções são ontologicamente compatíveis a mudança será fácil; se pertencem a
categorias ontológicas distintas a mudança tornar-se-á difícil.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 33
Vosniadou (1994) interpreta a mudança conceptual como uma modificação progressiva
nos modelos mentais que o estudante possui. Esta modificação pode ser gerada por dois
processos: enriquecimento e revisão. No processo de enriquecimento é acrescentada
informação à estrutura conceptual do estudante, enquanto que na revisão há uma
modificação das crenças e pressupostos nos quais o aluno baseava a sua concepção
prévia.
Apesar da profusão de termos que encontrei na análise das várias propostas,
relativamente à forma como se processa a mudança conceptual, concordo com L. Tyson,
J. Venville, D. Treagust (1996), pois considero, como estes autores, que existem dois
tipos fundamentais de processos de mudança conceptual: "grandes mudanças" e
"pequenas mudanças"; isto corresponderá, respectivamente, à existência de mudanças
na estrutura conceptual que envolvem uma simples adição de conhecimento e não
implicam reestruturação e outro processo que envolverá uma mudança nas estruturas
conceptuais mais do que uma simples adição.
A ideia básica do ensino da ciência como mudança conceptual radica na epistemologia
construtivista que admite que toda a aprendizagem é um processo de construção pessoal
e que os estudantes, quando lhes é dada oportunidade, construirão uma concepção
cientificamente ortodoxa, se eles compreenderem que a concepção científica é superior.
Como afirmou Hewson: "quando a concepção científica é mais potente e útil para
predizer fenómenos".
A ideia que a mudança conceptual é uma mudança radical é partilhada por Posner e
Carey; isto não exclui que Posner desde o início tenha chamado a atenção para o facto
de não ser viável uma mudança brusca do ponto de vista dos estudantes, pelo que o
processo de mudança teria de assumir um carácter de gradualidade.
Posteriormente, outros autores chamaram a atenção para esta gradualidade do processo
de mudança conceptual dos quais posso citar Thagard e Toulmin.
Thagard admitiu que o processo de mudança conceptual não é um processo de tudo ou
nada, mas que é um processo gradual contínuo, num crescendo de complexidade e
chegou a admitir nove graus distintos na mudança.
Toulmin rejeita a ideia de ciência normal e ciência revolucionária admitida por Posner e
adopta uma perspectiva gradualista do processo de mudança conceptual. Considera a
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 34
selecção crítica e a inovação os motores do desenvolvimento conceptual: de uma forma
natural surgem novas ideias (inovação) de entre as quais serão seleccionadas, em cada
momento, as que mostraram maior poder explicativo e preditivo (selecção crítica) no
contexto em que estão inseridas.
Admito, como Thagard e Toulmin, que o processo de mudança conceptual é, na
generalidade, um processo gradual e, consequentemente, o tipo mais comum de
mudança integrar-se-á na categoria pequenas mudanças, considerada por Tyson.
A análise dos dados obtidos na minha investigação (tese de doutoramento) mostrou-se
compatível, relativamente à forma como decorreu o processo de mudança conceptual,
com os pontos de vista de Hewson e Toulmin.
Depois de clarificar um significado genérico do processo de mudança conceptual,
surgiu, naturalmente, como segunda prioridade, definir de forma fundamentada as
condições que é necessário reunir para que o processo de mudança conceptual seja
viável. Estas condições dizem, obviamente, respeito aos intervenientes no acto
educativo: o professor e os estudantes, mas também ao ambiente na sala de aula e à
matéria curricular em estudo.
No contexto da minha investigação, assumiu uma importância primordial a ideia que os
estudantes fazem da forma como se gera o conhecimento científico e a importância que
dão às suas experiências anteriores. Relativamente ao professor, é a metodologia que
considera mais adequada à construção do conhecimento científico na sala de aula, a
função que atribui aos conhecimentos prévios do aluno, e a sua perspectiva sobre
mudança conceptual.
No meu trabalho, tomei como referência as directrizes sugeridas por Hewson (1994),
para um ensino conducente a uma aprendizagem por mudança conceptual. Essas
directrizes concretizam-se na observância de quatro parâmetros fundamentais: os
conhecimentos prévios dos estudantes, a metacognição, o "status" das concepções em
competição e o critério para a validação do conhecimento.
Analiso em seguida, e separadamente, cada um destes parâmetros.
a) A função dos conhecimentos prévios do estudante: Hewson (1994) sugere que "as
concepções dos estudantes devem ser uma parte explícita de qualquer estratégia de
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 35
ensino por mudança conceptual". Quando se pretende que a aprendizagem se realize
por mudança conceptual, os usos potenciais dos conhecimentos prévios fazem da
sua explicitação um objectivo básico. Efectivamente, é com base nestes
conhecimentos que os estudantes interpretam as acções dos professores e dos
colegas; propõem problemas e as primeiras hipóteses para a sua provável solução e
explicam, predizem e descrevem os fenómenos que se lhes deparam. Ignorar estes
conhecimentos é, na generalidade, a prática comum nas turmas de ciências.
Considero que esta atitude dos professores leva os estudantes a não valorizarem as
suas experiências anteriores e, por conseguinte, a não verem uma fonte real de
informações, de importância fundamental para "fazerem suas" as matérias que
constituem os programas das disciplinas científicas.
b) A metacognição: em qualquer estratégia de ensino, para uma aprendizagem por
mudança conceptual, é imprescindível que os alunos "pensem no que pensam" sobre
o tema proposto pelo professor, isto é, que sejam metacognitivos. Este procedimento
cognitivo possibilitar-lhes-á averiguar a consistência das suas concepções, nas quais
obviamente acreditam, e verificar se essas concepções lhes permitem resolver
problemas novos e ainda a ampliar os seus conhecimentos. Os estudantes só podem
formular juízos de valor, acerca das concepções, se reflectirem sobre elas.
c) O "status" das concepções: os estudantes devem avaliar, em competição, a
inteligibilidade, plausibilidade e utilidade das suas concepções e das que se lhe
deparam.
d) Critérios de validação do conhecimento: torna-se evidente que a aprendizagem por
mudança conceptual não pode basear-se num processo de transmissão recepção
do conhecimento, onde este é apresentado como um "produto acabado pronto a
consumir".
Resulta como fundamental que o conhecimento seja considerado válido pelos
estudantes o que exige que se vejam, eles próprios como fontes de conhecimento. A este
propósito recordo a sugestão de R. Driver (1994) quando afirmou: "a aquisição das
ferramentas intelectuais da ciência é um pré-requisito para que os estudantes se vejam,
eles próprios, como fontes de conhecimento". Estes autores consideram que o ambiente
das turmas deve ser de molde a iniciar os estudantes nas "formas científicas de
conhecer". Em termos de recomendação para o futuro, Driver e colaboradores sugeriram
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 36
que "a pesquisa se deve orientar no sentido de procurar definir os processos de
organização das turmas, no sentido de gradualmente os estudantes dominarem algumas
normas e práticas consideradas características das comunidades científicas".
Uma classe em que se pretende que os estudantes se reconheçam como fontes de
conhecimento válido terá que oferecer-lhes condições propícias à consecução deste
objectivo. Este facto constitui uma tarefa complexa no contexto educacional das nossas
escolas.
O professor, numa turma com as características a que venho aludindo, não deve utilizar
a sua autoridade como meio para validar qualquer concepção durante os debates em
classe, mas deve encontrar formas apropriadas para utilizar o seu nível de "especialista"
no conteúdo científico.
Em síntese, o professor que pretende que o ensino na sua aula seja conducente a uma
aprendizagem por mudança conceptual deve utilizar processos didácticos centrados nas
ideias dos alunos que, como assinalou Astolfi (1984), não devem ser só encaradas como
desvios em relação às ideias dos especialistas, mas também como expressões de carácter
adaptativo a um contexto situacional concreto.
Considero que o desenvolvimento, em grupo, de um tema curricular pode ser um dos
factores fundamentais para a criação, na turma, de condições necessárias a uma
aprendizagem por mudança conceptual na medida em que dinamiza e possibilita todo
um conjunto de interacções, retroacções e intercâmbios que são a matriz de um processo
de ensino/aprendizagem alicerçado na epistemologia construtivista, como é o caso da
aprendizagem por mudança conceptual.
Uma vez definido o conceito de mudança conceptual e as condições que devem ser
reunidas para que o processo de mudança conceptual seja viável procedi, no meu
trabalho, à escolha do modelo de mudança conceptual que se mostrou mais adequado. A
minha opção recaiu sobre o modelo de Posner, Hewson e Thorley (1982) por se
apresentar como um instrumento de trabalho com boas condições para ser levado à
prática em virtude de concretizar e definir as condições necessárias à ocorrência da
mudança conceptual. Este modelo baseia-se na filosofia da ciência e na teoria do
desenvolvimento cognitivo de Piaget. A teoria piagetiana considera como força
propulsora de desenvolvimento cognitivo o estado de desequilíbrio, que, no campo da
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 37
educação, é designado por conflito cognitivo. Como afirmaram Rowell & Dawson
(1990) "pensa-se que, ao produzir-se um conflito cognitivo na mente do estudante, está
iniciado um processo de aprendizagem".
Tendo como ponto de partida as descrições sob a forma como se desenvolvem as ideias
científicas, referidas nos trabalhos de Thomas Kuhn, Imre Lakatos e Stephen Toulmin,
Posner, Strike, e Gertzog (1982) descreveram as condições que consideram necessárias
para que o estudante efectue uma mudança conceptual. Estas condições são as
seguintes: insatisfação com as concepções existentes; inteligibilidade e plausibilidade da
nova concepção e o facto da nova concepção se mostrar promissora no sentido de
esclarecer problemas existentes e problemas futuros.
Em consonância com o enunciado no parágrafo anterior, os autores do modelo aderem à
teoria da recapitulação. Esta considera que existe um paralelismo directo entre a forma
como o estudante, considerado individualmente, elabora os conceitos e o
desenvolvimento destes ao longo da história da ciência. Desta forma adoptaram um dos
princípios básicos da epistemologia genética enunciados por Piaget: "existe um
paralelismo entre a ontogénese e a filogénese".
Examinarei, agora, sinteticamente, as ideias básicas de T.Kuhn (1957) e I. Lakatos
(1978), deixando para análise posterior os pontos de vista de S. Toulmin pela
importância de que se revestiam para a discussão dos resultados da minha investigação.
As noções de paradigma e de comunidade científica constituem o suporte das
concepções kuhnianas de ciência e de progresso científico.
Kuhn considera como paradigma "as realizações científicas universalmente
reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para
uma comunidade de praticantes de uma ciência", e considera que a comunidade
científica "partilha do mesmo paradigma, dos mesmos critérios cognitivos, dos mesmos
métodos de trabalho e que é o lugar de informação, formação e reconhecimento do valor
científico das descobertas e, portanto, do progresso científico".
Enquanto o paradigma dá resposta aos problemas teóricos e experimentais e os seus
pressupostos se tornam cada vez mais credíveis, a ciência encontra-se na fase que Kuhn
designou por "ciência normal"; quando surge um problema (anomalia) que a
comunidade científica reconhece que só uma outra explicação lhe pode dar
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 38
inteligibilidade é reconhecida a insuficiência do paradigma; torna-se então necessário
pôr em causa a ciência que se pratica. É uma fase que se caracteriza pela emergência de
conflitos de interpretação e de argumentação. Esta fase foi designada por Kuhn por
"ciência revolucionária" e o seu resultado traduz-se na substituição de uma teoria por
outra.
Para Lakatos as teorias são entes complexos e altamente estruturados (programas de
investigação) que considera constituídos por um núcleo central, formado pelos aspectos
essenciais da teoria e que é protegido por um anel protector de hipóteses auxiliares. O
programa de pesquisa progride ou degenera se pode ou não pode prever algum facto
inesperado. Se degenera, o programa de pesquisa é substituído por outro que se
fortalece à medida que aumenta o seu sucesso preditivo.
O modelo de mudança conceptual de Posner utiliza as ideias de Kuhn e Lakatos para
tentar explicar como os estudantes reveem e substituem as concepções alternativas na
sua ecologia conceptual. Os paradigmas de Kuhn e os programas de investigação de
Lakatos são vistos como analogias das concepções alternativas dos estudantes relativas
aos fenómenos científicos. Assim, quando, na opinião do estudante, uma concepção se
mostra inadequada para uma compreensão satisfatória de um fenómeno, o estudante ou
modifica a sua concepção incorporando nela a nova informação (captura conceptual) ou
substitui a concepção "antiga" por uma nova com um poder explicativo e preditivo
adequado (troca conceptual).
Como já referi, Posner e outros propõem quatro condições relevantes para que o
estudante realize mudança conceptual. Estas condições concretizam um conjunto de
instrumentos de avaliação do "status" da nova concepção que determinará, após o
confronto com o "status" da concepção existente a decisão do estudante optar ou não
pela nova concepção. Pela sua importância decisiva na aprendizagem, do ponto de vista
de Posner e outros, analisarei, em detalhe as condições enunciadas por aqueles autores.
1 Insatisfação com as condições existentes tanto os cientistas como os estudantes
não mudarão os seus conceitos sem que estes se mostrem incapazes de lhes permitir a
resolução de um número significativo de problemas.
2 A nova concepção deve ser inteligível para que uma concepção seja inteligível
deve cumprir os seguintes requisitos:
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 39
a) o indivíduo deve compreender os termos que a compõem, os símbolos utilizados e a
sintaxe do modo de expressão.
b) o estudante deve construir uma representação coerente com essa concepção dado
que as representações são estruturas subjacentes a todo o processo de construção do
saber.
Uma estratégia muito útil para relacionar a informação existente com a informação nova
é o uso de analogias, metáforas e modelos. Esta estratégia permite que a nova
informação seja incorporada num contexto familiar o que poderá facilitar uma
aprendizagem centrada na compreensão.
3 A nova concepção deve ser plausível para que a nova concepção seja
incorporada na estrutura conceptual do aluno não é condição suficiente que o estudante
a compreenda; é também necessário que ela não esteja em contradição com outro
conhecimento que o aluno pense ser verdadeiro, bem como com a sua experiência
quotidiana. Deve também poder ser enquadrada na concepção que ele tem do mundo.
Quando a nova concepção contradiz a ideia prévia do estudante a mudança conceptual é
bastante difícil e, para que esta dificuldade seja superada, o aluno terá de analisar e
reflectir sobre contra-exemplos até a considerar verosímil.
4 A nova concepção deve ser útil o aluno pode compreender a nova concepção e
considerá-la verosímil mas se não tiver provas da sua utilidade não é provável que a
mudança conceptual se concretize. Assim, a nova concepção deve não só resolver as
anomalias que levaram o aluno a procurá-la, como também deve sugerir-lhe novas
questões e permitir-lhe delinear procedimentos conducentes às respostas a essas novas
questões.
Inteligibilidade, plausibilidade e utilidade afectam o "status" da concepção no
pensamento do aluno. Sem suficiente "status", uma concepção não será incorporada na
estrutura conceptual do estudante. Como afirmou Hewson "concepções que competem
como explicações para fenómenos similares serão seleccionadas pelo estudante com
base no “status” relativo dessas concepções".
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 40
As concepções em competição podem ser construídas na interacção do estudante com os
colegas, ser introduzidas na classe pelo professor ou surgir no pensamento do estudante.
O que é fundamental para a mudança conceptual, segundo Posner e Hewson, é o
"status" que o estudante atribui às concepções em competição uma vez que a que a vai
ser incorporada na ecologia conceptual do estudante será aquela a que atribui um
"status" mais elevado. Esta incorporação, segundo Hewson, ocorrerá por captura ou
troca conceptual.
O ambiente intelectual próprio de cada indivíduo, ou seja a sua ecologia conceptual,
está em estreita conexão com as concepções que acabam por ser adoptadas pelo
estudante. A metáfora ecologia conceptual foi introduzida por Toulmin e adoptada por
Posner e outros. Segundo estes autores a ecologia conceptual tem os seguintes
componentes:
1 Anomalias são acontecimentos ou observações que não são consistentes perante
uma concepção que se admite ser verdadeira.
2 Analogias e metáforas são conceitos sustentados pelo estudante e que têm um
significado paralelo com uma nova concepção. São úteis porque a analogia ou a
metáfora pode ser compreendida pelo estudante, e esta compreensão pode ser
transferida para o novo conceito.
3 Exemplos ou imagens são exemplos de uma concepção que ajuda a enraizar a
concepção na experiência que o estudante tem do mundo.
4 Experiências passadas.
5 Compromissos epistemológicos referem-se à forma como o estudante justifica
porque considera verdadeira determinada concepção.
6 Crenças metafísicas é o ponto de vista do estudante relativamente a aspectos do
universo que não são observáveis.
7 Outros conhecimentos em competição.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 41
Como se verifica pela caracterização do modelo de Posner e outros (1982), estes autores
consideram a aprendizagem como uma actividade racional e, consequentemente, a
mudança conceptual como uma actividade racional. A este respeito é elucidativa a
forma como Posner e outros consideram o que significa aprender. Assim, afirmam que
"aprender é, fundamentalmente, vir a compreender e a aceitar ideias que são vistas
como racionais e inteligíveis".
Posteriormente, Posner e outros (1992) admitiram que o seu modelo de mudança
conceptual era exageradamente racional e reconheceram que outros aspectos da
aprendizagem na classe podem desviar a atenção dos estudantes de uma avaliação
puramente cognitiva dos conceitos científicos; passaram assim a admitir a influência
dos factores afectivos e sociais na aprendizagem por mudança conceptual.
Se bem que os investigadores em Ciências de Educação reconhecem que o modelo de
Posner é um bom instrumento de trabalho não o isentam, porém, de críticas que
considero pertinentes. Farei, seguidamente, uma análise dessas críticas porque admito
que, no seu conjunto, constituem um referencial notável para a interpretação dos dados
empíricos obtidos nas pesquisas sobre aprendizagem por mudança conceptual.
As críticas que os investigadores fazem ao modelo de Posner e colaboradores incidem
fundamentalmente no facto dos autores do modelo considerarem o processo de mudança
conceptual como um processo global; na analogia do "estudante como cientista", nas
condições para a mudança conceptual e no condicionalismo que a analogia, entre a
aprendizagem na escola e o desenvolvimento histórico das teorias científicas, tem
exercido sobre a concepção de mudança conceptual.
No que concerne à mudança conceptual como mudança global Laudin 1984, (citado por
Duschl, 1991), considera que Posner faz uma descrição incorrecta da forma como
ocorre o consenso e a discordância entre os cientistas, ao admitir que, quando uma
teoria muda, as mudanças nos compromissos epistemológicos são simultâneas com as
mudanças a nível ontológico, metodológico, e axiológico; foi este erro de covariância,
segundo Laudin, que levou Posner a considerar a mudança conceptual como um
processo global.
Como Laudin também Thagard crítica o ponto de vista holístico de mudança conceptual
admitido por Posner que é, segundo Duschl, refutada pela história da ciência que
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 42
evidencia, na generalidade, não mudanças globais, mas mais mudanças de carácter
"peça à peça" segundo as palavras de Duschl (1991).
Relativamente à metáfora do estudante como cientista, esta evidencia algumas
fragilidades de que é exemplo a fraca conexão que existe entre o trabalho dos cientistas
e o do estudante na classe de ciências. Efectivamente, como afirmam Caravita e Halldén
(1994) "a pesquisa é intencional, especializada, auto-regulada, criativa e envolve uma
comunidade que partilha objectivos, motivação, ferramentas profissionais, códigos de
comunicação e valores epistémicos".
Os estudantes na classe de ciências têm, na generalidade, como objectivo principal
optmizar os resultados pretendidos pelos autores dos currículos, pelo que os métodos
utilizados por eles diferem de forma substantiva dos utilizados pelos cientistas. Como
assinalou Karmilhoff-Smith (1988), citado por Caravita e Halldén: "a distinção
importante entre um objectivo e uma crença falhada no processo de inquérito do
estudante é que o resultado inesperado é interpretado como um obstáculo às intenções e
desejos mais do que uma anomalia que requer uma correcção na crença e
consequentemente no processo".
Nas relações entre os cientistas na comunidade científica, cada um é visto com um certo
respeito pelos outros e são eles próprios a decidir como e quando interagem com aquela
comunidade. Na sala de aula as decisões são, na generalidade, tomadas pelos
professores e os estudantes, salvo excepções, não acreditam mais nas ideias ou aptidões
dos outros do que nas suas próprias. Relativamente a este aspecto, a minha investigação
não se mostrou concordante.
Acredito, não só com base na minha investigação (tese de doutoramento) mas também
porque durante largos anos ter defendido, incentivado e levado à prática o trabalho dos
alunos em grupo, que é possível criar, na classe, um conjunto de objectivos partilhados
pelos estudantes: um respeito mútuo; uma negociação de normas de trabalho; em suma,
um ambiente onde a complementaridade de aptidões dos seus membros seja garante do
sucesso escolar.
A analogia entre a aprendizagem na escola e o desenvolvimento histórico das teorias
científicas, admitida por Posner e colaboradores, tem funcionado, segundo Caravita e
Halldén (1994) como factor condicionante dos objectivos e metodologias da
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 43
investigação empírica: "... Este condicionalismo originou uma concepção de mudança
conceptual que se consubstancia numa substituição de ideias velhas por novas, erradas
por correctas, incompletas por mais aprofundadas...".
Concordo com Caravita e Halldén quando consideram que o ponto de vista cognitivista
e individualista da maior parte das pesquisas sobre mudança conceptual configura uma
perspectiva redutora, que necessita ser ampliada por estudos empíricos incidindo sobre
outros factores, os quais vão influenciar aqueles processos. Entre esses factores,
destaco, como Caravita, Halldén (1994) e H.Spada, (1994) os factores contextuais.
Considero que o estudo exaustivo da influência nos processos de mudança conceptual
das interacções com os colegas e com o professor, bem como com as matérias
curriculares, permitiria ampliar de forma substantiva o quadro empírico de referência de
que dispomos e, consequentemente, compreender melhor aqueles processos.
Caravita e Halldén desenvolveram investigações sobre aprendizagem por mudança
conceptual em biologia demonstrando que o processo de mudança conceptual não está
localizado no conteúdo das estruturas conceptuais, nem é necessariamente conseguido
através do conflito cognitivo e substituição de ideias e práticas pré-existentes. De
acordo com estes autores, a mudança conceptual concretizar-se-á pela capacidade do
estudante fazer a distinção entre contextos de interpretação; deste ponto de vista, a
mudança conceptual envolve um conjunto de formas de pensamento relativas a um
determinado domínio conceptual que são suscitadas por contextos específicos de acção
e discurso.
Entre as várias investigações de Caravita e Halldén algumas delas incidiram sobre as
dificuldades dos estudantes compreenderem a teoria da evolução proposta por Darwin:
Um desses trabalhos foi realizado com 16 estudantes que foram entrevistados quando
frequentavam o 7º grau e posteriormente quando frequentavam o 9º grau. Neste estudo,
foram observadas poucas mudanças de ideias a nível teórico. Só um estudante no 7º
grau utilizou um tipo de explicação teleológica e um no 9º mudou para uma explicação
do tipo darwiniano. Assim, a maior parte dos estudantes continuou a interpretar a nova
informação no contexto da estrutura de referência que possuíam, isto é, do ponto de
vista Lamarckiano; todavia eles ampliaram a sua compreensão da evolução das
espécies, mas não conseguiram explicá-la na perspectiva darwiniana.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 44
Os resultados da investigação que acabo de descrever estão em concordância com os de
outra pesquisa realizada por Halldén & Wistedt, (1981) com estudantes do nível mais
elevado do ensino secundário e com estudantes universitários neste caso os estudantes
mantiveram o seu ponto de vista lamarckista ou tentaram explicar a evolução com
argumentos de funcionalidade ou de um ponto de vista ecológico.
Outro estudo realizado por Halldén (1988b) incidiu sobre estudantes do nível
secundário superior. Pediu-se aos estudantes que escrevessem um pequeno texto
explicando a evolução das espécies antes e depois do desenvolvimento do tema na
classe. Conclui-se que, apesar dos estudantes terem adquirido um vasto conhecimento
factual, não conseguiam aplicá-los à resolução de problemas que lhes foram propostos
ou organizá-los num conjunto coerente. Neste caso, segundo os autores, parecia
razoável concluir que não teria ocorrido mudança conceptual o que impedia os alunos
de estruturarem todos os factos numa explicação darwiniana do desenvolvimento das
espécies. Neste caso, e ainda segundo os autores da pesquisa, há crenças de senso
comum que são incompatíveis com a explicação biológica darwiniana correcta. Isto
implicaria que os estudantes abandonassem as suas explicações do senso comum.
