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1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA VOLUME 2 P-6 - 10

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A Terceira Potência, criada pela técnica dos arcônidas e pela energia de Perry Rhodan, instalou-se na solidão do deserto de Gobi, onde estabeleceu um centro de atividades capaz de desafiar os ataques concentrados das superpotências terrenas. Até mesmo a primeira luta travada contra inteligências extraterrenas ávidas de conquista, que procuraram aproximar-se da Terra depois de terem recebido notícia de sua existência através do sinal de socorro, emitido pela nave destroçada dos arcônidas, pôde ser decidida a favor da Terceira Potência e a bem da humanidade. Mas Perry Rhodan sabe perfeitamente que precisará de mais gente para resistir a novos ataques e levar avante os seus planos. Por isso cria o Exército de Mutantes.

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Page 1: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA

VOLUME 2

P-6 - 10

Page 2: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

2

O Herdeiro do

Universo

O Exército de Mutantes

Volume 6

O Exército de Mutantes

Invasão Espacial

Volume 7

Socorro Para a Terra

Volume 9

Base em Vênus

Volume 8

Batalha no Setor Vega

Volume 10

O Exército de Mutantes

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

Page 3: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

3

O Exército de Mutantes

Invasão Espacial

Base em Vênus

Socorro Para a Terra

Batalha no Setor Vega

1º Ciclo – A Terceira Potência

Volume 02

Episódios: 06 - 10 de 49

Page 4: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

4

Nº 06

De

H. K. Scheer

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Vitório Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

A Terceira Potência, criada pela técnica dos arcônidas e pela energia de Perry

Rhodan, instalou-se na solidão do deserto de Gobi, onde estabeleceu um centro

de atividades capaz de desafiar os ataques concentrados das superpotências

terrenas.

Até mesmo a primeira luta travada contra inteligências extraterrenas ávidas de

conquista, que procuraram aproximar-se da Terra depois de terem recebido

notícia de sua existência através do sinal de socorro, emitido pela nave

destroçada dos arcônidas, pôde ser decidida a favor da Terceira Potência e a

bem da humanidade.

Mas Perry Rhodan sabe perfeitamente que precisará de mais gente para resistir

a novos ataques e levar avante os seus planos. Por isso cria o Exército de

Mutantes.

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5

I

— Perry!

A voz de Reginald Bell soou abafada no recinto de teto

baixo e não produziu o menor eco. O homem de cabelo

ruivo, olhos azul-claros e rosto largo comprimiu o botão

de parada e, numa atitude de expectativa, virou-se para a

porta. Perry Rhodan entrou.

— Não grite tanto, Bell! — disse, sem mover um

músculo da face. Seus olhos irradiavam curiosidade. —

Foi você que me chamou? Espero que o assunto seja

importante.

Reginald Bell voltou-se

novamente para o painel do

equipamento de som. Durante três

segundos comprimiu a tecla de

retrocesso.

— Tenho uma mensagem de

Genebra, dirigida a você. Chegou há

poucos minutos.

Perry Rhodan aproximou-se do

painel.

— Há algum resultado positivo?

Esperava que as grandes potências

levassem ao menos um dia para

chegar a um acordo a nosso respeito.

Se houve uma conferência

relâmpago, provavelmente a terão

finalizado sem terem chegado a uma

conclusão. Fale logo, rapaz! O que

houve?

— Ouça! Quero que você mesmo desfrute todas as

fases da sua vitória.

Bell ligou o aparelho e reclinou-se na poltrona.

— Aqui fala a Secretaria da Federação das Potências

Mundiais. Estamos chamando o senhor Rhodan. Temos

instruções para, logo após o término da conferência,

informar-lhe o resultado que segue e que é tornado público

simultaneamente por meio de um comunicado transmitido

por todas as emissoras.

Os representantes dos países da OTAN, do Bloco

Oriental e da Federação Asiática conferenciaram hoje

sobre o status internacional da organização conhecida

como Terceira Potência. As ocorrências dos últimos dias,

em especial os acontecimentos que se desenrolaram fora

da atmosfera terrestre, causaram sérias preocupações em

todo o mundo. A aproximação de uma nave espacial

pertencente a uma inteligência desconhecida, que sem a

menor dúvida foi realizada com intenções hostis, deve ser

encarada como uma ameaça a toda a Terra. Depois de

discutido minuciosamente o assunto, os delegados da

OTAN, do Bloco Oriental e da Federação Asiática

chegaram à conclusão de que a destruição da nave inimiga

na superfície lunar foi devida exclusivamente à atuação da

Terceira Potência. Em face disso, as potências que

participaram da conferência, admitiram certa lealdade da

Terceira Potência perante os interesses comuns da

humanidade e decidiram reconhecer a Terceira Potência,

como um estado soberano, com a extensão territorial que

atualmente ocupa. Pede-se ao senhor Perry Rhodan que

confirme o recebimento deste comunicado e apresente

propostas concretas para o estabelecimento de relações

diplomáticas.

Bell comprimiu a tecla de parada e voltou a reclinar-se

na poltrona.

— Conseguimos — disse Rhodan em tom tranquilo. —

Aos poucos os homens começam a compreender que não

somos nós os seus inimigos, mas o espaço imenso e

misterioso. Mas convém que esses cavalheiros tirem da

cabeça a ideia de extensas relações diplomáticas. Sem

dúvida, gostariam de trocar uns vinte ou trinta

embaixadores conosco. Acontece que sob o aspecto

diplomático somos um caso todo especial. Ao que parece

já estão se habituando a isso. Anote a resposta:

— Não quer falar pessoalmente?

— Tenho motivos para não fazê-

lo.

Reginald Bell deu de ombros.

Parecia não entender. Mas acabou

assentindo com um movimento de

cabeça.

— Transmitirei sua mensagem.

— Diga-lhes que fiquei satisfeito

em receber uma resposta tão positiva.

Considero altamente elogiável a

compreensão com que o assunto foi

tratado em Genebra. No entanto,

prefiro deixar para outra oportunidade

meu pronunciamento sobre o

estabelecimento de relações

diplomáticas, já que a reduzida

extensão territorial de nosso pequeno

reino ainda não justifica a presença de

embaixadores. Apesar disso, sempre

estaremos abertos a quaisquer

contatos.

— Muito obrigado pela orientação. Quebrarei a cabeça

para descobrir como devo redigir o texto...

— A resposta será transmitida imediatamente, meu

caro! Não há tempo para quebrar a cabeça. Com a

velocidade alcançada na conferência de hoje as

superpotências da Terra estabeleceram um novo recorde. E

você vai manter a mesma velocidade.

— Você sempre foi perito em dar ordens...

— E você tem sido perito em executá-las. O futuro

exigirá de você um aumento considerável do grau de

obediência e de iniciativa que já aprendeu.

— Obrigado pela confiança, chefe! Mais algum

desejo?

— Você poderia pedir aos representantes de Pequim na

conferência que começassem a estudar a possibilidade de

nos vender um trecho de terra. Não pretendo instalar o

estado soberano da Terceira Potência em território

alugado.

— Qual deve ser o tamanho de nosso reino? —

indagou Bell.

— A nave esférica ficará no centro. Ao redor dela se

estenderá o território bloqueado da Terceira Potência. O

mínimo de que precisamos é uma extensão de terra com

um raio de cinquenta quilômetros.

Perry Rhodan saiu, sem aguardar que o amigo

confirmasse com um aceno de cabeça. Por mais

importantes que as negociações em perspectiva fossem

para ele e para o mundo, havia assuntos ainda mais

prementes a serem tratados. Eram assuntos que

ultrapassavam em muito o simples estabelecimento de

contatos e os preparativos para uma série de decisões

definitivas.

Saiu da nave. A pequena distância dali, bem no centro

Personagens principais deste episódio:

Perry Rhodan – Chefe da Terceira Potência Reginald Bell – Amigo e principal colaborador de Rhodan Crest e Thora – Únicos sobreviventes da nave arcônida destruída na Lua Allan D. Mercant – Sofre um atentado de uma nova potência alienígena Homer G. Adams – Novo Ministro das

finanças da Terceira Potência

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da cúpula energética, que atingia dez quilômetros de

diâmetro, estava à nave esférica dos arcônidas. Mais ao

longe outro objeto atraía a atenção. Era o gigantesco

autômato positrônico, retirado da nave. Esse aparelho

formava o núcleo definitivo da Terceira Potência; suas

reações microfísicas poderiam conduzir os destinos da

história da humanidade. Era o cérebro.

Rhodan utilizou o traje especial que lhe possibilitava

vencer em poucos segundos um percurso relativamente

extenso. Não se via ninguém. Perry esperava encontrar

também no interior do grande recinto a solidão de que

tanto precisava. Mas não estava mais sozinho; viu-se

diante de Thora.

— Olá, Rhodan! — exclamou ela.

— Thora. Sente-se atraída pelo altar do seu poderio?

— Sinto-me bem em meio à civilização a que pertenço.

Além das ruínas e dos vestígios de uma tecnologia

arcônida, a Terra nada tem de atraente para uma mulher da

minha origem.

Rhodan lançou-lhe um olhar penetrante. Não sabia se

devia vestir a carapuça. Resolveu retribuir o elogio

ambíguo.

— É difícil compreender a indiferença dos arcônidas.

Quando encontram alguma coisa de atraente, o que é

bastante raro, isso só acontece no ambiente a que estão

habituados. Comigo, que sou um ser humano, acontece

exatamente o contrário; o que me atrai é a novidade.

Atrás deles ouviram-se passos. Voltaram-se e viram

Crest, o último descendente da dinastia reinante em seu

mundo natal.

— Olá! — disse este em tom amável e com a maior

naturalidade, como se em toda sua existência nunca tivesse

conhecido outro cumprimento que esta fórmula terrena. —

Está disposto a trabalhar com o cérebro, Rhodan?

— Quero que a máquina responda algumas perguntas

das quais depende o destino da humanidade, da

humanidade no sentido mais amplo.

— Quer dizer que você nos inclui nela?

— Perfeitamente — confirmou Rhodan. — São os

arcônidas humanos. Sem dúvida estamos de acordo em

que tudo aquilo que para nós representa a civilização

galáctica está em perigo. Estamos empenhados numa

causa comum, Crest. Não nos abandone.

— Isso soa como uma solicitação e uma censura.

— Desculpe Crest! Uma censura contra você seria uma

injustiça. Sem o seu auxílio não teríamos conseguido

destruir a nave desconhecida. Mas bem sabe que esse

ataque de surpresa talvez não passe de um primeiro indício

do perigo que paira sobre nós. É possível que possamos

dispor de alguns anos para nos prepararmos. Mas também

é possível que já amanhã nos defrontemos com a tarefa de

salvar a civilização galáctica da destruição total. Conto

com a hipótese menos favorável. Por isso a decisão é tão

premente.

— Veja só! Esse homem se arvora em advogado da

civilização galáctica — disse Thora em tom monótono,

como se não passasse do estágio final de um cérebro

robotizado. — Implora nosso auxílio, através do qual

pretende alcançar o poder, mas, esquece-se de quem

somos.

Rhodan dominou-se.

— Você sabe perfeitamente que essa acusação não tem

o menor fundamento. Não faz muito tempo que você se

declarou disposta a rever seu juízo sobre os habitantes da

Terra. Ainda sente uma inclinação irresistível de tratar-nos

como criaturas semisselvagens e subdesenvolvidas? Por

favor, não responda! Vou responder por você. Como

únicos sobreviventes da expedição dos arcônidas, você e

Crest precisam da ajuda do planeta Terra. Precisam dos

homens porque não existe nenhum caminho de volta, a não

ser com o auxílio deles. E, quer queiram quer não, terão de

partilhar dos perigos, das preocupações e das angústias dos

terrenos, enquanto o perigo vindo do espaço cósmico

representa uma ameaça para todos nós. Sua obstinação,

gerada por uma ridícula presunção de casta, só poderá

atingir você mesma. Será que precisa de outras provas

além dos acontecimentos dos últimos dias?

— A humanidade terrena não passa de um

conglomerado disforme — respondeu a arcônida. — Não

posso negar que o destino nos impôs interesses comuns.

Mas duvido da capacidade de uma humanidade corroída

de rivalidades, que nem conseguiu superar os

antagonismos em seu próprio planeta. Não se ofenda

Rhodan, mas continuo a afirmar que você pertence a uma

raça primitiva.

Crest interrompeu-a.

— E uma raça jovem — disse. — E dotada de grandes

reservas de vitalidade que devem ser mobilizadas. O

destino de uma raça é determinado por seus grandes

gênios. Não é necessário que, de um dia para outro, toda a

humanidade seja conduzida a um estágio mais elevado.

Umas poucas pessoas dotadas de bastante inteligência

serão suficientes. Rhodan sei perfeitamente do que é

capaz, depois de ter concluído o treinamento hipnótico;

conseguimos mobilizar seu cérebro, que se encontrava em

estado de ociosidade numa proporção de mais de quarenta

e cinco por cento.

— Quer dizer — perguntou Thora em tom de dúvida

— que a condição primitiva dos terrenos não resulta de

uma estrutura biológica subdesenvolvida, mas apenas da

renúncia inconsciente ao exercício de certas faculdades?

Crest confirmou com um aceno de cabeça.

— Certas áreas do cérebro humano são afetadas por

uma curvatura, e por isso nunca são ativadas. Nas pessoas

designadas como gênios são utilizados. Os próprios

homens já descobriram que o quociente intelectual do

indivíduo nem sempre depende do volume do cérebro,

muito embora de início essa interpretação fosse a mais

óbvia. Einstein, um dos maiores terrenos de todos os

tempos, constitui prova evidente disso. O volume do seu

cérebro era igual ao de qualquer pessoa medíocre. Sua

grande superioridade espiritual só pode ser explicada por

um grau extraordinário de ativação de todas as áreas de

seu cérebro. Com o treinamento hipnótico de Rhodan

conseguimos um resultado semelhante.

— Então é por isso que devemos reconhecer em Perry

Rhodan o chefe dos terrenos — disse Thora com um traço

de ironia. — Como arcônida, dispenso uma colaboração

nessas circunstâncias. Tal procedimento seria incompatível

com o nível de desenvolvimento de nossa raça.

— Ninguém está falando num chefe dos terrenos —

respondeu Rhodan, elevando ligeiramente o tom da voz.

— Apenas procuro uma conciliação razoável entre os seus

interesses e os nossos. Apelo para a razão, não para os

preconceitos ou os ressentimentos. Você está pondo em

prática aquilo de que acusa nossa raça. Não serei

presunçoso a ponto de renunciar ao seu auxílio nesta hora

difícil. Tenho o maior prazer em exprimir o meu

agradecimento pelo auxílio que já nos foi dispensado. Se

você acha que pode dispensar o auxílio da humanidade,

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isso é problema seu. Não quero impingir minha

colaboração. E agora, com sua licença, eu me retirarei.

Perry Rhodan cumprimentou com um gesto e deu as

costas aos arcônidas. Dirigiu-se ao painel de comando do

grande cérebro robotizado.

Depois de ter concluído as primeiras manipulações,

sentiu a presença de Crest atrás de si.

— Podemos ajudar Rhodan?

— Thora acaba de afirmar que não quer intrometer-se

nos assuntos dos terrenos. Você pensa da mesma forma,

Crest?

— Gostaria de ajudá-lo, Rhodan. Mas só se for

necessário. Não seria correto se os arcônidas se

intrometessem desnecessariamente nos assuntos dos

terrenos.

— Obrigado, Crest — disse Perry, oferecendo a mão

ao seu interlocutor. — Tentarei fazer o trabalho sozinho.

Apesar disso sua presença representaria um conforto para

mim. Jamais um homem teve de solucionar um problema

como o que tenho diante de mim. Isso me deixa um pouco

nervoso, compreende?

— Qual é a indagação que quer ver respondida?

— A indagação sobre o caminho que devemos trilhar

juntos para o futuro.

Perry Rhodan voltou-se para a grande máquina. O

significado das indagações que lhe transmitiria ultrapassa

em alcance toda e qualquer decisão que até então alguém

tivera que tomar. Toda a humanidade estava em jogo.

Um zumbido quase inaudível partiu das células

positrônicas. O cérebro havia sido ativado. Aguardava as

perguntas que teria de responder. O cérebro robotizado não

estava sujeito a qualquer influência psicológica; trabalhava

exclusivamente em conformidade com as leis da lógica.

Era de todo imune ao significado de qualquer pergunta.

Não conhecia os critérios valorativos que o homem adota

inconscientemente. Só se interessava pelo significado e

pelo conteúdo da matéria nele introduzida. Calculava as

probabilidades do resultado de um jogo de futebol ou uma

eleição política com a mesma naturalidade do desfecho de

uma guerra mundial. Se qualquer resposta não

correspondesse aos acontecimentos futuros, isso seria

devido única e exclusivamente a uma formulação incorreta

das perguntas. Tudo dependia, portanto, das perguntas que

Perry Rhodan introduzisse na máquina.

Já nos preparativos, se valeu das potencialidades da

formidável máquina. Introduziu nas células positrônicas

todos os detalhes que lhe pareciam importantes para a

avaliação da pergunta-chave. Levou algumas horas

examinando a formulação definitiva das questões.

A memória da máquina apresentava uma reação

tríplice. Através das células interpretativas do estágio final,

fornecia o resultado em forma de palavra falada, de

palavra escrita e de imagem. Os cristais de armazenamento

de dados conservavam as respostas com todas as

características. A fita escrita corria num carretel onde seu

conteúdo era resumido automaticamente através de

palavras-chave adequadas. A imagem e o som eram

projetados em faixas paralelas da mesma fita e os impulsos

positrônicos garantiam a perfeita sintonia.

O exame preliminar das questões produziu um

resultado quase inacreditável.

A humanidade teria de optar entre 22,3 bilhões de

possibilidades, para encontrar um caminho aceitável para o

futuro. No entanto, não se poderia afirmar que só uma das

soluções fosse correta, enquanto todas as outras eram

erradas. A escala das vantagens e desvantagens deslizou na

tela sob a forma de um espectro de cores. Realizados mais

de cem processos de eliminação, ainda havia mais de mil

soluções recomendáveis do lado positivo da faixa

espectral. Perry Rhodan teve de encontrar novas perguntas

limitativas, para chegar cada vez mais perto do problema

básico.

No início, ainda surgiam ligeiras discussões com Crest

e Thora. Mas, à medida que a experiência prosseguia,

tornava-se cada vez mais calado. Quando o crepúsculo

começou a entrar pela vigia, Thora levantou-se e declarou

que desejava ir ao seu camarote. Precisava de descanso, e

por isso queria desfrutá-lo fora da gravitação natural da

Terra, que, com o tempo, estava se tornando desagradável

para ela. Crest seguiu seu exemplo.

— Se surgir qualquer problema é só avisar, Rhodan.

Estarei à sua disposição a qualquer momento.

Rhodan confirmou com um movimento distraído da

cabeça.

— Está bem, Crest. Levarei algumas horas neste

serviço. Mais tarde avisarei sobre o resultado. Descanse

um pouco.

Nenhum dos dois arcônidas desconfiava de que seu

aluno-modelo recorrera a alguns truques psicológicos bem

eficientes para afastá-los dali. Perry Rhodan preferia estar

só na hora em que tivesse de resolver as questões

decisivas.

A atividade física desenvolvida durante a experiência

era mínima. Apesar disso transpirava bastante e sofria a

tensão formidável daquelas horas.

Mais tarde, ainda naquela noite, ele recebeu a notícia

da ameaça de uma nova invasão. A resposta veio quase

como um subproduto. Rhodan repetiu a experiência cinco

vezes antes de aceitar a solução com todas as suas

implicações: a invasão já começara.

* * *

Chamou Reginald Bell pelo aparelho de ondas

ultracurtas.

— Onde você está neste instante, Bell?

— No mesmo lugar em que você me deixou. Esses

rapazes de Pequim são duros na queda. Fazem a gente

perder horas preciosas com detalhes insignificantes.

— Eu gostaria de saber qual é o assunto que você está

debatendo com eles.

— Você é mesmo um prodígio de memória! Já se

esqueceu de que me pediu para que lhe arranjasse um

terreno?

— Vamos deixar isso para depois. Quero que você

desligue imediatamente e venha a bordo da nave. Manoli e

os nossos três amigos dos serviços secretos devem

apresentar-se o mais rápido possível. Daqui a dez minutos

esta nave deve estar pronta para decolar. E não quero que

ninguém desembarque, mesmo que eu chegue mais tarde.

Dê o alarma a todo o pessoal da base.

— Afinal, o que houve Perry?

— Você já vai saber. Por enquanto, faça o que estou

dizendo!

A tripulação concluiu os preparativos para a decolagem

dentro do prazo previsto de dez minutos, mas Rhodan os

fez esperar até a meia-noite.

Finalmente, ouviu-se a voz do Capitão Klein:

— Aí vem ele!

Todos os olhos se voltaram para a tela de imagem que

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servia para vigiar a entrada da nave esférica. Perry Rhodan

surgiu, em voo baixo, no seu traje de arcônida, e entrou

pela escotilha aberta. Pouco depois, chegou à sala de

comando.

— Você pilotará Bell. Decole imediatamente. Preciso

falar com Kakuta.

Rhodan ligou a tela e chamou Tako Kakuta, que estava

no posto central de comando da base. O rosto do japonês

apareceu no vídeo.

— Decolaremos agora. Preste atenção à subida da nave

e desligue a cúpula protetora por alguns segundos.

— O.K.!

A esfera disparou na vertical e desapareceu diante dos

olhos do japonês como uma estrela que se apagasse.

Reginald Bell voltou à cabeça, enquanto as mãos

executavam inconscientemente as operações de comando

que aprendera.

— Perry, não quer nos contar o que significa tudo isso?

Eric e o resto do pessoal já começaram a duvidar da minha

sanidade mental, porque os detive durante algumas horas...

— Desde hoje de tarde estive conversando com o

computador eletrônico. Formulei algumas perguntas

decisivas. Foi por isso que demorei tanto. Precisaremos de

um verdadeiro fio de Ariadne para encontrarmos nosso

caminho por entre os problemas do futuro.

— E você encontrou esse fio?

— Encontrei — confirmou Rhodan. Por alguns

segundos parecia mergulhado em profunda meditação.

Depois endireitou o corpo. — Temos de vasculhar

imediatamente a atmosfera terrestre, ao menos até a órbita

lunar. Segundo uma das respostas do computador, a

invasão que esperamos já está em andamento.

Manoli foi o primeiro a recuperar a fala.

— Está se referindo àqueles intrusos desconhecidos,

cuja nave nós conseguimos destruir a alguns dias?

— Nunca tivemos a menor dúvida de que aquilo não

passava de uma operação de vanguarda. As informações

de Thora foram corretas. O emissor de raios ultraluz

situado na nave dos arcônidas que foi destruída na

superfície lunar mobilizou os inimigos das nossas

civilizações, o nosso sistema para seres de elevado grau de

inteligência. Uma raça empenhada na destruição, como a

de Fantan, não se contentará com meias medidas ou com

operações isoladas. Relatei a situação ao computador

eletrônico, tanto quanto me permitiam as indicações

fornecidas por Crest. A resposta da máquina foi a seguinte:

“a invasão já começou”. Peço-lhes, portanto, que ocupem

seus lugares. A divisão das tarefas já foi anunciada, e

todos sabem o que deve ser feito.

Todas as operações que ainda não eram rotineiras

teriam de assumir esse caráter. O dispositivo automático

de observação anunciava a espaços regulares: resultado

negativo. Não houve qualquer localização de corpos

estranhos. Enquanto isso Perry Rhodan treinava suas

tarefas com Bell, Eric Manoli, o capitão Klein, Li Shai-

tung e Peter Kosnow.

A uma distância de pouco menos de 400.000

quilômetros do centro da Terra, Perry mandou que a nave

fosse conduzida a uma órbita, mas não permitiu que seu

deslocamento fosse espontâneo, em forma de satélite, pois

com isso sua velocidade seria tão reduzida que a volta em

torno do nosso planeta consumiria quase cinco semanas.

Sem reduzir o desprendimento de energia, a nave

deslocou-se em sentido quase vertical à tangente da órbita

terrestre, a fim de anular a força centrífuga gerada pela alta

velocidade.

— Isso! — murmurou Rhodan satisfeito, quando a

gigantesca foice lunar desapareceu a estibordo.

— Dizem que o computador eletrônico é infalível, não

é? — a pergunta de Manoli foi formulada de sopetão. —

Onde está o inimigo, se a invasão já começou? Pelo que

me consta, não existe qualquer campo de absorção para as

radiações de localização emitidas por esta nave.

— Falível é o homem — confessou Perry Rhodan. —

Se não houver a invasão, as perguntas que formulei a

máquina positrônica não foram corretas. Até chego a

desejar que eu tenha cometido um erro.

— Pois cometeu! — foi à voz de Thora que saiu no

mesmo instante dos alto-falantes. — Fique sossegado e

volte Perry Rhodan. Crest e eu acompanhamos e

verificamos seu trabalho. Não há nenhuma nave estranha

na órbita de Marte. Seria preferível dedicar-se aos

problemas mais prementes que o esperam na Terra.

— Obrigado pela lição. Crest está com você?

— Está no camarote dele. Não se lembra de que pediu

que descansássemos?

— Estou acompanhando a palestra — disse a voz de

Crest, que surgiu no mesmo instante. — Posso confirmar a

informação de Thora, mas nem por isso as perguntas que

você formulou ao cérebro positrônico são necessariamente

incorretas. Se o cérebro responde que a invasão já está em

andamento, não está fornecendo nenhuma indicação exata

do pouso na Terra. É bem possível que o inimigo ainda se

encontre a muitos anos-luz de distância e só chegue à

Terra daqui a alguns dias. A viagem de patrulhamento que

está sendo levada a efeito não me perturbou nem um

pouco. Até acho que se trata de uma boa medida de

precaução. Se me permite um conselho, direi que deve ser

repetida a intervalos regulares.

— Seus conselhos sempre serão bem-vindos.

Obrigado, Crest!

— Devo aterrissar? — perguntou Bell.

— Depois de descrever mais uma órbita polar em torno

da Terra, meu caro. Enquanto isso, conte-me o que

discutiu com Pequim.

— A Federação Asiática é de opinião que o trecho

desértico situado em torno do lago salgado de Goshun, ou

mais precisamente a 102 graus de longitude leste e 38

graus de latitude norte é o terreno mais valioso que pode

existir sobre a Terra.

— Já lhe deram o preço?

— É claro que sim; do contrário não estaria tão

nervoso. Pedem sete bilhões de dólares. Por esse preço

estão dispostos a ceder um terreno com cinquenta

quilômetros de raio em torno da nave.

— Você lhes explicou que não possuímos sete bilhões

de dólares?

— É claro. Afinal, sou um rapaz inteligente.

— Um bilhão seria um bom preço, Bell.

— Esses cavalheiros de Pequim não cedem um

centavo. Seria pura perda de tempo se você gastasse uma

hora nisso. Temos de arranjar o dinheiro.

— Sete bilhões... — refletiu Rhodan. — Precisamos a

metade disso para instalar nossas linhas de montagem na

cúpula energética. E nem sequer essa quantia possuímos.

— O reino mais poderoso da Terra é o menor e o mais

pobre. É um verdadeiro paradoxo, não acha?

— Bell, não se afaste do assunto. É verdade que

Kakuta descobriu alguns fornecedores que dispõem de boa

capacidade de produção. Mas nenhum deles fornece

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dinheiro. E as contas bancárias que mantemos em algumas

grandes cidades chegam a ser ridículas. Precisamos de um

ministro das finanças.

— Até mesmo um ministro das finanças fará questão

de discutir antes de tudo, o seu ordenado. Por mais que

façamos, precisamos antes de tudo de dinheiro. Depois

poderemos comprar. Terras, fábricas e gente. Precisamos

de crédito.

— E será que não dispomos de crédito? — interveio

Eric Manoli. — Será que você não conhece a velha

sabedoria dos banqueiros? Aquele que detém o poder

dispõe do crédito.

— Esse tipo de sabedoria encerra uma sugestão de

abusar do poder — respondeu Rhodan. — Suas palavras

fazem vir à minha mente um assalto.

— Refiro-me às armas psíquicas. Ninguém de nós

concordaria em que os ameaçássemos com a superioridade

das nossas armas destrutivas.

— Para conceber uma arma psíquica precisamos de

uma cabeça. Com isso voltamos ao problema do ministro

das finanças.

— Será que não temos inteligência suficiente? —

indagou Bell em tom de expectativa, como se quisesse

candidatar-se ao posto. Rhodan formulou uma pergunta

direta:

— Você pode garantir que dentro de seis meses

influenciará os preços mundiais de tal forma que teremos

os fornecedores aos nossos pés?

— Sou astro-navegador e engenheiro eletrônico;

também estudei medicina espacial e geologia, submeti-me

de bom grado ao treinamento hipnótico e tenho a

impressão de ser um homem bem acima da média. Mas

não tenho uma boa mão com o dinheiro.

— Quer dizer que desiste do lugar de ministro das

finanças?

— Quanto à minha pessoa, sim. Não me sentiria muito

bem se tivesse que desempenhar o papel de um gênio

universal.

— De qualquer maneira terá que revelar o desempenho

de um gênio universal. Espere até que aterrissemos.

Preciso de Tako Kakuta para entrar no assunto sobre o

qual quero falar com vocês.

A nave esférica desceu quase na vertical em direção ao

deserto de Gobi. A cúpula abriu-se por alguns segundos,

para permitir o pouso. Quando os homens deixaram a

nave, os primeiros raios do sol despontavam no oriente.

* * *

Oito homens estavam reunidos em torno da mesa.

Eram Rhodan, Bell, Manoli, Haggard, Kakuta, Klein,

Li e Kosnow.

— Companheiros; acredito que não será necessário

perder muitas palavras para explicar a situação atual.

Dispomos do poder e obtivemos o reconhecimento

diplomático. Mas, apesar de já termos iniciado a

montagem de uma indústria, somos uns pobretões.

Acontece que de uma hora para outra esperamos a invasão,

cujas dimensões ultrapassam nossa fantasia. Convoquei-os

para explicar que me verei obrigado a exigir tudo de vocês.

Terão de empenhar toda a sua pessoa no objetivo comum.

Nosso trabalho não exigirá apenas uma soma enorme de

energia, mas também boa agilidade e capacidade de

reação. Bell, você e Tako Kakuta irão a Pequim fechar o

acordo para a compra do nosso território. Você já elaborou

um esquema de pagamento na base de quinhentos milhões

de dólares por mês, e assim estará em condições de fechar

a operação. Aos demais, pretendo apresentar alguns

aspectos de um plano que nos permitirá acelerar

imediatamente o ritmo produtivo de nossa indústria. Mas

antes de iniciarmos a discussão dos detalhes peço-lhes que

leiam atentamente este artigo de jornal e me digam se

estão lembrados de algumas minúcias do assunto nele

tratado. Finalmente, apresentem-me sugestões sobre como

poderemos usar este caso em nosso próprio benefício.

II

Um denso nevoeiro impregnava a noite londrina. A

umidade que subia do Tâmisa penetrava nas roupas e fazia

as pessoas tiritarem de frio.

Um homem de aspecto pobre, que a altas horas da

noite atravessara a Vauxhall Bridge e estava caminhando

pela Grosvenor Road, junto à margem esquerda do rio,

levantara a gola do casaco. O chapéu, que cobria as

orelhas, talvez tivesse por finalidade cobrir o rosto.

Atrás do gasômetro o homem dobrou à direita,

atravessou a Praça São Jorge em direção à Rua Lupus e

entrou na Rua Alderney.

Parou diante de uma pesada porta de carvalho e puxou

a sineta.

Depois de uma longa espera uma senhora corpulenta

abriu e perguntou o que desejava.

— Por favor, quero falar com o senhor Barry.

— Sinto muito, cavalheiro, há esta hora não podemos

perturbá-lo mais. O senhor Barry está se preparando para

dormir. E conforme vejo eu...

— A senhora também estava a ponto de ir para a cama.

Mas com o senhor Barry a coisa é diferente. Assim que

puser os olhos em mim, não pensará mais em dormir.

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— Trouxe um cartão, cavalheiro?

— Não é necessário anunciar-me. Conheço o caminho.

Muito obrigado.

— Cavalheiro! — disse ela, quando o homem se enfiou

pela estreita fresta da porta e permitiu que à luz do

corredor lançasse um olhar para sua figura estranha. —

Quem é o senhor? Não posso deixá-lo entrar.

— Madame, não se incomode comigo.

Hiram Barry ainda estava sentado à escrivaninha. Não

fazia menção de ir para a cama. O abajur projetava uma

luz forte sobre o escrito, enquanto o restante do aposento

estava mergulhado na escuridão.

— Você não disse que ia para a cama, Milly? — disse

Barry quando ouviu a porta abrir-se atrás dele.

— Milly vai para a cama — disse o visitante.

Aquela voz grave fez com que Barry se virasse

sobressaltado. Só viu uma sombra parada na escuridão.

Mas aquela voz lhe revelara tudo. Para Hiram Barry era

uma voz inesquecível.

— Adams! — gemeu.

— Homer G. Adams — completou o visitante. —

Espero não ter vindo numa hora imprópria.

— É claro que não Adams. Para você minha casa está

aberta a qualquer hora. Como sabe...

— As coisas que sei já ficaram muito longe. Mas ainda

sei. E é o que importa. Não acha Barry?

— Você sempre teve boa cabeça, Adams. Conseguiu

fazer um bom dinheiro com sua memória, nada mais.

Sempre o admirei. É claro que também o invejo um pouco.

— Não se esqueça do ódio, Barry. Gosto de ser

admirado. E as pessoas que me invejam também devem

viver. Afinal, a vaidade nutre-se da inveja. Mas o ódio

pode ser perigoso. Meu caso é um bom exemplo disso.

Não quero que ninguém me odeie.

— O que deseja Adams? Não fale num ódio que já é

tão velho. Não o odeio.

— É claro que não. Dentro de quatorze anos isso passa.

Não preciso matá-lo mais, pois seu ódio transformou-se

em medo. Por isso não me importa que continue a viver.

Talvez assim lhe retribua alguma coisa.

— Veio só para me dizer isso? Levou quatorze anos

pensando em vingança? Não acredito, pois isso o teria

arruinado. Além disso, eram vinte anos, se não me engano.

— A sentença era de vinte anos. Mas depois de

quatorze anos acharam que o castigo já era suficiente.

Como deve saber, nesses casos costumam falar em bom

comportamento.

— É o que dizem — confirmou Barry, que conseguira

controlar-se um pouco. — Posso oferecer-lhe uma bebida?

— Se soubesse que não está envenenada, aceitaria.

— Deixe de gracejos, Adams. Vamos, beba! Ainda sei

que gosta de uísque. E comece a contar. Gostaria de saber

como estão às coisas entre nós depois desses quatorzes

anos.

— Não há nenhum motivo para discutirmos nossas

relações. E os anos passados na penitenciária não oferecem

nada para contar. Minha visita será breve, desde que

cheguemos logo a um acordo.

— Um acordo sobre o quê?

— Preciso de um terno. Tem de ser um terno bom, bem

na moda.

— E só isso? Tome dez libras.

— O dinheiro será outro assunto, Barry. Quero

primeiro o terno e depois uma mesada. Deve estar

lembrado de certa conta no Midland Bank. Naquele tempo

o saldo era de cerca de dezesseis mil libras. Sei que não é

muito. Parece que estou destinado a nunca ter dinheiro

meu, a não ser uma pequena pensão. Ainda deve haver

juros.

— Sua pergunta me deixa confuso, Adams. Como

posso estar a par da sua conta no Midland Bank?

— Estou me referindo à conta que abrimos em seu

nome. Deve estar lembrado de que a transação com Servey

Limited produziu um lucro que de forma alguma poderia

aparecer nos livros.

— Não sei do que está falando, Adams.

— Sabe, sim. Nunca procurou descobrir por que

escapou sem castigo? Nunca se admirou porque certo

Homer G. Adams não quis prestar uma declaração que não

o teria livrado da pena, mas que poderia ter enviado certo

Hiram Barry a uma viagem tão longa como a dele? Será

que acredita que resolvi protegê-lo para que pudesse gastar

meu dinheiro? Nada disso. Foi para proteger o meu

dinheiro que permiti que continuasse livre. E agora estou

aqui para buscá-lo. Inclusive os juros. Se descontar o valor

do terno, deverão ser pouco menos de vinte e quatro mil

libras. Especulou-se com o dinheiro, talvez já sejam dois

milhões. Mas nem quero saber disso. Para mim bastam

vinte e quatro mil libras. Fique com o resto do que tiver

ganhado. Não quero vangloriar-me, Barry, mas acredito

que dificilmente poderia esperar um tratamento mais

generoso da minha parte.

Barry hesitou antes de responder. Seus dedos

cravaram-se no canto da mesa.

— Adams, você sabe perfeitamente que vinte e quatro

mil libras é muito dinheiro. Especialmente para mim.

Nunca fiz os meus cálculos pelos seus padrões.

— Cada qual deve saber que padrões quer adotar. Você

é um gatuno pequeno; ninguém lhe proibiu de transformar-

se num grande. Além disso, parece que estão confundindo

duas coisas completamente diferentes. Se enganei alguém

em doze milhões de libras, isso foi feito exclusivamente

com o dinheiro de outro. Meus negócios de bilhões nunca

tiveram por objeto a ganância pessoal. Fiz isso... bem,

digamos que fiz por esporte. Faço questão de ser

considerado um amador e um idealista. Quero que o

mundo veja em mim um ser altruísta que só se empenha

pelas grandes causas.

— Ainda continua a pensar assim? — perguntou Barry.

Homer G. Adams confirmou com um movimento lento

da cabeça.

— Ainda continuo a pensar assim. Nem pense que

pretendo retirar-me da cena quando ainda me encontro nos

melhores anos da vida. Voltarei. Tive muito tempo para

refletir, Barry. E ouvi muita coisa. Mas acho que não está

interessado nisso. Dê-me o terno e o dinheiro, e não o

incomodarei mais.

Hiram Barry parecia ter chegado a uma decisão.

— Vamos ao meu quarto, Adams. Dou-lhe meia hora

para inspecionar meu guarda-roupa.

Adams levou menos de meia hora.

— Ficarei com este — disse depois de três minutos. —

Você é pouco maior que eu em estatura; por isso o casaco

deve assentar bem em mim. Quanto à calça, poderemos

encurtar a bainha por alguns centímetros. No escuro

ninguém se incomodará com isso, e amanhã procurarei um

alfaiate. Onde posso mudar de roupa?

— No banheiro. Faça o favor.

— Muito obrigado, Barry. Vejo que nos entendemos

muito bem. Será que neste meio tempo pode preencher o

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cheque?

Dali a dez minutos Adams voltou à biblioteca. No

cheque lia-se a quantia de vinte e quatro mil libras

esterlinas e a assinatura floreada de Barry.

— Precisa de algum dinheiro em espécie? —

perguntou Barry em tom gentil. — Decerto, pretende ir a

um hotel.

— Muito obrigado. Você é muito gentil! Mas toda

pessoa traz algum dinheiro consigo ao sair da

penitenciária. Neste ponto o governo não é nada

mesquinho. Não é necessário que me dê mais que aquilo

que me compete. Homer G. Adams continua a ser o

mesmo pão-duro de antes, mas também tem seu orgulho e

nunca aceita presentes. Passe bem, Barry! Foi um prazer

vê-lo tão disposto depois de todos esses anos e entreter

uma palestra tão agradável.

Mal Adams acabara de sair, Hiram Barry discou o

número do Midland Bank e instruiu o porteiro da noite a

transmitir um recado ao gerente, na manhã seguinte, logo

após o inicio do expediente. Depois discou outro número

e, por estranho que parecesse, anunciou-se com um nome

feminino.

— O que é que você quer me perturbando a esta hora

da noite? Passei o dia todo atendendo a compromissos

profissionais e tive de encher-me até a goela. Chame

amanhã, mas só depois do jantar.

— Um momento! Você ficará curado da bebedeira se

escutar um instante.

— Deixe de lorotas. Comigo isso não pega. Até...

— Vá para o inferno! Você não está só cheio de

uísque, mas também anda com a água até o pescoço. Se

desligar, vou arrombar sua porta daqui a meia hora e

arranco você da cama.

— O que aconteceu?

— Tive de preencher um cheque de vinte e quatro mil

libras, e isso sobre minha conta no Midland Bank.

— Espere aí! Será que você ficou louco? Ou será que

uns bandidos armados entraram aí? Tanto faz! O que você

tem de fazer, meu filho, é telefonar imediatamente ao

banco para cancelar o cheque e notificar a polícia.

— O banco já foi avisado, mas de outra forma.

Mandarei suprir a conta. No momento só há um saldo de

quatorze mil libras.

O homem que falava do outro lado da linha despertara

por inteiro.

— Vamos, fale logo! Será que foi o demônio em

pessoa que veio buscar o cheque?

— Quase acertou. Foi Homer G. Adams, que hoje foi

solto da penitenciária.

O outro interlocutor ficou sem fala. Antes de responder

soltou um gemido.

— Adams foi solto? Nesse caso não diga nada à

polícia.

— Era exatamente o que pretendia fazer. Só você vai

ficar sabendo disso. E, caso não se lembre do expediente, é

bom que saiba que o banco abre às nove da manhã.

* * *

A primeira pessoa que se apresentou no guichê do

Midland Bank no dia seguinte foi Homer G. Adams.

Nem parecia perceber o rosto do funcionário, que se

contorcia nervosamente. Como que entediado, olhava para

o teto, onde uma fileira de lustres antigos parecia convidar

à contagem de lâmpadas. Parecia ter muita paciência. Um

observador por mais atento não teria percebido que seus

olhos vigiavam tudo que se passava ao seu redor.

Havia uma indagação que atormentava aquele homem

pequeno, de cabeça grande. Será que a conta apresentava

saldo suficiente? Barry poderia tê-la liquidado, pois afinal

lhe pertencia.

Depois de uma longa espera o funcionário voltou.

— Sinto muito, cavalheiro! O saldo da conta não é

suficiente. Não podemos pagar-lhe o valor integral deste

cheque.

— Qual é a diferença?

— Faltam cem libras.

— Só isso? Por que tanto espalhafato?

— Gostamos de ser corretos nos menores detalhes,

cavalheiro — respondeu o funcionário.

— Se quisessem ser corretos poderiam ter concedido

um crédito de cem libras ao titular da conta.

— Em princípio, o senhor tem razão.

Mas existe uma anotação de que esta conta deve ser

tida como liquidada após o pagamento do cheque.

— Não há problema. Contento-me em receber o saldo,

desde que não me faça esperar mais que cinco minutos.

Adams recebeu o dinheiro e saiu da zona bancária pelo

caminho mais rápido, que era o metrô. Desceu no Picadilly

Circus, fez compras e almoçou no aeroporto, em Croydon.

O garçom que o serviu viu nele um homem nervoso e

desconfiado.

— Será que vai demorar muito? Não posso perder o

jato para Tóquio.

— A partida é às 13,45, cavalheiro. Falta mais de uma

hora e meia. Como nosso serviço é rápido, não haverá

problema.

Homer G. Adams não parecia tranquilizado. Logo após

dirigiu-se em voz alta a um vizinho de mesa.

— Queira perdoar, cavalheiro. O senhor também viaja

para Tóquio? No avião que parte às 13,45?

O homem fitou-o.

— Sinto muito. Meu voo parte as 13,20 e não vou ao

Extremo Oriente.

— Desculpe — cochichou Adams com a voz

resignada.

Almoçou com uma pressa extraordinária, olhando

constantemente para o grande relógio da parede. Pagou

quando foi servido o último prato e saiu da mesa, ainda

mastigando. Dirigiu-se ao guarda-volumes.

— Escute aqui! Será que o senhor pode verificar se as

malas registradas neste ticket já se encontram a bordo?

— Ah, é o voo destinado a Tóquio? — disse o homem

depois de ter lançado um olhar para o talão. — Neste

instante a bagagem está sendo colocada a bordo!

— Tem certeza de que não esqueceram minhas malas?

O homem respirou profundamente. Teve de esforçar-se

para não perder a calma.

— É claro que não! Pois o senhor está com o recibo.

Nosso trabalho é executado com toda cautela. Não há

necessidade de controles adicionais.

— Queira desculpar. Se o senhor diz, deve ser verdade.

Na sua timidez fingida, Adams parecia satisfeito. Mas

outras preocupações pareciam atormentá-lo. Depois que

lhe tinham dito que os passageiros ainda não podiam subir

a bordo, dirigiu-se apressadamente para a saída norte do

aeroporto e chamou um táxi.

— Vamos para Epsom. Depressa!

O motorista fez o que pediu. Ao chegar a Epsom, foi

regiamente recompensado. Outro motorista recebeu a

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incumbência de levar Homer G. Adams a Dorking. Ali,

Adams tomou um terceiro táxi para voltar a Croydon. Já

eram 13,35.

— Será que o senhor consegue chegar a Croydon em

dez minutos?

— É impossível, cavalheiro!

— Faça o possível — disse Adams em tom amável.

— Não é possível, cavalheiro. Conheço cada palmo do

caminho. Se não houver o menor imprevisto, levaremos

treze minutos.

— O.K.! Vá o mais rápido que puder. As 13,45 irão

decola um avião para Tóquio. Se conseguirmos vê-lo, dou-

lhe uma gratificação de dez libras.

— Pretende viajar nele?

— Não. Só quero vê-lo decolar.

O motorista fez o possível e o tráfego ajudou. Ás 13,47

parou junto à entrada norte do aeroporto.

Adams correu para o hall e viu o avião desaparecer no

nevoeiro. Inexplicavelmente, parecia satisfeito, ao

contrário de um senhor que se encontrava perto dele e que

deu vazão à sua ira em altos brados. De tão bem-humorado

que estava Adams teve vontade de dirigir-se ao homem.

— Não leve isso tão a sério, cavalheiro. Aqui está um

companheiro de sofrimento que tem uma saída.

— Quem é você?

— Sou seu colega de infortúnio. Tenho de estar em

Tóquio hoje de noite e espero consegui-lo, apesar de tudo.

— Possui um jato particular? — perguntou o estranho

em tom mais acessível.

— Não. Mas daqui a vinte e cinco minutos deve

decolar um avião com destino a Sydney, que fará escala

em Zanzibar. Ali temos possibilidade de conexão com o

voo Cidade do Cabo a Tóquio.

— Bem, o diabo quando está com fome come mosca.

A que hora o voo da Cidade do Cabo chega a Tóquio?

— Pelas vinte e uma horas, tempo de Greenwich.

Sugiro que adquira outra passagem.

— Muito obrigado. Quer dizer que estaremos em

Tóquio antes do meio-dia.

* * *

A demora em Zanzibar foi de menos de uma hora.

Foram ao restaurante do aeroporto. Adams já descobrira

que o nome de seu companheiro de viagem era John

Marshall, e que tinha vinte e seis anos. Marshall nada

revelara sobre suas atividades profissionais. Aliás, Adams

não estava interessado, pois ainda não desconfiava da

importância daquele homem.

Mas, logo, o jogo de esconder teria um fim. Adams

comprou um jornal que um menino oferecia de mesa em

mesa. A folha mal saíra da rotativa e noticiava

acontecimentos de menos de duas horas atrás.

Na segunda página, Adams descobriu uma notícia que

não o surpreendeu muito, pois constava de suas previsões

com um grau reduzido de probabilidades. Mas significava

muito para ele. E também para John Marshall.

— Está interessado em saber o que aconteceu com o

avião destinado a Tóquio, que perdemos em Londres?

— O que pode ter acontecido?

— Explodiu perto de Kiew.

— Não brinque!

— Leia.

Adams passou o jornal ao companheiro, que leu num

instante a notícia redigida em poucas palavras.

— Santo Deus! Acho que podemos felicitar-nos pela

sorte que nos protegeu.

— Se podemos! A vida é muito mais preciosa que os

nossos pertences. De qualquer maneira espero que na sua

bagagem não haja objetos de valor.

John Marshall esboçou um sorriso significativo.

— Não havia nada de importante, Adams. Tudo que é

importante para mim cabe nesta pequena valise, que nunca

largo das minhas mãos. Não haverá problema em substituir

as roupas perdidas. Quer dizer que meu prejuízo não foi

muito grande. Espero que no seu caso não seja diferente.

Adams sentiu o olhar perscrutador de Marshall, mas

não sabia o que significava. Marshall era jovem, forte e

sadio. Seu rosto era franco, e revelava uma honestidade

incontestável. Sempre conseguia levar a palestra de

cortesia para assuntos sem importância, quando a boa

educação não lhe permitisse ficar calado.

Quando se encontravam sobre o Oceano Índico as

coisas mudaram.

— Você traz muito dinheiro consigo, não é, Adams?

— disse Marshall subitamente, depois de uma pausa

prolongada.

— Por que diz isso?

— Deduzo que seja assim, já que observa regularmente

sua pasta com a mesma atenção com que olho minha

valise. Ninguém torce tantas vezes o pescoço para olhar

para cima, se no bagageiro só traz uns sanduíches ou um

jornal.

— Que interessante! Você estuda psicologia, Marshall?

— Isso mesmo. De um tempo para cá me ocupo muito

com isso. Mas você está se desviando do assunto.

— Se quer permanecer no campo da teoria, cabe

observar que pouco lhe interessa se tenho em meu poder

uma grande soma ou não.

— Estou perguntando no seu interesse, Adams. Se tiver

dinheiro consigo, deve ser muito mais desconfiado. Um

olhar para a pasta não é suficiente!

— Enquanto a pasta estiver ali, o dinheiro também

está. Ou será que, como psicólogo, você pode interpretar a

situação de outra forma?

— Sua pasta é nova, ainda traz a etiqueta de uma loja

da Rua Regent. Aposto que foi comprada hoje de manhã.

— É verdade — disse Adams perplexo. Aonde quer

chegar?

John Marshall inclinou-se ligeiramente para frente e

esforçou-se para falar devagar.

— É bem possível que alguém tenha comprado uma

pasta igual. E se for essa pasta que se encontra no porta-

bagagem, a conclusão que você acaba de formular não será

mais válida.

Adams deu de ombros. Pensou na pistola, que se

encontrava na pasta. Se Marshall quisesse fazer alguma

coisa contra ele, este seria o lugar.

— O.K.! — disse. — Pelo que vejo está interessado em

ver muito dinheiro junto. Farei sua vontade.

Levantou-se, pegou a pasta, sentou e abriu-a. Teve uma

sensação igual à que se apoderara dele tempos atrás,

quando seu grande golpe se revelou um fracasso total.

Fechou os olhos e contou até dez. Era um velho hábito

seu, que lhe permitia conservar o sangue-frio numa

situação crítica. Quando voltou a abri-los, era novamente o

velho jogador de Bolsa que parecia não ter nervos.

— Como sabia que meu dinheiro foi roubado,

Marshall? Exijo que fale sem subterfúgios e que deixe sua

psicologia ambígua de lado.

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— Acho que pouco lhe deve importar como sei. Seria

preferível que perguntasse quem está com o dinheiro.

— Você sabe?

— Acho que sim. Mas gostaria de falar com calma

sobre isso. Está disposto a acompanhar-me ao salão de

estar? Procuraremos um canto bem isolado.

Saíram. No caminho, Adams disse:

— Antes de tudo, gostaria de notificar o comandante

sobre o roubo. Faça o favor de reservar um lugar

apropriado.

Não demorou em voltar.

— Tudo em ordem, no que diz respeito à notificação.

Espero que possa fornecer mais alguns detalhes. As

investigações policiais só serão iniciadas depois que

pousarmos. É possível que isolem o aeroporto e não

deixem os passageiros saírem.

— Mas isso não me dá muita tranquilidade. Gostaria de

resolver o assunto enquanto estamos em viagem. Em sua

opinião, quem é o autor do crime?

— Não sei. As suspeitas recaem sobre uns seis ou oito

passageiros.

— Os mesmos se encontram a bordo, ou será que a

pasta já foi trocada em Zanzibar, ou antes, que

chegássemos lá? Um momento! Verifiquei no restaurante

do aeroporto, e tudo estava em ordem. Quer dizer que

nosso homem deve estar a bordo. A pasta só pode ter sido

trocada durante o embarque. Tivemos de fazer fila e só

avançamos devagar. É possível que tenha descansado a

pasta no chão algumas vezes.

— A reconstrução dos fatos é correta. É exatamente o

que imagino. Mas realmente não sei dizer quem foi. Só

pode ter sido alguém que durante o embarque se

encontrava próximo a nós. Já dei uma boa olhada em toda

aquela gente, mas não descobri ninguém que andasse com

uma pasta igual à sua.

— É estranho. Você sabe tão pouco! E apesar disso sua

suspeita correspondeu exatamente à realidade.

— Mais uma pergunta — disse Marshall, mudando de

assunto. — A importância desaparecida pode ser muito

elevada para um homem comum. Esse dinheiro também

faz muita falta a você?

— Não entendo — disse Adams em tom hesitante.

Voltou a suspeitar de John Marshall. — Muitas vezes suas

perguntas são bastante estranhas, Marshall. Mas não posso

imaginar que o ladrão adotasse um comportamento tão

estranho como o seu.

A resposta de Marshall morreu por entre um sorriso.

A porta do salão abriu-se de supetão e alguns homens

barulhentos entraram. Dois deles voltaram a fechá-la e a

trancaram, embora outros passageiros procurassem entrar.

Quase todos os passageiros que se encontravam no

salão saltaram das suas cadeiras, o que contribuiu para

aumentar a confusão. No meio da gritaria não se entendia

uma palavra. Subitamente um dos homens pediu silêncio

com a voz trovejante, reforçando seu pedido com a pistola

que trazia em punho.

— Sentem! — ordenou o desconhecido. — Quero

formular algumas perguntas. Qual dos senhores traz uma

arma? Façam o favor de avisar imediatamente. Não

pretendemos tomá-la, mas trata-se de fazer uso dela.

John Marshall foi o primeiro que levantou o braço.

Vários passageiros seguiram seu exemplo, inclusive

Homer G. Adams, depois de ligeira hesitação. Ao todo

eram sete.

Logo começaram a perguntar o que significava tudo

isso.

— Silêncio! — voltou a trovejar a mesma voz. —

Encontramo-nos numa situação crítica. Alguns dos

passageiros dominaram a tripulação e assumiram o

comando do avião. Vários deles entraram na cabina de

passageiros, para desarmar todo mundo. O que importa no

momento é vigiar esta porta, para não deixar ninguém

entrar. E peço que formulem sugestões de como podemos

restabelecer a ordem a bordo.

— O senhor não pode manter essa porta trancada! —

indignou-se uma senhora. — Meu marido e meus filhos

estão na cabina de passageiros.

Outras pessoas formularam objeções semelhantes. Mas

ficaram em minoria e suas palavras não encontraram

receptividade.

— Neste momento não podemos preocupar-nos com

problemas desse tipo. Peço-lhes que mantenham a

disciplina e não se esqueçam do perigo em que nos

encontramos.

— Seria conveniente não exagerar o perigo — disse

alguém que se encontrava num ponto mais afastado. — Se

enfrentarmos esses bandidos, poderemos levar a pior. Essa

gente não deve estar interessada em matar-nos; sem dúvida

só está atrás dos nossos pertences. Proponho que

capitulemos imediatamente, para não arriscarmos a vida.

— Seu covarde! — protestou alguém.

Outro passageiro manifestou uma suspeita:

— Até parece que você é um dos bandidos.

— É bom que só fale um de cada vez — pediu John

Marshall. — Creio estar em condições de explicar os

acontecimentos. O importante é vigiar a entrada da cabina

de passageiros.

Alguns homens armados adiantaram-se e se ofereceram

para cuidar desse ponto.

— Conte! — pediu o passageiro que falara em

primeiro lugar, dirigindo-se a John Marshall.

— De início quero ressaltar que não tenho certeza de

nada — principiou este. — Mas o que sei me leva a

desconfiar de que o perigo não é de ser menosprezado.

Não há dúvida de que os bandidos estão interessados nos

nossos pertences. E trata-se de algo bem definido, no valor

de pouco mais de vinte e três mil libras esterlinas. Já se

apoderaram desse dinheiro.

— Se é assim, por que fazem tanto espalhafato? —

perguntou um dos presentes. — Não querem tirar nada dos

outros, inclusive de mim?

— Provavelmente não. Dificilmente estarão atrás do

seu dinheiro. Quando muito, estarão interessados nas jóias

de sua esposa. Para nós o grande perigo resulta do fato de

que os bandidos devem estar empenhados em matar a

vítima do roubo, pois o dinheiro e algumas outras coisas

que não vêm ao caso só estarão seguras em suas mãos se

matarem esse homem.

— Quem é a vítima?

— Isso não interessa.

Adams não se conformou com a recusa de Marshall.

Levantou-se e cumprimentou os presentes.

— A vítima sou eu. Queiram perdoar se minha

presença lhes trouxe tantos problemas, mas a culpa não é

minha.

Adams sentiu a mão de Marshall pousada em seu

ombro. Voltou a sentar. Era preferível que John Marshall

falasse.

— Senhoras e senhores, dentro de pouco tempo serão

obrigados a agir. Por isso peço-lhes que se abstenham de

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perguntas supérfluas. O perigo atinge a todos, por menos

interessado que os bandidos estejam na maioria dos

senhores. Estão atrás do senhor Adams. Para eliminá-lo,

não hesitarão em desviar o avião para outro local. Talvez

seja um trecho inóspito do litoral, a selva da índia ou as

montanhas do Tibet. Acho que já compreenderam que

devemos tomar alguma providência para defender-nos.

Enquanto estivermos voando, não corremos nenhum

perigo imediato. Mas isso pode mudar logo.

Até ali nenhum dos bandidos tentara arrombar a porta

que ligava o salão à cabina dos passageiros.

Ainda havia alguns membros da tripulação no trecho

não ocupado do avião. Eram dois cozinheiros, um garçom

e três aeromoças.

Marshall dirigiu-se a eles.

— Deve haver um telefone para comunicação com a

cabina de comando. Será que posso usá-lo?

A cortesia numa situação dessas nunca deixa de

impressionar. Marshall foi conduzido imediatamente ao

aparelho. Um dos garçons comprimiu o botão. Do outro

lado da linha atenderam. Mas desta vez não se percebeu

nada de cortesia.

— Que quer? Pretende fazer propostas de paz? Fale

logo.

— Adivinhou! Se não fosse isso, não teria entrado em

contato com vocês.

— Não haverá paz, a não ser que capitulem

incondicionalmente.

— É isso que queremos evitar. Afinal, as negociações

servem para alcançar uma solução conciliadora.

— Não gaste seu fôlego à toa, rapaz. Ainda precisará

dele.

— Um momento! É claro que temos algo a oferecer.

Sei muito bem que gente do seu tipo não dá nada de

presente.

— O que é que você pode nos arranjar?

— Tenho dinheiro. Isto é, um dos passageiros tem.

— Muito obrigado pela informação. Ainda hoje

apanharemos o resto da grana. Não se preocupem com isso

antes do pouso.

— Acontece que o dinheiro não se encontra a bordo.

Não convém falar tanto no telefone. Muita gente está

escutando. Você me garante livre trânsito para ir à sala de

comando e voltar?

— Se deixar a pistola para trás, pode vir.

Marshall ainda teve de enfrentar problemas com alguns

dos passageiros. Uns achavam que a tentativa de

negociação era inútil, face à situação de inferioridade em

que se encontravam. Outros, sem rebuços, manifestavam a

suspeita de que era um dos inimigos, e que apenas

desejava escapar. Mas acabaram permitindo que fosse.

Na cabina de passageiros, Marshall foi recebido pelos

bandidos, que o conduziram à cabina de comando.

Enquanto andava, procurou calcular seu número. Eram

pelo menos dez, o que o deixou bastante impressionado.

O homem que se encontrava no assento do piloto era

um estranho muito bem trajado. Assumira o comando,

ajudado por dois elementos, e parecia dominá-lo

perfeitamente.

— Johnny, ocupe meu lugar enquanto converso com

este cavalheiro. Bom dia. Foi você que telefonou há

pouco?

Marshall sentou sem esperar convite.

— Gostaria de expor meu ponto de vista sobre a

situação. Vocês concluirão se estou com a razão ou não.

— Fale seu profeta de meia-tigela.

— Vocês estão atrás de Adams. Já se apoderaram do

seu dinheiro. Só precisam acabar com ele, para que não os

possa incomodar mais. Mas não podem matá-lo e aterrissar

em Tóquio conforme a previsão. Por isso pretendem

pousar em algum ponto do sul da Ásia, de onde

desaparecerão sem deixar vestígios. O que me importa é a

sorte dos outros passageiros, nos quais vocês não devem

ter o menor interesse. Consegui fazer-me entendido até

aqui?

— Continue meu filho. Não deve ser só isso que tem a

dizer.

— Por enquanto é só. Minha oferta só faz sentido se a

exposição que acabo de fazer for correta.

— Você disse que nos arranjaria algum dinheiro. Sabe

onde Adams está guardando o resto? O dinheiro que nos

oferece é de Adams, não é?

— É claro! São mais de quarenta mil libras depositadas

no Banco de Montreal. A proposta que faço é a seguinte:

sacrifico Adams e o resto do seu dinheiro, fora algumas

despesas para mim; é claro. Em compensação os senhores

garantem a segurança dos outros passageiros. Concordam?

— Em quanto calcula suas despesas? — perguntou o

chefe.

Depois que Marshall mencionara a soma de quarenta

mil libras, tornara-se muito mais cortês.

— Duas mil libras. Não quero prejudicá-los.

— De acordo. Sua proposta é razoável. Como faremos

para pôr a mão no dinheiro?

— Terá de fazer de conta que está negociando com

Adams. Descobriremos um meio de dissipar suas

suspeitas. Afinal, ele estará pagando seu próprio resgate.

Tenho certeza de que tem um código para transferências

telegráficas. Dessa forma o assunto poderá ser resolvido

sem maior perda de tempo. É verdade que ele só me

conhece desde o meio-dia, quando nos encontramos em

Croydon, mas já consegui captar a confiança dele. Mas

vamos à segunda parte do nosso acordo. Onde pretendem

pousar? — John Marshall manteve todo o autodomínio.

— Dispomos de um lugar muito bom perto de Rangun

— disse o chefe, enquanto no íntimo evocava um ponto

completamente diverso. — Dali será fácil entrar em

contato com Londres. E seus cordeirinhos não demorarão

em encontrar condução para Tóquio.

Poderia dizer como é seu campo de pouso secreto?

Estou interessado nos detalhes, porque não quero correr o

menor risco.

Era evidente que o chefe estava pensando no sul da

índia, numa região situada entre as montanhas de

Cardamon e a cidade de Madura. O que dava na vista era a

transição de uma espessa mata virgem numa área extensa

de estepes.

— Trata-se de um velho aeródromo para naves que

pousam e decolam na vertical. Serve perfeitamente aos

nossos objetivos. Nas proximidades só existe uma aldeia

de nativos. Assim não correrei maiores riscos. Então,

como é? Vai falar com Adams?

— Naturalmente. E é bom que seja logo.

— Muito bem. Vá. Cá entre nós, consideramo-nos em

estado de armistício.

John Marshall voltou.

— Eles nos deixarão em Rangun — declarou aos

passageiros. — Dali existe conexão para o Japão e a

Coréia. A única exigência que fizeram é que após o pouso

permaneçamos a bordo o tempo suficiente para que os

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bandidos se coloquem a salvo. Não consegui arrancar mais

que isso.

— É muito, se for verdade. Mas é pouco se

considerarmos que não dispomos de nenhuma garantia de

que a promessa será cumprida.

Marshall procurou tranquilizar seu interlocutor.

— Não podemos ser muito exigentes. Se achar que

pode conseguir um acordo mais vantajoso, vá até lá.

A maior parte dos passageiros pôs-se do lado de

Marshall, louvando sua coragem.

Enquanto o tom das conversas foi crescendo e uma das

aeromoças anunciava que no momento estavam

sobrevoando a parte norte do arquipélago das Maldivas,

John Marshall, sem que ninguém o percebesse, retirou-se

em direção ao toalete. Tirou do bolso um minúsculo

transmissor, que pareceria um tanto estranho aos olhos de

qualquer técnico terreno do século XX.

— É Marshall que fala, é Marshall. Estou chamando a

Terceira Potência. Por favor, respondam. Aqui fala John

Marshall. Por favor, Perry Rhodan, responda!

As sereias uivaram e campainhas estridentes tiniram no

território bloqueado do deserto de Gobi.

A voz de Reginald Bell saiu retumbante dos alto-

falantes fixados do lado de fora das barracas:

— Alarma número um! Os combatentes devem

comparecer imediatamente ao comando central.

Perry Rhodan, que estava prestes a voltar para junto do

cérebro robotizado para fazer realizar alguns cálculos

detalhados, fez meia-volta e correu os duzentos metros.

Chegou juntamente com Kakuta, o capitão Klein é o

tenente Kosnow.

— Minha gente; já encontramos um ministro das

finanças — explicou Bell. — Mas ele se encontra nas

mãos de uns bandidos. Dentro de poucos minutos será

largado na ponta sul da índia, onde por certo darão cabo

dele.

Marshall acaba de transmitir o comunicado.

— Todos para a nave espacial! — ordenou Rhodan.

Quando saíram da barraca, cruzou com Thora.

— Mais uma vez a humanidade se encontra em estado

de alarma — constatou esta em tom indiferente.

— Precisamos da nave, Thora. Não acredito que você

ou Crest tenha outros planos com ela.

— Fique à vontade, Perry. Vejo que mais uma vez tem

de resolver um assunto de repercussão mundial.

Rhodan não teve tempo de aborrecer-se com o tom

irônico em que foram proferidas essas palavras. Continuou

a correr, pois a senha “ministro das finanças” bastara para

trazer-lhe à consciência a importância dos acontecimentos

que se desenrolavam naquele instante.

Calculara de cabeça a distância entre o deserto de Gobi

e o décimo grau de latitude e concluíra imediatamente que

mesmo com seu traje de arcônida não chegaria a tempo. A

única possibilidade era a nave espacial, cuja aceleração

seria suficiente para vencer em poucos minutos a distância

de quatro mil quilômetros.

Exatamente oitenta e cinco segundos se passaram do

alarma até a decolagem da nave-gigante. Bell,

profundamente reclinado na poltrona, dispensou todos os

dispositivos de direção automática.

— Peter! — gritou, dirigindo-se a Kosnow. — Gire o

mapa para o sul da índia. A coisa acontecerá a cento e

cinquenta quilômetros a oeste de Madura. Temos de ir ao

encontro do avião um pouco mais ao sul, Perry. Se

conseguirmos avistá-lo, tudo dará certo. Da última vez que

Marshall anunciou sua posição, encontravam-se sobre as

Maldivas.

— Não há problema — disse Perry Rhodan em tom

tranquilizador. — Com este balão mágico conseguiremos.

A nave esférica dos arcônidas voava a cento e trinta

quilômetros de altura. Via-se perfeitamente que o globo

terrestre girava abaixo deles, como se um punho titânico

lhe tivesse desferido um tremendo soco. O planalto do

Tibet, o Himalaia, o Nepal, o Ganges deslizaram abaixo

deles. Por alguns minutos passaram sobre a água do Golfo

de Bengala, entre Dchaipur e Madras. De repente Reginald

Bell avistou o avião. Os homens acotovelaram-se à frente

da tela.

— Deve ser o traço cintilante que se vê ali. Mantém

uma rota bem definida. A altitude é de dez mil metros,

aproximadamente.

— Tomara que não nos vejam! — disse Kosnow.

— É impossível! — Bell sorriu. — Colocamos a capa

que nos torna invisíveis. Mesmo que esses cavalheiros

examinem o céu por cima deles, o mecanismo defletor dos

raios luminosos fará com que não vejam a menor mancha.

Quer que desça mais?

Rhodan fez que sim.

— Aproxime-se a dois mil metros. Devemos aterrissar

logo após o avião. Não quero dar muito tempo aos

bandidos, para que não tomem qualquer medida defensiva.

— Será que podem fazer alguma coisa contra nossos

armamentos?

— Têm muitos reféns a bordo — ponderou Rhodan. —

Nestas condições nossa superioridade técnica não

adiantará muito.

III

— Que história de quarenta mil libras é essa? — disse

Homer G. Adams indignado. — Não tenho esse dinheiro.

Se tivesse, não estaria disposto a...

— Sei que você é um pobretão — tranquilizou-o

Marshall. — Mas não é necessário contar isso aos

bandidos. Basta entreter o chefão por algum tempo, até

que recebamos auxílio. De qualquer maneira terá de fazer

de conta que possui esse dinheiro e que está disposto a dá-

lo em troca da vida.

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— Até que recebamos auxílio? — disse Adams,

esticando as palavras. — Será que você dispõe de relações

que lhe permitem dar expressão a uma esperança desse

tipo?

John Marshall esboçou um sorriso misterioso.

— Bem, você pode pensar no assunto. Ainda dispõe de

exatamente três minutos até o pouso. Aí provavelmente o

chefão não tardará a chamá-lo.

Adams olhou para o relógio e a pequena tela que se

encontrava sobre a entrada da cozinha de bordo.

— Ainda faltam mais de dois mil quilômetros para

Rangun. Acho que você errou na conta, Marshall.

— Nada disso! Vamos aterrissar perto de Madura.

Não havia tempo para outras perguntas. O chefão já

iniciara as manobras de aterrissagem. O avião desceu

como uma pedra que despenca num abismo. Os

passageiros tiveram de segurar-se. Depois de um baque

pesado, o avião parou.

— Aterrissamos! — disse alguém.

Na tela via-se uma paisagem de estepe coberta de

arbustos e mais ao longe, que nem uma muralha, a beira de

uma densa floresta.

Marshall voltou a usar o interfone. Ao voltar, disse:

— Adams, o pessoal quer que você venha comigo. Os

outros devem esperar até que as negociações estejam

concluídas. Peço aos cavalheiros que mantenham a calma

e a disciplina por mais alguns minutos. Não há motivo

para duvidar do desfecho feliz das negociações.

Marshall e Adams tiveram de usar o elevador para

chegar à proa, já que o jato se encontrava em posição

vertical. Os assentos dos passageiros haviam realizado um

giro de noventa graus nas suas articulações.

— Sinto observar, chefe, que você não cumpriu nosso

acordo — protestou Marshall ao entrarem. — Será que é

tão ignorante de geografia que não sabe distinguir o Norte

e o Sul da índia?

— Decidimos de outra maneira, Marshall. Mas isso

não prejudica nosso acordo. Madura é tão boa quanto

Rangun.

— Acontece que Madura fica a cento e oitenta

quilômetros daqui. Como vai levar os passageiros para lá

num curto espaço de tempo?

— Deixe isso por minha conta. O que me interessa

saber é o que Adams acha da minha proposta.

— Por mais benevolente que se queira ser, sua

proposta não passa de um ato de chantagem — disse

Homer G. Adams em tom contrariado. — De qualquer

maneira, tomei conhecimento da sua exigência e tenho de

admitir que minha vida valha o dinheiro que possuo. Mas

não pensarei em pagar um resgate enquanto minha

segurança pessoal não estiver garantida. Peço-lhe que me

dê suas ideias sobre este ponto.

— É tudo muito simples. Você assina um cheque,

envio um mensageiro a Madura, onde temos possibilidades

de entrar em contato com o Banco de Calicut, e

aguardaremos para saber se o negócio está em ordem.

Assim que a quantia combinada estiver em minhas mãos,

solto você e os outros passageiros.

— O negócio não serve. Em primeiro lugar é muito

demorado, pois com essa história de mensageiro

perderemos ao menos dois dias. Depois, não há nenhuma

reciprocidade de garantias. Como vou saber se me soltará

quando estiver com o dinheiro nas mãos? Queira pensar

numa solução melhor e procure ser objetivo.

— Até parece que você ainda não compreendeu a

situação em que se encontra — respondeu o chefão em

tom mordaz. — Acontece que todas as vantagens estão do

meu lado, e não estou disposto a desistir delas por causa da

sua paixão pela objetividade.

— Hum! — interveio Marshall, cujo rosto apresentou

um estranho traço de otimismo. — Se alguém pode falar

em vantagem somos nós, não você. Seria conveniente que

se interessasse um pouco por aquela tela, que lhe pode

revelar algumas belezas paisagísticas e outras surpresas.

Num movimento reflexivo todos olharam para a tela,

onde se viam figuras estranhas que caíam do céu.

— Esses trajes não são de mergulhador — esclareceu

Marshall em tom satisfeito. — Trata-se de uma pequena

brincadeira técnica realizada por uma civilização superior.

O azar é seu, pois esses homens são meus aliados. Que tal

deixarmos de lado esse jogo de esconder e passarmos às

realidades, chefe? Sugiro que coloquem suas armas sobre a

mesa, levantem as mãos e nos digam onde esconderam os

membros da tripulação, para que este jato possa chegar a

Tóquio sem maior atraso.

A única resposta consistiu num sorriso confuso. No

rosto do chefe dos bandidos espelhavam-se a surpresa, a

incredulidade, o medo e a raiva.

— Marshall, você é um sonhador incorrigível. Deixe

de blefes. Esses dois esquisitões podem passear à vontade

por aí. Devem estar curiosos por termos realizado um

pouso não programado. Dificilmente representarão um

reforço para você. Vamos voltar ao assunto.

— Estamos no assunto, chefe. Para falar com

franqueza, sua leviandade me assusta um pouco. Se fosse

você, já teria procurado liquidar esses visitantes que

vieram sem serem convidados.

— Haja quem compreenda você, Marshall! Às vezes

até parece que está se candidatando para ser um membro

do nosso grupo. Mas está bem, vamos atirar. Jim, você

pode dar conta do recado.

Jim levantou-se com um sorriso de escárnio no rosto e

pegou uma pistola automática. O chefe acionou um

mecanismo que abriu uma pequena escotilha. Jim tomou

posição de tiro. Apertou o gatilho e manteve a mira

centrada sobre os dois vultos estranhos até esvaziar o pente

de balas. Ao abaixar a arma fez uma cara de espanto.

— Ainda estão por aí, chefe. Aposto que acertei pelo

menos um de cada três tiros. Alguém pode me dar mais

um pente de balas?

— Você vai gastar munição à toa — disse subitamente

uma voz masculina com sotaque japonês. Ninguém, a não

ser John Marshall, estava preparado para a aparição. Os

homens viraram-se sobressaltados e encararam o rosto de

Tako Kakuta.

— Quem é este? — gaguejou o chefe. Estava tão

confuso que o japonês não teve a menor dificuldade em

quebrar a última resistência com o psicorradiador que

trazia no bolso.

— Sou amigo de vocês, cavalheiros. Coloquem as

armas aqui e recuem até a parede. Não lhes faremos nada.

Dentro de poucos segundos os bandidos estavam

encostados à parede e deixaram que os algemassem. Dali a

pouco o restante do bando foi dominado e os membros da

tripulação puderam ser libertados.

John Marshall trocou algumas palavras com o

comandante da aeronave, ao qual desejou uma boa viagem

a Tóquio. Face ao desfecho feliz da aventura os homens

rodearam-no, convidaram-no para uma lauta refeição e

formularam inúmeras perguntas.

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— Sinto decepcioná-los! Acontece que sairei de bordo

em companhia do senhor Adams. Não estou habilitado a

prestar todos os esclarecimentos. Peço-lhes que se

contentem com o fato de terem escapado sãos e salvos e

sem prejuízo no seu patrimônio.

* * *

— Fico-lhe muito grato — disse Homer G. Adams,

dirigindo-se a Marshall, depois que o foguete havia

desaparecido nas nuvens. — Evidentemente, peço que me

forneça às explicações que recusou aos passageiros.

— Será que precisa de esclarecimentos?

— Por que não? Acha que sou algum vidente?

— É o que vamos descobrir. Afinal, você é o maior

especulador de Bolsa e manipulador financeiro que já

existiu sobre a Terra. Uma coisa dessas não acontece por

nada. Em geral os supergênios possuem um sexto sentido.

É claro que você possui dons sobrenaturais ou

supersensoriais, conforme queira exprimir-se.

— Você acredita seriamente nessas lorotas? —

perguntou Adams.

— Não, respondeu Marshall. Não acredito. Não

devemos confundir ciência com religião. Na primeira

sabe-se alguma coisa, na última acredita-se. E a

parapsicologia é uma ciência.

— Gosto muito de aprender — disse Adams com as

sobrancelhas levantadas. — A única coisa de que entendi

até hoje foi o dinheiro.

— E com isso revelou bons conhecimentos de

psicologia das massas. E a distância entre a psicologia e a

parapsicologia só é de um passo, mesmo que esse passo

conduza por cima de uma muralha. Você deve estar

surpreso com a aparição de meu amigo Kakuta. Quando

tiver recebido alguma instrução parapsicológica deixará de

surpreender-se.

— Quer dizer que você é um fenômeno

parapsicológico? — perguntou Adams, dirigindo-se ao

japonês. — Devo confessar que fiquei tão surpreendido

com sua aparição quanto os bandidos. De qualquer

maneira, deve haver uma explicação natural para isso.

— É claro que há — confirmou o japonês com um

gesto amável. — Assim que a teleportação for um

fenômeno natural para você, minha aparição também será.

— Tele... o quê?

— Sou filho de um casal de japoneses que por ocasião

do lançamento da primeira bomba atômica, em 1945, ficou

exposto a intensas radiações. Dali resultou uma mutação

das características hereditárias. Tornei-me um mutante.

Homer G. Adams ficou calado. Seu sorriso já não

apresentava o menor traço de ironia. Depois de algum

tempo disse:

— Você é capaz de, independentemente de quaisquer

recursos técnicos, transformar seu corpo em energia e

fazê-lo ressurgir em outro lugar. É isso?

Tako Kakuta confirmou.

— Em princípio, sim. Acontece que o lugar em que

posso ressurgir fica sujeito a limites bastante restritos. É

possível que através de um treino persistente, eu possa ir

aumentando a distância.

— Isso é formidável, meu caro. Com esse dom você

poderia...

Adams interrompeu-se em meio à frase. Um contato

importante parecia ter-se completado em seu cérebro.

— Continue — pediu Marshall. — Kakuta é um

homem que sabe apreciar os bons conselhos.

— Um instante — pediu Homer G. Adams. — Como

foi essa história da rajada de tiros disparada por Jim? Onde

foram parar os dois homens naqueles trajes estranhos? Por

que Jim não conseguiu matá-los?

— Você está formulando muitas perguntas de uma só

vez. Jim não conseguiu nada porque os projéteis que

disparou foram absorvidos por um envoltório energético.

Os dois homens não sofreram nada. Retiraram-se para

trazer nossa nave até aqui. Afinal, queremos dar o fora

daqui o quanto antes. Poderei pedir ao nosso comandante

que o leve a Tóquio.

— O que vou fazer em Tóquio, Marshall? Dali teria

que seguir viagem e fazer outra baldeação em Pequim.

Aqui estou muito mais perto do meu destino.

— Nesta estepe junto às montanhas de Cardamon?

— Vamos deixar de fingimento, Marshall? Desde

Londres você está atrás de mim, não é verdade?

— É verdade. Quando descobriu?

— Meu cérebro deve ter sofrido bastante nos último

quatorze anos. Só agora começo a enxergar as coisas.

Nossos objetivos eram os mesmos, mas nenhum de nós

sabia do outro.

— É um engano seu. Eu sabia.

— Conhecia as minhas intenções? Desde quando?

— Desde que saiu da penitenciária. Estávamos muito

interessados na sua pessoa. Você compreenderá quando

Perry Rhodan lhe expuser com todos os detalhes o estado

lastimável das nossas finanças.

— Por que se lembrou de justamente de mim?

— De quem iríamos nos lembrar? Não há dúvida de

que você é um gênio financeiro. Ainda bem que, depois

daquele processo sensacional, ao menos permitiram que

continuasse a viver. Encontramos num arquivo diversas

notícias de jornal que despertaram nossa atenção.

Estudamos o seu passado. Rhodan decidiu conseguir um

indulto para você e acompanhar seus passos, para que logo

se encontrasse conosco.

— Espere aí! Afinal, minha pena foi comutada por

bom comportamento...

— Isso não deixa de ser verdade. De qualquer maneira

nossos agentes utilizaram certos recursos dos arcônidas

para apressar a decisão da Justiça. Temos um aparelho

psíquico, que estimula a capacidade decisória do indivíduo

através de certas radiações de alta frequência. Você já teve

oportunidade de assistir ao seu funcionamento. Foi quando

Kakuta desarmou os bandidos.

— Está certo — objetou Adams. — Você me

apresentou Kakuta, que é um verdadeiro teleportador.

Além disso, fez, num espaço de poucos minutos, uma

demonstração das conquistas mais formidáveis da

tecnologia. Mas ainda resta sua afirmativa de que já

conhecia minhas intenções quando deixei à penitenciária.

É verdade que nas últimas semanas acompanhei com o

maior interesse todo o noticiário jornalístico sobre Perry

Rhodan. Também é verdade que aos poucos foi surgindo

em mim o desejo de ser útil a ele, se tivesse possibilidade

para isso. Mas não falei com quem quer que seja sobre

estes meus planos.

— Mas pensou neles. Para mim isso basta.

Mais uma vez, Adams não soube o que responder. O

japonês veio em seu auxílio, esboçando um sorriso.

— É que John Marshall é nosso segundo exemplar

parapsicológico. Isso explica tudo, Adams. É um telepata.

Basta que você pense intensamente numa coisa para que

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ele possa tirar suas conclusões.

— Isso me deixa tonto, meus caros. Afinal, não sou tão

jovem assim. Deviam ter um pouco de consideração por

minha pessoa.

— Se quiser trabalhar para Perry Rhodan, deve

acostumar-se a muita coisa aparentemente inacreditável.

Mas pela nossa experiência no assunto podemos asseverar

que o homem se acostuma muito depressa a essas coisas.

Ah, aí vêm nossos amigos. Me entregue sua pasta, Adams.

— Nem pense nisso. Não sou tão velho que precise de

um carregador por causa de alguns quilos de papel moeda.

Aliás, falta explicar uma coisa, se bem que a esta altura eu

talvez devesse adivinhar tudo. O chefão dos bandidos disse

que seu destino seria a cidade de Rangun. Apesar disso,

você sabia que ele pousaria aqui. Também descobriu isso

por via telepática?

— Só poderia ter sido. Minha aparente disposição para

negociar não passou de um blefe. Só tive necessidade de

um ligeiro contato com o homem para descobrir seus

planos. Assim que soube que pretendia pousar a oeste de

Madura, informei nossos amigos no deserto de Gobi. O

resto ficou por conta deles.

A gigantesca nave esférica dos arcônidas pousou diante

de Marshall, Adams e Kakuta e abriu uma das escotilhas.

Quando se encontravam a cerca de duzentos metros de

distância Perry Rhodan surgiu na escotilha e saltou para o

chão. Foi andando devagar ao encontro deles. Dali a pouco

o dirigente da Terceira Potência viu-se pela primeira vez

diante de seu “ministro das finanças”.

— Seja bem-vindo, Adams. Fico satisfeito em saber

que encontrou o caminho para junto de nós.

— Foi um caminho muito difícil, Rhodan, mas tive um

prazer imenso em percorrê-lo. É que não sei ficar sem

fazer nada. Foi o que mais senti nos últimos quatorzes

anos. Você tem problemas financeiros, não tem?

IV

Nova Iorque.

Quem caminha da esquina da Broadway com a Quinta

Avenida na direção norte encontra do lado esquerdo um

edifício de vinte e dois andares, construído no fim da

década de trinta. Mal se vê a fachada, já que mais de trinta

firmas penduraram nela propagandas luminosas. Há anos

ninguém se preocupa com a beleza ou a feiúra desse tipo

de enfeite, pois o aspecto desse edifício em nada se

distingue dos demais de Manhattam. Só os funcionários de

alguns escritórios situados nas proximidades notaram que

numa segunda-feira ensolarada alguns trabalhadores se

puseram a executar obras na área situada entre o sétimo e o

nono andar. Dentro de poucas horas foi retirada a

propaganda de certa marca de pasta de dentes, de um

xampu e um pneu antiderrapante. De noite, as letras GCC

reluziam em tonalidades amarelo-azuladas. A única coisa

notável foi à velocidade do trabalho, que permitiria a um

observador atento tirar certas conclusões sobre a

mentalidade do patrão.

No entanto, só no dia seguinte descobriu-se o que

significavam as letras GCC. Um anúncio de página inteira

do New York Times deu notícia de que a General Cosmic

Company abrira seu escritório naquele local. A

propaganda apontava a empresa como agência de

consultoria e oferecia a qualquer interessado, fosse qual

fosse seu ramo de atividade, assessoria e também

maquinismos adequados a preços extremamente favoráveis

que, em comparação com as vantagens oferecidas, podiam

ser considerados sensacionais.

O gerente, Homer G. Adams, seguindo instruções do

proprietário, Benjamim Wilder, contratara três

funcionárias. A única coisa que trouxera foi muito papel

em branco. Não havia documentos escritos. Na conversa

dirigida às três funcionárias limitara-se a dizer o seguinte:

— O proprietário da firma confiou-me a direção do

negócio. Somos um empreendimento novo, que não tem

tradição nem antecessores. Faço votos de que com o

auxílio das senhoritas dentro de pouco tempo as letras

GCC adquiram fama mundial. Exijo o máximo de

dedicação e uma correção absoluta. Trazem consigo a

vantagem de serem tão novas profissionalmente como é a

firma. Crescerão com ela e conquistarão boas posições,

desde que nos entendamos bem. Para os serviços de

registro, escrita e contabilidade dispõem de máquinas. Para

certos trabalhos intelectuais, como os de cálculo e

estatística, temos este aparelhozinho eletrônico, cujo

funcionamento eu lhes explicarei daqui a pouco. Quanto

ao mais, exijo dedicação ao trabalho e correção, conforme

já salientei, e ainda cortesia para com toda e qualquer

pessoa que entrar neste recinto. Obrigado.

O expediente começava às oito e meia. Das nove horas

em diante eram recebidos os clientes e vendedores. As

nove em ponto, a senhorita Lawrence anunciou o primeiro

visitante. Era um mensageiro de uma casa de flores, que

trazia um buquê de duas dúzias de gladíolos. O cartão que

acompanhava as flores trazia a assinatura do proprietário

da firma, senhor Benjamim Wilder. Homer G. Adams

guardou o cartão com um sorriso condescendente e

despendeu uma palavra de elogio para com o chefe

ausente. O mensageiro foi dispensado com uma gorjeta de

um dólar.

No momento em que o mensageiro saía um cavalheiro

que se chamava Abraão Weiss, e cuja largura correspondia

à metade da altura, chegava.

— Bom dia, senhor Adams! Li seu anúncio no New

York Times...

— Queira sentar, senhor Weiss.

Weiss deixou-se cair numa poltrona. Parecia bem

disposto.

— Bem, senhor Adams, como ia dizendo, li seu

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anúncio e resolvi dar uma chegada até aqui para saber um

pouco mais. Pensando bem, o que o senhor promete não é

pouco.

— Depende dos padrões que se queiram usar. O que

posso fazer pelo senhor, senhor Weiss?

— Bem... como direi? De início, minha visita tem um

caráter puramente informativo. Sou bom nos negócios.

Mas tenho muita curiosidade para conhecer todo e

qualquer tipo de progresso. Talvez estivesse perdendo

alguma coisa se não o procurasse, não é?

— É bem possível. Diria que toda pessoa que não

procura a GCC perde alguma coisa.

— Muito bem! Isso é um ótimo slogan.

— Afinal, o que está precisando? — disse Adams em

tom tranquilo. Embora não apreciasse os modos do

visitante, isso não o impressionou.

— Sim, do que estou precisando? — refletiu Weiss. —

Estou interessado num projeto no Colorado. Talvez seja

interessante para o senhor. Entende alguma coisa de usinas

de eletricidade?

— Trata-se de usinas atômicas?

— Não, de usinas hidráulicas. É um projeto totalmente

convencional. Trata-se de produzir eletricidade com água

represada. Não me diga que o projeto é conservador

demais.

— Nem penso nisso. Quer dizer que está construindo

uma hidrelétrica?

— Isso mesmo. No trecho superior de Arkansas, perto

de Cripple Creek. Ou melhor, ainda não estou construindo.

Mas minha firma gostaria de receber o contrato.

— Quer dizer que precisa de uma base de cálculo

favorável, para poder concorrer com os outros

pretendentes?

— Não é bem isso, senhor Adams. Nossa proposta já

foi formulada e acredito que temos as melhores chances.

Afinal, somos a empresa mais importante no setor. Mas, a

título meramente informativo, gostaria de saber se tem

alguma coisa no seu arsenal que poderia ser de utilidade

para nós. Quero conhecê-lo melhor, sabe? Gostaria de

saber quem é a GCC e o que faz. Talvez em outra

oportunidade possamos concluir um negócio. Tenho

certeza de que também aprecia um contato deste tipo, pois

uma firma nova precisa tornar-se conhecida e estabelecer

relações. Neste ponto nossa companhia é muito valiosa

para o senhor.

Homer G. Adams não precisava desse tipo de

ensinamento. Apesar disso não deixou perceber seu

desagrado. A experiência lhe ensinara que os fanfarrões

como Abraão Weiss são as pessoas que mais precisam de

auxílio.

— É exatamente o que penso — disse, em tom amável,

estendendo a caixa de charutos ao seu interlocutor. —

Aceite, por favor!

Ele esperou que seu visitante acendesse o charuto e,

depois, continuou:

— Não quero negar que somos uma firma nova, que

ainda tem de criar seu campo de relações. Por isso mesmo,

fico tão satisfeito em cumprimentá-lo a esta hora da manhã

como meu primeiro visitante. Queira prosseguir. Seu caso

é muito interessante. A construção de uma hidrelétrica é

um procedimento um tanto antiquado, mas estou

convencido de que o ramo ainda tem futuro. A energia

atômica representa uma concorrência mais barata, mas, no

fim, tudo se resume a um problema de custos. É nesse

ponto que posso formular sugestões e propostas bem

convidativas.

Durante a longa fala, Adams não tirara os olhos de

cima do visitante. Notara um movimento suspeito em seu

rosto carnudo. Aos poucos Abraão Weiss deixaria de lado

suas maneiras reservadas, pois era evidente que desejava

muito mais que uma simples visita a título informativo.

— Queira desculpar, senhor Adams. Pelo que diz é

especializado nesse terreno...

— Somos especializados em quase todos os terrenos. É

precisamente nisso que reside nossa força. Quem promete

muito nos seus anúncios há de cumprir muito. De outra

forma nem deveria criar uma firma como esta. Mas

voltemos ao seu projeto. Pelo que sei o senhor tem que

temer ao menos os concorrentes que formularam propostas

baseadas na energia atômica. Hoje em dia a construção de

uma hidrelétrica — especialmente numa zona montanhosa

— é tão dispendiosa que suas chances devem ser muito

reduzidas. Em compensação, a manutenção de uma

hidrelétrica é mais econômica. Quer dizer, o senhor

ganhará o jogo no instante em que puder realizar a

construção aproximadamente ao mesmo preço que o de

uma usina nuclear.

Por um instante Abraão Weiss arregalou os olhos de

espanto. Mas logo se controlou.

— É verdade. Vejo que está bem informado. Por favor,

prossiga a sua exposição. Compreendeu o problema. Qual

é a solução que sugere?

Homer G. Adams deu um sorriso gentil.

— A resposta a essa pergunta já representa um

assessoramento pelo qual devia cobrar honorários. Mas,

para mim, hoje é feriado. O senhor é meu primeiro cliente,

ou melhor, visitante e interessado, e por isso concedo-lhe

uma entrevista gratuita. De qualquer maneira, meu

conselho não lhe bastará se o projeto for levado avante.

Precisará das nossas máquinas. Queira dar uma estimativa

do custo de uma hidrelétrica a ser construída em Cripple

Creek. Peço-lhe que informe também a proporção desse

custo que corresponde aos trabalhos de terraplenagem.

Depois disso ouvirá minha proposta.

O gorducho sugou o seu charuto, como se tivesse de

refletir antes de revelar cifras. Finalmente tomou uma

decisão.

— A relação entre as cifras será a correta. Na realidade

não conferem, já que não estou autorizado a revelar

qualquer coisa sobre nossa proposta. O senhor

compreende, não é?

— É claro que compreendo! Só se trata de um exemplo

— disse Adams com um sorriso significativo.

— Bem, admitamos que o custo total do projeto

importe em 1,3 bilhão de dólares.

Nesse caso o custo dos serviços de terraplenagem,

inclusive dos alicerces, atingiria quinhentos e cinquenta

milhões.

— Bem, essas cifras já servem para alguma coisa.

Faço-lhe uma proposta. O senhor poderia adquirir minha

máquina, que reduz o custo dos serviços de terraplenagem

em cerca de 90%. Isso significaria uma economia de perto

de quinhentos milhões de dólares e eliminaria qualquer

concorrência.

Abraão Weiss ficou tão nervoso que fez um

movimento desajeitado com a mão e espalhou a cinza do

charuto sobre a calça. Depois respirou profundamente e

exibiu um sorriso forçado.

— Vejo que tem senso de humor, senhor Adams. Pinta

utopias que não podem deixar de representar um atrativo

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para uma pessoa que tenha um interesse real. Seria

conveniente que não levasse a hipótese para o terreno das

abstrações; devia partir do pressuposto de que o problema

que acabo de formular pode transformar-se num problema

real para um dos seus clientes.

— Se acredita que estou brincando comete um engano,

senhor Weiss. Estou convencido de que o exemplo que

acaba de expor representa boa parte das suas

preocupações. Disponho das máquinas de que acabo de

falar. Minha firma está à sua disposição para uma

demonstração prática. Basta telefonar para combinarmos

dia e hora, desde que tenhamos chegado a um acordo sobre

o preço. Se não tiver um interesse real no assunto, a GCC

não poderá dar-se ao luxo de realizar uma demonstração

tão dispendiosa.

Weiss levantou-se. Estava muito impressionado.

Adams percebeu que aquele negociante ágil se encontrava

numa encruzilhada da sua carreira e refletia intensamente

sobre o que devia fazer. Depois de algum tempo

perguntou:

— Quer dizer que quer proporcionar-me uma

economia de quinhentos milhões. De outro lado, porém,

teria de computar o custo das máquinas. Como se

apresentaria o cálculo após isso?

— Não há necessidade de preocupar-se com o custo

das máquinas na construção da hidrelétrica do Arkansas.

Essas máquinas representariam um investimento

permanente, que lhe permitiria executar mais vinte ou

trinta projetos desse tipo.

— Compreendo. Mas essas máquinas devem ter um

preço.

— O preço é fictício. Se tivesse de ser pago,

ultrapassaria o valor de cinquenta hidrelétricas. Por favor,

deixe-me concluir. O que quero dizer é que as máquinas

não estão à venda. Entro na sociedade com elas, e ambas

as partes terão feito um bom negócio.

Abraão Weiss teve de esforçar-se cada vez mais para

manter a compostura.

— Quer dizer que está atrás de uma participação no

negócio?

— Não estou atrás de uma participação, mas tenho

receptividade para ela. Com isso o negócio se tornará mais

sério. Sugira à diretoria de sua empresa que convoque uma

reunião especial do conselho fiscal e proponha a esses

cavalheiros um aumento de capital da ordem de 51%.

Esses 51% são o meu preço.

Weiss esboçou seu décimo segundo ou décimo terceiro

sorriso daquela manhã. Mas esse último sorriso malogrou-

se por completo. Com um gesto nervoso pegou o chapéu e,

andando de costas, dirigiu-se à porta.

— Espero que ainda possamos conversar sobre isso,

senhor Adams. Nas condições que acaba de propor, minha

firma nunca fechará um negócio com o senhor.

— Nesse caso só me cabe lamentar que tivesse

desperdiçado seu tempo precioso. A GCC não tem o

menor interesse em realizar negociações em torno dos seus

preços. Nossos cálculos sempre são corretos, e por isso

não podemos ceder um centavo. São 51%, senhor Weiss.

Pense no caso.

O representante da construtora de hidrelétricas

convencionais limitou-se a uma mesura desajeitada e

desapareceu na antessala.

O nome do próximo cliente em perspectiva era André

Clèment. Os cabelos escuros e sua figura pequena e

esguia, bem como o nome, revelavam a ascendência latina.

Segundo as informações da senhorita Lawrence, o senhor

Clèment esperara por mais de quarenta minutos. Homer G.

Adams concluiu que se tratava de outro homem com água

até o pescoço.

— Bom dia, senhor Adams — cumprimentou Clèment

com uma ligeira inclinação do corpo.

— Bom dia, senhor Clèment. Queira sentar. Aceita um

cigarro?

— Muito obrigado. É muita gentileza da sua parte, mas

não fumo.

— O senhor que é feliz — disse Adams. Clèment deu

uma risada forçada.

— Não sou tão feliz como acredita. Se fosse não

estaria aqui.

— Precisa de auxílio? De que se trata? De algum

aperfeiçoamento tecnológico? Ou de alguma forma de

assessoramento?

— Preciso das três coisas. E preciso logo. Talvez

minha exposição lhe pareça muito estranha, mas seu

anúncio foi concebido em termos tão gerais que se pode

imaginar qualquer coisa. Procurarei ser breve, senhor

Adams. Assim que perceber que não é o homem que

procuro, queira avisar-me. Na pior das hipóteses perderei o

meu tempo.

— Conte tudo. Prometo ser franco com o senhor.

— Represento a Minneapolis Mining Company. Além

da mineração, a empresa também se dedica à construção

de túneis. Como deve saber, no momento está sendo

construída uma estrada de ferro de Salt Lake City para São

Francisco. Na Serra Nevada será aberto um túnel de cerca

de setenta quilômetros de extensão, que deverá sair perto

de Sacramento. Desses setenta quilômetros, dez

quilômetros já foram concluídos. Isto é, foram perfurados.

Nossa empresa avança a partir do leste, enquanto a

concorrente trabalha no oeste. E esta já executou o dobro

do nosso trecho. O trabalho transformou-se numa corrida e

não há dúvida de que nós a perderemos.

— Por que acha que isso representa uma tragédia? É

verdade que a introdução de um ingrediente esportivo em

toda e qualquer competição constitui uma característica

tipicamente americana, mas o senhor deve ter seus

contratos com o governo e basta cumpri-los. Não vejo

como a concorrência pode incomodá-lo.

— Se estiver interessado, explicarei. Sua firma dispõe

de experiência no setor de escavações subterrâneas?

— Pois é bom que saiba que se trata de um dos ramos

em que nos especializamos. Se quiser fazer um relato

minucioso o senhor não estará perdendo seu tempo, senhor

Clèment.

— Muito bem. O contrato com o governo não abrange

a totalidade do projeto. As ordens de trabalho são emitidas

por trechos. Cada trecho é contratado com a firma mais

capacitada. Se avançarmos no ritmo atual, o governo nos

concederá a execução de cerca de um quarto do projeto.

Acontece que nossos cálculos foram realizados no

pressuposto de que executaríamos exatamente a metade do

projeto. É claro que, num empreendimento desse vulto,

têm de ser tomadas providências de longo alcance, a fim

de que a indústria possa fornecer no prazo o material de

que se precisa. Por isso fizemos pedidos há um ano e

mesmo mais, pedidos esses que são muito superiores às

nossas necessidades, se mantivermos o ritmo atual dos

trabalhos. Dessa forma, financiamos antecipadamente

certos materiais e serviços de que nunca nos utilizaremos.

O que pagamos equivale ao que pretendíamos ganhar. Se

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computarmos a manutenção de sete mil trabalhadores, o

resultado será trágico. O prejuízo é de tal vulto que dentro

de poucos meses a Minneapolis Mining Company estará

falida. Senhor Adams, peço-lhe que considere minha

exposição estritamente confidencial. Aliás, em seu anúncio

o senhor garante a máxima discrição.

— Não perca seu tempo falando em coisas óbvias,

senhor Clèment. Estou me interessando tanto pelo seu

problema que já vejo nele um problema meu. Seu

problema consiste em abrir um grande furo na montanha,

por onde os trens vão transitar mais tarde. Tenho um

dispositivo pronto para ser patenteado, que pretendo

recomendar-lhe. De que tamanho será o furo?

— Terá seis metros de altura e dezoito de largura.

— Um momento, por favor!

Homer G. Adams pegou um papel e escreveu algumas

cifras. Dali a alguns minutos disse:

— Com minha máquina especial o senhor avançará

dois quilômetros por dia. Para isso é necessário que todos

os trabalhadores e objetos de valor sejam retirados do túnel

enquanto a máquina estiver funcionando.

André Clèment deu um sorriso amarelo. Não protestou

como Abraão Weiss, mas sentiu-se muito abatido.

— Não brinque senhor Adams! Sei apreciar uma piada,

mas aqui se trata da existência de minha firma. Não pode

apresentar uma solução realística?

— Estou pronto a fazer uma demonstração com a

máquina, senhor Clèment. Não sou nenhum fanfarrão.

Nossa máquina transforma a matéria em energia. É claro

que não se trata de um processo espontâneo como a reação

em cadeia que se processa numa bomba nuclear. A energia

liberada é armazenada em recipientes especiais e pode ser

vendida com um bom lucro. Compreendo seu ceticismo.

Mas não se esqueça de que está falando com um

representante da GCC, que tem por objetivo a mais ampla

racionalização e modernização tecnológica. Permita que

lhe dê um conselho, senhor Clèment. Assista a uma

demonstração de nossa máquina. Uma prova realizada

com um metro cúbico de material será suficiente. Quando

estiver convencido, decida.

— Está bem — disse o homem. — Vamos admitir que

o senhor conseguisse convencer-nos. Com uma técnica tão

revolucionária de escavações subterrâneas deixaremos o

mundo de pernas para o ar. Os resultados financeiros serão

inconcebíveis. Qual seria o custo da utilização de sua

máquina?

— Uma participação de 51% na sua empresa.

Pela primeira vez revelou-se um traço comum entre

André Clèment e Abraão Weiss. Tal qual este, Clèment

saltou da sua poltrona e encarou Homer G. Adams, como

se este tivesse perdido o juízo.

— Isso é ridículo! Será que o senhor não sabe o que

representa a Minneapolis Mining Company? É uma

empresa de âmbito mundial, que o senhor quer enfiar no

bolso de uma hora para outra.

— Ora, meu caro! O que lhe ofereço vale muito mais

que 51% da sua firma de âmbito mundial. E o senhor

acaba de pintar em todas as cores o que será da

Minneapolis Mining Company daqui a seis meses se não

aceitar minha proposta. Nessas condições um homem que

se propõe a, num verdadeiro golpe de mágica, transformar

sua firma num empreendimento da maior projeção em

todo mundo, e se contenta com uma participação de 51%,

só pode ser considerado um verdadeiro altruísta.

André Clèment não pôde ocultar o tremor das mãos.

— Prefiro retirar-me, senhor Adams.

— Fique à vontade! Foi um prazer conhecê-lo, senhor

Clèment. Quando tiver outros problemas, não deixe de me

dar à honra de sua visita.

A secretária anunciou mais sete pessoas que haviam

acorrido ao anúncio. Mas nenhuma delas chegou a

impressionar Adams. Livrou-se delas em cinco minutos.

Finalmente pôde dedicar-se a um telefonema.

— Alô, Klein. Como foi sua entrevista?

— Já me livrei dela. Há duas horas um repórter do New

York Post cruzou meu caminho. Senti-me à vontade para

tomar um drinque com ele. Minha máscara escorregou

para o lado, conforme havia sido programado. O rapaz

logo me reconheceu. Você devia ter visto como arregalou

os olhos. Logo se pôs de sobreaviso e disse de sopetão que

sou o tal do capitão Klein, um desertor das forças armadas

americanas, que tem todo o FBI no seu encalço. Respondi

que, sendo um rapaz inteligente, devia saber para quem

estou trabalhando. Ele retrucou, com toda ingenuidade que

todo mundo sabia disso. Fiz-lhe uma proposta de acordo.

Se ele não revelasse minha identidade e, assim, desistisse

de um furo espetacular, eu lhe daria a compensação

adequada. Contei-lhe tudo que há de interessante sobre

invasores desconhecidos, especialmente que, de uma hora

para outra, devemos contar com uma invasão de grandes

proporções dirigida contra a Terra. Ele confiou plenamente

nas minhas fontes de informação. Se conseguir convencer

o redator-chefe, a notícia deverá ser publicada na edição de

meio-dia.

— Muito bem. São onze e trinta e oito. Vá até a Bolsa.

Mantenha-se em contato comigo pelas ondas ultracurtas.

Se tiver qualquer dúvida, pergunte. O Dr. Haggard e o Dr.

Manoli já se encontram no saguão. Tenha cuidado para

não deixar perceber que os conhece. Aos olhos do público

vocês devem ser adversários.

— O.K., Adams. Quando a situação se tornar crítica,

estarei a postos...

* * *

Na manhã daquele dia, a Bolsa de Nova Iorque abrira

com um desânimo completo. Às dez horas as ofertas

oscilavam em torno de dez pontos abaixo dos níveis do dia

anterior. Assim mesmo os compradores eram muito

escassos. No entanto, os vendedores também se

mantinham retraídos, motivo por que a maior parte dos

corretores foi ao restaurante para tomar uma xícara de

café. As cotações mantinham-se inalteradas.

Quem estivesse lembrado da evolução dos negócios

nas últimas semanas chegaria à conclusão de que a

calmaria constituía um fenômeno altamente favorável.

Após o surgimento da Terceira Potência no deserto de

Gobi todas as ações caíram rapidamente. Em alguns casos

a queda chegava a 75%. Quando a terceira guerra mundial

estava prestes a irromper as circunstâncias indicavam não

apenas uma crise econômica, mas um colapso total. Após

isso surgiram provas do poder dos arcônidas. Os blocos

políticos do Ocidente e do Oriente aproximaram-se e

promoveram a constituição de uma união de todos os

países da Terra. A invasão de uma nave espacial

desconhecida fora rechaçada por Perry Rhodan. Os

negócios voltaram a animar-se. A fé e a esperança dos

homens cresceram. E os melhores barômetros desses

crescimentos foram às cotações da Bolsa.

Nesse meio tempo, as coisas já se haviam ajustado. O

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mercado entrara em franca recuperação. A humanidade,

farta de sensações, já se acostumara à existência desse

Estado um tanto misterioso situado na Ásia Central, que

costumava ser designado como a Terceira Potência, muito

embora o homem da rua ainda não tivesse compreendido a

situação real. As cotações da Bolsa tornaram-se mais

estáveis. O estado de marasmo daquele dia era a melhor

prova disso.

Essa situação perdurou até o meio-dia.

As doze em ponto; surgiu a sensação. Poucos minutos

antes o Dr. Haggard oferecera algumas ações de

companhias petrolíferas trinta pontos abaixo da cotação e

as vendera imediatamente. Os presentes deram de ombros,

mas contentaram-se com a explicação de que mesmo no

mercado de capitais vez por outra surge um otário. Quando

saiu a edição do meio-dia do New York Post, Haggard foi

tido como um clarividente, pois era o único homem que

conseguira pôr seu dinheiro a salvo.

O susto, que sacudiu os homens da Bolsa até a medula

dos ossos assim que leram a notícia da invasão, não se

ligava ao seu bem-estar pessoal, mas única e

exclusivamente ao seu dinheiro. Por alguns minutos não se

entendia uma palavra em todo o saguão. Finalmente o

senhor Oliver conseguiu fazer-se ouvir através dos alto-

falantes.

— Senhoras e senhores; seria um absurdo se nos

deixássemos influenciar até esse ponto por uma simples

notícia de jornal. Não existem informações oficiais. A

direção da Bolsa procurará averiguar imediatamente a

veracidade do artigo.

No mesmo instante, um cavalheiro entrou

precipitadamente e declarou em altos brados que a

emissora de Pequim acabara de transmitir a mesma

informação.

— 970 pela General Electric — gritou uma voz.

Por alguns segundos reinou um silêncio total. Logo a

seguir começou um murmúrio que foi crescendo, até

transformar-se num verdadeiro furacão. As cotações da

General Electric naquele dia haviam sido abertas a 995.

Enquanto o senhor Oliver, com o auxílio de alguns

policiais, restabelecia a ordem no saguão, nos corredores

começaram a serem fechadas operações paralelas. Os

otimistas farejaram uma boa oportunidade, os pessimistas

procuraram livrar-se do que podiam. Só pelas doze e trinta

conseguiu-se exercer algum controle sobre a oferta e a

procura. Depois das perdas vultosas, a disposição dos

compradores diminuiu rapidamente. Correram boatos de

que a Bolsa seria fechada, mas muita gente protestou.

Os encarregados da GCC ainda se mantinham

retraídos. Pelas instruções recebidas, a hora de comprar

ainda não chegara, embora as cotações fossem

extremamente favoráveis. Mas quando os negócios

entraram em estagnação, o Dr. Haggard fez uma jogada

tímida. Fez com que as cotações da Standard Oil

baixassem trinta e cinco pontos. Com isso os ânimos

voltaram a exaltar-se. Os preços tornaram a cair. Caíram

rapidamente. Durante dez minutos, Haggard retirou-se do

cenário. Deixou que os outros trabalhassem. Depois de

algum tempo a disposição de comprar excedeu a oferta. Às

12:55 h, a Opiat Limited começou a reagir. Homer G.

Adams no seu escritório soltou um palavrão inofensivo e

transmitiu suas instruções pelo microfone.

— Manoli, você acaba de comprar Opiat. Realize com

o capitão Klein uma operação paralela que dê na vista de

todos. Desça quarenta pontos. Não poderemos sofrer

nenhum prejuízo, pois tudo ficará em família.

Às 12h57min, a Opiat Limited havia perdido 75% do

valor com que abrira naquele dia. Os outros papéis

apresentavam um comportamento semelhante. Nos últimos

minutos antes da hora do fechamento da Bolsa

dificilmente se encontraria um corretor disposto a

negociar. Apesar dos prejuízos enormes, tudo indicava que

o dia terminaria tranquilamente. Mas no último instante

explodiu a maior bomba de Homer G. Adams.

Os rádios portáteis transmitiram uma notícia

extraordinária vinda de Sydney. Uma nave espacial

desconhecida levantara uma frota pesqueira que se

encontrava no Mar de Timor a uma altura de vários

quilômetros e a deixara cair. O locutor nova-iorquino

concluiu o comunicado com as seguintes palavras:

“A hipótese de nos

encontrarmos diante de uma

ação da chamada Terceira

Potência deve ser excluída. Face

aos últimos contatos

diplomáticos, não há mais

dúvida sobre a lealdade absoluta

da mesma. Depois da queda da

frota pesqueira no Mar de

Timor, na qual pereceram umas

quatrocentas pessoas, a nave

desconhecida voltou a descer e

abriu numerosas escotilhas, ou

melhor, comportas de ar.

Milhares de seres grotescos

saltaram sobre o mar, como se

fossem pára-quedistas e, depois

de nadarem por alguns minutos,

deixaram-se afundar. Só pode

tratar-se de seres não humanos

para cujo organismo a água é

um habitat adequado. Resta

aguardar os acontecimentos

para ver se a operação

representa um ato preparatório

da invasão dos continentes. O

quartel-general das Nações

Unidas emitiu um comunicado,

segundo o qual já foram tomadas

as primeiras providências para

repelir os invasores.”

Ninguém mais pensou em fechar a Bolsa. As ações

pareciam arder nas mãos dos seus possuidores. Os

corretores mais empedernidos perderam a calma e

passaram a vender a qualquer preço. Grandes trustes e

conglomerados mudaram de dono no espaço de quinze

minutos. Eram apregoados como se fossem frutas podres.

Ninguém parecia preocupar-se com o fato de que ainda

havia gente que sacrificava suas pequenas economias por

um cesto de frutas podres.

No fechamento da Bolsa não havia cotações definidas.

O clima era idêntico ao do grande desastre financeiro dos

anos trinta.

A economia mundial parecia encontrar-se num estado

de paralisia total.

Alguns capitães de indústria arruinados gastaram seus

últimos centavos para comunicar-se com os colegas de

sofrimento em todas as partes do mundo, enquanto em

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certas empresas o silêncio da economia moribunda já

parecia ter tomado conta de tudo. Era o que acontecia, por

exemplo, com a GCC.

Homer G. Adams interrompera todas as comunicações

telefônicas e radiofônicas com seus representantes. Não

queria correr o risco de ser espionado por alguém. Sentia-

se bem em meio àquele silêncio.

Sentado atrás da mesa, refletia e esperava.

Pelas dezesseis horas o telefone tocou. Era Abraão

Weiss.

— Alô, senhor Weiss.

— Que tal lhe parece à situação, senhor Adams?

— É uma boa piada, senhor Weiss. Amanhã tudo

estará esquecido.

— Até parece que o senhor é o último otimista do

nosso planeta.

— Orgulho-me de ser otimista. Espero encontrar

algumas pessoas que pensam como eu. Por que está

telefonando, senhor Weiss? Refletiu sobre minha

proposta?

— Ainda está interessado?

— Claro que sim. Para mim a vida continua.

— Está bem. Poderíamos marcar um encontro para

amanhã? Arranjarei um avião para o senhor.

— Não é necessário. Iremos no meu. Não é mais lento

que o aparelho mais veloz que o senhor poderia conseguir.

— O.K., senhor Adams. Muito obrigado. Então está

combinado para amanhã, às...

— Um momento! Está lembrado das minhas

condições?

— Cinquenta e um por cento para o senhor.

Naturalmente.

Marcaram encontro para o dia seguinte, às seis da

manhã.

Homer G. Adams reclinou-se novamente na poltrona.

Seus pensamentos voltaram a ocupar-se do jogo de cifras

que havia sido interrompido, jogo este que tinha um fundo

bastante real. A palestra com Weiss acrescentara mais um

fator que podia ser retirado da lista dos duvidosos.

A próxima interrupção só surpreendeu Adams porque

este supusera que Clèment também entraria em contato

com ele por telefone. Acontece que o baixinho moreno

apareceu pessoalmente.

— Boa tarde, senhor Adams. Pensamos na sua oferta.

A Minneapolis Mining Company concorda com sua

proposta. Pedimos que faça a demonstração com suas

máquinas amanhã de manhã.

— Amanhã de tarde, senhor Clèment. De manhã tenho

um compromisso no Meio-Oeste. Depois do almoço terei

tempo para dar uma chegada a Sacramento. Serve para o

senhor?

— Serve muito bem. Assim teremos tempo para

evacuar a galeria, afim de que o senhor possa realizar a

demonstração sem qualquer risco.

— Muito bem! O senhor já conhece minhas condições.

Já que está aqui, quero apresentar-lhe a minuta do

contrato. Peço-lhe que a examine. Assim poderemos

assiná-lo amanhã. Hoje mandarei passá-lo a limpo.

Clèment leu atentamente. Terminada a leitura, disse:

— Estamos de acordo com as linhas gerais. Apenas

gostaríamos de formular uma contraproposta quanto à

participação. Os diretores da empresa acham que a

participação majoritária do senhor os colocaria em

situação desvantajosa. Pedem que se contente com

quarenta e cinco por cento das ações.

Adams exibiu um sorriso paternal.

— O senhor ainda mantém a tática de negociação dos

tempos antigos, senhor Clèment. Meus respeitos! Ainda

têm tanto interesse em manter a maior parte do capital?

Não ficaram desanimados com o colapso da Bolsa?

— Nem um pouco. Como devem saber, nossas ações

baixaram mais de cinquenta por cento. Apesar disso estou

convencido de que se mantém um alto conceito sobre a

Minneapolis Mining, ainda mais que outras ações tiveram

uma baixa muito maior. Nas condições atuais, o negócio

que o senhor vai concluir com nossa firma ainda é o

melhor possível, mesmo sem a participação majoritária.

— Há uma hora alguém disse que sou o último

otimista. Fico satisfeito em ver que existem outros.

O homenzinho moreno fez uma mesura elegante.

— Vejo que nos entendemos muito bem, senhor

Adams. Se a Minneapolis Mining conseguir fazer

escavações mais rápidas, daqui a três dias liderará a

construção de abrigos antiaéreos. Depois da catástrofe do

Mar de Timor pouca gente estará disposta a gastar dinheiro

em outra coisa. Como vê, conhecemos nossa importância e

as chances de que dispomos. E o senhor aproveitará essas

chances tanto quanto nós. É claro que pode haver algum

motivo para esse sentimento de fim de mundo que anda

por aí. Mas nesse caso nosso prejuízo será inevitável de

uma forma ou de outra. Estamos nos preparando para o

caso de que a vida continue de alguma forma. Quanto a

mim, posso estar errado, mas desde que a humanidade

existe, ela sempre tem encontrado uma saída.

Homer G. Adams sentiu-se emocionado por tamanha

confiança na humanidade.

— Mandarei passar o contrato a limpo e levarei para o

senhor amanhã. A GCC contenta-se com 45%. Acho que

combinaremos muito bem.

* * *

Dois dias depois.

A demonstração do trabalho das máquinas da GCC

fora um êxito total. Os contratos tinham sido assinados.

Homer G. Adams tomou um avião e foi ao território da

Terceira Potência, no Extremo Oriente, para apresentar seu

relatório. Até mesmo Thora e Crest, que geralmente

preferiam manterem-se alheios aos assuntos intraterrenos,

haviam aparecido para presenciar o relato.

— Como está o ambiente lá fora? — perguntou Perry

Rhodan. — Espero que não tenhamos colocado um peso

muito grande na nossa consciência.

Por um instante Homer G. Adams baixou a cabeça.

Depois encarou seus interlocutores.

— Para mim, aquilo que passei nos últimos três dias

apenas parece à repetição de alguma coisa que já

aconteceu. Anos atrás me mandaram para a penitenciária

por isso. Hoje sei que minha atuação conta com a

aprovação dos demais. Faço questão de ressaltar que não

me sinto responsável pelos suicídios cometidos por aí. Um

homem que não consegue superar a perda de valores

materiais carrega um problema que só ele pode resolver.

Além disso, acredito que a causa principal dos suicídios

seja o medo da invasão.

Todos os olhares dirigiram-se a Perry Rhodan.

— De qualquer maneira semeamos o desassossego

entre os homens. Mas sabemos perfeitamente que esse

desassossego era necessário. A invasão representa um

perigo real, que nos ameaça a cada dia e a cada hora. A

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cena do Mar de Timor, que Bell apresentou ao mundo por

meio dos projetores arcônidas como um simples filme

tridimensional, poderá ser um episódio real de amanhã.

Temos o dever de proteger a humanidade contra esse tipo

de perigo, pois ninguém mais está em condições de

cumprir essa missão. Por isso mesmo cabe-nos aumentar

nosso potencial industrial numa proporção adequada, e

para isso temos que exercer uma influência considerável

sobre a economia mundial. Os resultados dos nossos

esforços costumavam ser medíocres em comparação com

as necessidades. Uma entidade que se propõe a proteger e

unir um planeta precisa dispor da força necessária. No

início da semana, quando você foi à Nova Iorque, éramos

uns pobretões em matéria de divisas. Como estão às coisas

hoje, Adams?

— O fator decisivo foi o espetáculo proporcionado por

Bell com a invasão fictícia do Mar de Timor. As

providências detalhadas que antecederam a operação

também foram bem executadas. Em poucos dias

conseguimos pôr a Bolsa de Nova Iorque fora dos eixos.

Uma atuação semelhante foi desenvolvida por Kakuta, em

Tóquio, por Marshall, na Cidade do Cabo, por Li, em

Londres e por Kosnow, em Berlim. Com um pecúlio de

alguns milhões de dólares conseguimos adquirir as

maiores indústrias e obtivemos a maioria em quatro

conglomerados. É claro que uma manobra destas não pode

ser executada todos os dias, pois o mundo não vai cair pela

segunda vez no mesmo truque.

— Podemos inventar outros truques — disse Reginald

Bell com a voz indiferente e ligeiramente professoral.

Provavelmente quis dar mostras da sua fantasia.

— Por melhor que disfarcemos o blefe, ele será

descoberto. É que sua origem será a mesma. E isso bastará

aos espertos corretores da Bolsa. Além disso, esse

procedimento constituiria uma irresponsabilidade da nossa

parte. Ninguém pode estar interessado em lançar a

economia mundial num caos completo. Uma economia

livre está sujeita a leis rígidas. Depois de um grande

colapso da Bolsa costuma haver uma época de calmaria,

seguida pela recuperação. A manobra que encenamos

ontem só pode ser repetida no mínimo de trinta em trinta

anos, pois um colapso total da economia não traria

vantagens a ninguém. Também nós seriamos sepultados

sob os escombros. Posso assegurar-lhes que disponho de

ampla experiência no setor. Aquilo que alcançamos

anteontem foi o máximo que se poderia esperar. Será que

algum dos cavalheiros não concorda com a minha opinião?

Homer G. Adams passou os olhos pelos seus

interlocutores. A pergunta fora dirigida a todos, mas não

havia ninguém que não soubesse que no fundo só se

destinava a Perry Rhodan.

— Os resultados corresponderam inteiramente às suas

previsões, Adams — respondeu Rhodan. — Sabe muito

bem que no princípio tinha minhas dúvidas e também me

teria contentado com menos. Na situação em que nos

encontramos hoje só lhe posso manifestar meus elogios e

minha gratidão. Além do mais, conseguiu fechar alguns

negócios excelentes com as máquinas dos arcônidas. Mas

nesse terreno devemos agir com muita cautela.

— Naturalmente. Neste ponto o direito de veto de

Crest continuará a ser reconhecido. Além disso, é você,

Rhodan, que decidirá quais dos nossos segredos podem ser

colocados ao alcance do público. O aparelho pendular

matéria-energia, que foi colocado à disposição só da

Minneapolis Mining e do senhor Weiss, da Steel &

Concrete, deve ser considerado obsoleto sob os padrões

arcônidas. Apesar disso foi muito valioso para nós. Essas

empresas, na quais o senhor detém o controle acionário,

sob o nome suposto de Benjamim Wilder, da GCC, já

ocupam uma posição de monopólio na sua especialidade e

exercerão uma liderança absoluta na época da recuperação

econômica. Ao que parece, já não temos maiores

problemas econômicos. Já dispomos dos sete bilhões

exigidos pelo governo de Pequim. Não será mais

necessário adquirir o território submetido à nossa

soberania em prestações, conforme estava previsto. Pelos

meus cálculos, poderemos contar com outros quatro

bilhões nos próximos quarenta e cinco dias. Não é muito

em comparação às nossas necessidades para a montagem

de uma linha industrial. Mas teremos de arranjar-nos.

— As indústrias controladas por nós não valem muito

mais que isso? — perguntou Bell.

— O valor das empresas medido pelas cotações de

Bolsa sofreu uma queda acentuada. Mas voltará a subir.

De qualquer maneira, se pensar que podemos utilizar

prontamente o capital de uma empresa de, digamos,

duzentos bilhões de dólares para levar avante os nossos

objetivos, estará fazendo uma conta de quitandeiro. As

indústrias que possuímos espalhadas pela Terra têm de

continuar em nossas mãos. Precisamos conservá-las. Por

isso só uma fração dos recursos disponíveis pode ser

desviada para nosso empreendimento no deserto de Gobi.

Compreendeu?

— Compreendi — respondeu Bell com um sorriso.

— Temos muito trabalho diante de nós — prosseguiu

Rhodan. — Nos últimos dias conseguimos muita coisa.

Criamos uma base financeira para nosso empreendimento.

Adams terá de esforçar-se para conseguir o que ainda nos

falta. Conforme acaba de dizer, tão depressa não

voltaremos a ter dias tão grandiosos como os do grande

colapso da Bolsa. Por isso torna-se necessária uma série

cansativa de pequenos trabalhos, como por exemplo, os da

Steel & Concrete e da Minneapolis Mining. Mas não é isto

que me preocupa. Levaremos meses, talvez anos, para

montar um sistema econômico eficiente em nosso reino.

Por outro lado, os problemas não poderiam ser mais

prementes. A qualquer momento poderemos defrontar-nos

com a invasão do povo de Fantan. O show que Bell

ofereceu num passe de mágica poderá transformar-se em

realidade de um dia para outro. Só que aí nossos inimigos

não desaparecerão na água. Outro problema que me

preocupa é a falta de material humano. Precisamos de

colaboradores feitos de carne e osso, que defendam nossos

interesses em todos os continentes. Para esse fim ainda

hoje fornecerei instruções a alguns dos senhores. Há um

detalhe que todos nós devemos ter em mente: sempre que

alguém nos traga uma pessoa, deve estar plenamente

convencido de seu valor e eficiência. Face ao reduzido

número de pessoas que podemos abrigar em nosso

minúsculo país e às exigências que cada um terá de

cumprir, só a elite humana poderá aspirar à cidadania da

Terceira Potência. Precisamos de gente dotada de

capacidades extraordinárias.

— Em poucas palavras, precisamos de mutantes. De

mutantes positivos.

Perry Rhodan confirmou com um gesto. Não revelou a

visão estranha que as palavras proferidas por Bell

desencadearam em sua mente. Formulou uma pergunta

estranha.

— Adams, qual é o cubo de 2.369,7?

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25

O homenzinho lançou um olhar de espanto para

Rhodan. Pegou a calculadora.

— Não, não quero assim — disse Perry Rhodan. —

Calcule de cabeça.

— Vai demorar um pouco...

— Pode deixar. É 13.306.998.429,873. Aliás, há uma

coisa que ainda não compreendi. Você acaba de referir-se

à nossa participação majoritária na Steel & Concrete e na

Minneapolis Mining. Antes, porém, você havia declarado

que só Weiss concordara com a participação acionária de

51%, enquanto Clèment conseguiu a redução para 45%.

— É simples. Antes disso já havíamos adquirido na

Bolsa sete por cento das ações da Minneapolis Mining. É

claro que Clèment não sabia disso.

Perry Rhodan esperou que cessassem as risadas.

— Muito bem. Acho que podemos dar-nos por

satisfeitos. Vamos discutir os detalhes das próximas ações

que programamos.

V

O aparelho desceu sobre o gelo da Groenlândia,

preparando-se para o pouso.

O coronel Kaats enviara a Allan D. Mercant notícias

inquietadoras vindas de Nova Iorque. Mercant, que não

tinha mãos a medir para dar conta do seu trabalho, hesitara

antes de viajar para lá. Sua fúria irrompeu sem rebuços

quando Kaats se limitou a informar que a mutante Anne

Sloane, que fora enviada ao Extremo Oriente em virtude

de suas faculdades telecinéticas, havia desaparecido sem

deixar o menor vestígio.

— Ora, Kaats. Por isso você não precisava fazer-me

percorrer quatro mil quilômetros.

— Preciso falar com você, Mercant. Será que isso não

basta? Será que um agente das forças armadas não é muito

importante, ainda mais quando se trata de um espécime

insubstituível como um mutante?

— Você devia dizer que se trata da defesa interna e da

polícia federal — corrigiu Mercant sem conter sua

indignação. — Vou dizer-lhe uma coisa, Kaats. Leve pelo

menos um mês sem se preocupar com Anne Sloane. Para

descobrir alguma coisa, ela precisará de tempo. É uma

personalidade parapsicológica, mas ainda não

compreendeu a seriedade da vida. Considero-a uma

simples diletante e por isso recomendei-lhe pessoalmente

que agisse antes com cautela excessiva que com muita

precipitação. Espero que não se oponha a que me retire

imediatamente. É que lá em casa estou afogando nos

papéis.

— Fique ao menos para tomar um uísque — disse o

coronel Kaats em tom conciliador. — Não permitirei que

saia daqui nessa disposição.

Depois de esvaziar o copo, Mercant disse:

— Quer saber de uma coisa, Kaats? Se minha vinda

aos Estados Unidos serviu para alguma coisa, foi por causa

deste uísque. Não me leve a mal, mas não me venha outra

vez com um alarma falso, senão ficarei furioso.

Allan D. Mercant ainda estava furioso quando desceu

na enseada do fiorde de Umanaque e preparou-se para

pousar. O que mais o aborreceu nessa viagem absurda aos

Estados Unidos foi sua opinião sobre o caso Anne Sloane,

que nunca poderia ter manifestado diante de Kaats. Anne

era uma moça delicada, que não servia para trabalhar como

agente. É verdade que ele mesmo insistira junto a ela para

que aceitasse a incumbência. Mas agora sua opinião era

outra.

Dois esquimós aproximaram-se num carro para recebê-

lo. Mercant agradeceu.

— Andarei até lá para respirar um pouco de ar puro.

Pouco depois entrou no barracão onde se lia em

grandes letras o nome de uma firma, a Umanak Fur

Company. Ainda se lia que essa firma se dedicava ao

comércio de peles. Tratava-se, evidentemente, de uma

mentira. Seria uma imprudência permitir que centenas de

mercadores ficassem andando nas proximidades da sede

do Serviço Secreto.

Mercant tomou o elevador e foi ao décimo quinto

pavimento, contado de cima para baixo. Lá teve de fazer

baldeação, já que por questões de segurança nenhum dos

quinze elevadores ia diretamente ao último pavimento. Era

ali, a três mil metros de profundidade, que ficavam os

compartimentos ocupados por Mercant. Os guardas

postados nos corredores a nas portas cumprimentaram-no.

Entre as quinhentas e tantas pessoas que estavam de

serviço ali, nem dez conheciam todos os segredos das

instalações. Só estes podiam deslocar-se livremente, sem

apresentar seus documentos.

Para chegar ao escritório de Mercant passava-se por

três antessalas.

Uma vez lá, atirou-se na poltrona e reclinou-se

confortavelmente.

Tocou a campainha para chamar o ordenança. O

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sargento O’Healey não demorou a entrar.

— Não houve nada de extraordinário na sua ausência,

coronel.

— Obrigado, sargento. Que horas são?

— Onze e dezessete, coronel. Mercant ficou satisfeito,

pois verificara que eram onze e dezesseis.

— Da manhã ou da noite? — prosseguiu.

— Da manhã, coronel.

Isso significava que era da noite. Com as indicações

errôneas o sargento se identificara satisfatoriamente.

— Muito bem. Diga ao capitão Zimmermann que

desejo falar com ele.

— No momento, o capitão não se encontra na base,

coronel. Esta realizando um voo rotineiro de

patrulhamento.

— Será que ele ainda acredita que o inimigo virá

rastejando pelo gelo, embora os agentes dos serviços

secretos de outros países já estejam oferecendo a porta de

entrada desta base uns aos outros?

— Coronel, não sei o que o capitão acredita.

— Perguntarei a ele pessoalmente. Quero que se

apresente aqui dentro de dez minutos. Avise-o pelo

telégrafo.

— Perfeitamente, coronel. O’Healey fez continência e

saiu, mas voltou dali a pouco.

— A ordem foi cumprida, coronel. O capitão

Zimmermann diz que talvez demore mais um pouco.

Acaba de descobrir uma coisa estranha e quer averiguar de

que se trata.

— Que descoberta é essa? — perguntou Mercant mal-

humorado.

— Não me disse. Ao que parece ele mesmo não sabia.

O’Healey obteve licença para retirar-se. Assim que

Mercant se viu só, abriu uma gaveta da mesa e ligou o

radiotransmissor. Sempre que recebia alguma informação

incompleta como a que O’Healey acabara de transmitir-

lhe, preferia estabelecer contato direto.

— Alô, Zimmermann. Responda. Aqui fala o coronel

Mercant.

Nenhuma voz se fez ouvir na frequência sintonizada.

— Capitão Zimmermann! Responda imediatamente! O

que houve com você? E que conversa fiada foi essa?

Mercant aguardou a resposta, que demorou mais de dez

segundos. Zimmermann parecia falar com dificuldade. Sua

mensagem teve início com um gemido.

— Alô coronel. Devo ter ficado inconsciente por um

instante. Minha cabeça está zunindo e vejo faixas coloridas

diante dos olhos.

— Que diabo! O que houve?

— Não sei, coronel. Voltarei imediatamente.

— Indique sua posição. Mandarei alguém ao seu

encontro.

— Isso não é necessário, coronel.

— Será que conseguirá sozinho?

— Com o piloto automático não haverá problemas. O

pior já passou. Dê ordens para que me forneçam um vetor

de radar. Com isso conseguirei.

— Como queira. Falarei com o pessoal do controle de

voo e logo voltarei a ligar para a recepção. Entre em

contato comigo se houver alguma dificuldade.

— Naturalmente. Obrigado pelo auxílio, coronel!

Mercant desligou e falou pelo interfone com o controle

de voo.

— Tenente, forneça um vetor de radar para a

aterrissagem do capitão Zimmermann. E verifique sua

posição atual. Você conhece a rota dele.

— Providenciaremos imediatamente, coronel.

Dali a pouco veio à informação de que Zimmermann

sobrevoava o litoral norte perto de Proven e seguia a rota

sul sudoeste. Parecia ter o avião sob controle.

O capitão Zimmermann realizou o pouso sem maiores

problemas. Dirigiu-se imediatamente ao último pavimento,

onde foi recebido por Allan D. Mercant.

— Capitão Zimmermann reportando, coronel. Peço

desculpar o atraso. Devo ter entrado numa zona de baixa

pressão. De qualquer maneira o avião sofreu uma

repentina aceleração, o que fez com que minha cabeça

caísse para trás. Devo ter ficado inconsciente por algum

tempo.

— Deixe ver.

Mercant examinou a ferida.

— Isso está feio, capitão. Vá imediatamente à

enfermaria para que cuidem da ferida. Pelo que vejo ainda

se encontra no pleno gozo das suas faculdades. Portanto,

antes de se retirar diga-me que descoberta foi essa sobre a

qual falou com O’Healey em termos tão vagos?

Enquanto proferia estas palavras, Mercant foi

surpreendido por um choque violento. Ao examinar o

ferimento, ele se colocara atrás de Zimmermann e, com a

ajuda de sua pouco desenvolvida capacidade telepática,

captou a impressão de um pensamento. Um pensamento

que o assustou profundamente. Por sorte, Mercant era

dotado de uma fantástica presença de espírito. Um homem

que num espaço de poucos anos conseguiu galgar o lugar

de dirigente do Conselho Internacional de Defesa deve ser

dotado de uma capacidade de reação extremamente rápida.

Ao captar a ideia mortífera de Zimmermann, iniciara a

frase com que aconselhara o capitão a que se submetesse a

tratamento. Conseguiu prosseguir sem qualquer

interrupção perceptível.

— Que descoberta, coronel? Ah, sim, isso foi um

gracejo.

— Quer dizer que se permitiu um gracejo comigo? —

perguntou Mercant, que ainda se encontrava atrás do

capitão, que continuava sentado. Na situação em que se

achava não estava disposto a desistir dessa posição

vantajosa.

— O gracejo foi dirigido ao sargento, coronel. Não

podia imaginar que ele o transmitisse ao senhor.

— Zimmermann, que concepção estranha o senhor tem

da organização dos nossos serviços. Enquanto realiza um

voo de patrulhamento para proteger a base, permite-se

gracejos de mau gosto. Vamos lá, diga logo: o que viu?

— Nada, coronel.

— Fique sentado, capitão! — ordenou Mercant em tom

enérgico, quando Zimmermann fez menção de levantar-se.

Mercant procurou concentrar-se ao máximo. Há algum

tempo, lera sobre um funcionário de banco australiano que

graças às suas faculdades telepáticas conseguira evitar um

assalto. Há muito descobrira capacidades semelhantes em

sua própria pessoa e começara a compreender o que

significava poder “enxergar o coração” do próximo nos

momentos críticos. Há esta hora, estaria disposto a

sacrificar dez anos de sua vida se pudesse transformar-se

num telepata de verdade. Mas nesse terreno não passava

de um principiante. Não sabia como reconhecer com

clareza o pensamento integral de uma pessoa. Não sabia

reconstituir a frase que o outro pensara; apenas percebia o

essencial.

Não poderia haver algum mal-entendido? Por que

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Zimmermann teria a ideia de matá-lo? Não havia dúvida

de que o capitão pensava em matar. E o desejo de matar

tinha por alvo a pessoa de Allan D. Mercant, chefe do

Conselho Internacional de Defesa. Ainda haveria alguma

dúvida?

Mercant olhou por cima do ombro de seu interlocutor e

viu a arma no coldre. Logo abandonou a ideia de apoderar-

se dela num gesto rápido. Zimmermann, que pensava em

matar, devia ter suas atenções concentradas sobre a arma e

se anteciparia a Mercant, que lhe era inferior em força

física. Mercant precisava de sua arma, que ficava na

gaveta inferior da direita da mesa, junto ao aparelho de

rádio.

Num confronto com armas iguais Mercant levaria

vantagem, já que o capitão não poderia imaginar que seu

adversário estava prevenido. Mas antes de colocar-se nesta

situação, teria que se arriscar durante cinco ou seis

segundos, ao abandonar o lugar atrás de Zimmermann. Ao

fazê-lo, proferiu palavras que aguçassem a curiosidade do

outro e levaram-no a hesitar, conforme esperava.

— Vou dizer-lhe uma coisa, capitão. Acompanhei sua

palestra com O’Healey e gravei-a em fita. Ouvi mais uma

coisa e gostaria que o senhor me desse explicações a

respeito. Acontece que tenho a impressão de que seu

comunicado não foi nenhum gracejo. Como explica isto?

— O quê?

A marcha arriscada em torno da mesa começou.

Zimmermann foi-se virando na poltrona para ficar de

frente para seu interlocutor. Dali a pouco os dois estavam

sentados um diante do outro. Entre eles ficava a enorme

mesa. Zimmermann fora vencido pela curiosidade. Não

atirou; esperou.

Mercant ligou o aparelho e no mesmo instante pegou a

pistola. Sentiu-se seguro e desligou o aparelho.

Zimmermann ergueu-se sobressaltado.

— Por que desligou? Quer bancar o misterioso,

coronel?

— Calma capitão! Quero fazer-lhe mais uma pergunta.

O que espera ganhar matando-me?

Essa pergunta pôs fim ao diálogo. Deixou o capitão

Zimmermann tão perplexo que ele não conseguiu controlar

mais os movimentos de seu corpo. Sentiu-se traído e

procurou levar avante seu projeto através de uma reação

precipitada.

Num gesto rápido arrancou a pistola do coldre. Mas

antes que pudesse colocá-la em posição de atirar, já era

tarde. Seu adversário — para falar em termos estratégicos

— encontrava-se na linha interior. Enquanto Zimmermann

teve de executar um movimento complexo antes de poder

atirar, Mercant apenas precisava pressionar o gatilho.

O corpo do capitão Zimmermann caiu molemente ao

chão. Antes que pudesse executar seu plano, estava morto.

* * *

O que se seguiu nunca acontecera em todos os anos

decorridos desde a criação do CID. O sargento O’Healey

entrou correndo sem que tivesse sido chamado e também

sacou uma pistola. Ao ver o chefe são e salvo, conteve-se.

O morto que se encontrava no chão representava um

mistério para ele.

— O que aconteceu, coronel?

— Acabo de matar o capitão Zimmermann. Dê o

alarma! Eu mesmo tomarei as providências para o

bloqueio.

O’Healey fez continência e saiu. Dali a alguns

segundos as sereias uivaram em todos os pavimentes.

Mercant voltou à mesa e tirou o microfone da gaveta

em que se encontrava o aparelho de rádio.

— Aqui fala Mercant. A partir deste instante toda a

base se encontra em estado de exceção. Ordem dirigida à

Companhia de Vigilância do tenente Houseman:

bloqueiem todas as saídas. Exerçam uma vigilância

rigorosa sobre os poços dos elevadores. Todas as pessoas

que se encontram na base devem dirigir-se imediatamente

aos seus locais de trabalho ou de moradia. Os membros

das delegações de países amigos são solicitados a reunir-se

no hotel do pavimento superior. Posteriormente fornecerei

outros detalhes. Peço que o coronel Cretcher e o Dr. Curtis

compareçam ao meu gabinete. Obrigado.

Pouco depois o coronel e o médico entraram juntos. O

Dr. Curtis aproximou-se de Zimmermann.

— Doutor, queira examiná-lo para verificar se está

morto.

— Será que ainda precisa de uma confirmação?

Mercant fez que sim.

— Preciso. Quero que tudo seja feito segundo as

normas.

— Acho que aqui não se pode falar em cumprimento

de normas — disse Cretcher. — Foi você que matou o

capitão?

— Não quis que ele me matasse.

— Quer dizer que você afirma ter sido atacado pelo

capitão Zimmermann. Queira desculpar minhas palavras,

coronel. Existem testemunhas que possam confirmar que

você agiu em legítima defesa?

— Queira desculpar de sua parte se lhe falo sem

rebuços, Cretcher. Neste momento você não está

desempenhando as funções de acusador. Eu o chamei para

ajudar-me a esclarecer os detalhes. O que sei sobre a cena

que se desenrolou entre mim e Zimmermann é muito

pouco. Ele tentou atirar contra mim e eu me antecipei. Os

fatos são estes. Preciso conhecer os motivos que levaram

um dos elementos de maior confiança de que dispúnhamos

a tentar um ataque desses. O comportamento de

Zimmermann é tão absurdo que logo faz surgir a suspeita

de uma conspiração. Foi por isso que decretei o estado de

emergência. Teremos de adotar medidas prontas e radicais

se apurarmos que neste quartel-general existem, além de

Zimmermann, outras pessoas que querem me eliminar e

destruir nossa organização.

Mercant dirigiu-se ao médico.

— Você acaba de constatar a morte de Zimmermann,

doutor Curtis. Acho que não pode haver a menor dúvida

sobre a causa da morte. Todavia, quero pedir-lhe que

examine a cabeça do morto. Vi uma ferida estranha, sobre

cuja origem o capitão forneceu uma explicação nada

convincente.

Curtis examinou a ferida e disse:

— Alguém deve ter desferido um golpe muito forte

contra a cabeça de Zimmermann. Foi um golpe vindo de

cima, na vertical. Que diabo, coronel, você não o matou a

tiro?

— O que quer dizer?

— Você o matou a tiro, não a pancada e...

— Há quanto tempo foi produzida a ferida, doutor?

Queira verificar.

— Há meia hora mais ou menos.

— Há meia hora o capitão ainda se encontrava fora

desta base, pilotando seu avião. Há muitas testemunhas

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que podem confirmar isso.

— Não compreendo. Não percebeu nenhum sinal de

fraqueza em Zimmermann? Se os conhecimentos que

adquiri não me enganam, o golpe no crânio já deve ter sido

mortal.

— Nesse ponto o senhor está enganado. Zimmermann

estava bem vivo ao entrar aqui. De qualquer maneira seu

diagnóstico é muito interessante. Estou interessado em

saber como e onde o capitão foi morto da primeira vez e

como conseguiu manter-se vivo com uma ferida dessas.

Vamos dar uma olhada no seu avião. Queiram

acompanhar-me.

O aparelho usado por Zimmermann era um avião para

quatro passageiros. Mercant Curtis e Cretcher puderam

acomodar-se confortavelmente nele.

— Este é o assento do piloto — disse o chefe. — O

capitão afirmou ter entrado numa área de baixa pressão.

Com isso o avião sofreu uma aceleração repentina e fez

com que sua cabeça fosse atirada para trás. Acontece que

não vejo nenhum lugar em que possa ter batido.

A resposta era evidente. Zimmermann mentira. Atrás

dele havia o assento número três e, para bater com a

cabeça no teto da cabina, o capitão teria de levantar-se.

— Além disso, haveria manchas de sangue — disse

Cretcher.

Mercant mandou chamar a sentinela do campo de

pouso.

— Qual foi o avião que o capitão Zimmermann usou

hoje?

— Foi este coronel.

— Obrigado. É só isso. Acomodem-se, cavalheiros.

Voltaremos a percorrer o trecho.

Mercant decolou e tomou o rumo norte, seguindo o

litoral oeste.

— O comportamento do capitão durante o voo foi

muito estranho — disse Mercant. — Quando mandei pedir

que voltasse, falou numa estranha descoberta. Pretendia

verificar melhor. Depois disso levou algum tempo sem

responder. Quando voltou a estabelecer contato disse ter

estado inconsciente. Isso deve ter-se passado ao norte de

Proven.

Depois de ter sobrevoado Proven, Mercant desceu para

oitocentos metros. Pediu a seus acompanhantes que

participassem intensamente da observação ótica.

O ar estava límpido e não havia vento. Se houvesse

qualquer vestígio, este ainda devia estar bem visível, pois

ainda não se passara uma hora. Pouco depois Cretcher

anunciou uma descoberta.

— Olhe Mercant! Ali há um rastro de aterrissagem. E

há uma mancha redonda logo ao lado. O que será aquilo?

Mercant fez uma curva e voltou. Desceu para cem

metros. A mancha redonda era um objeto semiesférico.

Parecia-se com os iglus dos esquimós. Só que era

totalmente preto. Via-se nitidamente o rastro de

aterrissagem. Não havia dúvida de que fora produzida pelo

avião de Zimmermann.

Aterrissaram perto do iglu preto. Mercant chegou lá

antes dos outros e pôs a mão no objeto.

— É de metal. Que coisa estranha! Quem iria construir

um cogumelo destes em pleno Ártico? E olhe que não há

janela, entrada, nem emenda de solda. Que lhe parece,

Cretcher?

— É uma coisa estranha.

Mercant bateu no material desconhecido, que designara

vagamente como metal. Ouviu-se um som surdo.

Mercant voltou a bater.

— Deem alguns passos para trás. Isso não tem porta.

Apesar disso vamos entrar. Quero saber as quantas, ando.

Cretcher seguiu seu exemplo. Abriram fogo contra o

cogumelo. Mas o material não cedeu.

— Assim não adianta. Vou pegar uma carga de

explosivo no avião.

A carga de explosivo resolveu.

A semiesfera preta foi erguida de um lado com a

pressão e tombou. Embaixo dela encontraram um buraco

na neve... e um corpo esfacelado. O corpo estava nu.

Curtis pegou um membro, que poderia ter sido um braço.

Mas não se parecia com aquilo que em nosso planeta se

entende por braço.

— Tem seis articulações — murmurou o Dr. Curtis,

que parecia fascinado. — Este ser vem de outro mundo.

Está morto e dificilmente poderemos reconstituí-lo. Mas

não há dúvida de que se encontrou com Zimmermann. O

que vamos fazer coronel?

— Levem tudo que puderem reunir. Receio que

Rhodan não saiba de nada sobre este monstro. Tanto mais

interessado deve ficar. Acho que este é o começo da

invasão que há semanas enche o mundo de pesadelos.

VI

Nagasaki, Japão.

No Estádio de Kashiri estavam reunidas quarenta mil

pessoas que desejavam assistir ao jogo final do

campeonato japonês. Sobre as tribunas pesava um calor

sufocante e a expectativa quanto ao resultado do

campeonato.

No bloco F instalaram-se dois homens que traziam

aparelhos bem complicados no bolso. Estavam sentados a

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mais de cinquenta metros um do outro, mas assim mesmo

mantinham-se em contato ininterrupto. Os instrumentos de

captação de ondas cerebrais trabalhavam quase sem ruído.

O leve zumbido que emitiam era abafado pelo vozerio das

quarenta mil pessoas.

Dada a partida para o jogo, no gramado passaram a

desenrolarem-se acontecimentos que não interessavam a

Tako Kakuta nem a Reginald Bell.

Apesar de tudo, os localizadores de mutantes de

Rhodan haviam combinado não despertar a atenção dos

presentes. Fingiam certa atenção e executaram um

acompanhamento puramente ótico da bola, embora não

houvesse a menor participação interior.

Subitamente Bell recebeu uma notícia de Kakuta. Os

minirrádios que portavam eram verdadeiras obras-primas

da mecânica de precisão. À primeira vista os emissores

pareciam resumir-se em duas chapas de plástico

sobrepostas, entre as quais, comprimidos ao máximo,

estavam todos os elementos técnicos. Ambos traziam os

emissores na parte interna da gola da camisa, onde eram

capazes de transmitir uma fala quase cochichada, por meio

dos ultrassensíveis microfones de laringe. Os receptores

localizavam-se no interior do ouvido, onde ocupavam o

lugar equivalente a um chumaço de algodão.

— Um exemplar extraordinário de cérebro — soou o

comunicado de Tako. — A 33.000 angstroms verifica-se

uma estranha superposição. O que acha?

— Isso tem um valor extraordinário, Tako. Ainda que

se queira considerar a excitação anormal dos espectadores,

uma frequência desse tipo afasta-se completamente dos

padrões. Pegou a coordenada do lugar em que se encontra?

— Já anotei.

— Muito bem. Espera até que eu também tenha

completado a operação.

Reginald Bell trabalhou com uma das mãos no bolso.

A antena localizadora do seu eletromagnetoscópio, que

não era maior que um dedal, fez deslizar seus raios sobre

as pessoas reunidas no bloco F. Como Bell já conhecia a

anomalia, o serviço tornou-se mais fácil. Seu receptor foi

regulado para 33.000 angstroms e reagiu automaticamente

quando o raio atingiu o corpo que irradiava essa

frequência.

— Minha coordenada já foi estabelecida, Tako. Pela

disposição dos assentos é de 135 graus, sete minutos e

trinta segundos.

— Obrigado. Minha coordenada é de 46 graus e doze

minutos exatamente. Faça o favor de calcular a posição.

Tako e Bell realizaram seus cálculos

independentemente um do outro e conferiram os

resultados. Em ambos os casos indicavam o lugar no 844

do bloco F.

— O.K. — disse Bell. — Irei até a entrada principal.

Ainda faltam vinte e cinco minutos até o fim do primeiro

tempo do jogo.

— Muito bem — respondeu Tako Kakuta. — Cuide do

comando robotizado.

O programa de ação fora estabelecido antecipadamente

em todos os detalhes. Através das numerosas conquistas

técnicas dos arcônidas já se conseguira localizar o

presumível mutante. Durante o intervalo, Kakuta passaria

pela fileira onde ficava o lugar no 844. Para evitar qualquer

engano, o japonês preferia olhar seu patrício de perto.

Tratava-se de um jovem simpático de cerca de vinte e

cinco anos.

De passagem, Tako ainda bateu uma fotografia do

homem. Depois se dirigiu à entrada, passando pela outra

extremidade da fileira. Do lado de fora se encontrou com

Reginald Bell.

— Tudo O.K. Aqui está a fotografia do homem. Os

robôs estão preparados?

Bell fez que sim. Guardou a fotografia.

Quando o jogo terminou, o homem do lugar no 844

saiu pela direita, onde Bell o aguardava. Estava

acompanhado de dois amigos. Por isso os mutantes

precisariam ter paciência. Lá fora se encontrava, em meio

a milhares de veículos, o carro-robô, cujos instrumentos de

localização haviam sido regulados para o mutante. Os

homens visados entraram num carro que se encontrava a

grande distância. Com o tráfego intenso não era possível

segui-lo de perto. Teriam que depender do localizador de

ondas cerebrais.

Bell e Tako comunicaram-se pelo rádio. Kakuta

procurou aproximar-se de Reginald Bell em meio à

multidão que se comprimia.

— É aquele carro vermelho. Está vendo?

— Tão depressa não chegaremos lá. Os robôs estão

muito para trás. Pegue seu carro, Bell. É o mais certo.

— Antes que eu consiga sair dali aqueles rapazes

estarão longe.

— Um momento. Eles estão indo para a direita, em

direção à rodovia norte. Procure avançar depressa.

Ultrapasse sempre que puder e procure grudar-se no

vermelho. Será fácil reconhecê-lo. Eu pego um táxi.

— Que tolice! Isso é muito demorado. Tako limitou-se

a fazer um gesto.

— Recuperarei o tempo. Não se preocupe. Mantenha

contato comigo. Conversaremos enquanto seguimos nosso

homem.

Separaram-se. Reginald Bell ocupava um lugar mais

favorável em meio à fila de automóveis que se estendia

por vários quilômetros.

O carro-robô seguia-o a uma distância de várias

centenas de metros. O veículo não chamava a atenção dos

transeuntes porque seus vidros polarizados não permitiam

enxergar o interior.

Tako, no seu táxi, ocupava a posição mais

desfavorável. Pediu ao motorista que se apressasse. Mas

nas condições em que se desenvolvia o tráfego não se

podia fazer muita coisa.

Depois de uma perseguição de quinze minutos chegou

o momento em que o japonês teve de intervir.

— Pararam — anunciou Bell. — Prossegui no meu

carro. Ao que parece estão entrando num restaurante que

fica numa esquina à direita do primeiro cruzamento.

— Conheço o local — respondeu Tako. — Volte.

Vamos nos encontrar ali mesmo. Instruções ao comando

robotizado: continuar de olho no carro vermelho e

estacionar perto dele.

Tako Kakuta sabia que seu táxi levaria pelo menos

quinze minutos para chegar ao local indicado por Bell.

Preferiu não mais insistir com o motorista para que se

apressasse. Sem dizer uma palavra, colocou no assento

traseiro uma recompensa generosa de cinquenta ienes e

concentrou-se a fim de realizar uma teleportação para a

toalete do restaurante, lugar que conhecia perfeitamente.

O motorista de táxi ficaria dando tratos à bola pelo

resto da vida para descobrir como seu freguês

desaparecera de repente. O que lhe importava era que não

saíra prejudicado.

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30

O corpo de Kakuta passou ao estado energético e

voltou a materializar-se no lugar em que se concentraram

seus pensamentos. No momento em que entrou no

restaurante também chegou o homem do lugar no 844 com

seus amigos. Não foi difícil encontrar uma mesa próxima à

sua. Quando Bell entrou, o maior problema já estava

resolvido.

— Vamos tomar um drinque para celebrar.

Conseguimos chegar perto do nosso homem.

Beberam. A espera não foi desagradável. O resto do

trabalho seria executado pelos robôs.

Dali a três horas os três amigos se separaram. O

mutante morava bem próximo dali. O nome escrito na

porta de sua casa era Tama Yokida.

Quando já havia escurecido alguém tocou a campainha.

Sem desconfiar de nada, abriu a porta. Não havia ninguém.

Sobressaltou-se com um ligeiro chiado. Mas quando

desconfiou do perigo, já era tarde. Respirou o narcótico e

perdeu os sentidos. Algumas figuras de metal e de plástico

carregaram-no para um automóvel e saíram em disparada.

Enquanto o comando robotizado executava o sequestro

do mutante Tama Yokida, agindo silenciosa e

impessoalmente, Kakuta e Bell prosseguiam na busca de

outras pessoas apropriadas aos seus objetivos. Para

encerrar sua atuação no Japão adquiriram dois lugares

dispendiosos nos camarotes do Teatro Metrópole.

Envergando trajes a rigor, compareceram ao espetáculo de

gala.

Quando chegou a hora do primeiro intervalo, já haviam

descoberto três pessoas com um perfil extraordinário de

ondas cerebrais. Acontece que, por questões de segurança,

só podiam cuidar de uma pessoa de cada vez. Por isso

escolheram a pessoa que apresentava o desvio mais

acentuado da frequência normal das ondas de pensamentos

humanos.

A primeira suspeita de ser mutante era uma jovem

chamada Ishi Matsu. Um cavalheiro a acompanhou até a

casa. Ali, o comando robotizado fez com que chegasse à

porta. Foi sequestrada pouco depois da meia-noite.

Enquanto isso acontecia, Reginald Bell e Tako Kakuta

estavam no seu quarto de hotel, fumando e tomando

conhaque. Fizeram um balanço de suas atuações.

— Conseguimos doze mutantes. Rhodan pode dar-se

por satisfeito. Só pediu dez. Voltemos a verificar a lista.

Temos André Noir, filho de um casal de franceses

residente no Japão e Ralf Marten, filho de pai alemão e

mãe japonesa. Os outros são japoneses de verdade: Ishi

Matsu, Wuriu Sengu, Son Okura, Tanaka Seiko, Doitsu

Ataka, Kitai Ishibashi, Nomo Uatushin, Tama Yokida...

— São apenas dez.

— É verdade. Mas ainda temos Fellmer Lloyd, que

prova a tese de que as mutações não têm sua origem

exclusivamente na bomba atômica. E ainda Ras Tshubai,

que fomos buscar na África. Com isso completamos uma

dúzia.

— Você é supersticioso? — perguntou Tako de

supetão.

— Por quê?

— Porque penso no décimo terceiro homem. Ainda

temos dois dias.

Colocou um recorte de jornal sobre a mesa.

— Ah, é a história daquele alemão de Munique. Para

mim isso não passa de lorota — disse Reginald Bell.

— Não acha que devemos suspender nosso julgamento

até examinar o caso? É claro que alguém pode chamar a

atenção sobre sua pessoa formulando prognósticos sobre o

futuro e fazendo com que os jornais os publiquem. Mas, ao

que parece Ellert fez tudo para evitar que suas previsões

chegassem ao conhecimento do público. A publicidade

corre por conta de um amigo dele. A teletemporação nos

abriria um campo de possibilidades inteiramente novas.

Sinto-me interessado pelas qualidades desse homem, isto

é, pelas suas qualidades inteiramente hipotéticas. Além

disso, no caso, não precisaremos recorrer ao sequestro. Ao

que parece Ellert manifestou o desejo de visitar-nos no

deserto de Gobi.

— Está bem — confirmou Bell. — Podemos atender

ao desejo desse sujeito.

VII

Quando os primeiros raios do sol nascente

mergulharam no lago salgado de Goshum, ninguém

desconfiaria de que o novo dia iria trazer uma série

enorme de grandes acontecimentos. Perry Rhodan

programara uma inspeção nos trabalhos que estavam sendo

realizados nos pavilhões de montagem. As primeiras peças

já tinham chegado de Petersburg, e as colunas de robôs

haviam instalado os primeiros pavilhões.

Ao sair dos seus aposentos, que ficavam fora da nave,

Rhodan sentiu sua atenção atraída por um estranho

tumulto. Um grupo de quatro pessoas que gesticulavam

animadamente aproximou-se dele. Parou. Percebeu que em

meio aos homens havia uma mulher, que parecia um tanto

acanhada.

— Bom dia, minha senhora. O que me dá a honra?

Anne Sloane estava próxima a um estado de prostração

total.

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— Bom dia, senhor Rhodan. Gostaria de falar com o

senhor. Eu queria...

— Por favor, fale! Não se constranja. Já me conhece?

— Quem não conhece o senhor?

Num gesto desajeitado Anne Sloane tirou do bolso uma

fotografia que mostrava a tripulação da Stardust.

— Onde arranjou isso?

— Foi meu marido que me deu. Nunca regressou. Foi o

único que não voltou. Gostaria de falar-lhe por um

instante. O senhor foi amigo de Clark...

— Amigo de Clark? A senhora é a senhora Fletcher?

Anne Sloane possuía o dom da telecinese, mas faltava-

lhe a vontade poderosa necessária a um agente secreto.

Reunindo suas últimas forças, confirmou com um

movimento de cabeça.

— Ela está mentindo! — disse John Marshall em tom

ríspido.

Anne lançou um olhar apavorado para o telepata.

Desistiu de representar seu papel ambíguo. Seus olhos

encheram-se de lágrimas.

— Como pode dizer o que estou mentindo?

— Porque seu nome é Anne Sloane e nunca foi casada.

Porque foi gente como Mercant e Kaats que a mandou

para cá a fim de praticar a espionagem. Porque, se fosse

um ser humano como qualquer outro, nunca teria

conseguido atravessar nosso anteparo energético. Você

possui capacidades telecinéticas, não é verdade?

Era uma dose excessiva de verdades ministrada de uma

só vez. Anne Sloane chorou sem o menor

constrangimento.

— Cuide dela! — ordenou Rhodan. — Leve-a ao meu

gabinete.

Anne Sloane não ouviu outras perguntas antes que se

recuperasse. Depois disso até conseguiu sorrir. A xícara de

café que Rhodan mandara servir-lhe fortaleceu o

inexplicável sentimento de segurança que tomou conta

dela.

Marshall cochichou alguma coisa ao ouvido de

Rhodan. Este confirmou com um movimento de cabeça e

voltou a dedicar-se à moça.

— Então Mercant teve conhecimento de seus dotes e

procurou colocá-la contra nós?

— Será que você ainda não sabe disso? Se me lembro

do que esse cavalheiro acaba de contar de improviso,

percebo que nem mesmo o agente mais esperto terá

qualquer chance contra vocês. Não compreendo como

pode existir uma coisa dessas. O senhor Kaats vivia me

dizendo que vocês dispõem de algumas vantagens

técnicas, mas de resto não passavam de um pobre grupinho

de gente abandonada.

— Somos um grupinho, mas não um grupinho pobre.

O cavalheiro que tanto a impressionou é John Marshall. É

um ótimo telepata. Aliás, Marshall acaba de me dizer que

seu desejo de praticar a espionagem nunca foi muito

intenso. No íntimo você nutre o desejo de unir-se a nós.

— Será que isso não é uma desculpa esfarrapada? —

perguntou Anne com a voz insegura.

— Poderia parecer. Mas sabemos que esse desejo é tão

real como as instruções que lhe foram ministradas por

Mercant. Afinal, conhecemos seus pensamentos.

Anne fechou os olhos. O sentimento de segurança

abandonou-a. Embora não fosse nenhum telepata, Rhodan

sabia o que se passava no seu interior.

— Conheço a sensação que se apossa da pessoa que

sabe estar à mercê de um telepata. Um homem desses

penetra nos recantos mais íntimos de sua vida privada e

isso a torna infeliz. Não é verdade?

Anne confirmou com um movimento assustado.

— Esperava encontrar por aqui algo de livre e

grandioso. Mas isso não é liberdade.

Perry esboçou um sorriso conciliador.

— Posso restituir-lhe a liberdade, Anne. Eu já a

conquistei.

— A liberdade? Pode libertar-me de um homem desse

tipo?

Lançou um olhar de repreensão sobre John Marshall.

— Posso dar-lhe uma barreira mental. Eu lhe ensino.

Trata-se de um misto de tecnologia e de estudos psíquicos.

Levará apenas algumas semanas para aprender.

— Quer que fique tanto tempo?

— Quero que fique para sempre. Se tiver vontade.

Anne limitou-se a sorrir.

Rhodan dera ordens para que Marshall não se

aproximasse com demasiada frequência de Anne Sloane, a

fim de não deixá-la mais chocada. O Dr. Haggard foi

incumbido de providenciar um alojamento adequado para

a moça.

Perry Rhodan, o chefe da Terceira Potência, foi

caminhando sozinho em direção às linhas de montagem.

Mas ainda assim seus pensamentos não se concentraram

exclusivamente na inspeção que pretendia levar a efeito.

Um novo problema apresentara-se ao seu espírito. Teria de

avaliar todas as possibilidades que este problema lhe

oferecia.

Fora enviada por Allan D. Mercant, chefe do Conselho

Internacional de Defesa. Esse tipo de capacidade humana

poderia transformar-se em certa forma de decepção na vida

de Rhodan. Já o considerara uma figura de primeira ordem

em seu grande jogo. Visitara-o no seu abrigo situado sob

os gelos da Groenlândia, recebera-o ali mesmo, no deserto

de Gobi, como embaixador do Ocidente, e sentira certo

tipo de simpatia mútua. Mas subitamente Allan D.

Mercant manda alguém superdotado para praticar a

espionagem no Gobi...

Seus pensamentos foram interrompidos por um sinal de

alarma emitido pelo rádio de Crest.

— Que diabo! — resmungou Rhodan e acionou o relê

de seu traje altamente versátil, que imediatamente

eliminou a gravidade e o fez vencer os trezentos metros de

volta. Pousou numa comporta de ar e correu para a sala de

comando em que Crest se encontrava.

— Localizou alguma coisa, Crest? Será que já é a

invasão? Já? Seria a hora mais imprópria que poderíamos

imaginar.

— Ainda não há nada de definitivo. Apenas localizei

alguma coisa na órbita lunar. Acontece que desde a

primeira tentativa frustrada sabemos perfeitamente que um

belo dia os habitantes de Fantan trarão reforços.

Rhodan decidiu prontamente.

— Vamos verificar e atacar, desde que a situação o

permita. Não podemos permitir que a Terra corresse

qualquer risco. Não podemos expor os homens nem os

arcônidas. Permite que utilizemos sua nave?

Crest sentia-se dominado pela personalidade de

Rhodan, motivo por que interpretou a solicitação como

uma ordem. Confirmou com um simples movimento de

cabeça, como quem se abstém de exercer qualquer parcela

de autoridade.

As sereias de alarma mobilizaram a pequena tripulação

da Terceira Potência. Rhodan transmitiu ordens que eram

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ouvidas em toda a parte.

— Klein e Li, queiram comparecer a bordo. Kosnow,

você se encarregará de manter o contato pelo rádio. De

resto os trabalhos serão executados de acordo com a

programação normal. A posição dos robôs também

permanecerá inalterada. Tudo pronto para a decolagem. Li

e Klein apressem-se!

A nave esférica decolou na vertical, depois que o

anteparo energético foi retirado por alguns segundos.

Depois de ter deixado a superfície da Terra, o antígravo

sincronizado imprimiu-lhe uma aceleração de 50 g.

Levaram pouco mais de uma hora para atingir a órbita

lunar. Só Rhodan e Crest, graças ao seu treinamento

hipnótico, estavam em condições de assimilar as posições

que o radar robotizado transmitia numa sequência

vertiginosa. A capacidade de reação de um ser humano

normal seria excedida de cerca de quinhentas vezes. Não

foi por menos que Klein pediu desesperadamente que

reduzissem a velocidade.

Rhodan fez-lhe a vontade, pois descobrira que a nave

inimiga se deslocava com uma velocidade muito menor.

Mais uma vez recorreu-se ao antígravo, pois se tornava

necessário neutralizar a desaceleração de mais de 100 g. O

inimigo não tardou a surgir nítido na tela.

— Isso não é uma nave-fuso e a tripulação não é

composta de habitantes de Fantan — disse Li. — O que

acha Crest?

— Só posso dizer que se trata de uma nave oval motivo

por que não pode pertencer aos arcônidas. Nos últimos

séculos nossa raça sempre teve poucos amigos e muitos

inimigos. Todas as probabilidades indicam que nos

encontramos diante de um inimigo.

Perry Rhodan colocou a nave dos arcônidas em posição

de ataque e acionou os raios de rastreamento.

— Essa gente tem uma cúpula energética. Precisamos

descobrir a potência dela.

Tratava-se de uma indagação puramente retórica.

Rhodan já estava interpretando o raio medidor. Depois de

algum tempo disse:

— Se transformarmos essa nave em energia,

colocaremos um novo sol em miniatura no céu da Terra.

Não estou em condições de formular uma previsão exata

sobre as consequências meteorológicas para nosso planeta,

mas sem dúvida existe a possibilidade da ocorrência de

enormes catástrofes climáticas.

— A nave oval reforçou sua cúpula energética porque

nos aproximamos dela — explicou Crest. — Essa gente

sabe perfeitamente que assim se tornam inexpugnáveis.

— Nossa única chance reside no uso de armas

convencionais — disse Rhodan, falando quase de si para

si. — Se conseguíssemos desencadear uma explosão

interna. Acredito que uma carga de dez toneladas de TNT

seria suficiente para eliminar o problema.

— Seu desejo é compreensível, mas irrealizável. A não

ser que se lembre de algum truque.

— Já conheço o truque — disse Rhodan em tom

áspero. — Só que para levá-lo a efeito devemos realizar

alguns ataques fictícios, para que esse pessoal pense que

só conhecemos o ataque frontal.

A nave dos arcônidas deu um salto e dentro de poucos

segundos aproximou-se a quinze mil quilômetros do

inimigo. Rhodan disparou raios energéticos, cujo impacto

na cúpula protetora produziu um belo fogo de artifício,

mas não causou nenhum efeito. Acontece que o ataque

fictício trouxe um resultado com que ninguém contava. A

nave oval desapareceu subitamente da tela. Não que se

transferisse para o paraespaço ou criasse um campo

invisível por meio de uma curvatura artificial do espaço.

Acelerou simplesmente para mil metros por segundo e

desapareceu no vazio, sob a forma de um ponto que sumiu

na amplitude do espaço.

O resultado foi um espanto geral. Nem mesmo Crest

conseguiu escapar a essa impressão.

— Já viu tamanho desempenho de um mecanismo

propulsor?

Crest sacudiu a cabeça.

— Afinal, nada sabemos sobre as novidades que o

progresso faz surgir diariamente no centro da galáxia

durante nossa ausência. Existem várias raças que seriam

capazes de um desenvolvimento tecnológico dessa ordem.

E há outros detalhes que devem corresponder às

características da nave oval. Convém indagar ao cérebro.

***

Perry Rhodan dirigiu a nave para a Terra. A ideia de ao

menos ter espantado o inimigo deu-lhe esperança de ter

ganhado um tempo precioso.

Pousaram e dirigiram-se imediatamente ao

compartimento em que se achava instalado o cérebro

positrônico robotizado.

Mas o dia parecia ser de bruxaria. Kosnow dirigiu-se

ao grupo e disse que tinha um assunto importante a tratar

com Perry Rhodan.

— O que houve desta vez?

— Há alguém do outro lado da cúpula energética que

insiste em falar com o senhor. Chegou há meia hora com

um avião que regressou imediatamente. Avisou que não

precisa mais dele, pois pretende ser seu hóspede por muito

tempo.

— O homem disse seu nome?

— Não, mas afirma ser amigo do senhor.

— Mande-o entrar e traga-o ao meu gabinete. Deve ser

vigiado rigorosamente.

Rhodan avisou que dali a meia hora se encontraria com

os outros junto ao cérebro robotizado. Após isso entrou em

seu gabinete, onde aguardou o visitante desconhecido.

Kosnow retirou a cúpula energética por alguns

segundos e mandou um carro robotizado até a fronteira.

Quando se deparou com o visitante misterioso, perdeu a

fala por alguns segundos.

— Mercant! De onde vem?

— Diretamente da Groenlândia. Bom dia, Kosnow.

Como vai você?

O tom coloquial da fala de seu interlocutor fez com que

o russo se retraísse subitamente.

— Bem, obrigado, coronel. Queira vir comigo. Rhodan

está esperando.

— O que é isso? Será que encontrou uma mosca na sua

comida? Ou não suporta este tempo maravilhoso?

Kosnow manteve-se num silêncio obstinado. Conduziu

Mercant ao gabinete de Rhodan, onde mais uma vez se

desenrolou uma cena que era um misto de cordialidade e

reserva. Apenas desta vez o próprio Mercant assumiu um

ar sério em meio à frase.