Todavia, os autores destas pesquisas pensam que os resultados obtidos podem ser
atribuídos ao facto dos estudantes ignorarem diferentes tipos de explicação. Os
estudantes não sabiam fazer a distinção entre explicações causais, teleológicas e
intencionais. Porém, o que mais impressionou os autores foi o facto da maioria dos
estudantes que davam uma explicação darwiniana, depois do ensino do tema,
apresentarem, simultaneamente, outros tipos de explicação; verificando-se ainda que
algumas destas não estavam de acordo com a explicação darwiniana. Em face deste
procedimento os autores admitem que os estudantes adicionaram, simplesmente,
explicações às que já tinham adquirido.
As justificações que Caravita e Halldén propõem para os resultados que acabo de
enumerar é a de que estes problemas surgem quando nós introduzimos dados que
pretendemos que os alunos interpretem dentro de uma determinada estrutura teórica,
enquanto que o estudante os apreende dentro do seu ponto de vista pessoal do mundo.
A explicação dos resultados, segundo os autores, residiria no facto dos estudantes terem
formado um sistema explicativo, com força suficiente para assimilar os novos "factos"
apresentados na escola, mas interpretando-os de acordo com os seus pontos de vista do
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 45
mundo. Os alunos não sabiam distinguir entre os aspectos relevantes e os não relevantes
para o contexto empírico e por isso não foram capazes de mudar do contexto empírico
para o contexto teórico.
Caravita e Halldén consideram que a mudança conceptual é um processo lento que, em
certos casos, envolve um alargamento das concepções existentes e, algumas vezes, a
reorganização das estruturas conceptuais existentes. Admitem também que o abandono
de velhas crenças pode ser sensato em muitos casos, mas não, seguramente em todos. E
acrescentam que algumas concepções alternativas são úteis em quase todas as situações
da vida diária.
De acordo com o modelo de mudança conceptual preconizado por Caravita e Halldén,
um dos objectivos do ensino deverá ser o de motivar nos estudantes representações
mentais múltiplas devendo estes aprender a ver as limitações de cada representação e
aprender a utilizá-las com sucesso nos contextos apropriados ( H.Spada, 1994).
Como afirmou Driver 1994: "admitimos a possibilidade dos indivíduos possuírem
esquemas conceptuais plurais relativos aos vários domínios de conhecimento, e cada um
apropriado a contextos sociais específicos...".
A complexidade da aprendizagem por mudança conceptual é um facto consensualmente
admitido. Na verdade nem a perspectiva epistemológica que exemplifiquei com o
modelo de Posner e outros que enfatiza os aspectos cognitivos da aprendizagem nem
o modelo de Caravita e Halldén que salienta a enorme importância dos factores
contextuais na aprendizagem e que complementa o modelo de Posner se mostram
suficientes para esclarecer de forma satisfatória este intricado problema.
Em face desta insuficiência outros modelos têm surgido de que destaco o de Chi e
outros (1994) que encara o problema da aprendizagem por mudança conceptual numa
perspectiva ontológica e o de S. Vosniadou (1994) que interpreta a mudança conceptual
como uma modificação progressiva nos modelos mentais do estudante. Pela
complementaridade que estes modelos representam, relativamente ao referencial teórico
que venho construindo, bem como pelas explicações que estes autores propõem para a
génese das concepções alternativas dos estudantes, passo à sua análise.
T. Chi, J.Slotta e N.Leew (1994) desenvolveram pesquisas no campo da física e da
biologia e apresentaram uma estrutura teórica que propõe uma explicação para a
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 46
mudança conceptual e para o aparecimento de concepções alternativas na aprendizagem
das ciências.
Chi e colegas admitem que as entidades no mundo pertencem a três categorias
ontológicas fundamentais que designaram por matéria (ex: hormonas), processos (ex:
regulação fisiológica) e estádios mentais (ex: necessidade). Cada uma destas categorias
ontológicas apresenta uma sucessão de subcategorias dispostas hierarquicamente a que
foi dada uma representação gráfica arborescente (exemplo de uma sucessão: matéria;
grupo natural; vida; plantas).
Estes autores consideram que ocorre mudança conceptual quando um conceito tem de
ser transferido para uma categoria ontológica distinta. Consequentemente, se duas
concepções são ontologicamente compatíveis (ex: ambas são processos), a mudança
conceptual é fácil. Se duas concepções são ontologicamente distintas (ex: uma processo
a outra matéria), a mudança conceptual é difícil.
Relativamente a uma situação de aprendizagem, Chi e colaboradores admitem que a
aprendizagem de um conceito, em que a categoria ontológica que o estudante lhe atribui
é a mesma que a que lhe é atribuída pela ciência, configura-se como um processo
relativamente fácil; no caso contrário, o estudante tem de reclassificar o conceito. Isto é,
mudar a sua categoria ontológica, e nesse caso, a aprendizagem será bastante difícil. A
última situação é passível de criar concepções alternativas extremamente difíceis de
superar, acarretando maiores dificuldades para a aprendizagem do conceito.
A segunda situação de aprendizagem que exemplifiquei no parágrafo anterior concretiza
o que estes autores designam por hipótese da incompatibilidade acerca da
aprendizagem. Esta hipótese assenta em três suposições básicas: uma suposição
epistemológica acerca da natureza das categorias ontológicas e que se traduz no facto
dos autores considerarem que as entidades no mundo pertencem a três categorias
ontológicas fundamentais (matéria, processos e estádios mentais); uma suposição
metafísica acerca da natureza de alguns conceitos científicos abstractos que designam
por constraint-based-interaction concepts. Nesta categoria de conceitos incluem
processos tais como mutação, comportamento reprodutivo e equilíbrio genético cuja
compreensão é crucial para a aprendizagem em Biologia, do macroconceito de
evolução; uma suposição psicológica que diz respeito à categoria ontológica que os
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 47
estudantes atribuem, inicialmente, a certos conceitos científicos e onde se incluem as
concepções alternativas.
No campo da Biologia, e relativamente à última suposição, registo uma situação fácil de
constatar que diz respeito ao sistema circulatório humano: nos livros escolares, para os
estudantes mais jovens, aquele sistema é apresentado como pertencendo quase
inteiramente à categoria de matéria (os tópicos abordados centram-se em conexões
físicas entre os vasos sanguíneos e o coração, a direcção e o caminho do sangue, etc);
nos livros destinados aos estudantes de medicina em que as análises são mais profundas
e tornam indispensável ter em consideração a pressão e o volume do sangue, verifica-se
com frequência, segundo estes autores, que os estudantes não relacionam estes dois
conceitos constraint-based interaction concepts. Assim, a concepção alternativa mais
frequente entre os alunos é a de que "a pressão não implica fluxo sanguíneo".
As pesquisas de Chi e colegas revelaram ainda que os estudantes interpretam fenómenos
biológicos básicos em termos de desejo e vontade dos animais (sub-categoria
ontológica: the emotional states) mais do que em termos fisiológicos. Por exemplo,
atribuem os processos evolutivos à intenção do animal evoluir. A consequência destas
formas de interpretação dos fenómenos biológicos traduz-se no facto dos estudantes
colocarem os conceitos em categorias ontológicas erradas, o que condicionará o tempo
necessário à mudança ou até mesmo a possibilidade dela ocorrer.
Quando desenvolvemos na prática lectiva certos temas curriculares é comum
comentarmos que esses temas são difíceis para os estudantes ou que não suscitam o seu
interesse justificando assim as dificuldades que os estudantes evidenciam relativamente
à aprendizagem desses temas. A hipótese da incompatibilidade de Chi permite-nos
antever outra explicação provável para estas situações que podem corresponder, numa
perspectiva ontológica, ao facto de existir uma incompatibilidade entre a categoria
ontológica atribuída ao conceito pelo estudante e a admitida pela comunidade científica.
Em conformidade com o que venho afirmando, o modelo de aprendizagem por mudança
conceptual de Chi e colegas permite portanto prever através da sua hipótese da
incompatibilidade uma aprendizagem fácil, quando a concepção naive que o estudante
traz para o contexto educacional se situa na mesma categoria ontológica que lhe é
atribuída pelos cientistas; e difícil no caso contrário.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 48
Na prática, segundo Chi e colegas, quando as concepções naive são incompatíveis com
as científicas aquelas concepções tendem a ser:
Difíceis de superar pelo ensino.
Evidenciadas pelo mesmo estudante de forma duradoira e em diferentes
contextos.
Persistentes através dos vários níveis de escolaridade.
Encontradas em diferentes estudantes na mesma ou noutras investigações.
Similares com as que foram sustentadas por cientistas do passado.
Quando existe compatibilidade as concepções naive tendem a comportar-se de forma
inversa às que enunciámos para o caso de incompatibilidade.
S. Vosniadou (1994) concorda no essencial com a teoria ontológica de Chi e colegas
mas observa, no entanto, que Chi não explica porque é difícil mudar um conceito de
uma categoria ontológica para outra e também porque há mudanças mais difíceis do que
outras. Por exemplo porque é mais difícil mudar o conceito de calor da categoria
matéria para a categoria processo do que mudar a baleia da categoria de peixe para a
categoria de mamífero?
Esta autora admite que na infância as crianças estabelecem o que designa por uma
estrutura naive do mundo físico que constitui a sua base ontológica e epistemológica
individual. Condicionadas por esta estrutura teórica que inter-acciona com a informação
apresentada pela cultura o indivíduo gera teorias específicas relativas aos vários
domínios do conhecimento.
S. Vosniadou enfatiza o papel desempenhado pelos modelos mentais individuais que
define como "um tipo especial de representação mental, uma representação análoga, que
os indivíduos geram durante o funcionamento cognitivo, e que têm a característica
especial de preservarem a estrutura que é suposto representarem".
Estes modelos mentais individuais constituem representações onde a nova informação é
incorporada no conhecimento base e condicionam também o processo de aquisição do
conhecimento de forma similar às crenças e às pré-suposições do indivíduo
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 49
simultaneamente estes modelos são fontes de informação importantes acerca das
estruturas de conhecimento do indivíduo (teorias específicas e teoria geral).
A mudança conceptual é interpretada por S. Vosniadou como uma modificação
progressiva nos modelos do indivíduo e pode dar-se por dois processos: enriquecimento
e revisão.
A mudança conceptual por enriquecimento processa-se pela adição de nova informação
à estrutura teórica existente por um mecanismo de acreção. A revisão é motivada pela
inconsistência da nova informação com as crenças ou com as pré-suposições do
indivíduo, ou ainda com a rede de relações entre os elementos de uma teoria individual.
Este tipo de mudança conceptual implica uma revisão na estrutura teórica geral ou numa
teoria específica; em princípio a primeira situação torna mais fácil a mudança
conceptual.
As pré-suposições da estrutura teórica geral representam um sistema explicativo
relativamente coerente, alicerçado na experiência quotidiana e, como tal, profundamente
enraizado, pelo que a revisão é um tipo de mudança conceptual mais difícil.
Entretanto as concepções alternativas são interpretadas como tentativas individuais para
assimilar a nova informação em estruturas conceptuais existentes as quais contêm
informação contraditória com o ponto de vista científico.
Em síntese: dadas as dificuldades da revisão S. Vosniadou encara a mudança conceptual
como um processo complexo e necessariamente gradual.
Alguns investigadores, perante a complexidade dos processos de mudança conceptual,
evidenciada pela persistência das concepções alternativas dos estudantes, adoptam uma
metodologia diferente das que tenho vindo a analisar. Estes autores, de que é exemplo P.
Alexander citada por B. Guzzetti (1998), admitem que a capacidade ou o desejo do
estudante modificar ou reestruturar um dado conceito científico pode ser melhor
compreendida se seguirmos o percurso do estudante em direcção à sua compreensão
daquele conceito.
P. Alexander desenvolve a tese que os estudantes em vários estádios de literacia, num
dado domínio, apresentam perfis diferentes no que concerne à matéria, às estratégias
que desenvolvem e ao seu interesse pelo domínio. Esta diversidade, segundo a autora,
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 50
contribui para originar diferenças qualitativas e quantitativas em termos de mudança
conceptual. De acordo com esta ideia a autora propôs um modelo desenvolvimentista
que designou por MDL Model of Domain Learning e que concebe o percurso dos
estudantes em três estádios: adaptação, competência e proficiência.
Relativamente ao primeiro estádio caracterizado por um fraco conhecimento do
domínio, pouca confiança nas estratégias de processamento de informação e um
interesse muito limitado no domínio, a mudança conceptual é vista como uma
construção do conhecimento. Esta situação exige que os professores desenvolvam
estratégias que levem os estudantes a tomar consciência do carácter fragmentário do seu
conhecimento e a reflectir sobre o carácter naive das suas explicações.
No segundo estádio, considera-se que os estudantes já possuem um conhecimento
relevante que constituirá um suporte para o desenvolvimento de estratégias
consequentes de processamento de informação. P. Alexander considera que neste estádio
a mudança conceptual dever-se-á traduzir num processo de aquisição de informação e
reestruturação da estrutura conceptual.
O terceiro estádio caracteriza-se pelo facto de o estudante ter um corpo de
conhecimento profundo e coerente combinado com um grande interesse pelo domínio.
P. Alexander comenta que pode parecer paradoxal falar de mudança conceptual nesta
situação, mas alerta para a possibilidade desta situação ocorrer na realidade.
Efectivamente, se no início os estudantes estavam profundamente convencidos da
"verdade" dos seus conhecimentos e, consequentemente, tinham uma grande
autoconfiança, a mudança conceptual terá necessariamente que consistir numa
substituição de paradigma.
Como já afirmei diversas vezes e de acordo com Driver, Asoko e Scott (1994) considero
que o conhecimento científico é socialmente construído e admito que a aprendizagem da
ciência envolve uma construção social e individual deste conhecimento. Este ponto de
vista mostra-se concordante com a perspectiva sociocultural de mudança conceptual
desenvolvida por G. Kelly e J. Green e que está subjacente à minha investigação. Estes
autores consideram que a mudança conceptual não é um processo meramente individual
ou psicológico mas um processo socialmente construído e culturalmente modelado
dentro de grupos específicos.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 51
Na perspectiva de G. Kelly e J. Green o grupo desempenha um papel fundamental pois
é ao seu nível que se processa não só o desenvolvimento conceptual como a mudança
conceptual; esta situação é óbvia na comunidade científica onde efectivamente se
processa a construção e o desenvolvimento do conhecimento científico.
A comunidade científica é um grupo com objectivos bem definidos e onde "as regras de
jogo" são claramente estabelecidas. Estas regras norteiam o trabalho do grupo e
condicionam também as suas expectativas. Este trabalho acaba por se concretizar num
conjunto de teorias explicativas que estão disponíveis para serem partilhadas mas
também para serem postas em causa quando se mostrarem inconsistentes com os factos
da vida real. A relação entre o conhecimento individual e o conhecimento da
comunidade é uma relação dinâmica que se expressa pelas influências recíprocas entre
estes dois repertórios conceptuais.
A perspectiva sociocultural de Kelly e Green torna, na minha opinião, indispensável a
realização de trabalhos em grupo nas aulas de ciências. Se bem que com objectivos
diferentes da comunidade científica, o grupo poderá oferecer condições para que os
estudantes possam "construir conhecimento científico" contextualizado que resultará da
interacção recíproca dos conhecimentos pessoais dos elementos do grupo, do
conhecimento da comunidade científica, que é mediado pelo professor, bem como da
interacção com os conhecimentos que se vão tornando "propriedade" do próprio grupo.
("cultura do grupo").
Os grupos, quando devidamente apoiados e com objectivos claramente definidos
realizarão, natural e paulatinamente, a mudança conceptual adequada a cada situação
didáctica concreta; mudança esta que resultará, obviamente, de uma construção social
que engloba necessariamente a mudança conceptual individual; como afirmam Kelly e
Green (1998): "o desenvolvimento conceptual é um processo que é realizado
individualmente e em grupo".
A análise da pesquisa sobre aprendizagem por mudança conceptual revela que os
investigadores lhe imprimiram uma orientação marcadamente cognitivista, com
destaque para a memória e o raciocínio, considerados como processos cognitivos
básicos e marginalizaram factores como a motivação e os interesses dos estudantes que
são hoje reconhecidos de importância fundamental no processo de mudança conceptual.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 52
Uma excepção a este procedimento é exemplificada pelos trabalhos de Pintrich, Marx,
& Boyle (1993).
Pintrich, Marx, & Boyle (1993) apresentam, num artigo que considero fundamental,
investigações onde sugerem como mediadores do processo de mudança conceptual: os
objectivos, os valores, a autoconfiança e o autocontrole dos estudantes. Analisaram,
também, o papel dos factores contextuais da classe como moderadores das relações
entre a motivação dos estudantes e a mudança conceptual. Debruçaram-se ainda sobre
as dificuldades de um modelo de mudança conceptual cold ou overly rational que se
focalize unicamente na cognição dos estudantes, sem considerarem as formas como as
crenças motivacionais dos estudantes acerca deles próprios como estudantes e os papeis
dos indivíduos numa comunidade de aprendizagem (a turma), podem facilitar ou
impedir a mudança conceptual.
Investigações que relacionam o interesse pessoal dos estudantes com o seu
envolvimento cognitivo foram realizadas por vários autores como, por exemplo,
Schiefele (1991, 1992) citado por Pintrinch, Marx e Boyle que mostraram que o
interesse dos estudantes do college na matéria do seu curso estava positivamente
relacionado com a procura de informação e com a utilização do pensamento crítico e,
negativamente, com a utilização de estratégias repetidas de processamento da
informação.
Pintrinch e colaboradores mostraram também que os estudantes do college, que
consideram a matéria do seu curso interessante, importante e útil, utilizam estratégias de
processamento mais profundo da informação e estratégias metacognitivas na sua
aprendizagem.
Considerei também de interesse para aminha investigação os estudos correlacionais
realizados por Pintrich e Groot (1990) que lhes permitiram concluir que, nos estudantes
universitários mais jovens, o uso de estratégias cognitivas e metacognitivas estava
positivamente correlacionado com a sua autoconfiança. Como é do conhecimento geral,
a utilização destas estratégias implica um processamento mais profundo da matéria do
curso o que aumenta a probabilidade da ocorrência de mudança conceptual.
Admito que os resultados dos trabalhos de Pintrich e Groot apoiam a opção que fiz de
suscitar o conflito cognitivo unicamente para analisar a reacção dos estudantes perante a
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 53
necessidade de aplicarem os conceitos estudados a uma situação problemática
(problema verificado no Bangladesh). Como Pintrich, Marx & Boyle admiti que a
suscitação do conflito cognitivo deve ser feita de tal forma que os estudantes não
percam confiança em si próprios e, como tal, a sua colocação exige uma escolha
criteriosa e um apoio sereno e discreto do professor, a fim de não desmotivar os
estudantes.
Há mais de quarenta anos que os sócio-psicólogos realizam pesquisas no sentido de
evidenciarem as condições que permitem às pessoas mudarem as suas crenças e
atitudes. Esta intensa investigação possibilitou-lhes a construção de modelos de grande
interesse para a educação em ciências, em particular no domínio da aprendizagem por
mudança conceptual.
Os sócio-psicólogos criticam, fundamentalmente, o facto da maior parte dos autores dos
modelos de aprendizagem por mudança conceptual, com excepção de Pintrich, Marx &
Boyle (1993) e Strike e Posner (1992), enfatizarem os aspectos cognitivos da
aprendizagem e marginalizarem a motivação e os interesses dos estudantes. Os sócio-
psicólogos vêem a mudança de crenças como mais do que um processo meramente
cognitivo e consideram a motivação um processo afectivo envolvido nessa mudança.
A visão que os sócio-psicólogos têm de crenças contrasta com a dos pesquisadores
sobre mudança conceptual, uma vez que consideram que as crenças incluem não só
aspectos cognitivos como afectivos. Com efeito os sócio-psicólogos consideram
crenças, atitudes, motivação, esforço e emoção como aspectos da cognição.
Entre os vários modelos de mudança de crença e de atitude que foram desenvolvidos
encontra-se o ELM elaboration likelihood model de Petty e Cacciopo (1986).
O ELM sugere que mudanças relativamente permanentes nas crenças podem ser
conseguidas através de um processamento profundo de informação e uma avaliação
atenta das questões e argumentos envolvidos numa mensagem. Admite, por outro lado,
que um processamento artificial da informação conduz a mudanças temporárias de
pontos de vista.
O ELM como afirmam G Sinatra e J. Dole, citados por B.Guzzeti (1998), apresenta
duas vantagens:
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 54
a) considera os factores afectivos importantes no processo de mudança conceptual
b) admite a multi-dimensionalidade dos factores afectivos incluindo neles: o interesse,
a motivação, a necessidade de conhecer, a de ser premiado pelo resultado, etc. Este
ponto de vista multidimensional dos factores afectivos ajuda a explicar diferentes
reacções e comportamentos à luz da informação em conflito.
"A grande limitação do ELM, segundo Eagly & Chaiken, citados por Guzetti 1988,
reside no facto de não explicar como os indivíduos realizam mudanças cumulativas nas
suas crenças, limitação comum à maior parte dos modelos psico-sociais".
Na medida em que se baseia num trabalho realizado pelos alunos, em grupo, a
perspectiva sobre mudança conceptual que adoptei na minha investigação está em
consonância, por um lado, com a perspectiva sociocultual preconizada por Kelly e
Green que considera que a mudança conceptual é um processo socialmente construído,
por outro lado, a minha pesquisa está também informada pela perspectiva psico-social
proposta por G. Sinatra e J. Dole pelo facto de ter desenvolvido o meu trabalho numa
área científica (regulação dos cíclos sexuais no homem e na mulher) para a qual os
estudantes de 15 e 16 anos se encontram, naturalmente, motivados e interessados. Foi,
portanto, minha preocupação não me cingir, unicamente, a uma perspectiva
epistemológica, à qual a adopção do modelo de Posner e colaboradores naturalmente me
ligou, e valorizar também a influência dos factores afectivos evidenciada pelos trabalhos
de Pintrich, Marx e Boyle.
Depois de analisados e discutidos os processos de mudança conceptual, definidas as
condições necessárias à viabilidade da mudança conceptual na sala de aula, analisado e
discutido de forma crítica o modelo de ensino adoptado, procedi a uma análise geral das
estratégias de ensino para uma aprendizagem por mudança conceptual. Esta análise teve
como objectivo fundamentar a escolha da estratégia que decidi adoptar.
Estratégias de ensino para uma aprendizagem por mudança conceptual
Os primeiros autores de estratégias de ensino para uma aprendizagem por mudança
conceptual viam nos pontos de vista dos estudantes, relativos a um determinado
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 55
domínio do conhecimento, um impedimento à aprendizagem e, desta forma,
consideravam que a aprendizagem consistiria em eliminar os conhecimentos prévios dos
estudantes e em substituí-los pelos pontos de vista da comunidade científica.
Pesquisas posteriores, levaram os investigadores a considerar que os estudantes
constroem novos conhecimentos com base na revisão dos seus conhecimentos prévios; e
mostraram também que estes têm um importante papel no reconhecimento dos dados
anómalos e na proposta de problemas pelos estudantes.
A análise de literatura leva-nos a considerar dois tipos fundamentais de estratégias:
1 As que se baseiam no conflito cognitivo e na resolução dos pontos de vista em
conflito.
2 As que partem das ideias do estudante e as alargam a outros domínios do
conhecimento recorrendo, por exemplo, a analogias ou metáforas.
A premissa subjacente a todas as estratégias de ensino mencionadas é a de uma
aprendizagem encarada não como uma acreção de nova informação mas como um
processo de desenvolvimento conceptual; esta atitude implica que as estratégias de
ensino/aprendizagem que nela se fundamentam tenham como objectivo propor
caminhos através dos quais as explicações dos estudantes se vão progressivamente
aproximando das que são adoptadas pela comunidade científica; como consequência o
ensino para uma aprendizagem por mudança conceptual induzirá nos estudantes uma
visão mais científica do mundo. Esta perspectiva de aprendizagem radica na
epistemologia construtivista cuja ideia básica é a de que toda a aprendizagem é um
processo de construção pessoal e que os estudantes, quando lhes é dada oportunidade,
construirão uma concepção cientificamente ortodoxa, se compreenderem que a
concepção científica é superior.
A concretização das estratégias de ensino para uma aprendizagem por mudança
conceptual exige, à partida, que o professor faça uma tripla reflexão (Driver, Asoko,
Scott, 1991); esta reflexão implica decisões a três níveis dizendo respeito,
respectivamente, ao ambiente da sala de aula, à sequência de acções através das quais se
vai desenvolver a estratégia e à escolha de tarefas específicas de aprendizagem.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 56
O ambiente na sala de aula constitui um suporte básico para uma aprendizagem por
mudança conceptual, na medida em que é indispensável dar oportunidades aos alunos
para discutirem e analisarem argumentos e pontos de vista alternativos.