— ...perfeitamente, Rhodan. É claro que não vim a

passeio. Uma viagem para o Gobi custa um bom dinheiro e

as normas burocráticas exigem que apresente um bom

motivo para obter o reembolso da despesa. Por ocasião de

nosso último encontro você se mostrou muito mais franco

e cordial. Não posso negar que compreendo a mudança.

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Digo-lhe isto para que saiba que não jogo com as cartas

escondidas. Está zangado comigo por causa da história da

senhora Fletcher, ou melhor, Anne Sloane, não é?

— É verdade — disse Rhodan laconicamente.

Mercant prosseguiu:

— Sabia perfeitamente que jamais poderia confiar

muito em Anne Sloane. Pelo menos não poderia confiar

nela para a missão que Kaats quis confiar-lhe, mas se, com

tudo isso, dei essa incumbência à moça, não lhe deve ser

difícil adivinhar para onde se inclinam minhas simpatias.

— Não me venha dizer que elas se inclinam para o

meu lado, Mercant. Hoje não estou com muita

receptividade para bajulações.

— Não leve tudo para o lado pessoal. Vim para cá

somente porque simpatizo com a Terceira Potência. E não

vim por nenhum motivo pessoal. Estou interessado tão-

somente no bem-estar da humanidade. Vim por estar

convicto de que só você está em condições de repelir a

invasão vinda do espaço.

— E veio para ficar por algum tempo, não é?

— Isso depende de você.

Já fazia tempo que Perry Rhodan não ouvia palavras

tão francas. Sentiu-se bem.

— Bem, veremos. Por enquanto quero levá-lo ao seu

alojamento. Depois conversaremos mais demoradamente.

Agora peço que me dê licença, pois tenho um encontro

importante.

— Há pouco vi quando pousou com a nave dos

arcônidas. Não duvido que seu trabalho seja muito

importante. Apesar disso peço que me ouça mais um

instante. Não foi por capricho que vim justamente há esta

hora.

Ao dizer estas palavras, Allan D. Mercant colocou sua

mala sobre a mesa e abriu-a. Rhodan não teve tempo para

formular qualquer objeção. Viu os membros estranhos que

seu visitante trouxera dos gelos da Groenlândia e percebeu

imediatamente a importância daqueles fragmentos.

— O que é isso, Mercant?

— Bem que gostaria que você me dissesse. Ou Crest.

Encontramos bem ao norte do fiorde de Umanaque uma

formação estranha, parecida com um iglu. Abrimo-la com

uma carga explosiva e encontramos os restos deste ser

estranho. Não é do nosso planeta.

Perry Rhodan dirigiu-se ao rádio e pediu que Crest,

Marshall, Haggard e Thora comparecessem ao seu

gabinete. Pouco depois surgiram os três homens. Thora

não apareceu.

Depois de uma breve apresentação Allan D. Mercant

forneceu um relato minucioso das recentes ocorrências na

Groenlândia. O destino do capitão Zimmermann e os

despojos guardados na mala provocaram um enorme

impacto. Ninguém duvidou de que o planeta Terra havia

chegado a uma encruzilhada do seu destino. Os olhares

indagadores concentraram-se em Crest.

— Não há mais necessidade de formular indagações ao

cérebro robotizado, pois já sabemos de tudo. O capitão

Zimmermann não foi nenhum desertor ou traidor. Foi uma

simples vítima desses seres.

— Não são habitantes de Fantan, são?

— Não. São seres muito mais perigosos e traiçoeiros.

O sinal de emergência desencadeado automaticamente

pela destruição de nossa nave deve ter concentrado as

atenções de numerosas inteligências sobre este setor do

espaço. Devemos nos conformar com o fato de que a

posição da Terra tornou-se bastante conhecida entre os

habitantes da galáxia. Algumas raças, tangidas pela

curiosidade, pela ganância ou pelo vandalismo, tentarão

invadir o sistema solar. Depois dos habitantes de Fantan

chegaram os DI. Os DI são criaturas de rebanho. Quando

se avista um, deve-se contar com muitos.

— O que significa DI?

— Procurarei explicar com o exemplo do capitão

Zimmermann. O nome desses seres não pode ser expresso

na linguagem dos arcônidas, já que nos faltam vocábulos

adequados. DI significa Deformadores Individuais. Posso

adiantar que esses seres se contam entre os inimigos mais

temíveis do nosso Império. Dispõem de uma qualidade

inata que lhes permite abandonar seu corpo em espírito e

transferir-se a outro organismo. Seu ego pode manter-se

por muito tempo num outro ser e isso de tal forma que o eu

é trocado por esse tempo. O capitão Zimmermann deve

ter-se encontrado com um ser desse tipo nos gelos da

Groenlândia. Quando compareceu ao seu gabinete,

Mercant estava possuído pela vontade do DI. O corpo

deste encontrava-se sob a cúpula protetora que lhe pareceu

tão misteriosa e serviu como prisão martirizante ao espírito

de Zimmermann.

— Que coisa horrível! — interveio o Dr. Haggard. —

Será que esse poder inconcebível dos DI está ligado a

certas capacidades metabólicas?

Crest sacudiu a cabeça.

— Você está pensando numa substituição orgânica,

não é? Acredita que haja uma trasladação total, inclusive

do protoplasma? Não é nada disso. Não há nenhuma

deformação metabólica. A investidura de um espírito

estranho em nosso corpo já é um fenômeno demoníaco.

Não houve quem não concordasse com a opinião de

Crest. Mas Haggard continuou a desenvolver suas ideias.

Subitamente, afastou-se de Mercant. Ainda num

movimento súbito segurou a pistola e apontou-a para o

visitante.

— Estamos conversando sobre os DI, mas esquecemos

de que Mercant esteve com Zimmermann pouco antes de

sua morte.

Crest compreendeu o raciocínio de Haggard. Fez um

gesto tranquilizador.

— Guarde sua arma, doutor. Os DI têm de partir do

corpo deles para penetrar num corpo estranho. Para

realizar uma deformação têm de abrigar-se no seu próprio

organismo. Portanto, não há possibilidade de o DI ter

passado do corpo de Zimmermann para o de Mercant.

— E o que é feito do DI? Será que ele se conformou

com a morte de Zimmermann?

— Morreu tal qual o capitão. O retorno ao próprio

corpo requer certo preparo espiritual. Quase diria que se

trata de uma concentração de forças. É este um dos poucos

pontos em que podemos encontrar uma compensação para

nossa fraqueza.

— Quer dizer que ambos estão mortos? O DI e

Zimmermann?

Crest confirmou com um movimento de cabeça.

Dali a pouco o debate chegou ao fim. Mercant ainda

ponderou que era bem possível que a deformação de

Zimmermann não fosse um caso isolado. Crest confirmou

a possibilidade.

— É bem possível que a situação seja muito mais séria

do que pensamos. O exemplo de Zimmermann prova que

os DI estão realizando ataques isolados pelo menos há uns

dois ou três dias. Devemos pensar em um alarma geral

dirigido a toda a humanidade. Cada homem deve vigiar

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seu vizinho e reportar prontamente qualquer tipo de

comportamento estranho ou hostil.

— Sabe o que significa isso? — perguntou Rhodan.

Crest fez que sim.

— Significa o pânico geral disseminado entre os

homens. Se encontrar um caminho adequado, recomendo-

lhe que o use.

— Mais uma pergunta, Crest. Os DI precisam realizar

uma aproximação física para dar seus saltos espirituais, ou

estão em condições de vencer distâncias maiores?

— Operam de perto e de longe. Quando se torna difícil

atingir determinado indivíduo que se encontra em meio a

outros, chegam bem perto. Mas se a vítima se encontra

num local isolado, conseguem atingi-lo a partir de uma

nave espacial que se encontra a milhares de quilômetros de

distância.

* * * Uma hora depois.

— Tako acaba de anunciar sua chegada — disse

Rhodan, dirigindo-se a Mercant e ao Dr. Haggard, que

ainda se encontravam em seu gabinete. — Trazem treze

mutantes.

— Mutantes? — perguntou Mercant, esticando a

palavra. Pelo modo de olhar percebia-se que não entendera

nada.

— São mutantes destinados à Terceira Potência. A

tripulação de nossa base, ou melhor, a população de nosso

Estado, deverá manter-se reduzida por muito tempo. Por

isso devemos substituir a quantidade pela qualidade. Só as

pessoas mais capazes podem ser recrutadas para o serviço

da Terceira Potência. Fundarei um exército secreto de

mutantes. Trata-se de uma tropa menor e menos vistosa

que qualquer outra. Por outro lado, porém, é mais rápida,

forte e digna de confiança.

— O exército secreto dos mutantes — repetiu Mercant,

como se fosse o eco de seu anfitrião. Procurou pôr as

ideias em ordem. Apesar do impacto das impressões que

recebera nas últimas horas, conseguiu formar uma linha

coerente de raciocínio, que em última análise se fundava

no seu desejo.

— Rhodan, eu o admiro! Suas palavras poupam-me o

trabalho de tomar uma decisão séria. Sinto que confia em

mim. Considere-me um dos seus.

— Obrigado, Mercant. Há muito desejo isso.

Depois de um aperto de mão, que haviam omitido ao se

cumprimentarem, voltaram a falar em Tako Kakuta.

Quando começaram a tirar as primeiras baforadas de um

cigarro, ouviram a informação de que o avião de transporte

se preparava para pousar.

Por alguns segundos a cúpula energética do território

da Terceira Potência deixou de existir. O avião pousou.

Tako foi o primeiro a descer.

— Suas ordens foram cumpridas, Rhodan! Temos doze

mutantes a bordo. A disposição que prevalece entre eles

não lhe é muito favorável. A maioria pretende citá-lo

perante a Corte Internacional assim que se ofereça a

oportunidade.

— Obrigado, Tako — disse Rhodan com um sorriso

significativo. Peça aos cavalheiros que desçam. Mas não

procure esconder nenhum deles. No seu primeiro

comunicado você não falou numa dúzia, mas em treze.

— O décimo terceiro vem da Alemanha. Bell o trará

num avião fretado. Sua chegada está prevista para hoje de

tarde.

— Muito bem! Gostaria de ver os doze que já

chegaram.

O primeiro encontro de Rhodan com seus mutantes foi

muito menos dramático do que estes haviam previsto.

Tomados de indignação, apressaram-se em sair do avião e

falavam em altas vozes. Mas a demonstração de

indisciplina logo cessou. À medida que os mutantes se

aproximavam de Perry Rhodan, silenciavam.

— Senhoras e senhores, eu tenho muito prazer em

cumprimentá-los como hóspedes da Terceira Potência —

principiou Rhodan. — Peço-lhes que desculpem a forma

estranha, pela qual lhes foi transmitido o convite.

Asseguro-lhes, porém, que nenhum dos senhores está

sujeito à menor restrição em sua liberdade pessoal.

Poderão morar por oito dias nos alojamentos mais

confortáveis de que dispomos, sem que isso lhes acarrete

qualquer despesa. Nesses oito dias terão oportunidade de

participar de um interessantíssimo treinamento hipnótico,

que terá por fim revelar suas verdadeiras capacidades

espirituais. Posso assegurar-lhes que poucos sabem sobre

suas potencialidades. Considerem o processo como uma

forma de jogo espiritual de que participarão. Daqui a oito

dias estarei à disposição dos senhores e terei prazer em

responder a quaisquer perguntas que desejem formular. E

então este avião estará preparado para levá-los para casa,

se assim desejarem.

Perry Rhodan ainda dirigiu um cumprimento aos

mutantes. Após isso, os entregou à equipe formada pelo

Dr. Haggard, Dr. Manoli e Marshall.

Rhodan aguardou seu amigo Reginald Bell. Mas esse

dia repleto de acontecimentos ainda não havia chegado ao

fim. Na hora do almoço receberam um novo alarma

expedido por Crest.

— A nave espacial dos DI voltou a aproximar-se.

Encontra-se na mesma órbita de hoje de manhã. Rhodan,

você não disse que dispunha de um truque?

Perry largou o talher e pôs-se de pé.

— Isso mesmo, disponho de um truque. E ai da

humanidade se ele não for bom. Alô, Tako! Compareça

imediatamente à nave. Decolaremos dentro de um minuto.

Perry Rhodan sempre fora um homem extraordinário.

Depois do treinamento hipnótico recebido dos arcônidas

talvez tivesse atingido um grau de genialidade

inalcançável pelo comum dos seres humanos. Mas naquele

instante nem imaginou que serviço estava prestando a si

mesmo e à Terceira Potência.

A cúpula energética deixou de funcionar. A nave

esférica subiu na vertical. O anteparo voltou a fechar-se.

Aceleração: 50 m/seg. O velho jogo, o sonho

imorredouro da humanidade: vencer a distância que separa

a Terra da Lua em pouco mais de uma hora.

Ingressaram na órbita do satélite apesar da formidável

força centrífuga. Só depois de realizada essa manobra foi

acionada a energia de frenagem. As ordens e os

movimentos de Perry Rhodan eram breves e objetivos.

Não desperdiçavam um suspiro.

Uma decisão estava presente ao espírito de todos: eles

ou nós!

Tako Kakuta, que recebera instruções minuciosas,

entrou na pequena nave de serviço, que não tinha mais de

cinco metros de comprimento, e manobrou em direção à

comporta pneumática. Foi quando chegou uma mensagem

de rádio vinda do Gobi. Tratava-se de uma notícia

desalentadora expedida por Kosnow.

— Alô, Rhodan. Acabo de receber um pedido de

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35

socorro de Bell. Está se aproximando num pequeno avião.

Queixa-se de fortes dores de cabeça e pede que o

ajudemos. Diz que não consegue manter o avião sob

controle. O que devemos fazer?

— São os DI! — exclamou Crest.

— Transmita a mensagem de Bell pelos

amplificadores, a fim de que eu mesmo possa falar com

ele.

— Alô, Bell. Está me ouvindo?

— Perry! Ajude-me. Não consigo pensar mais. Não sei

o que houve comigo...

Ordem de Rhodan dirigida a Tako Kakuta:

— Salte e tente a teleportação dentro de dez segundos.

Resposta de Rhodan dirigida a Reginald Bell:

— Defenda-se, Bell! Defenda-se. Não é nenhuma dor

de cabeça. É uma agressão espiritual dos invasores.

Encontramo-nos na órbita lunar e atacaremos num

instante. Você me ouve, Bell? Responda!

— Perry! Não aguento mais! A dor é insuportável.

Minha cabeça está explodindo. Vou...

— Controle-se! Você é mais forte que eles. Lembre-se

do treinamento hipnótico dos arcônidas. Você tem uma

vontade poderosa. Não ceda! Se o fizer, estará perdido.

Esses seres querem devorar seu eu. Controle-se, Bell. Mais

um minuto. Meio minuto. Daqui a pouco tudo passará...

Perry Rhodan não sabia se poderia cumprir a promessa.

Tudo dependia do êxito do seu truque, do golpe tático com

o qual pretendia derrotar os DI.

O ataque desfechado na manhã daquele dia provara que

nada se conseguiria com o uso da energia física aplicada

do lado de fora. A cúpula protetora dos DI era muito

potente. Mas também o seria quando não se sentissem

atacados? Tudo dependia disso.

Depois de ter desprendido sua minúscula nave da

gigantesca esfera dos arcônidas, Tako Kakuta aproximou-

se velozmente da nave dos DI. A nave esférica realizou um

ataque simulado e empreendeu uma retirada aparente em

direção a Terra.

A primeira etapa do plano de Rhodan foi coroada de

êxito.

Os DI não viram naquele ligeiro bombardeio

energético nenhum motivo para desaparecer

precipitadamente. Havia um motivo evidente para essa

conduta. Realizavam uma agressão espiritual contra

Reginald Bell, que se encontrava a pequena altitude sobre

o deserto de Gobi, e por isso tinham de manter-se em sua

posição atual.

Com isso abriu-se a possibilidade para a teleportação

de Tako.

Assim que a nave dos arcônidas se havia afastado um

pouco dos DI, a vigilância destes diminuiu. A nave de

Tako era tão pequena que não poderia ser localizada à

primeira tentativa.

O japonês gastou a quarta parte de um segundo para

igualar a velocidade de sua nave à do inimigo. Distância

para a nave dos DI: sete mil quilômetros.

Foi então que saltou...

...e foi parar na sala de comando da nave inimiga.

O segundo durante o qual os cinco Deformadores

Individuais que se encontravam presentes foram

dominados pelo susto bastou para acender a bomba. Tako

voltou a teleportar-se para sua nave e no mesmo instante

presenciou a explosão da nave oval.

Muitos outros a presenciaram: a tripulação da nave

esférica, a base terrestre do deserto de Gobi e Reginald

Bell, que subitamente se sentiu livre dos incômodos que o

atormentavam.

Aterrissou são e salvo com o visitante que trazia da

Alemanha.

* * *

Oito dias depois.

A notícia da nova vitória de Perry Rhodan sobre uma

nave espacial inimiga ocupou as manchetes em toda a

Terra. A simpatia pela Terceira Potência, que até então

vinha sendo encarada com certa dúvida, cresceu

vertiginosamente.

Enquanto isso, no deserto de Gobi, foi concluído um

dos cursos mais estranhos da história da humanidade. Na

sala de conferências montada pelos robôs estavam

reunidas todas as pessoas que se encontravam no território

da Terceira Potência. No rosto dos sequestrados não se

percebia o menor sinal da indignação que os dominava

uma semana atrás.

— ...e assim vou concluir, meus caros — terminou

Perry Rhodan. — Todos depositaram em mim uma

confiança irrestrita, que nunca ousaria esperar. Garanti que

poderiam voltar para casa quando o desejassem. É claro

que, se resolveram ingressar no serviço da Terceira

Potência, terão direito a férias regulares. O bloqueio

hipnótico não os deixará cair na tentação de revelar

quaisquer segredos aos que se encontram do lado de fora.

Peço-lhes que se levantem. Com a presente cerimônia

ficam engajados pelo resto da vida no exército secreto de

mutantes da Terceira Potência, exército que hoje, no dia de

sua fundação, é formado de dezoito pessoas. Durante a

palestra que acabamos de travar, os senhores deram

mostras de estarem cônscios da importância histórica da

instituição no contexto cósmico. Conhecem as limitações

da humanidade, que ampliamos ligeiramente com a

primeira viagem da Stardust. Também conhecem a enorme

expectativa de que a humanidade se sente possuída no

limiar da era espacial. Sabem que dentro de pouco tempo

penetraremos em mistérios de que há poucos anos nenhum

habitante de nosso planeta teria suspeitado. Esse salto para

a amplidão do espaço cósmico até mesmo no terreno

puramente psicológico representa um martírio para o

espírito de nossa raça que ainda se move em limites muito

estreitos. Dependerá dos senhores o bom êxito da tarefa de

livrar a humanidade de terríveis pesadelos e de vencer o

desafio do cosmo. Muito obrigado!

Os participantes da reunião foram se afastando. Perry

Rhodan ficou aborrecido ao notar que Thora fora a

primeira a retirar-se.

— O que há com ela? — perguntou, dirigindo-se a

Crest. — Pensava ter me aproximado mais de sua pessoa.

De qualquer maneira nestes últimos tempos já se podia

conversar com ela; chegou mesmo a demonstrar alguns

sentimentos. Mas há uma semana não fala uma palavra

comigo e me evita sempre que pode.

— Há uma semana? — disse Crest com um sorriso

benevolente. — Não está lembrado do que aconteceu há

uma semana?

— Tivemos um dia muito quente. A invasão dos DI, a

visita de Mercant, o problema que houve com Bell...

— Até parece estar esquecido do começo desse dia.

Qual foi a primeira surpresa?

— Ah! Sim. Foi à senhorita Sloane. Não vá me dizer

que Thora está com ciúmes.

— Pois é isso — disse Crest.

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— Nesse caso perdoo tudo. Ver Thora com ciúmes era

a única coisa que faltava para completar minha felicidade.

Crest também saiu. Rhodan pensou que estivesse só.

Mas subitamente sentiu a presença de uma pessoa. Virou-

se. Homer G. Adams estava de pé bem nos fundos da sala.

Uma figura de pigmeu com a cabeça enorme que parecia

pender para frente. O ministro das finanças da Terceira

Potência fez um sinal. Parecia tímido.

— Então, Adams. A viagem o deixou cansado?

O homenzinho aproximou-se e sacudiu a cabeça.

— Nessas suas máquinas uma viagem de Nova Iorque

ao deserto de Gobi não é nada, Rhodan. Mas há uma coisa

que me preocupa. Não vou brincar de esconder. Acontece

que um bom financista não chega a ser um mutante. Assim

mesmo incorporou-me ao seu exército. Não terá sido um

engano?

Perry sorriu. Parecia absorto nos seus pensamentos.

— Diga-me uma coisa, Adams. Qual é o cubo de

2.369,7?...

— 13.305.998.429,873.

— Calculou neste instante?

— É claro que não. Acontece que há poucos dias o

senhor formulou a mesma pergunta.

— E você guardou o resultado?

— Guardei — disse Adams, como se fosse à coisa

mais natural deste mundo.

— Pois bem — disse Perry Rhodan, colocando a mão

sobre o ombro de seu interlocutor. — Nenhum homem

normal seria capaz de lembrar-se de um resultado desses,

enunciado casualmente em meio a um debate acalorado.

Nenhum homem que possua apenas os cinco sentidos seria

capaz disso. Você possui uma memória fotográfica.

Perry Rhodan ampliou o círculo de seus colaboradores. Agora são dezoito pessoas.

São dezoito pessoas dotadas de capacidades extraordinárias, que valem mais que um

exército.

Essas pessoas chegaram bem na hora, pois logo haverá nova invasão do espaço.Isto

acontece na próxima edição intitulada:

INVASÃO ESPACIAL

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37

Nº 07

De

Clark Darlton

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Vitório Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

A energia humana e a tecnologia superior dos arcônidas uniram-se

num superpoder conhecido como a Terceira Potência.

E não foi sem razão que lhe deram esse nome. Pois essa Terceira

Potência, chefiada por Perry Rhodan, já conseguiu evitar as piores

catástrofes para a Terra.

Mas agora os velhos inimigos dos arcônidas, os Deformadores

Individuais, penetram no sistema solar. A Terceira Potência vê-se diante

duma ameaça contra a qual nem mesmo os cientistas do planeta Árcon

conhecem qualquer defesa... começa a Invasão Espacial...

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I Subitamente os olhos daquele homem se arregalaram

numa expressão de horror, como se tivessem enxergado

uma coisa inconcebível. Mas, fitava o vazio, o azul infinito

do céu que se espelhava na superfície do pequeno lago

escondido no mato. Logo se tornaram rígidos e apáticos.

A mão que segurava a vara de pescar não tremia.

Parecia petrificada. Não reagiu quando a boia foi arrastada

abruptamente para o fundo. Só a vara envergou sob a

tração pela qual Sammy Derring esperara em vão a manhã

inteira. E agora nem reagiu.

Quem pudesse contemplar seus

olhos naquele instante recuaria

horrorizado. O pavor infinito

misturou-se com o espanto. Isso

durante cinco segundos.

Nesses cinco segundos ninguém

reconheceria naquele homem o

estatístico; Sammy Derring,

funcionário, já a alguns anos, do

Ministério da Defesa do Bloco

Ocidental. Era solteiro. Nos fins de

semana ia invariavelmente ao

pequeno lago situado no meio da

floresta, para pescar trutas que

entregava à dona da casa em que

ocupava um quarto. Não gostava de

peixe, mas era de opinião que o

esporte da pesca acalmava os nervos

e fazia bem à saúde. Mais adiante, à

margem duma estradinha, achava-se

estacionado seu carro, que era o

segundo hobby de Sammy. Não

conhecia outras paixões

Por cinco segundos Sammy

Derring estava praticamente morto.

Seu espírito, sua inteligência, ou

sua alma, conforme o termo que se prefira usar abandonara

o corpo. Mas não o abandonara voluntariamente. Fora

forçado. Alguma coisa mais forte que ele, alguma coisa

inconcebível apossara-se de seu cérebro, penetrara nele e

expelira o que antes se encontrava em seu interior.

Durante esses segundos inconcebíveis Sammy Derring

via a si mesmo sentado à margem do lago. Invisível,

flutuou a alguns metros de altura e olhou para seu corpo.

Não compreendeu, mas viu. E também viu que estava

morto, mas continuava sentado no mesmo lugar. Ele, ou

melhor, seu corpo, deveria ter caído. Mas continuou

sentado e nem se interessou pelo peixe que mordera a isca.

No espírito de Sammy surgiu o desejo de levantar o

caniço, mas o corpo que se encontrava ali embaixo já não

obedecia ao seu comando. Além disso, não havia mais

tempo. Os cinco segundos tinham chegado ao fim. O

quadro bucólico do lago desvaneceu-se diante dos olhos de

Sammy — será que ele ainda tinha olhos? — e

desapareceu.

Uma força invisível arrastou-o. As cores tremeluziram.

Por um instante julgou ver uma esfera imensa abaixo de si.

Logo após sentiu-se envolvido pela escuridão. Percebeu

que estava sendo arrastado para dentro de alguma coisa.

Subitamente os reflexos físicos retornaram. Sentiu os

membros. Pôde movê-los.

Apesar da escuridão conseguiu enxergar. Notou que a

escuridão não era completa; uma luminosidade fraca

enchia o espaço no qual se encontrava. A pergunta de

como tinha chegado até ali surgiu vagamente em seu

espírito, mas logo se desinteressou pela resposta. Sofrera

um esgotamento total e encontrava-se num hospital. Não

havia outra explicação.

Estava doente. O cansaço envolveu-o e apoderou-se de

todo o seu ser. Por que ninguém cuidava dele? Desconfiou

de que devia haver alguém por perto. Esforçou-se para

erguer o corpo, mas não conseguiu. Será que o tinham

encontrado junto ao lago e o trazido até ali? Não se vira a

si mesmo, sentado junto à margem

do lago? Seus olhos já se haviam

acostumado à semiescuridão; voltara

a enxergar. Mas o cansaço tornava-se

cada vez mais forte. Sentiu que iria

adormecer. Mas alguma coisa remoia

no seu cérebro e não lhe dava

sossego. Constatara algo. Mas

preciosos segundos se passaram até

que a percepção atingisse sua

consciência e se transformasse em

realidade. Os dedos... as pernas.

Reunindo as últimas energias, abriu

os olhos uma última vez e,

apavorado, fitou as extremidades dos

quatro braços presos ao seu corpo.

Viu garras bem afiadas, com

ventosas.

Depois olhou para o corpo. Era

um corpo de marimbondo, coberto

duma fina penugem, que se estreitava

no centro. O monstro terrível em que

se transformara subitamente era tão

irreal que Sammy deu um suspiro de

alívio, fechou os olhos negros e

esticou as pernas.

Era claro que tudo não passava de

um sonho. Como não pensara nisso

antes?

Quando se deu conta do fato de que jamais o homem,

enquanto sonha, percebe que se encontra nesse estado, já

era tarde.

Seu espírito, aprisionado num organismo extraterreno,

mergulhou num sono profundo.

* * *

Decorridos os cinco segundos, Sammy Derring

recolheu a vara de pescar. Contemplou sem maior

interesse a truta de quase um quilo e, depois de ligeira

hesitação, tirou-a do anzol e voltou a atirá-la à água.

Colocou a vara distraidamente no gramado e, em passos

um tanto inseguros, como se tivesse estado de cama por

algumas semanas, dirigiu-se ao carro. Mais uma vez

hesitou ligeiramente. Mas logo o centro de memória do

intelecto que antes habitara aquele corpo forneceu-lhe as

informações desejadas.

Sammy Derring, que já não era o verdadeiro Sammy

Derring, deu partida no motor do carro e, guiando

cautelosamente pelo caminho esburacado, conduziu-o em

direção à rodovia. Lançou um olhar ligeiro sobre as placas

indicativas. Logo disparou em direção à cidade.

A senhora Sarah Wabble admirou-se de ver seu

inquilino de volta antes da hora de costume. Sua

admiração cresceu bastante quando Sammy se limitou a

Personagens principais deste episódio:

Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potência. Reginald Bell — Engenheiro eletrônico da Stardust e melhor amigo de Perry.

Crest e Thora — Únicos sobreviventes da

expedição dos arcônidas. Tako Kakuta — Membro

do exército dos mutantes. Possui o dom da

teleportação.

Homer G. Adams — “Ministro das Finanças” da

Terceira Potência. Seu campo de trabalho é o

mundo, e as somas por ele manipuladas atingem a

casa dos bilhões.

Ernst Ellert — Um homem cujo espírito sabe

deslocar-se no tempo. Perry diz que é um

teletemporador.

Allan D. Mercant — Chefe do Conselho

Internacional de Defesa e simpatizante de Rhodan.

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cumprimentá-la com um ligeiro movimento de cabeça e se

trancou no quarto. Nenhuma palavra nada de trutas.

O ser que já fora Sammy Derring sentiu-se aliviado ao

perceber que a porta trancada o separava dos homens. Sua

experiência no comando de organizações estranhas ainda

deixava a desejar. Além disso, os habitantes deste planeta

dispunham de uma boa dose de inteligência que não era

fácil excluir nem conservar. Teria sido fácil eliminar

aquele homem, mas as ordens do comandante tinham de

ser cumpridas.

Esse comandante não se encontrava na Terra. Bem

longe, no espaço cósmico, um objeto oval que emitia um

brilho metálico percorria, em queda livre, sua órbita era

torno da Terra sem que ninguém pudesse perceber seus

movimentos. Essa nave não fora concebida pelo cérebro de

qualquer homem, nem construída por mãos humanas.

Garras de inseto e patas de ventosa que não eram humanas,

mas nem por isso menos hábeis, que as mãos dos homens,

haviam executado o serviço. A inteligência que

comandava os movimentos dos membros de seis

articulações daqueles insetos de quase dois metros de

comprimento, cujo aspecto lembrava ligeiramente o das

vespas, não ficava a dever nada à dos homens.

Uma faculdade permitia aos espíritos desses seres

extraterrenos abandonarem seu próprio corpo e apossar-se

de um organismo estranho. Com isso realizava-se uma

verdadeira troca. Felizmente ainda desta vez a natureza

cuidara para que houvesse um ponto fraco. O espírito que

habitava o corpo no qual pretendiam penetrar só poderia

ser banido e aprisionado enquanto ficasse encerrado no

corpo da própria vespa. Só assim os DI adquiriam

liberdade de ação e conseguiam realizar qualquer

movimento com o corpo que passavam a habitar. Se o

hospedeiro falecesse antes que abandonassem seu corpo, a

vespa teria que falecer com ele. E a destruição do corpo do

inseto que encerrasse o espírito humano também se

tornaria fatal.

Aqueles que conheciam os insetos chamavam-nos de

Deformadores Individuais, ou simplesmente DI, isso por

causa de suas qualidades terrificantes.

Os DI haviam encontrado a Terra. Esse planeta

totalmente desconhecido, situado nos confins da Via

Láctea, transformara-se de uma hora para outra no centro

duma série de acontecimentos cujas consequências ainda

eram imprevisíveis. Os DI foram atraídos pelos sinais de

socorro de um cruzador espacial dos arcônidas, que

dominavam um imenso império espacial e eram os

inimigos natos das “vespas”. Não havia a menor

possibilidade de vitória na luta contra elas, a não ser que

conseguissem localizar e destruir suas naves. Uma dessas

naves exploradoras devia ter realizado um pouso de

emergência no sistema solar. No entanto, uma surpresa

estava reservada aos DI. A Terra era habitada por uma raça

inteligente, que já chegara mesmo a ultrapassar

os

primeiros estágios da navegação espacial.

Estava na hora de cuidar dos terrenos antes que os

arcônidas o fizessem.

Fora só por esse motivo que o comandante dos DI

ordenara a infiltração no planeta Terra. Tinha certeza

absoluta de conquistar em pouco tempo as posições-chaves

da ciência e da política terrena.

Decidira levar a efeito a invasão.

Os homens não desconfiavam de nada. Sabiam que nas

proximidades da órbita lunar surgira uma nave espacial

desconhecida, que fora destruída, mas não sabiam que os

DI possuíam mais de uma nave, e mais do que isso, com

exceção de umas poucas pessoas, não sabiam quem eram

os DI e quais eram suas intenções.

* * *

Quando Sammy Derring entrou no escritório na

segunda-feira de manhã e cumprimentou seus colegas,

ninguém percebeu a transformação que havia

experimentado. Remexeu os papéis e subitamente chamou

a secretária.

A jovem entrou e segurou o bloco de ditado. Sammy

sacudiu a cabeça e disse em tom sério:

— Traga-me todos os documentos relativos à defesa

terrestre. Além disso, desejo examinar os relatórios sobre

os progressos alcançados nos setores da pesquisa espacial

e da tecnologia dos foguetes. Estou interessado

principalmente na eficiência da nossa defesa. Por que me

olha desse jeito? Vamos logo, mexa-se!

A secretária engoliu em seco e ficou com o rosto

vermelho.

— Mas, senhor Derring...

— Não entendeu o que eu disse?

A secretária quis dizer mais alguma coisa, mas logo viu

a expressão nos olhos de Sammy. Essa expressão era tão

estranha, tão distante, que a fez estremecer. Ficou sem

saber o que dizer. Com um aceno de cabeça saiu da sala.

Deixou para trás um Sammy Derring muito satisfeito. Ou

melhor, o aspecto externo de Sammy Derring.

A secretária fechou a porta e ficou parada por um

instante. Depois sacudiu a cabeça e tomou uma decisão:

dirigiu-se ao seu chefe de seção, certo John Mantell.

Mantell ouviu em silêncio o que aquela linda jovem

tinha a dizer. Em sua testa surgiram algumas rugas.

Parecia refletir intensamente. Depois de algum tempo

sacudiu a cabeça.

— Tem certeza absoluta de que Sammy não estava

gracejando?

— Absoluta. Estava falando sério. Além disso, aquela

expressão nos seus olhos. Nunca vi uma expressão dessas

no rosto de ninguém.

Mantell contemplou-a com olhos perscrutadores.

— Isso é muito estranho! Quer os dados relativos à

defesa nacional. Deve saber perfeitamente que só o

ministro da defesa tem acesso a eles. Não irá entregá-los a

qualquer funcionariozinho. Será que ficou

megalomaníaco?

Pela primeira vez a secretária sorriu.

— Lembro-me de que certa vez, em brincadeira, o

senhor Derring disse que seu nome era parecido com o do

ministro da defesa. Disse que um dia poderia ser

confundido com ele.

— O ministro Samuel Daring não teria gostado disso

nem um pouco — conjeturou Mantell. — A semelhança de

nomes não justifica esse tipo de brincadeira. Falarei com

Derring. Diga-lhe que se apresente no meu escritório às

onze horas.

A secretária hesitou.

— O que devo dizer-lhe agora?

— Diga o que quiser. E agora me deixe em paz; tenho

muito que fazer.

A secretária foi saindo devagar, mas não voltou à sua

mesa. Ficou indecisa por alguns instantes; depois pediu

que a anunciassem ao encarregado dos serviços de defesa.

O senhor Smith ficou surpreso ao saber do incidente.

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Levou o caso muito mais a sério que John Mantell, que

provavelmente já o havia esquecido. Pediu à secretária que

aguardasse na antessala. Mal a porta fechou-se atrás dela,

começou a desenvolver uma atividade intensa. Retirou um

telefone trancado num cofre, discou um número e esperou

impaciente. Teve de repetir o número duas vezes.

Finalmente a pessoa com que desejava falar respondeu ao

chamado.

— Aqui fala Smith, do Ministério da Defesa.

Aconteceu uma coisa estranha, senhor. É totalmente

incompreensível, a não ser que se trate de uma brincadeira.

Acontece que há poucos dias recebi instruções do senhor

no sentido de observar qualquer pessoa que revele um

comportamento anormal e...

A voz interrompeu-o. Formulou uma pergunta precisa.

Smith encolheu-se e assumiu um porte mais rígido na

poltrona. Seu interlocutor devia incutir-lhe um respeito

fora do comum.

— Perfeitamente, senhor. O funcionário Sammy

Derring exige que lhe entreguem os planos secretos da

defesa nacional. Além disso, quer ser informado sobre os

detalhes do nosso programa espacial. Manifestou esse

desejo com toda a seriedade. Sua secretária afirma que

nunca viu tamanha determinação em sua pessoa. Além

disso, ela declara ter notado uma expressão muito estranha

nos olhos dele.

Houve outra pergunta lacônica, mas desta vez em voz

bastante alta:

— Qual é o nome do funcionário?

— Sammy Derring, senhor.

— E como é o nome do ministro da defesa?

— Senhor?!

— Quero saber como se chama o ministro da defesa.

— Samuel Daring, senhor. Mas o senhor já sabia

disso...

— Obrigado, Smith. Anote minhas instruções. Não

deixe que ninguém desconfie de nada. A secretária

entregará os documentos a Derring. É claro que lhe

entregará documentos já superados. Derring não deve

suspeitar de nada. Entendido?

— Perfeitamente, senhor. Mais alguma coisa?

— Não fale sobre isso com ninguém, ouviu? Dentro de

duas horas estarei aí.

— O senhor pretende vir pessoalmente? A voz de

Smith falhou. Era uma coisa nunca vista. Allan D.

Mercant, o chefe todo-poderoso dos serviços de defesa do

Ocidente, se daria ao incômodo dessa viagem. E ainda por

cima tratava-se duma bagatela. Por certo acabariam por

descobrir que o tal do Sammy Derring se permitira um

gracejo, já que seu nome era semelhante ao do ministro da

defesa.

— Sim, irei pessoalmente. E não se esqueça: o sigilo

deve ser absoluto! Avise a secretária.

Smith voltou a colocar o telefone no cofre. Quando

chamou a jovem, parecia pensativo. Pediu-lhe que

sentasse. Depois falou em tom indiferente:

— Não fale com ninguém sobre o incidente. Ao que

parece, Sammy está... Bem, está doente. Provavelmente se

trata de um tipo de alucinação. Daqui a dez minutos lhe

mandarei um monte de documentos, que você entregará ao

seu chefe. Compreendeu?

— Compreendi, mas...

— Não há nenhum, mas! Diga a Sammy que já

solicitou os documentos ao arquivo. E não fale com

ninguém sobre o assunto.

A secretária lembrou-se do chefe de seção. Já contara

alguma coisa a ele. Mas Mantell parecia não se interessar

por isso. Talvez até acabasse esquecendo. Acenou com a

cabeça.

— Muito bem, senhor Smith. Avisarei o senhor

Derring. Tomara que não volte a olhar-me de forma tão

estranha. Tenho medo dele.

— Que tolice...

— Thompson. Clara Thompson.

— Não há nada a recear, Clara. Acredito que Derring

esteja sofrendo de uma perturbação psíquica passageira.

Ontem fez muito calor; quem sabe se não passou muito

tempo no sol.

Para Clara Thompson isso não justificaria o fato de que

subitamente alguém se julgasse o ministro da defesa em

pessoa. No entanto, achou preferível não responder.

Despediu-se com um aceno de cabeça e voltou à sua mesa.

Não se lembrou mais de Mantell.

Quando bateu na porta, Sammy levantou os olhos.

— Ah, está trazendo os documentos?

— Ainda não, senhor. Devem chegar dentro de dez

minutos.

— Obrigado. Quando chegarem, não me faça perder

mais tempo.

— Perfeitamente, senhor.

Clara sentiu-se feliz quando pôde fechar a porta atrás

de si. Sammy Derring tinha uma aparência normal. O

brilho estranho dos olhos desaparecera. Mas aquela ordem

estúpida sobre os documentos secretos continuava de pé.

Dali a dez minutos os documentos foram trazidos.

Estavam guardados numa pasta vermelha, na qual se liam

as palavras Estritamente confidencial.

Clara fitou a pasta. Sentia-se muito importante ao

carregá-la nas mãos, embora soubesse quão pouco

importante devia ser seu conteúdo. Por que Smith estaria

entrando nessa brincadeira infantil? Haveria algo mais que

um simples capricho atrás de tudo isso?

Pegou a pasta vermelha, bateu à porta da sala de

Derring e entrou ao ouvir a voz dele. Sem dizer uma

palavra, colocou os documentos sobre a mesa e fitou-o.

Notou que em seus olhos surgiu um brilho de triunfo. E

viu mais alguma coisa, que não conseguiu interpretar.

Havia algo de distante, de infinito. Teve a impressão de

olhar num abismo tão profundo que através dele poderia

precipitar-se para a eternidade. Saiu perturbada e voltou à

sua mesa.

Sammy Derring esperou que a porta se fechasse antes

de abrir a pasta e examinar os documentos. Logo percebeu

que sua missão fora bem sucedida. Ali estavam os maiores

segredos deste mundo, ou ao menos os segredos de uma

das superpotências. Outros DI seriam bem sucedidos em

várias partes do mundo. No dia seguinte o comandante

saberia quais os meios de defesa dos homens e em que

lugar a invasão poderia ser lançada com maiores

possibilidades de êxito. Não bastava apossar-se do corpo

desses bípedes desajeitados. Deviam conservar sua

independência, mesmo que estivessem submetidos às

ordens de outro chefe.

Enquanto examinava os documentos e constatava que

haviam superestimado os recursos dos terráqueos, o tempo

passava inexoravelmente. Os ponteiros do relógio

aproximavam-se da marca das onze horas.

Algumas salas adiante John Mantell lembrou-se duma

palestra que tivera com Clara Thompson. Por um instante

a ideia de deixar as coisas como estavam e não perder

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tempo com uma brincadeira parecia impor-se à sua mente,

mas o sentimento do dever acabou vencendo. Era bem

possível que uma brincadeira dessas acabasse em

complicações bastante desagradáveis. Comprimiu um

botão do interfone. Dentro de poucos segundos ouviu-se

uma voz feminina.

— Clara? Como está Derring? Já lhe disse que desejo

falar com ele?

Clara, que quase chegara a esquecer-se de Mantell

balbuciou:

— Acho que seria preferível que o senhor não se

incomodasse mais com este incidente, senhor Mantell.

Deve ter sido uma brincadeira do senhor Derring. É

melhor não ligar e...

— Nesse caso não deveria ter falado comigo. Quer

fazer o favor de avisar Sammy de que desejo falar com ele.

— Eu, eu...

Com uma expressão de espanto no rosto, Mantell

desligou. Ergueu-se de chofre e saiu. Dez segundos depois

se encontrou com Clara na porta da antessala. A secretária

assustou-se.

— O que houve? Aonde o senhor vai? — sentia-se

cada vez mais confusa. — Eu queria falar com o senhor.

Gostaria de pedir-lhe que agora não perturbasse o senhor

Derring. Ele está ocupado num trabalho muito

importante...

Mantell, surpreso, ergueu as sobrancelhas.

— Ah, é? Tem trabalho importante para fazer? Bem,

vejamos.

Passou junto a Clara e abriu a porta da sala de Sammy

sem bater. Viu que seu subordinado estava debruçado

sobre um montão de documentos. Levantou os olhos

bastante contrariados e fitou o recém-vindo com uma

expressão de perplexidade. Levou perto de cinco segundos

antes de reconhecer seu interlocutor.

— Ora, senhor Mantell. Posso ser-lhe útil em alguma

coisa?

Mantell apoiou os punhos sobre a mesa.

— Diga-me uma coisa, Sammy. Será que você

enlouqueceu? Desde quando se permite brincadeiras desse

tipo com nosso pessoal? Anda solicitando os documentos

mais secretos como quem pede papel higiênico! Faz de

conta que é o ministro da defesa. E nem ele tem o direito

de, sem mais esta nem aquela... O que houve com você?

Sammy passara por uma transformação apavorante. De

início seus olhos perplexos fitavam o chefe de seção

enfurecido, depois se tornaram vazios e apáticos. Quando

o brilho retornou, ele se desenhava sobre um fundo

implacável. A voz áspera de Sammy perguntou:

— Como é o nome do ministro da defesa?

Mantell respirava com dificuldade. Não compreendia

mais nada.

— Sammy! Você está maluco! Não me vá dizer que

esqueceu o nome de nosso chefe!

— Esqueci, sim. Como é o nome dele?

— Daring. Samuel Daring. Você devia saber Sammy,

pois a semelhança com seu nome já deu causa a alguns

enganos bem desagradáveis. Mas nem por isso...

Calou-se. Sammy saltou sobre os pés. Apontou para o

monte de documentos que havia em sua mesa.

— Se não sou o ministro da defesa, por que me deram

os documentos que pedi?

Mantell lançou os olhos sobre os documentos. Não

sabia. Antes que fizesse alguma observação menos

acertada, a porta abriu-se atrás dele. Smith entrou, seguido

por Clara Thompson. Logo compreendeu a situação. Em

seu rosto via-se uma expressão de contrariedade. Mantell

assustou-se. Sabia que Smith com seu aspecto

despretensioso possuía uma soma muito maior de poderes

que ele. Teria cometido algum erro?

— O que está acontecendo por aqui? — perguntou

Smith, embora imaginasse o que estava havendo. Dirigiu-

se a John Mantell. — Clara não o avisou de que devia

abster-se de qualquer providência?

— Ele não quis dar-me atenção — interveio Clara.

— Ela veio me dizer que Sammy se havia permitido

um gracejo — defendeu-se Mantell. — Ia pedir a ele que

no futuro se abstivesse desse tipo de brincadeira. A

semelhança de seu nome com o do ministro da defesa não

deve levá-lo a...

Ninguém estava prestando atenção a Sammy Derring,

que voltara a sentar-se. Subitamente toda vida desapareceu

de seus olhos. Estava sentado atrás da escrivaninha,

mantendo a cabeça numa posição rígida. Os olhos

inexpressivos fitavam o vazio, tal qual no dia anterior

haviam contemplado o céu, onde não havia nada para ver.

Tudo isso não demorou mais que cinco segundos. Depois

disso a vida retornou àquele par de olhos.

Nesses cinco segundos repetiram-se exatamente os

mesmos acontecimentos do dia anterior, apenas em sentido

inverso. Depois de reconhecer seu engano, o DI saíra

precipitadamente do corpo em que se hospedara. Agiu

num estado de pânico; se tivesse usado alguma habilidade,

poderia ter corrigido seu erro. Mas preferiu retornar ao seu

corpo adormecido e libertar o intelecto que se achava

preso no mesmo. O espírito de Sammy voltou ao corpo

que lhe pertencia. Perdera toda a lembrança do que havia

acontecido, a não serem alguns detalhes sem importância

que lhe pareciam um sonho.

Ainda há pouco estivera sentado junto ao lago,

segurando a vara de pescar, e agora estava acomodado

atrás de sua mesa. Via diante de si Mantell, o chefe de

seção, Smith, e mais atrás Clara Thompson, que o

encarava um tanto perplexa.

O que havia acontecido nesse meio tempo?

— O que desejam cavalheiros? — perguntou em tom

indiferente.

Seus olhos caíram sobre os documentos que se abriam

diante dele. Examinou a pasta vermelha. Estupefato,

contemplou seus interlocutores.

— Como isso veio parar aqui?

Smith interveio antes que Mantell pudesse dar

expressão à sua fúria plenamente justificada. Seu

raciocínio cristalino fez com que reagisse

instantaneamente. Não conhecia todos os detalhes da

situação, mas lembrou-se de que seu chefe Allan D.

Mercant estava a caminho. E também isso não acontecia

sem um motivo muito poderoso. Havia muito mais coisa

atrás daquele incidente aparentemente inofensivo do que

qualquer um dos presentes poderia suspeitar.

— Trata-se de alguns relatórios antigos, já superados.

Gostaria que você os examinasse, Sammy. O ministro

pediu-nos que confiássemos esse serviço a um funcionário

de toda confiança.

Sammy ainda parecia perplexo, mas confirmou com

um movimento de cabeça.

— Agradeço ao senhor e ao ministro a confiança com

que me distinguiram. Até quando devo terminar o serviço?

— Não se apresse Sammy. Venha, John. Você

também, Clara. Não vamos perturbar Sammy.

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Arrastou Mantell, que não compreendia mais nada, e

fechou a porta atrás de Clara. Depois suspirou aliviado.

— Ainda tivemos sorte. Mantell. Você quase faz uma

tremenda tolice. Não sei o que há atrás disso, mas o senhor

Mercant está a caminho daqui.

— O chefe dos serviços de defesa do Ocidente? —

disse Mantell com a voz espantada. — Não é possível!

— Acontece que é verdade. Você vai voltar ao seu

escritório e não se preocupará mais com Sammy Derring.

É uma ordem. O ministro da defesa não deve ser

informado sobre o incidente. Você, Clara, também vai

ficar com a boca calada. Hoje vamos jantar juntos, e então

explicarei tudo.

— Mas...

— As oito, no dancing do Pedro. Combinado?

— Bem...

— Ótimo! E agora você vai sentar bonitinha atrás da

sua mesa e fazer de conta que não houve nada. E, de fato,

não aconteceu nada, não é mesmo?

Enquanto o avião-foguete que decolara da Groenlândia

aproximava-se em velocidade supersônica da sede do

Ministério da Defesa, e enquanto o cérebro de Mercant

examinava e rejeitava as hipóteses mais fantásticas,

Sammy Derring estava debruçado sobre documentos

inválidos e não sabia o que fazer com tanta tolice.

Pelo que se lembrava, há poucos instantes se

encontrara junto ao lago, aproveitando o fim de semana.

Não sabia explicar como viera parar subitamente no

escritório. Lembrou-se de que acontecera uma coisa muito

esquisita. Tinha a impressão de que sonhara acordado.

Essa caverna enorme e estranha com... Sim, com quê? Ah,

sim! Com um monstro que parecia uma enorme vespa. E

ele mesmo fora o monstro.

Teria perdido o juízo? Mas nesse caso não estaria ali, e

não mereceria a confiança de seus chefes.

Suspirou e resolveu não pensar mais naquele mistério.

Qualquer pergunta seria inútil e só despertaria suspeitas. O

ministério não teria lugar para um colaborador que se

encontrasse à beira da loucura. De qualquer maneira devia

ter dormido, pois não se lembrava de que alguém lhe

tivesse trazido àqueles documentos.

* * *

Uma coroa de cabelos castanho-dourados e ralos

rodeava a calva de brilho fosco daquele homem

incrivelmente jovem, cujo rosto tranquilo poderia

pertencer a um jardineiro. Não era nada disso. Tratava-se

de um dos homens mais temíveis do Bloco Ocidental, cujo

nome até poucas semanas atrás fazia tremer todos os

agentes do Bloco Oriental e da Federação Asiática.

Allan D. Mercant, chefe do Conselho Internacional de

Defesa, preparava-se para uma entrevista com o homem

cujo corpo fora ocupado por um DI. Não seria seu

primeiro contato com uma pessoa dessas. Há poucos dias

um DI, encarnado num dos seus colaboradores mais

chegados, tentara pô-lo fora de combate. Só se salvara

graças à sua reação instantânea e a um princípio de

capacidade telepática de que era dotado.

Afinal, já começara a invasão de que poucos homens

desconfiavam. Começara inesperadamente, mas não de

surpresa. A contradição aparente podia ser explicada: há

pouco tempo uma nave espacial dos DI fora avistada e

destruída nas proximidades da órbita lunar; segundo se

acreditava, era a única nave invasora que havia penetrado

no sistema solar. Assim os homens se preparavam para

novos ataques, mas não contavam com eles.

Mercant sabia perfeitamente que, se não fosse a

Terceira Potência, a Terra estaria perdida. A primeira nave

lunar tripulada, chefiada pelo major Perry Rhodan,

encontrara no satélite da Terra uma expedição malograda

de uma raça extraterrena muito inteligente, que se

encontrava em franca decadência. O chefe científico da

expedição, de nome Crest, fora acometido de leucemia.

Recorrendo a um especialista, o Dr. Haggard, Rhodan

conseguira curá-lo. Os arcônidas, era este o nome dos

seres extraterrenos, vinham de um sistema planetário

situado a trinta e quatro mil anos-luz da Terra, e estavam à

procura do planeta legendário da vida eterna. Aliaram-se a

Rhodan e criaram no deserto de Gobi uma potência que

em poucos meses conseguira unir os três blocos

antagônicos da Terra. Seguiu-se o primeiro ataque vindo

do espaço. Os DI haviam captado os sinais emitidos pelo

cruzador dos arcônidas, que fora destruído na superfície

lunar, e acorreram às pressas para desferir o golpe final em

seu inimigo. Mas encontraram a resistência denodada dos

terráqueos, e foram destruídos. Era esta a situação.

Mercant sabia perfeitamente que Perry Rhodan era o único

homem que poderia salvar a Terra. Embora os três blocos

de superpotências ainda nutrissem certa desconfiança por

ele, o medo dos DI e das armas dos arcônidas controladas

por Rhodan era mais forte e havia outro detalhe, conhecido

de pouquíssimas pessoas além de Mercant. Perry Rhodan

conseguira reunir alguns dos mutantes produzidos pelas

explosões nucleares levadas a efeito na Terra. Esses

mutantes, cujas qualidades extraordinárias ainda foram

aperfeiçoadas, formavam o núcleo de um exército

dedicado à proteção de Perry Rhodan. O próprio Mercant,

dotado de capacidade telepática, também pertencia a esse

exército. Só ele mesmo e Rhodan tinham conhecimento

desse fato, além dos outros membros do exército secreto

dos mutantes.

O aparelho pousou. Um carro veloz levou Mercant à

sede do Ministério da Defesa. Foi conduzido

imediatamente à presença de Smith, que já o aguardava.

— Então, Smith, o que houve? Onde está o homem?

— Ele não sabe de nada. Quer que o leve à presença

dele?

— Quero, sim.

Smith ficou muito espantado ao ver que Mercant

engatilhou sua pistola e a enfiou no bolso da túnica. Ia

avisá-lo de que não havia ninguém que fosse mais

inofensivo que Sammy Derring, mas preferiu calar-se.

Calado, foi andando a frente do outro. Mercant seguiu-o,

também sem dizer uma palavra.

Derring ergueu os olhos quando a porta se abriu

subitamente, sem qualquer aviso. Havia uma expressão de

espanto em seu rosto. Conhecia Smith, mas não sabia

quem era aquele homem de rosto pacato. Mas logo

percebeu que ele não devia ser tão pacato assim. Aqueles

olhos pareciam espreitá-lo.

— O senhor é Sammy Derring? — perguntou o

desconhecido. — Fique sentado bem quieto e responda às

minhas perguntas. E responda sem demora. Ao menor

sinal de um movimento suspeito eu lhe dou um tiro. Meu

nome é Mercant.

Sammy ficou estupefato; seu rosto assumiu uma

expressão idiota. Deixou cair o queixo e, sem compreender

o que se passava, encarou a pistola que Mercant lhe

apontava. Com grande esforço gaguejou:

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— O que, o que deseja de mim?

— Por que pediu aqueles documentos aos quais só o

ministro da defesa tem acesso?

— Os documentos? Santo Deus! O senhor Smith e o

senhor Mantell acabam de trazê-los. Querem que os

examine. Eu os pedi? É impossível.

— Quer dizer que os trouxeram? Você nega tê-los

pedido?

— Não sei de mais nada. Tudo isso é muito estranho.

Até parece que estou sonhando.

— Explique-se — ordenou Mercant, inclinando-se para

frente.

Parecia muito interessado no que seu interlocutor iria

dizer. Não tirou os olhos dele. Smith continuava a seu

lado.

Sammy hesitou. Tudo aquilo lhe pareceu muito

estranho.

— Eu estava pescando — principiou. Ao ver a

expressão de espanto no rosto de Mercant, apressou-se em

acrescentar: — Estava pescando no lago onde costumo ir

aos fins de semana. Deve ter sido ontem. Subitamente tive

uma sensação estranha. Parecia que seria capaz de

abandonar meu corpo. E foi o que fiz. Algum segundo

depois me encontrava numa enorme caverna. Por um

instante acreditei ver a Terra bem abaixo de mim. Foi um

sonho maluco. Ao despertar vi-me sentado neste escritório.

O senhor Smith acabara de trazer estes documentos. Posso

afirmar que é a pura verdade, embora não compreenda.

Não sei o que houve de ontem para hoje.

Mercant confirmou com um movimento de cabeça.

— São coisas que acontecem — confirmou em tom

cortês. — Mas no seu caso seria conveniente se

descobríssemos.

— A dona da casa em que moro... poderíamos

perguntar a ela.

— Faremos isso.

Mercant deu algumas instruções a Smith. Este foi à

antessala e falou com Clara, que neste meio tempo havia

voltado à sua mesa. Dali a cinco minutos voltou.

— Sammy passou a noite em casa. Voltou do seu

passeio ao lago ontem de tarde, antes da hora de costume,

mas não trouxe nenhum peixe, coisa que nunca acontecera.

A senhora Wabble fez questão de ressaltar este ponto.

Parecia mudado; foi para a cama imediatamente. Hoje de

manhã não notou nada de estranho nele.

Mercant olhou para Sammy Derring.

— Você seria capaz de jurar que é você mesmo?

Sammy fitou-o sem compreender.

— Jurar o quê?

— Quero saber se já se encontra em condições

normais. É evidente que há uma lacuna em sua memória.

De ontem de tarde até duas horas atrás você andou dizendo

e fazendo coisas de que não sabe mais nada. Alguém se

apossou de seu corpo e fez de conta que era você.

— Não é...

— É possível, sim. É verdade que nenhum ser humano

seria capaz disso. Mas você já deve ter ouvido falar que no

universo existem outros seres além dos homens.

— Ouvi, sim. São os arcônidas.

— Estou me referindo aos DI, uma raça assemelhada

aos insetos, que sabe transplantar seu espírito para outro

corpo. No seu caso, o DI cometeu um erro fundamental.

Achou que você era o ministro da defesa, cujo nome é

semelhante ao seu. Não conhecemos os meios de

comunicação deles, mas ao que tudo indica são acústicos.

E na língua inglesa o nome Derring é pronunciado da

mesma forma que Daring. O ser extraterreno enfiou-se no

corpo do homem errado. É só isso. Sammy. Você prestou

um serviço inestimável à humanidade. Por causa de seu

nome.

Mercant já voltara a guardar a arma. Percebera que o

DI já abandonara o corpo em que se havia instalado.

Sammy Derring tinha um aspecto sadio e normal. Isso

significava que a ideia de que ninguém conseguia

sobreviver a esse processo de troca não era verdadeira.

Logo se deu conta de que o próximo ataque seria dirigido

contra o ministro da defesa, cujo nome era Daring. O

mesmo devia ser submetido imediatamente a uma rigorosa

vigilância. Além disso, Perry Rhodan devia ser avisado,

antes que ocorressem novos ataques.

Deu algumas instruções a Smith. O agente retirou-se

para tomar as providências necessárias. Não compreendia

o que havia atrás daquilo, mas estava acostumado a

executar prontamente as ordens que lhe eram dadas,

mesmo que não as compreendesse.

* * *

Smith dirigiu-se imediatamente a Miller, secretário

particular de Daring. Miller estava muito ocupado.

Transmitia ordens pelos aparelhos de intercomunicações,

mensageiros traziam envelopes lacrados, pastas com

documentos eram retiradas dos cofres. Miller mostrou-se

contrariado quando Smith se atreveu a interrompê-lo:

— Deixe-me em paz. Volte mais tarde. O chefe não

tem tempo.

— Não me conhece mais?

— Claro que o conheço, mas no momento isto não

importa. Será que quer prender o senhor Daring?

— Quem sabe? — respondeu Smith e sorriu ao ver que

Miller quase engasgou de raiva. — Não fique nervoso.

Apenas gostaria de formular algumas perguntas.

— Vamos depressa!

— Que azáfama é essa? Por que estão carregando

todos esses documentos?

— São ordens do chefe. Pediu toda a documentação

sobre os serviços de defesa e a pesquisa espacial. Afinal, o

homem não pode carregar tudo isso na cabeça.

— Será? — observou Smith e desapareceu antes que

Miller compreendesse o que havia acontecido.

Nesse meio tempo Mercant obtivera uma ligação com

seu quartel-general situado na Groenlândia. De lá o

ligaram com a base de operações de Perry Rhodan, situada

no deserto de Gobi. Era ali que ficava o centro da Terceira

Potência, formado num espaço de poucos meses. Estava

abrigado sob uma cúpula energética invisível.

Mercant ficou sabendo que não seria possível falar com

Perry Rhodan. É que este se encontrava em Vênus.

No momento em que Smith entrou, Mercant desligou.

Levantou os olhos. Depois disse em tom grave:

— Aconteça o que acontecer, Smith, teremos de

resolver tudo sozinhos. Pode comunicar logo que Samuel

Daring, ou melhor, aquilo em que Samuel Daring acaba de

transformar-se, solicitou todos os documentos secretos.

Não foi o que descobriu?

Perplexo, Smith confirmou com um movimento de

cabeça.

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44

II

O enorme bloco de pedra jazia em meio à planície

desértica. Os raios de sol o fustigavam. O ar quente

tremeluzia, mas não soprava a menor brisa que o

espalhasse.

Subitamente aconteceu uma coisa inacreditável.

O bloco de pedra moveu-se, como se uma mão

invisível o tivesse levantado. Subiu ao ar com uma

lentidão incrível.

Se alguém pudesse assistir ao espetáculo, seus cabelos

se teriam arrepiado. O bloco pesava pelo menos duas

toneladas, mas comportava-se como se a lei da gravidade

não se aplicasse a ele. Subiu que nem um balão de gás

deslocou-se ligeiramente na lateral e subitamente

despencou para a terra com um ruído tremendo. Até

parecia que a mão invisível o soltara. Aos poucos a poeira

foi-se assentando.

O bloco de pedra jazia imóvel, como se nunca tivesse

saído do lugar. Os raios de sol voltaram a atingi-lo,

aquecendo a face que antes ficara na sombra.

Mas a calma não durou muito. O bloco de pedra não

teve sossego. Voltou a mover-se, desta vez com maior

rapidez e segurança. Subiu a dez metros de altura

deslocou-se para o lado. Aproximava-se inexoravelmente

das margens de um lago salgado, cuja superfície lisa não

era perturbada pela menor brisa. Só quando o bloco de

pedra despencou no lago e desapareceu sob a água

formaram-se algumas ondas que se deslocaram em círculo

e foram morrer nas margens.

A dois quilômetros dali alguns homens estavam

reunidos e olhavam em direção ao lago. O mais idoso

deles, um gigante de cabelos claros, quase brancos, e

crânio alongado, demonstrou sua satisfação com um aceno

de cabeça. Perto dele estava uma jovem, que também fez

um gesto de aprovação. O japonesinho a quem eram

dirigidos os louvores limitou-se a dar de ombros. Parecia

embaraçado.

— Sou um fracasso — confessou, sem dar-se conta de

que estava fazendo pouco de suas extraordinárias

capacidades. — Não consigo Anne.

A jovem Anne Sloane dirigiu-se ao homem de cabelos

brancos.

— Não podemos fazer nada, Crest. Tama Yokida é

muito modesto. O detector de frequência mental apontou-o

como um mutante, e não há dúvida de que realmente o é.

Conseguiu levantar uma pedra de algumas toneladas a dois

quilômetros de distância, e isso exclusivamente com a

força mental. Possui o dom da telecinese, muito embora o

mesmo ainda se encontre no estágio inicial. Afinal, levei

muitos anos para atingir a perfeição nesse terreno. Tama,

se você for um aluno persistente, também conseguirá.

O cientista dos arcônidas, que participara da expedição

malograda que ficara presa na Lua e atualmente era

colaborador de Rhodan e dominava as instalações técnicas,

voltou a confirmar com um movimento de cabeça.

— Não desanime Tama. Só lhe falta treino. Não se

perturbe pelo fato de Anne ter alcançado uma perfeição

muito maior que você. Afinal, ela vem treinando há anos,

enquanto você só há pouco tempo teve conhecimento de

seu dom. Ficará admirado com o que daqui a alguns anos

fará com a maior naturalidade. Tenha paciência!

Como sempre, Tama Yokida respondeu com um

sorriso de modéstia.

— Concordo com você, Crest. Devo agradecer à

natureza pelo dom com que me presenteou. Quer

prosseguir logo no treinamento?

Crest lançou um olhar pensativo sobre a superfície do

lago salgado, que voltara à calma. Confirmou com um

movimento lento de cabeça. Ao falar, olhou para Anne

Sloane.

— Anne, você fez a rocha cair na água. Suas forças

telecinéticas são espantosas. Será que Tama conseguirá

exercer uma influência telecinética sobre a rocha a partir

daqui?

Anne olhou para o japonês.

— Não sei. Sei que eu conseguiria fazer o bloco de

pedra subir ao ar a qualquer momento. Será que Tama

conseguiria alcançá-lo no lugar em que se encontra agora?

O lago não é muito fundo.

— Qual é a profundidade? — perguntou Tama. —

Preciso saber desse detalhe.

Crest ligou um aparelho que trazia preso ao braço.

— Dr. Haggard? Será que você pode nos mandar Ishi

Matsu? Sim, é para o treinamento.

Anne Sloane compreendeu.

— Não é aquela japonesinha que sabe olhar através de

objetos opacos?

Crest sorriu.

— Anne, você está exagerando. Ishi Matsu não sabe

olhar através da matéria opaca. É uma telecineta, nada

mais. É diferente de você porque sabe realizar um

rastreamento telecinético mesmo com os olhos fechados,

tal qual um cego faria com a bengala. Infelizmente essa

sensibilidade tática diminuirá na medida em que Ishi

dominar a telecinese propriamente dita.

Tama sorriu.

— Minha coleguinha e eu completamo-nos muito bem.

Quando nosso trabalho tiver sido coordenado, não haverá

poder no mundo que nos possa resistir.

— Hoje já é assim — disse Crest.

Olhou para o complexo de edifícios baixos que

rodeavam a nave espacial Stardust, pousada há alguns

meses. Acima de tudo estendia-se, num raio de dez

quilômetros, uma cúpula energética invisível, alimentada

pelos reatores inesgotáveis dos arcônidas.

Uma figura franzina veio em direção ao grupo.

— O caso é que nosso exército terá de enfrentar não

apenas as forças humanas — prosseguiu Crest. — Antes

de tudo, deverá estar em condições de fazer em face de

inimigos extraterrenos. Os sinais de emergência emitidos

por nosso cruzador, destruído na lua terrestre, atrairão

outras raças de astronautas. Receio que o isolamento do

planeta Terra tenha chegado ao fim. Ali vem Ishi.

A bela japonezinha usava jeans e blusa branca, que

realçava sua figura delicada e bem formada. Tama Yokida

lançou um olhar de admiração para a colega. Até um cego

notaria que algo estava se preparando entre os dois.

— Mandou chamar-me, Crest? — perguntou com a

voz gentil e aveludada.

— Mandei, embora por hoje seu treinamento já esteja

concluído. Tama fez uma proposta muito interessante

sobre a coordenação das capacidades dos mutantes. Está

vendo o lago salgado? Pois no lugar em que está aquele

arbusto seco, a uns duzentos metros da margem, há uma

pedra de cerca de duas toneladas no fundo da água. Peço-

lhe que procure determinar a profundidade do lago naquele

lugar. Seu amigo Tama precisa desse dado para solucionar

seu problema. Compreendeu?

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45

A moça fez que sim. Deu um sorriso animador ao

patrício e colocou-se numa posição tal que seu rosto

apontava para o lugar indicado. Fechou os olhos. A

concentração de seu espírito projetou rugas profundas

sobre a testa normalmente lisa. Tama Yokida estava

parado bem junto a ela. Quase chegou a tocá-la. Mas a

proximidade dele parecia não distrair Ishi; pelo contrário.

Ela deu um passo para o lado e segurou seu braço. Cravou

os dedos nele como se procurasse apoiar-se. Subitamente...

— Sinto a pedra! — exclamou Tama. Arregalou os

olhos e fitou o lago. — Sinto-a. Está em meio a outras

pedras. A profundidade é de vinte metros, no máximo.

Crest fez um gesto de aprovação.

— Muito bem, Ishi! Vejo que os mutantes podem

completar-se uns aos outros. Tama, vamos ao trabalho.

Tire a pedra da água e volte a colocá-la em terra, em

qualquer lugar. Já conhece a posição dela.

Tama compreendeu o que Crest desejava. O

treinamento dos mutantes cabia aos arcônidas. Perry

Rhodan confiara seu exército especial a Crest, porque este

reunia todas as qualidades para ensinar alguma coisa à

gente como os mutantes.

O grupo ficou imóvel. Passaram-se cinco minutos. Dez

minutos.

Quinze minutos.

Subitamente um esguicho subiu no lugar em que a

pedra havia desaparecido. As ondas foram-se afastando em

círculo para morrer na margem do lado. Algumas se

perderam na imensidão de sua superfície. Alguns segundos

depois a pedra subiu acima da água, flutuou por algum

tempo, voltou a firmar-se, depois de oscilar ligeiramente, e

deslocou-se lentamente em direção à margem. Ali

despencou para o solo.

— Excelente! — exclamou Crest. — Melhorou

bastante. Meus parabéns, Tama.

— Não fale nisso, Crest — disse Tama Yokida em tom

modesto.

Crest estava a ponto de prosseguir, quando foi

interrompido por um ligeiro zumbido. Vinha do aparelho

em seu braço.

— Alô! É Crest.

Era o Dr. Frank M. Haggard, médico australiano que

havia descoberto o soro antileucêmico que curara Crest.

Falava da Stardust.

— Crest, temos notícias desagradáveis de Mercant. Os

DI voltaram a agir.

— Já previa isso. Onde foi?

— Nos Estados Unidos houve um caso. Apossaram-se

do ministro da defesa. No último instante Mercant

conseguiu evitar o pior, mas nada pode fazer nos casos que

ainda não chegaram ao seu conhecimento. Ele quer saber

se pode ajudar em alguma coisa.

Crest franziu a testa.

— É claro que vamos ajudar. Mas é uma pena que

Perry ainda não esteja de volta. Tem tido contato com ele?

— Desde a última mensagem radiofônica não tive

mais. Já devem ter iniciado a viagem de volta.

— Tente estabelecer contato com a nave Good Hope.

Se conseguir, avise Rhodan. Talvez consiga localizar e

destruir a nave oval dos DI. Tako Kakuta está com ele.

Tako Kakuta era um teleportador. Certa vez já

conseguira transferir-se com uma bomba para o interior de

uma nave oval do inimigo e destruí-la. Tal qual acontecera

com os outros mutantes, também no seu caso as radiações

intensas provocadas pelas explosões nucleares de

Hiroshima e Nagasaki, durante a Segunda Guerra Mundial,

haviam provocado uma modificação da estrutura cerebral e

despertado potencialidades até então não reveladas.

— Manterei o receptor ligado, e ao mesmo tempo

emitirei o sinal de chamada. Mas devemos fazer alguma

coisa enquanto não conseguirmos estabelecer contato.

Crest lançou um olhar para Anne Sloane.

— Devemos, sim. Afinal, para que serve o exército de

mutantes? Acho que chegou a hora dele dar prova da sua

eficiência.

* * *

Os pântanos fumegantes de Vênus foram-se

desvanecendo; o planeta transformou-se na foice prateada

cujo brilho excedia o do Sol. Evidentemente tratava-se de

uma ilusão ótica, pois na realidade o Sol emitia uma

luminosidade mais intensa. Mas a espessa camada de

nuvens refletia a luz solar com tamanha intensidade que se

tornava quase impossível contemplar Vênus com o olho

desguarnecido.

O vulto esguio mantinha-se imóvel diante das telas.

Seus olhos sonhadores contemplavam o planeta que ia

recuando, e que acabara de ser incluído nos seus planos.

Perry Rhodan compreendera que a Terra se tornara

pequena para ele, e que precisava dum mundo

exclusivamente seu para construir seu império.

Eric Manoli, que já de si era um homem calado, estava

sentado numa poltrona perto de Perry. Sua figura mirrada

quase desaparecia atrás do encosto. Também dedicava

toda a atenção ao planeta que ia mergulhando no infinito, e

que tanto se parecia com aquilo que a Terra devia ter sido

há cem milhões de anos.

O terceiro homem que se encontrava na sala de

comando da nave Good Hope parecia menos

impressionado. Todo encolhido, Reginald Bell, engenheiro

de bordo da nave Stardust, jazia no leito dobrável. Seus

olhos cor de gelo deslizavam rápidos sobre as linhas do

livro que estava lendo. Notava-se perfeitamente que seus

cabelos se arrepiavam como se estivesse lendo uma

história de fantasmas. Às vezes um sorriso irônico passava

pelo rosto largo. Não parecia interessar-se pelo planeta que

ia recuando na tela.

Foi ele que rompeu o silêncio compenetrado que

reinava naquele recinto. Sacudiu a cabeça, fechou o livro e

deitou sobre a volumosa barriga. A capa do livro ficou à

vista. Nela se via a paisagem selvática de um pantanal.

Num dos pântanos via-se uma nave esguia, que afundara

até a metade. Um homem parado numa das comportas de

ar defendia sua vida com um fuzil de radiações contra

alguns monstros horrendos que pareciam dinossauros.

— Este sujeito devia ser preso — declarou com um

profundo suspiro. — A meu ver isso é uma fantasia

doentia.

Perry Rhodan não tirou os olhos da tela. Sem virar a

cabeça, perguntou:

— Quem devia ser preso?

— O sujeito que cometeu o crime de escrever este

romance.

— Que romance?

Reginald Bell voltou a suspirar.

— Este aqui: “Base em Vênus”. É um romance

utópico. Imagine que foi escrito há dez anos. Naquela

época ninguém teria pensado em fazer uma viagem a

Vênus. E esse camarada vai escrevendo sem mais aquela,

faz alguém construir uma nave e instala-se

confortavelmente em Vênus, depois de ter atolado com sua

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nave. Trava lutas heroicas contra o calor e os dinossauros,

até que seu amigo aparece com outra nave e o liberta. É

inacreditável!

Perry Rhodan girou a poltrona e fitou o rosto de Bell.

Sempre se admirava com o aspecto ingênuo do mesmo.

Todavia, não havia ninguém que tivesse um QI tão

elevado como ele e Bell. Deviam isso ao treinamento

hipnótico dos arcônidas, através do qual lhes foi

ministrado em poucos dias um volume de saber superior

ao de toda a humanidade. As conquistas de uma cultura e

de uma civilização milenar estavam armazenadas nos

cérebros daqueles homens. A aparência de Bell não

revelava nada disso. Muitas vezes Perry sentia-se tentado a

subestimá-lo, quando olhava aquele rosto inocente. Mas

sabia perfeitamente o que havia atrás de seus olhos cor de

gelo.

— Não vejo nada de inacreditável nisso. O escritor não

tem razão? Em Vênus não existem pântanos e

dinossauros? E por acaso não faz calor?

Reginald Bell parecia decidido a exprimir suas

emoções através de suspiros.

— Pois é justamente isso! O que aquele sujeito escreve

é verdade. Até dá para desconfiar que já estivesse aqui

antes de nós. — Ergueu o corpo e apoiou-se no cotovelo

direito. — Isso é uma baixeza!

Um sorriso condescendente esboçou-se no rosto de

Perry.

— Você está com inveja; o problema é este. Você não

se conforma em saber que há dez anos o autor desse livro

já tenha experimentado em sua fantasia a vivência de

coisas que só hoje realizamos. Andou a frente do tempo, e

isso deixa você furioso.

— Mas esse fuzil de radiações é uma verdadeira tolice.

Há dez anos não se conhecia sequer os fundamentos

teóricos de uma arma desse tipo, isso sem falar nos raios

laser e maser.

— De qualquer maneira, ontem essa arma nos serviu

para espantar aquele bicho teimoso que pensou que a Good

Hope fosse uma maça e pretendia devorá-la.

Bell parecia desolado.

— Santo Deus! Não fomos nós que inventamos essa

arma de radiações!

— Que importa? Dispomos dela, embora a tenhamos

recebido dos arcônidas. Se não a tivéssemos não

estaríamos aqui, pois nesse caso a Good Hope não existiria

mais.

Bell desistiu.

— Está bem, não vamos brigar por isso. Aquele

escrevinhador foi um gênio, andou a frente do seu tempo,

criou obras imortais e esteve mais adiantado que nós. Ao

menos poderia ter cometido um engano, pintando Vênus

como um planeta coberto de pó. Mas não! Sua descrição é

exata nos menores detalhes. Onde já se viu? Isso me deixa

nervoso! Não teremos nada para contar aos homens.

— Se isso o aborrece tanto, por que lê essa história?

Bell não soube o que responder. Nem teria tido tempo.

Subitamente o ar tremeluziu por uma fração de segundo

entre ele e Perry, e um homem surgiu no lugar em que

antes não havia nada. Mais uma vez o mutante japonês

Tako Kakuta resolvera materializar-se sem se fazer

anunciar, isso porque era tão preguiçoso que não queria

percorrer como um homem normal os poucos metros que

separavam a sala de comando do posto de radiotelefonia.

Mas não seria correto chamar o local de trabalho de

Tako um simples posto de radiotelefonia. A Good Hope

era uma nave auxiliar do gigantesco cruzador espacial dos

arcônidas, que fora destruído na Lua pela união das

superpotências da Terra. Thora, comandante do cruzador e

única mulher arcônida da expedição, conseguira salvar a

nave auxiliar e fugira para a Terra onde encontrara

proteção junto a Rhodan. Essa nave auxiliar era muito

grande, se aplicássemos os padrões terrenos. Seu diâmetro

era de sessenta metros, tinha forma esférica e desenvolvia

velocidade superior à da luz. Os neutralizadores

gravitacionais eliminavam os efeitos da inércia, motivo

por que a nave podia ser acelerada à vontade. O

armamento excedia tudo que o espírito humano poderia

imaginar. No entanto, o raio de ação, segundo asseverara

Crest, atingia apenas quinhentos anos-luz, ficando abaixo

do mínimo vital dos arcônidas. Com essa nave não

poderiam atingir seu planeta natal, ou qualquer base do

império arconídico.

O “posto de radiofonia” da nave era uma gigantesca

central de comunicações. Tako só compreendia o

funcionamento de pequena parte dela. Contentou-se em

lidar com o pequeno aparelho de rádio, que captava e

transmitia ondas das faixas normais. Com ele, conseguia

manter contato com a Terra. Levaria meses para aprender

o significado dos outros aparelhos e instrumentos.

A comunicação com a base de Gobi estivera

interrompida por algum tempo. Mas agora os sinais

emitidos pelo Dr. Haggard tornaram-se tão fortes que não

poderiam deixar de ser ouvidos.

Foi por isso que o japonês se teleportou para a sala de

comando.

Como sempre, Bell levou um tremendo susto. Não

havia nenhum motivo para isso, mas não era qualquer um

que conseguia ficar impassível ao ver um homem surgir do

nada.

— Com mil diabos! Será que nunca poderemos evitar

que esse gafanhoto apareça constantemente sem ser

anunciado?

Tako deu um sorriso amável.

— Da próxima vez anunciarei minha chegada por

carta. Combinado?

Perry interrompeu a discussão.

— Estabeleceu contato com o Gobi?

— Foi por isso que vim — confirmou o japonês. O

sorriso desaparecera; parecia muito sério. — Há horas

Haggard está tentando entrar em contato conosco. Temos

más notícias, Rhodan. A invasão dos DI já começou.

Mercant relatou vários casos em que os DI se apossaram

dos corpos de personagens importantes. Mas, segundo

informa Haggard, essa descoberta não serve de nada. Os

DI retiraram-se e procuram outra vítima.

Reginald Bell afastou o livro ao qual há poucos

segundos dedicara tanta atenção. Assumiu uma posição

ereta. Em seus olhos surgiu um brilho metálico.

— A invasão? Pois destruímos a nave dos atacantes.

— Nesse caso deviam ter duas naves. — Perry dirigiu-

se a Manoli. — Deixemos Venus de lado, Eric. Faça a

Terra surgir nas telas. Aceleração máxima.

A imagem das telas modificou-se. Uma estrela verde-

azulada surgiu e ao seu lado um minúsculo ponto

luminoso, a Lua. Enquanto olhavam, os dois objetos iam

aumentando quase imperceptivelmente.

Perry voltou a dirigir-se a Tako.

— Mais alguma coisa?

— Crest pede que retornemos imediatamente ao Gobi.

Quer recorrer ao exército dos mutantes; não vê outra

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possibilidade de enfrentar a invasão. Deseja falar com

você.

— Vamos — confirmou Perry e foi saindo.

Tako lançou um olhar ligeiro para Bell. Um sorriso

esboçou-se em seu rosto e logo desapareceu. Quando Perry

entrou na sala de radiofonia, o japonês já estava esperando

junto aos aparelhos.

— Aqui fala Rhodan.

— Aqui é Haggard. Um instante. Crest quer falar com

você.

Perry esperou.

— É Crest. Ouça Rhodan. A situação é muito séria.

Mercant está desesperado. Pediu socorro. Achei preferível

não fazer nada sem você. Dentro de quanto tempo poderá

estar aqui?

— Dentro de duas ou três horas. Espero que a nave

aguente.

— Quanto a isso não se preocupe, Rhodan. Se avistar a

nave dos DI destrua-a. Peça a Tako que se teleporte para o

interior dela com uma carga de explosivo.

— Desta vez serão mais cautelosos. Crest. Estão

prevenidos. Tomara que não tenham trazido reforços.

— É impossível. Os princípios dos DI não lhes

permitem estabelecer entendimentos com outras raças.

Acham que os poderes de que são dotados lhes permitem

liquidar qualquer inimigo. Quase chego a achar impossível

que possamos conquistar uma vitória total sobre eles.

— Crest, mais uma vez você nos subestima. Aliás,

encontrei um local adequado em Vênus. É lá que

instalaremos nossa base; vamos intensificar o treinamento

dos mutantes.

— Isso tem tempo. Em primeiro lugar temos de repelir

a invasão. Os homens nem desconfiam do que os espera.

Receio que os DI disponham de uma base fixa na Terra, e

que estejam operando a partir dela. Seria muito

complicado se tivessem de usar uma base móvel montada

numa nave.

— Não há nenhum indício quanto a isso?

— Nenhum. Fale com Mercant; talvez ele lhe possa dar

alguma informação. Afinal, manteve contato com homens

que foram possuídos pelos DI e voltaram a ser liberados.

Perry ficou estupefato.

— Sempre pensei que um homem que fosse possuído

pelos DI tivesse de morrer. Houve alguma modificação?

— Estávamos enganados. As pessoas atingidas não dão

mostras de qualquer consequência prejudicial.

— Excelente! É um ponto favorável. Mais uma coisa,

Crest. Acho que não preciso encarecer a necessidade de

jamais sacrificarmos nossa situação proeminente face às

potências mundiais. A união dos países da Terra foi devida

à nossa existência. Se um dia deixar de existir a “ameaça”

representada pela Terceira Potência, o mundo voltará a

mergulhar no caos dos conflitos que mal acabam de ser

superados. Por isso acho que a vitória imediata sobre o

invasor constitui uma necessidade vital. Se não a

conseguirmos, nosso prestígio terá chegado ao fim.

Quase se chegava a ver o sorriso de Crest, quando

respondeu:

— Não será só nosso prestígio que terá chegado ao

fim, mas toda a humanidade. E nós também O cérebro

positrônico diz que nos encontramos numa situação crítica.

— E o que diz sobre as nossas chances?

— São de cinquenta por cento. Já é alguma coisa.

Perry refletiu por um instante. Depois disse:

— O raio de ação da Good Hope é de quinhentos anos-

luz. Será que não poderíamos atacar os DI em seu próprio

terreno?

Crest suspirou.

— Rhodan, você está revelando um grau de atividade

assustador. Mais tarde talvez pudéssemos cogitar dessa

alternativa, mas acredito que nas condições atuais ela não

teria a menor chance. Os DI evitam o confronto aberto,

porque não têm necessidade de recorrer a ele, mas

costumam manter suas instalações de defesa em boas

condições. Você não conseguirá nada enquanto dispuser

apenas da Good Hope.

— Bem, veremos. — Perry ainda não havia desistido

da ideia. — Por enquanto procure entrar em contato com

Mercant. Quero encontrar-me com ele, ou com um

representante seu, assim que tornar à nossa base. Mais

alguma coisa?

— No momento não. Thora se comporta como uma

pessoa sensata.

Perry deu de ombros.

— Ainda bem. Até logo mais.

Voltou à sala de comando depois de ter ordenado a

Tako que mantivesse o receptor ligado. Parecia pensativo.

Parou por um instante na porta da sala. Thora! Era uma

mulher extraordinária, embora estivesse impregnada dos

preconceitos doentios de uma raça superior. No entender

dela, os homens não passavam de uns semisselvagens. Só

consentira em colaborar com Rhodan por ter sido forçada a

isso. Sabia perfeitamente que encalhara num sistema solar

estranho, e que sem o auxílio dos homens nunca

conseguiria voltar à sua terra. Sua própria raça, que era

altamente civilizada, mas decadente, não mexeria um dedo

para procurá-la, muito menos para salvá-la. Era bem

possível que a perda do cruzador de pesquisa científica

nem fosse notada.

Thora era de uma beleza envolvente. Perry quase

chegava a acreditar que poderia amá-la, se não a odiasse

tanto. Mas seria verdade que ele a odiava, ou procurava

apenas convencer-se a si mesmo de que era assim? Ainda

bem que Crest se encontrava a seu lado, e tantas vezes lhe

explicava a motivação psicológica das atitudes

incompreensíveis de Thora.