É também fundamental que o professor elabore, antecipadamente e de forma flexível,
um plano de actividades e escolha criteriosamente as tarefas especificas de
aprendizagem que considerar desejável que os alunos realizem.
1 Estratégias de ensino baseadas no conflito cognitivo e na sua resolução
Estas estratégias podem ser vistas como derivadas do ponto de vista piagetiano que
considera fundamental a acção do estudante na reorganização do seu conhecimento e,
desta forma, enfatiza a importância da acomodação na aprendizagem.
O conflito cognitivo pode ser suscitado através de acontecimentos discrepantes
(Nussbaum e Novick, citados por Driver, 1991) ou através de um confronto entre ideias
(Stavy e Berkovitz, citados por Driver 1991); em qualquer dos casos o conflito é criado
pela colocação do aluno em situações onde as suas ideias sobre um determinado tema
são tornadas explícitas e contestadas directamente.
O momento em que o conflito ocorre varia nas diferentes estratégias:
o conflito é introduzido num estado precoce de uma sequência de aprendizagem
(Nussbaum e Novick 1982);
é introduzida uma alternativa e o conflito só é salientado mais tarde ( Rowel e
Dawson).
a) Acontecimentos discrepantes Dos autores que perfilham este ponto de vista
destaco Nussbaum e Novick (1982) que sugerem uma sequência de ensino baseada
na noção piagetiana de acomodação. Através desta sequência são detectadas as
concepções alternativas dos estudantes e estes são estimulados a tomarem
consciência da sua estrutura cognitiva; em seguida é criado um conflito cognitivo
pela confrontação do estudante com um acontecimento discrepante; finalmente os
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 57
alunos são encorajados a criarem um novo modelo conceptual compatível com o
ponto de vista aceite pela ciência. Nussbaum e Novick consideram que as estratégias
que utilizam acontecimentos discrepantes são estimulantes e motivadoras mas de
sucesso reduzido, no que respeita a promoverem mudança conceptual e admitem
que a mudança conceptual mais consequente é um processo evolutivo, mas não
revolucionário.
b) Conflito entre ideias Entre as metodologias preconizadas nesta perspectiva
destacamos as de Stavy e Berkolovitz (1980); Cosmogrove e Osborne (1985)
Champagne, Gunstone e Kopler (1985) Rowell e Dawson (1985) e Sequeira e
Duarte (1991):
Stavy e Berkolovitz (1980) desenvolveram uma estratégia em que o conflito é
produzido entre duas estruturas cognitivas ligadas com a mesma realidade: eles
exploraram o conflito entre dois sistemas de representação que as crianças utilizam para
descrever temperatura o sistema qualitativo-intuitivo e o sistema numérico-intuitivo.
Estes autores concluíram que a criação do conflito fez aumentar a compreensão que os
estudantes tinham do conceito de temperatura.
Cosmogrove e Osborne (1985) fizeram uma proposta de ensino para aprendizagem
generativa Generative Learning Model of Teaching desenvolvida em quatro fases: numa
fase preliminar o professor necessita de compreender o seu próprio ponto de vista, o do
estudante e o do cientista; na segunda fase, os estudantes empenham-se na clarificação
dos seus pontos de vista sobre o conceito contextualizando-o, de preferência, na vida
real; na terceira fase, os estudantes discutem os seus pontos de vista e o professor
introduz o ponto de vista científico, sempre que se mostre necessário; na última fase os
alunos aplicam as novas ideias em vários contextos.
Champagne, Gunstone e Kopler (1985) desenvolveram uma estratégia baseada no
diálogo que designaram Ideational Confrontation destinada especificamente a alterar os
conhecimentos declarativos dos estudantes dentro de um domínio específico do
conhecimento. Estes autores sugerem que a discussão implica necessariamente que os
estudantes considerem os pontos de vista uns dos outros e, se essa discussão permitir
relacionar a situação em estudo com situações da vida real, os autores, consideram essa
discussão como significativamente motivadora de mudança conceptual.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 58
Rowell e Dawson (1985) propuseram uma estratégia em que advogam, explicitamente,
que as ideias que os estudantes debatem devem ter origens diferentes, por exemplo: nas
dos colegas, nas do professor e no texto científico. Estes autores propõem a introdução
da concepção científica antes de ser resolvido o problema resultante da confrontação
entre as ideias prévias e as novas concepções.
No modelo de ensino proposto por Sequeira e Duarte (1991) o conflito cognitivo ocorre
na fase de discussão e resulta da confrontação de diferentes resultados obtidos pelos
alunos, individualmente ou em grupo, e/ ou da insatisfação dos estudantes com o poder
explicativo das suas ideias, quando são colocados perante um determinado fenómeno ou
situação problemática. Segundo os autores deste modelo são os próprios alunos,
defensores de determinadas ideias, que devem propor e realizar (quando isso é possível)
experiências que permitam testá-las. A aplicação deste modelo foi concretizada pelos
seus autores através de um estudo piloto efectuado com 100 alunos portugueses do 5º
ano de escolaridade e procurou levar à prática uma estratégia de ensino orientada para a
mudança conceptual dos alunos que teve em conta as suas concepções alternativas. Os
resultados deste estudo mostraram, efectivamente, que a estratégia de ensino
preconizada pelo modelo conduz a uma aprendizagem mais eficaz dos conceitos
científicos relativos às "propriedades e ao modelo corpuscular do ar" do que a obtida
com a estratégia tradicional (1991).
Na minha investigação suscitei o conflito cognitivo só depois dos alunos, em grupo,
terem proposto problemas e elaborado hipóteses para a solução destes problemas. Estas
hipóteses eram fundamentadas na análise e discussão da regulação dos ciclos sexuais no
homem e na mulher que os alunos tinham realizado em grupo. Suscitei o conflito
cognitivo apresentando uma situação anómala verificada no Bangladesh onde ao uso de
9% de contraceptivos pela população feminina corresponde uma taxa de natalidade que
seria esperada, se esse uso correspondesse a uma percentagem de 43% por aquela
população.
Introduzi o conflito da forma mencionada porque tomei em consideração a
recomendação de alguns autores, entre eles Stavy, (1991) que expressou a opinião de
que as estratégias de conflito cognitivo podem causar uma perda de autoconfiança dos
estudantes.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 59
A escolha de uma anomalia fortemente contrastante com o que seria normal acontecer,
foi intencional. Este procedimento decorreu da análise que fiz do trabalho de Chinn e
Brewer (1993), onde estes investigadores discutiram exaustivamente o papel dos dados
anómalos na aquisição do conhecimento científico e as reacções dos estudantes a estes
dados, e verificaram existir uma similitude entre o procedimento dos estudantes e o dos
cientistas.
Efectivamente, as reacções que os estudantes podem evidenciar na presença de dados
anómalas é similar à dos cientistas uma vez que vai desde: ignorarem ou rejeitarem os
dados, declararem que não têm relação com o que estão a tratar, até à decisão de que
mais tarde se irão debruçar sobre esses dados. Numa reacção mais moderada
consideram que os dados estão de acordo com as suas explicações e só raramente
admitem que têm que alterar a sua teoria explicativa, e mais raramente ainda, aceitam os
dados e mudam a sua "teoria". Perante estas atitudes prováveis dos estudantes pensei
que, para não perturbar o processo de mudança conceptual que vinha seguindo não seria
adequada a apresentação de dados que, indiscutivelmente, não se mostrassem anómalos.
Por outro lado, as responsabilidades assumidas pelos grupos perante a classe
constituíam para mim uma garantia de que os estudantes não podiam ignorar estes
dados nem remetê-los para segundo plano.
A solução do conflito cognitivo pelos alunos permitiu-me analisar as suas reacções
perante a necessidade de aplicarem os conceitos estudados a novas situações
problemáticas o que constitui um dos objectivos do meu trabalho.
As estratégias baseadas no conflito cognitivo têm sido alvo de críticas por diversos
autores, entre os quais destaco Smith, (1995) que consideram que estas estratégias
desvalorizam o papel dos conhecimentos prévios dos estudantes, uma vez que, depois
de elicitados, são substituídos pelas explicações científicas veiculadas pelo professor;
entre estas cito a estratégia desenvolvida por Champagne, Gunstone e Kopler (1983),
em que, numa fase preliminar, as concepções alternativas dos estudantes são elicitadas
com base em observações simples da vida diária que o estudante explica com as suas
concepções; estas, porém, não são vistas como uma fonte para a construção de novos
conhecimentos; o novo conhecimento acaba por ser apresentado pelo professor, cujas
explicações alternativas estão investidas, do ponto de vista dos estudantes, de um valor
científico irrefutável.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 60
Marin (1999) considera que o conflito pode não ser compartilhado pelo professor e pelo
aluno, isto é, o que o professor considera como conflito pode não ser para o estudante.
Rowel & Dawson (1990) assinalam que os estudantes por vezes encaram os exemplos
contra-intuitivos que podem ser utilizados para suscitar o conflito como meras
anomalias explicáveis por hipóteses ad hoc.
Na literatura encontrei ainda, afirmações como a de Claxton (1983): "em muitos casos o
conflito cognitivo pode não ser suficiente, nem necessário, nem sequer útil".
Na discussão que fiz do meu trabalho procurei demonstrar que a utilização do conflito
cognitivo na sala de aula pode, na minha opinião, mostrar-se altamente motivador para
os estudantes.
2 Estratégias de ensino baseadas no desenvolvimento de ideias dos estudantes
consistentes com o ponto de vista científico.
Em contraste com as estratégias que promovem conflito conceptual e requerem que os
estudantes o resolvam depois, este grupo de estratégias de ensino parte das ideias que os
estudantes possuem acerca dos tópicos em estudo. Subsequentemente, o ensino e a
aprendizagem envolvem o estudante no desenvolvimento e ampliação destas ideias em
direcção ao ponto de vista da ciência.
Uma destas estratégias foi desenvolvida por Clement e colaboradores (1987) que
recorreram a analogias para delinearem uma estratégia de ensino no campo da
mecânica, cujo objectivo é o de "aumentar o campo de aplicação das intuições úteis e
diminuir o campo de aplicação das intuições prejudiciais". O conhecimento científico é
apresentado aos alunos e estes utilizam os seus conhecimentos prévios, unicamente,
para interpretar uma situação ou uma série de situações análogas à concepção científica.
A estratégia de Clement e colaboradores desenvolve-se em quatro tempos: num
primeiro tempo os autores recorrem a uma questão destinada a explicitar as concepções
alternativas dos estudantes relativas ao tópico em estudo; em seguida o professor sugere
um caso que do seu ponto de vista é análogo e que solicita as intuições dos estudantes
este caso é designado como exemplo âncora (anchoring example) ou simplesmente
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 61
âncora e é definido como uma crença sustentada pelo estudante que é grosseiramente
compatível com a teoria científica; depois o professor pede ao estudante para explicitar
uma comparação entre a âncora e os casos em estudo numa tentativa de estabelecer uma
relação analógica; finalmente se o estudante não aceita a analogia o professor estabelece
uma série de analogias, conceptualmente intermédias entre o assunto alvo e a âncora.
Na minha investigação os conhecimentos prévios dos estudantes foram utilizados para
os alunos proporem, em grupo, problemas relativos à regulação dos ciclos sexuais no
homem e na mulher.
Uma estratégia interessante foi desenvolvida por Niedderer (1987) que trabalhou com
estudantes com idades compreendidas entre os 16 e 19 anos. O objectivo do autor da
estratégia não era substituir as teorias dos estudantes pelas teorias científicas mas levar
os estudantes a tomar consciência da existência do pensamento quotidiano e do
pensamento científico e a apreenderem os conhecimentos científicos através da
aprendizagem das diferenças entre aqueles dois tipos de pensamento.
A estratégia de Niedderer compreende seis etapas: na primeira o professor apresenta um
problema a propósito do qual os estudantes propõem hipóteses, realizam experiências e
efectuam discussões. Sempre que oportuno são feitas comparações com situações
similares assinaladas pela história das ciência.
Penso que comparativamente com as estratégias que acabei de analisar, a estratégia que
desenvolvi naquele trabalho e que se baseou em problemas propostos, pelos alunos, em
grupo, reunia à partida os requisitos essenciais para se afirmar como uma estratégia de
mudança conceptual. A discussão e análise dos resultados deu a esta suposição um
apoio substantivo.
A análise dos dados empíricos revelou-me uma mudança evolutiva e gradual dos
conceitos, que é compatível com o modelo cognitivo de desenvolvimento e mudança
conceptual que Gilbert e Watts designaram por modelo de mudança suave. Para Gilbert
e Watts, citados por R. Porlan (1993), a concepção evolutiva e ecológica de Toulmin
(1972) é a melhor exemplificação de um modelo de mudança suave. Efectivamente, a
interpretação dos resultados decorrentes da aplicação da estratégia de
ensino/aprendizagem de resolução de problemas propostos pelos estudantes mostrou-se,
consonante com os pontos de vista toulminianos.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 62
Com o objectivo de fundamentar a consonância que admiti ter encontrado entre a
interpretação dos meus resultados e a concepção evolutiva e ecológica de Toulmin vou,
de forma sucinta, caracterizar os aspectos fundamentais do pensamento toulminiano.
Começo por citar Porlan (1993) quando afirma:
"No debate epistemológico moderno, a necessidade de definir um critério de
racionalidade imparcial para avaliar a validade do conhecimento científico deparou com
duas posições extremas: a dos racionalistas que situavam esse critério na razão e a dos
empiristas e positivistas que o focalizavam nos fenómenos da natureza. Aconteceu,
porém, que a constatação histórica e psico-sociológica de uma enorme diversidade de
conceitos e formas de pensamento provocou a emergência de um potente pensamento
relativista".
Consequentemente, a ideia da existência de critérios universais para a validação do
conhecimento mostrou-se desajustada perante esta diversidade/relatividade conceptual
Esta constatação levou Toulmin a propor que os critérios formais e abstractos
considerados como paradigmas da racionalidade fossem substituídos por outros que se
mostrassem compatíveis com a multiplicidade conceptual.
Perante o antagonismo imparcialidade/diversidade do conhecimento Toulmin propôs o
macroconceito: ecologia conceptual que lhe permitiu segundo Porlan (1993)
"reconhecer que o conhecimento não é um conjunto de proposições estáticas mas um
conjunto de ideias de qualquer tipo, populações conceptuais, em desenvolvimento
histórico tanto no plano colectivo como individual".
Toulmin considerou que em cada momento existe um certo número de pessoas mais
criativas e perspicazes que apresentam ideias (variantes conceptuais) que competem
intelectualmente com as que são aceites. Destas variantes conceptuais umas serão
rejeitadas ou ignoradas e outras serão escolhidas (selecção crítica) para serem
incorporadas no património intelectual da comunidade. Esta incorporação corresponde,
na generalidade, à capacidade das variantes seleccionadas para resolverem problemas
teóricos ou práticos que surgem naturalmente Toulmin considera, portanto, que a
selecção crítica e a produção de inovações constituem o motor do desenvolvimento e da
evolução conceptual. Da conjugação dos dois factores de desenvolvimento conceptual
referidos resultará, na generalidade, a transformação lenta das populações conceptuais e
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 63
ocasionalmente a transformação rápida dessas populações; porém Toulmin considera
que esta transformação quer seja lenta ou rápida é sempre parcial e está submetida à
selecção crítica da comunidade intelectual. A argumentação de Toulmin implica
portanto, que a mudança conceptual seja encarada como um processo interactivo a nível
de grupo e não meramente uma construção individual.
Considero que os resultados da minha pesquisa se mostraram concordantes com os
pontos de vista de Toulmin na medida em que os motores do desenvolvimento
conceptual, segundo este autor, que são a selecção crítica e a inovação, tiveram
necessariamente que emergir nas condições em que os estudantes trabalharam. Na
realidade, os compromissos assumidos pelos grupos de criarem situações problemáticas
e propostas fundamentadas de soluções relativas ao tema "regulação dos ciclos sexuais
no homem e na mulher", a forma como se desenvolveu o trabalho na sala de aula
(discussões em grupo e em classe), o acesso a uma bibliografia inovadora no sentido em
que incidia sobre factos novos para os estudantes, constituíram, na minha opinião,
condições conducentes à emergência de variantes conceptuais sobre as quais foi
inevitável incidir uma selecção crítica no sentido de cada grupo apurar as propostas que
considerou adequadas. Efectivamente, a discussão dos resultados específicos levaram-
me a concluir que a mudança conceptual dos alunos foi gradual e parcial.
Ensino e aprendizagem das ciências centrado na resolução de problemas
O ensino da biologia tem, tradicionalmente, consistido numa transmissão de
conhecimentos. Durante muitos anos a biologia e as ciências em geral foram
apresentadas aos estudantes como uma colecção de factos, princípios, leis, regras e
interacções lógicas. Infelizmente, esta metodologia de ensino não se encontra ainda
totalmente afastada das nossas escolas, pelo que há que percorrer um longo caminho.
A rápida evolução que a biologia experimentou nos nossos dias transformou-a numa
ciência extremamente dinâmica carecendo, ostensivamente, de uma mudança radical na
sua metodologia de ensino e aprendizagem.
Os conteúdos dos novos programas, passaram a incluir temas de grande actualidade,
como, por exemplo, a engenharia genética e a sexualidade. Estes e outros temas
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 64
criaram, nos nossos jovens, naturais e legítimas expectativas relativamente às lições de
biologia.
Como resultado dos novos conteúdos programáticos, as aulas de biologia podem tornar-
-se num local privilegiado onde ocorrem perguntas e problemas tanto de interesse
científico como social. "O ensino da biologia requer o uso de estratégias que facilitem a
compreensão e capacitem os alunos para a resolução de problemas". (Siguenza e
Sáez,1990).
A importância que tem para a aprendizagem o facto dos estudantes fazerem perguntas,
bem como o debate a que elas naturalmente dão origem, tem sido objecto de estudo de
alguns investigadores. (Watts e Alsop,1995,citados por J.Osborne,1997).
Para Watts e Aslop (1995) as questões levantadas pelos estudantes têm uma importância
tripla. Assim, podem:
indicar áreas de compreensão e incompreensão relativas a conteúdos específicos;
revelar o envolvimento afectivo do estudante com aqueles conteúdos;
iniciar os estudantes num processo básico da construção do conhecimento
científico, dado que este se constrói pela procura contínua de respostas a
perguntas.
Como afirmou Bachelard (1938): "Todo o conhecimento é a resposta a uma questão".
A resolução de problemas, no âmbito da biologia, tem-se restringido à genética. Estes
problemas, atendendo a uma definição mais rigorosa de problema, por vezes, não o são
verdadeiramente, na medida em que apenas exigem a recordação de algumas noções
(por exemplo: genótipo e fenótipo) e a utilização de um simples algoritmo.
"Desenvolver a capacidade para reproduzir um padrão e fazê-lo apropriadamente pode
ser, com efeito, aprendizagem mas a execução e resolução do trabalho não é resolução
de problemas" (Smith,1988 citado por Siguenza e Saez,1990).
A resolução de problemas implica, primeiramente, definir com clareza o problema e, em
seguida, traçar uma estratégia conducente à solução do mesmo. Esta situação de
aprendizagem requer que o estudante realize uma série de actividades que implicam pôr
em jogo os seus conhecimentos prévios bem como uma compreensão adequada do
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 65
campo do conhecimento a que o problema pertence. Entre essas actividades destaco a
necessidade de:
seleccionar e organizar informação;
analisar e comparar várias combinações e possibilidades;
raciocinar até ao limite das capacidades, o que faz da resolução de problemas
uma estratégia de ensino-aprendizagem dirigida para a compreensão, dado que a
compreensão é um dos objectivos básicos da aprendizagem das ciências.
Considero ser do maior interesse que outros temas biológicos, além da hereditariedade,
sejam leccionados através de estratégias de ensino/aprendizagem focalizadas na
resolução de problemas, como, por exemplo, os temas curriculares relativos à
sexualidade e engenharia genética. Estes temas proporcionam também oportunidades
para os estudantes encontrarem uma relação estreita entre o que é aprendido na aula e o
que é necessário fora dela. Esta relação é um dos aspectos enfatizados no que, em
ciências de educação, se designa por "aprendizagem contextualizada".
(J.Anderson,H.Simon,1996).
Os problemas abordados nas salas de aula são geralmente problemas cuja solução é
conhecida pelo professor (problemas artificiais) e que têm uma só solução (problemas
fechados). "A utilização deste tipo de problemas visa, geralmente, dois objectivos:
a compreensão de um determinado tema curricular através da utilização deste na
resolução do problema;
a preparação para a resolução de problemas reais". (Siguenza, e Saez,1990).
Estudos de raiz psicológica sobre ensino/aprendizagem evidenciaram o papel
fundamental da resolução de problemas na aprendizagem, e em particular na construção
do conhecimento. Estes estudos levaram também à conclusão que a aprendizagem
humana, desde a criança à idade adulta, se processa através de uma contínua resolução
de problemas. (Lopes e Costa,1996).
Muitos têm sido os investigadores que se têm debruçado sobre o ensino-aprendizagem
focalizado na resolução de problemas. No campo da física são, relativamente,
numerosos os estudos sobre este tema e entre outros investigadores destacam-se:
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 66
(Watts e Gilbert,1989; Lock,1990,1991;Watts,1991; Stinner,1990; Stewart e
Hafner,1991; Gil Perez,1988,1990,1992, citados por Lopes e Costa 1996).
No campo da biologia, é mais reduzido o número de investigações.
Entre os modelos de resolução de problemas apresentados nestas investigações, cito o
que foi desenvolvido pelo Departamento de Educação do estado de Nova York aplicável
a crianças dos 7 aos 11 anos em que são consideradas duas fases fundamentais na
resolução dos problemas Definição do Problema e Processo de Resolução. A partir
deste modelo, Murphy e Gott, 1984 construíram um modelo cíclico aplicável a alunos
entre os 13 e os 15 anos
O modelo que, em parte, foi seguido na minha tese de doutoramento foi o que Peterson
e Junck (1988) propuseram para que os alunos de biologia da última fase do ensino
secundário realizem actividades no laboratório. A proposta do modelo surgiu da
insatisfação dos autores com o ensino tradicional.
Estes autores consideram que, seguindo uma metodologia de trabalho similar à que os
cientistas utilizam, os estudantes aprendem não só conhecimentos declarativos como
conhecimentos processuais.
O modelo de Peterson e Junck tem como linhas mestras:
um ponto de vista construtivista da aprendizagem;
o desenvolvimento, na sala de aula, de raciocínios similares aos que os cientistas
desenvolvem quando realizam as suas investigações.
Estes autores designaram o seu modelo por 3Ps. Esta designação significa problem
posing (propor problemas); problem probing (investigar problemas) e Peer persuasion
(poder persuasivo dos colegas).
Estes autores admitem que uma das actividades do estudante é propor problemas. Para
realizarem esta actividade, os estudantes necessitam de utilizar os seus conhecimentos
prévios como meio que lhes possibilite reconhecerem no contexto de um determinado
tema curricular, o que podem considerar como um problema. Os dados anómalos nesta
fase podem desempenhar um papel relevante e, por si, mesmo, podem ser motivo para
os alunos proporem problemas.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 67
Na segunda fase, os alunos desenvolvem várias actividades, tais como: selecção e
organização de informação; actividades laboratoriais; formulação de hipóteses
explicativas para o problema em estudo, etc.
A discussão com os colegas é uma fase crucial deste modelo de ensino/aprendizagem.
Esta discussão processa-se ora em pequenos grupos, ora com todos os grupos presentes.
Nesta área da pesquisa, os investigadores estão convencidos que uma das formas dos
estudantes aprenderem ciência é desenvolverem uma “actividade semelhante” à dos
cientistas; estão também convictos que a aprendizagem está alicerçada na resolução de
problemas. (Stewart e Hafner,1991; Jonhson e Stwart,1990; Finkel, 1993 citados por
J.Lenberger,1995).
Gil Perez (1993) apresentou um "modelo de ensino/aprendizagem por investigação" no
qual os problemas e a sua resolução ocupam um lugar central. Este modelo assenta na
metáfora da equipa de investigação em que a liderança é desempenhada pelo professor;
como numa equipa de investigação, há um perito (o professor) e os seus colaboradores
(os alunos).
Gil Perez critica o reducionismo conceptual de que, segundo a sua opinião, enfermam
os modelos de ensino/aprendizagem por mudança conceptual e advoga a necessidade,
não só de uma mudança conceptual, mas também de uma mudança metodológica.
No mesmo sentido, Duschl e Gitomer (1991 citados por G.Perez) afirmam: "se temos de
produzir uma reestruturação radical dos conceitos, o que constitui o equivalente pessoal
da ideia kuhniana de revolução científica, parece que deveríamos ensinar também os
conhecimentos processuais implicados".
G.Perez considera que levar os alunos a explicitar as suas ideias, para que tomem
consciência de que elas estão em conflito com as ideias científicas, é um processo
artificial que não corresponde ao que se passa quando se constrói conhecimento
científico. Efectivamente, as ideias iniciais dos investigadores podem ser questionadas e
experimentar mudanças, contudo estas mudanças não são um fim em si mesmo, mas um
processo ao serviço da resolução de problemas de interesse para os investigadores.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 68
"O tratamento científico dos problemas implica tomar as ideias que temos mesmo a
que nos parecem mais seguras e óbvias como simples hipóteses de trabalho".
(G.Perez,1993).
De acordo com uma perspectiva construtivista da aprendizagem como afirmaram, Gil
1982, Martinez e Torregosa 1983; Driver e Oldham 1986; Burbules e Linn 1991,
Wheatley 1991; a estratégia de ensino que se mostra mais coerente é o estudo de
situações problema que os alunos considerem verdadeiramente interessantes.
O verdadeiro interesse do estudante pelo problema que se propõe realizar é de
importância crucial, pois não faltam evidências de "falsos interesses". Por vezes estes
interesses não são mais do que um "tudo vale" para obter uma boa classificação. E aqui,
mais uma vez, insisto na importância do ambiente na sala de aula. Só uma relação
franca e aberta entre os professores e alunos pode constituir suporte natural para que as
opções dos estudantes correspondam sempre aos seus verdadeiros interesses. Este
desiderato só poderá ser conseguido com uma revisão profunda do processo de
avaliação dos alunos.
A estratégia de ensino para uma aprendizagem como investigação, proposta por
G.Perez, 1993, como já afirmámos centra-se na resolução de problemas e comporta
quatro fases: (G. Perez,1993)
1. Propor situações problemáticas que gerem interesse.
2. Propor aos estudantes o estudo qualitativo das situações problemáticas apresentadas.
3. Orientar o tratamento científico dos problemas propostos.
4. Propor a utilização dos novos conhecimentos noutras situações.
Na opinião de Gil Perez esta estratégia não exige, como pode parecer à primeira vista,
uma contínua actividade laboratorial, o que não seria exequível e desejável. Segundo
este autor, o reducionismo experimental é também uma perspectiva artificial.
Efectivamente, a construção do conhecimento científico pelos investigadores tem
subjacente muita leitura e audição de exposições de pessoas qualificadas na área de
conhecimento, onde a investigação se enquadra.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 69
O trabalho em grupo no contexto da sala de aula tem sido, de acordo com estudos
realizados, uma estratégia de ensino/aprendizagem subtilizada. "....O significado do
trabalho de grupo era mais mítico do que real..." (Sands,1981 citado por
J.Osborne,1997).
Considero que o trabalho dos alunos, em grupo, é um dos factores fundamentais para a
criação das condições necessárias a uma aprendizagem holística na medida em que
dinamiza e possibilita todo um conjunto de interacções, retroacções intercâmbios que
são a matriz de um processo de ensino/aprendizagem alicerçado na epistemologia
construtivista.
Referências ao carácter cooperativo da aprendizagem são também feitas por outros
autores:
"A construção do conhecimento científico é uma construção social que envolve
frequentemente um trabalho de equipa" (Cheung e Taylor, 1991; G.Perez,1993; Watts,
1991 citados por Lopes e Costa, 1996).
Dado que o encontro com informação contraditória está no coração da aquisição do
conhecimento científico, as investigações sobre estratégias de ensino/aprendizagem
focalizadas na resolução de problemas são indissociáveis das realizadas sobre o papel
dos dados anómalos na construção daquele conhecimento. Efectivamente, em muitos
casos, os problemas surgem porque as explicações dos estudantes não respondem
satisfatoriamente a situações que não lhe são familiares.
As reacções que os estudantes podem evidenciar na presença de dados anómalos é
similar à dos cientistas, uma vez que vai desde o facto de ignorarem ou rejeitarem os
dados; declararem que não têm relação com o que estão a tratar, até à decisão de que
mais tarde se irão debruçar sobre esses dados. Numa reacção mais moderada, os
estudantes consideram que os dados estão de acordo com as suas explicações e só
raramente admitem que têm que alterar a sua teoria explicativa e, mais raramente ainda,
aceitam os dados e mudam a sua teoria. (Chin e Brewer 1993).
Quanto à dificuldade que os estudantes têm em modificar as suas ideias, quando
confrontados com dados anómalos, Chin e Brewer verificaram que se os estudantes
considerarem que o conhecimento científico é de natureza factual e não uma construção
terão mais dificuldade em modificar as suas explicações.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 70
Aqueles autores, verificaram também, que a forma como os estudantes trabalham os
dados anómalos é função do interesse que têm na tarefa que estão a executar, assim
como, se estão ou não na expectativa de justificar o seu raciocínio; e analisam mais
profundamente a informação anómala se tiverem a responsabilidade de se justificarem.
O encontro dos estudantes com informação que contradiga as suas explicações intuitivas
poderá constituir motivo de discussão com os colegas, e, desta forma, dinamizar o
trabalho dos estudantes em pequenos grupos. Simultaneamente, poderão surgir
condições que propiciem o desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes. O
desenvolvimento deste tipo de pensamento constitui uma das responsabilidades do
professor de ciências. "Durante o processo de aprendizagem dos conteúdos o papel do
educador dever-se-á distinguir não só pelo controle da construção de conhecimento
específicos, mas também, pela responsabilidade de desenvolver simultaneamente a
atitude crítica de quem aprende" (Laburu e outros, 1996).
O que deve ser considerado como um problema na sala de aula tem sido objecto de
discussão entre os vários autores que se têm dedicado a este domínio de pesquisa em
Ciências da Educação.
No campo da biologia é, geralmente, admitido que, quando os alunos determinam as
proporções genotípicas e fenótipicas previstas pelas leis de Mendel para um
determinado cruzamento, estão a resolver um problema. Não concordo que situações
como esta e outras similares constituam na realidade um problema, uma vez que para a
sua solução os alunos necessitam, unicamente, de recorrer a conceitos que tenham
memorizado e de utilizar um simples algoritmo, o que significa que, para resolverem o
problema, necessitam unicamente de cumprir um conjunto pré-determinado e bem
definido de regras.
G. Perez e outros autores consideram como problema uma situação que apresenta
dificuldades para as quais não se visualizam soluções evidentes, esta forma de definir
problema é obviamente subjectiva pois como afirmou Garrett (1986) "cada indivíduo,
dependendo do seu conhecimento pessoal, personalidade, e das estratégias ou recursos
de que disponha, verá uma dada situação como um problema ou como um puzzle"; na
sala de aula esta subjectividade pode resultar extremamente ambígua e geradora de
desentendimentos. Perante estas dificuldades concordo com Siguenza quando afirma
"ser mais apropriado, no contexto educativo, considerar que o problema, como
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 71
estratégia de ensino, se deve definir em si mesmo pelas etapas que a sua solução
comporta, e não pelas dificuldades que apresenta para a pessoa que o enfrenta".
Voltando aos "problemas" de genética e tendo presente que o objectivo da resolução de
problemas no ensino das ciências é facilitar a compreensão, resulta que os referidos
"problemas" não se adequam a este objectivo; efectivamente, apresentam-se como
situações em que não é requerido que o estudante faça uma planificação no sentido de
obter, seleccionar, e organizar os dados, bem como a sua análise e interpretação; etapas
estas que o aluno teria necessariamente de considerar para obter uma resposta correcta,
se realmente estivesse a resolver um problema.
Na área da investigação do ensino/aprendizagem centrado na resolução de problemas é
de interesse identificarmos o tipo de problema que estamos a tentar desenvolver na sala
de aula.
De uma forma sintética e de acordo com a classificação de Frazer (1982) citado por
Sigüenza, os problemas podem ser de dois tipos: reais e artificiais. Os problemas
artificiais são aqueles em que a pessoa que o apresenta, o professor ou o autor do livro,
conhece a solução. Os problemas reais são aqueles para os quais não se conhece a
solução que pode até não existir.
Em função da natureza da solução os problemas artificiais podem ser: fechados e
abertos. Os primeiros têm uma única solução e os segundos um número variável de
soluções.
Os problemas propostos pelos alunos, na minha investigação têm várias soluções pelo
que são problemas abertos.
Recordo alguns dos problemas propostos pelos alunos para justificar a classificação que
deles fiz no parágrafo anterior:
Como é que o organismo humano é capaz de controlar a fertilidade e a
esterilidade?
Admitindo a possibilidade de contracepção hormonal, qual a sua actuação e
repercussão no organismo?
Como é feita a regulação hormonal da fertilidade?
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 72
Qual a diferença a nível hormonal entre uma mulher fértil e uma mulher estéril?
As explicações que os alunos apresentaram estão correctas à luz dos conhecimentos
científicos actuais. No entanto, como resultado da metodologia que adoptei nas aulas
eles não ignoram que são explicações prováveis e provisórias.
A reconhecida carência de raciocínio formal nos jovens e a necessidade imperiosa do
seu domínio tem dinamizado a utilização de estratégias de desenvolvimento de
operações formais, de que a aprendizagem como investigação é um exemplo.
Efectivamente, a capacidade de análise e comparação de várias combinações e
possibilidades é uma operação formal que está no cerne das actividades conducentes à
resolução de problemas.
A concretização das actividades de resolução de problemas, no ensino, exige como
afirmam A. Carre e M. Goffard (1993) uma competência dupla: "é necessário conhecer
bem a disciplina para tratar o problema mas é também necessário, além disso, ter um
profundo conhecimento didáctico". Este conhecimento didáctico capacita o professor
para antever as reacções possíveis dos estudantes face a uma dada situação e preparar os
argumentos ou as novas questões ou até mesmo novas situações de estudo a propor.
Segundo os mesmos autores, o conhecimento didáctico do professor permitir-lhe-á
também antever as dificuldades dos estudantes para as quais deverá procurar as causas
profundas e encontrar as directrizes que ajudarão os estudantes a ultrapassar essas
dificuldades. Consequentemente, o conhecimento das concepções alternativas dos
alunos, dos modos de raciocínio espontâneo e das teorias actuais da aprendizagem ser-
lhes-á indispensável.
J. Stuart e R. Hafner (1990) consideram que a essência da aprendizagem radica no
processo de resolução de problemas e que, enquanto decorre a actividade investigativa
inerente a este processo, os conhecimentos dos estudantes vão mudando, isto é, ocorre
mudança conceptual. Consequentemente, a fundamentação teórica e empírica destes
investigadores reveste-se da maior importância para os investigadores sobre
aprendizagem como mudança conceptual,
Os trabalhos empíricos que vou referir, bem como a minha investigação, tiveram como
referenciais teóricos a epistemologia construtivista e estão informados por uma
concepção de pesquisa científica que privilegia a produção e desenvolvimento do
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 73
conhecimento científico ("contexto da descoberta"). Como afirmou Latour (1987),
citado por Stewart e Hanfner: science-in-the-making rather than ready-made-science.
Algumas das mais interessantes pesquisas sobre resolução de problemas têm sido feitas
no domínio da física, onde os investigadores têm explorado as diferenças no
desempenho entre principiantes e peritos e a forma como está organizado o seu
conhecimento. Chi (1981), Larkin (1980), e Simon e Simon (1978), citados por J. Stuart
e J. Kirk (1990), têm posto em evidência que o melhor desempenho dos peritos na
resolução de problemas é devida mais às diferenças de como o seu conhecimento está
organizado do que ao seu maior grau de informação.
Os trabalhos empíricos de Larkin (1980) e Chi e colegas (1982), descritos por R.Garrett
1986 também se centraram nas diferenças do desempenho entre peritos e principiantes e
os seus resultados corroboram as conclusões apontadas por Stuart e Kirk .Assim, Larkin
verificou que a análise qualitativa geral que precede o tratamento de uma situação
problemática era uma fase esquecida pelos principiantes.
Chi e outros solicitaram a alguns principiantes e peritos que separassem problemas,
utilizando o critério que eles considerassem mais apropriado. Como resultado, os
principiantes utilizaram características de "estrutura superficial" (objectos, diagramas,
conceitos) enquanto que, em contraste, os peritos empregaram aspectos de "estrutura
profunda" (as leis envolvidas na situação que estavam a analisar).
Pela combinação dos resultados de Larkin e outros. com os de Chi e outros,
Champagne; Gunstone e Kopler (1982) puderam inferir as diferenças principais entre as
estratégias utilizadas pelos peritos e os principiantes, quando colocados perante uma
situação problemática:
a) Os peritos empregam um esquema de análise mais amplo e integrado quando
comparado com o esquema naife utilizado pelos principiantes;
b) Os peritos utilizam um período extra de análise qualitativa antes de partirem para
uma análise mais detalhada do problema, esta fase não era considerada pelos
principiantes.
Os estudos que acabo de referir tornaram evidente que os peritos têm um amplo e bem
organizado repertório conceptual que aplicam em situações problemáticas; ao passo que
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 74
os principiantes revelam conhecimentos pouco profundos e que não estão estruturados
de forma apropriada.
J. Stuart e J. Kirk (1990) apresentaram, de uma forma mais completa e sistematizada, as
diferenças no desempenho entre peritos e principiantes, perante situações problemáticas.
Assim, os peritos:
1. Utilizam estratégias que são mais dependentes do seu domínio de conhecimento,
mais abertas a investigações futuras e mais geradoras de conhecimento.
2. Inicialmente dedicam tempo a uma análise qualitativa, incluindo tempo para
desenvolver representações do problema tanto a níveis empíricos como teóricos.
3. Aplicam princípios dependentes do domínio como parte de uma metodologia
bem definida e funcionalmente integrada.
4. Estruturam hierarquicamente o seu conhecimento.
Relativamente aos principiantes:
1. Empregam princípios sequencialmente de uma forma não planificada;
2. Usam heurísticos que são aplicáveis a um largo espectro de problemas.
J. Stuart e J. Kirk (1990) desenvolveram uma investigação sobre resolução de
problemas em genética clássica; estes investigadores utilizaram problemas cujas
soluções não podiam ser obtidas pelo uso de algoritmos, situação que não se verifica
nos livros utilizados pelos estudantes das escolas secundárias mas que permitiam que
os alunos se apercebecem que a ciência é uma actividade intelectual. Os resultados desta
pesquisa são concordantes com os de Smith e Good (1984) e Smith (1986), citados por
Stuart e Kirk, pois revelaram também que os estudantes, bem sucedidos na resolução de
problemas, começam a sua resolução investindo tempo a reescrever qualitativamente os
problemas, avaliam com frequência o seu trabalho, não são dependentes das proporções
esperadas e consideram hipóteses alternativas.
Os resultados das pesquisas de Stuart e Kirk, bem como os de Smith e Good mostram-
se consonantes com as pesquisas sobre resolução de problemas realizadas no campo da
física, o que leva os seus autores a estarem confiantes de que é possível desenvolver
uma estrutura de referência que permita melhorar o ensino da genética em todos os
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 75
níveis educacionais. Os autores admitem ainda que a pesquisa focalizada sobre o
conteúdo de domínios específicos, quando combinada com modelos de aprendizagem e
ensino de que é exemplo o modelo de mudança conceptual de Hewson (1981), têm
grande potencial para melhorar o ensino das ciências.
Os resultados da aplicação por J. Lambert (1995) do modelo dos 3P problem posing,
problem probing e pear persuasion proposto para aulas de biologia no laboratório, num
curso de genética, fortalecem a ideia de Stewart e Hafner sobre a relação entre o
processo de resolução de problemas e a mudança conceptual. Efectivamente, J. Lambert
conduziu um curso de genética projectado para permitir aos estudantes proporem
problemas baseados em dados que eles reconheciam como anómalos. Seguidamente, os
alunos apresentaram e discutiram soluções prováveis para esses problemas. J.Lambert
constatou mudanças explícitas no status das concepções que os estudantes sustentavam
relativamente a vários conceitos genéticos importantes. Verificou ainda que as soluções
propostas foram construídas através do processo de mudança conceptual que Hewson
designou por captura conceptual.
Os trabalhos de Lambert e por outro lado o de Stuart e Hafner, apresentam-se como uma
referência substantiva. Efectivamente o trabalho de Lambert foi o único que encontrei
(2000) sobre aprendizagem por mudança conceptual em biologia; foram também as
únicas investigações que conheço no domínio desta disciplina onde os seus autores
aplicaram a "estratégia de ensino-aprendizagem por resolução de problemas". De notar
que as duas investigações incidem sobre conceitos de genética que é tradicionalmente, a
única área da biologia onde, na generalidade, se supõe que os alunos têm de resolver
problemas. O trabalho de Lambert testa o modelo de Peterson e Junck (modelo dos 3P)
que foi delineado para as aulas de biologia em laboratório.
A ideia central do modelo de G. Perez segundo o seu autor "é o tratamento de situações
problemáticas abertas de interesse para o estudante, através das quais os alunos podem
participar na construção dos conhecimentos". Este modelo assenta na metáfora da
equipa de investigação em que a liderança é desempenhada pelo professor. Como numa
equipa de investigação, há um perito (o professor) e os seus colaboradores (os alunos).
Como é óbvio o modelo destina-se aos estudantes que frequentam as classes terminais
do ensino secundário uma vez que uma actividade exploratória pré-científica é mais
consentânea com os níveis etários e académico dos estudantes mais jovens.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 76
Como afirmou Driver "... o desafio está em como conseguir tal processo de aculturação
com sucesso no circulo da vida normal da classe..". O trabalho científico é,
efectivamente, um trabalho em equipa onde as interacções entre as equipas e de todos
com o professor (neste contexto "o porta voz de muitos investigadores") constituem
suportes fundamentais para tornar efectiva uma orientação construtivista da
aprendizagem.
Como G. Perez, penso que o "experimentalismo" é, sem dúvida, essencial à
investigação mas que constitui apenas uma das componentes dessa actividade Os
investigadores têm necessidade de ler muito e de comunicar a fim de documentarem e
esclarecerem os seus pontos de vista. G. Perez alerta-nos para o facto deste
reducionismo experimentalista não corresponder à realidade do trabalho dos
investigadores. Consequentemente, considerei, na minha tese de doutoramento, como
um dos pontos-chave do trabalho dos alunos a análise e discussão da bibliografia
necessária à fundamentação científica das soluções dos problemas por eles propostos.
Efectivamente, a actividade investigativa tem outras componentes tais como leitura
exaustiva e audição de pessoas qualificadas na área onde a investigação se enquadra
sem as quais não é possível enfrentar a multiplicidade de questões que se lhe deparam.
G. Perez considera o seu modelo exequível, tanto em aulas no laboratório como na sala
de aula, ideia que partilho com ele por se mostrar consentânea com a realidade das
nossas escolas.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 77
Desenvolver a capacidade de argumentação dos estudantes: estratégia fundamental
para fomentar o pensamento sistémico dos estudantes
A capacidade de resolução de problemas pelos estudantes é indissociável das suas
competências argumentativas pelo que aprender ciência é também aprender a
argumentar de forma substantiva.
Assim, ensinar os alunos a argumentar, cientificamente, é hoje uma tarefa urgente. São
diversos os motivos que me levam a fazer esta afirmação, motivos que, seguidamente,
passo a enunciar:
A teoria cognitiva actual, admite como uma das suas ideias centrais, que a
aprendizagem é um processo de construção do conhecimento. Acontece que a
actividade científica no que se refere à produção de conhecimento é também um
processo construtivo que implica a formulação de teorias explicativas para os
diversos fenómenos. Estas teorias são provisórias e abertas, ao desafio e à
refutação dos cientistas. Assim, o conhecimento científico não resulta de uma
mera acumulação de factos imutáveis pelo que a ciência progride através de
discussão, conflito e argumentação e não através de concordância geral e
imediata. Em síntese, o discurso da ciência é eminentemente argumentativo.
Desta forma o desenvolvimento das competências próprias da argumentação
constitui-se como um objectivo relevante do ensino e aprendizagem das
ciências.
A importância das questões sócio-científicas na agenda política contemporânea
evidencia que há uma necessidade urgente de melhorar e aprofundar a
compreensão dos jovens sobre a natureza do argumento científico. Perante esta
situação emerge a necessidade das escolas treinarem os estudantes no uso de
uma racionalidade crítica e argumentativa que os capacite para virem a
desenvolver um papel activo e construtivo no desenvolvimento da própria
sociedade. Torna-se assim necessário formar cidadãos responsáveis, com
capacidade crítica, que possam avaliar a informação recebida, que estejam
conscientes do impacto dos seus procedimentos e do dos outros e que sejam
capazes de argumentar com fundamento na hora de tomarem decisões.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 78
O trabalho de Kuhn(1991) revelou que para uma maioria esmagadora de
pessoas, o uso de argumentação válida não surge naturalmente mas é adquirido
unicamente através da prática. Mais recentemente (Hogan & Maglienti, 2001;
Zohar & Nemet, 2002) chegaram a conclusões similares. A análise destas e de
outras investigações aponta para a necessidade da argumentação se tornar um
objecto de estudo e desta forma um conteúdo a ensinar e a aprender nas nossas
escolas.
Estudos prévios sobre argumento
Nas últimas décadas numerosos estudos incidiram sobre a análise do discurso
argumentativo em contextos educativos (ex: Driver, Newton, & Osborne, 2000;
Duschul, Ellenbogen & Erduran, 1999; Erduran, 2006; Kelly & Takao, 2002; Jimenez
Aleixandre, Rodriguez, & Duschl, 2000). Estes estudos evidenciaram a importância do
discurso na aquisição do conhecimento científico (Boulter & Gilbert, 1995; Pontecorvo,
1987; Schwarz, Neuman, Gil, & Ilya, 2003) e no desenvolvimento de hábitos de “pensar
ciência” (ex: Kuhn, 1970) ., 1996). Os trabalhos de Deanna Khun (1992) revelaram que
o desenvolvimento das destrezas argumentativas não ocorre igualmente em todos os
ambientes de aprendizagem (1992) assumindo particular interesse os contextos que
tenham relevância para a vida dos estudantes. Os trabalhos de Deanna Kuhn revelaram
também que o uso de argumentos válidos não é uma capacidade inata mas que só se
adquire pela prática.
Zohar e Nemet (1998, Nov, 1998) integraram o ensino explícito da argumentação no
tema “dilemas em genética humana” e verificaram que a performance dos estudantes
melhorou tanto no conhecimento científico como na capacidade de argumentação.
Nussbaum, M. e G. Sinatra (2003). Verificaram que estudantes que foram solicitados
para argumentar sobre uma explicação alternativa de um problema de física (a
explicação científica) mostravam melhor fundamentação da sua explicação que os
participantes de um grupo control que foram solicitados a resolver o problema sem
argumentação.
Apesar destes esforços, o discurso argumentativo autêntico é pouco praticado nas aulas
de ciências (Driver, Newton, & Osborne 2000). Em vez disso, a ciência é apresentada
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 79
como uma colecção de factos que os estudantes lêem e memorizam. Na melhor das
hipóteses, os estudantes realizam experiências nas quais seguem directrizes para
confirmar a compreensão do que aprenderam (Rudolph & Stewart 1998). Mais
especificamente, na maior parte das classes, é dominante um ponto de vista positivista
da ciência, sendo esta olhada como uma matéria em que há respostas certas que
emergem de dados incontroversos. (Driver e outros 2000). Efectivamente, ao longo do
tempo, as teorias científicas mudam, e é através da argumentação científica que o
conhecimento é testado com o objectivo de encontrar as explicações mais viáveis
(Driver e outros. 2000). Consequentemente, o ensino da ciência não deverá consistir na
transmissão de um conjunto de factos conhecidos e definitivos. Ensinar assim não é só
irrealista como também é uma forma autoritária de ensinar ciência.
Treinar os estudante nas práticas argumentativas é permitir-lhes ver que a ciência é um
processo em trânsito no qual as ciências são questionadas, e muitas vezes mudadas ou
revistas (Deihl 2000). Argumentar cientificamente, envolve “propor, sustentar, criticar,
avaliar e refinar ideias, algumas das quais podem conflituar ou competir, acerca de um
assunto científico”. (Shin & McGee 2003). Com esta metodologia o objectivo a atingir é
que os estudantes se tornem capazes não só de constatar factos e emitir hipóteses, mas
também de através de evidencia justificarem e defenderem as suas ideias quando
confrontadas com as dos seus pares.
Resulta das investigações citadas que a argumentação é uma forma de discurso que
necessita ser apropriada pelos estudantes e explicitamente ensinada através de ensino
adequado, trabalho estruturado e construção de modelos.
Definição de Termos
Passo a analisar, segundo diversos autores, o significado de alguns termos que considero
conterem conceitos chave no desenvolvimento das capacidades argumentativas de
qualquer individuo.