Perry Rhodan deu de ombros e entrou na sala de

comando.

Na tela já se viam os continentes do planeta Terra. Dali

a pouco aterrizariam.

* * *

Mercant não viera pessoalmente. A responsabilidade

pela segurança do Bloco Ocidental representava um

encargo tão pesado que preferisse não abandonar mais a

fortaleza situada sob os gelos da Groenlândia. Era a partir

dali que dirigia a atuação dos órgãos que se achavam

submetidos ao seu comando e engajava seus homens.

Um desses homens era o capitão Klein, um dos

funcionários mais competentes do serviço de defesa, e

também um aliado de Rhodan. Mercant designara-o como

elemento de ligação com este último.

A cúpula energética abriu-se para deixar o capitão

Klein passar. Dentro de poucos minutos viu-se diante de

Perry Rhodan.

Crest e Thora mantinham-se em silêncio, sentados num

sofá nos fundos da sala. Bell e Manoli também se

encontravam ali, e ainda o Dr. Haggard, e o telepata John

Marshall, que era membro do exército dos mutantes.

Perry fez um sinal ao capitão Klein.

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— Relate o que houve. Suponho que Mercant lhe tenha

conferido plenos poderes, e que esteja informado sobre a

situação. É muito grave?

— É bastante grave, embora ainda não possamos

prever as consequências da invasão que está sendo levada

a efeito às escondidas. Os DI vão aprendendo cada vez

mais. No início agiram com pouca habilidade, o que

facilitou sua descoberta. Se bem que isso não adiantou

muito, pois nesse caso logo abandonavam o respectivo

corpo e lhe restituíam seu pensamento próprio. A pessoa

atingida ficava sem a menor recordação do que tinha

acontecido no meio tempo. Enquanto isso os DI

procuravam outra vítima. Hoje podemos afirmar sem

receio de erro que agem com tamanha habilidade que a

descoberta se tornou quase impossíveis. E quando essa

descoberta ocorre... Bem, nesse caso temos de matar

imediatamente o homem de que o DI se apossou, pois só

assim podemos eliminar este. Não vemos outra saída.

— Existe outra saída — disse Perry em tom sério. —

Os DI têm uma base na Terra, onde seus corpos

descansam. Nesses corpos são aprisionados os espíritos

dos homens. É neles que ficam encerrados os intelectos

que foram substituídos pelos dos DI. Se conseguirmos

descobrir essa base e destruirmos os corpos, os espíritos

dos DI não nos poderão causar mais nenhum prejuízo; É

que precisam manter contato com seu corpo para poderem

subsistir. É uma história complexa, mas temos provas

irrefutáveis de que realmente é assim.

Perry calou-se por um instante. Atrás dele Thora

cochichava insistentemente ao ouvido de Crest. Seus

olhos, vermelho-dourados emitiam um brilho suspeito.

Estaria disposta mais uma vez a instigar Crest contra os

homens? Perry sentiu-se tomado pela raiva, mas conseguiu

controlar-se. Um dia ainda mostraria a essa mulher quanto

ela precisava dos homens.

— Prossiga Klein. Qual é a sugestão de Mercant?

— Uma vigilância constante sobre todos os

personagens importantes, para que desse lado não possa

haver qualquer infiltração. É a única sugestão que

formulou.

— Não é muito — reconheceu Perry. Crest levantou-se

atrás dele. — Quer dizer alguma coisa, Crest?

Todos os olhares se dirigiram para o cientista, em cujos

olhos surgiu um brilho estranho, que nunca antes se

observara. Falou com a voz débil:

— Thora conseguiu convencer-me que qualquer luta

contra os DI será inútil. Já fizemos experiências com eles.

Até hoje conquistaram qualquer sistema solar que

conseguiram encontrar. Se nosso Império Galáctico não

estivesse cercado de um complexo de instalações

defensivas que destroem qualquer nave oval que dele se

aproxime, o mesmo já teria deixado de existir. Nenhum

poder do universo consegue deter os DI.

Perry franziu a testa.

— E daí? Por que resolveu contar-nos isso, Crest? Foi

por sugestão de Thora?

Crest lançou um olhar desajeitado para trás. Thora veio

em seu auxílio. Levantou-se de um salto. Parecia uma

deusa da vingança, com os olhos, dourados-chamejantes.

Seu cabelo claro mal se destacava da pele, que só aos

poucos adquiria um tom amorenado sob os efeitos do sol

terrestre. Era bela, duma beleza extraterrena.

— Sim, foi por minha sugestão Perry Rhodan. Você

sabe perfeitamente que a longa enfermidade de que

padeceu enfraqueceu-o bastante. Se continuarmos na Terra

para travar uma luta sem chances contra os DI,

desperdiçaremos nossas últimas energias. Sugeri a Crest

que deixemos este sistema para procurar outro que ainda

não foi descoberto pelos DI. Crest concordou com minha

proposta. Está decidido.

Perry lançou um olhar de advertência para Bell. O

engenheiro e técnico eletrônico às vezes tornavam-se

muito impulsivo. Estava prestes a mover-se em direção a

Thora.

— Quer dizer que pretende abandonar a Terra —

constatou Perry em tom indiferente. — A mesma Terra

que se dispôs a ajudá-la.

— Quem ajudou quem? — fungou a comandante num

acesso de raiva.

— Houve reciprocidade em tudo. Se não fôssemos nós,

Crest já estaria morto.

— E se não fossem vocês, a tripulação do cruzador,

que foi sacrificada no ataque traiçoeiro à Lua, ainda estaria

viva. Estamos quites.

— Ainda não, Thora. Vou formular uma pergunta, e

gostaria que você respondesse com toda sinceridade. Esses

DI estão classificados numa categoria mais elevada que a

dos arcônidas? Costumam ser avaliados em nível mais

alto?

O rosto de Thora ficou rubro de raiva.

— Como se atreve a formular uma pergunta dessas? É

claro que os DI, que não passam duns insetos, pertencem a

uma raça primitiva, que não merece habitar o universo.

— Apesar disso pretende fugir deles? — interrompeu

Perry em tom irônico. — É espantoso! Isso não ofende seu

orgulho, Thora?

Um sorriso perpassou pelo rosto de Crest. Era evidente

que a situação era muito penosa para ele, e que se sentia

satisfeito com o golpe que acabara de ser desferido contra

Thora.

— A necessidade obriga-nos a isso. Aqui não

dispomos das armas necessárias para vencer os DI.

— Nesse caso temos de vencê-los sem as armas

necessárias. Criaremos armas adequadas. De qualquer

maneira nós, os habitantes do planeta Terra, não estamos

dispostos a encarar a invasão dos DI como um fato

inevitável. Vamos defender-nos e acabaremos expulsando

esses seres. E você vai nos ajudar, Thora.

— Você não pode obrigar-me.

— Posso, sim — disse Perry em tom tranquilo. — Sem

a nave Good Hope você não pode fazer nada. E a partir

deste instante nem você nem qualquer dos seus robôs

entrará na Good Hope. E não abandonará seus alojamentos

situados no interior desta base.

— Quer prender-me? — disse Thora em tom furioso.

Seus olhos chispavam de raiva. — Você não se atreverá.

— Não quero prendê-la. Apenas pretendo repelir a

invasão dos DI, e adoto as medidas que julgo necessárias.

Certa vez Crest disse que em certo ponto os terráqueos se

parecem com os arcônidas da antiguidade. Tem razão.

Sabemos ser duros e implacáveis quando temos um

objetivo diante dos olhos. E meu objetivo consiste em

livrar-me dos DI de uma vez por todas, e em encontrar

uma arma que possa ser usada contra eles, e que um dia

também possa ser útil aos arcônidas. E não será você que

vai me impedir. E também não vai desertar com a Good

Hope. Compreendeu? Ou será que terei de explicar

melhor?

Thora lançou-lhe um olhar odiento. Mas não era só

ódio que havia nesse olhar. Perry sentiu um calafrio ao

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reconhecer o sentimento que se desenvolvia no

subconsciente dessa mulher, e que seus olhos acabavam de

revelar. Tratava-se de admiração, e de um pouquinho de

dedicação ou amor.

Perry sentiu-se perturbado, mas não deixou que

ninguém o percebesse. Mais tarde teria tempo de analisar

esse paradoxo. Por enquanto havia coisa mais importante a

fazer. Não suspeitava de que nesse mesmo instante

também Crest tomara uma decisão. De uma hora para

outra o chefe científico da expedição dos arcônidas, que

conhecia muitas raças do universo e com elas mantinha

ligações, deu-se conta de uma realidade patente: um belo

dia os homens se tornariam herdeiros do Império

Galáctico. E não sentiu o menor pesar quando essa

realidade se impôs ao seu espírito.

O capitão Klein aproveitou a pausa para dizer:

— O tenente Li Shai-tung, que é nosso aliado da

Federação Asiática, está desaparecido. Mercant supõe que

se encontre em poder dos DI.

Isso foi um choque inesperado mesmo para Perry

Rhodan.

O tenente Li era um dos principais agentes da

Federação Asiática. Quando recorreram a ele para

combater Perry Rhodan, foi um dos primeiros homens da

Terra a reconhecer que só a união de todos proporcionaria

uma chance de enfrentar com sucesso o poder dos

arcônidas. Quando essa união se estabeleceu, passou a

compreender os objetivos de Rhodan e a sentir estima pelo

antigo piloto espacial do Ocidente. Juntamente com seu

colega Kosnow, do Bloco Oriental, e Klein, do Bloco

Ocidental, passou-se para a Terceira Potência. Da mesma

forma que Klein era o elemento de ligação entre Rhodan e

Mercant, Li desempenhava as funções de elo de ligação

entre Rhodan e o Serviço Secreto da Federação Asiática.

E agora os DI se haviam apoderado desse homem.

Com isso Perry Rhodan sofria o primeiro ataque direto,

afora alguns episódios de menor importância ocorridos

durante o primeiro ataque.

— Desaparecido? Ora essa! Li não pode ter

desaparecido sem mais aquela.

— O fato é que Li desapareceu da Groenlândia, e

voltou à China sem que tivesse ordem para isso. Mercant

acredita que os DI pretendem arruinar as grandes potências

uma por uma.

— Será que para isso precisam justamente dos

elementos de ligação?

Perry lançou um olhar desconfiado para Klein. O

capitão percebeu o que se passava na cabeça de seu

interlocutor.

— Se acredita que os DI me agarraram, sinto

decepcioná-lo, de forma agradável, espero — disse

sacudindo a cabeça. — Você não tem nenhuma

possibilidade de constatar a presença de um DI?

— O que está imaginando?

— Não estou imaginando coisas alguma, mas pensei

que talvez com os recursos técnicos de que dispõe...

— O detector de frequência — interveio Bell em tom

indiferente.

Perry confirmou com um movimento de cabeça.

Procurou não demonstrar a contrariedade que sentia por

não ter se lembrado disso. Era claro que havia essa

possibilidade. Esse aparelho ultrassensível captava e

registrava a frequência das vibrações do cérebro humano.

Distinguia perfeitamente entre um cérebro normal e o de

um mutante, embora nesse caso a diferença fosse

insignificante. A diferença entre a frequência do cérebro

de um homem e de um DI devia ser muito maior.

— Isso mesmo, Bell. Isso nos dá a possibilidade de

identificar qualquer indivíduo de que os DI se tenham

apossado. Resta saber o que devemos fazer quando isso

tiver acontecido. Não podemos matar esse indivíduo, se

houver uma possibilidade de salvar sua vida. E pouco nos

adiantará tanger os DI de um corpo humano para outro.

Crest voltou a mexer-se nos fundos da sala. Sem dar a

menor atenção a Thora, que prosseguia no seu mutismo

obstinado, disse:

— O corpo do DI deve ser destruído. Com isso o

intelecto humano voltará ao corpo a que pertence,

enquanto o intelecto do DI morre com o respectivo corpo.

É o único ponto fraco que podemos aproveitar.

— Como faremos para seguir as pegadas do seu

intelecto?

Crest esboçou um sorriso significativo.

— A experiência ensinará. Afinal, para que temos os

mutantes? Quem sabe se não conseguem construir uma

ponte entre o corpo e o espírito dos DI?

— Talvez — confirmou Perry em tom pouco confiante.

Acreditava ser impossível seguir uma substância imaterial

num caminho percorrido à velocidade da luz. O espírito

era energia, e por isso sem dúvida constituía uma forma de

matéria. Podia-se identificá-la, mas não segui-la. Ou será...

Klein esperou até que se fizesse uma pausa na palestra.

Depois disse:

— Rhodan, Mercant lhe pede que se ponha no encalço

de Li. Sozinho ele não consegue. Li pode provocar um

verdadeiro desastre. Na opinião de Mercant os DI farão

tudo para que a discórdia volte a reinar sobre a Terra, para

facilitar o jogo deles. É uma coisa que não pode acontecer.

— Li está na China?

— Foi lá que o localizamos pela última vez. Supomos

que se encontre em Pequim.

Perry olhou para Bell.

— Bell, traga Ernst Ellert. Depressa!

O engenheiro retirou-se sem dizer uma palavra. Só

Crest ergueu as sobrancelhas brancas.

— O que deseja de Ellert? — perguntou em tom

admirado.

Perry sorriu ligeiramente. Como Klein nunca tivesse

ouvido falar de Ellert dispôs-se a dar uma explicação.

— Ernst Ellert é um mutante. Suas faculdades excedem

tudo que o cérebro humano já concebeu. É um

teletemporário. Sabe transportar-se em espírito para o

futuro e contemplar o passado que corresponde ao nosso

presente. Talvez consiga localizar o esconderijo dos DI

— Um teletemporário? — resmungou Klein sem que

tivesse compreendido. Deu de ombros e não disse mais

nada. Perry Rhodan devia saber o que estava fazendo.

Quem visse Ellert entrar não conseguiria disfarçar certa

decepção. Aquele alemão tinha um aspecto absolutamente

normal; nada indicava a presença de um dom

extraordinário. Apenas em seus olhos notava-se um brilho

tranquilo e constante. Eram olhos que tinham contemplado

um trecho da eternidade, assim pensava Perry toda vez que

os contemplava.

— Estamos em conselho de guerra — disse Perry a

título de cumprimento. — Os DI iniciaram a invasão.

Apossaram-se do tenente Li, agente dos serviços de defesa

da Federação Asiática. Tako Kakuta lhe fornecerá

informações pormenorizadas, e também o acompanhará.

Faço votos que sua missão seja tenha êxito. Antes de

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partir, receberá dois detectores de frequência, e obterá

instruções mais precisas. — Perry hesitou um instante.

Depois deu um impulso à sua mente. — Sempre relutei em

recorrer aos seus dons, Ernst. Mas peço-lhe que me

responda uma pergunta reservada: em espírito você já

esteve no futuro mais de uma vez. Aliás, o fato de você ser

capaz de abandonar o corpo à vontade e voltar a ele,

coloca-o no mesmo nível dos DI, ou mesmo em nível

superior, já que seu espírito não está preso ao presente.

Compreende por que resolvi lançar mão de você na luta

contra os DI? Se existe um homem que pode representar

um perigo real para eles, este homem é você. Mas

voltemos à pergunta que pretendo formular: você já esteve

no futuro por mais de uma vez, Ernst. Encontrou algum

indício de que a Terceira Potência existe nesse futuro?

Seremos bem sucedidos na luta contra os invasores?

Uma sombra passou pelo rosto de Ernst Ellert.

— Sinto decepcioná-lo. Não é o que você pensa.

Acontece que o futuro não é uma coisa concreta. Existem

muitos caminhos que conduzem para o futuro. Ou melhor,

não existe um único futuro. O presente é real, é uma

resultante do passado perfeitamente determinado. Mas o

futuro é irreal e incerto. O acontecimento mais

insignificante do presente pode modificá-lo por completo.

Por isso nunca penetrei num futuro imutável. Compreende

o que quero dizer? — Quando notou que Perry confirmava

com um leve movimento de cabeça, prosseguiu. —

Existem milhares de futuros. Futuros com e sem Perry

Rhodan. Mas só uma dessas alternativas se transformará

em realidade. Sei que deve estar decepcionado, mas o fato

é que minha capacidade de transportar-me para o futuro

não tem o menor valor. Posso inserir-me num fluxo

temporal incorreto e, em consequência, transmitir-lhe

informações falsas.

— Como ficou sabendo disso? E por que nunca me

falou a respeito antes? — disse Perry com um ligeiro tom

de censura.

— Não sabia — confessou Ellert ligeiramente

embaraçado. — Nos últimos dias realizei várias

experiências e verifiquei que vários mundos coexistem

simultaneamente no mesmo segmento da linha do tempo.

Só um deles se transformará em realidade. Não tenho

elementos para saber qual será este mundo.

— Quer dizer que como profeta você não vale nada —

disse Perry Rhodan em tom grave.

Ellert confirmou com um gesto desolado. Mas o brilho

do saber continuou aceso em seus olhos. Estaria mentindo?

Perry lançou um olhar de indagação ao telepata Marshall.

Este sacudiu a cabeça: Ellert não estava mentindo. Dizia a

verdade. Por que seria tão vidente?

— Como profeta pode não valer nada, mas como

inimigo dos invasores vale muito — prosseguiu Perry. —

Pode abandonar seu corpo e sair em perseguição dos DI.

— Juntamente com Tako procurarei solucionar o

problema — confirmou Ellert. Hesitou ligeiramente.

Depois acrescentou:

— Segundo uma das alternativas que se abrem para o

futuro, dentro de poucas semanas estará morto. Mas, como

acabo de dizer, isso é apenas uma das alternativas. Pode

ser verdadeira, tanto quanto a outra, segundo a qual num

futuro muito distante ajudarei você a consolidar o grande

império galáctico.

Sem dizer uma palavra, Perry seguiu-o com os olhos

quando ele deixou a sala de conferências juntamente com

Tako, o teleportador japonês.

* * * Outra sala de conferências.

Mais de três mil metros abaixo da superfície da calota

de gelo que cobre a Groenlândia os presidentes dos três

grandes blocos da Terra encontravam-se reunidos. Desta

vez não se tratava de elaborar planos para uma ação

conjunta contra Rhodan, mas de encontrar um meio de

repelir a invasão. Mercant estava presente. Perry Rhodan

participou da conferência através da tela plana do

dispositivo ótico, instalado em uma das paredes do

pequeno recinto, onde a cobria totalmente. Perry aparecia

em tamanho natural. Os participantes da conferência viam-

no e ouviam-no, da mesma forma que ele os via e ouvia.

Nem parecia que se encontravam separados por milhares

de quilômetros.

Depois de uma breve introdução, Mercant pediu a

Perry Rhodan que expusesse a situação estratégica.

— Cavalheiros — principiou Perry sem rodeios — se

não agirmos imediatamente, estaremos perdidos.

Felizmente conseguimos a união definitiva dos povos, de

maneira que a Terra se transformou num só planeta.

Praticamente todas as fronteiras foram eliminadas. Os

senhores, que são os presidentes dos três grandes blocos,

governam o mundo, se abstrairmos de mim e do poder dos

arcônidas. Também no terreno econômico uma

coordenação mais estreita está em vias de ser formada.

Devo pedir-lhes que permitam aos meus subordinados que

se desloquem livremente nos seus países. O que quero

dizer é que os mesmos devem ter livre acesso aos órgãos

governamentais e às repartições dos serviços de defesa.

Incumbi meu pessoal de exercerem uma vigilância

ininterrupta sobre as pessoas importantes da Terra, para

que qualquer apossamento por parte dos DI possa ser

detectado imediatamente. Para isso precisamos de plenos

poderes. Peço-lhes que nos concedam.

Seguiu-se um silêncio embaraçoso. Ninguém se

atreveu a repelir frontalmente a exigência de Perry

Rhodan. Mercant interveio:

— É evidente que os senhores presidentes não deixarão

de reconhecer a necessidade premente desse procedimento

extraordinário e transmitirão as instruções

correspondentes. Não era o que pretendiam dizer?

O presidente do Bloco Ocidental confirmou com um

aceno de cabeça. Depois duma ligeira hesitação o

presidente da Federação Asiática e o do Bloco Oriental

seguiram seu exemplo. Não viram outra saída. Perry

respirou muito aliviado. O primeiro round estava ganho.

— Obrigado, cavalheiros. Com isso não precisarão

preocupar-se mais com a defesa contra a invasão. Creio

que com os meus homens darei conta do recado. Assim

que localizarmos a nave espacial dos invasores, ela será

destruída. Passemos ao segundo ponto. Conforme sabem,

criei uma potência econômica conhecida pelo nome

General Cosmic Company. O diretor comercial do truste é

Homer G. Adams, o conhecido gênio financeiro. Nossas

usinas estão sendo montadas em todos os pontos da Terra.

Atualmente o capital da empresa é de trinta e cinco bilhões

de dólares. Se estiverem dispostos a prestar-nos sua

colaboração oficial também neste terreno, estarei pronto a

adiantar a soma de trinta bilhões de dólares para o projeto

que temos em perspectiva.

O presidente da Federação Asiática inclinou-se para

frente.

— A que projeto está se referindo? — perguntou numa

atitude de espreita.

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Perry Rhodan sorriu.

— Trata-se de uma frota espacial. A Terra precisa de

uma frota espacial.

— Para quê?

— Existem muitos motivos para isso, senhor

presidente. Um deles é de natureza puramente econômica.

Já não é segredo que as guerras e as atividades

armamentistas são responsáveis por boa parte do bem-estar

material dos povos. Isto pode parecer cínico, mas não

passa duma constatação objetiva. Por isso devemos

continuar a guiar nossa atuação por esse princípio

consagrado, com a única diferença de que nossos esforços

não mais serão dirigidos aos preparativos para a guerra,

mas a um objetivo inteiramente diferente: a frota espacial.

A economia mundial pode beneficiar-se com um

empreendimento desse tipo. Novas indústrias surgirão,

todos os homens encontrarão trabalho. Será necessário

criar fábricas e usinas, e teremos de encontrar meios de

produzir matérias-primas e peças até então desconhecidas.

É aí que residem as vantagens de natureza puramente

econômica. Acontece que ainda existe um motivo

estratégico para construir uma frota espacial. Os senhores

destruíram o cruzador dos arcônidas, que se encontrava

estacionado na Lua. Um dispositivo automático provocou

a emissão do sinal de socorro, que vem sendo transmitido

para todas as partes do cosmos a uma velocidade superior

à da luz. Os sinais vêm sendo captados por inúmeras raças.

A invasão que está sendo levada a efeito é uma das

consequências desse fato. Os sinais podem despertar a

curiosidade de outras raças, que talvez se desloquem para

cá. O planeta Terra deverá estar em condições de repelir

outras invasões. Para isso precisamos de uma frota

espacial. Espero que a lógica irrefutável destes

fundamentos não deixe de convencê-los.

Os participantes da conferência convenceram-se da

validade dos fundamentos expostos por Rhodan. A

proposta foi aprovada por unanimidade. Mas Rhodan

ainda não havia chegado ao término da exposição. Passou

a enfatizar a necessidade de que os três presidentes que ali

se encontravam pensassem seriamente na maneira de

formar um governo comum, que administrasse o planeta

Terra. Concluiu com uma sugestão concreta:

— Temos de obter uma garantia definitiva de que

nunca mais surgirá uma dissensão entre as nações. A

formação da frota espacial incrementará a ideia da união

mundial. Mas o espírito de união também deve ser

estimulado por atos externos. O governo mundial, que

ainda é considerado um sonho de utopistas ridicularizados,

deve ser transformado em realidade. Nunca a situação se

apresentou tão favorável a esse intento como hoje. O

perigo comum e os esforços conjuntos para a construção

da frota espacial constituirão fatores positivos. Peço-lhes

que iniciem quanto antes negociações dirigidas a esse fim,

e é isso, meus senhores. Acho que poderão prosseguir na

conferência sem a minha presença. Não tenho nada a ver

com as questões internas. Mercant me informará sobre os

pontos essenciais que forem debatidos. Agradeço-lhes pela

confiança que vêm depositando em mim. Não os

decepcionarei.

A tela apagou-se.

Mercant rompeu o silêncio:

— Senhores presidentes, os objetivos estão definidos.

Para alcançá-los dependemos dos senhores. Achei

conveniente convocar o homem que poderá assessorar-nos

nas questões econômico-financeiras, a fim de que ainda

hoje possamos alcançar um resultado palpável. Apresento-

lhes o senhor Homer G. Adams, diretor comercial da

General Cosmic Company.

III

Num quarto de hotel de Pequim, Ernst Ellert e Tako

Kakuta realizaram seu conselho de guerra.

— Você é capaz, sim — disse Ellert em tom insistente.

— Lembre-se de que destruiu a nave oval dos DI.

Teleportou-se com a bomba para junto do inimigo. Se

você conseguiu transportar uma bomba, também deve

estar em condições de carregar um homem. Sabe

perfeitamente que pode teleportar a matéria com que entra

em contato.

— É possível que você tenha razão — disse o japonês

com um sorriso de cortesia.

— Tenho de experimentar. Para falar com franqueza,

ainda não pensei nessa possibilidade.

— Pois vamos experimentar. De qualquer maneira o

exército de mutantes só se consolidará através da

experiência.

— Que tal se me levasse com você numa viagem para

o futuro? — perguntou o japonês em tom sério. — Assim

cada um de nós estaria retribuindo a gentileza do outro.

O rosto de Ellert alargou-se num sorriso.

— Então é nisso que consiste a coordenação de nossas

forças? — ironizou. — Se Crest soubesse disso...

Subitamente o rosto de Tako assumiu uma expressão

séria. Parecia lembrar-se da missão que lhes fora confiada.

— Encontramos Li — declarou. — O que faremos com

ele? Como poderemos saber se anda fazendo alguma

tolice? Não podemos prevenir os homens da Federação

Asiática, pois não sabemos quem entre eles já pertence aos

DI.

Nesse instante seus aparelhos de comunicação

emitiram um zumbido. Comprimiram o botão de recepção.

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A voz de Ras Tshubai, outro teleportador pertencente, ao

grupo, fez-se ouvir:

— Ouçam, temos trabalho. Li acaba de ir ao aeroporto

onde adquiriu passagem para o Stratoliner com destino a

Batang. Parte amanhã, as seis e trinta e cinco.

— Tão cedo! — gemeu Ellert, que gostava de dormir

até tarde. — O que será que esse sujeito resolveu fazer

justamente em Batang?

— Não faço a menor ideia. Não falou sobre a

finalidade da viagem ao funcionário que lhe vendeu a

passagem.

— Nem poderia ser de outra forma. Acho que você

virá até aqui. Até amanhã de manhã Li não nos escapará.

A que hora chegará a Batang?

— O tempo de voo é de duas horas. Quer dizer que

deverá chegar pelas oito e meia.

— Nós o receberemos em Batang — disse Ellert. —

Não se preocupe mais com Li, mas dê um pulo...

Dentro de um segundo o africano corpulento se

materializou naquele quarto de hotel. Quando viu que

Tako e Ellert estremeceram, deu um largo sorriso.

Ninguém, nem mesmo um teleportador, jamais se

acostumaria a ver um homem surgir do nada.

— Você faz alguma ideia do que nosso amigo pretende

fazer justamente no Tibet? — perguntou o japonês. — Se

não me engano, Batang fica ali pelo Tibet.

— Você não se engana — confirmou Ras. — São mais

de dois mil quilômetros. Isso representa um belo salto.

Como poderemos executá-lo?

— Pegamos Ellert pelos braços, e lá vamos nós. Acho

que conseguiremos.

Ras revirou os olhos.

— Pegá-lo pelos braços? Não me vá dizer que

poderemos levá-lo conosco.

— Por que não? — disse o japonês. — Afinal, ele é

mais leve que uma bomba de tamanho médio...

* * * O aparelho pousou na hora prevista. Li desceu e

dirigiu-se ao edifício do aeroporto, sem olhar para os

lados. Parecia sentir-se muito seguro. Tako incumbira-se

da vigilância direta, já que naquelas plagas um japonês não

daria na vista. O minúsculo radiotransmissor que trazia no

pulso mantinha-o em contato permanente com seus

companheiros.

Li não trazia bagagem. Em compensação tinha consigo

uma soma considerável em dinheiro. Ninguém,

provavelmente nem mesmo o próprio Li, saberia dizer

como conseguira pôr a mão nele. Alugou um quarto no

hotel mais caro da cidade, pagou três diárias adiantadas e

não apareceu mais na manhã daquele dia. Tako estava

sentado num bar que servia vinho de arroz, situado do lado

oposto da rua, e procurava matar o tédio. Se não o

revezassem logo poderia acontecer que deslizasse para

baixo da mesa e mergulhasse num sono feliz.

Pelo meio-dia Ras ocupou seu lugar. Tomou um gole

de vinho tinto e asseverou que teria muito prazer em ficar

ali até o anoitecer. No íntimo o japonês tinha suas dúvidas.

Saiu do bar e dirigiu-se ao hotel, onde Ellert já o esperava.

— O que será que Li veio fazer neste lugar horrível?

Ellert estava deitado, lendo um livro. Quando Tako

entrou, interrompeu a leitura e formulou a pergunta que

mantivera sua mente ocupada por toda a manhã. Na

verdade, não esperava nenhuma resposta. E não a recebeu.

— Não faço a menor ideia — gemeu Tako e

mergulhou na poltrona mais próxima. — Não ficaria bem

perguntarmos a ele. Você não poderia dar uma espiada no

futuro para descobrir as intenções de Li?

— Como saberei se me encontro apenas num plano de

probabilidades do futuro, ou na realidade? Felizmente não

estou preso ao corpo. Posso transformar-me em intelecto

desmaterializado e deslocar-me livremente, até mesmo em

sentido diagonal ao fluxo do tempo. Mas nunca sei se

realmente acontecerá aquilo que vejo.

— Pois tente! — sugeriu Tako, que não tinha uma

ideia exata do problema. — Enquanto você dorme, cuido

do seu corpo.

Ellert fez um gesto de assentimento e ficou deitado.

— Isso não pode fazer mal — reconheceu. — Mas não

sei quanto tempo demorará. Não deixe ninguém entrar no

quarto. Entendido?

Tako levantou-se e trancou a porta. Quando voltou,

Ellert já estava imóvel na cama. O japonês inclinou-se

sobre ele. Subitamente sobressaltou-se. Ellert deixara de

respirar. Ou será que tudo não passava de uma ilusão? O

pulso era muito fraco. Tako deu um beliscão nas

bochechas do teleportador, que não reagiu.

O japonês também se deitou e logo adormeceu. Não

houve nada que perturbasse o sossego daquele fim de

tarde.

Enquanto isso, Li estava sentado num quarto de hotel,

a poucas quadras de distância.

O ser imaterial que se apossara de seu corpo mantinha

contato telepático com a neve de comando estacionada no

espaço. As mensagens eram precisas e impessoais.

— Temos que desistir do plano de defender nossa base

situada na Terra. O homem chamado de Li tornou-se

suspeito. Apesar disso não convém procurar outro corpo,

pois com isso teríamos de recomeçar todo o trabalho.

Além disso, os terráqueos suspeitam de Li, mas não têm

certeza. Li permanecerá em Batang por mais dois dias,

depois pegará o Clíper com destino aos Estados Unidos.

Oportunamente forneceremos novas instruções.

Dali em diante Li passou a mover-se sem destino.

Tomava suas refeições, dava passeios pela cidade sem

preocupar-se cora os homens que o seguiam e agia como

um funcionário aposentado. Depois de três dias comprou

uma passagem para Hong Kong, e dali para Carson City,

em Nevada, nos Estados Unidos.

Conforme era de esperar, a tentativa de Ellert não

produziu o menor resultado. Abandonara o presente e

penetrara no futuro. Seu espírito pairara sobre Li, enquanto

esse viajava de Hong Kong para Carson City. Um

deslocamento lateral no fluxo do tempo revelou outra

possibilidade. Viu o mesmo avião, sem Li. Qual seria a

realidade?

Ellert desconfiou de que seu dom valia muito pouco. O

presente representava a encruzilhada, a partir da qual se

podia penetrar no futuro por inúmeros caminhos. Só o

presente podia determinar a configuração do futuro. Dessa

forma a visão do futuro representava a percepção de

milhões de alternativas, e ninguém sabia qual dessas

alternativas se transformaria em realidade.

Face disso, não havia como modificar os

acontecimentos do passado.

Em compensação teve uma ideia de cujo alcance só

começava a suspeitar. Teria de falar com Perry Rhodan. Se

sua teoria fosse exata, os dias dos DI sobre a Terra

estariam contados.

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53

* * *

Perry Rhodan cumprimentou Ernst Ellert com um

movimento da cabeça. Os dois homens estavam a sós na

velha sala de comando da Stardust. Por uma espécie de

sentimentalismo, Perry gostava de recolher-se a esse

recinto sempre que desejava ficar a sós. Ali se sentia

tranquilo e foi ali que sua carreira fantástica teve início.

Depois de um ligeiro preparo mental, Ellert começou a

falar.

— Deixamos que Li viajasse sozinho aos Estados

Unidos, pois conhecemos seu destino. A esta altura John

Marshall já deve estar cuidando dele. Pelo que sei Anne

Sloane também se encontra em Carson City. Isso parece

confirmar sua suposição de que o próximo objetivo dos DI

será a base de Nevada Fields.

— Acredito que sim — confirmou Perry em tom

tranquilo.

— Enquanto abandonei meu corpo para vigiar Li,

constatei um fato bastante estranho. Os DI se comunicam

por via telepática. Até consegui acompanhar parte das

mensagens que trocaram entre si. Sem o entrave do corpo

nosso intelecto realiza um trabalho muito mais perfeito e

amadurecido. Acho que, se necessário, poderia manter

contato direto com os DI, mas a meu ver isso não é

recomendável. É preferível que nunca saibam dessa

possibilidade. Mas há outra coisa. Estou convencido de

que será possível seguir um DI que abandonou seu corpo.

E qualquer teleportador poderá fazer isso. Ao movimentar-

se, um teleportador transfere seu corpo para outra

dimensão e faz com que o mesmo se materialize em outro

ponto do espaço. Transforma-se em espírito, e com isso

assemelha-se bastante aos DI. Acredito que nessas

condições Tako ou Ras, ou mesmo eu, estaremos em

condições de seguir um DI no momento em que ele

abandonar o corpo de um ser humano para retornar ao seu

próprio corpo.

Perry Rhodan escutara com muita atenção. Seu cérebro

genial examinou as possibilidades, pesou as oportunidades

e registrou todos os dados como se fosse um robô

eletrônico. Valeu-se do saber imenso que lhe fora

transmitido pelos arcônidas. Os centros de memória

forneceram informações.

Depois de algum tempo acenou com a cabeça.

— Ernst você tem razão. Tem toda razão. Não

deixaremos de fazer uma tentativa. Li deve ter ido a

Nevada com uma incumbência especial. Anne Sloane me

deixará informado sobre cada passo que ele der. Mas há

outro assunto sobre o qual gostaria de falar com você.

Sabe perfeitamente que nunca me vali de seus dons de

teletemporador. De início me senti impedido por motivos

de ordem ética. Além disso, chegamos à conclusão de que

as múltiplas áreas de probabilidades não lhe permitem uma

visão nítida do futuro. Todavia, devo pedir-lhe que faça

uma exceção. Tivemos um acontecimento muito

estranho...

Ernst Ellert parecia bastante interessado. Inclinou-se

para a frente e segurou o jornal que Perry lhe estendeu. O

título parecia saltar nos seus olhos. Começou a ler com

muita atenção.

O artigo era o seguinte:

MENINA DE SEIS ANOS MATA O PAI COM UM

TIRO DE PISTOLA

ASSASSINATO MISTERIOSO PRATICADO POR CRIANÇA

Mesilla, Novo México, 17-2-72.

Notícia especial.

Um dos crimes de morte mais

estranhos do século ocorreu ontem

em Mesilla, N.M. A pequena Betty

Toufry tirou a pistola do pai, que a

segurava no colo, e o matou. A

criança nunca tivera nas mãos uma

arma desse tipo, e não sabia como

manejá-la.

No citado artigo ainda se salientava que Allan G.

Toufry era um cientista dedicado à pesquisa nuclear.

Tivera participação decisiva nos últimos aperfeiçoamentos

das armas nucleares e era um dos responsáveis pelas

experiências realizadas no deserto. O redator da notícia

ainda acrescentava em tom de ceticismo que a criada

afirmava peremptoriamente ter visto que poucos instantes

antes da tragédia a criança correra alegremente ao encontro

do pai, mas de repente estacara. Logo após a pistola

parecia voar às mãos da pequena. Naturalmente era o

relato de uma pessoa que se encontrava à beira de um

ataque de histeria não podia ser levado a sério, tinha

ressalvado o repórter. De qualquer maneira, o ato de uma

criança de seis anos que mata o pai é tão estranho que

requer um minucioso exame psicológico.

Ellert levantou a cabeça e fitou os olhos indagadores de

Perry.

— Então? Que acha?

Ellert deu de ombros.

— Não compreendo! O relato da empregada dá o que

pensar. Não acredito que esteja mentindo.

— Também não acredito — confirmou Perry. —

Tenho minhas desconfianças. Mas gostaria de ter certeza.

Peço-lhe que se ocupe com a criança. Preciso saber o que

será feito dela. Será que você poderia verificar?

— Até certo ponto, sim. Seja qual for o caminho do

futuro, isso não altera a personalidade. Pouco importará a

área de probabilidades em que me deslocarei, desde que a

menina continue viva.

— Era o que eu imaginava Ellert. Você terá que viajar

ao Novo México, ou será possível fazê-lo a partir daqui?

— Seria conveniente ir até lá. Além disso, estarei perto

de Carson City.

Perry Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Está bem. Pegue o avião imediatamente. E

transmita-me suas informações assim que chegar lá. Estou

muito interessado na menina.

* * * Um telepata estava em condições de identificar

imediatamente os estranhos padrões ideológicos dos DI. O

cerco em torno desses seres estava sendo apertado cada

vez mais, mas não seria possível completá-lo sem perigo.

O porto espacial de Nevada era o campo de pouso das

astronaves do Ocidente.

O cordão de isolamento que cercava a área impedia a

penetração de qualquer pessoa estranha. Infelizmente tais

medidas não tinham qualquer eficácia contra os DI, que a

qualquer momento poderiam cruzar a faixa de segurança,

sob o disfarce de um corpo humano.

Por isso era indispensável que os homens de Rhodan

mantivessem uma vigilância ininterrupta no interior da

zona bloqueada.

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O capitão Burners, do serviço de segurança, não

gostava disso, mas não lhe restava alternativas senão

cumprir à risca as ordens de seu chefe supremo, Allan D.

Mercant. Muitas dessas ordens tornavam-se

incompreensíveis a esse homem acostumado a pautar seu

procedimento por uma série de normas bastante simples.

Quem não tivesse nada que fazer na base espacial lá não

entraria. Era muito simples. Mas agora qualquer sujeito

estranho podia intrometer-se em assuntos com os quais

nada tinha que ver.

Era, por exemplo, o caso do tal do Marshall. Esse

sujeito andava com um sorriso impertinente na cara

sempre que falava com os outros. Fazia de conta que sabia

de tudo. Mas não sabia de coisa alguma. Ao menos era o

que Burners pensava. Pois bem. Afinal, era um dos

homens de Rhodan, e este metia o nariz em tudo.

John Marshall, o homem que graças às suas

capacidades telepáticas conseguira frustrar um assalto de

banco na Austrália e por isso se unira a Rhodan, podia

movimentar-se livremente no porto espacial de Nevada.

Era perfeitamente compreensível que aproveitava a

oportunidade para conhecer as vastas instalações da base.

Conhecia o general Pounder, chefe da Força Espacial dos

Estados Unidos, bem como seu ajudante, o major Maurice.

Mantinha relações amistosas com o Dr. Fleet, médico-

chefe da Força Espacial dos Estados Unidos, bem como

com o Dr. Lehmann, dirigente do projeto científico e

diretor da Academia de Tecnologia Espacial da Califórnia.

Era claro que também conhecia o capitão Burners.

Por enquanto não localizara nenhum DI. Parecia

estranho, mas era verdade. John ficou matutando sobre se

o fato era intencional ou não passava de puro acaso, mas

não encontrou nenhuma resposta. Ficava de olho nas

pessoas mais importantes, falava com elas diariamente e

examinava seus pensamentos. Não descobriu nada de

extraordinário.

Hoje o Dr. Lehmann convidara-o para um jogo de

xadrez.

Tratava-se de um cavalheiro de idade um tanto

avançada, que era um adepto apaixonado do xadrez e

sentia-se satisfeito por ter encontrado um parceiro digno

de medir-se com ele. Evidentemente não sabia que John lia

seus pensamentos e assim conhecia antecipadamente seus

lances.

— Xeque-mate! — disse em tom de triunfo e recolheu

a dama a uma posição que lhe parecia decisiva. Todo

satisfeito remexeu o cachimbo, espalhando um cheiro

pouco aromático.

— Será mesmo? — perguntou o australiano. — Pensa

que não estou vendo o cavalo? Está enganado. Pronto! E

agora?

Lehmann, perplexo, fitou o tabuleiro. Realmente

pensara que seu parceiro tivesse esquecido o cavalo, já que

estava há dez minutos no mesmo lugar, totalmente cercado

e sem ser notado, mas infelizmente também numa posição

inatingível.

John acendeu um cigarro, para fugir à fedentina do

cachimbo de Lehmann, que acabara de segurar uma dama,

erguendo-a num gesto pensativo. Estacou em meio ao

movimento.

John, que sorria de si para si ao perceber que seu

adversário pretendia deslocar a dama para uma posição

que representava certo perigo para seu cavalo, subitamente

sentiu-se chocado, pois o fluxo dos pensamentos de

Lehmann sofreu uma interrupção abrupta.

O professor apresentava o aspecto de uma figura

estarrecida. Os olhos vidrados fitavam o vazio. A mão que

segurava a figura de xadrez ficou suspensa sobre o

tabuleiro, imóvel e sem o menor tremor. Nem mesmo as

pestanas se moviam.

John sentiu que algo de estranho se introduzia no

espaço que ainda há pouco era ocupado pelos pensamentos

do professor. Retirou-se apressadamente, limitando-se a

manter um contato ligeiro, a fim de não impedir a

penetração do DI.

Esforçou-se para não despertar a menor suspeita, pois

sabia perfeitamente que dentro de poucos segundos um

dos invasores o contemplaria através dos olhos de

Lehmann. Dentro de cinco segundos aproximadamente,

segundo afirmara Mercant.

Realmente. Uma vez decorrido esse lapso, o Dr.

Lehmann voltou a mover-se. Num gesto automático

colocou a dama numa posição em que não serviria para

coisa alguma. A vida retornou àqueles olhos estarrecidos,

que contemplaram John num gesto indagador.

— Então?

John procurou concentrar-se. Nunca se vira numa

situação tão difícil. Quem dera que pudesse penetrar nos

pensamentos do DI. Mas isso não era tão simples. Os

invasores também dispunham de algumas capacidades

telepáticas. Perceberiam logo. E isso não podia acontecer

em hipótese alguma.

— O lance não foi bom, professor. Se quiser, posso

colocá-lo em xeque-mate. Mas acredito que estivesse

distraído. Por isso quero dar-lhe mais uma chance.

Pegou seu cavalo e colocou-o numa situação muito

perigosa. Lehmann poderia eliminá-lo imediatamente. Mas

não o fez. Provavelmente o DI precisava de algum tempo,

para absorver as informações armazenadas na memória de

sua vítima. O lance que executou não preenchia qualquer

finalidade e infringia as regras do jogo.

John fez de conta que não percebia nada. Executou um

lance apressado e procurou aproximar-se do espírito

desconhecido. Mas esbarrou numa barreira mental que não

pôde ser vencida. Absteve-se de recorrer a um processo

mais violento, pois não quis despertar a atenção do

inimigo. Mas já sabia que os DI podem envolver seus

pensamentos com uma capa protetora. Era impossível

adivinhar as intenções deles. Talvez a capa se tornasse

porosa se permanecessem em contato por algum tempo.

Teria de verificar.

O jogo assumiu uma feição arrepiante, embora o DI

aprendesse depressa. John deixou-o ganhar e despediu-se

com algumas palavras indiferentes. Ao concluir, disse:

— Espero que sua promessa continue de pé, doutor.

— Que promessa?

— A experiência. Será que já se esqueceu disso? O

senhor disse que eu poderia assistir ao teste da câmara de

combustão, que será realizado dentro de poucos dias.

— Ah, sim. É claro que poderá estar presente.

— Boa noite, doutor.

— Boa noite.

Assim que chegou ao seu quarto, John abriu a mala e

tirou um transmissor pequeno, mas muito potente. Dali a

poucos minutos estava falando com Rhodan, que não ficou

nada satisfeito ao ter que afastar-se da companhia de Crest

e dos outros mutantes logo de manhã. Quando, porém,

ouviu a voz de John, a contrariedade cessou por completo.

Esperou até que John terminasse. Depois disse:

— Fique de olho em Lehmann. Recebi notícias de

Page 55: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

55

Anne Sloane. Li está a caminho de Nevada Port.

Oficialmente viaja a mando de Mercant. Deverá encontrar-

se com Lehmann. É possível que os dois pretendam

executar algum plano que vise à paralisação da pesquisa

espacial. Toda vigilância é pouca. Entre em contato com

Anne assim que ela chegar aí. Assim que Ernst terminar a

missão atual, ele lhe será enviado como reforço. Acho que

o porto espacial de Nevada será o ponto crítico da invasão.

Rhodan nem desconfiava de que sua suposição seria

totalmente confirmada pelos fatos.

* * * Ernst Ellert não teve a menor dificuldade em seguir o

caminho da pequena Betty Toufry através do fluxo do

tempo. Numa faixa de cinco anos, situada no futuro,

descobriu as melhores possibilidades de pesquisar sua

personalidade. Houve uma estranha coincidência entre os

mundos paralelos que se abriam diante dele.

Quando pairou invisível sobre a menina e procurou

penetrar seus pensamentos, teve uma surpresa chocante.

Betty Toufry era telepata.

Voltou ligeiramente à cabeça, como se estivesse

escutando. Logo um sorriso de autoconfiança passou pelo

seu rosto. Estava sentada na varanda da casa em que vivia

com o pai há cinco anos, quando acontecera aquele fato

inexplicável.

— Quem é você? — perguntou sem emitir qualquer

som. Ellert compreendia perfeitamente. Decidiu abandonar

todo e qualquer disfarce. Não adiantaria fingir diante dela,

pois logo percebeu que as capacidades telepáticas da

menina eram mais fortes que as suas.

— Meu nome é Ernst Ellert. Sou um dos colaboradores

de Perry Rhodan.

— E daí? — disse a menina em tom de espanto. —

Vem a mando dele?

Essa reação deixou Ellert estupefato.

— O que quer dizer com isso?

A menina parecia refletir. Subitamente um sorriso

iluminou seu rosto.

— Ah, sim, Ernst. Quase me esqueço. Há cinco anos

você me falou sobre sua excursão ao meu futuro. Foi

graças ao encontro que ora estamos tendo que há cinco

anos Perry Rhodan me admitiu no seu serviço. Desde

então trabalho no exército dos mutantes. Nosso encontro

de hoje só está ocorrendo para que nossa reunião se torne

possível. Compreendeu?

— Só em parte — respondeu Ellert perplexo. — Quer

dizer que você trabalha para Rhodan?

— Preste atenção, Ernst. Sou uma mutante nata.

Minhas especialidades principais são a telecinese e a

telepatia. Aos seis anos meu quociente intelectual já

atingia o dobro do de um adulto normal. Em todas as

partes do mundo estão nascendo mutantes. O novo homem

está surgindo imperceptivelmente. Um dia ele tomará o

lugar do homo sapiens.

— Isso é uma perspectiva terrível.

— Por quê? Só porque uma época está chegando ao

fim? Não vejo nada de mal em tudo isso. O herdeiro do

império galáctico não será o homo sapiens, mas o homo

superior.

Ellert sentia-se cada vez mais confuso. Aquela menina,

cujo quociente intelectual era muito superior ao seu, falava

sobre coisas que na base só eram mencionadas em

cochichos. No entanto, quase se esquecia de que se

encontrava num futuro situado dali a cinco anos. E tudo

indicava que se movia na dimensão da realidade.

— Você poderia responder a uma pergunta, Betty?

— Com todo prazer.

— Por que matou seu pai daquela vez?

Seus pensamentos hesitaram um pouco, mas logo

surgiram com toda nitidez:

— No fundo tudo não passou de um ato instantâneo.

Desde que sei pensar, li os pensamentos dele. Minha mãe

morreu durante o parto, por isso dediquei-lhe todo o amor.

Quando chegou a casa naquele dia, meus pensamentos

correram ao seu encontro, mas esbarraram numa capa, que

só pude penetrar com um esforço enorme. Quando

consegui, deparei-me com o invasor. Foi uma experiência

tão apavorante, que fiquei imóvel. Meu pai, aliás, o ser que

naquele dia chegou a casa, já não era meu pai. Tomou-me

no braço e me cumprimentou. Depois sentou. Captei seus

pensamentos, e esses pensamentos ocupavam-se com a

destruição do mundo. Pretendia fazer detonar no dia

seguinte os depósitos subterrâneos de armas nucleares, a

fim de destruir nosso continente. Naquela época ninguém

teria acreditado numa criança. Meu ato foi quase

automático. A arma que sempre trazia consigo veio ter às

minhas mãos, impelida pela energia telecinética de que sou

dotada. Depois... bem, depois aconteceu.

Ellert não respondeu logo. Seu pesar encontrou

expressão em pensamentos de compaixão, que fluíam

suavemente em torno da menina. Esta ergueu a cabeça e

lançou os olhos para o céu azul, onde devia encontrar-se o

espírito invisível de Ellert.

— Ernst, agora volte para junto de Rhodan e conte-lhe

o que acaba de saber. Posso dizer-lhe uma coisa: a invasão

dos Deformadores Individuais fracassará. A Terra os

vencerá. Quanto a você...

Seus pensamentos extinguiram-se.

— Quanto a mim? O que haverá comigo, Betty?

— Não posso contar. Esqueça-se disso.

— Por que não pode contar?

— Não devo. Não me martirize. Você representa o

ponto de transição da história da humanidade. Seu destino

está ligado estreitamente ao império galáctico do futuro.

Se desconfiasse do que vai acontecer, poderia tentar

escapar ao seu destino. E isso não deve acontecer. Siga o

caminho que foi traçado para você, para que Perry Rhodan

possa atingir seu objetivo. Nós dois nunca mais nos

veremos, Ernst...

— E dentro de cinco anos, agora? O que será? Onde

estarei?

— Dentro de cinco anos? Meu caro Ernst, daqui a

cinco anos você verá a aurora de uma nova era da história

da humanidade. E você a verá de um posto cuja posição

ultrapassa tudo que nossa imaginação pode conceber.

Agora me deixe só, por favor.

Ellert sentiu que Betty Toufry se afastava dele. Não

conseguiu penetrar mais no seu ser. Permaneceu indeciso

por alguns segundos. Depois a abandonou, retornando ao

presente.

Sabia perfeitamente o que devia fazer...

IV

— Então você tem certeza de que a base terrena dos

invasores se encontra em algum ponto localizado no

Tibet?

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56

Perry confirmou com um aceno de cabeça. Crest estava

sentado perto dele. Segurava os últimos relatórios da

General Cosmic Company, segundo os quais Homer G.

Adams fazia erguer novas fábricas em todas as partes do

mundo. A construção de uma frota espacial terrena havia

sido iniciada. Ao menos nesse ponto as barreiras nacionais

haviam sido demolidas.

— Tenho certeza, Bell. Os DI querem fazer com que Li

se dirija a essa base. Infelizmente não sabemos o que

deverá fazer lá. Os DI só modificaram seus planos quando

sentiram o contato mental de Ellert, que agiu com certa

falta de cautela. De qualquer maneira não desistiram da

pessoa de Li. Ele viajou para o porto espacial de Nevada,

onde se encontrou com o professor Lehmann. Estou

convencido de que os dois receberam ordens de desferir

um golpe grave contra a pesquisa espacial.

— Não sei como poderíamos impedir isso — interveio

Crest. Parecia continuar a duvidar de que alguém pudesse

estar em condições de resistir aos Deformadores

Individuais. Sua raça decadente tornara-se tão indolente

que não poderia lançar-se num combate contra os DI. —

Esses seres subjugaram grandes impérios cósmicos, sem

que ninguém conseguisse impedi-los.

— Pois nós os impediremos — retrucou Rhodan em

tom áspero e enérgico. — E dispomos de meios para isso.

Aquelas desastrosas bombas atômicas também tiveram seu

lado bom. As radiações emitidas por elas produziram uma

aceleração enorme da evolução natural. O homem já

realizou algumas das transformações que normalmente só

alcançaria dentro de algumas dezenas de milênios. Os

membros do exército dos mutantes são os precursores do

homem normal que surgirá dentro de uns dez mil anos. E

isso aconteceu na hora exata. Se não pudéssemos contar

com os mutantes, estaríamos à mercê dos DI.

Crest encarou Rhodan. Nos olhos avermelhados que se

viam por baixo da testa alta, ardia um fogo igual ao que

Perry já vira em outra oportunidade, quando falara com o

arcônida sobre o futuro da Terra e do império galáctico.

Lia-se nele uma expressão de admiração, alegria e

confiança, misturada com certa preocupação. Por trás dele

lia-se o saber imenso de uma raça antiguíssima, que

assistira à formação e à morte de vários sistemas solares.

— Nas últimas semanas fiquei pensando muito sobre

se o universo é governado pelo acaso ou pelo destino —

disse em tom tranquilo. — Quase chego a dar a primazia

ao destino. Como não deve ser imenso e inconcebível o ser

que move os fios...

Bell mudou o assunto, falando naquilo que mais o

comovia:

— O que está acontecendo em Nevada?

Perry Rhodan esboçou um sorriso de superioridade.

— Estamos colocando uma armadilha e esperamos que

os DI caiam nela. Se isso acontecer, e tudo indica que será

assim, saberemos dentro em breve se estaremos em

condições de repelir a invasão, ou se a batalha está

perdida. Tudo depende da exatidão da teoria de Ernst

Ellert.

— Acha que nossos teleportadores podem perseguir os

DI desmaterializados, desde que eles abandonem sua

vítima num estado de pânico?

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça em

direção a Crest.

— É isso mesmo. Só assim poderemos localizar a base

deles. O resto não será difícil. Talvez consigamos capturar

mesmo alguns DI autênticos, isto é, seres dessa espécie na

sua forma primitiva. Neste ponto Ellert teve uma ideia

formidável. Tudo depende do resultado da experiência que

será realizada em Nevada.

— Seria muita gentileza da sua parte — resmungou

Bell — se nos contasse o que deve acontecer em Nevada.

— Isso pode ser resumido em poucas palavras, meu

caro. Crest convém que também você preste muita

atenção. O que acontecerá é o seguinte...

* * *

O novo elemento reunia todas as qualidades que

poderiam fazer dele o combustível ideal para as naves

espaciais. No estado sólido ocupava um espaço muito

reduzido; era esta sua maior vantagem. Além disso, era

absolutamente seguro enquanto não fosse exposto a um

tipo de radiações inofensivas, que poderiam ser geradas a

qualquer momento por meio de instrumentos

extremamente simples. Uma vez atingido por essas

radiações, o elemento sofria modificações em sua estrutura

atômica, e estas dependiam da intensidade das radiações.

Na prática essas radiações desempenhavam uma espécie

de função catalítica, sem a qual o novo elemento não

passava de uma peça de matéria inútil.

As experiências ainda não haviam sido concluídas.

O professor Lehmann conseguira criar o novo

elemento, que era tão barato que uma viagem a Marte não

custaria mais que um passeio de bonde, abstraídas as

despesas de financiamento da nave. Com as radiações

podia-se liberar à vontade a quantidade exata de energia

que se tornasse necessária. Seria o tipo ideal de propulsão

à base da luz.

Evidentemente tudo não passava de teoria. Mas

Lehmann aferrara-se à ideia, e ninguém conseguiria

demovê-lo.

Hoje seria levada a efeito uma das últimas

experiências.

Li Shai-tung, na qualidade de enviado oficial de

Mercant, tinha livre acesso a todas as dependências do

campo de prova. Quem menos objeções tinha a fazer

contra isso era Lehmann, que sabia perfeitamente que, da

mesma forma que ele, Li também era um DI. Os invasores

pretendiam desencadear uma reação em cadeia através da

exposição excessiva do novo elemento às radiações, e essa

reação não poderia ser controlada, acabando por destruir

todo o centro de pesquisas. Após isso os dois DI

abandonariam os corpos de Lehmann e Li, que já não

teriam a menor utilidade para eles, e procurariam novas

vítimas.

Era justamente nesse ponto que deveria ocorrer uma

modificação.

Ellert afirmara que o DI só poderia ser perseguido

quando posto em fuga numa situação de pânico e

irreflexão, pois assim seu intelecto não teria tempo para

preparar-se para a fuga. Em sua opinião, a pressa excessiva

não daria ao DI oportunidade de levantar um anteparo

mental que lhe permitisse apagar a pista que conduzia para

outra dimensão. Tudo isso parecia confuso, mas não

deixava de ser convincente.

Era por isso que a catástrofe planejada por Li e

Lehmann teria de ser desencadeada com uma rapidez

fulminante, para ser detida com igual rapidez. Isso, porém,

apenas quando os dois DI se tivessem lançado na fuga

precipitada, que teriam de empreender se não quisessem

morrer juntamente com os corpos de que se haviam

apossado.

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Quando Lehmann entrou na sala dos reatores em

companhia de Li, não suspeitou de nada. Os assistentes,

que eram seus conhecidos, cumprimentaram-no com toda

amabilidade e logo voltaram a dedicar-se aos seus

afazeres. Mal chegou a notar dois ou três elementos novos.

O que menos lhe chamou a atenção foi Ellert, o novo

eletricista que manipulava algumas chaves secundárias que

ficavam perto do gigantesco painel de comando. Também

Anne Sloane, a peça mais importante do plano, estava

postada nos fundos da sala, numa posição em que mal se

notava sua presença.

A pesada porta de chumbo, que constituía o único

acesso ao centro de reatores, fechou-se com um baque

surdo. Lehmann sabia que seria possível abri-la do lado de

dentro. Uma vez iniciada a reação em cadeia, haveria

tempo para colocar-se em segurança. Os dois DI só

pretendiam retornar aos corpos que lhes pertenciam

quando se encontrassem no recesso dos seus gabinetes.

O professor aproximou-se da câmara de chumbo,

acompanhado de Li e Marshall. Apontou para um bloco

metálico do tamanho de um tijolo, que emitia um brilho

suspeito atrás de uma lâmina de quartzo.

— Este é o novo elemento, cavalheiros. Acima da

câmara os senhores veem as antenas de saída das radiações

elétricas, que sofrem um desvio na parte inferior. Essas

radiações atravessam o novo elemento, provocando a

alteração de sua estrutura atômica. Ainda não estamos em

condições de utilizar plenamente a energia liberada, que se

transforma em calor. Esta escala registra a temperatura. No

interior da câmara de chumbo existe um revestimento

térmico, capaz de resistir a milhares de graus centígrados.

Bem, os senhores são leigos no assunto; não

compreenderão o progresso enorme representado por esta

peça singela de metal. A energia nela contida basta para

fazer com que uma nave espacial atravesse metade do

universo à velocidade da luz.

Lehmann aproximou-se do quadro de comando.

Lançou um olhar perscrutador sobre Ellert. Este, vestido

de capa branca, fez de conta que conhecia o professor há

muito tempo, mas sabia perfeitamente que um homem tão

importante não poderia lembrar-se de qualquer

funcionário. O mesmo pensamento devia ocupar o DI que

dominava o corpo de Lehmann.

— As instalações estão em ordem? — perguntou o

cientista.

— Foram testadas e encontradas em perfeitas

condições — respondeu Ellert, que só conhecia as funções

de uma das chaves, a que regulava o suprimento de

eletricidade, que por sua vez determinava a intensidade das

radiações.

— Muito bem. Ligue o mínimo.

A chave descansou no primeiro entalho.

Havia vinte entalhos. Ninguém se atreveria a utilizar a

posição máxima. Nem mesmo Lehmann. Nesse caso, a

transformação da estrutura atômica seria tão rápida que

provavelmente a câmara de chumbo derreteria assim que o

processo tivesse início.

Nada se modificou atrás da lâmina de quartzo. O

termômetro começou a subir. Lehmann acenou com a

cabeça. Parecia satisfeito.

— O elemento está gerando calor. A temperatura

começa a subir. A primeira posição seria suficiente para

suprir um continente de eletricidade por vários séculos. É

incrível!

Li permanecia calado. Por que falar? A comunicação

entre ele e Li ou melhor, entre os dois DI, realizava-se pelo

caminho do pensamento. John Marshall não teve a menor

dificuldade em examinar cautelosamente aqueles

pensamentos que iam e vinham de um lado a outro. Tinha

de agir com prudência, pois por enquanto não deveria

despertar nenhuma suspeita. Seus conhecimentos

científicos eram muito reduzidos para permitir-lhe que

compreendesse toda a extensão da experiência que estava

sendo realizada.

Mas entendeu a pergunta do DI que se abrigara em Li.

Em que posição começa a catástrofe?

Na posição sete, respondeu Lehmann por via

telepática. Falando em voz alta, disse:

— Técnico, coloque na segunda posição.

O plano estava à vista. Lehmann iria intensificando as

radiações, até que na posição sete tivesse início a

destruição lenta, mas, inevitável. Poderia sair calmamente

do laboratório em companhia de Li, a fim de realizar a

transferência para seu próprio corpo. No reator as energias

liberadas iniciariam a obra calamitosa.

Anne Sloane sabia que seu trabalho estava para

começar. Ellert, que continuava junto ao quadro de

comando, não podia ser distraído. Teria de concentrar-se

nos dois DI, tal qual John Marshall, a fim de persegui-los

na fuga precipitada. Ellert abandonaria o corpo, mas

permaneceria na dimensão do presente. John identificaria

o instante em que os DI resolvessem pôr-se em fuga.

Enquanto isso o homem que se encontrava fora da vista

dos outros se desmaterializaria para seguir os seres

estranhos, juntamente com os dois companheiros. Tako

Kakuta, o teleportador, encontrava-se atrás de um enorme

gerador e não tirava os olhos de Marshall, que lhe daria o

sinal convencionado.

Tudo daria certo, desde que não se tivessem esquecido

nenhum detalhe. Mas será que não tinham esquecido nada?

Ernst Ellert afastou-se ligeiramente do quadro de

chumbo.

Lehmann observava o termômetro. Nos seus olhos via-

se um brilho fanático. Já não se esforçava muito para

guardar as aparências. Li permanecia impassível.

— Coloque a chave na posição sete — disse Lehmann.

Estava na hora.

Anne Sloane aproximou-se um pouco. Seus olhos

grudaram-se na chave que fora manipulada por Ellert.

Devagar no início, mas logo depois num movimento cada

vez mais rápido, foi descendo, passou pela posição número

sete, para cair subitamente na posição final. Todas as

reservas de energia dos geradores atravessaram os

condutos, foram irradiadas pelas antenas e atravessaram o

novo elemento que voltou a captar a corrente, fazendo com

que reiniciasse seu ciclo. Anne sabia que esse processo

poderia desenvolver-se por vinte segundos. Só após teria

início uma reação irreversível em cadeia. Ninguém

escaparia a ela se o único caminho da salvação não fosse

utilizado em tempo.

Voltou-se e dirigiu os olhos para a pesada porta de

chumbo. A energia invisível de seu espírito atravessou o

metal e empurrou o trinco do lado de fora. Ninguém

poderia abrir a porta do lado de dentro. Todos se

encontravam presos num inferno que logo desencadearia

suas fúrias.

Restavam-lhes vinte segundos, nem um segundo a

mais.

O professor Lehmann virou-se num movimento

instantâneo. Por um instante perdeu o autocontrole,

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quando viu que a chave deslizou para a posição vinte,

como que movida por mão invisível. Segundos preciosos

foram perdidos, antes que pudesse retirar as informações

necessárias que se encontravam armazenadas na memória.

Ficou sabendo que dispunha de vinte segundos. Mas antes

que pudesse saltar para junto do quadro de comando e

colocar a chave numa posição segura, o circuito elétrico

esfacelou-se sob o efeito da sobrecarga. Faíscas saltavam

e, formando raios fulminantes, passavam por cima dos

fusíveis destruídos. Lehmann, apavorado, recuou ao ver

que a chave se deformava derretida pelo calor imenso. O

cheiro acre da borracha queimada e do metal derretido

queimava-lhe o nariz. Um cheiro de ozônio enchia o ar.

Li permanecia imóvel. Palestrou apressadamente com

Lehmann que, todo confuso, não lhe dava atenção. Ainda

procurava a solução do enigma da chave deslocada por

uma mão invisível. Não chegou a qualquer resultado.

Levou algum tempo para compreender que só a fuga

precipitada poderia salvá-lo. Nem se lembrou de que ainda

poderia dispor de cinco segundos para retirar-se em boa

forma.

Não conseguiu abrir a pesada porta de chumbo.

Quinze segundos se tinham passado. A catástrofe

parecia inevitável.

Dezesseis segundos. Era tarde para abrir o caminho

que conduzia a uma nova dimensão. Os DI sabiam que não

lhes restava alternativos senão abandonar os corpos

humanos, se não quisessem perecer com eles. Retiraram-se

sem os necessários preparativos, transportando-se

violentamente para o mundo reservado aos intelectos

desmaterializados. Os corpos inanimados ficaram para

trás. Imobilizados, aguardaram que seus donos

retornassem. Mas isso só aconteceria no vigésimo primeiro

segundo. E então seria tarde.

John Marshall fez um sinal a Tako. O japonês

desmaterializou-se e desapareceu. Inseriu-se no fluxo

imaterial dos fugitivos, deixando-se conduzir a um destino

desconhecido. A perseguição foi mais fácil do que

acreditaria.

Dezessete segundos.

Anne Sloane concentrou-se na chave incandescente.

Empenhou todas as reservas de energia para recolocá-la na

posição inicial. Não teve êxito. Alguns pingos de metal

derretido haviam caído e endurecido. Sua força não foi

suficiente para vencer o obstáculo. Não compreendeu.

Sabia que seu espírito era capaz de mover toneladas, mas

viu-se obrigada a entregar os pontos diante de uma

chavezinha. O esforço fora excessivo; sentia-se esgotada.

Dezoito segundos.

— Ellert, olhe a chave. Não consigo movê-la.

Dezenove segundos. Um segundo separava-os da

eternidade.

Ellert agiu imediatamente. Saltou para junto do quadro

de comando e procurou forçar a chave com todo o peso de

seu corpo. Alguma coisa chiou; a pressão súbita rompeu os

metais fundidos. Num movimento leve a chave retornou à

posição zero. O circuito elétrico, cuja intensidade ia

diminuindo, encontrou um caminho mais fácil, que não o

obrigava a percorrer os condutos interrompidos em vários

pontos. A faísca elétrica branco-azulada desprendeu-se de

um ponto brilhante e desapareceu no corpo de Ellert.

O teletemporador caiu ao solo. O toco de seu braço

queimado espalhava um cheiro horrível.

A catástrofe fora evitada.

A chave voltara à posição zero antes que decorressem

vinte segundos.

No vigésimo primeiro segundo Lehmann e Li

começaram a mover-se. A vida retornou aos seus corpos.

Estupefatos, lançaram os olhos em torno. Maior foi o

espanto de Li, que nunca estivera num centro de pesquisas

como aquele. Reconheceu John Marshall e Anne Sloane.

Logo viu Ernst Ellert, que jazia inerme. Abaixou-se

instintivamente, embora não compreendesse nada do que

estava acontecendo.

A reação de Lehmann foi diferente.

Não sabia explicar como tinha sido transportado tão de

repente de junto do seu tabuleiro de xadrez para aquele

lugar, mas reconheceu o local em que costumava trabalhar.

Tinha conhecimento da experiência que preparara por

tanto tempo. E conhecia John Marshall.

— O que houve? — perguntou com a voz tranquila. —

Não me lembro...

— Deixemos isso para mais tarde, professor —

interrompeu John. — Aconteceu muita coisa. Você saberá.

No momento temos coisa mais importante a fazer. Existe

algum perigo, Lehmann? O bloco que se encontra sob as

antenas ficou exposto durante dezenove segundos às

radiações de intensidade máxima. Isso dará origem a uma

reação em cadeia?

Lehmann fitou-o estupefato.

— Dezenove segundos na posição vinte? Quem deu

ordens para fazer uma coisa dessas?

— Responda à minha pergunta, professor.

Ainda estarrecido, Lehmann sacudiu a cabeça.

— O limite de estabilidade fica em pelo menos vinte

segundos.

— Muito bem. Nesse caso temos tempo para cuidar de

Ellert. Anne, vá buscar um médico.

O Dr. Fleet parecia ser dotado dum sexto sentido. Mal

Anne Sloane afastou o fecho da porta de chumbo, o

médico precipitou-se para o interior da sala dos reatores.

— Dizem que os instrumentos de medição registraram

grandes oscilações da corrente...

— Um dos homens foi imprudente — interrompeu-o

John Marshall. — A corrente passou pelo seu corpo.

Ellert não se mexia mais. O teletemporador jazia

estendido no chão. Só agora notaram que seu braço direito

fora destruído pelas queimaduras até a altura do cotovelo.

A lesão não era mortal. A não ser que o choque

elétrico...

O Dr. Fleet inclinou-se sobre Ellert e começou a

examiná-lo. John explicou ao professor estupefato o que

havia ocorrido. Li escutava com uma expressão de dúvida

no rosto. Não compreendia mais nada.

Anne Sloane encontrava-se perto do Dr. Fleet, numa

atitude de expectativa. Sentia-se responsável pelo que

acontecera a Ellert. Se não tivesse falhado, tudo teria sido

diferente. Ainda não sabia explicar por que sua energia

telecinética não conseguira mover a chave. Será que se

distraíra por causa do nervosismo? O Dr. Fleet ergueu-se.

— É estranho! — resmungou com a voz entrecortada.

— Este homem está vivo.

John Marshall voltou-se. Anne Sloane disse:

— Está vivo. Graças a Deus! Não vejo nada de

estranho nisso.

— Foram dez mil volts! — ponderou Lehmann. Fitou o

corpo imóvel de Ellert. — É muito estranho que tenha

resistido a isso.

O Dr. Fleet sacudiu a cabeça.

— Você não compreendeu bem. O homem está vivo,

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isso é uma verdade biológica. Mas sob o ponto de vista

biológico também está morto.

— Um homem não pode estar vivo e morto ao mesmo

tempo — disse o professor Lehmann, que sentiu despertar

o interesse científico, que lhe fez esquecer o que havia

acontecido. — Isso seria um paradoxo.

— Pelas leis da lógica você tem razão — reconheceu o

médico. Percebia-se que procurava disfarçar a confusão

em que se encontrava. — Mas será que aquilo que está

acontecendo atualmente ainda tem algo a ver com a

lógica? Estes invasores podem ser conciliados com ela?

Não vêm de um universo que subverte nossas leis

naturais? Não estou nada admirado em ter diante de mim

um morto vivo.

— O que lhe deu essa ideia?

O Dr. Fleet apontou para Ernst Ellert, que continuava

imóvel no chão.

— Este homem não respira e as pulsações de seu

coração cessaram. O sangue está parado em suas veias. Há

quanto tempo aconteceu?

John olhou para o relógio.

— Faz cerca de dez minutos.

— A temperatura do sangue já deveria ter baixado.

Mas ainda não aconteceu nada disso. Aposto que amanhã a

temperatura de seu corpo ainda será de trinta e sete graus,

talvez um pouquinho menos.

— Mas isso é...

— Sinto não poder dar-lhe qualquer explicação. Só

posso constatar o fato. Ellert não está morto, mas também

não está vivo. Parece que seu espírito abandonou o corpo.

John Marshall olhou para Anne Sloane, entre os

presentes, só ela, Li e ele mesmo conheciam as condições

de Ellert. Quem sabe se o teleportador não efetuara um

salto no tempo, a fim de salvar a vida. Quando retornasse...

— Acho que Perry Rhodan dará a última palavra —

interveio Anne Sloane. — Avisarei a ele imediatamente do

que ocorreu.

O professor Lehmann tirou os olhos de Ellert.

— O que houve com os DI que fugiram dos nossos

corpos?

— Logo saberemos — respondeu John Marshall e saiu

em companhia de Li Shai-tung e Anne Sloane. O Dr. Fleet

permaneceu em companhia do professor Lehmann, que

estava muito indeciso.

V

Tako Kakuta foi arrastado num verdadeiro torvelinho.

Sentiu a corrente em que se encontrava. Era a primeira

vez que tomava consciência do estado que das outras vezes

só durara uma fração de segundo, e que transferia seu

corpo desmaterializado de um lugar para outro. Não via

nem ouvia nada, apenas sentia.

Talvez estivesse escuro em torno dele, e por isso não

enxergasse. Não teve muito tempo para refletir sobre o

estranho fenômeno, pois voltou a materializar-se.

Pelos seus cálculos tinham-se passado cinco segundos.

Ainda era escuro, mas sentia o corpo. Encontrava-se

em meio a uma escuridão que se ia desvanecendo aos

poucos. O brilho débil parecia vir das paredes que o

cercavam. Devia encontrar-se num salão. A temperatura

era fresca.

Alguma coisa se moveu bem diante de seus pés. Seus

olhos, que já se haviam acostumado à semiescuridão,

reconheceram os objetos de formato alongado que jaziam

sobre o chão de rocha.

Levou alguns segundos até que a certeza o penetrasse

como um choque.

O que via diante dele era a longa fileira dos corpos sem

espíritos dos membros do exército de invasão. Só dois

deles deviam ter sido reativados, os que pertenciam aos

seres que ainda há pouco ocupavam os corpos do professor

Lehmann e do tenente Li.

Não havia um segundo a perder.

Tako desmaterializou-se e logo se viu em meio a uma

planície pedregosa. Os cumes do Himalaia pareciam

cumprimentá-lo de longe. Procurou avaliar a direção do

salto bem calculado que acabara de dar. O salão em que se

encontravam os corpos dos DI ficava a cinco quilômetros

dali, no rumo exato do sul. Naquele ponto havia um monte

muito alto, mas bastante maciço.

Era uma caverna natural. Bem que poderia ter

imaginado.

Pôs-se a manipular alguma coisa no pulso. Alguns

segundos depois ele ouviu a voz de Rhodan:

— Então nossa suposição era exata. Fica no Tibet.

Qual é sua posição, Tako? Encontro-me na Good Hope, a

dez quilômetros acima do Himalaia.

— Não sei Rhodan. Não poderia usar o

radiogoniômetro?

— Um instante. Bell está ligando as telas. Dentro de

poucos segundos deveremos localizá-lo. Encontrou a base?

— Tudo saiu de acordo com as previsões de Ellert. Por

que ele não veio comigo?

Depois de um breve silêncio Perry falou:

— Houve um imprevisto. Ellert sofreu uma forte

descarga elétrica. Está morto. Seu corpo está a caminho da

base de Gobi.

Tako não respondeu. Esperou. Finalmente Perry falou:

— Talvez tenha acontecido coisa diferente, e Ellert

nem esteja morto. Ainda não sabemos. Bell acaba de

localizar você. Estamos a duzentos quilômetros daí. Nós,

nus encontraremos em poucos minutos.

O japonês deu alguns passos e sentou num grande

bloco de pedra. O crepúsculo ia descendo no poente; dali a

pouco escureceria. Não sabia quais eram os planos de

Perry Rhodan. A defesa contra a invasão transformara-se

num empreendimento mundial. Um fator integrava-se no

outro, e ninguém sabia qual era o papel que

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desempenhava. Só um homem possuía a visão global. Era

Perry Rhodan.

A gigantesca nave pousou praticamente sem ruído. O

raio antigravitacional incidiu em Tako e elevou-o antes

que tivesse tempo de se teleportar para o interior da nave.

Numa espécie de jocosidade permitiu que Bell o

transportasse para a sala de comando por esse meio

convencional. Perry Rhodan já o esperava.

— Graças a você localizamos a base do inimigo, Tako.

Agora só falta colocá-la fora de combate. Thora concordou

em prestar-nos ajuda irrestrita. Ela sente um medo terrível

dos Deformadores Individuais. Compreendo por quê. Crest

está em sua companhia, na sala de comando de fogo. Eu

assumi a direção e a coordenação. Onde fica a caverna?

O japonês apontou para a tela.

— É naquele morro achatado. Ficam a cerca de uns

vinte metros abaixo da superfície.

— Uma caverna natural no Himalaia! — disse Perry

com um sorriso amargo. — Logo devia ter pensado nisso.

Esses tipos só poderiam ter escolhido um lugar desses.

A Good Hope ergueu-se, livre da força da gravidade, e

flutuou em direção ao morro. Parou a pouca altura acima

dele. Perry transmitiu algumas instruções a Thora. Depois

se dirigiu a Tako e Bell, que se encontravam na soleira da

porta, numa atitude de expectativa.

— Dentro de trinta segundos iniciaremos o ataque.

Thora evaporará a parte do morro que fica acima da

caverna. Se tivermos sorte localizaremos a entrada, senão

os cadáveres dos DI serão queimados. Gostaria de pegar

alguns deles vivos.

Tako sacudiu a cabeça.

— Isso não é possível. Eles se apossariam

imediatamente do nosso corpo.

Perry Rhodan concluiu o conselho de guerra com estas

palavras:

— Se utilizar o projetor mental, não.

O projetor mental era uma das armas mais inofensivas

dos arcônidas. Tratava-se de um aparelho capaz de impor a

qualquer homem a vontade de seu possuidor e de

transmitir-lhe ordens pós-hipnóticas, que são executadas

sem a menor resistência. Perry fazia votos de que seus

efeitos também atingissem os DI.

Subitamente uma forte ventania desabou sobre o cume

do morro. As massas de ar frio precipitaram-se de todos os

lados para a zona de baixa pressão gerada pelo calor,

sendo arrastadas para cima. A pedra nua desmanchou-se

em gases invisíveis e subiu para o alto. A eficácia dos

raios energéticos era tamanha que a transição do estado

sólido para o gasoso se fazia com tal rapidez que não havia

tempo de passar pelo estado líquido.

A uma profundidade de vinte metros surgiu uma

abertura.

— É o acesso à caverna! — exclamou Perry e mandou

cessar o ataque de radiações. A nave desceu. Pousou.

Alguns segundos depois a comporta abriu-se e Perry, Bell,

Crest e Thora correram para fora. Tako já os esperava.

Preferira recorrer ao transporte mais confortável, o da

teleportação.

A limitação do campo de ação do desagregador

energético era tão nítida que já não se sentia quase nada do

calor. O japonês desapareceu por um segundo e retornou.

— É aqui — anunciou. — A poucos metros de

distância. Apresse-se Rhodan. Dois desses seres começam

a se mover. São horríveis.

Perry Rhodan correu na frente dos outros. O bastão

prateado do projetor mental reluzia em sua mão. Abaixou-

se para penetrar na abertura e continuou a avançar. Os

outros o seguiram mais devagar. Especialmente Bell sentiu

dificuldade em evitar que seus ombros largos colidissem

com a rocha. Crest e Thora mantiveram-se mais atrás.

De repente a caverna abriu-se diante de Perry. Seus

olhos logo se acostumaram à semiescuridão. As paredes

emitiam uma ligeira fosforescência. Sentiu-se uma

corrente de ar, vinda não se sabe de onde. Devia haver

outra entrada para a caverna.

Bell parou pouco atrás de Perry. Acendeu a lanterna

que trazia na mão e iluminou a grande caverna. A primeira

coisa que viram foi uma fileira de corpos imóveis, pouco

maiores que os dos homens, mas completamente

diferentes. O formato de inseto era inconfundível.

De repente Bell soltou um grito de pavor. A mão que

segurava a lanterna começou a tremer.

Perry teve de esforçar-se para superar o choque no

espaço de poucos segundos. Estava preparado para um

encontro pessoal com os Deformadores Individuais, mas a

realidade era muito pior que a imaginação.

Bem à frente dele, a menos de dois metros de distância,

estavam dois dos monstros extraterrenos, cujo objetivo era

a conquista da Terra. Não, nem era isso. Destruiriam a

Terra sem a menor contemplação, já que não precisavam

dela. Simplesmente não toleravam a existência de qualquer

outra raça. Seus atos eram comandados pelo instinto da

destruição.

As duas feras tinham o aspecto de gigantescas vespas.

Havia o estreitamento na região da cintura, e os seis

membros também se encontravam presentes. Dois deles

serviam de pernas, pois mantinham a posição ereta. Os

grandes olhos emitiam um brilho traiçoeiro. Duas antenas

brilhantes executavam movimentos nervosos por cima da

cabeça pontuda. A couraça que cobria o peito parecia dura

e firme.

Perry não refletiu.

Dirigiu o projetor mental contra os dois monstros e

ordenou-lhes que se pusessem de costas para ele. Esperava

que a tentativa desse êxito, mas não pôde deixar de

suspirar aliviado quando notou que os dois DI executaram

a ordem sem hesitar. Isso significava que sua estrutura

cerebral era semelhante à dos homens. Essa circunstância

representava o fator decisivo na guerra entre os homens e

os Deformadores Individuais.

— Saiam da caverna e obedeçam às ordens de Tako

Kakuta — continuou, transmitindo logo suas instruções ao

japonês. — Esperem lá fora até que eu chegue.

Quando Tako passou perto de Bell com os dois

inimigos reduzidos à impotência, o engenheiro geralmente

destemido não pôde evitar um calafrio. Teve a impressão

de que a morte acabara de roçar em seu corpo.

— Nunca conseguimos aproximar-nos tanto destes

seres — disse Crest numa débil tentativa de justificar os

fracassos de sua raça na luta contra os DI. — Nunca

acreditamos que o projetor mental pudesse agir sobre eles.

— Pois eu acreditei, mas não sabia — disse Perry,

ressaltando uma diferença fundamental entre os terrenos e

os arcônidas. — A transformação da crença em saber

exige certa dose de energia, de que os arcônidas não

dispõem mais.

Thora lançou um olhar de nojo para a fileira de corpos

imóveis. O radiador energético tremia em sua mão. Perry

adivinhou suas intenções.

— Ainda não, Thora — advertiu. — Com isso

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criaríamos um perigo tremendo. Se destruirmos estes

corpos, em número de vinte e dois, tangeremos vinte e

dois homens desmaterializados para o nada. Só poderão

retornar aos seus corpos se os DI os abandonarem. E estes

nunca fariam isso, pois não teriam outro lugar para

abrigar-se. Só poderemos destruir o corpo de um DI

quando seu espírito tiver retornado a ele. Quando isso

acontecer, não deveremos perder tempo.

— Vinte e dois homens? — respondeu Thora,

esticando as palavras. — Será que uma batalha ganha não

vale vinte e dois homens?

— Da minha parte não hesitaria em sacrificá-los —

respondeu Perry em tom soturno. — Mas não se trata

disso. E não há necessidade de praticarmos um ato dessa

espécie. Quero impedir que vinte e dois DI sem corpo

façam das suas sobre a Terra. Compreendeu? Alguém deve

ficar aqui, para observar o retorno dos DI. Assim que

perceber que um destes corpos se move, deve destruí-lo.

Thora confirmou com um lento aceno de cabeça.

Estava compreendendo. A expressão de nojo apagou-se

em seus olhos, sendo substituída por algo diferente, que

Perry já havia observado nela. Era uma espécie de

admiração e respeito.

“Respeito por quem?”, perguntou Perry de si para si.

Dele mesmo ou da humanidade? Isso seria um progresso

enorme, muito maior que aquele representado pela batalha

ganha contra os invasores. Mas era possível que a luz

pouco intensa da caverna produzisse uma ilusão. De

qualquer maneira era bem possível que Thora modificasse

sua opinião. Afinal, a retificação de um erro constitui

privilégio das criaturas inteligentes, e não havia dúvida de

que Thora era inteligente.

— Quem vai ficar aqui? — perguntou em tom

hesitante.

Perry sorriu.

— Acho que Bell seria o homem indicado.

Não pôde prosseguir. Bell soltou um grito apavorante e

apontou para um dos vultos que começava a mover-se. O

ser monstruoso ergueu-se ligeiramente e seus olhos

brilhantes lançaram um olhar inexpressivo para a luz

ofuscante da lanterna trêmula de Bell. Perry tocou no

braço de Thora.

— Se desejar pode destruí-lo, Thora. Lembre-se de que

os DI são inimigos mortais de sua raça. Se não

conseguirmos detê-los, acabarão penetrando em todo o

império dos arcônidas para derrubá-los de sua posição de

mando. Não hesite em matar esse monstro. Há poucos

minutos você não desejava outra coisa.

Num gesto lento a arcônida ergueu a arma e dirigiu-a

para a vespa gigante cujos olhos negros fitavam a luz com

uma expressão estúpida. A visão transmitia tanto pavor e

perigo que Thora não demorou em transformar sua

intenção em realidade.

O raio ligeiramente violeta da arma, que não fora

regulada para a potência plena, atingiu o corpo do

monstro. A dor súbita arrancou o DI da letargia inicial.

Mas qualquer iniciativa teria de vir tarde. O monstro nem

teve tempo de transmitir uma mensagem de advertência à

nave oval estacionada além da atmosfera terrestre.

Um furo incandescente surgiu na couraça do peito e o

corpo insetiforme desabou. Thora baixou o radiador.

— Então? — perguntou Perry em tom indiferente.

— Foi... foi horrível — confessou Thora, entregando a

arma a Perry. — Não conseguiria fazer isso mais uma vez.

— Pois isso terá de ser feito mais vinte e uma vezes —

disse Perry, e passou a arma a Bell, que a recebeu com um

visível desagrado. — Bell, você sabe o que tem que fazer.

— Não fico aqui sozinho! — protestou Bell.

— Tako ficará com você — tranquilizou-o Perry.

— É um consolo muito fraco — resmungou Bell. —

Quando ele sentir o chão esquentar embaixo dos pés, dará

um dos seus pulos para pôr-se do lado de fora.

Pegou o radiador com uma cara furiosa. Na outra mão

segurou a lanterna, deixando a luz deslizar sobre os insetos

imóveis.

— Nossa missão ainda não está concluída — disse

Perry, antes de sair da caverna. — Ainda existem pelo

menos vinte e um DI, todos investidos nos corpos de

homens influentes, que estão empenhados em atirar a

Terra no caos e na destruição. Temos de localizá-los. Uma

vez que conhecemos todos, não haverá problema. Acho

que poderei vir apanhá-lo hoje de noite ou amanhã de

manhã, Bell. Vou transmitir instruções a Mercant e ao

exército dos mutantes. Divirta-se! Tako o ajudará a

espantar o tédio.

* * * No instante em que Ernest Ellert tocou a chave fatídica,

uma coisa estranha aconteceu. O mais estranho foi que

percebeu tudo, pois não perdeu a consciência por um

segundo sequer.

Uma dor terrível atravessou seu corpo, mas logo

passou. A sala mergulhou num vazio sem fim. Reflexos

coloridos rodeavam-no, aproximando-se e afastando-se.

Sons indefinidos, abstratos e pouco melódicos, chegaram-

lhe aos ouvidos — ou aquilo que os substituía. As

impressões sucediam-se numa sequencia rítmica, como se

ele tivesse penetrado nas pulsações do universo.

Acima e abaixo dele só existia o vazio. Não encontrou

nada em que pudesse apoiar-se. Teve a impressão de que a

grande distância passava um sol cercado por planetas

turbilhonantes. Vias lácteas giravam lentamente em torno

do seu próprio eixo e desapareciam no espaço.

Numa velocidade inconcebível Ernst Ellert atravessava

o fluxo do tempo. Perdera todo o controle sobre o mesmo.

Numa queda desabalada precipitou-se no infinito, que

nada tinha a ver com a matéria. O presente ficou atrás dele

tal qual a Terra fica atrás de um raio de radar que corre

para o espaço. Apenas a uma velocidade muito maior.

Não havia nada que pudesse deter a queda para o

futuro.

Subitamente sentiu chão firme sob os pés. A

materialização foi tão abrupta e inesperada que caiu ao

solo e perdeu a consciência. Nunca saberia dizer por

quanto tempo ficou estendido. Mas ao acordar sentiu seu

corpo. Teria voltado ao presente, ou será que transportara

o corpo para o futuro? Logo abandonou a indagação.

Milhões de anos deviam ter decorrido, pois assistira à

formação e à destruição de segmentos completos do

universo. Nunca poderia viver tanto.

Mas possuía um corpo.

Sentiu a pelica sedosa e assustou-se. Quando resolveu

abrir os olhos, encontrou a confirmação das suposições

mais ousadas. Seu espírito, atirado para o futuro mais

longínquo, encontrara um novo abrigo. Mas não fora

acolhido num corpo humano.

O monstro possuía quatro pernas e um grau reduzido

de inteligência, que cabia facilmente naquele crânio, ao

lado do intelecto de Ellert. Um pelo macio cobria o corpo.

“Sou um urso”, pensou Ellert, todo confuso. Mas logo

reconheceu seu engano.

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Subitamente uma voz fez-se ouvir dentro dele.

— Sou Gorx — disse a voz em tom apático. — Quem

é você?

Ellert levou um tremendo susto, mas seu pensamento

logo respondeu:

— Sou Ellert. Você não se admira de me ver aqui?

— Por quê? Não é a primeira vez que recebemos a

visita de gente vinda do universo.

— Onde estou?

— Nosso mundo é chamado de Gorx — foi à resposta.

— E como é o nome do sol de vocês?

— Gorx.

Ellert não compreendia.

— Aqui tudo se chama de Gorx?

— Tudo se chama de Gorx, porque tudo é Gorx.

Esta explicação levou Ellert à beira da loucura. Como

poderia saber para onde tinha sido tangido pelo destino?

Ou seria esta a Terra que existiria dentro de milhões de

anos? Devia apurar ao menos isso. Mas desistiu antes de

tentar. Sabia que o choque produzido pela morte orgânica

não o tinha atirado apenas através da dimensão do tempo,

mas também através do espaço.

Concentrou-se e abandonou o corpo de Gorx.

Viu abaixo de si um ser desajeitado que rastejava sobre

o chão granítico. Na parede vertical da rocha havia uma

entrada negra que dava para o interior de uma caverna.

Ali não obteria resposta às suas indagações. Ali não!

Voltou a concentrar-se. O mundo desapareceu aos seus

pés, cedendo lugar ao infinito. Voltou a precipitar-se pela

torrente do tempo, desta vez para trás. Quando parou,

flutuava no nada.

Como poderia orientar-se?

Não havia nenhum ponto de referência. Não passava de

uma minúscula gota no oceano, e deveria encontrar um

ponto bem definido em qualquer parte do litoral de um dos

seis continentes, e isso num instante determinado, medido

em termos de segundos.

O que importava não era tanto a questão de onde se

encontrava, mas a pergunta angustiante de quando se

encontrava.

E não havia nenhuma resposta a esta pergunta.

Talvez um dia a eternidade lhe desse essa resposta.

E foi assim que Ernest Ellert, o prisioneiro da

eternidade, começou sua busca de milhões de anos, à

procura do presente.

VI

Os robôs tinham terminado o trabalho. O poço de

cinqüenta metros de profundidade penetrava no solo

pedregoso do deserto de Gobi. A matéria endurecida nas

paredes do poço, que tinha a consistência do aço,

protegeria o mesmo para todo o sempre contra a ação das

intempéries. O lençol subterrâneo de água jamais

penetraria no mesmo. No fundo do poço Rhodan mandou

escavar uma câmara retangular, onde foram armazenadas

reservas de oxigênio, material de informações, instruções e

câmaras reservatórios de energia. Um dispositivo

automático de alarma garantiria a pronta atuação em caso

de necessidade.

No centro da câmara havia um leito. Um dispositivo de

alarma ligado a ele tinha o aspecto de um mecanismo

complicado. Esse mecanismo, uma vez ligado, entraria em

ação assim que no interior da câmara um homem

começasse a respirar.

Esse homem era Ernst Ellert.

Colocaram-no sob uma série de instrumentos

eletrônicos. Grampos metálicos envolviam os tornozelos e

o pulso esquerdo. Um capacete cobria a cabeça. Perto da

sua boca havia um tipo de espelho conectado com células

anímicas. Qualquer sopro da boca bastaria para acionar

todo o mecanismo.

Rhodan erigira um mausoléu para Ellert como jamais

homem algum o havia recebido. Mas desconfiava de que

Ellert não era um simples mortal na acepção comum do

termo. Bem no seu íntimo nutria a convicção de que algum

dia, num futuro próximo ou distante, ainda se encontraria

com o teletemporador.

Era bem possível que Ellert retornasse

espontaneamente. Se isso acontecesse, encontraria seu

corpo intacto. Tanto o Dr. Fleet como o Dr. Manoli

afirmavam que esse corpo jamais entraria em

decomposição. Era verdade que todas as funções daquele

organismo haviam cessado, mas a temperatura se mantinha

constante ao nível de vinte e cinco graus centígrados. Não

baixou mais que isso.

Depois de lançar um último olhar sobre Ellert, que

jazia imóvel, Rhodan mandou que a câmara funerária fosse

fechada. Dez minutos depois o poço encheu-se de

concreto, que logo endureceu. Não havia nada neste

mundo que pudesse perturbar o repouso do morto. Nada a

não ser o dispositivo aparentemente inofensivo preso ao

teto da câmara, pronto para ser acionado a qualquer

momento. Se Ellert despertasse, poderia libertar-se dentro

de meia hora. O que encontraria quando isso acontecesse?

Uma Terra que descrevesse sua órbita nas proximidades de

um sol rubro no qual poderia precipitar-se? Ou um planeta

no qual uma invasão do espaço houvesse eliminado toda

forma de vida?

Era possível que jamais houvesse uma resposta.

Com o rosto pensativo, Perry Rhodan contemplou os

robôs que colocaram um bloco em forma de pirâmide no

lugar em que se encontrava o túmulo. Lá no horizonte

brilhava a esfera gigantesca da Good Hope.

* * * Quando Bell chegou com seu planador a Gobi City,

nome que dava à base, suas feições eram sombrias e

fechadas. Nas últimas vinte e quatro horas extinguira a

vida de vinte e um seres. Procurava tranquilizar sua

consciência, lembrando que não se tratava de vidas

humanas. Mas eram vidas. Teria o direito de destruí-los?

Tivera tempo de discutir o assunto com Tako, mas não

chegaram a qualquer conclusão definida. Sem dúvida

haviam agido em legítima defesa. Se não tivessem

destruído rapidamente os DI que retornavam ao seu corpo,

eles teriam alarmado a nave oval que realizava evoluções

bem acima da Terra. Ou então se teriam apossado dele e

de Tako.

Rhodan não tinha razão. Não convinha usar a menor

contemplação, e a mesma se tornaria muito perigosa. Ao

atacarem a Terra os invasores assumiram um risco. Uma

vez que foram derrotados, deviam suportar as

consequências. Nem por isso teriam que desistir da luta.

A nave oval causava preocupações a Bell. Perry

Rhodan tinha sua opinião a respeito:

— Com o projetor mental consegui reduzir os

prisioneiros a um estado de sono hipnótico. Manoli e

Haggard examinaram-nos. Pelo que soube os dois médicos

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descobriram diferenças extraordinárias em relação ao

corpo humano. Os DI não conhecem o uso da língua no

sentido humano.

São telepatas. Uma parte considerável de seu cérebro

consiste num complicado emissor e receptor orgânico.

Receamos que esteja em condições de manter contato a

distância de muitos anos-luz.

— Conseguiu falar com eles? Em sentido figurado,

quero dizer.

— Consegui manter contato com esses seres através de

Marshall.

— Qual foi o resultado? — perguntou Bell em tom de

expectativa.

— Não conseguimos muita coisa — respondeu Perry.

— Eles são estúpidos. Só o projetor mental fez com que

relatassem algo, mas não poderíamos descobrir mais do

que eles sabem. Pretendiam destruir a Terra. É isso

mesmo: tinham a intenção de destruir nosso planeta. Não

têm qualquer interesse político ou econômico por nós, e

muito menos foram guiados por um motivo desse tipo.

Apenas não toleram quem quer que seja ao seu lado. É

uma concepção muito simples e drástica, não é? Não

precisamos carregar nenhum escrúpulo moral se

resolvermos golpear com a mesma violência. Serão eles ou

nós, a questão é esta.

— Mais alguma coisa?

— Fiz com que se colocassem em contato com o

comandante de sua nave, evidentemente sob uma

vigilância contínua, para que o informassem sobre a

invasão malograda. Marshall inseriu-se na conversa

telepática e entendeu todos os detalhes. O comandante

ordenou-lhes que se libertassem imediatamente. Quando

lhe disseram que isso era impossível em virtude da

influência hipnótica a que estavam submetidos, ordenou-

lhes que se suicidassem. Naturalmente impedi isso através

de uma contraordem imediata. Dessa forma ainda consegui

descobrir que a nave deles pousou em algum ponto na Lua

e pretende permanecer por lá. Os DI aguardam reforços.

Acho que seria inútil procurá-los na Lua. Se tiverem o

cuidado de não se expor, nunca os encontraremos. Mas

jamais devemos reduzir nossa vigilância. De qualquer

maneira, acredito que por enquanto eles nos deixarão em

paz.

— Será a calma antes da tempestade — ponderou Bell.

Evidentemente não estava satisfeito com o resultado da

batalha. No seu entender a vitória não fora completa. —

Um belo dia ajustarão contas conosco.

— Até lá teremos aperfeiçoado nossas armas

defensivas e apurado nossos métodos de luta. Não se

preocupe Bell. Ellert apontou-nos o caminho certo de lidar

com eles. Antes de tudo, devemos observar esta regra:

quem encontrar um DI na sua forma natural deverá matá-

lo imediatamente.

Bell inclinou a cabeça.

— Quem vai matar os dois prisioneiros?

Perry Rhodan deu um sorriso indiferente.

— Usei o projetor mental para evitar a execução da

última ordem do comandante. Assim que terminou o

interrogatório, libertei os dois.

— E então?

— Executaram prontamente a ordem de seu

comandante. Sabe que num ponto têm uma semelhança

extraordinária com as vespas? Possuem um ferrão muito

venenoso...

* * *

Mercant só abandonava sua fortaleza subterrânea da

Groenlândia em caso de necessidade extrema, e isso

mesmo a contragosto. Geralmente a saída daquele abrigo

seguro prenunciava acontecimentos bastante

desagradáveis.

Hoje o caso era diferente. Ao entrar no avião pequeno,

mas muito veloz e transmitir suas instruções ao piloto,

tinha a impressão de estar partindo para uma viagem de

férias. Esse sentimento não o abandonou quando andou

pela Quinta Avenida de Nova Iorque na direção norte e

parou em meio ao torvelinho de gente, para contemplar o

arranha-céu de vinte e dois andares que se encontrava do

lado oposto da rua.

Entre o sétimo e o nono andar viam-se três letras

gigantescas, G, C e C. Então a sede da General Cosmic

Company ficava atrás dessas janelas? Se quisesse ser

sincero consigo mesmo, Mercant teria de reconhecer que

se sentia decepcionado. Esperava que Rhodan ao menos já

tivesse adquirido o edifício inteiro. Bem, talvez seus

conhecimentos em questões de negócios fossem muito

reduzidos para que pudesse formular qualquer juízo a este

respeito.

No elevador a sensação de férias foi substituída por

uma pressão desagradável no estômago. Deu-se conta de

que mais uma vez teria de carregar a responsabilidade em

dois ombros diferentes. Bem no íntimo sentia-se ligado aos

princípios e objetivos de Perry Rhodan, mas seu dever

profissional obrigava-o a cumprir a missão que lhe fora

confiada pelo governo de seu país, fazendo uma visita à

GCC, que correspondia a um ato de espionagem.

Quando disse seu nome à secretária Lawrence, o brilho

amável que surgiu nos olhos da jovem quase o fez vacilar

na execução do seu projeto. Mas logo se lembrou de que o

bom êxito do empreendimento só dependia dele. Se não

gostasse ou alguma coisa o contrariasse, diria a verdade a

Homer G. Adams, ou de preferência ao próprio Rhodan.

O diretor da poderosa empresa era um homem magro e

pequeno, que recebeu Mercant com uma cortesia extrema.

A essa hora ninguém desconfiaria de que ele saíra

recentemente de uma prisão inglesa, onde fora parar em

virtude das enormes falcatruas que praticou. Era o que

dizia a sentença condenatória.

Mercant apertou a mão de Homer e sentou na poltrona

que este lhe ofereceu. Aceitou o charuto e agradeceu,

embora detestasse charutos. Homer reclinou-se

confortavelmente.

— O que me dá o prazer dessa visita inesperada,

Mercant? Foi o chefe que o enviou?

São três coisas ao mesmo tempo, pensou Mercant,

admirando a formulação hábil que Adams sabia dar às

perguntas. De início perguntara sobre o motivo da visita.

Ao mesmo tempo Homer exprimiu sua estranheza porque

Mercant não se fizera anunciar em tempo. Por fim havia

uma pergunta-armadilha: se Rhodan estava a par do

encontro. Era claro que Rhodan teria avisado Homer se

tivesse conhecimento da visita. Mercant sentiu que teria de

usar muita cautela para não cair em uma armadilha.

— Rhodan não sabe que estou aqui — disse,

mantendo-se fiel à verdade. — Vim a pedido do governo

de meu país. Gostaria de receber algumas informações. —

Era conveniente mostrar logo as cartas. Afinal, o governo

do Bloco Ocidental e Perry Rhodan já não se encontravam

em estado de guerra. — Trata-se da construção da frota

espacial conjunta.

Homer ajustou os óculos de aros de ouro, que lhe

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davam um aspecto grotesco e antiquado.

— A frota espacial? Acho que o tema já foi vasculhado

pelos peritos. Para ser franco, não entendo muito do

assunto. Só estou interessado nos aspectos financeiros do

projeto.

— Não vim para importuná-lo com perguntas sobre as

minúcias do mecanismo propulsor — disse Mercant com

um sorriso condescendente. — Este ponto não me

interessa, porque sobre essa matéria devo entender tanto

quanto você. Como sabe, nosso governo contribuiu com a

importância de dezoito bilhões de dólares para o

financiamento das fases iniciais do projeto. Em quanto

importou a contribuição dos outros governos?

Homer ergueu as sobrancelhas.

— O capital total atinge a cifra de setenta bilhões de

dólares — disse no tom de quem fala na importância de

cinquenta centavos.

Mercant não conseguiu disfarçar o espanto.

— Tanto? — disse em tom admirado. — Não

esperávamos.

— Eu também não esperava — confessou Homer sem

rodeios. — O fato é que a execução do projeto já foi

iniciada. Em todo mundo estão surgindo novas usinas e

centros de produção. Nossos homens trabalham dia e noite

nos escritórios. E ao falar em nossos homens refiro-me aos

homens do Ocidente, do Oriente e da Ásia. Pela primeira

vez na história os habitantes de nosso planeta estão

empenhados na solução de um problema comum. A

invasão dos insetos, que acaba de ser repelida, deixou

patente a importância da cooperação de todos. Qualquer

homem que se deixasse envolver por motivos

nacionalistas, mesmo que só em pensamento, seria um

criminoso perante a humanidade. A tolice de um único

homem pode abalar a união que finalmente foi alcançada.

De qualquer maneira alguns decênios se passarão antes

que toda a desconfiança seja eliminada. Mercant sei que

você está conosco, mas acho que devia romper as últimas

amarras que o constrangem a uma atitude contrária às suas

próprias convicções. Compreendeu o que quero dizer?

Mercant fez que sim.

— Compreendi perfeitamente. Já falei com Rhodan

sobre o assunto. Acontece que ele é de opinião que por

enquanto devo permanecer no meu cargo, já que não

sabemos quem o ocupará depois de mim. O mal menor

sempre é preferível.

— É verdade — admitiu Homer sem pestanejar. —

Mas prossigamos. Nosso complexo científico remete

pedidos a todo o mundo. As grandes usinas, que em alguns

casos receberam conjuntos laminadores inteiramente

novos, já estão produzindo peças da futura frota espacial.

Sem que o saibam, os homens estão construindo canhões

de radiação. Aqui se fabrica uma parte, ali outra. Só depois

de montados constituem uma arma; enquanto separadas as

peças não passam de fragmentos desconexos, que ninguém

consegue identificar. A mesma coisa acontece com as

naves. Posso assegurar-lhe que dentro de seis meses

estaremos em condições de montar em poucos dias nada

menos que dez destróieres espaciais capazes de atingir a

velocidade da luz. A esta altura já deve ter notado o que a

colaboração de toda a humanidade pode realizar. É claro

que por enquanto ninguém sabe disso, e seria conveniente

que você também não passasse adiante as informações que

ora lhe estou transmitindo.

Mercant respondeu com um ligeiro aceno de cabeça.

Homer observava-o atentamente. Atrás dos óculos, os

olhos astutos emitiram um brilho zombeteiro. Parecia ter

consciência do dilema moral em que acabara de precipitar

Mercant. E isso parecia dar-lhe um prazer secreto.

— Além disso, fornecemos as máquinas-ferramenta

que ainda não são conhecidas na Terra — prosseguiu em

tom despreocupado, fornecendo informações que Mercant

só esperava conseguir com grande esforço. — Elas são

construídas segundo nossas instruções, em usinas situadas

em outros continentes. Ainda há os materiais que Rhodan

foi buscar na Lua. Como sabe a grande nave exploradora

dos arcônidas só foi destruída na parte externa. Os

compartimentos de carga situados no interior dela

permaneceram intactos. E é ali que se encontram os

segredos da técnica dos arcônidas.

Mercant voltou a acenar com a cabeça. Homer acabara

de tocar no ponto básico. Na Lua havia tesouros

incomensuráveis, mas o Bloco Ocidental não dispunha de

nenhuma nave com que pudesse buscá-los.

Ou será que dispunham?

Mercant sabia que no porto espacial de Nevada se

desenvolvia uma atividade febril. Era a primeira vez que o

serviço de segurança do general Pounder impedia a

entrada até mesmo dos encarregados de Mercant. Naquele

lugar se passava alguma coisa de que o mundo não devia

ter conhecimento.

Subitamente tudo parecia clarear no espírito de

Mercant. Raciocinou com uma rapidez incrível. Ligou sua

incumbência, aparentemente inofensiva, com aquilo que

Homer acabara de dizer. E compreendeu que o governo do

Bloco Ocidental não cumpria o acordo celebrado com

Rhodan tão estritamente como seria de esperar.

* * * O general Pounder e o major Maurice caminhavam

pelos campos de provas do porto espacial de Nevada.

Aproximaram-se de um dos gigantescos pavilhões que

brilhavam numa extensa fila sob o sol escaldante do meio-

dia.

A atividade febril que pouco antes se notava ali cessara

quase por completo. Não se via quase ninguém. Aqueles

dois homens não conseguiram fugir à impressão de serem

os últimos elementos destinados a uma deportação em

massa.

Era ali que fora construída a Stardust, e mais tarde o

foguete que destruíra o cruzador espacial dos arcônidas

estacionado na Lua.

Ao chegar à linha de montagem, Pounder percebeu que

as aparências enganavam. O pavilhão não possuía uma

única janela, ao contrário dos edifícios próximos, que

lembravam gigantescas estufas. Ali a luz solar penetrava

desimpedidamente. Mas aquele pavilhão fora isolado

quase que hermeticamente do mundo exterior.

Depois de um exame demorado dos documentos, a

sentinela abriu a porta apenas o necessário para que os

dois homens pudessem passar.

Uma vez lá dentro, sentiram-se ofuscados por um

instante. No pavilhão não havia nenhuma divisão. Abria-se

diante dos dois em toda a sua extensão de duzentos metros

de comprimento e quase cinquenta de altura. Os andaimes

e os guindastes permitiam o acesso a todos os pontos. As

talhas transportadoras mergulharam no ligeiro declive de

um túnel, que não vinha à tona do lado de fora.

Ao contrário da calma indolente que reinava no terreno

do porto espacial, ali notava-se uma atividade febril. O

isolamento não deixava escapar o menor ruído para o lado

Page 65: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

65

de fora.

Homens passavam apressadamente sem dispensar-lhes

a menor atenção. Peças metálicas polidas e reluzentes

transportadas em vagonetas desapareciam no interior das

construções que se erguiam no centro do pavilhão. Era ali

que se localizavam também os escritórios dos técnicos.

O general Pounder, que pela primeira vez levava seu

ajudante àquele pavilhão, parou de repente. Maurice, que

se afastara ligeiramente para dar passagem e uma pessoa,

levantou os olhos. Teria parado, mesmo que Pounder não

se encontrasse no seu caminho.

Lá adiante um torpedo prateado jazia em posição

inclinada sobre uma rampa baixa. As vigias redondas

enfileiravam-se ao longo da linha do centro, e um

guindaste acabara de mergulhar as chapas de um tanque

cilíndrico na escotilha de carga da parte superior.

A menos de cinquenta metros viram a réplica exata da

Stardust, a nave espacial que conduzira Perry Rhodan, o

primeiro homem que pisou na Lua.

E não havia ninguém no mundo que soubesse da sua

existência.

* * * Só quatro meses mais tarde, Perry Rhodan teve certeza

de que por enquanto os DI não se arriscariam a novo

ataque. Quase chegara a esquecê-los, pois o mundo vivia

sob o signo da General Cosmic Company. Em todos os

lugares do mundo surgiam enormes fábricas que iniciavam

a produção segundo as instruções dos engenheiros e

técnicos em planejamento.

Homer, sentado em seu escritório de Nova Iorque,

parecia uma enorme aranha envolvida na sua teia. As

paredes estavam cobertas de mapas nos quais haviam sido

fincadas bandeirinhas com inscrições ininteligíveis. Homer

quase só vivia junto ao aparelho de rádio e ao televisor.

Vez ou outra até chegava a ir para a cama com eles.

O poderio do complexo por ele levantado crescia a

cada dia. Não parecia estar muito distante o dia em que

certo Benjamim Wilder anunciaria que o mundo lhe

pertencia, porque ele o havia financiado. É que Benjamim

Wilder estava atrás da GCC, e ninguém suspeitava de que

Benjamim Wilder apenas era o nome suposto de Perry

Rhodan.

Crest não chegou a entender muito bem essa evolução

vertiginosa. Subestimara o dinamismo da natureza

humana, embora a julgasse capaz de alguma coisa.

Quando pouco antes do pôr do sol deixaram os bangalôs

residenciais para respirar um pouco de ar puro, andou à

frente de Rhodan quase sem dizer palavra. Bell juntou-se a

eles. Também não disse muita coisa.

Num gesto quase inconsciente dirigiram seus passos

para a pirâmide de três facetas que se erguia no deserto,

abrigando um corpo humano que aguardava o momento de

ser chamado novamente à vida.

De longe viram um vulto esbelto diante da construção

alta e esguia.

Bell estreitou os olhos.

— Macacos que me mordam! — anunciou em tom

ligeiramente dramático. — Alguém quer depositar flores

no túmulo de nosso amigo.

Ao reconhecer o vulto, Crest fez que sim. Perry

Rhodan não conseguiu reprimir uma exclamação de

surpresa.

— É Thora! — disse. — O que está fazendo por aqui?

— Pergunte a ela — sugeriu Crest.

Sentia-se feliz pela distração. As conferências

ininterruptas representavam uma carga pesada para seus

nervos.

Thora olhou para eles. Seus olhos encontraram os de

Rhodan. Pela primeira vez este não descobriu nenhum

traço de ironia e desprezo nos mesmos. Neles havia uma

pergunta titubeante, que talvez ela tivesse formulado há

poucos instantes. Sentiu o embate de uma série de

sensações estranhas, mas nenhuma delas era de natureza

negativista.

Foi ela que rompeu o silêncio assim que os três

chegaram ao lugar em que se encontrava.

— É estranho que nos encontremos aqui fora, mas

talvez não seja nenhum acaso. Perry Rhodan, com você

não acontece o mesmo que se dá comigo? Às vezes tenho

a impressão de que Ellert ainda se encontra entre nós,

invisível.

Perry respondeu com um aceno de cabeça. Não sabia

explicar como também ela tivesse sentido a mesma coisa.

Certa vez Bell manifestara a opinião de que o espírito de

Ellert não estivesse em condições de retornar ao corpo que

lhe pertencia, e por isso vagasse sem destino pela

dimensão do presente. Rhodan e Crest, porém, estavam de

acordo em que, se Ellert ainda existisse em estado

consciente, não devia encontrar-se no presente. Quando

procurou fugir à morte orgânica, o choque elétrico o

atirara a outra dimensão, da qual não havia nenhum

caminho de volta. Não havia como conjeturar sobre se essa

dimensão se localizava no passado, no presente ou no

futuro, mas se estivesse situado no presente. Ellert poderia

ter estabelecido contato com eles. Os dons dos mutantes

ofereciam possibilidades amplas para isso.

— Só em sentimento ele se encontra entre nós, Thora

— disse Perry com a voz tranquila. — Um dia o

alcançaremos se é que o fluxo do tempo não o arrastou

para muito longe. Aliás, por que está interessada no

destino de Ellert? Afinal, era apenas um ser humano.

Thora procurou ocultar o embaraço.

— Rhodan, o reconhecimento de um erro constitui o

privilégio das raças inteligentes. E os arcônidas são

inteligentes. Dessa forma meu comportamento se ajusta ao

meu nível mental, se reconheço que subestimei os

habitantes deste planeta. Mas nem por isso os reconheço

como seres com direitos iguais aos nossos.

— Ninguém vai exigir isso de você. Ao menos por

enquanto — disse Perry em tom sério. — A revisão de sua

atitude hostil já representa um grande progresso. O fato é

que lutamos e vencemos em comum. Isso constitui um

elemento de ligação.

Crest deu alguns passos e parou perto de Thora.

— Agradeço-lhe pelo que você acaba de dizer, Thora.

Com essas palavras você construiu uma ponte dourada que

um dia, num futuro distante, representará o único caminho

que conduz à conservação do império galáctico dos

arcônidas. É bem possível que ainda chegue o dia em que

Rhodan também tenha que passar por ela.

— Se a ponte é de ouro, quero estar por aí nesse dia —

observou Bell sem o menor dramatismo. — O problema é

se conseguirei viver até lá.

— Não vejo por que não podemos prosseguir nas

pesquisas com a Good Hope — disse Crest em tom sério.

— É verdade que já não dispomos do grande cruzador.

Mas mesmo que a Good Hope não nos permita retornar à

pátria, talvez possamos encontrar o planeta da vida eterna.

Se tivermos sorte.

Seguiu-se um silêncio constrangedor, que foi rompido

Page 66: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

66

por Rhodan.

— Temos tarefas mais urgentes, ao menos por

enquanto — disse, sacudindo a cabeça. — Os mutantes

têm de ser treinados. Para isso pretendo construir uma base

em Vênus. Nossa próxima tarefa é esta. Nos próximos dias

viajarei para Vênus a fim de preparar o acampamento

pioneiro. Nossas primeiras observações levam à conclusão

de que por lá não encontraremos qualquer forma de vida

inteligente. Quando tudo estiver em ordem na Terra

teremos tempo de partir em busca da vida eterna. Mas,

para falar com franqueza, não acredito que tenhamos êxito

nisso.

— O planeta existe! — afirmou Thora. O fogo de um

entusiasmo que quase chegava a ser fanático ardia em seus

olhos. — Os participantes de expedições que retornaram

de lá relatam isso. Mas o segredo é guardado a sete chaves.

Se encontrarmos o mundo da imortalidade, teremos de

enfrentar uma luta feroz.

— Só acredito quando tiver a prova diante de mim.

— Mas seria muito bom se pudéssemos livrar-nos do

medo do túmulo — interveio Bell. — De qualquer maneira

não comunicaria nada à companhia em que fiz meu seguro

de vida, se me tornasse imortal.

Ninguém riu. Bell virou-se, um tanto ofendido. Em

atitude pensativa contemplou a pirâmide, envolta pelos

raios dourados do Sol que entrava no ocaso.

Perry aproximou-se de Crest e Thora. Estendeu a mão

à mulher.

— Será que daqui em diante podemos ser amigos? —

perguntou com a voz um tanto insegura.

Por um segundo a arrogância costumeira brilhou nos

olhos frios daquela mulher, mas finalmente apertou a mão

que lhe era oferecida.

— Perry Rhodan, eu o admiro, por mais que o tema.

Mas você há de compreender que um sentimento desse

tipo não pode gerar uma verdadeira amizade. Sei que

precisamos de você; temos de completar-nos mutuamente.

Será que uma situação destas pode servir de base a uma

verdadeira amizade? Além de tudo, Crest me constrange.

Pelo que vê, só aperto sua mão porque sou obrigada a

fazê-lo. Está satisfeito?

Perry fez que sim.

— Por enquanto estou. Ainda chegará outra

oportunidade em que você terá que apertar minha mão, e

então os motivos serão diferentes. Até lá tenho de ficar

satisfeito com aquilo que você me oferece. E fico. Permite

que lhe agradeça?

Por um instante os olhares das duas criaturas fundiram-

se, e suas mãos congregaram-se numa unidade. Talvez

fosse um momento solene, se nesse instante preciso Bell,

com um profundo suspiro, não tivesse murmurado uma

palavra:

— Amém...

Aquela palavra retirou toda a solenidade ao pacto que

acabara de ser concluído. Talvez apenas porque havia sido

pronunciada por Bell.

O sol mergulhou sob a linha do horizonte. Subitamente

a luminosidade do túmulo apagou-se. Parecia que uma

chama invisível fora apagada no metal de que era feita a

pirâmide.

No céu a primeira estrela começou a espalhar sua

luminosidade.

Sem que tivesse consciência disso, Perry Rhodan

enxergou naquele signo um prognóstico otimista para o

futuro distante.

Perry Rhodan está decidido a realizar uma segunda viagem a Vênus, a fim de montar

uma base da Terceira Potência naquele planeta.

Para saber o que o aguarda, acompanhe a próxima aventura de Perry Rodhan em

Vênus.

BASE EM VÊNUS

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67

Enciclopédia Galáctica

Povos da Via láctea:

OS ACONENSES

Descendentes dos lemurenses, que se esconderam

durante a guerra contra os halutenses (48.000 a.C.).

Utilizavam ao mínimo possível à navegação espacial,

deslocando-se entre os planetas através de transmissores

fictícios. Como seus descendentes, os arcônidas, possuem

a placa óssea ao invés de costelas. Possuem cabelos de

negros a ruivos, com pele levemente bronzeada.

Consideram-se a maior raça na galáxia, e por isso não

conseguem colaborar com os terranos.

Colonizaram vários planetas na galáxia, mas a

maior onda migratória ocorreu durante a Guerra Civil

(18.000 a.C.). Desta onda migratória surgiram os primeiros

arcônidas, bem como os primeiros antis.

Foram acidentalmente descobertos por Perry

Rhodan durante o teste de voo da nova nave linear

Fantasy, em 2102 d.C. Com a destruição do campo de

força azulado que protegia o sistema, fato que deu o nome

de Sistema Azul ao

sistema de Ácon. Embora

recentemente esta

denominação se refira ao

sol do sistema,

Ácon,

originariamente se referia

ao campo de força

erguido pelo Acônidas

para cercar o seu sistema

estelar. Este campo, de

cor azul (daí o nome do

sistema) era um campo

hexadimensional mantido

por centenas de

plataformas espaciais,

com geradores enormes

situados além da órbita do

planeta mais distante de

Ácon.

Considerando que o campo emite no mesmo

espectro que Ácon, é suposto que foi projetado para

camuflar o sistema. Embora a situação tenha mudado

consideravelmente desde então, na época da descoberta

pelos Terranos, estes praticamente não se utilizavam de

viagens espaciais, preferindo fazer uso de uma cadeia de

estações de transmissores de matéria.

Os acônidas voltaram a utilizar-se da navegação

espacial. Até então, possuíam apenas uma reduzidíssima

frota, que servia para transporte de novos transmissores e

exploração.

Os acônidas, convencidos da sua superioridade

racial, têm tentado novamente ter o controle sobre a

galáxia conhecida (frequentemente tentando destruir os

terranos). Com este fim, eles usaram vários subterfúgios,

tais como o Comando de Energia e a Condos Vasac. O

número de colônias que possam ter, espalhadas pela

galáxia, é desconhecido.

Seu mundo pátrio chama-se Drorah é o quinto de

dezoito planetas orbitando o sol azul gigante Ácon. O

Sistema de Ácon é localizado 45.000 anos luz do Sistema

Solar. Drorah tem sido o mundo pátrio dos acônidas desde

50.000 a.C. Tem 1.1 G's, uma atmosfera de oxigênio, e

duas luas. Uma delas é do tamanho de Mercúrio. A outra

só tem algumas centenas de quilômetros de diâmetro.

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Nº 08

De

K. H. Scheer

Traduçaõ

Richard Paul Neto

Digitalização

Vitório

Revisão e new format

W.Q. Moraes

Perry Rhodan foi reconhecida como Estado legítimo pelas potências da Terra,

e com isso as lutas em torno da cúpula energética montada no deserto de Gobi

cessaram como por encanto.

Mas nem por isso termina a luta secreta, pois os potentados da Terra ainda

alimentam uma desconfiança extrema face à Terceira Potência. Não querem

conformar-se com o fato de que depois de ter realizado sua missão na Lua, a

bordo da Stardust, onde descobriu o cruzador espacial dos arcônidas, Perry

Rhodan manipula os acontecimentos deste mundo.

Mas Perry segue seu caminho, imperturbável. E o próximo passo dessa

caminhada, que conduzirá à transformação da Terra numa potência interestelar, é

a instalação da Base em Vênus...

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I

Aquele deserto nunca vira tamanha atividade, desde

que as hordas de Gengis Khan passaram por ali.

Por entre os grupos de especialistas que haviam

chegado ao interior da cúpula energética e começavam a

executar as ordens de Rhodan, mal se notavam os robôs

dos arcônidas.

Embora haja bastante tempo se encontrassem em

minoria, ainda executavam o maior

volume de trabalho. Mas os

especialistas e as máquinas terrenas

continuavam a chegar

ininterruptamente. Dentro de alguns

dias os pratos da balança se inclinariam

para o outro lado.

Nesses dias de nervosismo

causado pelo inimigo extraterreno, a

visão do trabalho que se desenvolvia

naquele lugar proporcionava certa

satisfação a Perry Rhodan. Tudo corria

de acordo com seus desejos. A

indústria de acabamento ali instalada

que, no entendimento dele, era o único

fator que poderia conferir à

humanidade a preponderância que teria

de exercer nessa área da galáxia,

crescia com o máximo de rapidez. O

complexo de edifícios estava quase

concluído. Dentro de uns quinze a vinte

dias se defrontariam com o problema

de saber se Homer G. Adams

conseguiria realizar em tempo a

planejada fusão das indústrias terrenas

de acessórios, a fim de que o

fornecimento de máquinas-ferramentas

não sofresse interrupções.

Rhodan procurou convencer-se de

que o tempo trabalhava a seu favor.

Chegara o momento em que potências

estranhas começavam a se interessar

pela Terra. Conseguiram repelir o ataque da nave-fuso de

Fantan, e também conseguiriam defender-se dos

Deformadores Individuais, sem que a Terra corresse um

risco excessivo. Mas tudo isso representava apenas o

princípio de uma série de confrontos; e, ao que tudo

indicava muitos deles teriam um caráter hostil.

A Terra precisava de tempo. Não era possível

eliminar da noite para o dia a vantagem que as raças

estranhas haviam alcançado.

Talvez fosse possível fazê-lo dentro de duzentos ou

trezentos anos.

“Se nos deixarem esse tempo”, pensou Rhodan, “não

teremos nada a temer”.

Nos últimos dias seus pensamentos muitas vezes se

moviam num verdadeiro torvelinho, pois não sabia de que

problema devia ocupar-se em primeiro lugar. Compreendia

o espanto que a atividade febril realizada nas margens do

lago salgado produzia em Crest.

Quem se desse ao trabalho de pensar nisso veria que

era incrível que coisas tão fabulosas tivessem sido

realizadas por tão poucos homens num espaço de tempo

tão reduzido.

Mas esse punhado de homens o havia feito. Impusera

sua vontade aos homens, deixara a economia terrena de

pernas para o ar. Fizeram com que as grandes potências os

reconhecessem e se convencessem de que sem eles, isto é,

sem a Terceira Potência, nada poderia ser feito na Terra e

nos seus arredores.

* * *

— Não devemos esperar muito, Rhodan! — insistiu

Bell, enrijecendo o corpo musculoso e arrepiando os

cabelos ruivos numa atitude de desafio. — Precisamos

antes de tudo, de um posto de

reserva. Temos de...

Rhodan fez um gesto

tranquilizador.

— Não vamos precipitar

nada, Bell. Decolaremos daqui a

duas horas.

— Está bem — respondeu

Bell. — Quais são os planos?

— Pousaremos na Lua. Não

quero que o velho cruzador

espacial espere por mais tempo.

Precisamos de muita coisa que

anda jogada por lá. Da Lua iremos

diretamente a Vênus.

Interrompeu-se. Parecia

pensativo.

— Você tem razão — disse

depois de algum tempo. — Antes

de qualquer coisa precisamos de

um posto de reserva.

A ideia era clara e simples.

Fossem quais fossem as condições

na Terra e nas suas proximidades,

não havia nada que pudesse

garanti-los contra um ataque

maciço de uma raça estranha,

lançado de surpresa. Rhodan

achava que seria uma leviandade

correr o risco de um extermínio

total por um tempo maior que o

estritamente necessário. Se

instalasse uma base da Terceira Potência em Vênus não

estaria eliminando o perigo, mas evitaria que a catástrofe

fosse total.

Crest e Thora, antigos comandantes do cruzador

espacial dos arcônidas, destruído na Lua pelos foguetes

dos terráqueos, concordavam com o plano de Rhodan,

embora não se interessassem muito por ele. Só desejavam

que a tecnologia terrena, que passava por um

desenvolvimento vertiginoso, logo atingisse uma fase que

lhe permitisse construir uma nave semelhante àquela com

que haviam pousado na Lua. Crest costumava dizer com

certa ironia:

— Tivemos de parar no canto mais afastado da

galáxia para compreender que a situação do Império não é

nada boa. Ninguém poderá levar a mal que queiramos

voltar para casa quanto antes. É bem verdade —

costumava acrescentar em tom sério — que devemos

agradecer ao destino. O Império precisa de um aliado, para

enfrentar as situações que surgirão no futuro. E não

poderíamos encontrar aliado melhor que a humanidade

terrena.

Thora hesitaria em fazer coro com estas palavras. A

luta que sua razão travava, com intensidade variável,

contra o desprezo intuitivo e emocional que

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Comandante da nave

Good Hope e chefe da Terceira Potência.

Reginald Bell — O melhor amigo de Perry

Rhodan.

Crest e Thora — Únicos sobreviventes de

uma expedição espacial do Império

Arcônida.

Tako Kakuta — Subchefe do Exército de

Mutantes da Terceira Potência.

Anne Sloane — Jovem mutante que possui

o dom da telecinese.

Michael Freyt, Conrad Deringhouse e

Rod Nyssen — Astronautas da Força

Espacial dos Estados Unidos. Viajam à Lua

a bordo da nave Greyhound e acabam em

Vênus.

O “Comandante” — Que há 10.000 anos

não se cansa de cumprir seu dever.

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nutria pela humanidade, ainda não findara. Thora ainda

não se conformara com a ideia de lidar com os homens de

igual para igual. Não se sabia se no seu pensamento Perry

Rhodan constituía uma exceção.

* * * A nave auxiliar Good Hope decolou ao escurecer. As

calculadoras automáticas não levaram mais que alguns

minutos para determinar a rota da Lua e regular o

dispositivo direcional automático. O único trabalho da

tripulação consistia em comprimir um botão que dava

início à operação de decolagem.

A Good Hope decolou com empuxo máximo. O

impulso produzido pelos feixes corpusculares que saíam

dos reatores à velocidade da luz conferiu-lhe uma

aceleração inicial de quase 500 g.

A pressão formidável gerada por essa aceleração foi

neutralizada no interior da nave. A força de aceleração

reinante a bordo da Good Hope nunca era superior a l g.

Uma circunstância que favorecia a tripulação era a de que

os valores da aceleração da queda nos mundos Árcon e

Terra só divergiam de poucos por cento. Nessas condições

uma viagem à Lua só durava alguns minutos.

Rhodan deixara a Terra muito tranquilo, bastante

alegre. Tako Kakuta, o teleportador e subchefe do Exército

dos Mutantes; trouxera boas notícias. O comando do

exército fora transferido a Ras Tshubai, pois Tako

participaria da expedição. Ras Tshubai dispunha como que

de um de cão de fila na pessoa da pequena Betty Toufry,

uma menina dotada de capacidades espantosas. Rhodan

estava convencido de que Ras com sua atividade

incansável, mas prudente, seria o homem indicado para

dirigir a ação contra os Deformadores Individuais. Além

disso, não haveria a menor dificuldade em interromper a

expedição e voltar à Terra pelo caminho mais breve, se

surgissem notícias alarmantes.

Rhodan pensou em Ernst Ellert. Sentiu-se possuído

pela contrariedade que costumava apossar-se dele sempre

que se lembrava da perda desse elemento tão valioso.

Ellert era um mutante que possuía um dom singular.

Teletemporação era o nome que Rhodan dera à capacidade

de que o mesmo se achava investido. Reginald Bell usava

uma expressão mais prosaica. Costumava dizer que Ellert

era um homem que sabia passear, em espírito, no futuro.

Ellert parecia morto, e as esperanças haviam morrido

com ele. Às vezes Rhodan chegava a pensar que, seguindo

uma lei metafísica ainda desconhecida, a natureza havia

corrigido a si mesma, eliminando Ellert. Ellert era um

monstro na verdadeira acepção da palavra; chegava a ser

mais monstruoso que os Dl.

Quando Rhodan espantou esses pensamentos com um

movimento cansado da mão, a Good Hope já se preparava

para as manobras de alunissagem. Depois de realizar um

movimento de translação correspondente a um quarto da

circunferência da Lua, a nave se dirigiu para o montão de

destroços formado pelos restos do antigo cruzador espacial

dos arcônidas. Os instrumentos de medição revelaram que

a radiatividade dos destroços já se reduzira a um grau que

não oferecia o menor perigo.

O som estridente do aparelho localizador constituiu

um acontecimento um tanto sensacional. Bell, que

manejava o localizador, relatou:

— Objeto desconhecido em Pi zero-cinco, Teta três-

três-seis. Não se percebe qualquer movimento na

superfície lunar.

Rhodan procurou na tela as coordenadas indicadas

por Bell. O objeto parecia miseravelmente pequeno. Não

passava de um pontinho reluzente em meio à solidão da

Lua.

Rhodan desligou o dispositivo direcional automático

e passou a pilotar a nave. Sem olhar, comprimiu a chave

do telecomunicador. A voz do Dr. Manoli fez-se ouvir.

— O que houve Rhodan?

— Localizamos alguma coisa, Manoli — explicou

Rhodan. — Procure comunicar-se com o objeto e verifique

se há alguma resposta. Bell lhe dará as coordenadas.

— Entendido.

Enquanto a Good Hope sobrevoava os destroços do

cruzador espacial e o pequeno ponto reluzente situado à

sua margem, Bell murmurava as coordenadas que sempre

mudavam no aparelho de telecomunicação.

O Dr. Manoli trabalhava com o raio direcional,

usando um ângulo bem aberto. Depois de algum tempo

informou:

— Nenhuma resposta, Rhodan!

Rhodan gritou em direção ao aparelho de

telecomunicação de Bell:

— Mantenha o contato. Descerei mais. Descrevendo

uma curva bem ampla e aproximando-se dos destroços em

outra direção, a Good Hope perdia altitude.

A distância da superfície lunar ainda era de oitenta

quilômetros. Apesar disso os telescópios de bordo deviam

ser capazes de identificar o objeto reluzente.

Rhodan duvidava de que se tratasse de um sinal da

existência dos Deformadores Individuais. Não havia

nenhum motivo especial para esse tipo de dúvida, a não ser

a esperteza super-humana dos Dl, que não lhes permitiria

deixar um objeto tão visível numa área em que mais cedo

ou mais tarde surgiria um veículo humano. Seria uma

armadilha?

Rhodan virou-se. Crest estava deitado num dos leitos

que se encontravam junto à parede da sala de comando;

Thora encontrava-se a seu lado.

— Thora, quer fazer o favor de assumir o posto de

combate?

Uma expressão de tédio surgiu no rosto da arcônida.

Levantou-se com um breve aceno de cabeça e dirigiu-se a

um painel de menos de um metro quadrado, que incluía as

chaves de comando de todas as armas que a Good Hope

trazia a bordo.

Rhodan manteve a nave na vertical do ponto

cintilante.

— Bell, já descobriu o que é?

Bell ajustou o telescópio e projetou a imagem sobre

uma das telas.

— Santo Deus! — gemeu. — É uma nave terrena

igual à Stardust!

Rhodan, num movimento rápido, girou a poltrona.

— Pousar! — ordenou.

O grito de Bell fez com que a mão que se preparava

para acionar a chave de comando parasse a meio caminho:

— Espere...!

Todos os olhares concentraram-se sobre a tela

localizadora de micro-ondas, onde a nave estranha

aparecia sob a forma de uma mancha luminosa. Dois

pontos brancos destacaram-se dessa mancha e,

deslocando-se numa velocidade formidável, dirigiam-se

para o centro da tela.

Bell virou a cabeça. Seus olhos estavam arregalados

de espanto.

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71

— Não é possível! — disse com a voz baixa, em tom

quase solene. — Estão atirando contra nós!

* * *

A nave Greyhound, da mesma classe da Stardust, que

representava a última tentativa das potências ocidentais de

romper o monopólio energético-científico da Terceira

Potência, conseguira deslocar-se até a Lua sem ser

detectada e, segundo as instruções ministradas à

tripulação, manobrara para além da área em que se

encontravam os destroços do cruzador espacial dos

arcônidas. Ali a tripulação esperava encontrar os

remanescentes da maravilhosa tecnologia arconídica.

Uma vez atingido o ponto escolhido, a nave iniciou

as operações de alunissagem.

Para a Greyhound o pouso representava a manobra

mais difícil. O dispositivo direcional automático,

alimentado ininterrupta e cuidadosamente pelos sinais

emitidos da Terra, encarregara-se do voo, que decorreu

sem o menor problema. Mas o ponto de alunissagem

ficava fora do alcance dos sinais de rádio. Por isso a

manobra exigia toda a habilidade de dois pilotos

submetidos a um treinamento de vários meses.

Esses pilotos eram os tenentes Michael Freyt e

Conrad Deringhouse. Foram eles que comandaram toda a

atividade que o foguete desenvolveu durante a

alunissagem. O capitão Rod Nyssen, oficial de armas, e o

major William Sheldon, especialistas incumbidos do

recolhimento do material que esperavam encontrar entre os

destroços do cruzador espacial, não teriam nenhuma tarefa

a executar e continuavam deitados nos acolchoados

antipressionais.

Deringhouse relatou com a voz embaraçada:

— Todas as velocidades ao nível zero, com exceção

do deslocamento vertical.

O tenente Freyt respondeu:

— Deslocamento vertical de dez metros por segundo,

velocidade constante. Pode-se dizer que descemos como

uma folha.

Freyt saíra da mesma escola que o major Perry

Rhodan deixara um ano antes. Parecia ser do mesmo tipo

que este: grande e sério, mas com pequenas rugas nos

cantos dos olhos, que vez por outra tiravam toda a

seriedade daquele rosto que ostentava uma severidade

militar.

Os dois pilotos envergavam os trajes espaciais.

Mantinham os capacetes ligeiramente abertos; o que lhes

permitia comunicarem-se sem o auxílio do microfone.

— Distância quatro mil — anunciou Deringhouse.

Pela primeira vez lançou um olhar em direção a Freyt

e permitiu-se um sorriso jovial. O capacete jogado na nuca

dava-lhe o aspecto de um escolar que pretendia andar de

ônibus sem pagar passagem.

— Dê outra freada! — disse Freyt.

O solavanco produzido pela desaceleração percorreu

a nave. Dali a alguns segundos o reduzido campo

gravitacional da Lua voltou a fazer-se sentir.

— Deslocamento vertical de seis por segundo. Qual é

a distância?

— Distância de três mil e trezentos.

Freyt acenou com a cabeça; parecia satisfeito. A

manobra de alunissagem estava decorrendo segundo as

previsões.

A Greyhound levaria perto de dez minutos para

percorrer a distância que ainda a separava da superfície da

Lua. Para a tripulação parecia um tempo imenso. De

qualquer maneira, até aqui não tinha havido qualquer falha

e, na opinião de Freyt, seria coisa do diabo se o pouso não

fosse bem sucedido.

Freyt estava atento à sua tarefa, embora não

aprovasse os motivos que ditaram sua missão. Estivera

presente quando, nos primeiros tempos de existência da

Terceira Potência, todos os canhões e bombardeiros da

Terra dispararam suas cargas contra a cúpula energética.

Mas neste meio tempo convencera-se de que nenhum

poder terreno alheio a Rhodan teria possibilidade de

assumir parte da herança dos arcônidas.

Aceitara a incumbência por ser oficial, e

principalmente porque não se exigia dele que praticasse

qualquer ato de hostilidade caso tivesse que defrontar-se

com Rhodan ou algum dos seus auxiliares.

Sheldon rolou seu corpo desajeitado para o lado o

tanto que os cintos de segurança o permitiam e reclamou:

— Ainda vai demorar muito? Estou morrendo de

ansiedade!

Freyt limitou-se a esboçar um gesto. Um sorriso de

escárnio aflorou no seu rosto.

— Alguns minutos. Qual é à distância?

— Mil e oitocentos.

— Ótimo!

A superfície da Lua desenhava-se como uma bacia

rasa, na qual a Greyhound ia afundando aos poucos. Freyt

e seus homens haviam sido informados sobre o “efeito de

panela” que invariavelmente atinge os astronautas que

pousam em astros de pequeno diâmetro. No lugar em que a

Greyhound iria pousar o solo parecia ser liso e firme.

Freyt, porém, não se limitou a uma avaliação

superficial. Além de controlar a distância que os separava

da superfície lunar, Deringhouse ficava de olho num

instrumento capaz de, a uma distância de cem metros,

registrar acidentes do solo de um centímetro e até menos.

Tal qual a Stardust, a Greyhound dispunha de

suportes hidromecãnicos para o pouso. Esse aparelho

compensava facilmente desníveis de até três metros, e com

menor facilidade os que alcançavam até sete metros.

— Que tal lhe parece o solo? — perguntou Freyt.

— Por enquanto parece ser bom. Não existem

desníveis de mais de quatro metros.

— Qual é a altitude?

— Novecentos.

— Avise quando atingirmos a marca dos

quatrocentos metros. Realizaremos mais uma frenagem.

Deringhouse confirmou com um aceno de cabeça.

Freyt dirigiu o olhar para os instrumentos.

Indicador de combustível: o tanque estava com

sessenta por cento da capacidade, até um pouco mais.

Isso representava um fator favorável. No seu pouso

final sobre a Terra, a Greyhound recorreria à frenagem

aerodinâmica, com uma utilização mínima dos foguetes.

Na decolagem da Lua, Freyt poderia consumir quase todo

o hidrogênio que ainda se encontrava nos tanques.

“Pois bem”, pensou, “quando tivermos chegado lá

embaixo o ponteiro indicará uns cinquenta e cinco por

cento, mas isso ainda é muito bom.”

— Quatrocentos metros! — anunciou Deringhouse.

— Cuidado, frear! — soou a voz de Freyt como um

eco.

Mais um solavanco atravessou a nave. Deringhouse

ajustou o capacete. Freyt olhou-o.

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— Fechar os capacetes! — disse.

Dali em diante a comunicação teve de ser mantida

por meio dos microfones embutidos nos capacetes.

— Duzentos!

A mão esquerda de Freyt descansava sobre a perna

inflada de seu traje espacial. Só a direita ainda tinha

algumas tarefas a executar. Segurava a chave-mestra do

acelerador de emergência, que controlava a temperatura do

reator e o suprimento de hidrogênio.

— Nenhum desnível superior a um metro! — disse

Deringhouse.

Os segundos arrastavam-se. Deringhouse iniciou a

contagem:

— Oitenta metros... setenta... sessenta...

— Controle de desnível — pediu Freyt.

— Não há nenhum superior a oitenta centímetros —

respondeu Deringhouse e prosseguiu: — quarenta...

trinta...

Seguiu-se uma pausa. Um minuto depois a voz de

Deringhouse voltou a soar:

— Suportes apoiados no solo. Completamos o pouso.

— Silêncio! — pediu Freyt.

Os suportes aguentaram parte do peso da nave. Os

dispositivos hidráulicos deslizaram pelos braços cintilantes

de aço.

Deringhouse, cujo triunfo fora interrompido de modo

tão brusco, anunciou:

— Suportes B e C estão no mesmo nível. Suporte A a

menos oitenta centímetros.

Freyt repeliu-o com um gesto.

— Com menos de um metro não compensa.

Foi então que aconteceu.

Ouviram o terrível solavanco e o toque estridente dos

alarmas, que fez a nave estremecer.

— A está abaixando! — gritou Deringhouse. —

Ligue a compensação.

Freyt levantou a mão esquerda num gesto instantâneo

e empurrou o regulador hidráulico. Sentiu-se outro

solavanco, quando os suportes B e C procuraram

compensar a diferença com A, e depois mais outro.

— A continua a descer! — gritou o tenente. —

Estamos... o chão está rompendo.

Freyt notara-o no mesmo instante. O chão quebradiço

por baixo da Greyhound estava riscado por fendas negras,

que se ampliavam sob o peso da nave.

— Cuidado! — gritou Freyt. — Darei a aceleração

máxima.

Deringhouse reclinou-se na poltrona. Freyt apertou a

chave que já vinha segurando na mão direita, e puxou-a

para trás.

A Greyhound inclinou-se com tamanha rapidez que

não houve tempo de reagir ao empuxo dos reatores.

Deringhouse mantinha os olhos arregalados presos à tela.

— Não! — berrou com a voz rouca.

Freyt empurrou a chave para trás.

— Cuidado! Estamos tombando!

Não adiantava mais. A aceleração de emergência

teria provocado o deslocamento horizontal da nave sobre a

planície pedregosa, fazendo-a espatifar-se contra a cratera

mais próxima.

O suporte A, que afundara no solo, rompeu-se com

um ruído semelhante a um tiro de canhão. Na parte

posterior do corpo da nave um dos agregados desprendeu-

se e caiu ao chão. O envoltório da nave deformou-se,

provocando um inferno de ruídos uivantes. Seguiu-se o

verdadeiro impacto.

Alguém gritou. Na parede da cabina surgiu uma

fenda, por onde o ar escapou com um silvo agudo.

O subconsciente de Freyt aguardava o golpe final,

que representaria o verdadeiro fim, mas este não veio.

Passou-se um minuto. Freyt abriu os olhos, fechados

na expectativa da morte. Incrédulo, levantou-se.

Na cabina reinava uma confusão terrível de

instrumentos destroçados e turbilhões de poeira lunar que

penetrara pela fenda.

— Deringhouse! — chamou Freyt com a voz

assustada. — Sheldon. Nyssen. Onde estão?

Ouviu-se um gemido.

— Se estiver falando comigo, ainda estou por aqui.

Era a voz rouca de Nyssen.

— Onde você se meteu Nyssen? Saia daí. Onde estão

os outros?

— Não faço a menor ideia — resmungou Nyssen. —

Irei até aí assim que conseguir tirar estes cintos. Parece

que foram eles que me seguraram. Pronto!

Parte dos destroços começou a movimentar-se. A

cabeça de Nyssen, envolta no capacete disforme, foi

surgindo por entre um equipamento amassado de alta

tensão e uma caixa deformada a ponto de tornar-se

irreconhecível.

— Tudo em ordem? — perguntou Freyt.

— Por enquanto sim.

Nyssen levantou-se.

— Nosso quarto está mudado — observou. — Há

pouco havia uma parede por aqui.

Freyt desatara os cintos e levantara-se. Seu assento de

piloto acompanhara a viravolta da cabina.

— Venha ajudar-me.

Afastaram os destroços, abrindo caminho para a parte

dos fundos. Nyssen pôs a mão na perna de um traje

espacial.

— Só pode ser o tenente.

Arrastaram-no para fora daquela confusão. O impacto

arrancara-o do assento e atirara-o para trás. Provavelmente

ficara inconsciente. Ainda respirava.

— Vamos continuar.

Depois de atirarem para o lado os últimos destroços,

encontraram Sheldon.

De início pensaram que apenas estivesse

inconsciente. Mas ao virá-lo encontraram o rasgo

comprido no seu traje, que ia do ombro até a altura dos

quadris.

Freyt ergueu-se. Cambaleava naquele chão desigual.

A voz rouca de Nyssen disse:

— Sinto muito, Sheldon. Continuaram a afastar os

destroços, até chegar à entrada da comporta. A escada

soltara-se e suas peças estavam contorcidas, mas não

precisariam mais dela. A comporta estava em posição

horizontal.

— Cuide do tenente — ordenou Freyt enquanto

engatinhava pelo túnel de saída.

Parecia ter chegado a um mundo diferente. Fora da

escada, nenhuma parte da comporta fora danificada. Freyt

começou a nutrir alguma esperança. Na popa o impacto

por certo fora menos violento.

Chegou à comporta e abriu o compartimento interior.

Realizou um controle. Não havia mais ar. Ligou o

acionador de emergência. Uma lâmpada iluminou-se

segundo as previsões. A comporta estava em ordem.

Freyt preferiu não realizar outros exames. Retornou à

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cabina. Deringhouse estava acordando.

— Como está? — perguntou Freyt.

— Bem, obrigado — gemeu o tenente. Levantou-se

com auxílio de Nyssen.

Apalpou o traje espacial, procurando descobrir em

que ponto do corpo se localizava as dores.

— Parece que tudo está em ordem — murmurou.

Freyt parecia satisfeito.

— Vamos ao trabalho.

Iniciaram uma atividade febril. Era o melhor meio de

apagar o primeiro impacto da catástrofe.

As informações surgiram numa rápida sucessão:

— Equipamento de radiocomunicação totalmente

destruído.

— Eletrônica dos reatores não funciona.

— Conduto de emergência em ordem. Finalmente

ouviu-se o grito de triunfo de Nyssen:

— O armamento está intacto!

Freyt constatou que o depósito de mantimentos

estava praticamente intacto. Encontrou um reservatório de

oxigênio que não fora danificado. Poderia encher de ar um

dos compartimentos da nave, se é que havia algum que não

apresentasse nenhuma rachadura.

As avarias dos dispositivos eletrônicos dos reatores

poderiam ser reparadas. Mas seria inútil realizar esses

reparos, porque não havia possibilidade de colocar a

Greyhound na vertical.

Saíram. O envoltório externo apresentava-se

ondulado e abaulado. No lugar em que o suporte A deveria

apoiar-se havia um buraco profundo. O solo lunar na beira

desse buraco só tinha alguns centímetros de espessura.

Freyt tomou a palavra:

— Estamos preparados para uma permanência de

quinze dias na Lua. Só depois de vinte dias o pessoal em

Terra começará a preocupar-se conosco. Não

aguentaremos até lá. Não nos resta alternativas senão pôr-

nos a caminho.

Sentiu-se irritado pela direção em que Deringhouse

fitou os olhos.

— Olhe ali!

O tenente atirou o braço para o alto. Freyt virou-se

abruptamente. Estreitou os olhos. No firmamento negro

havia um ponto cintilante, que se deslocava numa

velocidade vertiginosa.

— É aquela raça maldita! — chiou Nyssen.

— Que raça?

— Os Dl, aqueles insetos.

Freyt hesitou.

— Nyssen! Assuma seu posto junto aos canhões. Só

atire quando eu der ordem.

— Certo.

Nyssen saiu correndo.

— Tenente, nós dois ficaremos aqui mesmo. Não

temos nada a fazer lá dentro.

Deringhouse confirmou com um aceno de cabeça,

sem tirar os olhos daquele ponto cintilante.

— Desceu mais — disse o tenente.

— A que altitude se encontra agora?

Nyssen respondeu prontamente.

— Se os instrumentos ainda estão em ordem, deve

estar a oitenta quilômetros.

— Quantos projéteis podem disparar ao mesmo

tempo com a corrente de emergência?

— Dois.

— Pois atire.

Os canos de disparo dos foguetes estavam em

posição horizontal, tal qual o resto da nave. Quando

Nyssen atirou o solo estremeceu e a nave inclinou-se

ligeiramente. Mas, apesar do ângulo de disparo

desfavorável, os projéteis descreveram uma curva e

subiram na vertical.

II

— Não há dúvida — disse Rhodan com a voz áspera.

— Devem ter enlouquecido ou então...

Virou-se. Viu que Thora manipulava o comando do

armamento, com uma rapidez algo suspeita.

— Thora!

A palma da mão de Thora bateu numa chave. Rhodan

deu um salto, mas chegou tarde. Agarrou-a nos ombros e

atirou-a para o lado. Thora deu um grito furioso e caiu ao

solo.

Rhodan colocou a chave na posição inicial.

— Bell!

— Sim, Rhodan. Ela atirou com um dos

desintegradores. O ponto desapareceu.

A voz de Manoli fez-se ouvir:

— Cuidado. Acionar o dispositivo de defesa.

Os dois foguetes disparados pela Greyhound

aproximaram-se, mas tiveram a trajetória modificada pela

tela protetora. Passaram ao lado da nave e desapareceram

no espaço.

Thora levantou-se.

— É bom que nunca mais se esqueça de que mesmo

você deve aguardar ordens antes de atirar — disse Rhodan

com a voz tranquila, mas ameaçadora. — Você terá de

haver-se comigo se qualquer coisa tiver acontecido a essa

gente.

Thora encarava-o de frente.

— Terei de haver-me coisa alguma! — chiou entre os

dentes. — Fomos atacados, e costumo defender-me contra

qualquer agressão.

— Acha que isso foi um ataque? Desde que a

conheço vive debochando da tecnologia subdesenvolvida

dos terráqueos, e agora vem me dizer que essa tecnologia

representa uma ameaça?

— Acontece que essa gente destruiu meu cruzador.

— Isso só aconteceu porque você não foi capaz de

defendê-lo — vociferou Rhodan. — Você sabe

perfeitamente que esta nave dispõe de proteção eficaz

contra qualquer arma terrena.

Thora ficou calada. O vermelho de seus olhos

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flamejava por entre as pálpebras entreabertas.

— Está bem — disse Rhodan com a voz cansada. —

Vamos pousar.

* * * O grito de Nyssen despertou os outros.

— Meu Deus, o que é isso? Estavam acompanhando

a trajetória dos foguetes, para observar a explosão.

Viraram a cabeça e viram a modificação que se processava

em silêncio nos destroços de sua nave.

Deringhouse soltou um gemido, o que fez com que

Freyt recuperasse o autocontrole.

— Não se mova!

— Está bem; esperarei — respondeu Nyssen.

“Meu Deus” pensou Freyt apavorado, “atacamos as

pessoas erradas.”

A Terra já estava bem informada sobre as armas dos

arcônidas, motivo por que Freyt pôde identificar o tipo de

destruição que estava sendo levada a efeito em sua nave.

Sob a influência de um campo elétrico cuja microestrutura

correspondia àquela que mantém as moléculas unidas sob

a forma de cristais, esses cristais se desintegravam,

liberando as moléculas. O que sobrava era um gás

rarefeito, cujas componentes eram as mesmas da matéria

sólida de que se originara.

Esticando a cabeça para frente, Deringhouse

contemplou a obra de destruição. As paredes da

Greyhound entraram em decomposição; dali a pouco não

sobrava nada. Todo o processo não durara mais que quatro

ou cinco segundos. O reator, os mecanismos propulsores e

os tanques de combustível, privados de apoio, começaram

a escorregar e caíram ao chão.

Retendo a respiração, Freyt percebeu que nenhumas

dessas peças foram atacadas. Quando o pesado reator,

depois de alguns sacolejos, atingiu a posição de repouso,

começou a acreditar em milagres. Não estavam atirando

mais.

— Nyssen — disse com a voz tão débil que o capitão

mal podia ouvi-lo. — Venha cá!

Nesse instante uma enorme sombra negra projetou-se

sobre a planície ensolarada. Soltando um grito de pavor, o

tenente virou-se e tropeçou.

Mas era apenas a nave esférica dos arcônidas que se

preparava para pousar.

Nyssen teve tempo de admirá-la à vontade. Já a vira

antes. Foi há cerca de nove meses, quando acompanhara

Freyt no ataque ao cruzador cujos destroços se

encontravam diante deles. Acontece que naquela

oportunidade a distância fora muito maior.

— Meu Deus, que coisa monstruosa! — disse com a

voz espantada.

Freyt olhou-o. Ao que parecia, já recuperara a calma.

— Muito bem. Vamos até lá para pedir desculpas.

* * * Rhodan viu os três vultos que caminhavam por entre

os destroços. A distância era tão reduzida que se podia

estabelecer contato pelo rádio de capacete.

— Deixem de tolices! — ordenou Rhodan com a voz

áspera.

— Está bem, Rhodan — soou a voz de Freyt depois

de algum tempo. — Três náufragos como nós só podem

ser razoáveis.

Rhodan espantou-se ao ouvir aquela voz.

— Quem está falando? Será que é Freyt?

— Sim, sou eu.

— Quem são os outros?

— O capitão Nyssen e o tenente Deringhouse.

— Muito bem. Entrem.

Rhodan virou-se. Ouvira um ruído às suas costas. Era

Thora. Ao ouvir o nome Freyt exaltara-se, jogando para

trás o leito em que estivera sentada.

— Então é Freyt! — chiou, quando Rhodan lançou os

olhos sobre ela. — O homem que destruiu meu cruzador.

Rhodan não permitiu que prosseguisse.

— Não foi só Freyt. Não é o único culpado, ainda

mais se considerarmos que apenas estava cumprindo

ordens.

Os olhos de Thora chisparam um fogo avermelhado.

— O que pretende fazer com essa gente?

— Recebê-los a bordo. Tem alguma outra idéia?

— Isso está fora de cogitação. Não o permitirei!

Quem comanda o cruzador sou eu.

— O cruzador não existe mais.

— Esta nave auxiliar pertence ao cruzador. Essa

gente não será recebida a bordo.

De tão furiosa que se achava, parecia não ter dúvida

de ter dito a última palavra.

Mas houve um epílogo, e um epílogo que se revestia

de uma importância decisiva. Os presentes tiveram a

impressão de que testemunhavam uma luta singular e

extraordinária.

Rhodan virou-se para Bell.

— Bell, abra a comporta A.

— Pois não.

Thora, que lhe dera as costas, virou-se abruptamente.

— Acabo de dizer...

— O que você diz não me interessa — respondeu

Rhodan.

Crest, tomado de uma dor súbita, gemeu. Ninguém

lhe deu atenção.

— Esses homens não subirão a bordo da minha nave

— disse Thora, atropelando as palavras. — Acho que fui

bastante explícita. Proíbo...

— Você não pode proibir coisa alguma — advertiu-a

Rhodan em tom enérgico.

As palavras que Thora ainda quis proferir

transformaram-se num murmúrio ininteligível.

Deixou cair os ombros. Crest levantou-se, pegou-a

pelo braço e levou-a para fora.

Rhodan passou a mão pela testa. Bell deu um suspiro.

No corredor ouviram-se passos. A figura esbelta de

Freyt surgiu junto à escotilha.

Fez continência.

— Você tem diante de si um homem contrito —

disse, dirigindo-se a Rhodan. — Peço desculpas pelo

engano.

Sorriu ligeiramente. As feições de Rhodan

permaneceram sérias.

— Que engano?

— Pensamos que sua nave fosse dos Dl e procuramos

destruí-la.

— Por que não responderam às nossas mensagens?

— Nem sabíamos que haviam enviado mensagens.

Nossa nave sofreu avarias durante o pouso; o aparelho de

radiocomunicação ficou inutilizado.

— O que veio fazer na Lua?

Freyt baixou os olhos.

— Não é necessário responder — prosseguiu Rhodan

com a voz zangada. — Pretendiam remexer os destroços

do cruzador para ver se não poderiam conseguir algumas

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armas aproveitáveis para o Estado-Maior da OTAN. Não é

isso?

Freyt não respondeu. Empurrando-o para o lado, o

capitão Nyssen postou-se diante de Rhodan.

— Major Rhodan, você já foi um dos nossos. Quando

saiu da escola de cadetes, eu já era capitão. Infelizmente

sou...

— Não se desvie do assunto!

Nyssen sorriu.

— Você terá que ouvir-me até o fim, tal qual fazia

quando ainda não passava de um simples cadete. Sabe

perfeitamente como trabalha a Força Espacial. Recebemos

ordem de voar até a Lua e remexer estes destroços. Não

venha me dizer que não sabe o que teriam feito de nós se

não tivéssemos embarcado imediatamente.

— Poderiam ter-me avisado — respondeu Rhodan.

Subitamente o rosto de Nyssen assumiu uma

expressão séria. Falando um pouco mais baixo, disse:

— Acontece que não é qualquer um que pode dar as

costas à pátria e fundar um clube só para ele.

As pessoas que se encontravam na sala de comando

retiveram a respiração. Todos entenderam o sentido das

palavras de Nyssen; esperavam a reação de Rhodan.

Este ficou imóvel como uma estátua. Não se saberia

dizer se a censura lhe causara qualquer impressão.

Depois de algum tempo deu de ombros e estendeu a

mão para Nyssen.

— Está bem, capitão — disse com um sorriso. —

Você ganhou.

* * * — Como vai ela?

— Tudo em ordem — respondeu Crest. — Se eu

fosse você, não faria uma coisa dessas pela segunda vez.

Rhodan deu de ombros.

— Não tive alternativas.

Crest confirmou com um vigoroso aceno de cabeça.

— Você não imagina que energia terrível há no olhar

dessa mulher. Acho que fui a única pessoa que sentiu todo

o impacto desse olhar. Até parecia que alguém queria

varrer meu cérebro com uma vassoura de aço.

Sorriu para Rhodan.

— Você devia estar com muita raiva. Não se esqueça

de que os cérebros dos arcônidas são mais treinados e

melhor utilizados que os dos homens, mas, em virtude da

degenerescência da raça, são menos resistentes. Os seus

ataques brutais podem levar Thora à loucura. Estou

falando sério.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. Estava

muito contrariado.

— Sei disso. Talvez minha intenção fosse essa

mesma naquele momento.

Crest olhou-o. Parecia assustado.

— Mas isso...

Rhodan interrompeu-o com um gesto.

— Isso não se repetirá — disse para tranquiliza-lo. —

Tenho outros meios para obrigar Thora a agir

razoavelmente.

Crest seguiu-o com os olhos enquanto atravessava o

corredor, em direção à sala de comando. Num gesto

inconsciente procurou dar aos seus ombros caídos uma

expressão tão orgulhosa como a de Rhodan. Quando se

deu conta disso, sorriu.

* * * Rhodan despendeu algum tempo em subir com a

Good Hope até colocá-la numa posição que lhe permitisse

estabelecer contato radiofônico com Washington. Manteve

uma conversa demorada com os homens que, segundo

supunha, tinham ordenado a Freyt que voasse à Lua.

Ninguém assumiu a responsabilidade, mas todos

exprimiram seu pesar pelo incidente. Rhodan não se deu

por satisfeito; fez seu preço. Do outro lado houve algum

espanto, mas logo se chegou à conclusão de que não havia

nada a objetar às exigências de Rhodan.

Este logo fez a Good Hope pousar novamente no solo

lunar e pediu que comparecessem à sala de comando os

três sobreviventes da Greyhound, aos quais haviam sido

destinados camarotes individuais.

— Tive uma conversa com o pessoal de Washington

— principiou. — Pediram desculpas, mas isso não me

serve de nada. Manifestei um desejo e, face à situação

atual, resolveram me atender.

Lançou um olhar significativo para Freyt e Nyssen, e

finalmente para o tenente.

— Gostaria que vocês ficassem comigo — disse.

Freyt estreitou os olhos. Deringhouse ergueu-se de

um salto. O único que não reagiu foi Nyssen. Em

compensação foi quem falou primeiro.

— Já lhe dei minha opinião, major.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Não se trata de mudar de campo por puro amor.

Preciso de três bons pilotos espaciais, e os mesmos

acabam de cair em minhas mãos. Se resolverem aceitar a

oferta que lhes faço, a Força Espacial lhes concederá

exoneração com todas as honras. Tudo que têm que fazer é

dizer sim ou não. Dou-lhes vinte e quatro horas para

refletir. Muito obrigado, companheiros.

Levantou-se e saiu.

Duas horas depois obteve a resposta. Era sim.

Rhodan apertou a mão dos três homens. Estava

sorridente.

— Temos muita coisa importante a dizer —

começou. — E estamos com pressa. O exame dos

destroços do cruzador espacial demorará alguns dias.

Gastaram quatro dias nesse exame. Foi um tempo

bem empregado.

Os robôs da Good Hope — Rhodan trouxera alguns

deles da Terra — tiraram do núcleo quase intacto do

cruzador tudo que parecia útil e podia ser carregado na

nave. Muitos objetos tiveram que ser empilhados. Os

robôs usaram as chapas do cruzador que ainda se

encontravam em bom estado para construir um tipo de

barraca, na qual abrigaram o restante da carga.

Rhodan fez uma relação das máquinas e aparelhos

que haviam retirado do cruzador. Grande parte eram bens

de consumo destinados às trocas intergalácticas, nos quais

Rhodan viu a solução definitiva dos problemas financeiros

da Terceira Potência. Assim que tivesse em mãos o

produto da venda desses artigos, Homer G. Adams poderia

dedicar sua capacidade genial à solução de problemas mais

importantes.

Rhodan reservou, para uso próprio, uma série de

canhões de radiação de autopropulsão, armas energéticas

portáteis e uma instalação completa para a produção de

robôs especiais.

O exame da nave revelou outra coisa, que o próprio

Rhodan nem chegou a perceber. Foi Thora que o avisou.

Rhodan dispunha de um camarote especial a bordo da

Good Hope, o que também acontecia com os outros

tripulantes daquela nave de grandes dimensões, calculada

para uma tripulação muito maior. Por duas vezes Thora já

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julgara necessário procurá-lo ali; mas alguns meses já se

tinham passado desde a última visita.

Por isso Rhodan ficou surpreso ao encontrá-la em seu

camarote naquela noite. Confortavelmente instalada numa

poltrona, balançava os pés.

Era noite, de acordo com a escala de tempo terrena.

Mas lá fora, na planície pedregosa, o sol continuava a

brilhar quase com a mesma intensidade de quatro dias

antes, quando a Good Hope pousou junto aos destroços da

Greyhound.

Ao que parecia, Thora não tinha a intenção de voltar

a falar no incidente havido com os tripulantes da nave

americana. Com um olhar amistoso disse:

— Acho que já é tempo de estabelecermos um bom

relacionamento.

Rhodan não dissimulou o espanto.

— É o que vivo dizendo há muito tempo —

respondeu. — Fico satisfeito em saber que resolveu

converter-se à minha opinião. Qual foi a causa da

mudança?

— A reflexão.

Rhodan procurou descobrir o que ela queria dizer.

Não acreditava que de um dia para outro compreendera as

ideias que não conseguira assimilar em um ano.

— Está bem. O que vamos fazer?

— Da minha parte prometo que não contestarei mais

sua posição de comandante desta nave e de outras que

ainda vamos construir — respondeu Thora.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Fico-lhe muito grato.

Rhodan falou devagar e procurou dar um tom

simpático à voz. Mas não o conseguiu, porque o espanto

era maior que a simpatia.

— De outro lado — prosseguiu — dependerei de

suas luzes em muitos pontos.

Thora sorriu.

— Não diga isso. Você sabe tanto quanto qualquer

comandante de cruzador arconídico, inclusive eu.

“Onde será que essa mulher quer chegar com estes

elogios?”, pensou Rhodan.

— Iremos a um planeta que vocês chamam de Vênus,

não é?

— Sim, naturalmente — respondeu Rhodan em tom

distraído.

Todas as pessoas que se encontravam a bordo da

Good Hope já sabiam disso antes de deixar a Terra.

— Será possível levarmos de uma vez tudo que

retiramos do cruzador?

— Não. Teremos de fazer três viagens.

— Isso levará bastante tempo. Acha que o pessoal

que ficou na Terra pode ser deixado só por tanto tempo?

— Por que não? Ras Tshubai é um elemento digno de

toda confiança. Além disso, serei avisado se houver algo

de anormal.

Thora continuava a balançar os pés. Tinha o aspecto

de quem procura lembrar-se de alguma coisa que ainda

possa dizer. Não se recordou de nada e levantou-se.

Seguindo os costumes humanos, estendeu a mão em

direção a Rhodan.

— Faço votos de que tenhamos uma boa colaboração

— disse.

Umas porções de ideias se cruzaram na cabeça de

Rhodan. Não sabia o que significava toda essa conversa.

Era a primeira vez em todo aquele tempo que se sentia

inseguro.

— Seria formidável se pudéssemos conversar mais

vezes.

— No que depender de mim, isso será feito —

respondeu Thora com um aceno de cabeça.

* * * Pouco antes da decolagem Rhodan teve uma palestra

com Crest. Provocara-a na esperança de descobrir alguma

coisa sobre os motivos do comportamento de Thora. Mas

quando se viu diante de Crest, não soube como traduzir

suas preocupações em palavras.

Mas deixou as ideias à vista, de modo que Crest pôde

lê-las no seu rosto.

— Que tal está o cruzador? — perguntou Crest por

achar que o problema era tão melindroso que seria

preferível não abordá-lo diretamente. — Será que existe

alguma possibilidade de colocar em funcionamento ao

menos o núcleo central?

— Está se referindo à nave espacial?

Crest confirmou com um aceno de cabeça. Rhodan

respondeu prontamente com algumas sacudidelas.

— É impossível. Não sobrou nenhuma peça do

mecanismo propulsor. Conseguimos resgatar as

instalações destinadas à fabricação de robôs. Acho que

elas nos serão muito úteis.

— Contando com os robôs especiais, quanto tempo

nós levaremos para construir na Terra uma nave que

realmente esteja em condições de enfrentar o espaço?

Rhodan deu de ombros.

— Alguns anos.

— Está vendo? — disse Crest.

— Não vejo nada. Crest sorriu.

— Conheço alguém — disse em tom matreiro — que

apoiou seu orgulho desarrazoado numa última esperança

de encontrar o caminho de volta sem o auxílio de uma

desprezível raça subdesenvolvida. Quando percebeu que

essa esperança não se realizaria... bem, você viu.

Rhodan compreendeu.

— Quer dizer que durante todo esse tempo ela

acreditou que seria possível colocar o cruzador espacial

em condições de navegabilidade?

Crest confirmou com um aceno de cabeça.

— Ela se agarrou a essa esperança, mas agora tem de

largá-la. Não foi fácil. Acho que está precisando de algum

apoio.

— O caminho está aberto — respondeu Rhodan

laconicamente.

* * *

Rhodan e Bell completaram o cálculo da trajetória

em quinze minutos. Na sua configuração atual, o triângulo

Terra-Sol-Vênus assumia uma posição quase vertical em

relação ao Sol. Com isso os cálculos tornavam-se mais

fáceis.

Rhodan e Bell utilizaram uma das calculadoras

eletrônicas existentes a bordo da Good Hope. Ao contrário

das calculadoras terrenas, que no caso exigiriam uma

programação complexa e uma série de operações

matemáticas, o aparelho arconídico trabalhava de forma

bastante simples, reduzindo as funções a um mínimo.

O voo decorreu sem incidentes. A distância de 180

milhões de quilômetros foi percorrida em três horas.

Para os três astronautas americanos, tratava-se de um

acontecimento que os levou ao limite da sua capacidade de

compreensão. Até Nyssen perdeu o autocontrole; o

espanto deixou-o mudo.

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Freyt deu-se conta de como a técnica dos arcônidas

devia ser superior à dos terráqueos para permitir que suas

naves realizassem voos desse tipo. Subitamente sentiu-se

pequenino e miserável. Indagou de si para si como Rhodan

teria vencido esse choque, que sem dúvida sentira da

mesma forma que ele.

Ao iniciar-se a operação de frenagem, Vênus surgiu

sob a forma de uma bola amarela bem na linha de sua

trajetória. De início surgiu apenas um vago tremeluzir na

tela, mas dentro de alguns segundos percebia-se

nitidamente o planeta coberto por uma camada de nuvens.

A esfera amarela cresceu para além das bordas da tela

e seu brilho foi diminuindo. A turbulência da atmosfera de

Vênus tornou-se perceptível.

Vênus efetuava um movimento de rotação a cada 240

horas. O dia desse planeta tinha a duração de dez dias

terrenos. Além disso, ficava cerca de uns trinta por cento

mais próximos do centro de nosso sistema solar que a

Terra. Esses dois fatos faziam com que, apesar da

atmosfera protetora, houvesse uma diferença considerável

entre a temperatura diurna e noturna. Essa diferença

ocasionava tempestades tão intensas que um furacão dos

Caribes seria como uma pá de brinquedo comparada com

um trator.

Mas essas tempestades não atingiam a Good Hope.

Era bem verdade que ela oferecia um bom alvo aos

temporais que, ao penetrarem na atmosfera, atingiam

velocidades de até quinhentos quilômetros por hora;

todavia, a energia de que era dotado seu dispositivo

estabilizador bastava para mantê-la na rota.

Bell encarregou-se do localizador. Por ocasião de sua

primeira visita a Vênus, realizada há poucos meses,

Rhodan efetuara um mapeamento rudimentar de toda a

superfície do planeta, fixando as coordenadas a partir de

um ponto arbitrariamente escolhido. O continente

equatorial, onde Rhodan pretendia instalar a base,

estendia-se dos dezesseis graus de latitude sul aos vinte e

dois graus de latitude norte, e de zero a cinquenta e quatro

graus de longitude oeste. Sua superfície correspondia à da

América do Sul. A extremidade leste fora batizada de cabo

Cabeça de Cão, por causa de seu formato. A linha de

longitude zero passava pela ponta desse cabo.