Segundo Sibel Erduran (2006) o termo argumento refere-se à essência das teorias,
dados, justificações e backings que contribuem para o conteúdo do argumento;
argumentação refere-se ao processo de associar aqueles componentes; desempenha um
papel central na construção de explicações, modelos e teorias.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 80
De acordo com van Eemeren e al (1987) a argumentação é uma actividade social,
intelectual verbal e não verbal utilizada para justificar ou refutar uma opinião,
consistindo de um conjunto específico de declarações dirigido para obter a aprovação de
um ponto de vista particular por um ou mais interlocutores.
Para Jiménez Aleixandre, M P. (2003) argumentação é a capacidade de relacionar dados
e conclusões, e avaliar enunciados teóricos à luz dos dados empíricos ou provenientes
de outras fontes.
Para Jiménez Aleixandre (2004) pensamento crítico é a capacidade de desenvolver uma
opinião independente, de reflectir sobre a realidade e de participar nela.
Para Krummheuer (1995) o argumento é o esclarecimento intencional de um raciocínio
durante ou após a sua elaboração.
Crenças ou concepções implícitas são aqueles pontos de vista que não tendo sido
elaborados conscientemente, funcionam como pressupostos óbvios sem os quais não
fariam sentido os nossos procedimentos.
Metacognição capacidade para pensar sobre o seu próprio pensamento e sobre o
pensamento dos outros.
Representações são sínteses mentais de informações com uma sobrecarga afectiva
variável e que a pessoa constrói mais ou menos conscientemente em função da
dialéctica bipolar sujeito/objecto. Constituem as estruturas subjacentes a todo o
processo de construção do saber.
Segundo Driver, R (2000) os argumentos podem ser retóricos, dialógicos, racionais e
persuasivos os primeiros são razões para convencer o auditório; utilizam-se muitas
vezes no ensino; os segundos examinam distintas alternativas; são os de maior interesse
para a análise do discurso. Com os racionais procura-se uma solução racional para um
problema determinado e com os persuasivos pretende-se chegar a um consenso.
Segundo Duschl e Ellenbogen (1999), a argumentação é geralmente reconhecida sob
três formas: analítica, dialéctica e retórica, sendo que as duas primeiras são baseadas na
apresentação de evidências, enquanto a última se baseia na utilização de técnicas
discursivas para a persuasão de uma plateia a partir dos conhecimentos apresentados
pela mesma.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 81
Argumentação e ensino das ciências
O ensino/aprendizagem da ciência não é unicamente um processo de construção
individual, uma vez que o conhecimento científico não é alguma coisa que o estudante
possa descobrir por ele próprio, dado que a aprendizagem da ciência implica processos
individuais e sociais:
a) Processos individuais na medida em que é necessário que sejam proporcionadas
aos alunos situações a partir das quais as matérias programáticas tenham para eles
uma significação que se interliga e dá sentido às suas vidas reais. Neste processo, as
estruturas conceptuais dos estudantes ir-se-ão transformando, por reestruturações
sucessivas, em estruturas cada vez mais adaptativas e, consequentemente, mais
elaboradas.
b) Processos sociais no plano social, a aprendizagem das ciências implica que os
estudantes sejam introduzidos numa nova forma de discurso através da qual terão
acesso aos conceitos, aos símbolos e às convenções da comunidade científica.
Consequentemente, a aprendizagem da ciência na aula implicará a entrada numa
nova cultura. Desta forma, como afirmou R.Driver (1994), “a aprendizagem da
ciência numa perspectiva construtivista social implica o ser introduzido num mundo
simbólico”
A aprendizagem da ciência como processo social e individual será necessariamente um
processo dialógico, o que pressupõe várias pessoas em conversação alunos, professor
e especialistas nas matérias e onde o binómio professor-aluno desempenhará um
papel relevante. O envolvimento do estudante neste processo dialógico implica que ele
“externalise o seu pensamento” e de uma forma natural e gradual o seu pensamento se
movimente de um plano intrapsicológico e de uma argumentação retórica para um plano
interpsicológico e uma argumentação dialógica mais consentânea com a metodologia
conducente à construção do conhecimento científico. É esta função epistémica da
argumentação que é urgente fomentar e desenvolver nas aulas de ciências. Para isso há
que conquistar os estudantes para a prática das estratégias argumentativas.
Defendo que a motivação para argumentar corresponda, efectivamente, a uma
necessidade sentida pelos alunos. Penso que propostas de tarefas de aprendizagem
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 82
relevantes para a vida dos estudantes; acesso a peças de evidência contraditórias e
feedback para reflexão sobre as estruturas dos argumentos são metodologias a
considerar.
Relativamente aos contextos em que se deve desenvolver a argumentação um situa-se
no campo da aplicação das ideias científicas e levanta considerações sociais, morais e
éticas, designam-se por argumentos de natureza sócio-científica; os outros restringem-se
ao campo do inquérito científico. Driver (1994) considerou que os dois devem ser
abordados no ensino-aprendizagem das ciências.
Tamnem (1998) analisou o tipo de argumentação agressiva que é frequente nos talk-
shows e na esfera política; nesta situação os representantes dos dois pontos de vista
opostos têm como objectivo prioritário ganhar pontos ao adversário. É óbvio que esta
forma de argumentação pouco contribui para a educação.
Existem diversas investigações sobre aprendizagem das ciências que se ocupam de um
tipo de argumentação que aqueles autores designam por argumentação colaborativa.
Este tipo de argumentação desempenha um papel fundamental na ciência dado que,
como afirmei anteriormente, esta avança não pela acumulação de factos, mas por debate
e argumentação (Kuhn, 1970; Bell, 2004). Mesmo quando dois cientistas não estão de
acordo, eles ainda partilham os valores comuns da ciência e ambos estão interessados
nos mesmos objectivos. A argumentação na ciência não é oposição e agressividade; é
uma forma de discussão colaborativa em que as duas partes estão a trabalhar em
conjunto para resolver um problema em que ambos os lados esperam estar de acordo no
fim da argumentação.
Ensino/aprendizagem da argumentação
O desenvolvimento profissional dos professores de ciências no que concerne à prática
da argumentação nas aulas de ciências tem vindo a ser apoiado por um extenso
programa de investigação. Neste programa têm-se procurado identificar estratégias
pedagógicas necessárias para desenvolver capacidades argumentativas; testar estas
estratégias e determinar em que medida a sua implementação melhora a prática
pedagógica dos professores com a argumentação e também até que ponto as lições que
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 83
seguem estas estratégias pedagógicas conduzem a uma melhoria da qualidade dos
argumentos dos estudantes. (Shirley Simon, Sibel Erduran, Jonathan Osborne. 2006).
Apesar de ser evidente a importância do engagement dos estudantes na argumentação é
muito difícil consegui-lo. Um dos maiores problemas é a falta de recursos, capacidades
e preparação dos professores. Isto, provavelmente, contribui para a falta de
oportunidades dos estudantes travarem uma discussão sobre as matérias curriculares e
posteriormente as enormes dificuldades dos estudantes participarem numa
argumentação científica de qualidade. Todavia, porque a capacidade de argumentação
não surge naturalmente nas pessoas (Kuhn (1991), os estudantes necessitam de
mergulhar em contextos que lhes permitam praticar as capacidades argumentativas.
Outro problema que surge quando se pretende implementar a argumentação nas aulas de
ciências é determinar o tamanho do grupo que proporcione uma boa discussão
(Alexopoulou & Driver 1996). É óbvio que o grupo deve ser suficientemente grande
para que surja, naturalmente, uma diversidade de opiniões mas bastante pequeno para
que todos os elementos do grupo participem. Nenhum número foi estabelecido para
suporte das melhores discussões mas os pesquisadores sugerem grupos de 3 a 6
estudantes (McClelland 1983; Slavin 1995).
Outro aspecto que necessita ser considerado no ensino das práticas argumentativas é o
dos conhecimentos prévios dos estudantes. Uma carência de conhecimento prévio de
uma matéria curricular condiciona a capacidade dos estudantes para explicarem e
justificarem, com fundamentação, as suas hipóteses (Kolowski 1996). Efectivamente, os
estudantes sentem-se mais capazes de argumentar quando têm um certo grau de
conhecimento da matéria que está a ser tratada. Todavia, a aprendizagem simultânea do
conteúdo programático e das capacidades argumentativas pode revelar-se demasiado
complexa.
Considero que o objectivo fundamental do ensino da argumentação é que os estudantes
adquiram competências para defender e justificar as suas ideias e opiniões, e que se
tornem capazes de compreender, diferenciar e confrontar as ideias e opiniões próprias
com as dos outros.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 84
Baseados na observação de classes e na revisão de literatura sobre argumentação (Bell
& Linn; Driver e outros 2000; Duschl & Gitomer 1997; Herrenkohl e outros 1999;
Kuhn 1991, 1993; Simon e outros 2002) foram desenvolvidas um conjunto de regras
para ajudar os professores a engajarem os estudantes em argumentação científica. Estas
regras encorajam os professores a primeiro ouvir e observar as discussões dos
estudantes sobre três dimensões.
se os estudantes estão a participar em argumentação científica de qualidade
(utilizando dados e teorias aceites para justificarem as hipóteses, citando casos
em que as hipóteses não são ou não podem ser verdadeiras);
quanto tempo os estudantes se mantêm enquadrados na discussão;
se cada estudante no seu grupo está a ouvir e a contribuir para a discussão.
Os professores devem encorajar os grupos ou estudantes com dificuldades sugerindo-
lhes que utilizem dados para justificarem as suas hipóteses; sugerindo-lhes questões em
aberto acerca das suas hipóteses e justificações para que eles discutam e reflictam sobre
as suas ideias. Todavia os professores devem fugir, neste contexto, de formularem
questões como: “O que é que eu vou dar aos estudantes para desenvolverem uma
compreensão apropriada?”; “Como posso ajudar os estudantes a construir uma
compreensão apropriada?”; (Driver e outros 1994; Duschl & Gitomer 1997) para que
os professores não insiram conteúdo na conversação mas em vez disso ajudem os
estudantes a construir compreensão através da prática da argumentação.
Em síntese, considero que o objectivo fundamental do ensino da argumentação é que os
estudantes adquiram competências para defender e justificar as suas ideias e opiniões, e
que se tornem capazes de compreender, diferenciar e confrontar as ideias e opiniões
próprias com as dos outros.
Análise e avaliação de textos argumentativos
Do que venho afirmando decorre a necessidade de nas classes de ciências serem
discutidas as razões, justificações e critérios necessários para a elaboração de textos
argumentativos escritos e orais; considero ser esta aprendizagem a única forma dos
estudantes aprenderem a produzir argumentação científica fundamentada. Esta
aprendizagem implica aprenderem a utilizar determinadas capacidades cognitivas
linguísticas como descrever, definir, explicar, justificar, argumentar e demonstrar; ao
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 85
tempo que necessitam de saber utilizar capacidades cognitivas básicas da aprendizagem
como analisar, comparar, deduzir, inferir e valorar.
Nos últimos anos vários autores elaboraram segundo os seus pontos de vista, modelos
sobre os elementos constitutivos de uma argumentação, bem como as relações que
devem estabelecer-se entre eles para que a argumentação seja válida; definiram também
os passos para a análise de uma argumentação substantiva.
Um instrumento de análise muito utilizado para analisar a argumentação científica
produzida por alunos no ensino das ciências é o modelo de Toulmin (1958). Este
modelo é muito importante na análise de argumentações científicas, pois estabelece
relações entre vários elementos e as argumentações propriamente ditas, realça as
limitações de uma dada teoria, e dá significado ao papel das evidências para a
construção de explicações causais. Ele serve como um parâmetro para entendermos qual
o papel da argumentação na construção do conhecimento científico.
Os argumentos considerados por Toulmin foram, por ele, designados como argumentos
substantivos, isto é, argumentos que requerem um conhecimento substantivo.
De acordo com Toulmin, os passos da análise de uma argumentação substantiva são os
seguintes:
Identificação dos elementos constitutivos.
Identificação dos argumentos substantivos cuja conclusão explicita ou implícita
é uma resposta ao problema proposto
Análise da qualidade dos argumentos (os justificados são os de maior
qualidade). Uma análise posterior pode estabelecer diferentes tipos de
justificações e condições para as mesmas.
No entanto, se bem que as categorias de Toulmin estejam estabelecidas para descrever a
qualidade da argumentação, a sua utilização é limitada no que concerne à compreensão
da ciência dado que uma ligação directa entre performance argumentativa e
compreensão científica não é suportada pelos dados. Por outro, lado este modelo analisa
os argumentos de uma forma genérica e descontextualizada.
Entretanto importa assinalar o condicionamento que representa o facto do texto
argumentativo ser avaliado pelo professor. Efectivamente, a/o estudante procurará,
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 86
preferencialmente, elaborá-lo de acordo com o que o professor espera dele ou dela. Esta
situação introduzirá provavelmente uma certa distorção do que é a realidade dos alunos.
Conclusão
A revisão de literatura que fiz sobre a importância das capacidades de argumentação dos
estudantes conduz-me às seguintes conclusões:
Numerosos estudos evidenciaram a importância do discurso na aquisição do
conhecimento científico.
O uso de argumentos válidos não é uma capacidade inata e só se adquire pela
prática.
O desenvolvimento das destrezas argumentativas não ocorre em todos os
ambientes de aprendizagem, assumindo particular interesse os contextos que
tenham relevância para a vida dos estudantes.
O ensino explícito da argumentação melhora a performance dos estudantes,
tanto quanto ao conhecimento científico como à sua capacidade de
argumentação.
Das inferências enunciadas parece-me poder concluir que o desenvolvimento da
capacidade de argumentação dos estudantes deverá constituir um objectivo pedagógico
fundamental, e em consequência as formas de elaboração de argumentos substantivos
um conteúdo a ensinar e a aprender nas nossas escolas.
Como conclusão geral considero, tendo em conta a minha longa experiência, que as
estratégias de ensino e aprendizagem que acabo de analisar, são fundamentais para o
ensino e aprendizagem das ciências. No entanto, esta mesma experiência ensinou-me
também que seja qual for a metodologia adoptada o professor não poderá deixar de ter
presente as seguintes evidências:
Além de um conhecimento substantivo das diversas metodologias de ensino e
aprendizagem, o professor, deve ter presente que cada turma é um caso e por
razões óbvias os alunos têm histórias académicas e pessoais diferentes.
PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 87
Que é fundamental articular os interesses do aluno com as matérias
programáticas. Assim, as metodologias deverão ser as que solicitem os
interesses dos estudantes e ao mesmo tempo lhe garantam sucesso escolar e uma
efectiva preparação para a vida.
Como é óbvio só um professor devidamente apoiado, pelas instâncias competentes,
poderá corresponder às evidências enunciadas.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 88
PARTE II
ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
1. Introdução
Começo com o resumo de uma das investigações que realizei antes da elaboração da
minha tese de doutoramento. Esta pesquisa, incidiu sobre conceitos básicos para a
compreensão do conceito de sistema de regulação fisiológica.
Em continuação, de forma sucinta, abordo a minha tese de doutoramento que intitulei
Aprendizagem por mudança conceptual em Biologia: um estudo sobre o conceito de
sistema de regulação com alunos do 11º ano do Ensino Secundário. Esta abordagem
concretiza-se através de um breve resumo da tese e da discussão das causas gerais e
específicas das dificuldades dos estudantes no estudo dos conceitos. Os instrumentos de
pesquisa, um questionário e uma grelha de análise das respostas dos alunos, constituem
os anexos I e II do livro.
Nos referidos anexos encontra-se descrita a forma como foram construídos o
questionário e a grelha bem como, os objectivos que presidiram à sua construção.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 89
2. Experiências realizadas pela autora
Comecei por realizar um estudo piloto que constituiu não só um meio para testar o
questionário que utilizei, posteriormente, como instrumento de pesquisa mas também
dado os conceitos investigados (sistema, regulação, homeostasia, retroalimentação
negativa e retroalimentação positiva) uma referência para a investigação posterior.
Este estudo decorreu no ano lectivo anterior à aplicação da reforma curricular
implementada a partir do ano lectivo de 1994/1995. Assim, no currículo do Ensino
Secundário figuravam ainda no 10º ano a disciplina de Ecologia e no programa do 11º
ano a disciplina de Noções Básicas de Saúde. Na área Vocacional de Quimiotecnia a
disciplina de Biologia era uma disciplina opcional nos 10º e 11º anos.
Realizado no ano lectivo 1993/1994, no âmbito de uma licença sabática, foi intitulado:
"O conteúdo programático e a evolução das concepções alternativas dos alunos: um
estudo preliminar".
Um dos objectivos foi detectar e estudar a evolução das concepções alternativas dos
alunos, relativamente aos conceitos: retro-alimentação negativa, retroalimentação
positiva, regulação, sistema e homeostasia.
A amostra foi constituída por 80 alunos em que se incluíram três turmas da Área
Vocacional Saúde e uma turma da Área Vocacional Quimiotecnia.
A pergunta de investigação em torno da qual o estudo decorreu foi a seguinte — Até que
ponto o conteúdo programático "Hormonas e sistema endócrino: regulação da
glicemia", contribui ou não para a evolução das concepções alternativas dos alunos?
O instrumento de pesquisa, questionário, foi aplicado antes e depois do professor
leccionar o tema. O professor leccionava há quatro anos a disciplina de Noções Básicas
de Saúde. O ano lectivo 1993/1994, foi o último em que esta disciplina figurou no
currículo do Ensino Secundário.
Os resultados, a que não foram aplicados testes de variância em virtude de se tratar de
um estudo preliminar, apontam para as seguintes conclusões:
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 90
1. Os estudantes possuem uma compreensão parcial dos conceitos e não conseguem
aplicá-los em contextos variados. Este facto torna-se particularmente preocupante no
ensino da Biologia, uma vez que a regulação é o fenómeno biológico por excelência.
2. A constatação de resultados idênticos nas respostas ao questionário antes e depois
do tema ser leccionado aos alunos de Noções Básicas de Saúde, parece mostrar que
o conteúdo programático "Hormonas e sistema endócrino: regulação da glicémia"
não contribuiu para a evolução das concepções alternativas dos alunos, previamente
detectadas.
3. Os resultados obtidos pelos alunos de Quimiotecnia, comparados com os de Saúde,
parecem evidenciar que uma maior familiaridade com os conceitos pode não
conduzir a uma modificação da compreensão dos mesmos.
Efectivamente, os alunos de Quimiotecnia tinham a disciplina de Biologia que, ao
contrário do programa da disciplina de Noções Básicas de Saúde, não tinha como tema
unificador o conceito de regulação. Além disso os alunos da Área Vocacional Saúde
tinham no 10º ano a disciplina de Ecologia onde eram ensinados os conceitos de
sistema, retroalimentação e regulação.
Entrevistado o professor afirmou que no início do ano os conceitos não eram
correctamente reconhecidos pelos alunos, apesar da análise destes conceitos (sistema,
retroalimentação positiva, retroalimentação negativa e regulação) já ter sido feita,
explicitamente, na disciplina de Ecologia (10º ano).
Ao longo do ano, parecendo-lhe que os alunos captavam com facilidade os conceitos, o
professor encontrou sempre significativa discrepância entre o que ele pensava que os
alunos sabiam e a forma como estes, perante novas situações, tentavam resolver os
problemas propostos.
Depois de analisar a opinião dos alunos sobre o programa, pedida por escrito e de forma
anónima, o professor concluiu que os alunos têm dificuldade em compreender os
conceitos e lamentaram não alcançar as classificações que, pensam, deveriam
corresponder ao seu esforço "A gente estuda e depois não conseguimos os resultados
que queremos". Afirmam, no entanto, que são conceitos que os fazem pensar e
reconhecem este facto como positivo.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 91
O professor considerou, provável, que as dificuldades encontradas pelos alunos poderão
ser atribuídas aos seguintes factos:
Os conceitos terem um grau elevado de dificuldade.
Nos manuais de Biologia serem os conceitos abordados num escasso número de
capítulos, não sendo por isso, posta em evidência a natureza axial dos mesmos
para a compreensão de qualquer tema biológico.
Adoptarem os professores da disciplina de Biologia, geralmente, uma postura
semelhante à dos autores dos manuais.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 92
Investigação desenvolvida, pela autora, no âmbito da sua tese de doutoramento
O projecto teve a duração de seis anos e distribui-se no tempo do seguinte modo:
FASE I Recolha e análise de literatura.
FASE II Elaboração, validação e reformulação dos instrumentos de pesquisa.
FASE III Planificação da experiência a levar a efeito na sala de aula
FASE IV Desenvolvimento da experiência e recolha de dados.
FASE V Tratamento dos dados.
FASE VI Dedução e caracterização da forma como se operou a mudança
conceptual.
FASE VII Redacção da dissertação.
Os Instrumentos de pesquisa:
Questionário e Grelha para análise das respostas dos alunos (anexos I e II
respectivamente)
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 93
Breve resumo do estudo
O estudo procurou averiguar se a realização de uma investigação em grupo pelos
alunos, conducente à solução de problemas por eles propostos, contribui para uma
aprendizagem por mudança conceptual do conceito de sistema de regulação.
O estudo prévio da amostra sobre que incidiu a investigação consistiu na aplicação do
teste de K-S que evidenciou uma significância superior a 0,05 o que significou que as
classificações dos alunos se distribuíam de forma semelhante, uma análise estatística de
um Inquérito corroborou o resultado do teste de K-S; a caracterização quanto à sua
homogeneidade foi feita pelo cálculo da média, desvio padrão e coeficiente de variação.
Os alunos realizaram a investigação através do desenvolvimento curricular do tema
programático Ciclo biológico do Homem: regulação hormonal, que fazia parte da
disciplina de Ciências da Terra e da Vida do 11ºano do Ensino Secundário. O tratamento
do tema enquadrou-se no modelo de ensino por mudança conceptual de Posner, Hewson
e Thorley (1982,1992).
Inicialmente, foram detectadas as concepções alternativas dos estudantes (turma
experimental e turma de controle), relativas aos sub-conceitos cuja compreensão é
indispensável à construção do conceito de sistema de regulação e, no fim do estudo,
procedeu-se, nas duas turmas, à verificação dos níveis de formulação atingidos
comparativamente com os níveis de formulação definidos previamente, em
conformidade com o paradigma científico e nível académico dos alunos.
Foram utilizados como instrumentos de pesquisa um questionário, uma grelha para a
classificação das respostas dos alunos e as actividades por eles desenvolvidas para o
estudo do tema programático.
A análise dos dados empíricos permitiu-me concluir que a aprendizagem se realizou por
mudança conceptual e que esta se operou com graus diferentes para os vários conceitos.
Os resultados contradizem assim o ponto de vista Khuniano, segundo o qual a
construção dos conceitos científicos se opera através de modificações revolucionárias e
configuram um modelo gradualista de mudança conceptual consentânea com uma
epistemologia continuísta.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 94
A forma como a aprendizagem decorreu mostrou-se particularmente concordante com a
concepção evolutiva e ecológica do processo de mudança conceptual defendida por
Toulmin. Efectivamente, as discussões em grupo e em classe, aliadas às consultas
bibliográficas, colocaram os alunos perante variantes conceptuais que competiram com
as respectivas ideias prévias, o que levou os grupos a exercerem uma selecção crítica
através da qual iam escolhendo as ideias que consideravam mais adequadas para a
resolução dos problemas e que, paulatinamente, iam sendo incorporadas no património
intelectual dos alunos. Desta forma, a mudança conceptual resultou de uma construção
individual, mas muito também de um processo interactivo a nível de grupo/grupos.
Um dos objectivos deste estudo foi o de propiciar as condições para os alunos
construírem a fundamentação científica da sua educação sexual, o que permitiu, dado o
interesse natural dos alunos por este assunto, que a mudança conceptual realizada
corresponda não só a um processo meramente cognitivo mas também a um processo
afectivo.
Na turma de controle, onde foi seguida a estratégia tradicional de ensino/aprendizagem,
os alunos aprenderam com sucesso a matéria exigida pelo programa oficial, mas não
adquiriram os conhecimentos que lhes permitissem tratar o tema de um ponto de vista
sistémico e não ficaram com a menor ideia do conceito de sistema de regulação conceito
axial para a compreensão do funcionamento do organismo humano. Nesta turma
constatou-se mudança conceptual apenas para três subconceitos, mas em percentagens
significativamente inferiores às que se verificaram na turma experimental.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 95
Conclusões sobre as causas das dificuldades dos estudantes na
compreensão dos conceitos de sistema e de sistema de regulação
Dificuldades dos estudantes relativas à compreensão do conceito de sistema
Do meu ponto de vista, estas dificuldades dos alunos devem-se fundamentalmente a três
causas que ocorrem, na generalidade, nas nossas escolas: tratamento dos temas
programáticos de um ponto de vista analítico; apresentação dos sistemas biológicos
como pertencendo quase unicamente à categoria de matéria e ao fenómeno que Viennot
(1988) designou por redução funcional.
a) Tratamento dos temas programáticos de um ponto de vista analítico: é comum, no
ensino da Biologia, os professores tratarem os temas curriculares numa perspectiva
analítica; nesta metodologia são realçadas, fundamentalmente, a precisão dos
detalhes e, quando possível, a validação dos factos por meio de provas
experimentais. Como resultado deste ensino excessivamente factual, os estudantes
não se apercebem, na generalidade dos casos, da interacção entre os fenómenos e das
consequências destas interacções.
b) A apresentação dos sistemas biológicos como pertencendo quase exclusivamente à
categoria de matéria: este procedimento conduz à marginalização dos aspectos que
permitem também incorporar os sistemas na categoria de processo. De realçar, mais
uma vez, que esta metodologia de ensino pode ser geradora de concepções
alternativas.