O continente ainda não tinha nome, tal qual o mar

que o banhavam. Mas Rhodan fizera um estudo detalhado

de sua subdivisão e decidira instalar a base na costa norte,

junto à foz de um rio de mais de dez quilômetros de

largura. O terreno estava coberto por um matagal

impenetrável. Ninguém desejaria montar o acampamento

num ponto afastado da costa.

Os graves acontecimentos que se desenrolaram na

Terra não permitiram que a primeira expedição fizesse um

estudo mais minucioso das formas biológicas existentes no

planeta Vênus. Rhodan e os outros membros do grupo só

sabiam que o continente equatorial abrigava várias

espécies gigantescas e primitivas.

Sobre a flora não sabiam praticamente nada. As

folhas eram verdes como as da Terra, e não havia a menor

dúvida de que o ciclo da vida se desenvolvia no mesmo

sentido que o do planeta Terra.

O fator decisivo da escolha de Vênus como sede da

base foi a composição surpreendentemente favorável de

sua atmosfera. Era bastante densa para mitigar os efeitos

do Sol, que ficava bastante próximo, tornando suportável a

permanência humana. Durante as duzentas e quarenta

horas do dia reinavam temperaturas que em média

atingiam cinquenta e cinco graus centígrados. Durante a

noite, que tinha a mesma duração, o termômetro indicava

treze graus. A camada de nuvens que sempre cobria o

planeta fazia com que houvesse uma luz crepuscular e um

clima de estufa que se mantinha constante por várias

horas.

* * * — Olhe o cabo Cabeça de Cão! — anunciou Bell.

A estranha ponta de terra apresentou-se sob a forma

de uma mancha branca sobre o fundo verde reluzente da

tela.

Rhodan estava realizando a direção manual da Good

Hope. Face à reduzida exatidão dos dados consignados no

mapa, o pouso constituía um problema que não poderia ser

deixado a cargo da direção automática.

O cabo Cabeça de Cão deslizou pela tela do

localizador, arrastando atrás de si o continente com o

litoral que se desenvolvia nas direções noroeste e sudoeste.

Depois de algum tempo, o cabo desapareceu por uma das

bordas da tela, e os primeiros rios tornaram-se visíveis no

trecho de terra que ficava abaixo da Good Hope.

Rhodan verificou a altitude. Noventa e um mil

metros.

Comparou o quadro que se desenhava na tela com as

linhas de seu mapa. A distância entre o ponto em que se

encontrava a nave e a foz do rio onde seria instalada a base

ainda era de quatro mil quilômetros.

— É o rio das Mil Voltas! — exclamou Bell.

Escolheram esse nome porque nos seus meandros

intermináveis, o curso d'água descrevia inúmeras curvas e

volteios.

Bell registrava suas observações a intervalos

regulares, pois sua memória era excelente em relação a

mapas e configurações de terrenos.

Freyt, Nyssen e Deringhouse mantinham um silêncio

compenetrado. Crest e Thora, sentados num dos leitos,

observavam as telas. Tako Kakuta entrara em companhia

de Anne Sloane; também pareciam admirados. Rhodan

cumprimentou Anne com um gesto amável. Ela quase não

saíra da cabina desde que decolaram da Terra.

Manoli, bastante contrariado e olhando de vez em

quando para a tela do rastreador, ocupava-se com o

equipamento de rádio, que se mantinha em silêncio. Se é

que em Vênus existia alguma forma de vida dotada de

inteligência, a mesma ainda não atingira um estágio que

lhe permitisse utilizar a transmissão de mensagens sem fio.

— Aqui — exclamou Bell com a voz alta e alegre —

fica o...

Não pôde prosseguir. Um tremendo solavanco

sacudiu a nave, e o quadro na tela deu um salto para o sul.

As sereias de alarma uivaram.

“É um ataque!”, pensou Rhodan. “Alguém nos

ataca.”

Reagiu instantaneamente.

— Thora. Assuma seu posto de armas.

— Posto de armas ocupado.

— Conseguiu localizar alguma coisa?

— A localização não reage.

— Bell!

— Pronto!

— Coloque em posição os instrumentos externos.

Procure descobrir o que é.

— Está bem.

— Thora — gastou o tempo necessário para voltar e

encará-la — desta vez você vai aguardar minhas ordens

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antes de atirar.

Thora limitou-se a confirmar com um aceno de

cabeça.

Rhodan pôs toda a potência nos reatores. Orientou o

acelerador de partículas, que produzia as ondas de matéria.

Uma simples manipulação da respectiva chave bastou para

regular o suprimento da massa de apoio.

A Good Hope opunha-se com o empuxo máximo dos

seus reatores à força estranha que a impelia para o norte.

Rhodan olhou fixamente para a tela do rastreador.

Bell anunciou:

— Campo gravitacional orientado procedente de zero

hora três minutos.

— Quero uma localização mais precisa — disse

Rhodan.

Com uma satisfação feroz, constatou que conseguia

manter a nave no mesmo lugar.

Bell calculou com uma pressa febril. Em palavras

apressadas deu a posição:

— Ponto de origem do campo em 29 graus 18

minutos norte, 15 graus 48 minutos leste.

— Thora!

— Tudo preparado.

— Fogo!

Comprimindo um botão, Thora disparou uma série de

foguetes gravitacionais, que no mesmo instante fizeram

sua aparição na tela de orientação de tiro.

No momento da explosão um foguete gravitacional

desencadeava um choque de gravidade que, conforme o

grau de estabilidade do alvo causava graves danos ou a

desagregação total do mesmo. Uma vez que a energia

gravitacional se desenvolvia num espaço de cinco

dimensões, os anteparos capazes de oferecer proteção

contra os efeitos dessas bombas eram extremamente

complicados. Thora fazia votos de que o inimigo, fosse ele

quem fosse, não dispusesse desses anteparos.

Na tela de orientação viam-se os minúsculos pontos

deslocarem-se para o norte. No local calculado por Bell,

um pequeno ponto reluzente surgiu na margem da tela

rastreadora.

— É um objeto metálico — constatou Bell.

Os foguetes de Thora prosseguiam na sua trajetória.

Aproximavam-se inexoravelmente do alvo. Na atmosfera

desenvolviam uma velocidade de Mach 10. Dentro de um

ou dois minutos o inimigo deixaria de existir.

Rhodan reduziu a energia do mecanismo de

propulsão da nave; a velocidade aumentou. Ao mesmo

tempo dirigiu-a para baixo. Uma explosão pesada como a

que seria desencadeada por aquela série de foguetes era

uma coisa linda e muito breve. Cinco minutos após a

explosão pousariam junto à base inimiga para verificar o

que sobrara.

Bell concentrou a atenção sobre a tela do rastreador,

enquanto Rhodan controlava os instrumentos de controle

de viagem várias vezes por minuto. Thora foi a primeira

que, através da imagem da tela de orientação de tiro,

tomou conhecimento dos acontecimentos espantosos que

se verificaram com os foguetes por ela disparados.

Toda a formação, constituída de seis projéteis, que

até então desenvolviam trajetórias paralelas e bastante

próximas, orientadas para o norte, descreveu subitamente

uma curva para o leste, aumentou de velocidade e dali a

poucos segundos, sob a influência do inimigo, deslocou-se

para fora do campo de alcance da tela de orientação de

tiro.

O susto deixou Thora paralisada. Demorou tanto em

virar-se e soltar um grito abafado que Rhodan chegou

tarde para ver o que havia acontecido com os foguetes.

Thora fez seu relato em palavras confusas. Rhodan

correu de volta para o assento do piloto, pôs toda a força

no mecanismo propulsor e voltou a imobilizar a nave,

submetida à ação de dois campos energéticos opostos.

As ideias cruzavam-se vertiginosamente em seu

cérebro, originando um quadro bastante vago: os Dl!

Era apenas uma suposição, mas entre todas as

hipóteses possíveis era a mais provável e racional. Os Dl

possuíam uma base ainda desconhecida na Lua. Era

perfeitamente possível que também tivessem concebido a

idéia de instalar uma base alternativa em Vênus.

Havia uma única contradição que não sabia explicar.

Por que não realizaram um ataque direto contra a Good

Hope? O raio direcional, consistente de um campo

gravitacional orientado, era uma força relativamente suave

face aos recursos de que certamente dispunha um inimigo

que sem mais aquela desviava seis foguetes gravitacionais.

Rhodan não se deixou perturbar pela confusão

causada pelas sucessivas hipóteses levantadas por Thora.

Fez o que lhe parecia mais acertado: aos poucos foi

conduzindo para baixo a Good Hope, que com toda a força

dos seus mecanismos lutava contra o raio direcional. De

um momento para outro aguardava um ataque mais eficaz

da parte do inimigo desconhecido, mas nada aconteceu.

Rhodan procurou compreender a mentalidade daqueles

seres que, ao que tudo indicava, desejavam apoderar-se da

nave inimiga, mas nada faziam para impedir que a mesma

se libertasse de sua influência.

A força tremenda arrastara a Good Hope além do

paralelo quarenta de latitude norte. Já haviam passado pelo

litoral do continente ártico, que se localizava quase

exatamente no paralelo trinta e oito.

Rhodan pôs fim à discussão que se desenvolvia atrás

de suas costas.

— Vamos pousar — anunciou. — Espero que com

isso consigamos nos subtrair à influência estranha.

Provavelmente será mais fácil nos aproximarmos do

inimigo pela superfície do planeta. Não temos alternativas.

O inimigo é superior a nós, ao menos na quantidade de

energia de que pode dispor; tomara que não o seja também

nos aperfeiçoamentos técnicos. Se estiver no mesmo nível

que nós, não terá possibilidade de localizar-nos depois que

tivermos pousado. Naturalmente o continente ártico deve

oferecer muitas possibilidades de ocultar uma nave como a

nossa. Enquanto estivermos dentro do matagal, ou pouco

acima dele, seremos invisíveis. Por outro lado, não

podemos nos dar ao luxo de deixar completamente fora

das nossas vistas um inimigo que se encontra em nossa

área de atuação. Assim nada nos resta senão nos

arrastarmos pelo matagal.

Bell estava a ponto de responder. Mas nesse exato

instante os acontecimentos tomaram um rumo

completamente novo: o receptor a cargo do Dr. Manoli

começou a dar sinal de vida.

O equipamento funcionava com base em hiperondas.

Isso significava que o inimigo possuía um emissor capaz

de operar nessa faixa. Dali se concluía que sua técnica era

bastante desenvolvida.

Do receptor saíram palavras acusticamente perfeitas,

distinguíveis uma das outras. Acontece que ninguém as

entendia, nem mesmo Crest.

— Responda — disse Rhodan, dirigindo-se a Manoli.

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— Nossas intenções são pacíficas. Não admitimos

qualquer intromissão em nossa rota.

Manoli fez o que lhe fora ordenado. Mal terminara,

quando a resposta começou a sair do receptor. Rhodan

esperara que conseguisse analisar aquela língua. Mas as

palavras continuavam ininteligíveis.

Afastando Manoli, Rhodan repetiu a mensagem na

língua dos arcônidas. Mais uma vez a resposta veio sob a

forma de uma série de sons incompreensíveis. Teve a

impressão de que o interlocutor desconhecido repetia

constantemente as mesmas palavras. O fato de ser ele

mesmo o destinatário da mensagem não o impressionava.

— Crest! — gritou. — Vou retirar a fita. Coloque-a

no tradutor e procure descobrir que língua é essa.

Abriu o registrador de fita acoplado com o emissor-

receptor e cortou a parte da fita que registrara a mensagem

do desconhecido. Crest inseriu-a na tradutora automática.

O estranho desistiu de transmitir suas mensagens.

Com certa inquietação Rhodan deu-se conta de que esse

gesto poderia ser o prenúncio de um ataque. Talvez o raio

direcional não passasse de uma forma de orientação da

nave inimiga. Talvez só agora, quando não obtinha

resposta satisfatória às suas mensagens, compreendesse

que uma nave estranha se aproximava.

Rhodan fez a Good Hope baixar o mais rápido

possível. A altitude ia diminuindo, e a dez mil metros do

solo também diminuiu subitamente a intensidade do

campo gravitacional do inimigo. A mil metros desapareceu

praticamente, e a Good Hope recuperou sua capacidade de

manobrar.

Bell, que reassumira seu posto, observava o trecho de

terreno projetado sobre a tela do rastreador. A essa altitude

também as telas óticas começaram a funcionar. A camada

compacta de nuvens ficara para trás a uma altitude de

cerca de cinco quilômetros, e o terreno acidentado, talvez

montanhoso, do continente polar ofereceu-se, nas telas, à

visão dos observadores.

— Montanhas até seiscentos metros de altura —

anunciou Bell.

Rhodan respondeu com um aceno de cabeça; parecia

satisfeito.

— Isso basta para esconder uma nave de sessenta

metros.

Crest, que concluíra o exame da fita, aproximou-se

do assento do piloto. Rhodan afastou-o com um gesto,

antes que começasse a falar.

— Um instante, por favor. Dentro de cinco minutos

minhas mãos estarão livres.

Bell começou a comparar as imagens projetadas na

tela do rastreador e do visor ótico. A nave continuava a

descer.

— Olhe! — exclamou. — Nosso lugar é ali.

Rhodan levantou os olhos. Na direção nordeste,

ligeiramente fora da trajetória da Good Hope, uma série de

colinas estendia-se pelo terreno, subindo suavemente até o

cume da primeira montanha. A uns dois terços da distância

que separava a planície do cume abria-se uma cratera. Era

redonda e seu diâmetro media uns duzentos metros. Suas

bordas desciam para as profundidades das colinas. No

lugar em que se encontravam não era possível determinar a

profundidade.

Rhodan respondeu com um aceno de cabeça e

modificou o curso da nave. Passou junto à montanha,

seguiu a linha da cumeeira e parou acima do centro da

cratera.

A visibilidade era boa. A Good Hope estava

estacionada a menos de cem metros acima da borda da

cratera. A profundidade da mesma era de cerca de oitenta

metros. Rhodan sentiu-se tranquilizado ao perceber que as

paredes não eram muito íngremes, como as crateras

vulcânicas.

— Está bem — disse. — Vamos pousar.

O fundo da cratera estava coberto de um emaranhado

de vegetação e de algumas árvores.

As telas escureceram quando a Good Hope

mergulhou. Rhodan desceu devagar, com muita cautela.

Quando as bordas da cratera se erguiam acima do ponto

mais alto da nave, o sinal azul de parada iluminou-se no

painel.

A Good Hope concluíra o pouso.

III

Rhodan voltou-se. Crest estava de pé atrás dele, com

a fita do tradutor na mão.

— Diz que se trata de uma forma antiga do

intercosmo — informou. — Aqui está a tradução.

Entregou o cartão a Rhodan. Na linguagem silábica

dos arcônidas lia-se a seguinte mensagem:

Queiram dar o sinal convencional em código.

Bell olhou por cima de seus ombros. Dominava a

língua arconídica, escrita ou falada, tão bem quanto

Rhodan, Crest e Thora.

— Sinal convencional! — murmurou. — Com quem

será que essa gente convencionou alguma coisa?

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Isso não é tão importante. O que interessa é saber

o que vem a ser o intercosmo antigo.

Procurou recorrer à memória do que lhe fora

transmitido pelo treinamento hipnótico. Intercosmo?

Intercosmo antigo?

Ao que parecia Crest também não dispunha de uma

resposta. Rhodan sabia da existência de uma língua

denominada de intercosmo. Servia de instrumento de

comunicação em todo o Império. O intercosmo

desenvolvera-se nos últimos mil anos da escala de tempo

terrestre. O adjetivo antigo parecia indicar que havia uma

forma ainda mais velha dessa língua. Mas nem Rhodan

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nem Crest sabiam dizer quando a mesma se desenvolvera,

e por quem era usada.

De qualquer maneira era tão antiga que não guardava

a menor semelhança com o intercosmo falado nos dias

atuais.

Rhodan levantou-se.

— Assim não chegaremos a nada. Temos que pôr-nos

a caminho.

Abandonou a suposição de que dera com uma base

desconhecida dos Dl. Pela estrutura do seu cérebro, esses

seres não utilizavam nenhuma língua para comunicar-se.

Se dispusessem de uma base neste planeta, teriam usado a

via telepática para solicitar a senha codificada.

Isso tranquilizou Rhodan, embora ele não dispusesse

de qualquer informação que lhe permitisse concluir que o

inimigo com que se defrontava não era ainda mais

perigoso que os Dl.

Olhou os presentes um por um e disse em tom

compenetrado:

— Não vamos perder tempo. Antes que termine o

dia, nossa patrulha deve avançar um bom pedaço.

* * * — O que lhe parece?

Rhodan estava no seu camarote, em companhia dos

dois arcônidas. Há meia hora Bell, Tako Kakuta e os três

astronautas americanos haviam saído da nave para

explorar os arredores e realizar o levantamento

cartográfico do terreno.

Thora parecia abatida. Rhodan indagou de si para si

se isso ainda seria efeito da impressão causada pelo

cruzador espacial destroçado sobre a Lua, ou se o seu

estado fora causado pelo surgimento de um inimigo

desconhecido, capaz de enfrentá-la de igual para igual.

Crest inclinou-se.

— Não podemos formular nenhuma conjetura —

respondeu. — Não temos qualquer indicação sobre os

seres que se põem no nosso caminho.

— Indagou aos registros?

— Indaguei; não sabem de nada. Vênus não consta

entre os mundos habitados onde nossas naves já

aportaram.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Era o que eu esperava. Se os registros soubessem

quem vive em Vênus, minha memória recém-implantada

devia ser capaz de informar o que vem a ser o Intercosmo

antigo. Acontece que não sei; pior que isso, não tenho a

menor ideia do que vem a ser isso.

Crest ficou calado por um instante. Depois

conjeturou:

— Não é de todo impossível que no início da

expansão galáctica alguma expedição arconídica tenha

avançado até aqui e perdido a comunicação com o planeta

natal em virtude de uma catástrofe. Assim se explicaria

por que nossos registros nada sabem sobre esta colônia.

Rhodan refletiu sobre as palavras de Crest.

— Daí se concluiria que segundo os padrões terrenos

esta colônia teria pelo menos dez mil anos.

Crest fez que sim.

— Isso mesmo. Foi nessa época que teve início a

expansão. Alguns séculos depois as comunicações já

tinham sido aperfeiçoadas tanto que uma colônia recém-

instalada nunca poderia cair no esquecimento.

— Muito bem. Suponhamos que se trate de

arcônidas, como vocês. Ou melhor, de arcônidas que se

desligaram da terra natal há dez milênios e certamente

desenvolveram seu próprio estilo de vida. Isso adiantaria

alguma coisa, se não entendem nossa língua, nem nós a

deles?

Crest lançou-lhe um olhar de surpresa.

— Quer dizer...

— O que quero dizer é que temos um inimigo diante

de nós, quer se trate de arcônidas, quer não. E continuará

sendo nosso inimigo enquanto não pudermos informá-lo

sobre nossas reais intenções. Quando pudermos fazer isso,

decidirá se vai ficar conosco ou contra nós.

— Ou se vai ficar neutro — ponderou Crest.

Rhodan estacou. Depois de algum tempo sorriu.

— Acredita mesmo que neste setor da galáxia exista

alguém que possa ficar neutro nos próximos milênios?

Quero dizer mais uma coisa — prosseguiu. — Teremos de

aproximar-nos sorrateiramente da base deles, como se

tivéssemos um inimigo diante de nós. Se não o fizermos,

acabaremos sendo localizados e provavelmente destruídos.

Assim que conseguirmos chegar à base, teremos de atacar.

Faremos o menor estrago possível, mas não podemos

deixar de atacar, nem que seja para entrar e falar com essa

gente. Não nos abrirão as portas espontaneamente. Não

adianta perdermos tempo quebrando a cabeça a este

respeito.

Crest acenou, numa atitude pensativa.

— Meu jovem amigo, sua lógica é de uma energia

assustadora — disse com a voz baixa. — Embora meu

treinamento cerebral tenha sido mais prolongado que o

seu, teria levado algumas horas para chegar a essa decisão.

De qualquer maneira existe a possibilidade de nos vermos

obrigados a atirar contra seres da nossa espécie.

Rhodan levantou-se. Ia dizer alguma coisa, mas

Thora cortou-lhe a palavra.

— Já pensou? — perguntou. — Como é possível que

há dez mil anos, segundo sua escala de tempo, um grupo

se tenha fixado aqui, e em todo esse tempo não tenha

conseguido realizar uma colonização visível do planeta?

Rhodan fez um gesto de assentimento.

— Já pensei nisso. Seria de esperar que num espaço

de dez mil anos um grupo de colonizadores, por menor que

fosse, conseguisse pôr sua marca ao mundo que habita. E o

que encontramos aqui? O matagal, a água, os vulcões. Não

há o menor vestígio de uma civilização.

— Será que um campo gravitacional orientado e o

desvio de seis foguetes não constituem um sinal? —

perguntou Crest numa ironia bonachona.

— Está certo. Mas fora da base não existe nada.

Crest fitou o vazio.

— Que conclusão você tira disso? — perguntou

depois de algum tempo.

— Nenhuma — respondeu Rhodan laconicamente.

— Resolvi quebrar a cabeça com coisas mais importantes.

Assim que conseguirmos penetrar na base deles, lá no

norte, veremos o que encontramos.

* * * Às cento e oitenta horas, tempo local, Bell retornou

com seu grupo. Apresentou-se imediatamente a Rhodan.

Entregou-lhe um mapa desenhado numa folha de plástico,

que tinham levantado com o cartógrafo automático.

— Realizamos o levantamento completo de uma área

com o raio de cem quilômetros em torno da nave. Não foi

fácil, nem mesmo com os trajes transportadores

arconídicos. Não nos arriscamos a subir mais que

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cinquenta metros acima das copas das árvores.

— Tomara que não tenha sido demais — disse

Rhodan em tom preocupado.

— Cinquenta metros? É impossível. A base deles fica

a uns quinhentos quilômetros. A uma distância dessas...

— O traje transportador funciona com base na

gravitação artificial. E uma fonte de gravitação pode ser

detectada a milhares de quilômetros de distância.

Bell empalideceu.

— É verdade. Mas ouça. Talvez o que descobrimos

baste para eliminar suas dúvidas — apontou para o mapa.

— Esta área tem acesso direto ao mar. Um fiorde ou coisa

parecida avança até aqui. Fica a menos de dez quilômetros

do ponto em que nos encontramos. Nessa altura ainda tem

duzentos metros de largura.

— Um fiorde?

— Isso mesmo. A água é salgada e imóvel. Se não

for um fiorde, só pode ser um lago salgado.

Rhodan acenou com a cabeça.

— Está bem; prossiga.

— A água está repleta de animais de toda espécie.

Encontramos peixes completamente normais e um tipo de

foca. De resto, só há bichos horríveis; nunca vi nada

parecido. Você vai ficar todo arrepiado. Há polvos tão

grandes que um batalhão inteiro pode esconder-se atrás

deles; alguma coisa parecida com uma cobra, só que tem

seis pés; e outros bichos que ficam parados em cima da

água que nem um tapete fino. Só se mexem quando se toca

neles. Não lhe dão a menor chance. Ao menos não deram

nenhuma chance à pedra que atirei neles; de repente o

lindo tapete transformou-se numa bola gosmenta que

agarrou a pedra e arrastou-a para o fundo.

Rhodan interrompeu-o rindo.

— Está bem. Mais alguma coisa importante?

Bell lançou-lhe um olhar de censura.

— Pois bem — disse com um suspiro. — O terreno

apresenta um declive para o norte. Localizamos uma

cadeia de montanhas a grande distância. Não acreditei nos

instrumentos, mas os picos mais altos chegam a mais de

dez mil metros!

Rhodan deu de ombros.

— Todo o interior do continente parece ser um

emaranhado de montanhas. Os picos mais elevados ficam

na região em que o inimigo tem sua base. Entre eles há

alguns vulcões bem feitos. Nos demais lugares, o terreno

não oferece nada de interessante. Para o leste e o oeste a

altitude mantém-se constante, embora haja algumas

colinas. Para o sul vai descendo em direção ao mar.

O ar fede a fogo e enxofre, mas pode-se respirá-lo

sem sentir náuseas. Existem animais que são do tamanho

do Empire State Building.

— Vamos devagar, Bell.

— Está bem; são de um tamanho apavorante. Mas

não parecem muito inteligentes. Nyssen testou sua

capacidade de reação. Não teve a menor dificuldade em

flutuar no ar bem à frente da boca deles e escapar em

tempo. Ainda há dois rios pequenos, que correm na

direção geral do sul. Não encontramos mais nada. O mapa

registra tudo o que achamos interessante.

Rhodan assentiu com um movimento de cabeça.

— Você ficou de me explicar por que aqueles seres

estranhos não poderiam localizá-los, mesmo que voassem

a cinquenta metros acima das copas das árvores.

— Estão encurralados no meio das montanhas do

norte, e é muito provável que na nossa direção tenham

pelo menos um cume diante do nariz, que lhes roube a

visão e a possibilidade de localização.

Rhodan virou-se de lado e examinou Bell dos pés à

cabeça.

— E você acha que é impossível que tenham

montado suas instalações de localização em cima do cume

mais alto, para dar-lhe maior eficiência, não é?

— Não, isso não; mas...

Parou em meio à frase.

— Bem, saberemos — disse Rhodan. — Que Deus

tenha compaixão de você se tiver revelado nossa

localização.

Por alguns minutos Bell parecia muito abatido.

Depois disse:

— Acho que, se soubessem onde estamos já nos

teriam bombardeado.

Rhodan sacudiu os ombros.

— Talvez.

* * * Pouco depois das cento e noventa horas chegou o

crepúsculo, e com ele um verdadeiro exército de

tormentas. Rhodan mandara equipar os principais

cronômetros da nave com mostradores adaptados à rotação

de Vênus. O dia tinha duzentas e quarenta horas de Vênus,

e uma hora de Vênus só apresentava uma diferença de

cerca de quinze segundos em relação à hora terrena.

Rhodan decidira manter a patrulha a bordo por mais

algum tempo. Achara conveniente explorar em primeiro

lugar os arredores da nave, a fim de que os homens

pudessem levar o equipamento necessário para a marcha

pela selva. Antes de tudo, quis ter certeza de que a

leviandade de Bell não despertara a atenção do inimigo. Se

este fosse o caso, não poderiam utilizar os trajes

transportadores dos arcônidas, ao menos em voos por cima

das copas das árvores. E abaixo delas eram inúteis. Na

selva do continente polar ninguém conseguiria voar.

Além disso, Rhodan postara sentinelas. Ao menos

um homem que sabia lidar com os instrumentos de busca e

vigilância da Good Hope tinha de permanecer na cabina de

comando. Em caso de emergência talvez não bastasse que

acudissem aos sinais de sirena para defender-se de um

atacante. Quem estivesse de sentinela devia gravar numa

fita as observações mais importantes, quer se

relacionassem com a tarefa da expedição, quer não.

Qualquer indicação, inclusive sobre animais ou

ocorrências da natureza, assumia certa importância na

medida em que contribuía para fornecer um quadro de

informações sobre os arredores.

Rhodan assumiu o primeiro turno, das cento e

noventa as cento e noventa e três horas. Apagou a luz da

cabina de comando, onde não havia mais ninguém e, para

observar os arredores, colocou uma sonda ótica em nível

superior ao da borda da cratera.

A tempestade desenvolvia uma fúria inconcebível em

meio ao crepúsculo.

A tormenta vinha do leste, do meio da noite.

Utilizando uma sonda aerodinâmica, Rhodan mediu a

velocidade do vento.

Constatou valores de trezentos e cinquenta

quilômetros por hora, menores, portanto, que os

observados em grandes altitudes.

Lá pelas cento e noventa e duas horas escureceu por

completo, o que obrigou Rhodan a conectar a sonda ótica

com o dispositivo infravermelho. Com isso perdeu o

colorido das imagens que surgiam na tela. Os raios

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infravermelhos projetavam desenhos brancos em fundo

negros.

Meia hora depois a tempestade começou a amainar.

Bem perto, uma cabeça com formato de cobra surgiu

por cima da folhagem; pertencia a um animal da classe dos

sáurios. O pescoço encimado por uma cabeça minúscula

executava movimentos pendulares. Provavelmente o

animal tentava orientar-se pela tempestade. Rhodan

observou atentamente, para descobrir quanto tempo

gastaria nisso. Ao que parecia a informação de Bell era

correta: os animais não eram nada inteligentes.

Rhodan ligou o gravador e falou:

— Avistei um animal da classe dos sáurios. Com o

pescoço esticado a cabeça fica a uns cinco ou seis metros

acima da folhagem. Leva dez minutos para orientar-se

num terreno que oferece ampla visibilidade.

Era bom saber disso. Com isso a patrulha não

precisaria dar uma volta enorme em torno de cada sáurio

com que se deparasse. Provavelmente poderia passar por

entre as suas pernas, sem que ele percebesse nada.

Subitamente ouviu um ruído atrás de si. Virou-se

abruptamente e viu o vulto esbelto de Thora à luz mortiça

das telas.

— Não meta um susto destes nos outros — disse em

tom de gracejo. — Existe gente mais nervosa que eu.

Thora deu uma risadinha.

— Vim revezá-lo. Seu turno está quase no fim.

Rhodan olhou para o relógio. Faltavam mais de vinte

minutos.

Ambos contemplaram a tela em silêncio.

— Você devia ter visto isso quando a tempestade

ainda uivava — disse Rhodan depois de algum tempo. —

Era um quadro bem romântico.

Thora não respondeu. Levou alguns minutos para

formular uma pergunta estranha:

— Está gostando?

— De quê?

— Deste mundo.

Rhodan confirmou com uma expressão séria.

— Gosto de qualquer mundo em que ponho os olhos.

Conheço muitos deles, alguns bem, outros menos bem. Só

ficarei satisfeito quando tiver visto todos eles.

Prosseguiu depois de uma pausa:

— Por quê? Você não gosta?

Thora hesitou antes de responder.

— Não sei se compreenderá. Quem pertence a uma

raça como a minha sabe que não encontrará nada de novo

no universo. Tudo que descobrimos já foi visto por nós em

outro lugar, igual, ou sob uma forma semelhante. Com o

tempo a gente se cansa de ver coisas, sabe? Às vezes

chego a perguntar quando algum filósofo terá a ideia de

pedir a abolição das viagens espaciais, já que elas não

contribuem para o desenvolvimento espiritual dos seres

inteligentes.

Rhodan deixou que a ideia lançasse raízes em sua

mente. “Não é tão absurda assim”, pensou. “Quem tem

uma história de dezenas de milhares de anos não encontra

mais nada que seja novo.”

— Suas naves nunca atingiram as outras galáxias, ou

melhor, nenhuma das raras tentativas nesse sentido teve

algum êxito. Isso não seria uma possibilidade?

— Você fala como um homem — respondeu Thora

com uma ponta de ironia. — É jovem, curioso e um tanto

impetuoso.

— Sou um homem — disse Rhodan.

— Pense no custo de uma expedição intergaláctica, e

na utilidade que pode proporcionar em comparação ao

mesmo.

— Custo? — interrompeu Rhodan em tom exaltado.

— Quem quer saber de custos quando se trata de um

empreendimento novo, que revolucionará o mundo? O

desenvolvimento do programa de viagens espaciais dos

terráqueos, até a construção da primeira nave lunar,

consumiu tanto dinheiro que toda a humanidade poderia

viver despreocupadamente na maior abundância. Alguém

se preocupou com isso? Não. Na Ásia, na África e nos

países latino-americanos milhões de pessoas continuaram

a morrer de fome, ou de doenças que poderiam ter sido

curadas se houvesse o dinheiro necessário para a compra

de remédios. Em vez disso preferiu-se construir uma nave

lunar. Não sei até que ponto esse tipo de desenvolvimento

pode ser compatibilizado com a moral. De qualquer

maneira a humanidade é um bando de teimosos que não

está empenhado em voltar ao paraíso, mas em satisfazer

sua curiosidade e enfiar o nariz cada vez mais pelo mundo

adentro. Quem sabe se a humanidade já não existiria se

não fosse assim. Não faltaram catástrofes que fizeram tudo

para extinguir a chama de sua vida.

Falara com certa violência. Mas Thora compreendeu

que essa violência não se dirigia a ela. Foi o orgulho da

raça que o arrebatou.

Subitamente Thora invejou-o por esse tipo de

orgulho.

— Não sei se, mesmo nos seus melhores anos, nossa

raça já esteve tão repleta de energia como a sua — disse

depois de alguns minutos.

Rhodan voltou-se e procurou enxergar seu rosto na

escuridão. Seus olhos vermelhos emitiam um reflexo débil

sob a luz das telas. Não parecia que estivesse fazendo

pouco dele.

A resignação daquela mulher inquietava-o e deixava-

o acanhado. Olhou para o relógio. Seu tempo terminara.

— Foi um prazer conversar com você. Espero que

ainda tenhamos muitas oportunidades para isso.

Thora cumprimentou-o com um aceno da cabeça.

Quando fechou a escotilha atrás de si, lamentou não

ter ficado com ela. Thora chegara mais cedo. Por que ele

não poderia ficar até mais tarde? Talvez estivesse

decepcionada. Voltou-se e esteve a ponto de abrir a

escotilha. Mas acabou desistindo. Talvez ela lhe lançasse

um olhar irônico quando o visse entrar de novo, e isso lhe

estragaria a disposição.

Devagar e pensativo foi voltando ao seu camarote.

Sentou na poltrona e fumou um cigarro. Ligou a tela, mas

os aparelhos do camarote não dispunham de sonda, e por

isso só viu as paredes escuras da cratera em que a nave

estava escondida.

* * * Rhodan não sabia quanto tempo tinha dormido

quando foi acordado pela campainha do interfone. Sentiu-

se cansado.

O rosto redondo de Bell surgiu na tela:

— Acorde! — gritou este. — Que diabo, acorde!

Ainda meio sonolento Rhodan pôs o dedo no botão

do interfone e comprimiu-o.

— O que houve? — resmungou.

Bell respirou aliviado.

— Já pensava que você nunca mais...

— Deixe de preâmbulos! Quero dormir.

— Acabo de fazer uma observação, Rhodan.

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— E daí? Registre-a no gravador e deixe-me em paz.

— Nada disso! — gritou Bell. — As focas saíram da

água e estão realizando uma conferência no cume da

montanha. Você não pode deixar de ver isso.

Espantado, Rhodan sacudiu a cabeça.

— As focas? Que focas são essas?

Mas logo se lembrou do relatório que Bell lhe

apresentara no dia anterior. Saiu da cama gemendo.

— Está bem. Já vou até aí.

Não se lavou. Apenas acendeu um cigarro.

Bell estava boquiaberto diante da tela. Fez um gesto

para que Rhodan se aproximasse; não emitiu um som,

como se tivesse receio de assustar as focas.

Rhodan viu que ele acoplara um ampliador setorial

na sonda ótica. Dessa forma conseguira aproximar o platô

da montanha, situado a oito quilômetros de distância, de

tal forma que se distinguiam todos os detalhes.

Tanto a longa encosta daquela montanha de cerca de

quinhentos metros de altura, nem seu cume pareciam ser

diferentes da borda da cratera no que dizia respeito à

composição do solo. A vegetação subia pelas paredes da

cratera, prosseguia pela encosta, tornando-se cada vez

mais rala e deixava o cume completamente à vista.

Rhodan olhou para o relógio. Era pouco antes das

cento e noventa e seis. Bell fora escalado para servir de

sentinela depois de Thora.

Passou a observar a tela. Bell quis dizer alguma

coisa, mas Rhodan interrompeu-o com um gesto.

No cume uns grupos enormes de animais estranhos se

moviam. Tinham uma vaga semelhança com focas; mas,

pela descrição de Bell deviam ser animais da classe dos

peixes, que respiravam através de guelras.

Seus movimentos eram fascinantes. Parecia que

alguma coisa fazia com que sempre dessem o mesmo tipo

de salto ao mesmo tempo.

— Que acha disso? — perguntou Bell.

— Você não disse que são peixes?

— Sim; têm guelras e enquanto os observamos não

puseram a cabeça para fora da água.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Quem sabe se estes peixes não têm pulmão? —

disse em tom pensativo.

— Santo Deus, você acha que a respiração deles é tão

interessante? Gostaria muito mais de saber que tipo de

procissão é esta que estão realizando.

— Não é nada de especial. Na Terra temos coisa

semelhante, como por exemplo, a brama do galo silvestre.

Bell sacudiu a cabeça.

— Nunca vi um galo silvestre bramar, mas tenho

certeza de que não ficam pulando em ritmo como esses

animais.

Rhodan passou a mão pela cabeça.

— Você não deixa de ter razão.

Subitamente o cansaço abandonou-o.

— Rápido, arranje dois trajes transportadores.

Bell levantou-se com um sorriso.

— Finalmente!

Rhodan tomou lugar junto ao interfone e chamou

Crest, que devia ficar de sentinela depois de Bell.

Informou-o sobre o que este havia observado e disse que

pretendiam aproximar-se do bando de focas para observá-

las de perto e capturar uma delas.

Crest concordou e no momento em que Bell e

Rhodan terminaram de colocar os trajes transportadores,

entrou na sala de comando.

— Parece que sua preocupação com o localizador do

inimigo desapareceu como por encanto, não é? —

perguntou Bell quando abriram a comporta externa.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Não pretendo deslocar-me a cinquenta metros

acima das copas das árvores, e, além disso, no nosso caso,

os cumes das montanhas realmente oferecem uma proteção

excelente.

Bell não o contradisse.

Foram voando lentamente bem junto às colinas.

Rhodan se armara com uma pistola de radiação, enquanto

Bell carregava um desintegrador um tanto pesado.

A noite estava escura. De início a diferença entre a

nitidez do quadro que se desenhava na tela e o negrume do

nada para o qual olhavam deixou-os irritados. Mas mesmo

por entre à camada compacta de Vênus penetravam alguns

raios de luz, e com o tempo seus olhos acostumaram-se a

essa iluminação escassa.

Levaram quinze minutos para percorrer os oito

quilômetros. Não se deslocaram com muita rapidez, para

não assustar as focas.

Ficaram observando por alguns minutos. As focas

tinham cerca de um metro.

Geralmente moviam-se como as focas da Terra,

apoiando-se na cauda e nas barbatanas. Mas durante a

dança conseguiam às vezes desprender as barbatanas do

chão, equilibrando-se por meio minuto apenas sobre a

cauda. Pareciam engraçadas e dificilmente alguém

imaginaria que esses animais, mesmo atacados, pudessem

representar um perigo para quem quer que fosse.

Subitamente aquilo que Bell chamara de procissão

terminou. No silêncio que passou a envolver o platô,

Rhodan lembrou-se de que os próprios animais não

haviam emitido qualquer ruído além do arranhar das

barbatanas. Parecia ser um grupo silencioso.

Tudo indicava que se preparavam para deixar o local.

Rhodan deu um empurrão em Bell. Ergueram-se de trás da

moita que os ocultava e com dois ou três saltos alcançaram

o grupo de focas. A reação dos animais foi instantânea. A

maior parte deles desceu em largos saltos a encosta do

outro lado, muito mais íngreme. Outros procuraram

escapar em meio à escuridão. Apenas um deles não foi

bastante rápido para escapar às mãos de Bell e Rhodan.

Por estranho que parecesse não se defendeu quando

notou que estava preso. Ficou deitado de costas, imóvel,

fitando os dois homens com seus olhos grandes.

— Cuidado! — disse Rhodan. — Pode ser um

truque. De repente pode dar um salto e desaparecer.

Mas o bichinho não parecia pensar nisso. Permitiu

que Bell e Rhodan o levantassem. Puseram a funcionar os

propulsores de seus trajes e num rápido voo rasante

levaram-no até a nave.

Crest já avisara o resto da tripulação de que algo de

interessante se passava. Quando Rhodan e Bell entraram

na cabina com o prisioneiro, todo mundo já estava reunido.

— O que pretende fazer com ele? — perguntou

Manoli.

— É o que quero perguntar a você — respondeu

Rhodan. — Chegou a observar esses animais?

Manoli fez que sim.

— Acho que dispõem de um nível de inteligência

relativamente elevado — disse Rhodan. — Como

poderíamos descobrir se é assim?

— Quem sabe se uma análise cerebral não

resolveria? — interveio Bell.

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Rhodan pôs-se a refletir.

— Isso só seria viável se o bichinho fosse capaz de

conceber ideias lógicas. Não custa tentar.

A foca estava estendida sobre uma das mesas do

laboratório. Manoli apalpou-a cautelosamente.

— É estranho — disse. — Sou capaz de apostar que

este animal é capaz de emitir sons. Por que não fala?

Bem junto à cabeça da foca, em cima da mesa de

laboratório trazida para a cabina de comando, havia um

pequeno recipiente de vidro, de paredes bem finas.

Subitamente o animal começou a emitir sons estridentes,

deu um salto e quebrou o vidro. Perplexo, Manoli fitou os

cacos.

— Ora essa! — disse Rhodan. — Devíamos ter

pensado nisso.

No laboratório, repleto de instrumentos destinados a

estabelecer contato com seres de língua e técnica de

comunicação diferente, havia um receptor de ultrassom,

que tinha por fim transformar as frequências supersônicas,

imperceptíveis aos ouvidos humanos e arconídicos,

colocando-as numa faixa audível.

Colocaram o aparelho perto da foca; ouviu-se uma

série de zumbidos, chiados e chilreios. Tais sons foram

gravados em fita, a fim de que o analisador cerebral os

conjugasse com os impulsos cerebrais do animal e

procurasse realizar a reconstituição lógica da linguagem

das focas. Isso, porém, só seria possível se o animal tivesse

emitido uma verdadeira linguagem, e não apenas uma série

de sons inarticulados ditados pelo medo, pela excitação ou

pela raiva.

O analisador era um aparelho pequeno, se o

comparássemos com seu desempenho.

Reforçava as micro-ondas emitidas pelo cérebro e,

com base nos modelos ideológicos armazenados em sua

memória, atribuía-lhes determinado sentido. Partia do

pressuposto de que cada ideia, mesmo vinda de cérebros

diferentes, originava impulsos idênticos, desde que o

cérebro fosse do modelo C-O-H, isto é, pertencesse a um

ser nascido num planeta dotado de uma atmosfera

oxigenada.

O analisador registrava o resultado sob a forma de

impulsos gravados em fitas, que eram interpretadas pelo

cérebro eletrônico.

Rhodan pegou a fita e introduziu-a no computador. A

decifração durou dez segundos. No cartão de plástico

expelido pela máquina lia-se em linguagem arconídica:

Eu,... (palavra

indecifrável, provavelmente o

nome), peço aos sublimes...

(palavra equivalente a deuses

ou divindades) que me

permitam voltar ao meu

elemento (o mar?), pois em

caso contrário morrerei

sufocado.

Rhodan ficou perplexo. Imóvel, fitou a tira de

plástico.

— Tako! — gritou.

— Pois não!

— O bichinho está morrendo sufocado. Temos de

levá-lo imediatamente até a água. Está disposto?

Tako fez que sim. Segurou a foca nos braços.

— Não haverá nenhum problema — disse com um

sorriso.

No mesmo instante desapareceu, para reaparecer logo

após. Rhodan dispôs-se a responder às perguntas que

começaram a chover sobre ele.

— Não há dúvida de que se trata de seres inteligentes

— declarou. — O fato de que o analisador foi capaz de

decifrar seus pensamentos já prova isso. Também não há

dúvida de que se trata de um tipo de peixe dotado de

pulmão. Esse peixe respira de duas maneiras: pelas guelras

e pelo pulmão. Evidentemente a última modalidade ainda

não está suficientemente desenvolvida. As focas só

conseguem sobreviver fora da água por um tempo

limitado.

Depois de uma pausa acrescentou:

— É claro que tentaremos novamente estabelecer

contato com elas. Procuraremos aprender sua língua para

conversar com esses seres. Mais uma coisa: é claro que

não foram as focas que instalaram uma base no norte, com

uma técnica superdesenvolvida. Acho que podemos

excluir esta possibilidade.

IV

Rhodan marcara a partida para depois do nascer do

sol. Mas a noite era tão longa que a impaciência dos

membros da tripulação terrena não lhe permitiria passá-la

na inatividade.

Mandou entregar trajes transportadores aos

participantes da patrulha, e também algumas armas. Além

disso, forneceu-lhes instruções detalhadas.

Os membros da patrulha foi ele mesmo Reginald

Bell, o Dr. Manoli, os três astronautas americanos, Tako

Kakuta e ainda, por insistência sua Anne Sloane.

Estavam a ponto de sair pela comporta da nave

quando o grito de advertência de Crest soou nos

interfones:

— Aguardem! Localizei alguma coisa.

Rhodan mandou que todos permanecessem no

interior da comporta. Ele mesmo dirigiu-se

apressadamente à sala de comando. Crest estava sentado

diante da tela do rastreador, onde se via um enxame de

manchas luminosas brancas, que se deslocavam

nervosamente de um lado para outro, aparentemente sem

destino.

— O que é isso? — perguntou Rhodan.

— Diria que são espiões robotizados — respondeu

Crest. — Não sei se ainda está lembrado: nos primórdios

de nossa história havia instrumentos desse tipo. São apenas

sondas radiogoniométricas, óticas ou de micro-ondas de

grande alcance. O tamanho destas aqui não é maior que

três ou quatro vezes a palma de minha mão.

Modificou a regulagem para ampliar um trecho do

campo de observação. Por alguns segundos viu-se um

pequeno objeto em forma de disco, que se manteve

imóvel. Quando Crest voltou à regulagem normal, o objeto

desapareceu.

— Ainda não nos encontraram — constatou Rhodan.

Crest deu de ombros.

— Quem sabe se não é um truque?

“É isso mesmo”, Rhodan refletiu.

— Seja como for, partiremos — disse depois de

algum tempo. — Mas iremos a pé; não voaremos.

Levaremos um robô-planador, que nos garantirá um

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caminho livre.

Olhou para Thora, para ver se ela estava com medo.

Sorria para ele.

— Manterei contato ininterrupto com você —

prosseguiu Rhodan. — Não exponha a nave a qualquer

perigo. Quando tiver a impressão de que não podemos nos

defender mais sob as nossas cúpulas protetoras, suba, mas

não muito alto, e dê o fora. Seja como for, tentaremos

bater o inimigo. Estamos equipados para alguns meses. Se

a missão falhar, entraremos em contato para estabelecer o

lugar em que possam buscar-nos, ou então — hesitou por

um instante — ou então não haverá mais nada para

comunicar. Naturalmente isso é outra possibilidade.

Crest confirmou com um aceno de cabeça. Sua

atitude quase chegava a ser devota diante de tamanha

audácia. Deu ordem a Bell para que retirasse o pesado

robô-planador dos compartimentos de carga e o instruísse

sobre o que tinha a fazer. Teria que trabalhar em base

semiautomática, isto é, alguém teria que dirigi-lo, pois não

havia tempo para elaborar um programa e introduzi-lo em

seu centro de memória.

— Ficaremos com os trajes transportadores —

explicou Rhodan. — Mas torcerei o pescoço de qualquer

um que se atreva a voar por cima das copas das árvores

sem minha licença.

Bell arrastou o robô pela comporta. Os outros o

seguiram. Quando chegaram à borda da cratera eram

duzentas e trinta horas e trinta, meia hora antes da meia-

noite de Vênus.

Rhodan fez o grupo descer pela outra encosta da

montanha, em direção ao fiorde.

A descida foi muito penosa. Felizmente o caminho

íngreme estava livre de qualquer vegetação que lhes

impedisse a marcha. Certamente a violência das

tempestades fazia com que nada crescesse naquele declive.

O robô-planador, que nada tinha a fazer, avançava

ruidosamente à frente do grupo, esforçando-se para não

perder o equilíbrio. Atrás dele vinha Rhodan, seguido dos

outros. Tako Kakuta formava a retaguarda.

A descida para o mar durou mais de uma hora. Do

cume da montanha até o mar o grupo havia percorrido dois

quilômetros, medidos na horizontal. Impaciente, Rhodan

calculou que nessa marcha consumiriam duzentas e

cinquenta horas de percurso para chegar à base inimiga.

Era bem verdade que a descida fora realizada num terreno

difícil, mas do outro lado do fiorde as coisas não seriam

mais fáceis, pois o terreno, que subia lentamente, estava

coberto de um denso matagal.

Rhodan decidira que o grupo atravessaria o fiorde

com o auxilio dos trajes transportadores. Ao nível da água

não havia perigo de serem localizados, já que o terreno

ligeiramente elevado formava um abrigo.

O robô-planador atravessou o fiorde à sua maneira.

Entrou na água, deixou que a espuma lhe cobrisse as

costas e desapareceu. Seu mecanismo era tão robusto que

poderia enfrentar sem maiores problemas os perigos com

que se defrontasse no fundo do mar.

Acontece que seu avanço impetuoso alarmara os

habitantes do mar. Sombras esguias dispararam pelo ar;

provavelmente tratava-se de um tipo de peixe-voador.

Mais de longe o grito soturno de um animal que homem

algum jamais vira cortou a noite, e em vários pontos luzes

coloridas iluminaram a superfície da água.

— São os tapetes — disse Bell. — Por certo o robô

lhes deu apetite, e agora procuram atrair suas vítimas.

Continuaram parados. De qualquer maneira

chegariam à margem oposta antes do robô, que tinha de

percorrer um caminho mais longo, pelo fundo do mar.

Anne Sloane achegou-se a Rhodan.

— Isto aqui me dá arrepios — disse em tom brejeiro.

Rhodan examinou o grupo.

— Vamos! — ordenou. — Não adianta esperar mais.

Tako Kakuta foi o primeiro que desapareceu.

— Quem dera que eu fosse uma teleportadora —

disse Anne.

O voo foi muito silencioso. Em compensação os seres

aquáticos fizeram um barulho tremendo. Rhodan passou

bem acima de um dos tapetes luminosos. Este pareceu

levantar-se em sua direção, contraiu-se e emitiu uma

luminosidade mais intensa: depois de ter errado o alvo

transformou-se numa bola fosca e desapareceu sob a água.

A travessia durou menos de dois minutos. Tako

gritava ininterruptamente para orientar o grupo que devia

deslocar-se em direção ao lugar em que se encontrava,

onde uma área livre de vegetação formava uma ótima

cabeça de ponte para o avanço na selva. O lugar ficava

fora da trajetória inicial, motivo por que Rhodan acionou o

dispositivo direcional, que faria o robô sair da água no

ponto indicado.

Quinze minutos depois apareceu. Estava

irreconhecível.

— Façam luz! — ordenou Rhodan. — Limpem-no.

Estava envolto num emaranhado de trepadeiras. Bell

o fez parar e pediu a Anne que dirigisse a luz de um

refletor sobre ele.

Enfiou as mãos naquela confusão branco-esverdeada.

Subitamente deu um grito. Retirou a mão de dentro

do montão de plantas e sacudiu-a. Lançou um olhar

perplexo sobre o ser estranho que mantinha os dentes

fincados em sua luva. Tinha certa semelhança com um

macaco Rhesus, mas seus olhos estavam cobertos por

cápsulas ósseas que os protegiam da água. Pareciam bolas

de vidro brancas e sem vida. Em vez do pelo, havia uma

cobertura de pequenas escamas flexíveis. Na ponta do rabo

havia ferrões pequenos, mas pontudos, e como o animal o

agitasse ininterruptamente, Bell poderia sair ferido, por

mais resistente que fosse seu traje.

— Jogue fora esse bicho — gritou Rhodan.

— Terei muito prazer — resmungou Bell. — Mas

primeiro tenho que me livrar dele.

Pensou que o mais seguro seria puxar o bicho pelo

rabo. Mas o macaquinho intensificou a pressão das

mandíbulas. Assim que Bell soltou o rabo, este voltou a

agitar-se e arranhou o seu traje.

Bell tentou uma série de outros truques, mas sem

êxito. Finalmente teve a ideia de bater com o punho

cerrado na cabeça do macaco, até que o mesmo

desmaiasse.

O animal caiu ao chão, imóvel. Anne aproximou-se.

— Não está morto — tranquilizou-a Bell. — Viu? Já

está despertando.

Com um chiado o animal procurou novamente

alcançar sua mão com os dentes. Mas Bell reagiu

prontamente, atirando-o à água.

Depois disso teve mais cautela ao desvencilhar o

robô.

Terminada a limpeza, dirigiu a luz do refletor para as

frestas do aparelho. Deu uma palmadinha naquele artefato

que imitava uma torre e disse em tom zangado:

— Da próxima vez prefiro carregá-lo nas costas.

Page 86: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

86

Depois de uma ligeira comunicação com Crest,

Rhodan deu o sinal de partida. A luta contra a selva iria

começar.

* * * O robô, que o grupo apelidara de Tom, excedeu a

todas as expectativas.

Afastava a vegetação como se estivesse lidando com

folhas de grama. Ao mesmo tempo fazia um barulho

tremendo, fazendo com que os seres de aspecto estranho

que pudessem assustar o grupo fugissem espavoridos,

mata adentro.

Era bastante inteligente para contornar as árvores

maiores. Tinha não apenas força, mas também a

capacidade de distinguir claramente entre os obstáculos

que poderia ou não vencer.

Dali a meia hora tiveram de fazer uma pausa, porque

a mão de Bell começou a doer. Anne examinou-a e

constatou que a dentada do macaco subaquático passara

pela luva, atingindo a mão.

O ferimento foi tratado com um medicamento da

farmacopeia arconídica. Dentro de poucos minutos as

dores cessaram.

— Espero que todo mundo tire uma lição disso —

disse Rhodan. — Devemos observar uma regra: não tocar

em nada. Enquanto não conhecermos as coisas que

existem neste mundo, elas são extremamente nocivas a

nós.

Depois prosseguiram na marcha, sempre atrás das

costas largas de Tom. A passagem aberta por este tinha

dois metros e meio de altura, e largura suficiente para que

duas pessoas andassem facilmente uma ao lado da outra.

Vez por outra Rhodan olhava para cima e dirigia a luz do

refletor para a folhagem. Nunca se sabia que espécies de

animais viviam nas copas das árvores. Mas não via nada.

Depois de três horas pararam e levantaram um

acampamento provisório. Cada uma das barracas infladas

dos arcônidas era ocupada por dois homens. Mas, uma vez

dobradas, cabiam perfeitamente no bolso de uma calça.

Anne foi a única que ficou só, numa barraca.

A escuridão prolongada deixou os membros do grupo

um tanto perturbados. Deitaram para dormir um pouco,

mas dali a duas horas já estavam de pé.

Rhodan ficou de sentinela. Não se sentia cansado.

Aproveitou a oportunidade para conversar com Thora.

Soube que os pequenos espiões robotizados voltaram a

aparecer, mas mais uma vez foram embora sem que

tivessem conseguido nada. Não havia sinais de outra

atividade do inimigo.

Durante essas duas horas não aconteceram nada de

extraordinário. “Ainda bem”, pensou Rhodan, “não

precisamos de problemas.” Mas no íntimo sentiu-se um

pouco decepcionado por não encontrar nada que saciasse

sua sede de aventuras. O ribombar compassado que poucos

minutos antes do fim de seu turno passou ao longe, e

provavelmente era causado pelas patas de um sáurio em

movimento, constituía um péssimo substituto para um

verdadeiro acontecimento.

* * *

Dividiram a marcha em etapas de trinta horas. Nas

primeiras duas etapas percorreram cerca de oitenta

quilômetros. Isso representava um bom desempenho, já

que se deslocavam em meio à selva impenetrável.

Ao fim do segundo período de trinta horas,

levantaram suas barracas numa clareira que Tom abrira às

pressas. Um novo dia parecia raiar por cima da folhagem.

Rhodan pediu a Tako que subisse às copas das árvores

para verificar se já conseguia distinguir o objetivo.

Tako voltou dali a alguns minutos.

— A cerca de cento e cinquenta quilômetros ao norte

começa a cadeia de montanhas. Até mesmo em meio ao

crepúsculo veem-se os enormes paredões. Não será fácil

subir por ali.

Neste meio tempo Bell e Deringhouse haviam

preparado uma refeição. Comeram um tanto cansados e

recolheram-se às barracas.

No primeiro turno o capitão Nyssen ficou de

sentinela; não houve nada de anormal. Ao que tudo

indicava, os animais que compunham a fauna de Vênus

tinham medo dos homens.

Poucas horas depois a catástrofe desabou sobre o

grupo.

O Dr. Manoli estava de sentinela. Sentado diante da

barraca que partilhava com Tako, apagara a lanterna,

embora Rhodan o tivesse proibido. Sentiu certo prazer em

ver como a folhagem opunha uma resistência cada vez

mais débil à luz do novo dia, que começou a espantar a

escuridão até mesmo no chão sombrio da mata.

Era o segundo dia que passavam em Vênus, segundo

a escala de tempo daquele planeta.

A selva estava repleta de sons. Mas subitamente

Manoli ouviu um ruído que parecia vir de perto.

Imediatamente acendeu a lanterna e aguçou o ouvido.

Ouviu um rastejar. Levantou-se e procurou descobrir

de que direção vinha o ruído.

Subitamente ouviu um grito estridente; era tão

pavoroso que o deixou todo arrepiado. Reconheceu a voz

de Anne. Com alguns saltos colocou-se à frente de sua

barraca, abriu o cortinado e dirigiu a luz para o interior da

mesma.

Anne não estava mais ali. Aquilo que se movia no

interior da barraca era pavoroso e repugnante que Manoli

não se atreveu a fazer qualquer movimento.

Não enxergou o começo nem o fim daquela coisa.

Um pedaço de carne branca e gosmenta, com um diâmetro

de aproximadamente trinta centímetros, parecia sair da

terra, executando uma série de contrações espasmódicas.

Não se via nenhuma articulação, apenas uma série

irregular de anéis ligeiramente afundados. Manoli tinha

certeza de que esse ser havia aberto o buraco de onde saía.

A outra extremidade daquela coisa já havia saído da

barraca. Novas massas de carne repugnante saíam do solo,

para desaparecer do lado oposto da barraca. Era este o

ruído rastejante que ouvira.

Subitamente Rhodan estava ao seu lado.

— O que houve?

Manoli não teve necessidade de explicar nada. Com a

mão trêmula apontou para a coisa rastejante.

Rhodan voltou a cabeça para o lugar indicado. Logo

compreendeu a situação.

— Bell! — gritou. — Traga o desintegrador.

Ouviu-se uma resposta. Rhodan pegou a pistola de

radiação, apontou-a para a carne gosmenta e apertou o

gatilho. Só baixou a arma quando tinha feito um corte

fumegante e malcheiroso no corpo do animal.

O resultado foi espantoso. A parte da frente parecia

não se preocupar com o que estava acontecendo à parte de

trás. Continuou a rastejar e dentro de poucos segundos

tinha saído completamente da barraca.

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87

A parte traseira, com a extremidade chamuscada,

ficou balançando por alguns instantes sobre o buraco.

Subitamente começou a adquirir novas formas. Com um

ligeiro estalido as crostas causadas pela queimadura

desprenderam-se do corpo. A ponta achatada esticou-se até

formar uma cabeça pontuda. Logo esse resto de animal

pôs-se em movimento: saiu do buraco e atravessou a

barraca. Uma das partes do animal seguiu a outra.

O espetáculo só durara alguns segundos. Rhodan

logo compreendeu que por essa forma não poderia

socorrer Arme. Saiu correndo e chamou Bell aos berros.

— Estou aqui! — respondeu Bell.

— Um tipo de verme carregou Anne — explicou

Rhodan apressadamente. — Parece que é tão difícil de

matar como uma minhoca terrena. Temos de ir atrás dele.

Contornaram a barraca e descobriram a segunda

metade do animal, que seguia pelo rastro gosmento

deixado pela primeira. Bell, muito assustado, ofegava.

Pegou o desintegrador e abriu uma brecha na selva,

na direção que o animal tinha tomado. Compreendeu que

tudo dependia de ultrapassarem o animal e alcançarem a

cabeça da primeira parte. Dessa forma encontrariam Anne.

Por um instante Rhodan pensou em mandar Tako à

frente. Mas o objetivo era incerto, o risco grande demais.

Numa atividade furiosa penetraram na brecha,

acionaram o desintegrador para abrir outra, tropeçaram nas

trepadeiras. Vez por outra caíam sobre o corpo flácido do

animal. Contorciam-se de repugnância, mas logo se

levantavam para prosseguir em sua carreira desabalada.

Rhodan notou que avançavam muito devagar. Em

cada minuto avançavam um metro mais que o verme e,

pelo que já tinham visto, o seu comprimento devia

ultrapassar tudo que já tinham imaginado.

Gastaram dez minutos para atingir o início da

segunda parte do animal. Bell virou-se e dirigiu o raio

mortífero sobre o corpo gosmento, até que este se

dissolvesse.

— Tenha mais cautela com a outra parte — advertiu

Rhodan. — Não sei se este verme é capaz de perceber o

perigo. Se for, pode desaparecer com Anne embaixo da

terra.

Bell fez um gesto de assentimento. Acionou o

desintegrador para estender o caminho pelo qual

avançavam na selva. Rhodan dirigiu a luz do refletor para

frente. A extremidade posterior do verme desapareceu no

fim do caminho.

Precipitaram-se atrás dele. Enquanto passavam pelo

rabo do verme e se esgueiravam por entre os galhos que

não puderam ser afastados com os tiros ligeiros do

desintegrador, não perceberam, de tão excitados que

estavam, que o terreno subia ligeiramente.

A primeira parte do verme era bem mais comprida

que a segunda, que já tinham deixado para trás. Levaram

quase meia hora para avistar a cabeça pontuda do animal, e

também Anne.

O verme carregava-a de forma estranha. Formou um

tipo do laço em torno de sua vítima e segurava-a na parte

da frente de seu corpo, levantada em posição oblíqua.

Anne estava inconsciente. Seu corpo flácido pendia do

laço; tudo indicava que até então não sofrerá nenhum mal

mais sério.

Enquanto se conservavam lado a lado com o verme,

procurando um meio de libertar Anne da situação terrível

em que se encontrava, não perceberam que o matagal se

abria em torno deles, formando uma clareira coberta com

uma vegetação rala.

— Fico abaixo dela — disse Rhodan. — Quando

você atirar; poderei pegá-la.

Bell confirmou com um gesto. Esperou até que

Rhodan atingisse uma posição favorável junto ao animal,

que continuava a rastejar apressadamente, e começou a

cobrir o corpo gosmento com o raio constante do

desintegrador.

O verme dissolveu-se. Ao que parecia percebeu o

perigo que o ameaçava, pois se desviou para o lado. Bell

teve de dar um pulo para não ser atingido por uma pancada

daquele corpo. O animal continuou a mover-se até que

Bell havia dissolvido uns sete oitavos do volume visível do

corpo, do ponto em que Bell se encontrava. Subitamente as

contorções cessaram.

Mas Anne continuava presa no laço. Bell preferira

não atirar sobre essa parte do corpo do animal, pois

receava atingir Anne.

Rhodan pegou a pistola de radiação e separou em três

partes do que restava do animal. Depois retirou Anne da

massa grudenta que a enlaçava. Deitou-a no chão num

ponto que lhe parecia seguro e procurou fazer com que

recuperasse os sentidos.

Ninguém percebeu que a poucos metros dali abria-se

um buraco redondo de paredes quase verticais, cujo

diâmetro e profundidade eram consideráveis. Ninguém viu

o ser bizarro e multiarticulado, parecido com um galho

fino e reluzente com numerosos ramos laterais, que foi

surgindo por cima da borda do buraco e se aproximava do

grupo em movimentos espasmódicos.

Numa atitude pensativa Rhodan contemplou o rastro

gosmento que o verme deixara no solo. Haviam percorrido

quarenta metros do corpo daquele animal. Qual seria o seu

comprimento total? Quando ele e Bell se puseram a

persegui-lo, parte dele ainda se encontrava sob a terra.

Ao que parecia, em Vênus tudo saíra grande demais:

os vermes, os répteis, os peixes-voadores. A

monstruosidade só cessava no ponto em que a evolução

atingia a escala dos seres mais inteligentes. As focas eram

uma prova disso, e talvez também o macaquinho

subaquático que mordera a mão de Bell.

Como este verme gigantesco era indefeso! Sua única

arma era a repugnância. Conseguira enlaçar e carregar

Anne, mas nem tentara defender-se dos homens que o

atacaram.

Anne abriu os olhos. De início parecia confusa, mas

subitamente sentiu-se tomada de pavor. Lançou os olhos

em torno e, com um grito, ergueu-se e segurou o braço de

Rhodan.

— Onde estamos? — perguntou. — O que

aconteceu?

Com um gesto suave Rhodan obrigou-a a ficar

deitada.

— Não se assuste, já passou tudo.

— O que foi...?

Cobriu o rosto com as mãos quando a recordação

voltou à sua mente.

— Alguma coisa me agarrou e carregou. Era tão

gosmento e nojento. O que foi?

— Foi uma simples minhoca — respondeu Bell. — É

bem verdade que foi a versão venusiana de uma minhoca.

Anne levou algum tempo para acalmar-se. Tirou as

mãos do rosto e olhou para Rhodan.

— Onde está? Conseguiram...

Rhodan fez que sim.

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— Bell acaba de liquidá-lo. Como se sente?

— Obrigada. Fora o susto; estou bem. O

acampamento fica longe daqui?

— A cerca de uma hora. Se estiver melhor, vamos

andando.

Anne estava de acordo. Levantou-se. Seu olhar

passou junto a Bell, que estava agachado e foi então que

viu.

— Oh, não! — gritou, caindo nos braços de Rhodan.

— O que foi?

— Olhe!

Bell continuava agachado. Quando Anne apontou

para junto dele, quis virar-se.

— Fique aí! — berrou Rhodan. — Não se mova!

Bell obedeceu.

Rhodan viu o que Anne lhe estava mostrando.

Parecia que um galho fino e comprido com uma porção de

ramos ainda mais finos tinha caído ao solo. No entanto,

não seria de esperar que um galho caído se erguesse

lentamente e que seus ramos começassem a mexer nas

roupas de Bell.

Aquele ser devia ter uns dois metros de comprimento

e, erguido nos ramos que lhe serviam de pernas, sua altura

atingia três palmos.

Rhodan apontou a arma e, atirando cautelosamente,

dividiu o animal em duas partes. As pernas em forma de

ramo dobraram-se. Com um estranho crepitar o animal

caiu ao solo.

Rhodan guardou a pistola de radiação.

— Pronto, já pode levantar! — disse, dirigindo-se a

Bell.

Bell levantou-se de um salto e virou a cabeça.

— O que foi?

— Ali, aquele galho.

Bell abaixou-se para levantá-lo.

— Não ponha a mão nisso! — berrou Rhodan. —

Será que você nunca aprende?

Enquanto os dois homens concentravam a atenção no

animal morto, procurando descobrir de que tipo era Anne

lançou os olhos em torno. Descobriu o segundo pé-de-galo

e soltou um grito.

Rhodan viu que o animal parecia sair diretamente do

chão. Logo atirou. Evidentemente os pés de galho eram

animais muito mais articulados que os vermes. Um tiro

com a pistola de radiação matava-os instantaneamente.

Bell tivera a atenção despertada. Ergueu o cano do

desintegrador e, avançando com o corpo ligeiramente

inclinado para frente, dirigiu-se ao lugar em que o animal

parecia ter saído.

— Cuidado! — gritou Rhodan.

Depois de destruir um resto de vegetação, Bell viu-se

à beira do buraco que até então não haviam notado.

Rhodan ouviu-o dar um grito de surpresa e correu para

junto dele. Mudo de nojo e espanto Bell apontou para o

fundo do buraco, debilmente iluminado pela luz do

crepúsculo.

Rhodan dirigiu a luz da lanterna para o buraco. Seu

diâmetro era de cerca de três metros. Seria difícil calcular

a profundidade, pois estava cheio de uma massa confusa e

crepitante de pés de galho. Deviam ser centenas deles, e

pareciam estar à espera de alguma coisa.

Bell ergueu o desintegrador, mas Rhodan segurou sua

mão.

— Olhe!

Parecia que havia mais alguma coisa além da

confusão reinante entre eles que movia os pés-de-galho. A

massa subia e descia em movimentos alternados. Alguma

coisa branca surgiu em meio a eles e finalmente apareceu.

Era a cabeça pontuda de um verme igual ao que haviam

liquidado meia hora atrás.

Seguiu seu caminho sem deixar perturbar-se pela

confusão que reinava em torno dele. Esticando a cabeça

pontuda, foi subindo aos solavancos por entre a massa de

pés de galho. Atingiu a borda do buraco no lugar exato em

que Bell e Rhodan se encontravam.

— Atire! — ordenou Rhodan, quando a cabeça do

verme se sacudia a menos de um palmo da ponta do seu

sapato.

Bell cobriu com o raio do desintegrador primeiro o

verme e depois o resto do buraco. Levou um minuto,

talvez mais, até que o buraco ficasse completamente vazio.

Agora se via que tinha uns cinco metros de

profundidade. No fundo viam-se duas aberturas escuras, de

aproximadamente trinta centímetros de diâmetro. Eram os

pontos de saída dos vermes, que deviam viver numa

simbiose estranha com os pés de galho.

Anne agarrou-se a Rhodan; tremia por todo o corpo.

— Voltemos! — disse Rhodan. — Já sabemos que no

futuro devemos ter muito cuidado.

Rhodan levou um pedaço do primeiro pé-de-galo,

pendurado no cano da pistola. Embora o animal estivesse

morto, não se arriscava a tocá-lo com as mãos.

No acampamento, Manoli e os outros membros do

grupo já haviam dado cabo do resto do verme que saíra do

buraco.

Rhodan entregou os restos do pé de galho a Manoli.

— Examine-o como puder, mas não o toque com as

mãos.

Fez um breve relato das ocorrências que cercaram o

resgate de Anne.

Depois de concluir o exame, o Dr. Manoli disse:

— Todo o animal é formado de uma substância

córnea. Seus órgãos estão reduzidos a um mínimo, e

também são formados de substância córnea, sempre que

esta não prejudica as respectivas funções.

Fez uma pausa e remexeu o solo com um galho.

— Fiquei quebrando a cabeça. Analisei uma amostra

da substância gosmenta encontrada no rastro do verme.

Contém uma variedade tamanha de proteínas e outras

substâncias, que não é possível que todas elas provenham

do corpo desse animal. Minha teoria é a seguinte: ao

contrário dos nossos vermes, este é um carnívoro típico, ou

melhor, nutre-se da parte interna dos animais.

“Já os pés de galho alimentam-se com as substâncias

córneas contidas nos corpos dos diversos animais. Mas não

estão em condições de procurar seu alimento. Por outro

lado, o verme não dispõe de qualquer instrumento cortante

com que possa romper a pele de suas vítimas”.

“Por isso, as duas espécies fizeram um tipo de

contrato. O verme carrega a vítima até a toca, os pés de

galho tiram-lhe a pele e devoram-na. A recompensa do

verme consiste na parte interna do corpo”.

“Nunca ouvi falar numa simbiose tão estranha.”

V

Durante o restante da marcha em direção à base

inimiga só houve dois acontecimentos dignos de nota.

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O primeiro foi um chamado da Good Hope. Crest e

Thora informaram que o inimigo não dera mais sinal de

vida. Em compensação as focas voltaram a aparecer.

Executando uma verdadeira marcha forçada, certamente

para voltar em tempo à água, subiram ao cume da

montanha e desceram à cratera.

— Sabe o que fizeram? — perguntou Crest em tom

jocoso. — Depositaram um montão de peixes diante de

uma das comportas da nave. Deve ser um sacrifício em

homenagem aos deuses. Felizmente Thora percebeu em

tempo a marcha das focas e pôs o analisador cerebral a

funcionar na comporta. O analisador registrou os

pensamentos das focas. Juntamente com os dados colhidos

pelo detector ultrassônico, estava em condições de

reconstituir a maior parte da linguagem das focas. Eu

retirei os peixes, para que as focas não se sintam ofendidas

quando voltarem. Da próxima vez espero poder falar com

elas.

O segundo acontecimento

foi o encontro com um sáurio

venusiano, pelo qual esperavam

há tanto tempo.

Acontece que o encontro

foi muito menos dramático do

que esperavam. É que o

gigantesco animal nem notou a

passagem da patrulha.

Apesar disso, o encontro

representava certo perigo.

Naquela altura tinham

vencido cerca de quatrocentos

do total de quinhentos

quilômetros. Tinham escalado

duas cadeias de montanhas, e

atrás da segunda encontraram

um vale comprido, coberto por

um denso matagal.

Rhodan sentiu-se tentado a

permitir o uso dos trajes

transportadores, para que o grupo voasse por cima do vale

bastante profundo. Mas chegou à conclusão de que a

distância de cem quilômetros, que ainda os separava do

inimigo, não oferecia bastante segurança. A gravitação era

uma das formas de energia mais fáceis de localizar através

de instrumentos apropriados. Até certa distância do

instrumento localizador, nem mesmo os teoremas da ótica

geométrica tinham validade. Isso significava que de perto

um localizador poderia reconhecer uma fonte de

gravitação até mesmo “atrás de um canto”.

Por isso desceram para o vale e se dispuseram a

atravessar a selva atrás das costas largas de Tom.

Anne Sloane foi a primeira a perceber que diante

deles havia alguma coisa de anormal. Parou subitamente;

Bell, que vinha logo atrás, esbarrou nela. Rhodan notou

que havia alguma coisa atrás dele e também parou. Só

Tom prosseguiu imperturbável por entre a vegetação, até

que Bell o fez parar com um chamado.

— Não ouviu nada? — perguntou Anne perturbada.

Bell sacudiu a cabeça.

— Nada. Você ouviu alguma coisa?

Anne fez que sim. Estava a ponto de dizer alguma

coisa, mas um ruído retumbante cortou-lhe a palavra. O

chão estremeceu. Desta vez todos perceberam.

Rhodan lembrou-se do barulho retumbante que

ouvira no primeiro acampamento.

— É um sáurio.

Bell não concordou.

— O que está fazendo? De onde vem o ruído?

— Está andando.

Bell aguçou o ouvido. Depois de algum tempo

voltaram a ouvir o barulho retumbante.

— Está andando?! — disse rindo. — Leva trinta

segundos para dar um passo.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. Parecia

sério.

— Acha que com essas pernas compridas devia levar

menos?

Fez sinal para Tako.

— Tako, suba ali e veja se consegue localizá-lo.

Tako desapareceu. Voltou dentro de alguns segundos.

— Vem do leste — informou. — Se continuar na

mesma direção, deverá passar a uns duzentos metros ao

norte do lugar em que estamos.

— Pois suba novamente e

veja se não modifica a direção.

Esperaram. Não adiantava

prosseguir, pois iriam em

direção ao norte, e dessa forma

dariam com os costados bem em

cima do sáurio.

O barulho retumbante foi

crescendo de intensidade, até

assumir a feição de pequenos

terremotos. Rhodan olhou por

entre a folhagem, procurando

ver ao menos o pescoço do

animal. Mas o matagal, que os

protegia dos furores das

tempestades crepusculares,

também lhes impedia a visão.

O passo seguinte foi dado

com tamanha fúria que até

Rhodan estremeceu.

No mesmo instante Tako

surgiu ao seu lado.

— Modificou a direção. Vem diretamente para onde

estamos.

— Quanto falta, para chegar aqui?

— Dois passos.

Rhodan olhou para os membros do grupo.

— A esta altura não adianta fugir — disse em tom

tranquilo. — Não há mais tempo para escaparmos. Mas

podemos nos defender.

Bell compreendeu. Trouxe apressadamente os dois

desintegradores. Entregou um deles a Rhodan e ficou com

o outro.

— Aponte para cima, em direção oblíqua — ordenou

Rhodan. — Assim que começar a cair, devemos

providenciar para que o corpo se dissolva no ar.

Bell confirmou com um gesto. Rhodan virou a cabeça

e falou por cima do ombro:

— Fiquem bem juntos!

Ao longe se ouvia um forte ruído, igual ao de uma

cachoeira. O corpo imenso do sáurio ia afastando o

matagal à sua passagem.

Subitamente escureceu. Uma sombra enorme cobriu a

mata. Alguns segundos depois uma coluna imensa

irrompeu com um ruído ensurdecedor em meio à

vegetação, a menos de cinco metros do lugar em que

Rhodan se encontrava. Rhodan chegou a ver a pele suja e

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escamenta, mas logo dirigiu sua atenção à massa que se

movia em cima deles. À primeira vista compreendeu a

situação.

— Cuidado! — gritou. — Está passando por cima de

nós.

E foi o que o animal fez. Com o intervalo usual a

outra pata estalou em meio à vegetação, desta vez à

esquerda de Bell, ao mesmo tempo em que o ventre penso

do gigantesco animal passou por cima daquele grupo de

seres minúsculos e trêmulos.

Por alguns instantes a escuridão foi completa. A uns

cinco metros de suas cabeças pendia o ventre malcheiroso

do animal. Mas ninguém se incomodou com o cheiro.

Todos se indagavam se as duas pernas traseiras também

passariam por eles sem produzir nenhum dano.

Rhodan baixou o desintegrador.

— Cuidado com o rabo! — disse, dirigindo-se a Bell.

— Pode varrer-nos com uma sacudidela.

A imensa massa de carne deslocou-se um bom

pedaço para a frente. A claridade começou a surgir do

norte.

— Graças a Deus! — gemeu Bell. Mas logo olhou

bem para a frente, procurando ver o rabo.

Rhodan olhou para cima e procurou adivinhar o lugar

em que o rabo do animal tocaria no solo.

Ainda estava calculando quando alguma coisa passou

ruidosamente bem por cima de suas cabeças. O vento

começou a uivar.

— Está jogando o rabo para a direita! — gritou Bell.

Rhodan viu o rabo, que media vários metros de

espessura, voar para o leste. No mesmo instante o

gigantesco animal deu outro passo.

Rhodan apontou o desintegrador para cima e esperou.

Se o intervalo entre um e outro passo era de trinta

segundos, qual seria o período de oscilação do rabo, que

era muito mais comprido?

Nada aconteceu. As pernas do sáurio foram-se

afastando, mantendo sempre o mesmo ritmo. Não houve o

temido golpe de rabo. Rhodan teve a impressão de que

mais uma vez o animal modificou seu curso, voltando a

deslocar-se na direção anterior. Isso explicaria por que não

chegaram mais a ver o rabo.

Mais alguns minutos se passaram numa situação

tensa de alarma. Finalmente os membros do grupo

descontraíram-se e começaram a acreditar que o perigo

passara.

Bell largou o pesado desintegrador e enxugou o suor

que lhe cobria a testa.

— A trilha tem sete metros de largura — disse. — Se

fosse menos, o bicho nos teria pegado do lado direito ou

do lado esquerdo.

Concluiu que o comprimento do sáurio, incluindo o

rabo, devia atingir mais de duzentos metros. Com base nos

dados fornecidos por Tako, Rhodan calculou a altura do

animal, incluído o longo pescoço, nuns sessenta ou setenta

metros.

Mesmo nas condições reinantes em Vênus, devia ser

um monstro. De qualquer maneira, seu tamanho excedia o

de qualquer sáurio que jamais viveu na Terra.

* * * Pelo meio-dia do terceiro dia de Vênus, contado a

partir de sua partida da Good Hope, atingiram a região em

que supunham localizada a base do inimigo.

Era uma área completamente diversa da que haviam

visto nos primeiros dois terços da marcha.

Encontravam-se a cerca de seis mil metros acima do

nível do mar. A respiração tornou-se difícil, embora a

atmosfera de Vênus fosse bem mais densa que a da Terra.

O zumbido nos ouvidos gerado pelo excesso de pressão

reinante das baixadas, cedera ao causado pela falta de

pressão nas alturas.

O matagal não os acompanhara. A cerca de cinco mil

e quinhentos metros de altura atingiram o limite da zona

de crescimento das árvores. O planalto cercado de morros

em que se encontravam só apresentava uma vegetação

escassa, formada de gramíneas ressequidas, arbustos

raquíticos e alguns troncos nodosos que não chegavam a

erguer-se do solo.

O último trecho do caminho deixara-os exaustos.

Às vezes quase chegaram a desistir. Mas além da

lembrança do inimigo, que devia ser localizado e

subjugado, ainda havia Rhodan que persistia na missão

que traçara a si mesmo e forçou os demais a submeterem-

se à sua vontade.

Pelo alvorecer atingiram a extremidade sul do

planalto. Seguindo pela extremidade oeste, sempre sob o

abrigo de morros ou grutas, avançaram em direção ao

norte, até chegarem à extremidade setentrional do

complexo.

Diante deles erguiam-se montanhas altas como

jamais haviam visto. Rhodan tinha certeza de que o

inimigo montara os instrumentos de grande alcance no

cume da montanha mais alta. Mas mesmo os telescópios

mais potentes não permitiriam a ele reconhecer o que quer

que fosse ao ponto em que se encontravam. Se é que havia

algum instrumento lá em cima, o mesmo devia estar

encravado na rocha, ou oculto atrás de um excelente

disfarce.

Rhodan mandou construir um acampamento na

extremidade norte do planalto.

Na tarde daquele dia dividiram-se em dois grupos,

que se puseram a explorar os arredores do acampamento.

Tako Kakuta, o capitão Nyssen e o tenente Freyt chegaram

a subir mais de mil metros pelas montanhas, mas a única

coisa que encontraram foi um animal morto, parecido com

uma raposa.

Anne Sloane e o tenente Deringhouse foram os

únicos que ficaram no acampamento. Anne encarregou-se

do pequeno instrumento rastreador, que apresentava uma

desvantagem: a reduzida capacidade de reação, medida

pelos padrões arconídicos. Em compensação, reagia a

diversas formas de energia. Era capaz de localizar tanto

um emissor eletromagnético como uma fonte de

gravitação. Mas durante as primeiras horas em que foi

posto a funcionar não acusou nada.

Rhodan não se sentia muito à vontade. Enquanto não

sabia onde estava o inimigo tinha que contar com a

possibilidade de que o acampamento se apresentava diante

dele como se estivesse em uma bandeja. Era bem possível

que, enquanto os membros do grupo cansavam os olhos de

tanto procurar, os seres inimigos, fossem eles quem fosse,

estivessem ocultos em meio às montanhas, rindo daquela

patrulha desajeitada, até o momento em que se cansassem

de rir, quando então passariam ao ataque.

O fato de que o local do acampamento fora escolhido

com vistas a todos os perigos e possibilidades de ataque,

era um consolo muito fraco. Não havia a menor garantia

de que não existia nenhuma brecha por onde o inimigo

pudesse olhar.

* * *

Page 91: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

91

No segundo período de trinta horas, depois que

tinham erguido o acampamento, voltaram a procurar.

Desta vez Tako e os dois americanos tomaram a

direção em que Bell, Rhodan e Manoli haviam procurado a

vez anterior, enquanto estes últimos subiram as montanhas

pelas pegadas de Tako.

A primeira parte da subida pelas encostas ainda

suaves daquele cume de treze mil metros foi fácil, mas

também inútil.

Contornaram uma extensa área pedregosa e iniciaram

a escalada da parte mais íngreme da montanha. Ainda se

encontravam a duzentos metros abaixo do local de que

Tako voltara no dia anterior.

Levaram uma hora para atingi-lo. O lugar em que

Tako havia encontrado a raposa era desinteressante e não

apresentava vestígios.

Estavam a ponto de retornar, mas antes que

iniciassem a descida Rhodan lançou mais um olhar para o

alto e estacou.

— Vejam!

Todos olharam para cima. Levaram algum tempo

para compreender o sentido das palavras de Rhodan.

A parte superior da encosta parecia ficar mais para

trás, isto é, mais ao norte que a parte inferior. Não viram

nenhum entalhe, e o cinza homogêneo da rocha não

permitia qualquer conclusão sobre a distância do desvio de

uma das partes em relação à outra. De qualquer maneira, lá

em cima devia haver um planalto que não podia ser visto

de baixo.

Rhodan continuou a subida. A encosta tornava-se

cada vez mais difícil. Avançaram uns cem metros por uma

espécie de chaminé; mas os cinquenta metros que ainda os

separavam do planalto, que agora se desenhava bem nítido

diante deles, pareciam intransponíveis.

Finalmente o acaso veio em seu auxílio. Esse acaso

resultou de uma regulagem efetuada há bastante tempo em

determinada máquina.

Rhodan, que ia à frente dos outros, foi o primeiro que

sentiu a trepidação da rocha. Uma coisa ameaçadora

parecia avançar em sua direção. Agarrando-se com uma

das mãos, Rhodan tirou a pistola de radiação com a outra.

Subitamente ouviu um som borbulhante. Virou a

cabeça e viu que atrás dele o ar tremeluzia e a poeira saía

entre duas pedras.

Não havia nenhuma explicação para o fenômeno. A

temperatura do ar parecia ser superior à do ambiente, e

tudo indicava que saíra com enorme pressão entre as duas

pedras. Rhodan ainda notou que vários blocos de pedra

colocados sobre a extremidade da chaminé de que

acabavam de sair devia servir para desviar o ar expelido

pela mesma, fazendo-o retornar para o seu interior.

Pelas pedras que o ar arrastava consigo Rhodan

concluiu que o ar quente desenvolvia uma pressão enorme

ao ser desviado e retornar para o interior da chaminé. Se

ainda estivessem lá dentro, não teriam resistido ao furacão.