A perspectiva em que me situei — análise sistémica — integra simultaneamente uma
metodologia analítica e sintética. Não basta, para compreender como funciona o
organismo humano, saber a localização precisa de todos os orgãos e células no corpo,
uma vez que este ponto de vista reducionista esquece que o aspecto mais importante é o
organismo como um todo.
As interacções entre os orgãos e os vários sistemas do organismo humano não são
porém relações simples de causa e efeito mas complexas redes de interdependências de
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 96
que resulta a manutenção da saúde do organismo. É da necessidade de conceptualizar
esta multiplicidade de interacções que resulta, na minha opinião, outra fonte de
dificuldades para os estudantes alcançarem uma compreensão significativa do conceito
de sistema, fenómeno que Viennot designou por redução funcional.
c) Redução funcional: em determinadas situações os alunos têm dificuldade de se
aperceber de todas as variáveis presentes, e como consequência, não consideram
todas as combinações possíveis entre essas variáveis. Este tipo de raciocínio, que é
uma das características do pensamento intuitivo, conduz a uma compreensão parcial
da situação. Desta forma, é ignorado o conceito de globalidade que, é um dos
conceitos fundamentais para uma efectiva compreensão da forma como funcionam
os sistemas biológicos.
Dificuldades dos estudantes relativas à compreensão do conceito de sistema de
regulação
Entre estes obstáculos, e de acordo com os resultados da minha investigação,
salientamos os seguintes: o desconhecimento do papel que o meio interno desempenha
no funcionamento do organismo humano; a forma como os estudantes estabelecem a
relação entre causa e efeito; a ideia generalizada de que no organismo existe um "centro
de comando"; a dificuldade de pensarem em termos globais e a confusão resultante da
polissemia dos termos técnicos, convencionados pela comunidade científica, a partir dos
quais os estudantes têm de construir o conceito de sistema de regulação.
a) O conceito de meio — a primeira ideia que os estudantes evidenciaram quanto à
relação do meio exterior com o organismo humano é a de que o seu funcionamento
é rigorosamente dependente daquele. Os estudantes não reconheciam a existência de
um meio interno como agente de ligação e coordenação entre as diversas partes do
organismo. Esta dificuldade encontra-se patente quando, relativamente aos conceitos
de erro e de variável controlada, consideravam a intervenção directa de factores
externos. Obviamente esta postura dos alunos constituirá também obstáculo à
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 97
construção dos conceitos de perturbação e referência, uma vez que estes são
indissociáveis dos conceitos de variável controlada e do de erro. Em estreita ligação
com os conceitos que acabo de referir está o conceito de regulação, cuja construção
também será dificultada perante o desconhecimento de um meio interno que protege
os elementos celulares contra as mudanças do meio exterior.
b) A forma como os estudantes estabelecem a relação cau-sa/efeito — Os alunos têm
tendência a recorrer a um esquema causal muito simples segundo o qual a relação
entre a causa e o efeito é linear e num só sentido. Esta forma de compreender a
causalidade representa um sério obstáculo à construção dos conceitos de
retroalimentação positiva e retroalimentação negativa que implicam a ocorrência de
uma relação recíproca, segundo a qual o efeito vai actuar sobre a causa que o
determinou. Consequentemente, uma vez que os mecanismos de retroalimentação
são básicos para que os sistemas vivos mantenham as suas variáveis dentro dos
limites aceitáveis para o seu bom funcionamento, a construção do conceito de
regulação está estreitamente dependente da compreensão significativa destes
conceitos.
c) A ideia que no organismo humano existe um centro de comando que
simultaneamente detecta ou fiscaliza os detectores e dirige os efectores — esta
forma de pensar foi claramente patenteada nos padrões de resposta relativos aos
conceitos de sensor e controlador, padrões esses que evidenciaram na sua orientação
que os estudantes situavam os mecanismos reguladores ao nível do sistema nervoso.
Este procedimento mostrou que os alunos não associavam, ainda, os mecanismos
nervosos com as hormonas, o que não lhes permitia compreender as estratégias
reguladoras.
d) A dificuldade de pensar em termos globais — esta dificuldade é uma consequência
do fenómeno da redução funcional.
e) O vocabulário que é utilizado na construção do conceito de sistema de regulação.
Esta dificuldade deve-se, por um lado, à polissemia dos termos utilizados e, por
outro, ao facto dessses termos terem diversos significados consoante o contexto em
que são utilizados.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 98
Aos obstáculos específicos que acabo de referir juntam-se, obviamente, as causas gerais
das dificuldades manifestadas pelos alunos na construção do conceito de sistema
designadamente as que resultam de uma perspectiva marcadamente analítica dos
estudantes sobre os temas programáticos e, as que dizem respeito à categoria ontológica
que é atribuída, inicialmente, pelos alunos aos conceitos científicos envolvidos na
construção do conceito de sistema de regulação.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 99
3. Experiências recentes realizadas por outros autores
São muitos os trabalhos de investigação, sobre pensamento sistémico, que têm surgido em
diversos países nos últimos anos. Todas estas pesquisas, se bem que com objectivos
diferentes, sustentam que subjacente ao pensamento sistémico está o pré-requisito básico da
identificação de variáveis e das suas inter-relações; sustentam também que o pensamento
sistémico é uma capacidade intelectual de nível elevado.
Nas páginas seguintes irei analisar, sucintamente, dez investigações recentes em que autores
de diversos países estudaram as competências em pensamento sistémico de estudantes dos
vários níveis do ensino secundário. A esses estudos foram dados os seguintes títulos:
Development of System Thinking Skills in the Context of Earth System Education Orit Ben-
Zvi Assaraf, Nir Orion (2005)
System Thinking Skills at the Elementary School Level Orit Ben-Zvi Assaraf, Nir Orion
(2009)
Characterizing three levels of systems thinking amongst 10th grade students while studying
human biology Ben-Zvi Assaraf, O. Tripo,J. & Yarden, A. (2009)
Four Case Studies,Six Years Later: Developing System Thinking Skills in Junior High
School and Sustaining Them over Time Orit Ben-Zvi Assaraf, Nir Orion (2010)
High School Students’ Understanding of the Human Body System Orit Ben-Zvi Assaraf, Jeff
Dodick & Jaklin Tripto(2011)
The characterization of systems thinking skills in the context of earth systems among high
school earth science students- Tamar Basis (2010)
Identifying Variables and Constructing Relations: Effects of Multiple Images and Testes
Stimuli Billie Eilam, Yael Poyas (2008)
System Thinking as a metacognitive tool for students, teachers and curriculum developers
Kerst Th. Boersma & Arend Jan Waarlo (2009)
System competence- Are elementary students able to deal with a biological system? Cornelia
Sommer, Markus Lucken (2010)
Promoting systems thinking through biology lessons Werner Reiss, Christoph Mischo
(2010)
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 100
Começo por referir os trabalhos de Ben-Zvi Asaraf e Nir Orion (primeira década de 2000)
do Weizmann Institute de Israel.Estes estudos incidiram sobre estudantes dos diversos graus
de ensino e o seu objectivo foi o de veicular uma nova perspectiva sobre o ensino das
Ciências da Terra e da Vida. A ideia central é por um lado levar os estudantes à compreensão
de que vivemos num mundo cíclico que é constituído por uma série de subsistemas que
interagem entre si através de trocas de matéria e de energia e por outro lado à sua
consciencialização de que os seres humanos fazem parte da natureza e desta forma devem
actuar em harmonia com as leis cíclicas naturais. Nesta nova perspectiva o ensino das
ciências da terra e da vida constitui-se como um veículo por excelência da educação
ambiental dos alunos preparando-os para viverem uma cidadania responsável. Esta
abordagem holística das ciências da terra fomenta nos estudantes uma forma inteligente de
pensar que é essencial para o desenvolvimento do seu pensamento sistémico. Os autores
concluíram que, no contexto das Ciências da Terra e da Vida o desenvolvimento do
pensamento sistémico se processa em vários estádios, organizados numa estrutura
hierárquica piramidal. Para a consecução dos objectivos referidos, os autores conjugaram
várias metodologias de ensino tais como, pesquisa laboratorial, actividades fora da escola e
programas de computador.
Development of System Thinking Skills in the Context of Earth System Education Orit Ben-
Zvi Assaraf e Nir Orion (2005)
O objectivo desta pesquisa foi avaliar o desenvolvimento das capacidades em pensamento
sistémico, no contexto do sistema terra, de estudantes da júnior high school (8º grau).
A recolha de dados foi baseada num conjunto de instrumentos de pesquisa: questionários,
análises de desenhos dos estudantes, associação de palavras, mapas de conceitos, entrevistas,
grelhas de repertório e entrevistas.
Dada a complexidade das características do pensamento sistémico, um dos principais
desafios deste estudo foi o de avaliar as limitações e as qualidades de cada instrumento de
pesquisa com o objectivo de definir as capacidades específicas do pensamento sistémico que
cada um deles podia identificar. Por outro lado, uma vez que a maior parte dos instrumentos
de pesquisa foram elaborados especialmente para este estudo, um esforço acrescido foi
investido para estabelecer a sua validade. Para conseguir este desiderato foi feito um ano
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 101
antes do estudo principal um estudo piloto que incidiu sobre 20 alunos do 8º grau de uma
das duas escolas seleccionadas para a investigação. Neste estudo piloto cada um dos
instrumentos de pesquisa foi redefinido e reavaliado no sentido de aferir, com rigor, a
capacidade específica de pensamento sistémico que, efectivamente esse instrumento podia
identificar.
No estudo principal a amostra incluiu cerca de 50 estudantes de duas classes diferentes da
escola urbana de Israel (escola onde foi efectuado o estudo piloto) com alunos que
estudavam um programa baseado no sistema terra e focalizado sobre o ciclo da água.
As perguntas a que o estudo procurou responder foram as seguintes:
1. Os estudantes da júnior high school são capazes de abordar sistemas complexos?
2. O que é que influencia a capacidade dos estudantes para desenvolverem compreensão de
sistema?
3. Que tipo de relações existem entre os componentes cognitivos do pensamento sistémico?
A pesquisa combinou métodos qualitativos e quantitativos, com o objectivo de recolher
dados relativos à compreensão dos estudantes, antes, durante, e depois do processo de
aprendizagem.
Os resultados da pesquisa indicaram que o desenvolvimento do pensamento sistémico, no
contexto do sistema terra, se processou em vários estádios sequenciais organizados numa
estrutura hierárquica; o que significa que as capacidades cognitivas desenvolvidas em cada
estádio serviram de base ao desenvolvimento das seguintes. Este estudo mostrou também
que apesar das capacidades reduzidas de pensamento sistémico dos estudantes a maior parte
deles fez progressos significativos e a terça parte alcançou o nível de pensamento sistémico
mais elevado no contexto do ciclo hidrológico. Os dois principais factores responsáveis pelo
progresso diferencial dos estudantes, segundo os autores, situam-se nas capacidades
cognitivas individuais dos estudantes e no nível de envolvimento dos estudantes nas
actividades de integração do conhecimento durante a sua aprendizagem que foi baseada em
inquérito. Esta aprendizagem foi levada a cabo dentro e fora da sala de aula.
Com base nas conclusões deste estudo os investigadores sugerem que as recomendações que
a seguir se referem podem contribuir para impulsionar as capacidades dos estudantes
conducentes ao desenvolvimento do pensamento sistémico:
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 102
Introdução dos primeiros “degraus” da aprendizagem do pensamento sistémico na
escola básica; desenvolver, por exemplo, capacidades para identificar os
componentes de um sistema e as relações entre esses componentes. Efectivamente,
se os estudantes entram na júnior high school com as capacidades dos níveis mais
baixos da pirâmide do pensamento sistémico, maior número de estudantes pode ser
capaz de alcançar níveis mais elevados de pensamento sistémico durante a júnior
high school).
Focalização sobre a aprendizagem baseada em inquérito.
Utilização de ambiente de aprendizagem fora da sala de aula para a construção do
modelo concreto de um sistema natural.
Utilização de actividades de integração ao longo de todas as fases do processo de
aprendizagem.
System Thinking Skills at the Elementary School Level Orit Bem-Zvi Assaraf, Nir Orion
(2009)
Os autores abordaram o desenvolvimento das capacidades de pensamento sistémico em
estudantes da escolaridade básica.
O estudo procurou averiguar se ou não, e em que profundidade, os estudantes do ensino
básico conseguem abordar sistemas complexos.
O estudo incidiu sobre 40 estudantes do 4º grau de duas classes de uma escola situada numa
pequena cidade de Israel (20 alunos de cada classe). Os estudantes, através de uma
metodologia de inquérito, estudaram um tema curricular que aborda o ciclo da água. O
programa de pesquisa incluiu simulações e experiências em laboratório, interacções directas
com componentes e processos do ciclo da água num ambiente de aprendizagem fora da sala
de aula; e actividades de integração de conhecimentos.
Para examinar o desenvolvimento do pensamento sistémico dos estudantes e determinar os
factores que influenciam a aprendizagem foram utilizados oito instrumentos de pesquisa:
desenhos dos estudantes; associação de palavras; grelhas de repertório; entrevistas; leitura e
interpretação de textos; observações no sentido de avaliar o envolvimento dos estudantes nas
actividades preconizadas pela estratégia de ensino; CTQ (questionary thinking cyclic) para
identificar a compreensão dos estudantes da natureza cíclica da hidrosfera e Hidden
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 103
Dimension Inventory para explorar a percepção dos estudantes das dimensões escondidas do
sistema hidrosfera.
Estes instrumentos de pesquisa foram simplificados para os adaptar à idade dos alunos.
Foram utilizados métodos qualitativos e quantitativos. Os métodos qualitativos para explorar
performaces de aprendizagem no seu contexto natural e para compreender melhor as
capacidades cognitivas individuais dos estudantes. Os métodos quantitativos para testar
correlação e causalidade entre variáveis.
Os autores concluíram que apesar das mínimas capacidades iniciais em pensamento
sistémico a maior parte deles fez progressos significativos relativamente à sua capacidade
para analisar o sistema hidrológico da terra nos seus componentes e processos. Como
resultado, eles reconheceram inter-relações entre os componentes deste sistema. Alguns
estudantes atingiram capacidades mais elevadas em pensamento sistémico tais como a
identificação de inter-relações entre vários sistemas da terra e identificaram partes não
explícitas do sistema hidrológico. O contacto directo com fenómenos reais e processos em
cenários de pequena escala capacitou estes estudantes para concretizarem um ciclo local da
água, que pode mais tarde ser expandido em ciclos globais abstractos em larga escala A
combinação de aprendizagem baseada em inquérito fora da escola com actividades baseadas
em inquérito em laboratório e a obrigação de integrar conhecimentos contribuíram para que
os jovens estudantes desenvolvessem capacidades básicas de pensamento sistémico. Isto
sugere que embora o pensamento sistémico seja considerado uma competência de grau
elevado, ele pode ser desenvolvido em certa medida na escola elementar. Com um currículo
adequado a longo prazo, estas capacidades podem funcionar como base para o
desenvolvimento de estádios mais elevados de pensamento sistémico nos níveis médio e
superior da escolaridade.
Characterizing three levels of systems thinking amongst 10th grade students while studying
human biology Ben-Zvi Assaraf, O. Tripo,J & Yarden, A(2009)
O objectivo deste estudo foi o de avaliar o grau de compreensão dos estudantes,
relativamente ao corpo humano quando perspectivado como um sistema. O estudo envolveu
120 estudantes do 10º nível que frequentavam três escolas diferentes (high-schools). Estes
estudantes já tinham completado a primeira fase de estudo dos sistemas do corpo humano.
Os resultados sugeriram que os estudantes têm dificuldade em progredir para além de uma
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 104
compreensão básica dos componentes e processos daqueles sistemas, e falham,
expressivamente, no reconhecimento das suas inter-relações. Acresce o facto das inter-
relações que eles expressam permanecerem fortemente no nível macroscópico e raramente
reconhecerem relações com elementos microscópicos. Mais tarde esta dificuldade é
particularmente penalizadora dado que as relações entre micro e macro são fundamentais
para a compreensão de conceitos fundamentais. A título de exemplo evoco a importância da
compreensão substantiva do conceito de homeostase. Neste estudo verificou-se também que,
dos três patterns que caracterizam o organismo humano como um sistema (hierarquia,
homeostase e equilíbrio dinâmico), os estudantes reconheciam quase exclusivamente a
hierarquia. Este facto indica que a compreensão dos estudantes do corpo humano como um
sistema é limitada. Os autores sustentam que estas limitações podem ser devidas, em parte, a
uma aprendizagem que não prepara os estudantes para o desenvolvimento das capacidades
que permitem a compreensão e utilização do conceito de pensamento sistémico.
Os instrumentos de pesquisa enfatizados nesta investigação foram: grelhas de repertório e
associação de palavras.
Four Case Studies, Six Years Later: Developing System Thinking Skills in Junior High
School and Sustaining Them Over Time Orit Ben-Zvi Assaraf e Nir Orion (2010)
Este estudo foi o primeiro (segundo os autores) que tentou estudar, a nível individual, o
desenvolvimento das capacidades em pensamento sistémico. Os investigadores examinaram
o processo pelo qual o conceito de pensamento sistémico se desenvolve no contexto de um
programa sobre o ciclo da água. O plano de investigação incidiu sobre 4 alunos (duas
raparigas e dois rapazes) que pertenciam à junior high school.
O estudo consistiu em quatro fases e foram aplicados dois testes; o primeiro (pré-teste) antes
da concretização do processo de aprendizagem foi destinado a averiguar as capacidades
iniciais, dos estudantes, em pensamento sistémico; e outro no fim do processo (pós-teste).
Durante este ano todos os estudantes que constituíram a amostra estudaram o mesmo
currículo na mesma escola e com os mesmos professores e não foi ensinada qualquer outra
matéria curricular cuja aprendizagem fosse baseada na compreensão do conceito de
pensamento sistémico. A quarta fase foi desenvolvida, seis anos mais tarde depois dos
estudantes terem completado a junior high school mas antes de entrarem na universidade. O
objectivo desta quarta fase era o de avaliar a manutenção, ao longo do tempo, das
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 105
competências dos estudantes em pensamento sistémico. Assim, foi rigorosamente
assegurado que os alunos seleccionados não desenvolveriam qualquer aprendizagem
baseada em sistemas durante aquele período de tempo.
Os autores verificaram que os quatro estudantes seleccionados desenvolveram estratégias de
aprendizagem diferentes na construção do seu modelo mental de sistema. Por exemplo, a
estudante Eli utilizou uma estratégia de aprendizagem metacognitiva, em que combinou
métodos de estudo indutivos e dedutivos e alcançou os níveis mais elevados de pensamento
sistémico no modelo STH de Ben-Zvi Assaraf . Entretanto, Tal, a outra rapariga da amostra,
que construiu o seu modelo utilizando um método de estudo indutivo atingiu só
parcialmente as capacidades que caracterizam os níveis mais elevados daquele modelo. Por
seu lado Ofer um dos rapazes da amostra que utilizava uma estratégia de aprendizagem
esmagadoramente dedutiva alcançou níveis elevados do modelo STH. Por fim Jerry que
utilizava um método de estudo dedutivo mas que ao contrário de Ofer é limitado no
encadeamento dos processos do ciclo da água não alcançou níveis elevados do modelo STH.
O presente estudo indica portanto que o que caracteriza a aprendizagem dos estudantes
durante o seu processo de aprendizagem formal permanece inalterado seis anos depois; isto
é a forma como os estudantes vão manipulando e consumindo nova informação não se
modificou ao fim de seis anos.
A conclusão principal, desta investigação, é que os estudantes desenvolvem os seus modelos
mentais de sistema e recordam a matéria aprendida baseados em padrões de aprendizagem
que tendem a permanecer imutáveis ao longo do tempo. Consequentemente, no sentido de
facilitar uma eficiente e durável construção dos modelos de sistema pelos estudantes, as
experiências de aprendizagem devem aproveitar o presente estudo, e especialmente o padrão
de aprendizagem metacognitiva, que assume especial significado para a compreensão dos
sistemas.
High School Students’ Understanding of the Human Body System Orit Ben-Zvi Assaraf, Jeff
Dodick & Jaklin Tripto(2011)
Este estudo incidiu sobre 120 estudantes do tenth-grade (16/17anos) que frequentavam oito
escolas de Israel. O objectivo foi o de avaliar o grau de compreensão dos estudantes do
corpo humano quando perspectivado como um sistema.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 106
Estes estudantes já tinham frequentado a primeira fase do seu currículo de biologia: onde
tinham estudado o corpo humano, com especial destaque para o conceito de homeostase.
Numa primeira fase do estudo foi determinada a competência dos estudantes para
compreenderem o corpo humano como um sistema mais do que como um conjunto de partes
compartimentalizadas. O pensamento sistémico dos estudantes foi analisado com base no
modelo STH que, como já afirmei na primeira parte do livro, considera as competências em
pensamento sistémico organizadas em três níveis dispostos numa espécie de “pirâmide”
segundo um grau crescente de complexidade. Estas capacidades são: 1.Análise dos
componentes do sistema ou seja a capacidade para identificar os constituintes e os processos
existentes no sistema; 2.Capacidade para identificar relações dentro do sistema; 3.
Implementação: capacidade para generalizar e identificar padrões no sistema, e ainda para
identificar as suas dimensões escondidas.
As perguntas para pesquisa foram as seguintes:
Que competências, relativas ao sistema corpo humano, têm os estudantes para identificarem:
1) os componentes e os processos que existem no sistema corpo humano?
2) as relações dinâmicas dento do sistema?
3) os padrões do sistema, as suas relações escondidas bem como a sua evolução temporal?
Os instrumentos de pesquisa utilizados foram: Associação de Palavras; Grelha de Repertório
e Mapas de conceitos.
Através de Associação de Palavras 84,64% dos estudantes identificou estruturas (núcleo
celular, nervos, ossos etc.) em detrimento de processos. Os processos que mencionaram
eram numa elevada percentagem (80,87%) relativos ao nível de organismo.
Na aplicação da Grelha de Repertório: verificaram-se os seguintes resultados pela análise
dos construtos dos estudantes: para identificação de componentes e processos do sistema –
64,8%; identificação de inter-acções16% e criação de uma rede de interacções - 13,7%.
A análise dos mapas de conceitos suporta a ideia de que os estudantes concentram,
fortemente, a sua atenção nos conceitos relativos aos componentes do macro/nível do
sistema como por exemplo : pulmões, coração e uma fraca atenção nos conceitos relativos
ao micro/nível como por exemplo célula e alvéolo
Os resultados da aplicação da grelha de repertório mostram que ao nível da “interacção
simples (que se refere ao efeito de um factor sobre outro) 65,7% dos estudantes têm uma
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 107
ideia correcta; para o construto “dinamismo” que se refere à capacidade para identificar
interacções dinâmicas no sistema foi só mencionado por 21,7% dos estudantes.
Relativamente à interacção entre causa/efeito somente 12,6% dos estudantes lhe fizeram
referência.
Os resultados da aplicação da Grelha de Reportório mostraram que o construto hierarquia foi
mencionado por 90,7% dos estudantes. Em contraste o construto homeostase foi só
mencionado por 8,7% dos estudantes. A dimensão temporal do sistema foi raramente
mencionada (0,7% dos estudantes).
A análise dos mapas de conceitos dos estudantes está em consonância com a análise da
Grelha de Reportório. Efectivamente, os estudantes só assinalaram o conceito de hierarquia
Os estudantes demonstraram em elevado grau a sua incapacidade para conseguirem
desenvolver pensamento sistémico para além do primeiro nível do modelo STH de Bem-
Zvi-Assaraf (identificação dos componentes do sistema). Efectivamente, uma esmagadora
maioria das suas respostas correspondem ao primeiro nível do modelo STH; além disso
demonstraram uma forte opção pelas estruturas em detrimento dos processos assim como
pelos elementos macroscópicos relativamente aos elementos microscópicos.
The characterization of systems thinking skills in the context of earth systems among high
school earth science students - Tamar Basis sob a orientação de Nir Orion
O presente estudo abordou a caracterização do pensamento sistémico no contexto do sistema
terra, entre os estudantes mais velhos da high school. A base teórica deste estudo foi o
modelo hierárquico desenvolvido por Ben-Zvi Assaraf e Nir Orion
A pesquisa combinou métodos qualitativos e quantitativos e a recolha de dados incluiu
questionários pré/pós ensino de capacidades de pensamento sistémico e artefactos feitos
pelos estudantes.
Os pontos de vista dos professores funcionaram como uma segunda fonte de dados.
A população abrangeu 74 estudantes da high school de uma única e prestigiada escola; a
amostra foi dividida em três grupos durante os anos académicos “05-“07.
Os resultados revelaram que a maior parte dos estudantes começou com fracas capacidades
de pensamento sistémico indiciando que, antes do presente estudo, foi dada fraca ênfase ao
ensino destas capacidades. A seguir ao ensino de um programa curricular de Ciências da
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 108
Terra, estas capacidades desenvolveram-se, significativamente, em muitos mas não em todos
os estudantes. Os autores pensam que este bom resultado se ficou devendo aos seguintes
factores:
à capacidade cognitiva inicial dos estudantes;
ao facto do currículo incluir experiências de aprendizagem fora da escola;
às actividades de integração de conhecimentos;
à mediação e orientação dos professores e também ao suporte emocional que estes
deram aos estudantes;
ao nível de envolvimento dos estudantes;
á compreensão dos estudantes do processo de aprendizagem.
Os autores concluíram também que os estudantes desenvolveram capacidades de
pensamento sistémico, somente, quando os factores acima enunciados actuaram em sinergia.
Este estudo apoia o modelo hierárquico de Ben-Zvi- Assaraf e Nir Orion para as
capacidades de pensamento sistémico e foi, particularmente, bem sucedido por aumentar as
capacidades destes estudantes de Ciências da Terra para identificarem “dimensões
escondidas do sistema”.
Identifying Variables and Constructing Relations: Effects of Multiple Images and Testes
Stimuli - Billie Eilam e Yael Poyas (2008) da universidade de Haifa.
Os autores postularam a seguinte pergunta de investigação:
A aprendizagem com multimédia, suportada por uma dada informação textual e visual,
melhora a capacidade dos estudantes para identificarem variáveis e inferirem relações entre
elas?
O trabalho de Billie Eilam e Yael Poyas baseou-se nos princípios de aprendizagem com
multimédia e examinou o efeito da aprendizagem com multimédia com dois display um MR
de texto e imagem (representação múltipla) e outro SR só com texto (representação
simples).
O estudo incidiu sobre 150 estudantes universitários (118raparigase 32 rapazes) de idades
compreendidas entre os 18 e os 30 anos que estavam matriculados em dois cursos na
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 109
Faculdade de Educação. O estudo testou a capacidade dos estudantes: para identificarem
componentes do sistema (ex:variáveis); detectarem relações conhecidas e desconhecidas
entre as variáveis e construírem novas relações entre elas com base num display de
representação múltipla (MR) ou, num display de representação simples (SR). O objectivo
era investigar se a aprendizagem com MR (grupo experimental) aumenta a capacidade para
detectar melhor relações do que a aprendizagem só com SR (grupo de controlo).
A previsão dos autores foi de que o grupo de estudantes MR quando comparados com os do
grupo SR atingiria um nível mais elevado:
Na performance global;
No número de fontes de informação utilizadas.
E em três aspectos das relações que viessem a estabelecer:
Exactidão;
Nível de descrição;
Inovação;
Número de variáveis usadas na detecção de relações.
Os resultados mostraram-se de acordo com o que era esperado pelos investigadores.
Efectivamente, o grupo MR deduziu melhor relações entre variáveis que o grupo de controlo
e alcançou uma maior performance em todos os aspectos referidos nas previsões. Os autores
afirmam de acordo com Mayer que este sucesso pode resultar dos princípios de
aprendizagem com multimédia e neste estudo, mais especificamente, do efeito de factores
tais como de uma maior evidência das variáveis apresentadas num formato pictórico assim
como das características inerentes ao tipo de representação.
Efectivamente, os dois factores referidos aumentam a capacidade dos estudantes para
detectarem os componentes do sistema e as suas inter-relações.
Estes resultados, afirmam os autores, também podem ter na sua origem no facto de terem
sido utilizados um maior número de fichas bem como um maior número de variáveis para
serem detectadas e relacionadas.
Os autores estão convictos de que a incapacidade para identificar os componentes sistémicos
e as suas inter-relações impedirá os indivíduos de compreenderem o que acontece no
sistema; consideram também que a compreensão restrita de, unicamente, relações
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 110
específicas pode impedir a compreensão do funcionamento do sistema assim como a
dedução de padrões de funcionamento e a detecção de novas relações do sistema.
Chamam também a atenção para a importância da dedução de relações entre variáveis e
assinalam o facto de um sistema ser uma colecção de elementos que formam uma entidade
funcional em contínua interacção.
Apontam também para o facto do pensamento sistémico ser uma capacidade de nível
elevado que incorpora o reconhecimento de padrões de comportamento do sistema ou a
previsão de comportamentos em condições particulares. Consideram ainda que subjacente
ao pensamento sistémico está o pré-requisito básico da identificação de variáveis e das suas
inter-relações.
Recordam ainda que a necessidade de desenvolver pensamento sistémico emergiu nos mais
diversos domínios. Citam a este propósito os trabalhos de: Beach, 1998; Eilam, 2008; Eilam
e Poyas, 2006; Hmelo, Holton, & Kolodner, 2000; Kali, Orion, & Elon, 2003; Senge, 1990.
Todos estes trabalhos evidenciaram que o reconhecimento e a compreensão das relações
entre variáveis são operações cognitivas essenciais para alcançar uma compreensão
sistémica adequada.
System Thinking as a metacognitive tool for students, teachers and curriculum developers
Kerst Th. Boersma & Arend Jan Waarlo (2009) da universidade de Utrecht
Esta investigação reveste-se de especial interesse pela relação que estabelece entre
pensamento sistémico e metacognição.
Os autores começam por sublinhar que na teoria dos sistemas os conjuntos naturais, como
por exemplo os organismos vivos, são complexos e compósitos e formados por muitas partes
que interagem entre si; por sua vez cada uma destas partes podem elas próprias ser conjuntos
menores como acontece com as células.
Estes investigadores assinalam que há mais de dez anos o pensamento sistémico, como uma
competência a desenvolver foi incluído, na Suiça, nos últimos anos do ensino secundário.
Todavia, os autores de livros escolares, limitam-no ao conceito de homeostase.
Consequentemente, somente, poucos professores de biologia incluem pensamento sistémico
na prática de ensino.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 111
Os autores, desta investigação, focam o seu programa de pesquisa no enorme potencial do
pensamento sistémico. A sua suposição básica é que o pensamento sistémico pode ser
considerado como um instrumento metacognitivo (Schaefer, 1989) que capacita os
estudantes, os professores e os autores dos curricula para estruturarem conhecimentos
biológicos disponíveis e gerarem novos conhecimentos biológicos. Para testarem esta
suposição, no campo da biologia, basearam-se em dois estudos desenvolvidos no âmbito de
duas teses de doutoramento sobre os quais reflectiram.
Nos dois estudos ambas as estratégias foram desenvolvidas por meio de developmental
research que se concretizou em duas fases: uma primeira designada exploratória e uma
segunda fase chamada pesquisa cíclica. Assim, na fase exploratória foi construída uma
estratégia preliminar de ensino e aprendizagem LT que foi testada na fase de pesquisa
cíclica. No decurso da implementação destas estratégias preliminares foi apresentado aos
estudantes um conjunto de problemas e uma sequência de actividades de aprendizagem. Para
cada estratégia LT foram construídos materiais apropriados. Os dados recolhidos
(observações, protocolos e fichas de trabalho) foram posteriormente analisados permitindo
uma reavaliação e correcção das estratégias. Numa consulta interactiva com um número
limitado de professores experientes em Biologia, foram operacionalizadas, com esta
estratégias, soluções práticas e criativas para alguns problemas.
A pergunta central da investigação foi a seguinte: o que faz com que você se pareça com os
seus pais, sem ser igual a eles?
No primeiro estudo que incidiu sobre alunos dos últimos anos do ensino secundário o tema
curricular escolhido pertence à área da genética. O objectivo deste estudo foi que os
estudantes adquirissem uma compreensão coerente e significativa dos fenómenos da
hereditariedade e da natureza complexa dos genes. A estratégia incluiu três níveis de
organização biológica: nível organismo, nível celular e nível molecular e os estudantes, de
acordo com os ciclos de problemas que lhes foram propostos, sentiram a necessidade de
subir ou descer na hierarquia dos níveis de organização. Assim, uma compreensão adequada
requer backward-and-forward thinking entre o niveis molecular, celular e organismo assim
como uma interligação entre estruturas e processos entre os vários níveis de organização. Na
fase final de cada ciclo de problemas que foram propostos o estudante não só tinham de
voltar à última questão, mas também à questão prévia num nível mais alto de organização.
Esta forma de operacionalizar a aprendizagem é também conhecida por yo-yo learning
(análoga ao brinquedo yo-yo). Esta estratégia conduziu aos resultados de aprendizagem
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 112
esperados e evitou muitas das dificuldades, dos estudantes reportadas na literatura; ao
mesmo tempo dotou os estudantes com uma estrutura promissora para a integração de outros
tópicos de biologia pertencentes a vários níveis de organização biológica; revelou-se
também como uma atractiva ferramenta metacognitiva para professores e autores dos
curricula.
O segundo estudo mostrou que é possível motivar os estudantes para o pensamento
sistémico integrando-o e explicando-o numa estratégia; esta estratégia incidiu sobre um tema
de biologia celular. O objectivo da estratégia de ensino e aprendizagem era a compreensão
da célula como unidade estrutural e funcional do organismo, e o exercício da capacidade de
pensamento sistémico como um instrumento metacognitivo.
Assim, na estratégia LT o pensamento sistémico foi definido através dos conceitos “sistema
aberto” e “nível de organização biológica” e introduzido como uma ferramenta cognitiva
para os estudantes. Em consequência os estudantes atingiram uma compreensão coerente da
célula como uma unidade estrutural e funcional do organismo. No entanto, a competência
para utilizarem pensamento sistémico como instrumento metacognitivo foi só parcialmente
atingida.
Entretanto a comparação entre a célula como unidade funcional do organismo pluricelular e
um organismo unicelular motivou os estudantes para construírem um primeiro modelo de
sistema.
Os dois estudos configuram estratégias de ensino e aprendizagem em que os alunos são
incentivados a interrogarem-se e a reflectirem o que os levou necessariamente a serem
metacognitivos.
System competence- Are elementary students able to deal with a biological system? Cornelia
Sommer e Markus Lucken (2010) do Leibniz Istitute for Science and mathematics
Education
O objectivo do estudo foi o de avaliar a competência sistémica dos estudantes da escola
elementar.
A amostra era constituída por 345 estudantes (159 raparigas e 186 rapazes) de escolas
elementares do terceiro e quarto grau que frequentavam 22 escolas. As escolas estão
localizadas em regiões rurais e urbanas do Norte da Alemanha. As idades dos estudantes
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 113
oscilavam entre os 8 e 12 anos. Na Alemanha todas as crianças frequentam as mesmas
escolas elementares, por isso as crianças são oriundas de vários níveis socioeconómicos.
Os materiais didácticos, concebidos por Carolina Sommer em 2006, consistiram numa
unidade de ensino acerca do sistema cegonha branca e de um jogo de computador que dava
suporte a esta unidade. As temáticas abordadas incidiram nas relações bióticas e abióticas da
cegonha branca, nos seus diferentes ambientes, nos riscos da cegonha branca e no seu
comportamento migratório em comparação com outras aves migratórias. O jogo de
computador expandia a informação da unidade de ensino através de uma história interactiva.
A unidade de ensino foi concebida para 10 lições. Para uniformizar o ensino foram
distribuídos materiais e informações para os professores e alunos que foram objecto do
estudo.
Partindo da teoria dos sistemas, foi desenvolvido um plano em que foram enunciadas as
capacidades que o estudante deve possuir para construir um modelo de um sistema e
também para abordar as propriedades desse sistema. Mais concretamente, procurou-se
averiguar se os estudantes eram capazes de criar um modelo de um sistema biológico
(sistema cegonha) e reconhecer as propriedades específicas deste sistema.
Considerando, que um plano para avaliar a competência sistémica é composto de duas
partes: uma primeira parte onde estão incluídas as capacidades relacionadas com a
organização do sistema (modelação) e uma segunda relativa às propriedades do sistema
(integridade/emergência, dinamismo e efeitos), a investigação procurou responder às
seguintes questões:
1. Os estudantes da escola elementar são capazes de construir um modelo de um dado
sistema depois de identificarem os elementos e as relações importantes no sistema?
(modelação)
2. Os estudantes da escola elementar são capazes de reconhecer características específicas
do sistema?
2.1. Identificarem os elementos e os atributos do sistema? (integridade)
2.2. Identificarem relações dinâmicas e predizerem as consequências da mudança?
(dinamismo)
2.3. Avaliarem os efeitos num sistema e identificarem e descreverem as reacções?
(efeitos).
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 114
Os instrumentos de pesquisa: foram desenvolvidos testes em conformidade com o plano
para a avaliação da competência sistémica. Foram também avaliados: os interesses dos
estudantes, alguns dados demográficos e os conhecimentos prévios dos estudantes no que
concerne ao sistema cegonha branca.
Pré-teste (T1)
Consistiu num pequeno teste de escolha múltipla destinado a avaliar os conhecimentos
biológicos prévios dos estudantes acerca de aves em geral e da cegonha branca em especial.
Por outro lado para avaliar as capacidades dos estudantes na organização dos sistemas foram
utilizados mapas de conceitos. De salientar que nas pesquisas sobre cognição os mapas de
conceitos são discutidos como instrumentos para visualizar as estruturas cognitivas ( Iuli &
Helden, 2004; Franco & Colvinvaux, 2000).
Primeiro pós-teste (T2)
Com o objectivo de avaliar, novamente, a capacidade dos estudantes na organização dos
sistemas: os estudantes foram solicitados para desenharem um mapa de conceitos relativo ao
sistema cegonha branca.
Segundo pós-teste (T3)
Foi aplicado em primeiro lugar, para avaliar a capacidades dos estudantes para abordarem as
propriedades do sistema. Para a consecução deste objectivo foram formuladas várias
perguntas para todos os componentes das propriedades do sistema (integridade, dinamismo e
efeitos).
Terceiro pós-teste (T4)
Este teste com o mesmo conteúdo do teste (T2) foi aplicado após três/ quatro semanas.
Como já foi afirmado este estudo examinou a competência sistémica dos estudantes da
escola elementar através das suas respostas a duas questões de pesquisa. A primeira questão
era relativa à capacidade dos estudantes mais jovens para construírem modelos de um dado
sistema e a segunda procurou investigar as capacidades destes estudantes para identificarem
características sistémicas específicas.
Os resultados do estudo sobre a capacidade dos estudantes para construírem modelos de um
sistema mostraram que o conhecimento de que os estudantes dispõem sobre o sistema tem
grande influência sobre a sua capacidade para construir um modelo do sistema.
Efectivamente, verificou-se que as lições sobre o sistema cegonha branca influenciaram
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 115
significativamente esta capacidade. É de salientar o nível elevado de sucesso que os
estudantes da escola elementar tiveram nesta parte da competência sistémica. Os resultados
desta investigação estão em concordância com a conclusão de outros estudos (Ossimitz,
2000; Westra, 2008) em que se afirma que construir ou utilizar modelos é crucial,
respectivamente, para o desenvolvimento do pensamento sistémico ou da competência
sistémica.
As conclusões do estudo relativamente à capacidade dos estudantes para reconhecerem as
características específicas de um sistema incidiram, como já foi referido, sobre três
parâmetros fundamentais: a integridade/emergência, a dinâmica e os efeitos. Quando são
descritas as consequências da perda de partes importantes do sistema como por exemplo a
perda do ninho, os estudantes compreendem o conceito de integridade. O conceito de
emergência é mais difícil para os estudantes dado que mostram dificuldade em compreender
que um sistema quando decomposto em partes isoladas nunca mais pode actuar como um
sistema completo.
Em síntese esta investigação mostrou que houve mudanças qualitativas e quantitativas na
competência sistémica dos estudantes durante o processo de aprendizagem. Estas mudanças
foram influenciadas pelos conhecimentos que os estudantes adquiriram durante as lições. No
entanto, verificou-se que o conhecimento biológico é necessário para a competência
sistémica, mas não assegura o desenvolvimento de uma competência sistémica de nível
elevado. Por outras palavras, o conhecimento acerca do conteúdo biológico é básico mas não
é suficiente. A competência sistémica requer conhecimento de conteúdo assim como as
capacidades para abordar os sistemas. Esta conclusão dever-se-á reflectir sobre o ensino a
ser dado nas escolas. Efectivamente, sem o conhecimento acerca do que acontece num
sistema não é possível ser bem sucedido na compreensão de relações complexas ou no
estabelecimento de ligações entre acontecimentos singulares.
Todavia, também é importante apetrechar os estudantes com mais conhecimento abstracto e
metodológico acerca dos sistemas e da forma como eles funcionam.
Promoting systems through biology lessons Werner Reiss e Christoph Mischo da
Universidade de Frieburg (2010)
Para estes autores o pensamento sistémico é visto como a capacidade para identificar,
descrever e modelizar como sistemas, aspectos complexos da realidade. Consideram
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 116
também que outro aspecto importante do pensamento sistémico é a capacidade para
identificar elementos importantes do sistema e as diversas interdependências entre estes
elementos. Admitem ainda que outros aspectos chave são a capacidade para reconhecer a
dinâmica temporal, construir um modelo interno da realidade e fazer predições com base
neste modelo.
O objectivo deste estudo foi o de analisar várias metodologias de ensino no contexto de
lições de ciências naturais e especialmente de biologia. Mais concretamente procurou-se
investigar a eficácia de diferentes métodos de ensino para promover o desenvolvimento do
pensamento sistémico no campo da Educação para um Desenvolvimento Sustentável.
Neste trabalho procurou-se averiguar qual dos três métodos de ensino que a seguir se
enunciam é mais eficaz para fomentar o desenvolvimento das capacidades de pensamento
sistémico de estudantes do nível básico do ensino secundário: simulação em computador;
lições específicas ou a combinação de ambos.
Os métodos, efectivamente, utilizados foram os seguintes: lições específicas destinadas a
desenvolver o pensamento sistémico, uma simulação em computador sobre o tópico
ecossistema floresta, e uma combinação de ambos (lições especiais e simulação em
computador). O grupo investigado foi comparado com um grupo controlo em que a
metodologia de ensino foi a tradicional.
A amostra constou de 424 estudantes de 15 turmas do sexto grau de seis escolas alemães de
Frieburg. Foi utilizado um questionário inicial para avaliar as capacidades de pensamento
sistémico dos estudantes. Este questionário foi distribuído e também projectado tendo as
suas questões sido discutidas em classe.
A avaliação foi diferenciada entre compreensão conceptual (medida como score final) e
justificação reflexiva (medida como score de justificação) de pensamento sistémico.
As variáveis controladas foram as seguintes: pensamento lógico, níveis de escolaridade,
memória a curto prazo e motivação. Baseados num pré-test e num pos-test elaborado para o
grupo controle verificou-se que somente aqueles estudantes que, conjuntamente, receberam
lições especiais e trabalharam simulação em computadores mostraram um aumento
significativo na sua performance final de sucesso. A performance de justificação aumentou
na situação de simulação em computador assim como na combinação de simulação em
computador com lição específica.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 117
Relativamente à principal questão de pesquisa (que método de ensino é mais eficaz:
simulação em computador, lições específicas ou a combinação de ambos) este estudo
demonstrou que o pensamento sistémico pode ser mais eficazmente fomentado na escola por
uma combinação de lições específicas e exploração de uma simulação em computador.
Verificou-se também que a utilização exclusiva de simulação em computador conduz
somente a um pequeno aumento na performance final em pensamento sistémico. Esta
conclusão coincide com a conclusão de Schrettenbrunner(1989), que observou que a
exploração independente de simulação em computador conduz a um aumento de
competência no uso de simulação, mas falha em garantir um conhecimento aumentado de
sistemas complexos. Este autor recomendou a combinação de jogos de simulação em
computador, com o uso de lições específicas ou a indigitação de tutores.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 118
Da análise das diversas pesquisas sobre pensamento sistémico permito-me concluir que o
défice de abordagem sistémica nas escolas dos países citados (Alemanha, Suíça e Israel) é
um denominador comum. Efectivamente, os investigadores são unânimes em reconhecer
dificuldades de vária ordem à sua implementação; entre essas dificuldades destaco o facto de
não existir suficiente investigação sobre o conceito de pensamento sistémico bem como
sobre as estratégias de ensino e aprendizagem que permitam a sua abordagem.
Relativamente, às estratégias experienciadas conducentes ao desenvolvimento do
pensamento sistémico é opinião dos investigadores que os resultados obtidos necessitam de
uma avaliação profunda para que seja possível uma definição clara das metodologias mais
adequadas. É também evidente a necessidade de alargar a pesquisa a um conjunto mais
amplo de temas e de disciplinas curriculares.
Uma série de estudos tem demonstrado que é particularmente desafiador para os estudantes
compreenderem relações dentro dos sistemas Ben-Zvi Assaraf & Orion, 2005; Gallegos e
outros 1994, Penner, 2000). Muitas vezes os estudantes focam-se em simples relações
lineares e nos componentes visíveis de um ecossistema (Hmelo-Sil, Marathe, & Liu, 2007;
Hogan,2000). Nas entrevistas clínicas, quando os noviços são solicitados para identificarem
características de um sistema (aquário por ex), eles têm tendência para enfatizar
componentes visíveis tais como peixe e rochas, e raramente mencionam componentes
invisíveis, tais como oxigénio, azoto e bactéria (Hmelo-Silver, Marathe & Liu 2007).
No entanto, das pesquisas efectuadas já é possível recolher algumas orientações que os
professores devem, ter presentes quando procuram que os estudantes compreendam a
dinâmica dos sistemas complexos. Efectivamente, os resultados são concordantes
relativamente a algumas causas das dificuldades dos estudantes para realizarem uma
abordagem sistémica. Assim, são bastantes generalizadas as dificuldades dos estudantes para
distinguirem entre macro/nível e micro/nível bem como compreenderem que mesmo
pequenas mudanças no micro/nível poderem provocar mudanças profundas no macro/nível e
consequentemente na dinâmica dos sistemas. É também evidente que, os estudantes, na
generalidade, não reconhecem as propriedades emergentes no macro/nível, e os seus
prováveis efeitos no micro/nível pelo que será necessário ajudá-los a perceber que o
macro/nível e o micro/nível não mostram necessariamente as mesmas propriedades mas que
estão relacionados através do fenómeno da emergência. É também recorrente, como já
afirmei, que os estudantes quando abordam os sistemas complexos falharem na detecção de
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 119
relações dentro do sistema e reduzirem as relações causais complexas a simples relações
lineares.
As pesquisas empíricas têm demonstrado que os experts representam os sistemas complexos
em termos de estruturas interligadas, mecanismos internos e funções, enquanto que a
compreensão dos noviços é, caracterizada pela identificação de estruturas isoladas
demonstrando uma compreensão mínima das funções, e esquecendo largamente os
mecanismos dentro do sistema. (por ex: Hmelo-Silver, Marathe, & Liu, 2007).
Hmelo-Silver, Marathe, & Liu, 2005) realizaram uma interessante investigação que
intitularam: Function before form: An alternative approach to learning about complex
systems. Neste estudo os investigadores utilizaram duas versões de sistemas hipermedia
baseadas na representação conceptual Structure-Behavior-Function (SBF) que abre caminho
na compreensão de muitos sistemas complexos. Uma das versões era centrada na função e a
outra na estrutura. Os autores formularam a hipótese que o ensino focado sobre as funções e
os mecanismos internos do sistema deveria facilitar a compreensão dos estudantes na
abordagem dos sistemas complexos num grau mais elevado do que o focado nas estruturas.
Mais especificamente os autores esperavam que os estudantes na situação F deveriam
mencionar mais funções e mecanismos internos dos sistemas que os estudantes na situação
S. Tinham ainda a expectativa que os estudantes na situação F deveriam dar mais atenção a
fenómenos não evidentes no sistema que os estudantes na situação S. Efectivamente, a
análise dos dados comprovou a hipótese formulada pelos autores.