O fenômeno durou cerca de dois minutos. Depois os

sons foram-se tornando mais fracos, o tremeluzir foi

cessando e tudo voltou ao silêncio. Como antes, a floresta

jazia calmamente sob a luz difusa filtrada pelas nuvens.

Nesses dois minutos ninguém proferira uma palavra.

Rhodan rompeu o silêncio. Apontando para as duas

pedras, disse:

— Talvez consigamos passar por aí. Vamos! Se o

vento voltar a soprar, segurem-se bem.

Procurando equilibrar-se, foram avançando. Desta

vez Rhodan seguiu em último lugar. Bell foi o primeiro

que atingiu a abertura entre as pedras. Lançou um olhar

desconfiado para o interior da mesma. Depois deu um

passo e desapareceu.

Manoli seguiu-o, e depois Rhodan. Descobriram que

os dois blocos de pedra não eram outra coisa senão a boca

de um canal de cerca de metro e meio de largura, aberto na

parte superior, que subia suavemente. O chão e as paredes

eram bastante lisas, o que dificultou a escalada, embora a

subida fosse suave.

Rhodan insistiu para que se apressassem. Achou que

a lisura da rocha podia ser explicada pelo polimento

resultante de correntezas de ar como a que acabaram de

observar. Provavelmente essas correntezas vinham a

intervalos regulares, ou ao menos repetidamente em certo

espaço de tempo. Só assim o fluxo de ar poderia ter

deixado vestígios semelhantes aos da passagem da água.

Aos poucos a altura das paredes foi diminuindo.

Tudo indicava que o canal desembocava no planalto.

Essa expectativa não se cumpriu inteiramente. A

desembocadura ficava num paredão rompido por um

buraco irregular, mas esse paredão não tinha mais de

metro e meio de altura. Com um salto, Rhodan colocou-se

na parte de cima.

Lá em cima havia uma plataforma com a área de

cerca de dez mil metros quadrados, que na parte dos

fundos terminava junto a uma parede de rocha em forma

de ferradura. Ao primeiro lance de vistas, Rhodan sentiu-

se irritado pela lisura extraordinária do chão de pedra. Ao

segundo, descobriu uma série de aberturas rentes ao chão

no paredão que subia íngreme do outro lado da plataforma.

Ajoelhou-se e examinou o chão. Não descobriu nada

de extraordinário. Levantou-se e com um movimento de

cabeça apontou para as aberturas existentes no paredão.

— Vamos dar uma olhada naquilo.

Sentiram-se tomados de certa desconfiança quando

foram caminhando lentamente em direção ao paredão. As

aberturas eram de formato irregular. Avançaram com as

armas engatilhadas, pois não confiavam naquela calma

aparente.

Vistas de perto, as aberturas, apesar do formato

irregular, apresentavam um aspecto mais ou menos

circular. O diâmetro era de cerca de um metro. A distância

do centro dos mesmos ao nível da plataforma correspondia

aproximadamente à altura de um homem. A distância entre

as aberturas era de uns oito metros.

A alguns metros do paredão, Rhodan parou e

levantou a mão. Bell estava à sua esquerda, Manoli à

direita. Rhodan tentou romper a escuridão que reinava no

interior da abertura, mas não o conseguiu.

— Vejo alguma coisa! — disse Bell com a voz baixa.

Estava diante de outra abertura. Rhodan foi para

junto dele. Esforçando bastante a vista, viu no interior da

abertura um objeto cinzento. Não conseguiu descobrir o

que era.

Fez sinal para que Bell e Manoli parassem e

continuou a avançar. Aproximou-se até chegar a apenas

três metros da abertura e não tirou os olhos da forma

sombria.

Distinguiu um objeto cilíndrico que saía da

escuridão, terminando junto à abertura.

Quando descobriu o que se tratava, sentiu-se tomado

de pânico por um instante. Nunca vira um desintegrador

desse tamanho e, mais que isso, nunca se deparara com um

que apontasse tão diretamente para sua barriga.

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Deu um enorme salto para frente, ao mesmo tempo

em que gritou para Bell e Manoli:

— Abriguem-se!

* * *

Antes disso, os seguintes acontecimentos se

desenrolaram no interior da montanha:

O equipamento de localização automática observou

alguma coisa e relatou ao comandante:

— Três seres penetram no platô de aterrissagem

através do canal de arejamento. São...

Seguiu-se uma descrição detalhada daqueles seres, ou

melhor, a trilha sonora de um filme que o equipamento de

localização remetia à sala de comando a partir do

momento em que Rhodan saltou por cima do paredão do

canal.

Os ocupantes da sala de comando não se deram por

satisfeitos com o relatório. Exigiram dados mais

detalhados sobre os trajes daqueles seres estranhos.

O autômato realizou uma localização estrutural e

transmitiu o resultado.

Logo após recebeu a seguinte ordem:

— Prossiga na localização e transmita relatórios

padronizados.

Efetuou a regulagem correspondente.

Enquanto isso, o comandante pôs em funcionamento

outra linha de comunicação direta, através da qual

transmitiu instruções ao posto de combate do setor F:

— Alarma grau três. Regular as peças para fogo

dirigido. Só atirem por ordem expressa do comandante.

Pelos dados resultantes da localização estrutural, o

comandante concluíra que aqueles três seres não eram

daqueles em que se devia atirar sem mais aquela. Além

disso, sentia-se um tanto confuso. Teve de esforçar o

cérebro para chegar à conclusão de que o simples

surgimento desses seres estranhos e o aspecto de seus

trajes não lhe permitiam formular qualquer juízo

concludente. Depois de tantos anos que passara na paz

tranquila daquela fortaleza, o comandante sentiu-se

tomado de certa impaciência ao dar-se conta de que teria

de aguardar mais um pouco antes de satisfazer sua

curiosidade.

Dessa forma, tudo continuou calmo. O comandante

examinou o relatório ótico-eletrônico do localizador e

esperou.

* * *

Depois que ficara deitado de bruços durante cinco

minutos sem que acontecesse nada, Rhodan começou a

achar graça do susto por que acabara de passar.

Quem quer que tivesse colocado o desintegrador

naquele local, isso certamente fora feito na mesma época

em que o chão do platô tinha sido polido. Rhodan não

tinha a menor ideia quanto ao tempo durante o qual o

granito polido tinha de ficar exposto às intempéries antes

que só restassem algumas manchas do polimento, mas

tinha certeza de que isso duraria mais de mil anos. Era

pouco provável que o cano do desintegrador, exposto às

intempéries tal qual o granito, tivesse resistido melhor que

o polimento.

Levantou-se, mas teve certa cautela, porque se

lembrou de que o reator gravitacional devia funcionar

perfeitamente quando desviou a Good Hope de sua rota.

Rolara para junto do paredão. Ao levantar colocou-se

ao lado da abertura. Lentamente foi se aproximando dela.

Milímetro por milímetro foi avançando a cabeça pela

borda e olhou para dentro. O cano do desintegrador estava

tão perto dele que poderia tocá-lo com a mão. Seu

diâmetro era de pouco mais de meio metro. Havia espaço

suficiente para passar entre ele e a borda da abertura.

Sem refletir muito no risco que corria, Rhodan

baixou a cabeça e saltou para dentro da abertura. Por um

segundo angustiante, seu corpo ficou exposto à arma. Com

movimentos apressados esgueirou-se junto ao cano,

escorregou por cima do metal plastificado, muito liso, e foi

parar um tanto desajeitadamente no chão acidentado da

caverna, na qual a abertura parecia desempenhar a função

de janela.

Aguardou a reação; não houve nenhuma. Aproximou-

se da abertura e chamou Bell e Manoli, pedindo-lhes que

se aproximassem. Por uma questão de cautela, fez-lhes

sinal para que não se expusessem diretamente ao

desintegrador.

* * *

O comandante não deixou de perceber o salto

arriscado de Rhodan. Mais uma vez o relatório ininterrupto

do localizador automático deixou-o confuso. Era difícil de

imaginar que alguém com o aspecto e as vestimentas

daquele estranho se arriscasse a passar bem à frente do

cano do desintegrador.

O comandante teve de reconhecer que o

comportamento daquele estranho não correspondia às suas

previsões. Mas ainda não dispunha de certas informações

importantes, sem as quais não estaria em condições de

tomar uma decisão em relação a ele.

Não estavam prevenidos para dar busca numa

caverna. Em outras palavras, não haviam trazido a

lanterna. A luz crepuscular que filtrava pelas aberturas era

bastante débil. A caverna devia ter uns cinquenta metros

de largura e igual altura.

Atrás da segunda e da quinta aberturas, contadas a

partir do leste, havia um desintegrador. As quatro

aberturas restantes não pareciam preencher outra

finalidade senão a de deixar entrar um pouco de luz.

Rhodan examinou o desintegrador junto ao qual

penetrara na caverna. Fora construído segundo os mesmos

princípios dos aparelhos que, numa versão mais reduzida,

se encontravam a bordo da Good Hope. Mas Rhodan sabia

que esse detalhe não constituía qualquer indício válido da

filiação racial de seus construtores.

Manoli e Bell puseram-se a examinar as paredes da

caverna e deram uma olhada em outro desintegrador.

No primeiro desses aparelhos Rhodan já notara que

não dispunha de qualquer dispositivo de comando. Outro

fato que lhe pareceu estranho foi o de estar preso ao solo,

pelo que só poderia atirar para frente. Era bem verdade que

essa desvantagem aparente poderia ser compensada pela

possibilidade de dar qualquer abertura ao ângulo de

emissão do campo cristálico-neutralizador. Dois

desintegradores desses seriam mais que suficientes para

eliminar qualquer adversário que se encontrasse em

qualquer ponto do platô.

Mas a ausência de um mecanismo de comando

deixou-o estupefato. Certificou-se de que a caixa existente

na extremidade posterior da pesada arma só continha o

gerador destinado à produção do campo cristálico.

— Que decepção, não é? — disse Bell.

— Por quê?

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Bell sacudiu os braços.

— Esta caverna. Esperávamos encontrar uma

fortaleza poderosa, e tudo que vemos é um buraco na

montanha.

Rhodan sorriu.

— Encontrou algum gerador gravitacional?

— Que...

Subitamente uma luz acendeu-se em sua mente. Deu

uma palmada na testa.

— Ah, sim. Onde está o gerador?

Rhodan ainda sorria.

— Provavelmente as pessoas que construíram esta

caverna contavam com uma reação igual à sua —

prosseguiu. — Qualquer um que não tenha passado pelas

nossas experiências há de acreditar que nada mais existe

por aqui. Se, além de tudo, não souber o que é um

desintegrador, sairá decepcionado. Acontece que notei

mais uma coisa.

Falou sobre a ausência do mecanismo de comando.

— Isso significa que se trata de um desintegrador

teleguiado. A partir de onde é guiado? Não pode ser a

partir de qualquer canto desta caverna. Há outra coisa.

Passou a mão pelo cano do desintegrador, liso como

um espelho.

— O metal plastificado é um material muito

resistente. Dura um século sem entrar em decomposição.

Mas se este desintegrador existe desde o tempo em que

aquele granito polido foi colocado lá fora, será fácil

imaginar como devia estar este metal plastificado, a não

ser que...

— A não ser quê...?

— A não ser que tenha uma conservação muito

cuidadosa.

Bell compreendeu o raciocínio de Rhodan, mas

Manoli ficou boquiaberto.

— Quer dizer que por aqui existe gente que vem

regularmente limpar estes canhões?

— É mais ou menos isso — admitiu Rhodan.

— Mas onde está essa gente?

Rhodan deu de ombros.

— Não sou nenhum profeta. Aliás, temos uma

pergunta muito mais interessante: este desintegrador se for

bem tratado, dá para atirar. Não fizeram nada disso. Se

admitirmos que os seres que habitam esta fortaleza

raciocinam em termos de lógica humana, então é de

esperar que queiram entrar em contato conosco, já que se

abstiveram de quaisquer hostilidades. Onde estarão?

* * * O comandante estava esperando.

* * * — Assim não conseguimos ir adiante — constatou

Rhodan, depois de ter realizado um exame prolongado e

improfícuo do chão e das paredes da caverna. — Vamos

chamar Anne e Tako. Anne poderia tentar localizar e ativar

qualquer mecanismo destinado a abrir uma passagem que

se localizasse no alcance de sua atuação. Se esse

mecanismo não existir, teremos de pedir a Tako que

penetre na montanha.

O rosto de Manoli exprimia certa dúvida.

— É um comando suicida.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Nada disso! A capacidade de Tako está sujeita a

leis físicas. Não pode materializar-se no interior de uma

matéria estranha. Para isso dispõe de um freio de

emergência. Se não houver nenhum espaço no interior da

montanha, logo encontrará o caminho de volta para o

ponto de partida.

— Não me refiro a isso; estou aludindo àqueles seres

estranhos — objetou Manoli.

— Eles não nos fizeram nada. Por que fariam alguma

coisa a ele?

Bell ofereceu outra sugestão.

— Por que não tentamos com os nossos

desintegradores? Poderíamos remover a parede, até

encontrarmos a abertura que nos levará adiante.

Rhodan confessou que já havia pensado nisso.

— É um risco muito grande. Esses seres poderiam

pensar que queremos atacá-los, o que os levaria a revidar.

Evidentemente dispõem de armas mais potentes que nosso

equipamento de bolso.

— É de supor que tenham inteligência suficiente para

saber que só queremos abrir caminho.

Rhodan concordou.

— Então?

Rhodan respondeu com um aceno de cabeça. Bell

ergueu o pequeno desintegrador que trazia na mão,

apontou-o para certa área da parede e comprimiu o gatilho.

Foi quando tiveram outra surpresa, que não era

menor que aquela causada pela descoberta da caverna e do

desintegrador gigante: a parede de rocha permaneceu

inalterável.

Com um resmungo de raiva, Bell abaixou a arma,

correu até a parede e examinou o trecho sobre o qual

dirigira o desintegrador.

— Nada! — gritou com a voz furiosa.

Sua raiva era tão grotesca que Rhodan começou a rir.

Manoli estava tão perplexo quanto Bell. Para ele, que

não havia sido submetido ao treinamento hipnótico, nada

neste mundo poderia resistir a um desintegrador.

Uma vez dominada a raiva, Bell procurou recorrer às

informações armazenadas em sua memória.

— Então é isso! — resmungou. — Recorreram à

intensificação do campo cristálico. De onde virá a energia?

Rhodan limitou-se a dar de ombros. Era

perfeitamente possível neutralizar os efeitos de um

desintegrador de potência média, correspondente ao tipo

portátil, através da intensificação da estrutura cristálica,

que a torna mais forte que a energia destrutiva do

desintegrador. Acontece que para uma parede dessa

extensão era preciso um suprimento constante de energia

da ordem de dez milhões de quilowats, desde que se

quisesse protegê-la contra os efeitos de um desintegrador

portátil até uma profundidade de cinquenta centímetros.

Era uma quantidade considerável, ainda mais se levarmos

em conta que aquela parede só devia representar uma parte

insignificante da fortaleza.

O inimigo — Rhodan começou a duvidar de que

realmente se tratasse de um inimigo — devia dispor de

reservas energéticas praticamente inesgotáveis.

* * * observador ótico registrou instantaneamente a

tentativa de danificar a parede da caverna, realizada por

Bell. Uma vez que se tratava de um ato hostil, ou ao

menos inamistoso, fez uma advertência ao comandante

através de uma ampliação dos impulsos.

Mas, tal qual Bell supusera, o comandante possuía

bastante capacidade de discernimento para perceber que

aqueles seres estranhos apenas procuravam um acesso para

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o interior da montanha. Não expediu nenhuma ordem de

fogo, mas admirou-se de que os estranhos acreditassem

que além da caverna existissem outros compartimentos.

Depois de observá-los por algum tempo, quase chegara a

concluir que eram tão subdesenvolvidos que logo

abandonariam a caverna.

O fato de não terem procedido assim, e de terem

recorrido a um desintegrador para vencer a parede de

rocha, fê-lo concluir que esses seres não se enquadravam

em nenhum dos esquemas tradicionais. Portanto, só lhe

restava esperar.

* * * As pessoas que se encontravam no acampamento

foram avisadas. Assim que retornou com seu grupo, Tako

assumiu o comando. Mandou levantar as barracas e

distribuiu o equipamento, para ser transportado. Desta vez

Tom teria uma tarefa difícil para vencer. Os paredões de

rocha daquela montanha de treze mil metros não

constituíam um terreno adequado para seu vulto

avantajado. Houve necessidade de ativar um equipamento

auxiliar destinado a gerar uma gravidade artificial, o que

diminuiria sua capacidade de carga. Só assim conseguiria

realizar a subida.

Na chaminé o transporte teve de ser realizado

exclusivamente pelos meios humanos. Tom aguardou

pacientemente na entrada até que os três americanos

descessem cordas que o ajudaram a flutuar paredão acima.

De qualquer maneira, conseguiram realizar o

transporte. Cinco horas depois de ter sido transmitida a

ordem de Rhodan, que mandou levantar o acampamento,

as barracas e o equipamento estavam depositados na

plataforma. Tako e o resto do grupo esforçaram-se para

levantar Tom por cima do paredão de metro e meio

existente na boca do canal.

* * * O surgimento de Tom representava outro enigma

para o comandante. Era claro que já fora localizado

quando se deslocava pelo planalto. Mas o exame detalhado

só se tornou possível quando o aparelho foi colocado na

plataforma.

Tom não combinava com as observações que o

localizador realizara naqueles seres estranhos, exceto nas

vestimentas.

Os estranhos pareciam ser seres primitivos muito

audaciosos, às vezes temerários, que não sentiam o menor

respeito pela técnica infinitamente superior corporificada

nos desintegradores gigantes. Os trajes que envergavam e

o robô removedor não poderiam ter sido produzidos por

eles. Onde estariam os seres que fabricaram as vestimentas

e os robôs, sobre os quais o povo dos seres marinhos já

prestara algumas informações?

O comandante começou a compreender que essa

pergunta só seria respondida depois que tivesse localizado

a nave que há algum tempo ele tentara atrair para a

plataforma por meio do raio de sucção, já que as instruções

que lhe haviam sido ministradas não lhe permitiam abrir

fogo contra um artefato desse tipo. Acontece que a nave

conseguira subtrair-se à ação do raio e pousar, não em

qualquer lugar, mas num excelente esconderijo. As

indicações fornecidas pelos habitantes do mar

correspondiam ao estado primitivo desses seres. Eram tão

imprecisas que o comandante só pôde fornecer aos robôs

uma indicação aproximativa da área em que devia ser

realizada a busca. Face a isso, a nave não fora descoberta,

e a curiosidade do comandante permanecia insatisfeita.

Agora, porém, alguma coisa parecia acontecer.

* * * Estavam parados lado a lado junto ao paredão quase

vertical existente nos fundos da plataforma. A dois metros

deles ficava a abertura onde se encontrava o desintegrador

do lado ocidental.

Estava anoitecendo. Rhodan lançou um olhar

perscrutador para o céu. As nuvens estavam muito baixas,

a uns duzentos ou trezentos metros acima deles. Seria

preferível que na hora em que as tormentas crepusculares

começassem a soprar já dispusessem de um abrigo melhor

que aquela caverna com as seis aberturas.

— Quer tentar? — perguntou, dirigindo-se a Anne.

Anne fez que sim. Rhodan afastou-se e sentou no

chão para não perturbar o trabalho da moça.

Anne fechou os olhos e começou a procurar. Algum

tempo se passou sem que tivesse qualquer impressão, mas

enquanto ia se concentrando, o conteúdo daquela

montanha desenhava-se com nitidez cada vez maior em

seu espírito.

Evidentemente não se tratava de uma visão. Era antes

um sentir e um tatear, uma capacidade perceptiva

incompreensível ao homem comum, que se relacionava

com a telecinese.

Anne apalpou o corredor que começava logo atrás da

parede da caverna, conduzindo para o interior da

montanha. Supôs que devia haver uma porta no lugar em

que terminava numa parede. Procurou localizar o

mecanismo que a abria. Não o encontrou e, esgotada, teve

de interromper a experiência.

Descansou um pouco e começou de novo. Desta vez

encontrou um corredor mais amplo, que atingia a parede a

uns dez metros à direita do primeiro. Realizou nova

tentativa, que também se revelou inútil.

Encontrou um terceiro corredor, e depois um quarto.

Não havia nada na estrutura dos trechos de parede em que

terminavam que revelasse tratar-se de portas e, mais que

isso, não encontrou coisa alguma com que pudesse abri-

las.

A mente de Anne penetrou nos corredores e seguiu-

os até onde isso foi possível. Sua capacidade rastreadora

tinha um alcance de cerca de trinta metros. Dali em diante

tornava-se menos nítida, até cessar por completo.

A trinta metros de distância o feitio dos corredores

era idêntico ao que se observava junto à parede. As

paredes eram compactas. Anne não descobriu qualquer

indicação da sua finalidade ou do lugar para onde

conduziam.

A busca mental durara cerca de hora e meia. Anne

estava tão exausta que teve que deitar imediatamente numa

barraca montada no interior da caverna. Rhodan gostaria

de ouvir mais alguma coisa, mas Anne limitou-se a

murmurar “nada” e adormeceu.

O comandante não teve conhecimento das tentativas

de Anne. Os localizadores mecânicos não seriam capazes

de detectar a tentativa de um telecineta que, por meio de

suas capacidades extraordinárias, procurasse penetrar na

fortaleza.

O comandante surpreendeu-se com a inatividade

aparente dos estranhos. Depois da atividade febril que

desenvolveram no início, esperava coisa diferente.

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95

VI

Quando Anne despertou, as últimas horas do dia

chegavam ao fim. De tão esgotada que ficara, havia

dormido quase vinte horas.

Rhodan aproveitara o tempo, embora não pela forma

prevista. Toda a bagagem foi introduzida na caverna, para

que Tom pudesse entrar. Após isso, as aberturas foram

fechadas com pedaços de lona. Não resistiriam à

tempestade por mais de quinze minutos, mas quinze

minutos de tempestade representavam um tempo

considerável.

Quando Anne acordou, Rhodan informou-a sobre

suas descobertas. Estava muito abatida.

— Você perdeu muito tempo, não é? — perguntou.

— E foi por minha causa.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Anne, para nós você vale tanto que não

hesitaríamos em deixá-la dormir um dia inteiro, um dia de

Vênus.

— Obrigada. Quer pedir a Tako que venha até aqui?

Rhodan fez que sim.

— Está disposto a sair?

— Perfeitamente. Apenas espera que o informe sobre

aquilo que você observou.

Rhodan saiu da barraca. Tako estava esperando junto

à parede da caverna. Rhodan explicou-lhe o que Anne

conseguira descobrir. Tako respondeu com um aceno de

cabeça.

— Esteja de volta dentro de uma hora no máximo! —

insistiu Rhodan. — Se demorar mais, suporemos que

alguma coisa lhe aconteceu.

O rosto largo de Tako abriu-se num sorriso.

— O que pretende fazer se isso acontecer?

Rhodan não se perturbou.

— Encontraremos um meio — respondeu. — Pode

confiar em nós.

— Está bem — respondeu Tako. — Até daqui à uma

hora, o mais tardar.

No mesmo instante desapareceu.

O rosto de Rhodan tornou-se muito sério. Tinha

certeza de que descobriria um meio de ajudar Tako, se

algo lhe acontecesse.

* * * Tako sentiu-se tomado de pavor; ficou arrepiado.

Sentiu um golpe quando seu primeiro salto teleportado

sofreu um desvio que evitou sua rematerialização no

interior de uma matéria estranha.

Dali a um segundo voltou à imobilidade. Estendeu os

braços e com a mão esquerda apalpou alguma coisa que

parecia uma pedra lisa.

A escuridão era completa. Tako sabia que continuaria

assim. Num ambiente em que não penetra o menor raio de

luz o olho não pode acostumar-se à escuridão. Teria de

encontrar seu caminho às apalpadelas, até vencer o receio

de usar a lanterna.

Por um instante permaneceu imóvel e aguçou o

ouvido. Mas a ausência de ruídos era tão completa como a

de luz.

Sentiu um cheiro estranho que penetrava o interior

daquela montanha. Procurou analisá-lo. A única conclusão

a que chegou foi que nunca sentira um odor semelhante.

Tateando, deslocou-se para a direita, mas também

encontrou um obstáculo. Atrás dele e à sua frente não

havia nada. Isso significava que se encontrava num

corredor.

Voltou a aguçar o ouvido. Como ainda desta vez não

ouvisse nada, acendeu a lanterna. Regulou-a de forma a só

emitir um feixe de luz fraco e bem aberto, que bastaria

para orientá-lo, mas não era visível à distância.

Mesmo à luz da lanterna, não conseguiu ver o fim do

corredor, nem descobriu nada de extraordinário.

Continuou avançando. À medida que o tempo passava sem

que fosse molestado, o medo ia diminuindo. Depois de ter

caminhado durante dez minutos, repreendeu-se pelo medo

que sentira no início.

* * * A invasão de Tako foi detectada instantaneamente

pelo localizador automático. A notícia foi transmitida ao

comandante, numa faixa de amplitude que chegou a ser

dolorosa.

O comandante não viu nenhum perigo no fato de um

único homem ter penetrado na fortaleza, mas finalmente

teria possibilidade de descobrir alguma coisa sobre as

intenções daqueles seres estranhos, sobre sua origem e

principalmente sobre as características dos seres que lhes

haviam fornecido o equipamento.

Receava que essas informações não fossem muito

agradáveis. Provavelmente se constataria que os estranhos

haviam aprisionado os dois seres que constituíam o alvo

principal do interesse do comandante, obrigando-os a

entregar-lhes seu equipamento.

Em face dessa suposição, que um ligeiro

processamento dos dados disponíveis transformou numa

probabilidade bastante elevada, Tako tornou-se alvo de

medidas mais rigorosas que as que seriam adotadas se o

comandante conhecesse a situação real.

Ordenou ao destacamento policial que capturasse o

invasor. Os policiais obedeceram imediatamente.

* * * Tako indagou de si para si de que serviria essa

marcha pelo corredor escuro, aonde já ia tateando há uns

vinte minutos.

As paredes eram lisas, mas não eram de pedra

natural, como acreditara no início. Estavam cobertas de

uma camada de metal plastificado. Não descobriu outros

detalhes. Não havia portas, nem instrumentos embutidos

na parede. Absolutamente nada.

Até onde atingia a luz da lanterna, — Tako já se

arriscara a regulá-la para um feixe de luz estreito, mas

potente — o quadro era o mesmo. Chegou a acreditar que,

se andasse mais um trecho, o corredor terminaria em outra

parede, igual à que devia existir atrás dele e que,

teleportando-se através dela, atingiria o ar livre do outro

lado do morro.

“De que pode servir um corredor que simplesmente

atravessa o morro?”, pensou.

Voltou a concentrar a atenção sobre as paredes do

corredor. Pensou que nos outros pontos não as tivesse

examinado com bastante atenção.

Mas as paredes continuavam lisas e compactas como

antes.

* * *

Os policiais receberam instruções diretamente do

comandante.

Sabiam que o invasor era um teleportador natural.

Por isso não bastaria agarrá-lo; teriam que deixá-lo

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inconsciente, para que não pudesse utilizar seus dons.

Também sabiam que usava uma lanterna para

iluminar o corredor. Dessa forma, não poderiam aguardá-

lo em qualquer lugar. Teriam de postar-se num corredor

lateral e golpeá-lo no instante exato.

Finalmente sabiam que o invasor estava armado.

Pelas indicações que o localizador pôde colher, a arma que

trazia devia ser de elevada potência. Os policiais estavam

treinados para manter a ordem na fortaleza, se necessário

com o sacrifício da própria vida. Mas um instante

poderoso dizia-lhes que, sempre que possível, deviam

manter-se afastados dos desintegradores.

Os dez policiais que o comandante destacara para a

captura do invasor postaram-se, cinco a cinco, em dois

corredores laterais opostos, que desembocavam no

corredor pelo qual Tako se deslocava.

Calmamente, aguardaram que o comandante lhes

desse a ordem para abrir a porta e agarrar o estranho.

* * * Tako estava prestes a voltar. Achava inútil percorrer

vários quilômetros num corredor completamente vazio.

Gostaria que Perry Rhodan estivesse ao seu lado.

Talvez este tivesse alguma ideia de como lidar com

aquelas paredes.

Parou e voltou-se. Atrás e diante dele, o corredor

entediante estendia-se. Um quilômetro já ficara atrás, e

para diante só o demônio saberia dizer quanto faltava.

Concentrou-se sobre a caverna de onde partira e

esteve a ponto de teleportar-se para lá, quando ouviu um

ruído ao seu lado.

Virou-se abruptamente e arregalou os olhos para a

grande abertura que se formara na parede. Seres que nunca

vira antes se aproximaram à luz da lanterna.

Provavelmente poderia ter-se salvado se dois

impulsos não se tivessem sobreposto em sua mente. Ficou

sem saber se devia sacar o desintegrador para livrar-se dos

atacantes ou escapar por meio de um salto teleportado. Foi

quando uma coisa dolorosa atingiu-o nas costas,

imobilizou-o e o fez mergulhar em profunda

inconsciência.

As instruções do comandante chegaram

imediatamente.

— Transportar prisioneiro ao setor A, pavimento

XIV, corredor 2, compartimento 331.

Dois dos policiais levantaram o homem inconsciente.

O grupo entrou em formação e pôs-se em marcha. Desta

vez os dez homens seguiram na mesma direção, dispondo-

se a executar as ordens do comandante.

O grupo encontrava-se no setor F, perto do lugar em

que todos os setores daquele complexo circular se

encontravam no centro do círculo. E o pavimento era o de

número XXI.

No corredor que os policiais haviam atravessado a

uns cinquenta metros, do lugar em que Tako fora agarrado

de surpresa, havia um elevador que funcionava com base

na eliminação da gravidade. A plataforma que se movia

sob o influxo de um campo gravitacional artificial tinha

uma área suficiente para abrigar os dez policiais e o

prisioneiro.

A viagem ao pavimento XIV só durou alguns

segundos. Os policiais dirigiram-se para a direita. No

momento em que atingiram o compartimento 331 do

corredor 2 e a porta abriu-se diante deles, receberam uma

ordem:

— Preparar o prisioneiro para o interrogatório.

Verificou-se que a iluminação do complexo não fora

colocada fora de funcionamento. Apenas era utilizada em

ocasiões especiais, pois subitamente uma profusão de

lâmpadas espalhou uma luz branco-leitosa na sala de

interrogatórios.

Os policiais colocaram Tako sobre uma peça de

móvel que se pareceria com uma cama, se não estivesse

munida de uma série de instrumentos. Puseram-lhe um

capacete e ligaram um dos fios vermelhos que o uniam a

um dos instrumentos.

Logo reportaram ao comandante:

— Ordens cumpridas.

O comandante respondeu:

— Voltem aos seus postos.

* * * Não foi pequena a surpresa do comandante ao tomar

conhecimento da resposta de Tako à pergunta formulada

por via hipnótica. Teve de rever sua opinião sobre a

maneira pela qual os dois seres que haviam fornecido o

equipamento técnico se tinham encontrado com os

membros do grupo. Ele o fez com a maior rapidez.

Todavia, não se devia esquecer que os estranhos que

se encontravam no interior da caverna nada sabiam dessa

revisão. Por intermédio de Tako, o comandante soube que

para os seres estranhos, as instalações encravadas na

montanha eram uma base inimiga. Por isso seria um erro

abrir-lhes as portas sem mais aquela.

Fez seus preparativos e dispôs-se a estabelecer

contacto com os estranhos.

* * * Uma hora se passou sem que Tako voltasse. Rhodan

começou a inquietar-se.

Nesse meio tempo haviam recebido o sinal

codificado da Good Hope e respondido ao mesmo. A

bordo da nave tudo parecia estar na mais perfeita ordem.

Antes que atingissem o planalto, Rhodan e Crest

combinaram que as mensagens radiofônicas trocadas de

hora em hora seriam substituídas por um simples sinal.

Seria muito mais difícil captar e localizar um sinal breve

que uma palestra prolongada.

Pelo mesmo motivo, Tako não levava nenhum

equipamento de radiotransmissão.

Só Anne Sloane conseguira acompanhá-lo por algum

tempo através do rastreamento telecinético. Mas já fazia

mais de cinquenta minutos que ele se encontrava fora do

seu alcance.

Rhodan começou a compreender que não teria

alternativas senão solicitar a presença da Good Hope fosse

qual fosse o risco. Só mesmo os instrumentos potentes que

a nave trazia a bordo poderiam ser capazes de romper

aquelas paredes e penetrar no interior da montanha.

Foi uma decisão difícil; Rhodan consumiu alguns

minutos para justificá-la perante sua consciência.

Depois de algum tempo sentou diante do

radiotransmissor e dispôs-se a transmitir a Crest e Thora

um relato minucioso, acompanhado de um pedido de

socorro.

Foi quando Bell irrompeu na barraca.

— A parede! — disse ofegando. — A parede está

aberta.

Rhodan saiu de trás do transmissor e, passando junto

a Bell, precipitou-se para fora da barraca. Alguém ligara

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um refletor portátil que iluminava um pedaço da parede.

Bem no meio da área iluminada via-se uma abertura.

Rhodan não hesitou.

— Preparar para a partida! — gritou com a voz

retumbante. — Peguem lanternas, armas e um

radiotransmissor. Rápido!

Não tinha a menor ideia de como surgira à abertura

na parede. Talvez Tako tivesse localizado o mecanismo

que movimentava a porta. Mas se fosse assim seria difícil

de compreender por que não retornara no tempo

combinado.

Apesar disso, não refletiu. Mesmo que a abertura não

passasse de uma armadilha, o grupo, equipado com aquele

armamento, tinha boas chances diante do inimigo.

Dentro de poucos minutos estavam prontos para

partir. As primeiras rajadas da tempestade varreram a

plataforma quando o grupo, com Rhodan na ponta,

penetrou na escuridão.

Anne Sloane vinha logo atrás de Rhodan. Este lhe

pedira que estendesse suas “antenas” para todos os lados,

procurando localizar qualquer coisa que pudesse

representar um perigo.

Anne não podia enxergar através de uma parede

compacta, mas sua capacidade telecinética fazia com que

identificasse qualquer área em que estivesse ausente a

resistência ao tateamento.

A seguir vinha Manoli e os três americanos. Reginald

Bell formava a retaguarda.

Avançaram cerca de trinta metros à luz do refletor,

que Rhodan segurava com o braço estendido para o lado, a

fim de não oferecer um alvo ao ataque. Subitamente e sem

qualquer aviso, uma mortiça luz branco-leitosa parecia sair

das paredes.

Rhodan estacou; mas, além da luz, não houve

qualquer surpresa.

Provavelmente tinham passado por cima de um

contato.

— Aqui há um corredor lateral — cochichou Anne

— e do outro lado também.

— Está vazio? — perguntou Rhodan desconfiado.

Anne fez que sim.

Rhodan compreendeu que nenhum dos dois

corredores lhe serviria de nada. Também aqui não se via

qualquer mecanismo acionador das portas. Continuariam

pelo mesmo corredor, até que chegassem a uma

encruzilhada onde houvesse uma entrada mais convidativa

que esta.

Dali em diante Anne passou a registrar a intervalos

regulares corredores laterais fechados. Com base nos

dados por ela fornecidos, Rhodan pôde traçar um quadro

mental do complexo. De início Anne teve a impressão de

que os corredores laterais prosseguiam em linha reta, mas,

à medida que avançavam, tornava-se cada vez mais

evidente que descreviam uma curva. Para Rhodan não

havia mais dúvida de que a fortaleza cavada na montanha

era de forma circular. Havia corredores radiais como o que

estavam percorrendo, que se dirigiam ao centro do círculo,

e corredores laterais, de formato circular, que ligavam os

corredores radiais a intervalos regulares.

Atrás das paredes situadas entre os corredores radiais

e laterais devia haver salas. Rhodan bem que gostaria de

dar uma olhada numa delas. Mas nas paredes não havia o

menor indício da existência de portas, e uma ligeira salva

de desintegrador deixou claro que a estabilização do

campo cristalino no interior da montanha era tão eficiente

como na caverna.

Estavam andando há cerca de meia hora e deviam ter

percorrido uns dois ou três quilômetros. Anne parou tão

abruptamente que os que vinham atrás esbarraram nela.

— Parem!

Rhodan virou-se.

Anne apontou para a parede.

— Aquele corredor não está vazio. Há gente por ali.

— Gente?

Anne fechou os olhos e procurou concentrar-se.

Tateou os corpos que se encontravam do outro lado da

parede e procurou determinar sua forma. Era bastante

estranha, mas não havia dúvida de que aqueles seres

desconhecidos guardavam certa semelhança com os

homens.

Mas não se moviam. Permaneciam rígidos como

cadáveres. Um calafrio passou pela espinha de Anne, que

relatou:

— São semelhantes aos homens. Mas não se movem.

Rhodan resolveu não se preocupar com aqueles

vultos estranhos. Mandou que o grupo prosseguisse na sua

marcha.

* * * Com certa inquietação o comandante constatou que o

grupo de estranhos parou justamente diante do corredor

lateral em que postara o primeiro destacamento de

policiais.

Seria uma coincidência? Os localizadores não

puderam fornecer qualquer indicação sobre a maneira pela

qual os estranhos poderiam ter notado a presença dos

policiais. Só podia ser coincidência.

Abriu a porta de um elevador e esperou que o grupo

de estranhos o atingisse. Enquanto iam descendo ordenou

aos policiais que saíssem do corredor lateral e

bloqueassem o corredor radial atrás do grupo.

* * * A porta tinha mais de dois metros de altura e pelo

menos três de largura. Atrás dela havia um compartimento

sem teto, em forma de caixote. Rhodan enfiou a cabeça e

sentiu a estranha sucção na nuca, provocada pela ausência

de gravidade no interior do poço.

Era um poço de elevador.

Nas paredes não havia qualquer indicação sobre a

maneira de comandar o elevador. Rhodan fez sinal para

que os membros do grupo se aproximassem e ordenou-lhes

que saltassem ao mesmo tempo sobre a prancha.

Por um instante parecia que o elevador não se movia.

Mas de repente ele o fez com tamanha rapidez que todo

mundo pensou que alguém lhes arrancara o apoio sob os

pés.

A viagem só durou alguns segundos. Pela

movimentação da parede Rhodan calculou que haviam

vencido uma diferença de altitude de cerca de cem metros.

No lugar em que o elevador parou, viram diante de si um

corredor igual aos que já haviam percorrido. Era igual,

exceto...

— Olhem ali atrás! — sussurrou Bell.

Desta vez não precisaram do poder sobrenatural de

Anne. Os seres estranhos estavam bem à vista. Parados do

lado esquerdo do corredor, a uns vinte metros do elevador,

não faziam o menor movimento.

Tinham formato humano, mas os rostos eram escuros

e bexiguentos. Ao que parecia, não usavam nenhuma

roupa. A pele nua brilhava em toda a extensão, exceto nas

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manchas escuras que lhes cobriam o corpo.

Num movimento instantâneo Bell levantou a arma.

Ainda assim os estranhos permaneceram imóveis.

Rhodan destacou-se do grupo e caminhou na direção

deles. Deixaram que se aproximasse a dez metros, depois

executaram o primeiro movimento. Levantaram os braços.

Rhodan percebeu que estavam armados. Traziam as armas

apontadas em sua direção.

Rhodan deu de ombros e voltou atrás.

Do outro lado, o corredor estava vazio.

— Quem sabe se não vamos cair numa armadilha? —

disse Bell com a voz furiosa.

— O que podemos fazer? — perguntou Rhodan. —

Trocar tiros com eles? Não temos um palmo de cobertura.

— Como não? O elevador...

Virou-se abruptamente. O elevador havia

desaparecido. A porta fechara-se diante dele. A parede

voltara a ser tão lisa como as outras paredes daquela

fortaleza.

— Que porcaria!

Foram caminhando para a direita. Os seres estranhos

também se moveram, seguindo-os com os passos

hesitantes.

Rhodan começou a inquietar-se. O corredor

prosseguia em linha reta até onde alcançava a vista. Não

havia nenhum ponto em que pudessem abrigar-se.

Se a única intenção desses seres medonhos fosse

atraí-los para uma armadilha, não teriam muita dificuldade

em conseguir seu intento. Na situação atual, Rhodan

preferia deixar que o aprisionassem sem resistência a

arriscar a vida de seus homens numa luta em que não

teriam a menor chance.

Provavelmente a fortaleza estava repleta daqueles

seres estranhos. Se parassem em determinado ponto do

corredor para defender-se, a parede poderia abrir-se

naquele mesmo lugar e expelir um montão de inimigos.

As forças de Anne começaram a diminuir. A tensão

ininterrupta deixara-a cansada. Rhodan preferiu poupá-la,

para poder recorrer a ela quando tivesse muita

necessidade.

* * *

Como Rhodan avançasse devagar, o comandante teve

tempo de ampliar os conhecimentos extraídos do cérebro

de Tako Kakuta.

Constatou que o cérebro de Tako registrava o

conhecimento completo de duas línguas e noções

fragmentárias de uma terceira. Procurou combinar as duas

línguas que ali se achavam completas e ligá-las a uma raiz

comum; não o conseguiu. Isso o deixou surpreso.

Transmitiu os conhecimentos linguísticos recém-

adquiridos a dois oficiais e mandou que fossem ao

encontro dos seres estranhos.

— Parem! — gritou Rhodan quando os dois vultos

surgiram no corredor.

Os dois oficiais avançaram com as mãos levantadas.

Rhodan aguardou-os à frente do grupo, de arma em punho.

Notou que tinham a pela clara e, ao contrário do

destacamento que ficara para trás, usavam certo tipo de

roupa. Além disso, seus rostos não eram bexiguentos.

Procurou decifrar suas fisionomias, mas viu apenas

um sorriso amável e inexpressivo, que não permitia

qualquer conclusão sobre suas reais intenções.

Os dois homens não usavam barba nem bigode.

Tinham a testa mais alta que a dos terráqueos, mas quanto

ao mais poderiam ser confundidos perfeitamente com

homens europeus, americanos ou australianos.

Pararam a alguns metros de Rhodan. Um deles disse

algumas palavras numa língua clara e melodiosa. Calou-se

e esperou pela resposta de Rhodan.

Este não entendera nada. Sob o aspecto fonético, a

língua falada por aquele estranho se parecia com o japonês

ou o coreano. Acontece que Rhodan não dominava

nenhuma dessas línguas, e, além disso, achava pouco

provável que naquela fortaleza houvesse alguém que

falasse justamente o japonês ou o coreano.

Depois que Rhodan permaneceu calado por algum

tempo, o outro estranho começou a falar:

— O comandante pede que tenham a bondade de ir

ao lugar em que se encontra. Manda dar-lhes as boas-

vindas como seus hóspedes. Não têm nada a temer.

Por uma fração de segundo Rhodan ficou perplexo.

Enquanto atrás dele o espanto ainda se manifestava em

sons ofegantes e assustados, já compreendera o que havia

acontecido. Tinham aprisionado Tako, ou então,

conservavam-no consigo por sua livre vontade, e de seu

cérebro extraíram as línguas que ele dominava: o japonês e

o inglês.

Rhodan refletiu febrilmente. Não havia nenhum

motivo para supor que o comandante da fortaleza não tinha

qualquer intenção hostil. O convite de entrar na armadilha

poderia ser adoçado por meio de palavras amáveis. Se

fosse assim, poupariam muito trabalho ao inimigo caso

aceitassem seu convite.

Apesar de tudo Rhodan respondeu:

— Ficamos muito gratos ao seu comandante. Querem

fazer o favor de levar-nos para junto dele?

— Queiram acompanhar-nos — disse o estranho que

falava o inglês.

Virou-se e seguiu juntamente com seu acompanhante

pelo caminho por onde tinham vindo. Rhodan e os outros

membros do grupo foram atrás deles.

Virando a cabeça ligeiramente para o lado, Rhodan

disse com a voz baixa:

— Preparem-se. É bem possível que queiram tentar

um truque.

Alguém resmungou algumas palavras de

assentimento. Bell disse:

— Devíamos ter perguntado onde está Tako.

— No momento isso não adiantaria — disse Rhodan

em tom apressado.

Na luz difusa do corredor tornava-se difícil calcular

as distâncias. Por algum tempo parecia que o corredor

continuava por alguns quilômetros numa reta contínua.

Mas ainda não tinham caminhado dois minutos depois do

encontro com os estranhos, quando alguns contornos

começaram a desenhar-se diante deles. Poucos instantes

depois o corredor desembocou numa praça cuja extensão

era considerável.

À primeira vista parecia ter formato retangular,

medindo uns quinhentos metros para a esquerda e para a

direita, e duzentos metros de largura. Mas logo

constataram que a praça não passava de um tipo de

corredor circular, que contornava um edifício também

circular que se encontrava no centro.

Os dois estranhos atravessaram a praça. A patrulha

acompanhou-os. Rhodan lançou os olhos em torno. Ficou

espantado ao constatar que a altura da praça, ou corredor

circular, era de pelo menos cinquenta metros, e que a

intervalos de cerca de doze metros havia galerias cavadas

nas paredes, onde desembocavam os corredores de outros

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pavimentes.

Tudo indicava que se aproximavam do centro da

fortaleza. Rhodan ficou curioso para saber o que

encontrariam no interior do edifício situado no centro da

praça.

Tinha a altura da praça, e em certos pontos parecia

mesmo que rompia o teto da mesma. Suas paredes não

apresentavam emendas, tal qual acontecia com as demais

paredes daquela fortaleza. Quando os dois estranhos

atingiram o edifício, depois de terem cruzado a praça, uma

das paredes abriu-se diante deles e deixou à vista um salão

imenso, muito mais iluminado que os recintos que Rhodan

e os membros de seu grupo tinham visto até então.

Apesar do tamanho descomunal, o salão só ocupava

uma parte minúscula do edifício. Assim que penetrou pela

grande abertura que se formara diante dos dois estranhos,

percebeu a finalidade daquele edifício.

A parede dos fundos, que media cerca de trinta

metros de largura e quinze de altura, era um único painel

de instrumentos, semelhante ao que se encontrava, em

versão muito mais reduzida, na sala de comando da Good

Hope. Um tipo de quadro de comando avançava uns dois

metros da parede para fora; à direita e à esquerda do

mesmo viam-se pequenas plataformas, que devia servir

para levar as pessoas que ali trabalhavam de um a outro

ponto do gigantesco painel.

Rhodan percebeu imediatamente que a sala de

comando em que se encontravam devia pertencer a um dos

maiores cérebros positrônicos jamais construídos na

galáxia.

Assim que chegaram ao centro da sala, os estranhos

pararam. Esperaram que Rhodan e os membros de seu

grupo se aproximassem. Depois um deles fez um gesto

grandioso em direção ao painel e disse:

— Eis aí o comandante. Sente muito prazer em tê-lo

diante de si.

* * *

O resto dos dias passados na fortaleza decorreu num

assombro incessante causado pelas maravilhas técnicas

que a montanha abrigava.

Rhodan e Bell, que haviam recebido instrução

arconídica, espantaram-se menos com as maravilhas que

com o fato de as encontrarem justamente em Vênus.

O comandante, que gostava tanto de receber

informações como de dá-las, deu a entender que seus

construtores foram arcônidas pertencentes à mesma raça

de Crest e Thora. Estes haviam decolado com a Good

Hope assim que Rhodan os avisou da descoberta,

pousando sem incidentes na plataforma diante da caverna.

Para Rhodan o fato de pela primeira vez ver Crest

espantado de verdade foi um grande acontecimento. Crest

não compreendia que parte da história colonial dos

arcônidas, por mais insignificante que fosse e por mais

recuada que ficasse no passado, tivesse escapado aos

registros históricos. A observação um tanto irônica de

Rhodan, de que mesmo a máquina mais bem regulada

pode cometer um engano, correspondia ao curso do

pensamento humano-terreno, o que impediu Crest de

aceitá-la.

Mergulhou afoitamente nas informações históricas

que o comandante — para Crest era o maior cérebro

positrônico que já vira, além do grande cérebro central

localizado em Árcon — lhe ministrava com a maior boa

vontade, em forma de relatórios falados numa língua que o

tradutor robotizado da Good Hope identificara como o

intercosmo antigo, e ainda sob a forma de filmes e fitas

magnéticas, cujo conteúdo foi assimilado pelos estudiosos

nos moldes da instrução hipnótica.

Sem que o soubesse, Crest realizou por essa forma

uma divisão de trabalho que lhes poupou bastante tempo,

pois permitiu que, além do levantamento dos dados

históricos, também coletassem os dados puramente

materiais.

Seguindo as informações transmitidas por Crest,

revistaram pavimento por pavimento, setor por setor,

corredor por corredor da enorme fortaleza e levantaram o

inventário de tudo que encontravam. Só levaram algumas

horas para constatar que por ali havia material suficiente

para que a Terceira Potência superasse as dificuldades dos

estágios iniciais.

Naturalmente Tako Kakuta foi libertado, depois de

recuperar-se do esgotamento causado pelo interrogatório

hipnótico. Tal quais os outros membros da patrulha,

passou a ocupar um camarote residencial que o

comandante lhe destinara no décimo pavimento.

Os outros membros do grupo foram passando o

tempo, conforme lhes dava na cabeça, no interior dos

enormes salões da fortaleza. Uma vez obtidas às

indicações necessárias, as portas embutidas nas paredes

inteiriças não representavam mais nenhum obstáculo. Sua

atividade não passava dum tatear infantil em meio às

maravilhas da técnica. No entanto, ao menos um fato

deixou-os mais tranquilos: o comandante ordenara que os

policiais bexiguentos retornassem aos seus alojamentos,

para que não os assustassem mais.

Os policiais não passavam de robôs, que resistiram ao

longo tempo decorridos desde a construção da fortaleza.

No interior dela não havia um único ser vivo. O que existia

era um gigantesco cérebro positrônico, o comandante, e

um exército de robôs. Nada mais. Os setores de reparos

providenciavam para que todo o equipamento atravessasse

os milênios sem sofrer maiores danos. Apenas, o

comandante não atribuía maior importância ao

revestimento orgânico em forma de pele que cobria o

corpo metálico dos robôs, e por isso não ordenara uma

conservação mais cuidadosa do mesmo. Assim, o plástico

orgânico escurecera e se abrira em furos, ou em bexigas,

conforme diziam os terráqueos com base numa primeira

impressão. Os oficiais robotizados, que desempenhavam

funções muito mais complexas, constituíam a única

exceção.

* * * Certo dia Crest saiu das salas de instrução cansado,

mas radiante. Declarou-se disposto a informar os membros

da patrulha sobre todos os detalhes de que ficara sabendo

através das anotações encontradas na fortaleza.

Essa forma de transmissão de conhecimentos

tornava-se necessária porque além de Bell e Rhodan

nenhum dos terráqueos estava em condições de submeter-

se aos impulsos hipnóticos dos arcônidas.

Reuniram-se na sala que tinha uma das paredes

coberta pelo painel do cérebro positrônico. Todos

compareceram, exceto Thora.

Esta aparecera raras vezes, desde que a Good Hope

pousara na plataforma. Rhodan pensava que sabia o que

estava procurando. Uma vez que conhecia melhor os

depósitos de equipamentos técnicos da fortaleza, teve

compaixão dela por causa de suas esperanças vãs.

Crest fez seu relatório em inglês. Adquirira um

domínio perfeito dessa língua; ninguém poderia apontar o

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menor erro em sua exposição.

— Esta base — principiou — tem uma idade de cerca

de dez mil anos, segundo a escala de tempo dos senhores.

Pelos dados da história do Império Galáctico, data do

primeiro período de colonização. O destino da frota

colonizadora que pousou neste planeta era outro.

Interrompeu sua viagem por entender que o terceiro

planeta deste sistema solar constituía um objetivo mais

desejável que o mundo que lhes fora indicado com base

nos mapas estelares dos arcônidas.

“No entanto, ao aproximarem-se do terceiro planeta,

que é a Terra, constataram que o mesmo estava habitado.

Por isso realizaram um pouso em Vênus, onde iniciaram

os preparativos para a colonização deste mundo. Aqui

instalaram uma base secundária, que é precisamente a

fortaleza em cujo interior nos encontramos. Os arcônidas,

em número de duzentos mil, segundo revelam as crônicas,

colonizaram um dos continentes da Terra. Pelo que sei o

mesmo não existe mais. Naquela época recuada formava a

ponte entre as terras afro-europeias e as americanas”.

“Mas essa colônia teve uma curta duração. Mais tarde

poderão informar-se sobre os detalhes da catástrofe que a

destruiu e afetou toda a Terra. Só cinco por cento dos

arcônidas sobreviveram à catástrofe e retornaram a Vênus.

Falaram num ataque de seres invisíveis. É claro que com

isso apenas quiseram justificar seu fracasso.

“A base de Vênus ainda dispunha de metade da frota

de naves em condições de navegabilidade espacial, ou

seja, de naves capazes de percorrer qualquer distância,

quase sem nenhuma perda de tempo. Os colonos...

esperem.”

Neste ponto seria conveniente intercalar uma

explicação.

— Uma expedição colonizadora nunca foi um

empreendimento democrático, e nem poderia ser. Nos

primeiros anos de sua instalação e desenvolvimento, uma

colônia jovem precisa de um regime forte, e este era

exercido através de uma espécie de aristocracia.

“O conselho aristocrático da colônia terrena decidiu

que o remanescente dos colonos decolaria nos veículos

espaciais de que ainda dispunham, e procuraria alcançar o

ponto de destino inicialmente fixado, já que por vários

séculos a Terra não ofereceria uma área adequada para a

colonização. A decisão foi cumprida, o que era mais que

natural, pois não se admitia qualquer oposição às

resoluções do conselho de colonização. A maior parte dos

colonos decolou de Vênus com as naves que ainda lhe

sobravam. Uma minoria ficou para trás, por não encontrar

lugar nos veículos espaciais. A maior parte da frota

espacial fora destruída na Terra. Uns dois mil colonos

tiveram de ficar em Vênus. Levaram vida solitária, mas

não desconfortável. Ao que tudo indicava, o conselho

aristocrático escolhera-os porque espiritualmente eram

mais indolentes que os outros. Nem pensaram em lançar

mão dos recursos de que dispunham para construir suas

naves espaciais. Continuaram onde estavam”.

“Faz cerca de oito mil anos que o último membro

desse grupo morreu”.

“Até parecia que uma estrela má pairava sobre os

colonos deste setor da galáxia. Nunca mais se ouviu falar

da frota espacial que decolou de Vênus depois da

catástrofe terrestre. Temos certeza de que não chegou ao

destino. Mas ninguém sabe o que lhe aconteceu. Nenhuma

notícia chegou a Árcon, nem o comandante sabe dizer o

que é feito dela. Ao que parece também em Vênus

aconteceram coisas estranhas. Mas as informações a este

respeito são tão escassas que de nada nos servem”.

“A fortaleza continuou a viver. Formava um

complexo autárquico. Os grupos de reparo estavam em

condições de manter em funcionamento toda a

aparelhagem existente nela. Atravessou os milênios e

apenas revela sua presença de dez em dez horas, expelindo

o ar quente gerado no seu interior através de um canal bem

disfarçado”.

“As ordens que o último comandante arconídico

inseriu no cérebro positrônico continuaram a vigorar.

Além disso, o cérebro fora instruído a obrigar qualquer

nave estranha a pousar, ou destruí-la. As naves arconídicas

eram a única exceção. Mas, como se presumia que estas

mesmas só pousariam em Vênus se pertencesse a alguma

empresa colonial do setor, exigia-se que transmitissem o

respectivo sinal codificado. Fora essa a razão da

mensagem que não entenderam. Embora não tivéssemos

transmitido o sinal, o comandante, ou melhor, o cérebro

positrônico, percebeu que a nave era do tipo daquelas que

não deviam ser bombardeadas. Tentou arrastar-nos para a

plataforma por meio do raio de sucção; mas — fez um

cumprimento a Rhodan — nosso comandante conseguiu,

numa reação instantânea, subtrair a nave à influência

estranha e pousá-la num lugar em que o cérebro

positrônico não a encontraria. Após isso o comandante

entrou em contacto com os animais do tipo das focas,

dotados de pouca inteligência, procurando localizar a nave

por seu intermédio. Mas essa tentativa também falhou,

pois a inteligência das focas não basta para fornecer

indicações de local que possam ser aproveitadas pelo

cérebro positrônico.

“Pois bem. O cérebro aguardou pacientemente.

Poucos dias depois viu que os estranhos vinham

espontaneamente para junto dele. Alguns detalhes

espantosos foram constatados: os membros do grupo eram

estranhos, mas seu equipamento era de origem

arconídica”.

“O cérebro concluiu que aqueles seres deviam ter

dominado uma nave arconídica, aprisionado seus

tripulantes e roubado o equipamento. Mas essa conclusão

não se revestia de um grau de probabilidade aceitável,

motivo por que o cérebro continuou a trabalhar”.

“Poucas horas depois Tako deu o salto. O cérebro

reconheceu sua chance. Tako foi aprisionado, e sobre o

resto os senhores já estão informados.”

O relatório propriamente dito não causou muita

impressão em Rhodan. O que lhe inspirou certa

tranquilidade e devoção foi o fato de que as tradições de

uma inteligência extraterrena forneciam a primeira

indicação da existência da Atlântida. No seu entender era

essa a única interpretação possível do relato sobre o reino

colonial situado entre o continente euro-africano e o

americano.

Um sorriso passou pelo rosto de Rhodan. Lembrou-se

de que os arcônidas, que o acaso fizera pousar na Lua há

certo tempo, representavam um ganho inestimável não só

para a tecnologia terrena, mas também para a

historiografia do planeta, já que seus registros lançaram

uma luz fulgurante sobre um dos setores mais obscuros da

história humana: o que se relaciona com o reino da

Atlântida e o dilúvio.

— Isso significa — prosseguiu — que o cérebro

ficou na expectativa durante oito mil anos. Isto é fácil de

dizer; acontece que este nosso cérebro — apontou com o

Page 101: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

101

dedo por cima do ombro — tinha um objetivo. Aguardava

um novo comandante cuja constituição mental permitisse

adaptá-lo de tal forma que só obedecesse a ele. Ao que

parece, acaba de encontrar esse comandante.

Interrompeu-se para observar o efeito de suas

palavras.

— Através dos dados fornecidos por Tako, e

principalmente por mim, o dispositivo positrônico tomou

conhecimento das características mentais de todos os

membros desta expedição. A constituição mental do futuro

comandante desta base não difere da dos arcônidas, muito

embora seja um terráqueo: Perry Rhodan!

* * * Rhodan levou algum tempo para recuperar-se do

espanto. Não é que lhe faltasse à consciência das suas

qualidades. O que o surpreendia eram as consequências

que resultariam da decisão do cérebro. Gostaria de saber se

Crest não pregara algumas mentiras ao dispositivo

positrônico, ao responder às indagações formuladas a

respeito dele, Rhodan.

Mas constatou que ninguém seria capaz de enganar

um dispositivo positrônico. Aceitou o posto. Por algum

tempo ficou receoso de que Crest pudesse ressentir-se com

a decisão do cérebro.

Mas Crest era um cientista cujo espírito se situava

muito além da zona em que se sente inveja por razões de

conteúdo político.

Dessa forma Rhodan tornou-se comandante, ou

melhor, senhor absoluto de uma fortaleza cujo recinto

abrigava, concentrada em espaços reduzidos, maior

quantidade de energia que a de que dispunham todas as

fábricas e centros de pesquisa da Terra reunidos. O

equipamento da fortaleza bastaria para destroçar sistemas

solares inteiros e rechaçar qualquer inimigo, desde que o

mesmo não se lançasse ao ataque com uma frota inteira.

Mas havia uma coisa de que a fortaleza não

dispunha...

***

Thora não quis acreditar. Menos de uma hora após

sua chegada, solicitou ao cérebro um esquema sobre a

situação dos compartimentos em que se dividia a fortaleza

e lançou-se à procura.

Poucas horas depois de ter assumido o comando da

fortaleza, Rhodan já havia ajustado a frequência dos

impulsos de comando que acionavam o dispositivo

positrônico aos impulsos de seu próprio cérebro. Ao

examinar juntamente com Bell um dos depósitos do último

pavimento, encontrou-se com Thora.

— Você está procurando em vão — disse em tom

sério.

Ao que parecia Thora sabia a que estava se referindo.

— Sei — respondeu cabisbaixa.

— Por que não procura ver as coisas como são? —

perguntou Rhodan. — Após a catástrofe terrena, quando

os colonos resolveram dirigir-se ao objetivo inicial,

levaram consigo todas as naves de que dispunham. As

coisas que se encontram nesta fortaleza são maravilhosas

para os objetivos que eu tenho em vista. Mas não existe

nada que possa ajudar você a vencer a distância enorme

que nos separa de Árcon.

Calou-se. Esperou que Thora o olhasse.

— Você está presa a Terra — prosseguiu com um

sorriso. — Esforço-me para que sua permanência em

nosso planeta seja agradável. E estou disposto a fazer tudo

para que você possa retornar quanto antes ao seu planeta.

Mas até o meio mais rápido levará alguns anos para

concretizar-se. Até lá terá de viver com uns

semisselvagens...

— Pare! — interrompeu-o Thora com uma

veemência surpreendente. — Acha que é a única pessoa no

mundo que nunca cometeu um engano?

O mistério milenar de Vênus foi decifrado e Perry Rhodan obteve uma base que será da

maior importância para o progresso da Terceira Potência.

Mas Perry Rhodan não descansará. Um pedido de socorro vindo da Terra exige seu

retorno imediato.

Rhodan e seu Exército de Mutantes se lançam em um novo empreendimento no próximo

número intitulado:

SOCORRO PARA A TERRA

O EXÉRCITO DE MUTANTES

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102

Enciclopédia Galáctica

Povos da Via láctea:

OS ARAS

Os Aras são descendentes dos saltadores, e, portanto,

dos arcônidas. São de elevada estatura (próximo a 2,0

metros), mas com uma constituição física mais delicada.

Possuem pele clara, olhos de rosáceos, e cabelos brancos

(quando o possuem, pois preferem manterem-se carecas).

Estabeleceram-se no planeta Aralon (Sistema de

Kesnar), onde centralizavam suas pesquisas médicas e

vendiam seus serviços. Ao longo do tempo desenvolveram

o monopólio da tecnologia médica, e através disso enorme

poder econômico e político dentro do Império Arcônida.

Contudo, sua mentalidade não permitia que esperassem

pela necessidade, e eles próprios desenvolveram várias

pragas com os respectivos tratamentos. O que ocorria

então era que "pragas desconhecidas" surgiam e em pouco

tempo os aras apresentavam um remédio "desenvolvido

com extrema urgência", que era então vendido. Assim,

quando queriam um determinado planeta, contaminavam

sua população, e para curá-los, obrigava-os a se

submeterem ao seu controle.

Os Aras desenvolvem suas pesquisas escusas, muitas

vezes envolvendo criaturas inteligentes capturadas

ilegalmente. Seu maior feito, todavia, talvez tenha sido o

de criar os superpesados, uma subespécie dos saltadores,

através de engenharia genética. Aras e Superpesados

sempre tiveram uma relação muito próxima através dos

tempos. São extremamente inescrupulosos, capazes de

tudo para obterem lucros, apesar da alcunha de “médicos

da Galáxia”, não hesitam em criar novas doenças para

poder cobrar altas somas pela cura.

A partir do encontro com os terranos (no ano 1984), o

comércio ara diminuiu largamente, e a maior parte deles

continua trabalhando na área médica (muitos até mesmo

no Império Solar).

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103

Nº 09

De

W. W. Shols

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Vitório Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

Perry Rhodan foi a Vênus na Good Hope, uma das naves auxiliares do cruzador

dos arcônidas destruído na Lua, a fim de instalar uma base e um centro de

treinamento da Terceira Potência. Naquele planeta descobriu um segredo mais

velho que a história da humanidade — tão velho que nem os arcônidas Crest e

Thora sabiam dele.

Tratava-se de uma gigantesca central arconídica, dirigida por robôs, que

atravessou os milênios e continua a funcionar tão bem como no dia em que foi

construída.

É claro que essa descoberta representa um aumento enorme do poderio da

Terceira Potência, que bem precisa disso, pois numa mensagem radiofônica que

Perry Rhodan recebe em Vênus pede-se com urgência Socorro Para a Terra.

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104

1

Perry Rhodan comprimiu o botão vermelho com a

estranha gravura branca. O sinal lembrava a letra F do

alfabeto rúnico. Mas há essa hora pouco importava sua

origem. Bastava saber que designava o botão que cortava o

suprimento de energia do supercérebro positrônico.

A vibração monótona, só perceptível ao subconsciente,

cessou. A série de luzes de controle

com seu brilho mágico apagaram-

se. As membranas sonoras

imobilizaram-se. O maior e mais

potente dos cérebros positrônicos

jamais instalados no sistema solar

corria em ponto morto.

Perry Rhodan reclinou-se

exausto. O diálogo com aquela

máquina quase onisciente chegara

ao fim. O silêncio que se espalhou

pela caverna do subsolo de Vênus

foi interrompido por outro zumbido.

Rhodan acionou o aparelho de

intercomunicação.

— Quem é?

— Sou eu.

A voz rouca de Reginald Bell

não permitia a menor dúvida sobre

a identidade da pessoa que se

ocultava detrás da palavra “eu”.

Sem levantar-se, Rhodan destravou

a porta.

— Entre, Bell!

— Que diabo, Perry! Você me

mete medo. Faz mais de vinte e quatro horas que se

trancou nesta caverna misteriosa. Até parece que está no

encalço do mistério fundamental do universo.

— Nunca deixamos de andar no encalço dele. Se não

conseguimos aproximar-nos é porque o mistério está muito

distante.

— Aposto que não comeu nada.

— Pois está enganado! Tinha comigo uma ração diária

de alimentos desidratados. Já não posso me dar ao luxo de

cometer os pequenos enganos do dia-a-dia.

— Mas acho que você está nutrindo uma falsa ambição

ao...

— Também não me posso dar ao luxo das falsas

ambições. Nenhum de nós pode.

— Toquei a campainha ontem de noite. Hoje de manhã

toquei três vezes, e agora estava diante da porta há mais de

duas horas, sem conseguir entrar. Por que não abriu?

— Porque não sabia que você estava lá fora. Não

queria ser perturbado. O cérebro está regulado de tal forma

que as reações vindas de fora penetram nele, enquanto está

ativado.

— Dizem que nestes últimos dias você andou fazendo

um bom número de regulagens neste cérebro. É verdade?

— Não sei a que está se referindo. Exprima-se com

mais clareza.

— Crest falou no modelo das suas ondas cerebrais.

Afirma que é bem possível que você conheça suas

frequências pessoais...

— E daí? Por enquanto suas insinuações continuam

bastante confusas. Acho que não estarei errado ao supor

que logo ouvirei uma recriminação.

— Acho que por aqui ninguém se julga com direito de

dirigir recriminações a você.

— É por medo, não é? Mas sempre existe um pouco de

inveja.

Bell não conseguiu enfrentar o olhar penetrante de

Rhodan. Pegou um cigarro, que o fez recuperar um pouco

da sua autoconfiança.

— Sempre há um pouco de inveja.

— Acontece que o pessoal confia em você. Sabem que

é o mais forte entre nós. Sentem-

se satisfeitos porque ainda existe

uma pessoa à qual podem recorrer

quando não sabem mais como agir

diante dos problemas.

— O.K.! — confirmou Perry

Rhodan. — Conheço minhas

freqüências, e este cérebro

robotizado foi regulado para elas.

Nunca me deparei com tamanho

volume de saber prestes a revelar-

se a mim. Apesar disso ainda não

consegui solucionar o problema.

Penso em termos arconídicos, na

medida em que isso é possível a

alguém que carrega a condição

humana desde o nascimento.

Procuro raciocinar com o espírito

de quem construiu esta máquina,

mas defronto-me com problemas

de semântica. Afinal, não

podemos alcançar a interpretação

do saber arconídico de um dia

para outro. Não possuímos a

consciência do passado dos arcônidas. Bell, você não tem

nenhum motivo para invejar-me. Um diálogo de vinte e

quatro horas com este cérebro representa um massacre

físico e intelectual.

— Valeu a pena? — a pergunta de Bell exprimia

curiosidade e esperança.

Perry Rhodan fez que sim.

— Nesta montanha existem hangares ocultos. O

cérebro aludiu a seis naves espaciais.

— Isso seria mais do que os arcônidas desejam. Thora

e Crest só precisam de uma nave para voltar para casa.

Você não se entusiasma com essa perspectiva, não é?

— Preciso encontrar as naves.

— Mas não lhe faria nenhuma diferença se não as

encontrasse. Sei perfeitamente o que está pensando, Perry.

Precisamos de Thora e de Crest. Precisamos deles no

planeta Terra e no nosso sistema solar, não a uma distância

de trinta e quatro mil anos-luz. Se eu fosse você, não diria

nada sobre a existência dessas naves.

— Acha que devo começar um jogo de intrigas? Acha

que devo enganar e lograr os arcônidas, aos quais a Terra

deve sua união política? Devo retribuir sua amizade por

meio de uma prisão indireta? Não acredito que esse tipo de

comportamento concorreria para promover o entendimento

entre as duas raças.

— Para você seria uma traição; para mim, um ato de

diplomacia.

Perry Rhodan fez um movimento violento com a mão,

para espantar qualquer ambiguidade sobre seu ponto de

vista.

— Localizaremos o que puder ser localizado, Bell. Não

há dúvida de que devemos conservar Thora e Crest ao

Personagens principais deste episódio:

PERRY RHODAN — Chefe da Terceira Potência. Reginald Bell — Melhor amigo e principal colaborador de Perry Rhodan. Crest e Thora — Únicos sobreviventes da expedição espacial dos arcônidas. Freyt, Nyssen e Deringhouse — Ex-pilotos da Força Espacial dos Estados Unidos. Homer G. Adams — Cuja tarefa consiste em obter dinheiro para a Terceira Potência. Clive Cannon — Chefe de um grupo de gangsteres. Pelo que dizem, os DI apossaram-se dele. John Marshall — Telepata pertencente ao exército dos mutantes.

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105

nosso lado para fortalecer a posição da humanidade e do

planeta Terra. Mas nem por isso podemos cometer uma

traição contra nossos amigos. Os hangares devem ficar ao

norte. Vamos procurá-los; você virá comigo.

— Seis naves! — exclamou Bell espantado. — Nelas

poderíamos transportar todo o pessoal da Terceira

Potência. Conforme as circunstâncias seis naves

arconídicas dariam para percorrer toda a galáxia.

— Então você estaria disposto a “bater em retirada”?

Sabe o que aconteceria se eliminássemos a Terceira

Potência?

— Aconteceria mais ou menos a mesma coisa que tem

acontecido nos milênios da história da humanidade. Seria

uma sucessão de inveja, malquerença, sede de mando,

guerras. Talvez só houvesse mais uma guerra. A guerra

definitiva.

— Então você sabe muito bem. Acontece que também

somos homens, e por isso vamos desistir do cruzeiro pela

galáxia, mesmo que as seis naves arconídicas estejam em

condições de decolar.

Saíram. Perry Rhodan trancou a sala em que estava

abrigado o cérebro positrônico, usando um novo código.

Só ele o conhecia.

Diante deles abriu-se um labirinto cavernoso. Fazia

mais de um mês que estavam no interior daquela montanha

situada no hemisfério norte de Vênus. E fazia mais de um

mês que se encontravam na pista dessa última testemunha

de uma colônia arconídica de há muito caída no

esquecimento.

Para termos uma ideia dos acontecimentos, devemos

recuar mais de dez mil anos na história da humanidade.

Quando Árcon se encontrava no auge, numa época em

que seus habitantes ainda não apresentavam o menor sinal

de degenerescência, uma nave expedicionária tripulada

com mais de cem arcônidas pousara em Vênus e instalara

aquela fortaleza de retaguarda. O raio de fusão atômica

abrira um labirinto de corredores na rocha da montanha,

fazendo surgir uma verdadeira cidade, que não podia ser

vista do lado de fora. As instalações correspondiam em

toda linha ao elevado nível da civilização e da tecnologia

dos arcônidas. Para o homem do vigésimo século terreno

era algo de fabuloso e inacreditável, como o quadro vago

do futuro distante da própria humanidade.

Ainda por outro motivo eram fabulosas.

Ao se depararem com elas, parecia que penetravam no

castelo da bela adormecida. Os arcônidas daquela época já

não existiam. Haviam descoberto a Terra e verificaram que

era um mundo ideal para a colonização. A nova colônia

dos emigrantes arconídicos surgira na Atlântida.

Proporcionara uma época de elevado desenvolvimento

tecnológico à Terra, mas submergira com o continente

situado entre a África e a América.

Embora nessas quatro semanas os homens já tivessem

tido tempo de acostumar-se ao novo ambiente, não podiam

deixar de evocar constantemente essas ligações históricas.

— Não posso compreender que possam estar mortos —

disse Reginald Bell enquanto subiam numa vagoneta que

trafegava numa das vias principais da cidade

subvenusiana. — Será que todos viviam na Terra quando a

catástrofe diluviana irrompeu sobre a Atlântida?

— É de supor que sim — respondeu Rhodan. — Mas

tenho minhas dúvidas. Em Árcon não sabiam nada sobre a

base de Vênus e sobre a colônia terrena. É bem possível

que o cérebro montado na base venusiana nunca tenha

tomado conhecimento de certos fatos importantes.

Dependia das informações orais que lhe fossem

transmitidas — esboçou um sorriso misterioso. — Os

centros de memória falaram em ocorrências inexplicáveis

que tiveram lugar em Vênus, em seres invisíveis que

andaram pelas proximidades. É possível que a informação

tenha sido ministrada por algum elemento perturbado que

tenha permanecido aqui, nunca devemos esquecê-la,

embora para nós só possa ter uma importância histórica.

— É claro que já compreendi a teoria concebida por

você. Mas tenho lá minhas desconfianças. É bem possível

que tudo se tenha passado de forma bem diferente.

— Queira explicar o motivo das suas desconfianças.

— Ora, é simples. Crest e Thora conseguiram

convencer-nos de que esta base foi instalada por

emigrantes que aqui aportaram numa nave arconídica. E

agora você me fala em seis naves que estariam escondidas

por aqui. Seis naves são uma frota. Se neste planeta

chegaram a pousar seis naves arconídicas completas, não

resta a menor dúvida que a base mantinha contato

permanente com seu mundo natal. Dali se conclui que

Thora e Crest mentiram.

— Você não devia ter proferido esta última frase. Só

teremos uma conclusão desse tipo quando tivermos certeza

de que os dados que induzem suspeitas são corretos.

Bell percebeu que Rhodan não estava disposto a

prosseguir num debate apoiado apenas em probabilidades.

Por isso ficou calado, reclinando-se na poltrona do

pequeno veículo que os conduzia. Seguiu por um corredor

secundário longo e retilíneo que, partindo do centro da

fortaleza, penetrava na montanha cerca de dois

quilômetros. A extensão total das instalações pareceria um

exagero a qualquer homem terreno. Bell exprimiu esse

sentimento em palavras e sacudiu a cabeça.

— Sem dúvida devemos admirar as realizações dos

arcônidas. Mas acho um absurdo que uma simples

fortaleza tenha estas dimensões. Deve ter sido montada por

gente estúpida. Até se parece com alguém que queira

matar pardais a tiro de canhão.

— Também parece que alguém que não aplica os

padrões corretos sofre de uma falta grave de substância

cerebral — respondeu Rhodan em tom áspero.

— E qual é o padrão correto?

— O dos arcônidas. Ao ver este labirinto, você logo

pensa em termos de dispêndio de tecnologia terrena.

Acontece que com os recursos dos arcônidas não há nada

de extraordinário em perfurar corredores e cavernas de dez

ou vinte quilômetros na rocha de uma montanha.

Rhodan interrompeu sua exposição didática e parou a

vagoneta.

— Vamos! — disse em tom lacônico, e caminhou em

direção a um dos grandes portões que a intervalos

regulares ladeavam a estrada subvenusiana.

Um toque de dedo sobre o mecanismo da fechadura

bastou para que dez toneladas de aço arconídico

deslizassem para o lado.

Quando viu diante de si o enorme pavilhão, Reginald

Bell deixou cair o queixo. Não é que se sentisse

impressionado com as instalações e o tamanho, que em sua

opinião era exagerado. Depois que tinham descoberto a

fortaleza, já tivera oportunidade de admirar essas coisas.

Tentara acostumar-se aos padrões que prevaleciam ali.

Acontece que até então tudo parecia morto naquele

pavilhão. E hoje a vida reinava por ali. Ruídos abafados

em toda a gama de escala sonora atingiram seu ouvido. Os

medidores, as agulhas dançantes, as células eletrônicas e

6

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positrônicas cintilavam em tons coloridos. Robôs dos mais

variados formatos e tamanhos corriam por entre as

máquinas.

— Feche a boca! — disse Perry Rhodan, permitindo-se

um sorriso condescendente. — Você já conhece a fábrica.

— Mas nunca a vi trabalhando. Foi você que a pôs em

funcionamento?

— Já estava na hora de uma instalação tão bem

montada reiniciar a produção. Não estamos em condições

de deixar ociosa essa capacidade produtiva que se encontra

paralisada há dez mil anos.

— Hum! — fez Bell, esticando o som para que o

amigo percebesse que não acreditava muito naquilo. — Há

pouco você me disse que devia aplicar os padrões corretos.

Você também devia fazer o que pede aos outros.

— O que quer dizer com isso?

— Acho que esta fortaleza foi instalada pelos arcônidas

e para os arcônidas. O que for produzido aqui só pode ter

uma utilidade para esses seres.

O rosto de Rhodan assumiu uma expressão séria. Bell

sentiu a mão pesada do amigo sobre o ombro.

— Ouça, Bell! Não temos muito tempo, pois ando com

esse assunto das seis naves espaciais atravessado na

garganta. O que está sendo feito aqui corresponde a uma

finalidade terrena, não arconídica. Seria difícil aplicar

nosso conhecimento hipnótico sobre a ciência e a

tecnologia arconídica às necessidades humanas. Ando

meditando sobre isso há várias semanas. Examinei todos

os recantos do saber arconídico a que tenho acesso e

elaborei um minucioso plano esquemático. O que está

sendo feito aqui terá utilidade única e exclusivamente para

a humanidade terrena. Esta fábrica robotizada está

produzindo robôs, mais exatamente autômatos de

construção e armamento. Olhe a esteira automática ali à

sua direita. Jamais um olho arconídico viu essas formas

modificadas de máquinas inteiramente positronizadas.

— Você faz isso sem que Crest e Thora saibam?

— Faço porque acho melhor assim. Thora e Crest são

arcônidas muito inteligentes, mas como homem acho que

sei avaliar melhor o que poderá ser útil à Terra. Nem

penso em enganá-los, se é isso que você quer dizer.

— Acontece que podem interpretar a coisa assim. A

desconfiança reinante entre eles e nós ainda não foi

eliminada. Até você não está muito seguro na sua

concepção, Perry. Ao menos acredito que não esteja. Pense

naquelas seis naves espaciais. Recorde a reconstituição do

período histórico em que aqueles arcônidas emigraram.

Sua colônia na Atlântida desapareceu. Se naquela época

ainda havia arcônidas em Vênus, os mesmos morreram por

não terem possibilidade de voltar para Árcon. As seis

naves espaciais a que esse cérebro se referiu não

combinam com o quadro. Talvez você pudesse ter a

gentileza de informar o que conseguiu descobrir.

— Não é muita coisa. Com a palavra-chave “nave

espacial” não consegui extrair maiores detalhes do

cérebro. Só sei que as naves devem estar estacionadas

numa caverna distinta junto à encosta norte. Vamos

procurá-las.

Perry Rhodan montou um conjunto de aparelhos de

medição de ondas sonoras e sondas de matéria que

funcionavam com base no processo químico-analítico.

Ativou um robô que se encontrava nas proximidades e

ordenou-lhe que colocasse o equipamento sobre a

vagoneta e tomasse lugar nela. Avançaram mais setecentos

metros na direção norte, até chegarem ao fim do corredor.

Uma parede lisa de concreto fechou-o contra a rocha da

montanha.

— Você acha que o corredor continua depois dessa

parede? — perguntou Bell enquanto saltava da vagoneta.

— O cérebro falou numa caverna distinta. Disso se

conclui que daqui não existe qualquer acesso. Mas, antes

de tudo, devemos demarcar a situação da caverna. Robô

coloque o aparelho azul junto à vagoneta. Os outros

instrumentos podem continuar onde estão.

Reginald Bell pediu a Rhodan que lhe explicasse o

funcionamento dos aparelhos. Como seu cérebro também

tivesse sido ativado pelo treinamento hipnótico, aprendeu

em poucos minutos o suficiente para prestar assistência a

Rhodan. Cada medição era submetida à dupla conferência;

uma era realizada pelo processo da ecossonda, outra por

via químico-analítica. Dessa forma conseguiram

estabelecer em pouco tempo um quadro preciso da

composição da montanha, ate a encosta norte.

A uma distância de oito quilômetros as escalas de

medida indicaram uma perda total de pressão.

— É a caverna! — gritou Bell mais alto do que seria

necessário.

— O.K.! — confirmou Rhodan com um aceno de

cabeça. — Anote as coordenadas. Vamos prosseguir em

sentido radial, para determinar o diâmetro da caverna.

Depois ampliaremos as observações para os lados.

Em menos de meia hora completaram o diagrama sobre

a lâmina eletrônica de desenho. Logo se viam dois queixos

caídos.

— Você entende isso? — perguntou Bell.

— Ainda não consegui. De qualquer maneira

realizamos duas medições, e sabemos que a caverna não

tem mais de noventa e cinco metros de diâmetro. A

hipótese de um engano está completamente excluída.

— Num buraco de ratos como esse não podem caber

seis naves arconídicas completas. Talvez os hangares

sejam separados.

— Mesmo uma única nave teria de ser muito pequena

para caber ali. Nossa Good Hope mede seus bons sessenta

metros, e não passa de uma nave auxiliar cujo raio de ação

mal chega aos quinhentos anos-luz.

— Então deve tratar-se de veículos menores —

concluiu Bell. — Talvez sejam naves de socorro ou de

patrulha. Acho que nossa preocupação com Thora e Crest

não tinha o menor fundamento. Os dois terão de ficar

conosco.

— O acesso fica aqui — disse Rhodan, apontando para

o mapa cujos contornos acabavam de formar-se. Não deu

atenção às palavras de Bell. Mas de si para si fazia votos

de que ele tivesse razão.

* * *

Decolaram com a Good Hope e voaram alguns

quilômetros para o norte. Depois de vencerem os cumes

mais elevados, deixaram que a nave descesse junto às

encostas íngremes. Ao atingirem a altitude determinada

através das medições, Perry Rhodan parou e ajustou o

regulador gravitacional, até que a nave aparentemente sem

peso encontrou uma posição de equilíbrio a uns quinhentos

metros do fundo do vale.

Logo encontraram o acesso para o misterioso hangar.

Embora a encosta norte tivesse sido polida pela erosão

provocada pela chuva venusiana, logo notaram a área

alterada em que se encontravam as duas escotilhas.

Envergando seus trajes arconídicos, que também

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dispunham de um regulador gravitacional, Rhodan e Bell

saíram da nave e aproximaram-se da encosta rochosa. A

localização do mecanismo de travamento da escotilha e

sua combinação não representavam qualquer problema. O

treinamento hipnótico habilitara-os a pensar em termos

arconídicos.

A área da encosta artificialmente criada deslizou para o

lado, pondo a descoberto uma abertura de menos de vinte

metros.

— É grande para um homem, mas pequena demais

para uma nave espacial — constatou Reginald Bell.

Viram-se diante de uma galeria escura, que descia na

vertical. A camada profunda de nuvens venusianas só

deixou penetrar uma luz mortiça, que mal dava para

iluminar os primeiros metros da galeria. Um ligeiro

impulso propulsor dos seus trajes bastou para fazer os

homens penetrarem na montanha. Regularam o antígravo

para a posição zero e voltaram a sentir chão firme sob os

pés.

Com o auxílio de lanternas descobriram um amplo

painel de instrumentos. Rhodan acionou uma chave. No

mesmo instante uma luz de teor branco-azulada encheu a

caverna.

Toda a instalação continuava a funcionar tal qual

funcionara há dez mil anos.

Era outro fato que mereceria a admiração dos homens.

Mas nos últimos anos estes tiveram de habituar-se a muitas

maravilhas arconídicas. O choque do não querer acreditar

já não tinha a mesma intensidade dos primeiros encontros

com a nova tecnologia. E, mais interessante que a luz

alimentada por fontes de energia instaladas há milênios era

o próprio hangar.

— São seis! — exclamou Reginald Bell espantado. —

Mas até parecem uns brinquedinhos. Faço votos de que

não esteja decepcionado.

A atitude de Rhodan provou que não estava. Sentiu-se

entusiasmado. Percebeu intuitivamente o que tinha diante

de si. Tirou o traje desajeitado dos arcônidas e saltou sobre

o aparelho mais próximo.

— Você acha que são brinquedos? Acontece que são

uns brinquedos muito perigosos. Veja aqui! Nesta máquina

cabe um único homem. Quem sabe se você não quer

pensar um pouco e me diz o que vem a ser isto?