Da análise dos trabalhos recentes, que abordei neste capítulo, merecem-me particular
destaque os resultados apoiados por métodos de multimédia e os que elegem a metacognição
como um instrumento de primeira ordem para uma abordagem sistémica de sucesso.
Efectivamente, do meu ponto de vista, as estratégias de ensino e aprendizagem que levam
os alunos a pensarem sobre o que pensam relativamente a um determinado tema torna os
estudantes metacognitivos e consequentemente confere-lhes uma maior probabilidade de
sucesso escolar; a corroborar este meu ponto de vista recordo a investigação de Bem-Zvi
Assaraf (2010) onde a aluna Eli que concretizou esta capacidade metacognitiva obteve um
resultado notável.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 120
ANEXOS
ANEXO I
QUESTIONÁRIO
Escola _____________________________________________________
Nome ______________________________________________________
Ano ______________ Turma ________________ Idade _____________
Nota importante: As questões que lhe vão ser postas não são para avaliação; justifique
todas as suas opções (assinale com um X cada opção).
Considere a turma a que pertence na sua escola. Imagine que a turma completa tem 30
alunos e que quatro dos seus colegas só frequentam a disciplina de Fisíco-Quimicas:
1 — a sua turma pode ser considerada um sistema porque:
— é um conjunto de elementos interligados ;
— é um conjunto de elementos não interligados ;
— é um conjunto de elementos funcionalmente interligados;
— é um conjunto de elementos não funcionalmente interligados.
2 — Se nada de imprevisto acontecer, a sua turma comportar-se-á como um sistema:
— controlado;
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 121
— não controlado;
— aberto e controlado;
— fechado e controlado .
3 — Considere uma aula de Físico-Químicas: nenhum aluno faltou, o professor
compareceu; ninguém chegou atrasado e a aula iniciou-se às 14h 30m.
a) A entrada do "sistema turma" (input) esteve compreendida:
— entre 25 e 30;
— foi superior a 30;
— foi inferior a 30;
— foi igual a 30.
b) Às 15h 10m um aluno foi chamado à secretaria e um empregado entrou na sala
para ler uma comunicação à turma:
A entrada no "sistema turma" (input) às 15h 10m:
— esteve compreendida entre 28 e 30;
— esteve compreendida entre 1 e 3;
— foi igual a 1;
— esteve compreendida entre 1 e 4.
4 — Às 15h 15m outro aluno foi chamado ao director de turma. Às 15h 20m os dois
alunos já tinham regressado.
Podemos dizer que entre as 15h 10m e as 15h 20m o "sistema turma" esteve:
— em evolução;
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 122
— em estado estacionário;
— nenhuma das opções anteriores.
5 — Concentre agora a sua atenção nos seguintes sistemas:
a) sistema " ocupante - automóvel" em movimento.
O sensor ou sensores deste sistema:
— é o ocupante que viaja ao lado do condutor;
— são os ocupantes que viajam no lado de trás;
— é o ocupante condutor;
— são todos os ocupantes.
b) sistema "ocupante"
Os sensores deste sistema são:
— os centros nervosos;
— os orgãos dos sentidos;
— algumas das proteínas existentes nas membranas celulares;
— nenhuma das opções anteriores.
6 — Na aula de matemática o Pedro estava "cheio de fome". Efectivamente, o bar
estava muito concorrido e o Pedro não consegui comer nada. Verificou com surpresa
que esquecera um chocolate na pasta. Discretamente, comeu o chocolate, passado pouco
tempo, estava bem disposto para trabalhar.
Analise o diagrama da figura 1 e escolha a opção, que na sua opinião traduz o fenómeno
que ocorreu no organismo do Pedro.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 123
(-)
Centro da fome Centro da saciedade
(+)
Ingestão de Alimentos
Fig. 1
— Um ciclo de retroalimentação positiva entre o centro da fome e o centro da
saciedade.
— Um ciclo de retroalimentação negativa entre o centro da fome e o centro da
saciedade.
— Uma relação cíclica entre o centro da fome e o centro da sacie-dade.
— Nenhuma das opções anteriores.
7 — Marta verificou com desagrado que o seu peso tinha aumentado significativamente
e que o mesmo estava a acontecer com o seu apetite.
a) Considere o binómio ingestão-saciedade (figura 2) e escolha uma das opções:
— o efeito está a estimular a causa;
— o efeito está a anular a causa;
— o efeito não está a actuar sobre a causa;
— nenhuma das opções anteriores.
b) A relação ingestão-saciedade poderá neste caso, ser representada por um dos
esquemas da figura 2. Qual?
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 124
Ingestão Saciedade
Ingestão Saciedade
Ingestão Saciedade
(+)
Ingestão Saciedade
(-)
Fig. 2
8 — Considere agora uma aula da disciplina de Biologia e em seguida cada aluno
individualmente. Como resultado de uma solicitação do professor os alunos mediram a
sua temperatura corporal várias vezes ao dia (em momentos certos) ao longo de vários
dias.
A figura 3 representa os valores registados pelo aluno X.
Horas
Dias
7h 30 15h 18h
1º dia 36,3º C 36,4º C 36,5º C
2º dia 36,2º C 36,3º C 36,6º C
3º dia 36,5º C 36,6º C 36,5º C
Fig. 3
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 125
a) Podemos dizer que estas medições revelaram a existência de uma variável
controlada que é:
— a quantidade de calor corporal
— a temperatura corporal;
— a taxa de metabolismo;
— a produção de energia.
b) Sabendo que a referência da temperatura corporal no homem é de 36,5 a análise
do quadro permite concluir que a regulação da temperatura corporal se faz:
— com erro,
— sem erro.
c) Na regulação da temperatura corporal, os sensores estão colocados para:
— detectarem o valor da variável controlada;
— detectarem os efeitos das perturbações sobre o valor da variável controlada;
— detectarem as perturbações e os efeitos das perturbações sobre o valor da
variável controlada?
— nenhuma das anteriores
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 126
9 — Analise, atentamente, a seguinte situação e responda:
Estávamos em Dezembro. Depois de ter jogado ténis durante uma hora, o João sentiu
imenso calor e veio para o pátio da escola com a roupa com que tinha jogado.
Passados alguns minutos começou com arrepios. Desta situação podemos concluir que o
sistema termo-regulador do organismo funcionou:
— com atraso
— sem atraso
10 — O Homem tem a capacidade de viver nos mais diversos ambientes devido
— ao seu tipo de reprodução;
— à sua constituição pluricelular;
— ao facto do ambiente interno do seu corpo ser regulado;
— nenhuma das opções anteriores
11 — Na figura 4 estão representados os resultados de uma análise bioquímica de
sangue do indivíduo A.
Substâncias detectadas V. encontrados Valores normais
Glicose 80 70-110 mg/ml
Colesterol total 400 140-250 mg/ml
Colesterol 100 H: 35-55 M:45-55 mg/ml
Triglicéridos 52 30-170 mg/ml
Fig. 4
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 127
a) O teor de triglicéridos será normal se for:
— inferior a 30;
— superior a 170;
— compreendido entre 30 e 170;
— nenhuma das opções anteriores.
b) No indivíduo A e para as substâncias do organismo analisadas, as estratégias
reguladoras para a homeostasia actuaram com eficácia em:
— todos os casos;
— dois casos;
— três casos;
— nenhum dos casos.
c) Na tentativa de diagnosticar a causa de uma doença no indivíduo B, fez-se uma
análise bioquímica do sangue deste indivíduo. Analise a figura 5 (referente ao
indivíduo B) e compare com a análise do indivíduo A.
Glicose no sangue Em jejum 1h após o almoço 2h após o almoço
Média normal 79 200 83
Indivíduo B 80 195 90
Fig. 5
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 128
Esta análise não permitiu identificar a causa da doença porque:
— não ficámos a saber se o indivíduo B regulou a sua glicemia;
— o indivíduo B regulou a sua glicemia;
— o indivíduo B tem uma glicemia que difere da do indivíduo A;
— a glicemia dos dois indivíduos não difere significativamente.
1. A construção do questionário: formato e objectivos
O questionário é de escolha múltipla, consta de 19 perguntas e são pedidas as
justificações das respostas às questões que, para a aprendizagem do conceito de sistema
de regulação, considero fundamentais. Estas questões dizem respeito aos seguintes
conceitos: sistema; sensor; controlador; variável controlada; erro; tempo de resposta;
retroalimentação negativa; retroalimentação positiva; homeostase e regulação.
As justificações foram solicitadas porque penso, como Pinchas Tamir (1989), que estas
têm, entre outras, as seguintes vantagens:
permitem identificar as concepções alternativas dos alunos e as ligações não
detectadas numa primeira observação;
permitem melhorar a compreensão das concepções alternativas dos estudantes
que escolhem as opções correctas.
Relativamente ao conceito de sistema, foram elaboradas 5 perguntas cujo conteúdo e
objectivos passo a enumerar:
As perguntas 1, 2, 3 e 4 são baseadas numa situação do quotidiano escolar.
A pergunta 1 destina-se a averiguar se o aluno encara os sis-temas como um
conjunto de elementos integrados.
A pergunta 2 tem como objectivo verificar se os alunos compreendem que um
sistema aberto está em permanente relação com o seu ambiente.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 129
A pergunta 3 serve para verificar se o aluno compreende que num sistema aberto
há entradas e saídas.
A pergunta 4 destina-se a avaliar se os alunos compreendem que um sistema
aberto está em permanente relação com o seu ambiente
As perguntas 5a, 5b1 são relativas ao conceito de sensor e destinam-se a
investigar se o aluno compreende:
5a que uma função dos sensores é detectarem variáveis externas.
5b1 que ele próprio é também um sistema e que entre os seus possíveis sensores
estão os orgãos dos sentidos.
5b2 que os centros nervosos desempenham uma função integradora: controladores.
A pergunta 6 destina-se a verificar se o aluno identifica um ciclo de retroalimentação
negativa, numa situação em que uma mudança na variável controlada leva a uma
resposta que tende a deslocar a variável controlada numa direcção oposta à da mudança
original.
7 Estas perguntas incidem sobre o conceito de retroalimentação positiva e permitem
concluir se o aluno compreende:
a que numa cadeia de retroacção positiva o efeito se soma à perturbação;
b uma representação gráfica, possível, de uma situação de retroalimentação positiva.
8a Permite verificar se o aluno identifica uma variável controlada com base na
leitura de uma tabela.
8b Possibilita concluir, tomando por base a leitura de uma tabela, que a regulação se
faz com erro.
8c Destina-se a analisar se o aluno compreende que os sensores detectam directa ou
indirectamente o valor da variável controlada (pergunta complementar de 5b1)
9 Destina-se a analisar se o estudante compreende que a reacção do "sistema
organismo humano" não é instantânea e, consequentemente, é capaz de inferir a noção
de tempo de resposta.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 130
10 Se o aluno compreende que os mecanismos reguladores permitem a manutenção
da estabilidade do organismo de uma forma compatível com a vida conceito de
homeostase.
11a, 11b e 11c desenvolvem-se à volta de uma análise bioquímica do sangue e têm
como objectivo o esclarecimento de uma situação clínica, permitindo verificar se o
estudante compreende que:
11a -as estratégias reguladoras implicam um termo de comparação;
11b -as estratégias reguladoras implicam um mecanismo corrector.
11c compreende uma situação em que uma mudança na variável controlada leva a
uma resposta que tende a deslocar a variável controlada numa direcção oposta à
mudança original, e, em consequência, é capaz de concluir que regulação e
retroalimentação negativa são fenómenos relacionados. Compreende também que a
regulação não visa a fixação de uma variável.
Foram formulados os seguintes objectivos:
a) Detectar, antes de leccionado o tema programático "Regulação dos ciclos
sexuais", quais as concepções científicas (com origem diferente da educação
formal) dos alunos e as suas concepções alternativas sobre o conceito de sistema
de regulação e os subconceitos por ele englobados, (de salientar que estes
conceitos, devido a não fazerem parte dos programas, nunca tinham sido
ensinados).
b) Analisar, depois de leccionado o tema, a evolução das concepções alternativas
dos alunos e das suas concepções científicas relativamente ao conceito de
sistema de regulação e aos subconceitos, por ele, abrangidos.
2. Fases de elaboração e de aplicação
a) Elaboração de um protocolo;
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 131
b) Preparação do rascunho do questionário;
c) Discussão com um investigador na área da fisiologia animal (Centro
Gulbenckian de Ciência Oeiras), a fim de aferir o valor científico das
questões;
d) Discussão com professores de Biologia, do Ensino Secundário, tendo em vista
verificar a adequação pedagógica das questões;
e) Resposta ao rascunho do questionário por alunos da escola secundária Filipa de
Lencastre em Lisboa que frequentavam a mesma disciplina e que tinham a
mesma idade dos alunos e a quem seria aplicado o questionário depois de
concluído.
Após estas fases, o questionário foi dado e foi utilizado pela primeira vez, no estudo
piloto (página 89).
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 132
ANEXO II
GRELHA DE ANÁLISE PARA AS RESPOSTAS DOS ALUNOS
Esta grelha, constituída por 18 items que seguidamente descrevo, foi elaborada para
avaliar os conteúdos das respostas dos alunos, das duas turmas, ao questionário assim
como dos documentos elaborados pelos estudantes ao longo da experiência. Na sua
elaboração tomei como referência os conceitos fundamentais que os alunos necessitam
construir, para alcançarem uma efectiva compreensão do conceito de sistema de
regulação.
1- o aluno faz um uso legítimo das palavras chave? (sensor; controlador; variável
controlada; erro; tempo de resposta; retroalimentação e regulação);
2- o aluno compreende que um sistema é um conjunto de elementos que interagem
entre si?
3- o aluno compreende que um sensor é uma entidade que detecta o valor de uma
grandeza variável?
4- o aluno compreende que um sensor é o primeiro elemento de uma cadeia de
regulação, que determina que o elemento seguinte funcione em função dos
valores da variável controlada?
5- o aluno compreende que um controlador é uma entidade integradora de sinais?
6- o aluno compreende que os sistemas de regulação não respondem
instantaneamente tendo, por isso, de haver um tempo de resposta ?
7- o aluno compreende que o erro se evidencia pelas variações da variável
controlada?
8- o aluno compreende que o erro define os limites da variável controlada, dentro
dos quais um sistema funciona normalmente?
9- o aluno compreende que, no sistema, a informação circula de tal modo que uma
modificação na variável controlada conduz a uma acção de rectificação daquela
modificação?
10- o aluno compreende que a regulação actua de modo a que uma variável varie
muito pouco, ou varie de uma maneira regular?
11- o aluno compreende que o conceito de retroacção implica os conceitos de
receptor, termo de comparação e corrector?
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 133
12- o aluno compreende que, num ciclo de retroacção negativa, uma mudança na
variável controlada leva a uma resposta que tende a deslocar a variável
controlada na direcção oposta à mudança original?
13- o aluno compreende que, num ciclo de retroacção positiva, uma mudança na
variável controlada leva a uma resposta que tende a deslocar a variável
controlada, na mesma direcção da mudança original?
14- o aluno compreende que a regulação dos cíclos sexuais é controlada pela acção
conjugada de uma série de hormonas?
15- o aluno compreende que a concentração hormonal na circulação é a variável
controlada no controle hormonal da reprodução humana?
16- o aluno compreende que o cérebro é o principal controlador das hormonas
intervenientes na reprodução humana?
17- o aluno é capaz de compreender, através dos conceitos englobados pelo conceito
de sistema de regulação e das suas interdependências, os mecanismos
implicados no controle hormonal da função reprodutora humana?
18- o aluno compreende o funcionamento de um sistema de regulação?
Concretizando, o aluno compreende que:
para o sistema organismo humano manter a sua integridade face aos desafios
externos a que está sujeito, a cada instante, os seus componentes funcionais se
comportam de modo a que determinadas grandezas (variáveis controladas como
por exemplo a temperatura corporal) se mantenham relativamente invariantes ou
variem de maneira pré-definida;
a estratégia de funcionamento da quase totalidade dos sistemas biológicos é a
seguinte: o sensor estão colocados de forma a registar continuamente a variável
controlada num ou mais pontos do sistema regulado. Se o valor da variável regulada
se afasta do valor desejado (referência), o controlador (por exemplo o hipótalamo na
regulação da reprodução humana) vai actuar no sistema regulado de modo a corrigir
o valor da variável controlada;
existem afastamentos em relação ao valor da referência que são tolerados pelo sistema
(erro). Consequentemente, o sistema de regulação flutua continuamente dado que
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 134
não actua enquanto os limites definidos pelo erro do sistema não forem
ultrapassados;
como as correcções da variável controlada não são instantâneas o sistema
responde com um certo atraso (tempo de resposta).
ACTIVIDADES LECTIVAS DURANTE A EXPERIÊNCIA
Os alunos trabalharam em grupo e participaram em debates. As actividades decorreram
de acordo com um plano que a professora propôs e discutiu com os alunos. Como
consequência destes debates resultaram dois planos um na turma A (turma
experimental) e outro na turma B (turma de controle) (Anexos 4 e 6). O objectivo
que se pretendeu alcançar com estes planos foi o de ajudar os alunos a não se
dispersarem, uma vez que no final de cada conjunto de actividades cada grupo elaborou
um documento síntese. A discussão dos documentos elaborados pelos alunos permitiu
manter ao longo da experiência um "feedback" que considerei fundamental para uma
efectiva construção dos conceitos pelos alunos.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 135
ANEXO III
Análise e discussão da forma como se operou a evolução conceptual na turma A
(experimental) e na turma B (controle)
TABELA 1
Frequências das categorias de resposta às perguntas do questionário, antes e
depois da aplicação das estratégias de
ensino-aprendizagem — turmas A e B.
Frequências n= 25 n= 24 n= 24 n= 26
Concepções cientificamente
Aceites
TA
Antes
TA
Depois
TB
Antes
TB
Depois
Sistema (1) 4,00% 45,80% 0,00% 23,00%
Sensor (5 b1) 0,00% 29,10% 0,00% 0,00%
Sensor (8) 0,00% 20,80% 0,00% 0,00%
Controlador (5 b2) 0,00% 29,10% 0,00% 3,80%
Retroalimentação negativa (6) 0,00% 8,30% 0,00% 0,00%
Retroalimentação positiva (7 a) 0,00% 29,10% 0,00% 11,50%
Retroalimentação positiva (7 b) 0,00% 45,80% 0,00% 7,60%
Variável controlada (8 a) 0,00% 12,50% 0,00% 0,00%
Erro (8 b) 0,00% 41,60% 0,00% 0,00%
Tempo de resposta (9) 0,00% 20,00% 0,00% 0,00%
Homeostase (10) 0,00% 4,10% 0,00% 0,00%
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 136
Frequências n= 25 n= 24 n= 24 n= 26
Concepções cientificamente
Aceites
TA
Antes
TA
Depois
TB
Antes
TB
Depois
Regulação (11 a) 0,00% 4,10% 0,00% 0,00%
Regulação (11 b) 0,00% 41,60% 0,00% 7,60%
Regulação (11 c) 0,00% 16,50% 0,00% 0,00%
Respostas incompletas
Sistema (1) 44,00% 25,00% 33,30% 30,70%
Sensor (5 b1) 36,00% 25,00% 16,00% 34,60%
Sensor (8 c) 16,00% 33,30% 37,50% 19,20
Controlador (5 b2) 32,00% 37,50% 12,50% 38,40%
Retroalimentação negativa (6) 12,00% 83,30% 4,10% 50,00%
Retroalimentação positiva (7 a) 20,00% 29,10% 12,50% 23,00%
Retroalimentação positiva (7 b) 8,00% 16,60% 12,50% 30,70%
Variável controlada (8 a) 8,00% 41,60% 12,50% 19,20%
Erro (8 b) 28,00% 41,60% 16,60% 26,90%
Tempo de resposta (9) 8,00% 50,00% 8,30% 15,30%
Homeostase (10) 28,00% 87,50% 45,80% 15,30%
Regulação (11 a) 100,00% 95,80% 91,60% 96,10%
Regulação (11 b) 80,00% 58,30% 91,60% 88,40%
Regulação (11 c) 12,00% 16,50% 37,50% 11,50%
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 137
Frequências n= 25 n= 24 n= 24 n= 26
Concepções cientificamente
Aceites
TA
Antes
TA
Depois
TB
Antes
TB
Depois
Concepções alternativas
Sistema (1) 4,00% 4,10% 20,80% 11,50%
120Sensor (5 b1) 28,00% 37,50% 8,30% 19,20%
Sensor (8 c) 40,00% 29,10% 41,60% 19,20%
Controlador (5 b2) 25,00% 20,80% 16,60% 26,90%
Retroalimentação negativa (6) 40,00% 4,10% 45,80% 23,00%
Retroalimentação positiva (7 a) 44,00% 20,80% 29,10% 26,90%
Retroalimentação positiva (7 b) 32,00% 16,60% 29,10% 3,80%
Variável controlada (8 a) 20,00% 37,50% 4,10% 11,50%
Erro (8 b) 24,00% 8,30% 0,00% 30,70%
Tempo de resposta (9) 28,00% 16,60% 16,60% 38,40%
Homeostase (10) 28,00% 0,00% 29,10% 0,00%
Regulação (11 a) 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Regulação (11 b)o 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Regulação (11 c) 48,00% 29,10% 45,80% 15,30%
Outras
Sistema (1) 48,00% 25,00% 45,80% 34,60%
Sensor (5 b1) 36,00% 8,30% 75,00% 46,10%
Sensor (8 c) 44,00% 16,60% 20,80% 61,50%
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 138
Frequências n= 25 n= 24 n= 24 n= 26
Concepções cientificamente
Aceites
TA
Antes
TA
Depois
TB
Antes
TB
Depois
Controlador (5 b2) 44,00% 12,50% 70,80% 30,70%
Retroalimentação negativa (6) 48,00% 4,10% 50,00% 26,90%
Retroalimentação positiva (7 a) 36,00% 20,80% 58,30% 38,40%
Retroalimentação positiva (7 b) 60,00% 20,80% 58,30% 57,60%
Variável controlada (8 a) 72,00% 8,30% 83,30% 69,20%
Erro (8 b) 48,00% 8,30% 83,30% 42,30%
Tempo de resposta (9) 64,00% 12,50% 75,00% 46,10%
Homeostase (10) 44,00% 8,20% 25,00% 84,60%
Regulação (11 a) 0,00% 0,00% 8,30% 3,80%
Regulação (11 b)o 20,00% 0,00% 8,30% 3,80%
Regulação (11 c) 40,00% 37,50% 16,60% 73,00%
n= nº de alunos
TA Turma A (Experimental)
TB Turma B (controle)
1, 5 b1, 5 b2, 6, 7 a, 7 b, 8 a, 8 b, 8 c, 9, 10, 11
a, 11 b, 11 c
Perguntas do questionário
C – Concepções cientificamente aceites
I – Respostas incompletas
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 139
A – Concepções alternativas
O – Outras respostas (não sei, resposta em
branco, resposta errada, não justifica)
Categorias de respostas
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 140
ANEXO IV
INVESTIGAÇÃO EM GRUPO
Plano de actividades discutido e aprovado na turma A
Tema : Regulação dos ciclos sexuais no homem e na mulher
1ª fase - Detectar problemas - Entrega do documento 1;
2ª fase - Delinear planos de pesquisa - Entrega do documento 2;
3ª fase - Debate em classe;
4º fase - Desenvolver os planos de pesquisa - Entrega do documento 3;
5ª fase - Debate em classe;
6ª fase- Elaborar um documento síntese da investigação efectuada – Entrega do
documento 4.
Nota importante : o tema será tratado de um ponto de vista sistémico
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 141
ANEXO V
Situação problemática, ocorrida no Bangladesh, apresentada nas turmas A e B
Tomando por base a investigação efectuada nas aulas anteriores, elabore duas hipóteses
explicativas para o problema que a seguir se enuncia:
Apesar de apenas 9% da população feminina do Bangladesh (país situado na Ásia) usar
contraceptivos, a taxa de natalidade é relativamente baixa. Entretanto, estudos
realizados permitiram concluir, que aquela taxa de natalidade corresponderia à
utilização de contraceptivos por 43% da população.
Nota importante: mencione os conceitos em que baseia as suas hipóteses.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 142
ANEXO VI
Situação problemática, relativa ao conceito de regulação, apresentada nas turmas
A e B
Uma pessoa que ingere diariamente 150 mg de potássio por dia tem no seu sangue
4mg/dl. Suponha que essa pessoa duplica a ingestão diária de potássio indefinidamente.
No novo estado de equilíbrio qual será a quantidade mais provável de potássio no
sangue de pessoa:
- 8mg/dl;
- 4,4mg/dl;
- 4mg/dl
Justifique a sua opção.
PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA
Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 143
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