Reginald Bell segurou-se na borda de uma das asas em

delta e subiu.

— Até parece um avião de caça. A fuselagem tem

aspecto intergaláctico. Até me sinto tentado a estabelecer

comparação com as naves dos habitantes de Fantan. Mas o

dispositivo direcional aerodinâmico e as asas em forma de

delta poderiam ter sido concebidas numa prancha de

desenho terrena.

— Em qualquer assunto a razão e a lógica sempre

conduzirão ao mesmo resultado. Aqui está a prova. Você

ainda tem alguma dúvida de que estes caças espaciais são

de origem arconídica?

— Nenhuma. A semelhança na disposição dos

instrumentos prova que são. É verdade que tudo é menos

complicado que na Good Hope, mas o princípio é o

mesmo. O assento fica numa cabina pressurizada. Existe

um painel de comando do mecanismo propulsor. Com isso

fica garantida a saída das partículas à velocidade da luz.

Aqui está à chave reguladora da alteração volumétrica da

câmara de combustão, e este olho só pode servir para a

observação do regulador do campo de saída dos jatos.

Perry! Vejo que você não está nem um pouco

decepcionado. Até acredito que aprecie mais esta

esquadrilha que seis supernaves espaciais.

— Um belo dia nós também construiremos naves deste

tipo, Bell. Acho que ainda precisam de nós no planeta

Terra, e este caça a velocidade da luz é o melhor presente

para nós. Que tal um voo de experiência?

Nos olhos de Bell lia-se o entusiasmo.

— Você acha que sou capaz de pegar um aparelho

destes e sair voando por aí sem mais aquela?

— Se não for, peça a Thora que lhe devolva a taxa de

matrícula. Vamos embora! Pegue aquele ali. Eu vou neste.

* * *

No momento a guarnição da fortaleza de Vênus era

muito reduzida.

Além dos dois arcônidas, Crest e Thora, nesse amplo

labirinto de cavernas só residiam o Dr. Eric Manoli, a

telecineta Anne Sloane e o teleportador Tako Kakuta, que

pertenciam ao exército dos mutantes, bem como o tenente

Michael Freyt, o capitão Rod Nyssen e o tenente Conrad

Deringhouse, ex-oficiais da Força Espacial dos Estados

Unidos.

Nas últimas semanas todos eles tinham desenvolvido

uma atividade útil, contribuindo para o conhecimento

daquela fortaleza esquecida em Vênus. Só os três oficiais

sentiam-se um tanto inúteis quando os outros conversavam

sobre assuntos que eles não entendiam. Não conheciam as

concepções arconídicas, nem dispunham das vantagens de

um mutante positivo. Eram apenas pessoas sadias, com

uma mente sã num corpo são, e essas qualidades

habilitaram-nos a atingir a Lua numa primitiva nave

terrena.

No dia do aniversário do tenente Freyt surgiu uma

modificação.

— O que você gostaria de receber, Freyt? — perguntou

Rhodan com a voz bonachona.

— Gostaria de tornar-me um membro ativo da Terceira

Potência — foi a resposta. — E meus camaradas desejam a

mesma coisa. Sentimo-nos um tanto inúteis.

— De que se julgam capazes?

— Se possível gostaríamos de voar. É verdade que só

conhecemos as máquinas convencionais produzidas pela

nossa técnica.

— Estas eu não tenho, tenente. Mas gostaria de dar

uma olhada na Good Hope?

Foi este o presente de aniversário de Freyt. Crest e Bell

levaram o dia inteiro mostrando a nave aos três oficiais.

Depois Rhodan submeteu-os a um treinamento hipnótico

intensivo.

Aprenderam literalmente, dormindo, a pilotar as naves

arconídicas. Depois de deitá-los em pequenas macas,

ligaram seus braços, pernas e cérebros com o instrumento

de ensino psicossensorial. Após isso ficaram entregues a

uma série intensa de sonhos dirigidos, nos quais pilotaram

naves arconídicas de todos os tipos de um grupo de

estrelas a outro. Sem correr o menor perigo, aprenderam a

realizar as manobras mais difíceis e a reparar defeitos em

pleno vôo. Um aparelho positrônico de testes registrou

automaticamente os resultados dos exames a que eram

submetidos ininterruptamente. As falhas tornaram-se cada

vez mais raras, e em menos de três dias os três oficiais

anunciaram a Perry Rhodan que já eram capazes de pilotar

sozinhos a Good Hope.

Um vôo experimental confirmou a informação. Logo

após isso, Freyt, Nyssen e Deringhouse obtiveram uma

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licença bem merecida.

Aproveitaram-na em pequenas expedições pela selva

de Vênus.

Pelo meio-dia de sete de julho — em Vênus ainda

contavam o tempo segundo o calendário terreno —

apressaram sua volta de um passeio, pois se surpreenderam

ao verem a Good Hope decolar. Foi Deringhouse quem

primeiro viu a nave esférica.

— Será que pretendem voltar para casa sem nós?

— Não me consta que Rhodan queira retornar à Terra.

Faz tempo que está metido com aquele cérebro, realizando

conversas intelectualizadas.

— Gostaria de saber o que significa isso. Tomara que

os arcônidas não estejam fazendo alguma tolice!

— Acha que Thora e Crest estão fugindo? —

perguntou Freyt com um sorriso. — Você é muito

esquentado, Deringhouse. Os arcônidas conhecem

perfeitamente as suas limitações. Não pinte logo o diabo!

Podemos nos apressar um pouco, se é que isso o

tranqüiliza.

Dali a meia hora chegaram à posição de combate da

fortaleza. Na cúpula gigantesca concentravam-se todas as

armas ofensivas com os respectivos dispositivos de

comando.

Um olhar bastou para que Freyt se convencesse de que

nenhum veículo havia penetrado na atmosfera de Vênus. A

capacidade de observação estendia-se até o pólo sul. A

suspeita de Deringhouse já não parecia tão absurda. Mas

quando o tenente se dispôs a falar, dois pontinhos surgiram

na tela.

— Que diabo! O que será isso?

— Capitão! Localize os objetos e mantenha-os em

observação constante! — gritou Freyt. Nyssen obedeceu

instantaneamente. Pouco depois o goniômetro localizou os

dois caças espaciais e não deixou mais que escapassem,

por mais complicadas que fossem as manobras que

realizavam.

— São naves muito pequenas — constatou

Deringhouse. — E não são da Good Hope. Vamos chamar

Crest!

Freyt já cuidara disso. Dali a alguns segundos o

arcônida respondeu pelo vídeo-fone.

— O que deseja tenente?

— Estamos na cúpula de observação. Será que podia

dar um pulo até aqui agora?

— É muito urgente? Tenho uma coisa mais importante

a fazer.

— Descobri dois objetos voadores, que aparentemente

não deviam estar aqui. Passaram bem perto, por cima da

montanha e depois subiram quase na vertical. No momento

encontram-se a uma altitude de 14.000 quilômetros.

— Você está vendo fantasmas, Freyt. Nossos

dispositivos de alarma captariam e reportariam qualquer

nave estranha. Não há nada que possa penetrar até esta

montanha sem ser reconhecido.

— Por favor, olhe!

Freyt afastou-se, para que Crest pudesse ver a tela

através do videofone. Os três notaram um ligeiro tremor

em seu rosto.

— Irei imediatamente — disse o arcônida.

Subiu no elevador expresso e precipitou-se para o

painel das telas de defesa.

— Tudo pronto para abrir fogo, tenente. A cúpula foi

reforçada. Entre em contato com aqueles desconhecidos e

avise-os de que serão destruídos imediatamente se não

seguirem nossas instruções.

Freyt mexeu apressadamente no telecomunicador.

Antes que tivesse tempo de falar, o alto-falante transmitiu

um diálogo exaltado, que os apanhou de surpresa. Rhodan

e Bell comunicavam-se pela mesma forma, porque isso

correspondia ao que os arcônidas falecidos há dez mil anos

haviam feito.

— ...voltarei imediatamente, meu caro. Não estou com

vontade de ser abatido por Crest.

— Para voltar é tarde. Você já foi localizado. Sugiro

que entre em contato com a base. Talvez seja possível

conversar com essa gente.

No início parecia que não era possível. Freyt, Nyssen e

Deringhouse tinham perdido a fala. Até Crest teve de

vencer a surpresa antes que conseguisse proferir uma

palavra.

— O que é isso, Rhodan? Como conseguiu pôr as mãos

nesses modelos dos fantanitas?

— Está vendo? — interveio Bell. — Ele diz que são

modelos fantanitas. Eu disse logo quando vi o formato em

fuso.

— Deixe de tolices! O que você está vendo Crest, na

verdade, são verdadeiros caças arconídicos. Revire sua

memória e descobrirá que há dez mil anos seus

antepassados construíram estes modelos.

Crest logo compreendeu.

— Você descobriu os caças estacionados na fortaleza!

É isso mesmo! Assim os fatos combinam. Só faz dois mil

anos que os habitantes de Fantan imitaram nossas naves-

fuso. Onde encontrou esses aparelhos?

— No interior da montanha. E há mais quatro. Todos

eles estão equipados com canhões de impulso

superpotentes — Perry Rhodan riu. — Você cancelou o

alarma, não foi, Crest? Do contrário não vejo alternativas

viáveis, senão arriscar uma catástrofe.

— Não brinque Rhodan! Com o armamento de um

caça espacial você pode destruir um planeta. Logo após a

explosão espontânea, as bombas-foguetes arconídicas

ocasionam um incêndio atômico que atinge todos os

elementos pesados acima do grau dez. Os núcleos podem

ser regulados para desencadear uma reação nuclear em

cadeia.

— É possível — respondeu Rhodan. — Mas posso

tranqüilizá-los. As bombas não se encontram a bordo. Mas

poderemos carregá-las no próximo vôo. É que acabo de ter

uma idéia.

Perry Rhodan não expôs a idéia antes do pouso. Bell

teve de recolocar o caça no hangar e levar a Good Hope à

fortaleza. Rhodan veio na sua pequena maravilha. Pousou

junto à entrada da fortaleza. Enquanto explicava a Crest

como havia descoberto os seis caças espaciais, os três

oficiais dispensaram suas atenções à máquina. Finalmente

haviam encontrado em Vênus algo que correspondia à sua

paixão.

— Estão gostando? — perguntou Rhodan.

— Um astronauta só pode sonhar com uma coisa

destas.

— Que pena que seu aniversário já passou Freyt.

— Até parece que estes caças espaciais serão dados de

presente.

— Não é isso. Proponho um acordo, tenente. Você,

Nyssen e Deringhouse submetem-se a um novo ciclo de

treinamento hipnótico, concebido especialmente para estas

coisinhas. Depois disso as receberão em custódia, como

representantes da Terceira Potência.

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Os olhos de Freyt brilhavam.

— Não sei como agradecer! Pode confiar em mim em

quaisquer circunstâncias.

— Isto é uma das condições do acordo — confirmou

Rhodan em tom sério. — Preciso de uma frota bem

combativa. Pode ser pequena, mas tem de ser veloz e

invencível.

Como sabem, os acontecimentos que se desenrolaram

nos últimos meses em nosso sistema solar despertaram a

atenção de muitas inteligências. Conseguimos repelir os

primeiros ataques. Os que se seguirem serão mais intensos.

Se quisermos sobreviver, teremos que nos prevenir. A

potência de que dispúnhamos ontem poderá ser

insuficiente para as lutas de amanhã. Aí vem Bell com a

Good Hope. Ele levará vocês à encosta norte e lhes

mostrará o local exato. Observem tudo. Hoje de noite

falaremos sobre o novo ciclo de treinamento. Acho que

começaremos nas próximas vinte e quatro horas.

Reginald Bell esperou que os três oficiais subissem a

bordo e voltou a decolar em direção ao norte. Crest e

Rhodan dirigiram-se à entrada do forte. Quando abriram o

portão, Thora veio ao seu encontro. Rhodan teve a

impressão de que estava esperando. Seu olhar era rígido e

sombrio; passando pelos dois homens, dirigiu-se ao caça

espacial.

— Este aparelho pertencia a um dos nossos antigos

cruzadores espaciais, não é?

Crest fez que sim.

— Foi Rhodan que os encontrou. São seis.

— Para vocês homens; trata-se de um achado, não é?

— E para vocês, o que é? — perguntou

Rhodan. Sentiu a recriminação na pergunta de Thora.

— Para nós é roubo — respondeu Thora com a voz

áspera. — Isso mesmo, Perry Rhodan: para nós é roubo. E

depois que conheci a humanidade fiquei sabendo que ela

tem uma ética semelhante. Sabemos perfeitamente que

você é um ladrão, tanto aos olhos dos homens como dos

arcônidas. Aliás, onde foi buscar todo esse orgulho?

— Só me resta muito pouco. Você me tirou quase todo.

Mas ficarei com um restinho de orgulho. Preciso dele para

salvar a humanidade.

— Você fala na salvação da humanidade, mas esquece

da galáxia.

— A galáxia terá de esperar até que consigamos

estabelecer a ordem no sistema solar. Para construirmos

uma obra gigantesca, temos de começar de baixo. A mais

bela das torres desabará se não tiver um alicerce sólido.

— E este alicerce são os homens, não são? Alguns

bilhões de seres estúpidos. Acha que são bastante fortes e

amadurecidos para suportar todo um grupo de mundos?

— Acho que são bastante jovens Thora. Tudo depende

da juventude. Das reservas de vitalidade. O

amadurecimento é um processo lento. Por que insiste em

voltar constantemente a este tema?

— Porque fico perguntando de mim para mim se ainda

sou comandante. A esta altura minha nave é a Good Hope.

É um nome terreno.

— Também é um nome belo e esperançoso. Não gosta?

— Gostaria de saber se ainda sou comandante —

obstinou-se Thora.

— Voltará a ser quando tiver dado provas de sua boa

vontade e confiabilidade.

— Quer dizer que sou uma prisioneira. E o nome Good

Hope continua a ser um nome terreno, por mais belo que

seja.

— A imagem dos arcônidas está modificada. Vocês se

tornaram sentimentais demais para o orgulho que anda

ostentando. E, mais que tudo, tornaram-se mais fracos. O

Grande Império de vocês está caindo aos pedaços. Qual é a

esperança que lhes resta, Thora?

Thora não respondeu.

— Fale Crest! — dispôs Rhodan. — Diga uma palavra

definitiva de esclarecimento. Não se esqueça do seu

orgulho de arcônida. Mas deixe que a razão decida.

— A galáxia é um mundo de caos — explicou Crest.

— Nosso império chegou ao fim. Seres insensíveis

destroçam as culturas criadas por nós e a cada ano vão se

aproximando do centro do Império. A Via Láctea precisa

de uma mão forte. Até aqui temos plena consciência do

curso ameaçador que os acontecimentos estão tomando.

Também tenho consciência do papel que você,

Rhodan, poderia desempenhar. Mas não sei se está

disposto a desempenhá-lo.

— Que papel seria este?

— Você está entusiasmado pela humanidade do

planeta Terra. Ama esses poucos bilhões de seres e faz

tudo por eles. Daria a eles de bom grado o domínio de toda

a galáxia. Mas há um detalhe: o caminho do domínio para

a opressão é muito curto.

— A desconfiança é uma reação sadia, Crest, mas não

o liberta do dever de decidir. E você não pode passar sem

um pinguinho de confiança. Ninguém aqui é profeta. Basta

que estejamos dispostos a dar o melhor de nós.

— Você está disposto, Rhodan? Está disposto a

permitir que também os outros tenham o seu, desde que

isso lhes caiba pelo direito da liberdade? Falarei claro e

sem rebuços, e também direi uma palavra definitiva,

conforme pediu. Os homens e os arcônidas são parecidos.

Seria totalmente contrário aos nossos interesses comuns se

um belo dia uma inteligência totalmente desumana

assumisse o poder nas estrelas do nosso sistema. Quis o

destino que os homens e os arcônidas se encontrassem.

Caso esteja disposto a lutar por nós todos e empenhar às

forças da humanidade a bem de toda a galáxia, você pode

contar com a nossa confiança, Rhodan.

— Estou disposto.

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2

Dali a dois dias.

Tempestades furiosas açoitam o hemisfério norte de

Vênus, tangem a água e as massas de nuvens para dentro

dos vales cercados de montanhas e fazem com que os

lagos e os rios cubram grandes extensões de terra junto às

margens.

Por entre o relampejar ininterrupto das trovoadas rivais

surgem sinais de um desempenho matemático retilíneo:

cinco caças espaciais decolaram.

Concluído o treinamento hipnótico especializado dos

pilotos de caça Freyt, Nyssen e Deringhouse, Perry

Rhodan ordenou a realização das manobras finais.

A comunicação entre os cinco pilotos foi um

verdadeiro festival de satisfação.

— O desempenho destes aparelhos é inacreditável —

disse Nyssen. — Se pensarmos que foram construídos há

mais de dez mil anos, só nos resta pedir aos engenheiros

terrenos que peçam de volta o dinheiro gasto em estudos.

— Nada de ofensas contra qualquer grupo profissional

— advertiu Bell com uma seriedade fingida. — Se não

fosse o treinamento hipnótico, este seu vôo exibicionista

também teria caído à água, capitão.

— Basta! — soou a voz de comando de Rhodan. —

Estamos saindo da atmosfera de Vênus e passamos por

cima do pólo norte a uma altitude de cento e vinte mil

quilômetros. Entrar em forma para o voo em fila e

aguardar comandos de frenagem e mudança de rumo!

Dentro de trinta segundos as cinco máquinas deixaram

para trás a furiosa trovoada de Vênus. Diante deles

estendia-se o preto aveludado do espaço, onde a brancura

do sol formava o centro aparente. As comunicações

radiofônicas voltaram a funcionar normalmente,

permitindo a captação de um emissor menos potente.

O pedido de socorro da Terra foi captado com igual

intensidade nas cinco naves.

E nas cinco naves os pilotos souberam que o último

comando de Rhodan perdera sua finalidade.

— ...solicitamos retorno imediato. A Terceira Potência.

A pedidos de John Marshall... Aqui fala a Terceira

Potência. Estamos chamando Perry Rhodan. Certos

números de naves ovais, ao que tudo indicam tripuladas

por Deformadores Individuais, pousaram na Lua, segundo

relata a estação espacial Freedom I, e logo depois voltaram

a decolar e desapareceram no espaço. Devemos contar

com nova manobra de aproximação. Ao mesmo tempo o

exército de mutantes reporta fenômenos de deformação

suspeita em personalidades expostas. Estamos fornecendo

maiores detalhes pela faixa secreta AK III. Rhodan,

solicitamos retorno imediato. A Terceira Potência, a

pedido de John Marshall. Terceira potência chamando

Perry Rhodan. Naves ovais...

Perry Rhodan ordenou o retorno imediato ao forte de

Vênus. Descrevendo uma curva fechada, que homens e

máquinas só suportavam graças ao compensador

automático de força centrífuga, os caças espaciais

desceram e penetraram no furacão. Mas as cúpulas

energéticas protetoras eliminavam os efeitos atmosféricos

em torno das naves e permitiram que descessem sem sofrer

dano.

Na fortaleza o ambiente também estava tenso. Crest

também captara a mensagem radiofônica do deserto de

Gobi e recomendou aos homens que se preparassem para

uma decolagem de emergência.

— Tudo em ordem! — confirmou Rhodan com um

aceno de cabeça. — Faça os homens subirem, Bell. Não é

necessário que ninguém fique para trás. Não se esqueça de

colocar a bordo três dos caças espaciais. Venha, Crest!

Quero ouvir o que eles têm a nos dizer pela faixa AK III.

Rhodan e Crest tomaram o elevador e subiram para a

cabina de comando. O grande receptor arconídico já

expelira uma fita escrita. Depois de ler apressadamente

alguns nomes desconhecidos, Rhodan não prosseguiu.

Ligou seu próprio receptor que, acionado pelos impulsos

pentadimensionais, funcionava a velocidade superior à da

luz, isto é, sem qualquer perda de tempo determinada pela

distância. Ao contrário do intercâmbio radiofônico normal,

onde na posição atual da Terra e de Vênus a transmissão

de uma mensagem levava mais de doze minutos, a faixa

pentadimensional AK III permitia um intercâmbio

instantâneo.

— Aqui fala Perry Rhodan. Estou chamando a base de

Gobi. O que houve, Marshall?

— Alô, Rhodan. Graças a Deus que está chamando.

Recebeu nossa mensagem?

— Naturalmente! A Good Hope está pronta para

decolar. Faça o favor de me dizer quais foram às

mensagens transmitidas pela faixa AK III.

— Vou colocá-lo em contato com Mercant. Ele está

aqui.

— Alô, Rhodan. Aqui é Mercant.

— Bom dia. O que houve?

— Há dois dias recebi um chamado do coronel Kaats,

da Polícia Federal. Há mais de um ano está atrás do

sindicato de bandidos Blue Bird, mas a única coisa que

conseguiu descobrir foi esse nome misterioso. Finalmente

conseguiu uma pista. Pelo que afirma, um dos três cabeças

é um sujeito chamado de Clive Cannon, que possui uma

residência confortável na Michigan Avenue, em Chicago.

— Isso é muito interessante. Todavia, peço licença

para salientar que a Terceira Potência não pretende

intrometer-se nos assuntos internos de outros países.

— Será que você acha que não tenho um bom motivo

para contar-lhe isso, Rhodan? Um homem do FBI

descobriu Cannon por acaso. E esse acaso por certo não

deixará de ser interessante para você. Cannon tem um

pastor-alemão bem treinado. Desde o início da semana o

animal não o reconhece mais como dono. Daí não se pode

Concluir muita coisa. Há longo tempo o homem é

conhecido na sociedade como comerciante idôneo; além

disso, sabia-se alguma coisa sobre seus hábitos e

relacionamentos. Pelo que diz o coronel Kaats, Cannon já

não é o mesmo.

— Quer dizer que em sua opinião, os DI apossaram-se

dele?

— Tenho certeza quase absoluta. Continuaremos a

manter o sindicato sob um controle rígido. Se é que os DI

apoderaram-se dele, deverá ocorrer um deslocamento de

interesses políticos e econômicos. Os invasores

extraterrenos não se limitarão a desenvolver uma atividade

puramente criminal.

— O que significam os outros nomes incluídos em sua

mensagem?

— Trata-se de suspeitos, que serão vigiados. Tenho

certeza de que os DI serão bastante inteligentes para

apoderar-se em primeiro lugar das pessoas mais influentes.

E o começo é o presidente dos Estados Unidos.

— Já avisou as potências mundiais?

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111

— Ainda não. Não quis tomar uma decisão dessas por

minha conta.

— Pois eu lhe ordeno que faça. O Conselho

Internacional de Defesa dispõe das melhores ligações

possíveis com o comando das forças armadas do Bloco

Oriental e da Federação Asiática. Entre imediatamente em

contato com Kosselov e Mao Tsen. Avise os terráqueos de

que cada um deve cuidar de seu próximo, pois o melhor

amigo poderá transformar-se no pior inimigo. Mas antes

de qualquer coisa, ponha em ação o exército de mutantes,

na medida em que está treinado. Por enquanto você

assume o comando.

— Obrigado! Já formulei algumas sugestões e elaborei

alguns detalhes sobre a atuação de nossos homens. Mas

quero ponderar que, embora sejamos dotados de

capacidades sobre-humanas, nosso número é muito

reduzido. Só poderemos lançar mão de seis ou sete

pessoas. Enquanto isso a frente de ataque do inimigo

abrange todo o planeta e a humanidade inteira. Além disso,

só nossos telepatas estão em condições de reconhecer ao

primeiro contato uma pessoa que se encontra sob o poder

de um DI. Precisamos de um instrumento, Rhodan.

— Sei disso — respondeu Rhodan em tom pensativo.

— Os arcônidas nos presentearam com uma porção de

instrumentos. Mas nenhum deles serve para o que estamos

precisando no momento.

— Você não tem um rastreador de ondas cerebrais?

Estou me referindo ao aparelho que Bell e Kakuta usaram

no Japão para procurar mutantes.

— O rastreador só pode localizar cérebros que se

afastam do modelo normal. Não serviu sequer para

determinar o tipo de capacidade parapsicológica de que era

dotado um mutante. Esse aparelho não nos servirá de nada.

— Deve ser aperfeiçoado.

— Sinto-me honrado pela confiança que deposita em

mim — disse Rhodan em tom sarcástico. — Mas não

pense que sou Deus. Verei o que posso fazer.

— Tem alguma idéia?

— Apenas uma esperança. Exploraremos todas as

possibilidades. Não deixaremos de tentar, seja lá o que for.

Para isso preciso do seu auxílio.

— O que devo fazer?

— Fale com Kaats e peça-lhe que deixe Clive Cannon

em paz. Deve limitar-se a um tipo de vigilância que não dê

na vista.

— Procurarei transmitir-lhe a mensagem de forma

diplomática. Não acredito que aceite ordens suas.

— Isso é problema seu Mercant.

Reginald Bell anunciou que a Good Hope estava pronta

para decolar. Rhodan mandou que esperasse. O chefe da

Terceira Potência tinha um traço típico: quando surgia

uma situação de alarma, costumava desenvolver uma

atividade enervante em coisas aparentemente secundárias.

— Gostaria de ter os nervos desse homem! — gemeu o

Dr. Manoli, exprimindo o sentimento de todos.

Dali a duas horas Rhodan finalmente subiu a bordo.

Carregava uma pasta com pilhas de cartões perfurados,

positrogramas e fórmulas. Guardou-a sem dizer uma

palavra. Não fez a menor referência ao trabalho que

desenvolvera junto ao cérebro.

— Os caças espaciais estão a bordo?

— Sim! — confirmou Freyt.

— Muito bem. Vamos embora, Bell. Faço votos de que

não gaste mais de três horas.

Reginald Bell liberou a potência dos reatores HHE. A

Good Hope acelerou lentamente para uma velocidade de

18,2 km/seg e, uma vez fora da influência da gravitação de

Vênus, disparou para o espaço com uma força de empuxo

cujo valor absoluto era de 800.000 toneladas. A aceleração

atingiu o valor máximo de 500 km/seg. Nem por isso seria

possível atingir, numa viagem curta como a de Vênus à

Terra, uma velocidade próxima à da luz. Todavia, talvez

Reginald Bell conseguisse cumprir o desejo de Rhodan,

que pedira uma viagem-relâmpago.

Depois de uma hora de viagem foram ligados os

instrumentos de localização de velocidade superior à da

luz que, graças ao impulso pentadimensional de que eram

dotados, não poderiam ser reconhecidos por um eventual

atacante localizado no universo normal. A desvantagem

desse tipo de observação consistia no fato de só permitir a

exploração de setores limitados do espaço. Havia amplas

regiões do espaço quadridimensional, situadas sobre a

linha direta da luz, que ficavam fora do alcance da

observação. Por isso realizava-se uma observação paralela

pelo radar, que na distância atual trabalhava com alguns

minutos de atraso.

Logo se verificou que as providências adotadas por

Rhodan eram acertadas. Sempre que os DI aparecem e

voltam a desaparecer espontaneamente, deve-se contar a

qualquer momento com um novo ataque.

Quando haviam atingido a velocidade máxima e Bell já

se preparava para inverter a aceleração, iniciando a

frenagem, a tela de radar mostrou duas naves ovais.

— São os DI! — foi o grito saído de muitas bocas. —

Dirigem-se à Lua.

— Pode ser coincidência. É possível que estejam

voando diretamente para a Terra. Ligue a mira automática,

Bell.

Os raios tateadores atravessaram o hiperespaço a

velocidade superior à da luz e alcançaram o alvo cuja

posição aproximada já era conhecida. Dentro de poucos

segundos ajustaram-se ao inimigo. As células de reação de

contato garantiam que o raio direcional não mais largaria

as naves dos DI, fossem quais fossem as manobras

diversionistas que realizassem.

— Distância: vinte e cinco milhões de quilômetros da

Terra, quarenta e quatro milhões de quilômetros das naves

dos DI.

— Qual é a distância entre os DI e a Terra?

— Menos de dezoito milhões de quilômetros.

— Só isso? O cartograma, por favor! — ordenou

Rhodan.

A luz fosca de uma lâmina vermelha iluminou-se no

painel de comando.

— Ângulo entre os DI e a Terra exatamente oito graus,

quarenta e cinco minutos e trinta segundos — disse Bell

— Os DI voam em direção quase oposta à nossa, pois vêm

praticamente do outro lado. A velocidade deles é

ligeiramente inferior à nossa. Também já iniciaram a

manobra de frenagem.

— Uma simples estimativa não nos serve de nada.

— Nunca se pode saber antes o que o inimigo vai

fazer. No momento prosseguem normalmente; ao que

parece ainda não sabem que foram descobertos. Assim que

nos localizarem, deverão acelerar outra vez. Você já viu

com que empuxo essa gente trabalha.

— Não assumiremos o menor risco. Mantenha a

aceleração positiva por mais dez minutos. Se necessário

passaremos ao lado da Terra. Freyt!

— Sim.

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112

— Prepare-se para decolar juntamente com Nyssen e

Deringhouse. Os três aparelhos conduzirão o armamento

completo.

— Cada caça já traz a bordo uma bomba-foguete com

carga nuclear. Os canhões de radiação estão em condições

de funcionar.

— Muito bem. Já conhecem a situação. Pretendo pegar

as duas naves antes que atinjam a Terra. Enquanto for

possível, a Good Hope prosseguirá sem aceleração

negativa de frenagem. Assim que invertermos a

aceleração, vocês deixam a nave nos seus caças e

prosseguem, voltando a acelerar. Prendam-se bem entre os

colchões pneumáticos, pois é bem provável que no

momento da pontaria tenham de desacelerar em 500

km/seg. Os projetores antigravitacionais não poderão

compensar isso.

— Fui treinado em 20g e até mais.

— Isso é bom, mas é pouco para os valores de

aceleração usados pelos arcônidas. Só lhes posso

recomendar que se cuidem e não exagerem. Assim que

perceberem que os antígravos não dão mais conta do

recado, reduzam a força dos reatores. Quero que o inimigo

seja destruído, mas o mais importante é que vocês e os três

caças voltem sãos e salvos. São muito valiosos para mim.

— Sim! — responderam os três oficiais.

Fizeram continência e retiraram-se.

* * *

Tudo decorreu com extrema precisão. Pelo menos no

início. Segundo as informações de Crest, o sistema de

alarma dos DI era menos aperfeiçoado, e seus

instrumentos de localização tinham um alcance de menos

de dez milhões de quilômetros. Dali a pouco a Good Hope

teria que desacelerar, para dar a precedência aos caças

espaciais que, graças às superfícies refletoras, tinham boa

chance de se aproximar mais um pedaço do inimigo sem

serem detectados.

E tinham de aproximar-se sem serem detectados para

terem alguma chance de êxito. A força dos DI eram as

cúpulas energéticas, que podiam cercar a nave em poucos

segundos. E um canhão de radiação dos arcônidas nada

poderia contra elas. Outro fator de vantagem dos DI era a

extrema maleabilidade de suas naves. Assim que

descobrissem que um dos seus ataques traiçoeiros fora

descoberto e, portanto, frustrado, recorriam à fuga. E isso

de nada adiantava aos homens. Um DI voltaria depois de

ter fugido. Surgiria a qualquer momento, em qualquer

lugar. E então o fator surpresa estaria novamente de seu

lado.

— Alô, Freyt! Avise quando estiver pronto para

decolar! — gritou Perry Rhodan.

— Os três caças estão prontos para passar pela

comporta.

— Muito bem! Ligue os reatores. Acelere, conforme

combinamos. Dentro de vinte segundos a Good Hope vai

desacelerar. Aí vocês já deverão estar do lado de fora.

Assim que Reginald Bell inverteu os jatos, dando

início à desaceleração, três minúsculos pontinhos

cinzentos desapareceram no espaço. Dentro de poucos

segundos cessaram os efeitos luminosos produzidos pelas

superfícies metálicas dos caças sobre as telas de

observação visual. Outro super-raio localizador atingiu-os

pela quinta dimensão, tornando-os visíveis aos ocupantes

da nave.

Estabeleceram contato radiofônico pela faixa AK III.

Não haveria possibilidade de detectá-lo no espaço

contínuo quadridimensional.

Perry Rhodan observaria todas as fases do confronto

que se aproximava. Se necessário, anunciaria modificações

estratégicas.

— Mudar o rumo dois graus para estibordo! — foi à

ordem que se seguiu.

Bell estava surpreso, pois esperara poder conduzir a

Good Hope para casa a seu bel-prazer. Mas ao que parecia

ela ainda tinha um papel a desempenhar nos planos de

Rhodan. Executou a manobra sem discutir.

As maiorias das pessoas que se encontravam a bordo,

de certo imaginaram o que Rhodan pretendia com a

mudança de rumo. Mas só tiveram certeza quando chamou

Freyt.

— Mantenho o mesmo rumo, tenente. Levamos a Good

Hope dois graus para estibordo. Com isso devemos

aparecer a uma distância de seis milhões de quilômetros do

seu ponto de encontro com os DI. Além disso, daqui a

pouco iremos a uma velocidade bastante reduzida, para

atrair a atenção do inimigo. Com isso serão maiores as

chances de vocês se aproximarem sem serem percebidos.

Boa sorte!

Dali a quarenta e oito minutos uma manobra dos DI fez

concluir que a Good Hope fora descoberta.

— Não perca a calma, meu filho! — disse Rhodan.

“Meu filho” era Bell. — Prosseguiremos sem mudar de

rumo. Também manteremos a mesma desaceleração. O

inimigo pensará que procuramos atingir um ponto situado

além da Terra. Se continuarmos assim, só poderá pensar

que não o descobrimos.

Logo se ouviram as mensagens de comando de Freyt.

As pessoas que se encontravam a bordo da Good Hope

acompanharam-nas pela superfaixa AK IH.

— Abrir um grau. Nyssen para bom-bordo.

Deringhouse para estibordo. Nyssen aumente a aceleração

em dois km/seg. Deringhouse reduza em dois km/seg.

Você se encarregará do primeiro, isso se eu falhar. Nyssen

atacará o segundo.

— O.K.! Entendido!

A fileira de caças espaciais abriu-se em leque. Depois

de modificada a aceleração voava um atrás do outro, em

diagonal. O capitão Rod Nyssen ia à ponta. Teria de passar

pelo primeiro inimigo para abrir fogo contra o segundo,

antes que fosse prevenido pelo ataque contra a primeira

nave.

Os DI se limitaram a uma mudança insignificante de

rumo. Ao que parecia tratava-se de uma reação instintiva,

provocada pelo surgimento da nave dos arcônidas. Como

Rhodan prosseguisse no mesmo rumo, os DIs tornaram-se

mais confiantes e, mantendo a mesma desaceleração,

prosseguiram na direção Lua—Terra.

Os três caças espaciais, submetidos a uma aceleração

constante, haviam atingido uma velocidade próxima à da

luz. Para estabilizar a massa que tendia para o infinito, os

astronautas proporcionaram um apoio adicional ao raio de

partículas, injetando um elemento de sustentação no

mecanismo propulsor. Com isso se atingiam velocidades

que excediam tudo que o homem jamais vira no sistema

solar.

O mais importante era que o inimigo não contava com

esse ataque súbito.

A distância prevista de dois milhões de quilômetros os

caças abriram fogo com seus canhões de radiação. Ao

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113

mesmo tempo Nyssen e Freyt lançaram os torpedos

espaciais com carga nuclear.

Os DI não tiveram tempo de levantar a cúpula

energética. Quando viram a luminosidade dos canhões, já

era tarde. A onda mortal aproximou-se com a velocidade

da luz.

As duas naves desmancharam-se em pura energia.

Os três astronautas não tiveram tempo para apreciar o

espetáculo infernal. Os caças também corriam perigo. A

enorme velocidade aproximava-os a cada instante daquela

fornalha de energias em fúria.

Imediatamente após o disparo tiveram de eliminar toda

a aceleração e mudar de rumo. Com isso surgiu uma

pressão lateral que perdurou por mais de quinze segundos.

Os astronautas jaziam imóveis nas suas poltronas

anatômicas e contaram instintivamente até quinze. Só ao

chegarem a esse número em plena consciência souberam

que estavam salvos.

— Iniciar manobra de frenagem! — A voz de comando

de Perry Rhodan soou abruptamente nas pequenas cabinas

pressurizadas. — Foi um trabalho muito bem feito,

cavalheiros. Sigam um curso comum e retornem a Terra

assim que tiverem atingido uma velocidade que permita o

pouso. Encontramo-nos na órbita lunar, onde voltaremos a

recolhê-los a bordo da Good Hope.

Os homens que se encontravam a bordo da Good Hope

dispuseram-se a uma soneca reconfortante. Foi quando

subitamente o hiperlocalizador voltou a reagir.

— Que inferno! O que será isso? — suspirou Reginald

Bell.

— Sem dúvida é um objeto voador — explicou Crest.

— E procede exatamente do setor do espaço que os três

caças acabam de abastecer com energia. Deve ser uma

nave salva-vidas dos DI. Trata-se de veículos menores que

nossos caças, e que podem abrigar no máximo dez seres.

— É impossível. Nosso ataque destruiu tudo que...

— Não se exalte. Esse veículo praticamente não

conduz nenhum armamento. Não pode fazer-nos nenhum

mal.

— Não se trata disso, Crest. Trata-se de saber como é

que alguém conseguiu escapar.

— Tenho certeza de que não tiveram tempo para

decolar da nave — constatou Perry Rhodan.

— É verdade — confirmou Crest. Suponho que a nave

já tenha sido tirada de bordo antes, para cumprir uma

missão especial. Vamos segui-la por algum tempo. Já

podemos permitir-nos esse luxo.

A minúscula nave salva-vidas dos DI tomara o curso

da Lua. Rhodan voltou a estabelecer contato com Michael

Freyt. Os três caças voltaram, depois de descrever uma

curva de 800.000 quilômetros de raio e dentro de noventa

minutos atingiram, pouco antes da nave esférica dos

arcônidas, a órbita previamente indicada.

— Freyt, pelos meus cálculos é você que se encontra

mais próximo da nave.

— Sim, Rhodan.

— Peço-lhe que se ponha a persegui-la. Nada de

ataque. Sempre será possível pegar uma mosca dessas,

enquanto não se dirigir diretamente à Terra. Gostaria de

receber as coordenadas exatas do local de pouso.

— Correto! Quais são as instruções para Nyssen e

Deringhouse?

— Podem se aproximar. Vamos abrir as comportas.

A nave dos DI foi submetida a uma dupla vigilância.

Além do tenente, também o raio hiperlocalizador ficou

grudado nela. E as pessoas que se encontravam na nave,

inclusive Thora, acompanhavam com o maior interesse

todos os seus movimentos.

Freyt acelerou e chegou bem perto do inimigo.

— Tenha cuidado, tenente! É possível que os DI

disponham de uma base fixa na Lua. De lá você poderia

ser alvejado.

— O.K.! Cuidarei. Está nos seguindo?

— Sim, por precaução. Mas nem por isso você deve

relaxar.

Freyt riu.

— Com o equipamento de que disponho aqui tenho

pouca chance de relaxar. Quero experimentar tudo. Tenho,

por exemplo, uma câmera maravilhosa que permite tirar

quinhentas fotografias por segundo. Ela alcança

frequências que vão do infravermelho ao ultravioleta e é

dotada de um cérebro positrônico rastreador físico-

químico, além de ter um revelador embutido que libera as

fotografias imediatamente. Quer que eu leve um filme?

— A idéia não é má. Trabalhe com a câmera.

Realmente o tenente Freyt operou um filme

aproveitável.

A nave dos DI desaparecera na face oculta da Lua, na

altura da linha equatorial. As medições realizadas por

Freyt indicavam a área da cratera de Mendelejew, no 80o

grau de longitude. Estranhamente naquele lugar havia

vestígios de metal que, segundo o cérebro positrônico, não

ocorriam em estado natural.

— Quer dizer que conseguimos localizá-los —

constatou Eric Manoli. — Convém cuidar deles.

— É o que vamos fazer. Mas não quero arriscar a vida

de qualquer homem.

— Usaremos robôs. Acho que com eles os DI vão

quebrar os dentes.

Pouco tempo depois a Good Hope desembarcou na

cratera Anaxágoras um contingente de tropas robotizadas

completamente equipado, que foi incumbido de missões de

esclarecimento de âmbito restrito. Seu raio de ação era de

seis mil quilômetros.

3

A Good Hope pousou num verdadeiro ninho de

marimbondos.

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114

O ninho de marimbondos era o território da Terceira

Potência, situado no deserto de Gobi. É bem verdade que a

designação de “deserto” já não era correta. A desolação e a

solidão haviam desaparecido. Além da cúpula energética

de dez quilômetros de diâmetro outros dez mil quilômetros

quadrados de terra foram incluídos no plano de cultivo.

Centenas de técnicos e trabalhadores especializados

ajudados por um exército de robôs estavam todos

ocupados na montagem de um complexo industrial

integrado.

A terra florescia. Chuvas artificiais puseram fim à seca

eterna. O oásis natural crescera, atraindo um número cada

vez maior de camponeses mongóis, que montavam suas

tendas junto aos limites do território da Terceira Potência,

a fim de aproveitar o milagre do paraíso que ia crescendo

aos poucos.

Visto de cima, o conjunto oferecia um quadro

encantador. Por alguns minutos a esfera arconídica flutuou

a pequena altura acima daquela azáfama, seguindo a

sugestão de Allan D. Mercant, que se opusera

decididamente a um pouso fora da cúpula energética.

— Você me mete medo — disse Rhodan. — Estou

interessado em saber o que aconteceu no território da

Terceira Potência. Pelo que vejo, muita coisa boa e

positiva foi feita. Será que tudo isso muda de figura

quando nos aproximamos?

— Faça a nave pousar, Rhodan. Depois que os DI

fizeram sua mais recente aparição, não permiti que a

cúpula fosse aberta.

— Não estão precisando de você no quartel-general da

Groenlândia?

— Em toda a parte precisam de mim. Mas jurei ficar

aqui até que você retornasse. Mandarei abrir a cúpula. Por

três segundos no máximo. O risco é muito grande.

— Não haverá problema.

Reginald Bell executou um pouso exemplar.

No campo de pouso foram recebidos pelos

colaboradores mais chegados.

Mercant aproximou-se. Estava acompanhado de John

Marshall e do Dr. Haggard. Rhodan apertou-lhes a mão.

— Fale logo, Mercant! O que houve?

— Se examinar os jornais de hoje, encontrará pelo

menos trezentos casos de gente que é suspeita de ter sido

apossada pelos DI. Mesmo que em noventa por cento dos

casos isso não passe de fantasia, ainda há motivo mais que

suficiente para nos alarmarmos. Para mim os casos não

reportados são os mais perigosos.

— Em poucas palavras, receia um ataque em massa

contra a Terceira Potência.

— Isso está na cara. O primeiro DI que se apossar de

um grande político ou economista estará orientado sobre o

significado de nossa nação. Quem quiser dominar a Terra

terá que dominar a Terceira Potência. É uma conclusão

perfeitamente lógica.

— É verdade. Foi por isso que determinou o bloqueio

total entre a cúpula e os territórios adjacentes.

— Não dispomos de meios para controlar todo o

território e evitar uma infiltração. Por isso limitamo-nos à

cúpula. Enquanto o cerne continuar intacto, disporemos de

um núcleo sadio para revidar qualquer golpe.

— Estou satisfeito com sua atuação. O que você acha

que devemos fazer daqui por diante? Segundo deduzi do

nosso contato pela faixa AK III, você já tomou algumas

providências.

— Falei com os colegas do Bloco Oriental e da

Federação Asiática. Submeterão nossas propostas aos

respectivos governos.

— Isso me cheira a burocracia.

— Desta vez tudo será mais rápido. A estação espacial

Freedom I observou seu combate com as naves dos DI. A

notícia dessa vitória estrondosa já se encontra em todas as

agências de notícias do mundo. Todos reconhecem o

perigo. A idéia até chegou a ser propagada excessivamente

e entregue às massas. Por isso torna-se difícil reprimir as

manifestações de pânico. As potências não tiveram

alternativas, senão decretar o estado de exceção. Acontece

que essa desconfiança de homem para homem não nos

ajudará em nada. Há meia hora a rádio de Cingapura

transmitiu a notícia de que em Manila um homem matou a

esposa porque, segundo diz, estava possuída. Mas os

vizinhos informam que o casamento não estava dando

certo. Quem poderá fazer prevalecer o direito, se um

homem mata o outro e dá a culpa aos DIs?

— Precisamos de uma força policial — disse Rhodan.

— Quero que seja recrutada entre os homens de seu

serviço secreto. Por enquanto teremos de nos contentar

com quinhentos homens.

— Quinhentos? — exclamou Mercant apavorado.

— Quinhentos — confirmou Rhodan com um ligeiro

sorriso. — Afinal, o que são quinhentos homens em

comparação com o problema que estamos enfrentando e os

numerosos problemas que teremos de enfrentar no futuro?

Não devemos ser otimistas a ponto de supor que todas as

posições podem ser preenchidas com mutantes. O número

dos mutantes positivos nem chega a tanto.

— Arranjarei os quinhentos homens. Dentro de uma

semana aproximadamente. Mas não lhe garanto que entre

eles não haja nenhum elemento possuído pelos DI.

— Não exijo tanto. Você não deve ver as coisas tão

pretas. Se apenas um dos seus quinhentos homens for um

possuído, isso significa que os DI já se apossaram de um

em cada quinhentos habitantes da Terra. Não é nada

provável que a percentagem seja tão grande.

— Permita que conteste esse seu cálculo de

probabilidades — disse Mercant. — Já chegamos à

conclusão de que os DI agem racionalmente, que não

mexem na grande massa de pessoas que não exercem

qualquer influência. A meu ver, além dos políticos e dos

economistas, as pessoas preferidas pelos DI devem ser os

agentes secretos.

— Você é teimoso, Mercant — disse Rhodan com um

sorriso. — Faz questão de abordar um tema que só estará

maduro dentro de uma semana. Vamos adiar esta

discussão por sete dias. Talvez então tenhamos uma base

bem mais sólida que hoje.

— Em sua opinião! Será que conseguiremos descobrir

tão depressa, uma possibilidade de identificar as pessoas

possuídas pelos DI?

— Ainda não dispomos de um profeta em nosso

exército de mutantes. Só disponho de planos e esperanças.

Fiquemos nos fatos do presente. Cada um tem sua tarefa.

A sua consiste em arranjar quinhentos policiais que

mereçam toda confiança. De início procederá segundo o

regulamento a que já está sujeito. Nenhum estranho pode

penetrar na cúpula energética. Todos os elementos novos

serão alojados fora dela. Na área central só podem penetrar

homens e mulheres que já tenham provado serem

elementos de primeira ordem, merecedores de toda

confiança. A quem podemos nomear, como seu assistente?

— Gostaria que fosse um mutante.

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115

— Que tal Marshall?

— Bem, simpatizo com ele. Acontece que eu mesmo

entendo um pouco de telepatia. Preciso de um

teleportador. Assim nos completaríamos mutuamente.

— Está bem. Leve Tako Kakuta. Qual é seu itinerário?

— De início terei de ir à Groenlândia. Dali a Nova

Iorque e possivelmente a Washington.

— Muito bem. Desejo-lhe uma boa viagem. Quando

tiver alguma mensagem importante, procure ater-se às

horas combinadas para o tráfego radiofônico, para que não

tenhamos de abandonar o trabalho a todo instante. Mas

quando se tratar de um assunto inadiável estou à sua

disposição a qualquer hora.

Enquanto Mercant e Kakuta se preparavam para a

viagem, Rhodan classificou os dados resultantes de sua

última palestra com o cérebro robotizado estacionado em

Vênus.

— Companheiros — disse Perry depois de algum

tempo. — Acho que não há necessidade de fazer um

discurso. Todos conhecem a situação. Defrontamo-nos

com um inimigo mais traiçoeiro que qualquer um com que

a humanidade já se viu a braços. Não conhecemos sua

força numérica, nem sua posição. Não sabemos onde fica o

front; a única coisa que sabemos é que se estende em

inúmeras ramificações, e pode passar pelo nosso

acampamento. Um ataque contra os DI só se justifica no

espaço, onde podemos localizar suas naves. Ainda temos

de preparar a luta em terra. Antes de golpearmos aqui,

temos de conhecer a situação do front. No momento nos

defrontamos com duas necessidades de ordem estratégica.

Uma é a vigilância espacial e o reconhecimento em terra.

Tenente Freyt!

— Sim, Rhodan!

— Nos próximos dias você terá uma missão muito

difícil. É imprescindível que a qualquer hora do dia e da

noite um comando de dois caças espaciais patrulhe o

espaço até uma altitude de quinhentos mil quilômetros.

Você vai se encarregar disso juntamente com o capitão

Nyssen e o tenente Deringhouse. Só um de vocês poderá

ficar de folga de cada vez. Combinem entre si.

— Correto!

— Muito obrigado! Espero que decolem dentro de

cinco minutos.

Os três astronautas saíram da sala.

— Agora você, Dr. Haggard. Quero que se recolha em

si mesmo e procure pensar sobre as possibilidades,

puramente teóricas, de atingir os DI segundo sua biologia.

Se as instalações de seu laboratório não forem suficientes,

avise imediatamente. O dinheiro e o material não serão

nenhum problema.

— Sinto-me honrado com a sua confiança. Mas não

espere muito deste tipo de trabalho, que deve ser

considerado de pesquisa pura. E uma pesquisa num terreno

inteiramente novo pode levar anos.

— Não fixei prazo, doutor. Está claro? Aliás, faço

questão de que os mutantes continuem a dispor de

assistência médica. Prepare essa gente para uma próxima

transferência para Vênus, onde serão submetidos a um

treinamento final.

— Me dedicarei ao trabalho teórico, sem prejuízo das

tarefas que tenho de executar. Se fizer questão de uma

solução rápida, peço-lhe que faça o possível para

providenciar o material necessário.

— Que material é este?

— Um Deformador Individual, ou seu cadáver, e um

homem possuído.

— Verei o que posso fazer.

Com isso o Dr. Haggard foi dispensado. Perry Rhodan

e Reginald Bell estavam a sós.

— Agora chegou minha vez — disse Bell

laconicamente. — Não seria conveniente reforçar os vôos

de patrulhamento? — sugeriu.

— Você gostaria de acompanhar Freyt?

— Não pense que é porque isso me dá prazer. A tarefa

de Freyt é a mais importante. Temos de impedir a todo

custo qualquer novo pouso dos DI, pois sem isso os

contragolpes que teremos de preparar com um trabalho

extenuante chegarão tarde. Até você lutará em vão contra

um mundo de DI.

— Não subestimo a tarefa de Freyt.

— Mas ele terá de dar conta dela juntamente com

Nyssen e Deringhouse. De você precisamos para o novo

comando.

— Mercant cuidará disso.

— Ele vai conseguir apenas quinhentos homens dentro

de uma semana, e ainda teremos de verificar se os mesmos

nos servem. Depois de dois ou três testes não sobrarão

muitos. Você terá de arranjar mais uns quinhentos ou mil

voluntários. Também dentro de uma semana.

— Como poderei fazer isso? Não disponho de uma

organização montada, como Mercant, onde poderia

recrutar minha gente.

— Você precisa de voluntários. Voluntários de todo o

mundo. Só os agentes não nos servirão de muita coisa,

mesmo que sejam superdotados. Precisamos de soldados,

técnicos, cientistas, juristas.

— Suas exigências aumentam de dia para dia. Já lhe

disse que não disponho de ligações pessoais que...

— Se quiser coloque anúncios de página inteira nos

jornais mais importantes. Você pode arranjar isso com

Adams em Nova Iorque. Ele dispõe de relações.

— Quer dizer que vou à Nova Iorque?

— Entre outros lugares. Antes irá a Chicago. Mais

precisamente, à Michigan Avenue.

— Devo procurar Clive Cannon?

— Isso mesmo. Cannon está sendo vigiado pela polícia

secreta federal. Se o coronel Kaats seguiu as minhas

recomendações, nada aconteceu ao chefe dos gângsteres.

— O que devo fazer quando estiver diante de Cannon?

— Você vai convidá-lo para uma temporada no deserto

de Gobi.

— Acho que não vai fazer muita questão disso.

— Será que não? Como homem possuído pelos DI

deve estar doido para pôr os pés aqui.

— Mas ficará desconfiado. Até mesmo um patife

menos sagaz que ele perceberá logo o que significa um

convite desse tipo. Acho que um golpe de violência teria

melhores possibilidades de êxito.

— Não lhe dito regras sobre como deve proceder.

Preciso de Cannon aqui. E preciso dele vivo.

— Quem posso levar comigo?

— Quem gostaria de levar?

— John Marshall.

— Concedido. Arrume as malas. E avise Marshall.

Ainda quero falar com vocês antes de partirem.

* * *

Perry Rhodan foi sozinho para junto do cérebro

positrônico estacionado no interior da cúpula energética.

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116

Levava consigo os dados elaborados pelo cérebro gêmeo

que se encontrava em Vênus. Esses dados não haviam sido

submetidos a um processamento coerente. A partida

precipitada de Vênus não lhe deixara tempo para ocupar-se

intensamente com o problema.

Inicialmente, Rhodan introduziu na máquina os cartões

perfurados e positrogramas que tinha em seu poder. Na

primeira passagem formulou a pergunta em termos muito

gerais. O cérebro tinha de ser conduzido ao núcleo do

problema numa progressão e logicamente coerente. Não

que lhe faltasse capacidade de solucionar problemas

complexos num tempo muito reduzido. O caso era que

tudo dependia do equacionamento correto do problema por

parte do homem.

— Como poderei identificar o cérebro de um homem?

— principiou Rhodan.

— Pergunte-lhe quem é.

— Neste caso não existe a possibilidade de perguntar.

O cérebro que se pretende identificar não libera a

informação.

— Cada cérebro possui uma freqüência individual,

identificável através da medição do comprimento das

ondas — respondeu o cérebro.

— Nossa tarefa consiste em identificar certas

características de determinado grupo de cérebros —

prosseguiu Rhodan. — Não se trata de um indivíduo

isolado.

— Isso não altera nada na resposta que acabo de dar

Rhodan refletiu. Dessa forma nunca chegaria ao fim.

— O estímulo transmitido de molécula a molécula

irradia um espectro mensurável. Nossa sonda cerebral

permite a medição das freqüências. A constituição e o

funcionamento da sonda são conhecidos?

— São conhecidos — respondeu prontamente o

cérebro positrônico.

— Mas por essa forma só conseguimos apurar desvios

em princípio. Não conhecemos nenhuma análise

qualitativa. A mesma não pode ser realizada por meio do

exame do modelo cerebral. Este fato já foi constatado.

Minha pergunta é a seguinte: Quais são os dados

utilizáveis, além do espectro de ondas cerebrais?

— Não dispomos de informações a este respeito.

Mais uma vez Rhodan havia chegado a um ponto

morto. O cérebro positrônico não fora concebido

exclusivamente para o armazenamento de experiências;

também possuía áreas dedicadas ao pensamento criativo.

Rhodan pegou um exemplar dos positrogramas e

introduziu-o na máquina.

— O que resulta deste estímulo?

— Recomenda-se a utilização de telepatas.

— Neste caso não dispomos de telepatas.

— A verificação da atividade cerebral só pode ser

realizada por meio do exame das freqüências, pois

qualquer fluido tem um caráter eletromagnético.

Recomenda-se o aperfeiçoamento do receptor. A

modulação proporciona a melhor possibilidade para a

determinação do caráter individual.

— A modulação por meio de uma onda?

— Sim.

— Como faço para conseguir a onda?

— Ela já existe. O cérebro a ser identificado faz o

papel de emissor.

— Quer dizer que todo segredo está no fato de que as

sondas cerebrais dos arcônidas trabalham numa faixa de

freqüências muito restrita. A onda portadora deve ser

incluída na área de ressonância.

— É muito provável que seja assim.

— Quais são as freqüências que devem ser incluídas?

A resposta do cérebro positrônico foi abafada por um

uivo ensurdecedor. Perry Rhodan endireitou o corpo. Seu

espírito vivaz logo se adaptou à nova situação. Uma sereia

de alarma era mais importante que qualquer resposta do

cérebro positrônico, por mais vital que fosse. Não se podia

perder a sabedoria da máquina positrônica. Mas num

alarma, cada segundo podia representar uma perda

irreparável.

Rhodan correu para o portão e olhou para fora.

Os homens corriam pelas ruas arenosas ladeadas de

barracos. Isso não tinha nada de estranhável, pois o alarma

no território cercado significava que de início cada um

tinha de deslocar-se para um ponto indicado, onde

aguardaria instruções.

O ponto de Rhodan ficava no escritório, que servia de

quartel-general da Terceira Potência. Só ali podia ser dado

o alarma.

Do ponto em que Rhodan se encontrava era apenas um

pulo. Por isso preferiu não usar seu rádio de bolso. Saiu

correndo sem perder tempo.

Na entrada do escritório Reginald Bell aguardava-o em

traje de viagem.

— Foi você que deu o alarma?

— Entre. Ali fora, além da área bloqueada, o diabo está

solto.

— São os DI?

— É o que dizem. Pelo menos é uma das coisas que

dizem. Estão fazendo uma pequena revolução. Num caso

destes é difícil conseguir uma informação precisa.

— É uma nova invasão? Será que os caças espaciais

deixaram passar alguém?

— Nada disso. Se forem DI, os mesmos já estão na

Terra há alguns dias. Olhe!

Rhodan aproximou-se da tela.

Bell modificou a regulagem. O olho energético da

antena direciona foi penetrando no espaço e colocou-se

numa perspectiva que lhe permitia abranger todo o

território submetido à soberania da Terceira Potência.

— Onde foi que aconteceu? — perguntou Rhodan.

— Aqui — respondeu Bell, trazendo para a tela um

setor ampliado. — Bem ao noroeste. Perto do posto

número trinta e sete.

Não precisou dar outras explicações. A imagem dizia

mais que as palavras.

Verdadeiras massas humanas comprimiam-se junto à

cúpula energética. Via-se perfeitamente que se tratava de

dois grupos inimigos.

— Você disse que é uma revolução?

— É sim. Ras pode dar maiores detalhes.

Rhodan voltou-se ao africano.

— O que aconteceu?

— Eu estava fazendo uma inspeção de rotina.

Encontrava-me no posto número trinta e sete, que fica na

área número dois, isto é, a menos de dois quilômetros da

cúpula. Naquele lugar a Harris Corporation está

construindo dez pavilhões de montagem para agregados de

refrigeração de plástico endurecido e outras peças

padronizadas para o interior das naves. Junto às betoneiras

havia um grupo de pessoas que conversava animadamente.

Algumas delas discutiram e passaram às vias de fato.

Naturalmente resolvi intervir, mas logo me ameaçaram de

pancada. Mas nenhum dos briguentos chegou a bater em

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117

mim, pois não estavam de acordo. Alguns elementos

menos agressivos perguntaram se era verdade que havia

gente possuída no território da Terceira Potência.

— E você respondeu alguma coisa?

— Não, outros responderam no meu lugar, afirmando

insistentemente que havia prova disso. Um dos técnicos

apontou para dois homens, acusando-os abertamente de

serem possuídos. Quando fizeram menção de saltar sobre

ele, apontou-lhes uma arma. Em torno dos acusados logo

se formou um grande grupo de pessoas. Todos procuraram

afastar-se deles, com exceção de quatro homens que, ao

que tudo indicava, pertenciam ao grupo dos seus colegas

de trabalho mais chegados. Estes também foram acusados,

e disseram-lhes que rezassem, porque iriam morrer.

Subitamente alguém me empurrou para junto dos acusados

e ouvi gente gritar: “Também é um deles. Vamos liquidá-

lo!” Vi o fanatismo escrito nos rostos, e sabia

perfeitamente que esses sujeitos que portavam armas

estariam dispostos a tudo. Ouvi um tiro atrás de mim; um

dos trabalhadores caiu ferido. Logo me teleportei para cá.

— Fez bem. Mais alguém tem alguma coisa a dizer?

— Ninguém — disse Bell, fazendo um gesto inequívo

em direção à tela. — Mas receio que já tenha havido

mortos. Pela imagem ótica parece que os dois grupos têm

aproximadamente a mesma força. Evidentemente o partido

dos acusadores está armado. Por isso tem certa

superioridade que lhe permite acusar muitos dos outros de

serem possuídos.

Rhodan pegou o microfone de seu emissor particular e

ligou o sistema de alto-falantes.

— Aqui fala Rhodan. Não foi dada nenhuma ordem

para um alarma geral. Os que não foram convocados

devem ficar de prontidão. Comando de vigilância da Good

Hope, preparar para decolagem. Estou chamando o

comando de terra dos astronautas. Favor responder.

— Aqui fala o tenente Deringhouse.

— Também se prepare para decolar. Você deixará o

território bloqueado juntamente com a nave esférica. A

contagem regressiva será iniciada no máximo dentro de

cinco minutos. Por motivos de segurança a cúpula só será

aberta por dois segundos. É bem possível que toda essa

revolução não passe de uma trama do inimigo, que nos

quer fazer sair do abrigo. Tenente, sua missão consistirá

em cruzar sobre o território da Terceira Potência, dando

aviso de qualquer movimentação suspeita em terra e no ar.

— Sim, Rhodan.

Dirigindo-se ao Dr. Manoli, Rhodan prosseguiu:

— Eric, você vai exercer o comando até nosso

regresso. Manteremos contato ininterrupto pelo som e pela

imagem. Capitão Klein, você assumirá o controle da

cúpula energética, uma vez que já está conosco. Sempre se

desempenhou muito bem desse serviço. Mas não confie na

sua capacidade de reação. A contagem positrônica será

iniciada a partir do segundo menos sessenta.

— Entendido!

— Bell, você irá comigo.

— O.K.! Sugiro que usemos trajes arconídicos.

— Isso não é necessário. Precisamos de projetores

mentais e neutralizadores gravitacionais.

Reginald Bell obedeceu. Os instrumentos a que

Rhodan acabara de aludir sempre se encontravam ao

alcance das mãos. O mesmo acontecia com os trajes

arconídicos, que Rhodan e Bell só usaram para atingir sem

perda de tempo a nave Good Hope, que se encontrava a

mil metros de distância.

A nave recebeu-os como uma catedral deserta. Os

passos dos homens apressados retumbavam pelos

corredores e produziam eco. Thora e Crest estavam na sala

de comando. Encontravam-se ali, como se fossem

acessórios imprescindíveis da nave. A Good Hope era o

último vestígio da pátria arconídica. Era ali que residiam

os dois arcônidas, que a tudo assistiam com um interesse

dúbio, quando um alarma colocava os homens em estado

de exaltação. Faziam papel de espectadores, sempre que

não se encontrava em jogo uma questão do seu interesse.

Thora, a comandante do gigantesco cruzador

arconídico, destruído na Lua, raramente fazia uso do seu

direito inato. Sua vida sempre desembocava no conflito

entre o passado orgulhoso e a situação atual, sempre

mutável, que lhe era imposta pela convivência com os

terráqueos.

Rhodan atirou-se no assento do piloto e começou a

manipular os comandos. A Good Hope despertou para a

vida. Ergueu-se do solo e subiu com ligeira aceleração.

A uma altitude de dois mil metros encontrava-se o

zênite da abóbada energética.

— Rhodan chamando o capitão Klein. Altitude:

duzentos metros. Estou ligando o piloto automático. Mude

para o contador positrônico. Alô, Deringhouse! Mantenha

a mesma altitude. Quando atingir os quinhentos metros,

acelere l g. Transmita a contagem regressiva pelo emissor,

capitão Klein.

Uma voz mecânica iniciou a contagem em direção a

zero. A decolagem das naves e a retirada da cúpula

energética estavam conectadas a uma reação positrônica

automática, que seria expedida a partir da central. Tudo

daria certo. E deu. Pelo menos no que dizia respeito à

decolagem. Na terra a série de manipulações não deixou

de provocar seus incidentes.

O televisor orientado para a área critica do posto 37

revelou tudo.

A massa enfurecida, cujos fronts estavam separados

por uma estreita faixa de terra, comprimia-se junto à

cúpula energética. Um dos grupos levantara barricadas,

apoiando-as contra o muro invisível. Dois homens subiram

nelas, para apresentar uma demonstração tola.

Quando a energia foi retirada da cúpula, a armação

ruiu. Dois segundos depois a mesma energia retornou,

impelindo tudo que se colocava ao seu alcance. A reação

lenta dos homens não conseguiu aproveitar esses dois

segundos.

A cúpula que voltou a funcionar depois da interrupção

teve o efeito de uma catapulta. A massa de energia

“limpa”, livre de radiações, que só funcionava de forma

cinética, golpeou como um punho de ferro. Homens que

iam cambaleando para frente foram atirados para trás,

aterrizando de forma nada suave. A reação da barricada

desmoronada foi semelhante. Tábuas e pranchas caíram

em meio às massas que se aglomeravam, completando o

caos.

Bell interpretou as minúcias que conseguiu captar na

tela.

— Agora precisamos de médicos e enfermeiros.

— Eles terão de procurar imediatamente eventuais

corpos de DI que foram abandonados — interrompeu uma

voz vinda dos fundos da sala. Era Crest.

— Procurar corpos de DI em nosso território?

— Esses sujeitos preferem a escuridão. A divisa

exterior do nosso território não é totalmente

intransponível. É bem possível que os DI tenham

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escondido seus corpos nas proximidades.

— Eles precisam disso?

— Nunca se deve subestimar um inimigo, é o que ouço

os homens dizerem — disse Crest, dirigindo-se para frente

da sala. — É uma regra que muitos táticos e estrategistas

entre as diversas inteligências da galáxia já descobriram.

Mas toda e qualquer sabedoria só tem validade dentro de

certos limites. Além desses limites ficam as exceções que,

ainda segundo um dos seus provérbios, confirma a regra.

— Que exceção poderia ocorrer no presente caso?

— Para os terráqueos as qualidades naturais dos

Deformadores Individuais são verdadeiramente sobre-

humanas. Por isso a raça dos homens tenderá a atribuir

uma superioridade infinita aos DI, e essa atitude já envolve

uma disposição inconsciente para a capitulação. Sempre

que um obstáculo pareça intransponível, somos tentados a

desistir.

— Acho que você está aludindo antes às qualidades

arconídicas que às terrenas — corrigiu Bell.

O arcônida ergueu os ombros num gesto de dúvida.

— Se fosse você, não me sentiria tão seguro.

Rhodan insistiu para que atacassem logo o núcleo da

questão. Não havia tempo para pesquisas demoradas sobre

as características das diversas raças.

— Quer dizer que você recomenda que os DI sejam

avaliados com base em critérios objetivos, para que suas

limitações naturais possam ser conhecidas.

Crest fez que sim.

— Superestimá-los seria um erro tão grave como não

dar atenção às suas manhas traiçoeiras. Os DI são uma

raça obstinada, mas o heroísmo não ocupa um lugar de

destaque entre eles. Possuem um instinto de

autoconservação muito desenvolvido, que os põe em alerta

diante de qualquer risco. São bons intrigantes, dotados de

grande inteligência e flexibilidade. Mas, como acabo de

dizer, prezam antes de tudo sua segurança pessoal. Vocês

já sabem de que forma os DI costumam apossar-se de suas

vítimas. Chegam bem perto e sem maiores esforços

realizam a troca de identidades. Mas sempre estão

dispostos a bater em retirada. Para isso é necessário que

seu corpo fique o mais perto possível, muito embora o

salto para dentro do homem seja muito mais difícil que o

regresso ao próprio eu.

— É por isso que acredita que devíamos procurar

corpos de DI nas proximidades da cúpula?

— Isso mesmo. Quando se sentem seguros, preferem

procurar um esconderijo para seu corpo o mais perto

possível do homem em que se recolhem. Em média, pode-

se contar com uma área situada num raio de duzentos

metros. É bem verdade que já se verificaram casos em que

os DI se afastaram alguns milhares de quilômetros com o

corpo por eles possuído.

— E mesmo assim conseguem regressar?

— Só com um esforço extremo. E isso se torna ainda

mais difícil quando o corpo em que se abrigaram é

ameaçado de morte. A morte do mesmo significaria sua

própria morte. O DI não sabe saltar de um homem para

outro. Tem de regressar ao seu corpo, e isso enquanto o

corpo possuído estiver vivo. Se matarmos um homem

possuído por um DI, o DI também morre.

— Faço votos de que isso seja verdade — disse Bell

em tom desconfiado.

— Você não tem motivo para duvidar da veracidade do

que acabo de dizer — retrucou Crest.

— Não estou falando por mal. Acontece que você já se

enganou quando viu tudo sob a perspectiva dos arcônidas.

Afirmou que um homem que é possuído, cujo “eu” ao

retornar ao corpo a que pertence, acaba enlouquecendo.

— Isso diz respeito a homens e arcônidas, entre cujas

mentalidades existem diferenças enormes. Enquanto

estivermos falando nos DIs, você pode confiar nos meus

conhecimentos.

* * *

Quando surgiu a Good Hope, houve certa agitação

entre as massas que se aglomeravam junto ao posto trinta e

sete. A divisão entre os dois fronts já se tornara menos

nítida com o desmoronamento das barricadas. A essa

altura a consciência pesada parecia unir os homens. A

esfera dos arcônidas corporificava uma autoridade toda

especial.

Rhodan pousou e pediu a Thora que mantivesse a nave

em condições de decolar a qualquer momento. Olhou para

Bell e fez-lhe um sinal.

— Vamos, Bell! Tenha cuidado com o neutralizador.

Só utilize feixes de raios estreitos e bem concentrados, e

isso mesmo só quando não tiver alternativas. Não quero

que um setor amplo do território onde esteja sendo

erguidas nossas construções fique subtraído de repente aos

efeitos da gravidade. Se todas as cargas verticais perderem

sua posição estática, gastaremos várias semanas na

reconstrução.

— Não se preocupe — disse Bell com um sorriso

cordial. — Acho que não teremos necessidade de recorrer

a isso. Só carrego estas coisinhas comigo por uma questão

de tranqüilidade de espírito.

Foram para frente da nave. A massa humana recuara

um pouco, enfileirando-se como um muro compacto.

Rhodan aproximou-se. Reginald Bell seguiu-o.

— Vejo mil rostos estranhos — suspirou enquanto

caminhava.

Era o que Rhodan estava pensando. A maior parte

desses homens haviam sidos colocados ali durante a

expedição a Vênus. Quase todos viam Rhodan pela

primeira vez. Sentiu-se envolvido por uma onda de

reverência, desconfiança e insegurança. Até mesmo o

pensamento falso e traiçoeiro podia estar presente. Mas

Rhodan e Bell prosseguiram imperturbáveis. Agora, a uma

distância de cinqüenta metros, já tivera início um duelo

espiritual; os dois homens mais proeminentes da Terceira

Potência tinham de provar que realmente possuíam a

autoridade que corporificavam.

Perry Rhodan levou o jogo ao máximo. Sabia que a

essa altura nenhum exagero seria demasiado. Quando

chegou junto à massa, não parou. Prosseguiu como um

robô; Reginald Bell seguiu-o com a mesma obstinação.

A muralha humana recuou. Ninguém tocou nos dois

homens. Uma passagem estreita abriu-se diante deles.

Subitamente Rhodan parou.

— Quem é o chefe da seção?

Silêncio.

Rhodan encarou o homem que se encontrava mais

próximo.

— Será que você perdeu a língua?

— É o professor Morton — gaguejou o homem,

olhando em torno com uma expressão de insegurança.

— Desejo falar com o professor Morton! — disse

Rhodan com a voz alta. — Queiram abrir caminho.

Mais para os fundos houve uma movimentação. Todos

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se afastaram para deixar o chefe de seção passar.

— Bom dia, professor. Sou Perry Rhodan. O que

houve?

— Não posso explicar. Parece que tudo não passa de

um mal-entendido, ou então é obra de um pequeno grupo

de fanáticos. Terei muito prazer em dar-lhe todas as

informações de que disponho. Mas ficarei muito grato ao

senhor se me der oportunidade de cuidar primeiro dos

feridos.

— Há um hospital nas proximidades. Por que ainda

não tomou nenhuma providência?

— Não disponho de autoridade para isso, senhor

Rhodan. Peço seu apoio.

— Ordene aos homens que retornem aos seus locais de

trabalho, professor. Não me importo de aguardar com as

minhas perguntas.

Morton transmitiu as instruções que acabara de

receber. Aos poucos os homens da frente foram recuando,

empurrando os colegas que se encontravam atrás. Bell

segurou um dos homens pela manga do paletó.

— Como é seu nome?

— Brian — respondeu o homem com a voz tímida.

— Muito bem, Brian. Você fica responsável pelos

feridos. Dentro de dois minutos deverá haver por aqui um

número suficiente de médicos e enfermeiros. Pode retirar-

se. Como é o seu nome?

— Schley.

— Schley, você será responsável pela remoção das

barricadas. Pegue quantos homens precisar. Quero que

termine em vinte minutos.

O homem desapareceu, proferindo um “sim senhor”

com a voz rouca. Mas não foi só este. De repente todos

pareciam empenhados em dar o fora o mais rápido

possível. Num instante toda a área foi evacuada. Rhodan,

Bell e Morton estavam a sós.

— Isto não deixa de ser uma arma — disse Bell com

um sorriso de satisfação.

— Uma arma psicológica — confirmou Morton. —

Fico-lhes muito grato. Há alguns minutos a situação ainda

era muito ameaçadora. Tudo começou há meia hora.

Encontrava-me...

— Não vamos entrar em detalhes, professor. Da central

e da nave observamos tudo. Se hoje ouvimos homens

acusarem-se mutuamente de serem possuídos pelos DIs,

isso parece muito perigoso, mas tudo indica que se trata de

uma reação de pânico em cadeia. Será que você tem base

para afirmar o contrário?

— De forma alguma, senhor Rhodan. Já lhe disse que

para mim tudo não passa de um mal-entendido.

— Foi o que você disse. Mas é o que pensa? —

interveio Bell.

— Não entendo.

— Se é que não me entende, será que tudo está bem

com você?

— Por que não estaria?

— Ora, professor. Há pouco você teve uma verdadeira

revolução. E agora vem nos dizer que tudo não passa de

uma bagatela. Talvez com isso queira livrar-se de nós.

Você é um dos possuídos, não é?

Morton ficou rubro de raiva. Demorou a encontrar as

palavras.

— Isso é um absurdo. Será que até o senhor está

apoiando essa campanha sub-reptícia?

Bell continuou, muito gentil.

— Não é nenhum absurdo, professor. Os DI sempre

procuram apossar-se das pessoas mais influentes. E no

posto trinta e sete a pessoa mais influente é você.

— No momento não, se é que me permite dizer isso na

minha modéstia. Se eu fosse um DI, já teria procurado

apossar-me do seu corpo ou, melhor ainda, do corpo do

senhor Rhodan.

— Teria saltado para nós?

— É o que minha lógica humana diz.

— O que acha Perry? Parece que tudo está em ordem

com ele, não é?

— Acredito que sim. Você passou pelo exame,

professor.

— Muito obrigado — Morton ficou aliviado. Mas seu

rosto também exprimiu certa perturbação. — Sua maneira

de examinar os homens é muito estranha. Gostaria de

conhecer o método.

— Se fosse um DI, nunca lhe teria passado pela cabeça

transferir-se do professor Morton para o corpo de Perry

Rhodan. Isso não é possível.

Caminharam até a muralha energética e viram que só

quatro pessoas haviam recebido ferimentos sem maior

gravidade.

Brian estava junto dos enfermeiros, conforme lhe fora

ordenado.

— Como vê, tive razão — disse Reginald Bell

satisfeito.

— Mais que isso. Você tinha a intenção de prender três

cabeças da revolução, mas não houve necessidade disso.

Tudo isso só demonstra o estado de ânimo que hoje deve

prevalecer em toda a humanidade. O resultado é a

insegurança, a desconfiança, a disposição para os atos

irrefletidos. Não temos tempo a perder, Bell; devemos

salvar a Terra do caos.

— É verdade! — confirmou Bell.

O sorriso já desaparecera do seu rosto largo.

— Tive muito prazer em conhecê-lo, professor —

prosseguiu Rhodan, estendendo a mão a Morton. — Mas

não quero que se sinta em segurança só porque o conflito

foi dominado com tamanha facilidade. Ainda existe a

possibilidade de que entre seus homens exista algum DI.

Não adianta ficar perguntando a todo mundo. O mais

importante é procurar os corpos abandonados daqueles

seres. Ainda hoje transmitirei instruções nesse sentido a

todos os grupos de trabalho situados fora da cúpula.

Espero que me avise pelo rádio quando tiver apurado algo

de concreto. A qualquer momento estaremos prontos para

revidar um golpe.

* * *

A Good Hope regressou para a cúpula energética. O

tenente Deringhouse pousou ao mesmo tempo que ela.

Não descobrira nada de suspeito durante sua missão de

reconhecimento aéreo.

— Uma missão de patrulhamento sempre é uma coisa

tediosa — procurou consolá-lo Bell. — Mas um dia colhe-

se a recompensa. Tem alguma ordem para Marshall e para

mim, Perry?

— Tudo continua conforme foi combinado. Primeira

escala: Chicago, em casa de Clive Cannon. Preciso de um

homem possuído e de um abandonado. Em Nova Iorque

você se encontrará com Homer G. Adams, que lhe prestará

ajuda no recrutamento da nossa força policial. Acho que

não preciso fornecer outros detalhes.

— Quanto ao resto saberei arranjar-me. Até a volta,

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Perry.

— Boa sorte!

Depois que Allan D. Mercant e Tako Kakuta tinham

saído; também Reginald Bell e John Marshall

abandonaram sua nova pátria no deserto de Gobi.

Enquanto isso, Rhodan refletiu no seu escritório.

“Fico para trás. Sou o homem do segundo plano.”

Depois se levantou, endireitou o corpo e dirigiu-se ao

pavilhão onde o cérebro positrônico já o aguardava. A

palestra recomeçou no ponto em que terminara por ocasião

do alarma.

— Modulação, onda portadora, campo espectral

completo com valores elevados em angstrom.

— O velho detector dos arcônidas só pode determinar

o modelo cerebral — explicou o robô. — Já um telepata lê

os pensamentos. Sugere-se a construção de um

pseudotelepata.

Esse telepata artificial seria um detector completo de

ondas cerebrais.

Rhodan recordou a primeira carga da Good Hope, que

trouxera de Vênus uma série de robôs de trabalho

construídos segundo suas concepções. Entre eles havia

máquinas idênticas. Havia robôs-engenheiros cuja

capacidade ia da de um mecânico até a de um positrônico.

Ainda hoje seriam iniciados os trabalhos de construção

do primeiro modelo experimental. A Terra precisava do

detector telepático, para não ter que capitular diante dos

DI.

4

Quem passasse pela Michigan Avenue teria que

inclinar a cabeça bem para trás para enxergar o céu por

cima dos grandes edifícios.

John Marshall voltou a baixar o queixo, depois de ter

feito suas observações sobre Chicago em geral e a

Michigan Avenue em particular. Ele e Reginald Bell

tinham descido perto da esquina com a Congress Street e,

guardando certa distância, dirigiram-se ao hotel de igual

nome. Bell registrara-se no Congress Hotel com seu nome

completo, enquanto Marshall adotara o nome de John

Linker, embora ocupasse um quarto do sétimo andar, logo

ao lado do de Bell. Oficialmente não se conheciam.

Do lado que dava para o pátio interno do Congress

Hotel havia uma sacada que ocupava todo aquele lado. Era

verdade que uma parede alta e grossa de vidro fosco

separava a parte correspondente a cada apartamento, mas

não era necessário ser um grande alpinista para escalar

esse obstáculo.

As janelas vizinhas estavam escuras. John Marshall

arriscou a entrada no apartamento de Bell. Fechou as

cortinas e disse:

— Pronto! Já pode acender a luz.

Bell acendeu o abajur que se encontrava perto da

poltrona. Sugou a fumaça do cigarro que acabara de

acender e ofereceu o estojo ao telepata. Este se serviu em

silêncio e sentou.

— Afinal, o que há com Cannon? — perguntou Bell, já

que Marshall não demonstrou a menor pressa.

— Não estive com ele.

— Mas como?

— Peço-lhe que guarde seu juízo a meu respeito para

depois. Cannon está preso numa fortaleza. Para falar com

ele a gente tem de atravessar três antessalas, e cada uma

delas representa uma verdadeira corrida de obstáculos.

— Será que estou condenado a ouvir uma ladainha de

desculpas? — interrompeu Bell. — Afinal, para que serve

sua telepatia?

Marshall não se abalou.

— Pelo que se nota nas cercanias de Cannon, o homem

caiu numa armadilha dupla — informou.

— Você examinou essas cercanias?

— Afinal, minha missão de telepata consistiu nisso. E

descobri uma porção de coisas. Provavelmente essas

coisas são mais importantes que as que poderia ter

descoberto se tivesse falado com o chefão em pessoa.

— Faça o favor de contar.

— A cem metros do edifício Kreysky, que fica nesta

rua, do mesmo lado do nosso hotel, existe um restaurante

subterrâneo. Nesse restaurante estão os primeiros guardas.

Tanto os da polícia como os do Blue Bird Syndicate. Às

vezes até ficam sentados na mesma mesa, conversando

entre si.

— Será que é um acordo secreto?

— Não acredito. Ambas as partes conservam a linha.

Ficam brincando de gato e rato, e às vezes nem sabem

direito se foram reconhecidos uns pelos outros. Quase

chegaria a dizer que guardam uma desconfiança instintiva

entre si.

— Onde é que a coisa começa a ficar mais

interessante?

— No edifício Kreysky, evidentemente. E, o que é de

surpreender, também no prédio vizinho. O pavimento

térreo de ambos os imóveis foi construído para abrigar

lojas independentes. No edifício Kreysky existe um

autosserviço para a venda de sabonetes e cosméticos.

Além disso, há uma representação geral da Mix Centry.

— Essa gente instala seus motores em qualquer coisa

que possa rodar por aí.

— Isso mesmo. Cheguei a ver veículos de rua para

uma pessoa, lanchas e hélices individuais que cabem numa

pasta.

— Espero que não se tenha limitado a olhar, mas

também tenha procurado investigar pensamentos. A loja

da Mix Centry pode se tornar muito interessante para nós.

— Por quê?

— Adams manifestou um interesse bastante intenso

pelas ações dessa empresa. Por enquanto a usina continua

firme nas mãos do grupo Kreysky. Mas pelo que sei nossa

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121

General Cosmic Company já conseguiu tirar suas

casquinhas. Mas continuemos! No edifício ao lado há uma

loja de cerâmica e decorações comerciais. Já passei por lá.

Acho que já chegou a hora de passarmos aos detalhes.

— Muito bem. Uma vez que já conhece as fachadas,

estará interessado em saber que na loja de cosméticos

trabalham duas agentes da polícia federal secreta. Uma

delas é supervisora, outra trabalha na caixa. No entanto, o

gerente só fica pensando em coisas tais como o Kreysky,

Cannon e umas ideias muito desligadas sobre eventuais

atacantes. O gerente do posto de vendas da Mix Centry

pertence à mesma categoria de pessoas. Há dois dias viu-

se obrigado a contratar outro empregado, já que a policia

prendeu um antigo colaborador seu. Quer dizer que o

velho está preso para investigações. O novo funcionário é

um agente que trabalha para Kaats. É bem verdade que

essa alteração no pessoal da empresa deu na vista, tanto

que o chefão desconfiou.

— Percebeu que o novo funcionário é um homem de

Kaats?

— Não chegou a tanto. Mas desconfia dele por uma

questão de princípio.

— Nesse caso não vamos dramatizar a situação. Como

estão as coisas nas outras lojas?

— Fiz uma lista, Bell — Marshall tirou um papel do

bolso e colocou-o sobre a mesa. — Na primeira coluna

estão registrados os nomes, na segunda a organização a

que pertencem: à polícia ou à gangue do Blue Bird. A

seguir vem a indicação de sua relação de emprego. Verá

que em quase todos os pavimentos encontrei pessoas

suspeitas. Principalmente no escritório de advocacia de

Smith & Smith, que fica logo ao lado.

— Ao que parece Kaats não conseguiu penetrar no

escritório de Smith. Os doze funcionários que trabalham

ali simpatizam com Cannon. Receio que, se começarmos

por ali, poremos as mãos numa casa de marimbondos.

Reginald Bell submeteu a lista a um exame demorado.

Finalmente levou o papel até a lareira, encostou a chama

do isqueiro e espalhou as cinzas.

— Quer dizer que existem vários círculos de bloqueio,

que se interpenetram. Cada um protege para fora, enquanto

outro procura penetrar para o interior e isolar. Kaats vigia

cada passo de Cannon. Será muito difícil sequestrá-lo.

— Por que não procura o apoio de Kaats?

Bell repeliu a idéia com um gesto.

— Uma série de negociações com a polícia consumiria

muito tempo e provavelmente não levaria a nada. Kaats

não é nenhum Mercant. Serve aos Estados Unidos da

América e nem chega a simpatizar com a Terceira

Potência. Quando muito utiliza as informações fornecidas

por Mercant, mas de resto a ambição leva-o a querer fazer

tudo sozinho.

— Então acredita que não concordaria em que

levássemos Cannon ao deserto de Gobi?

— Tenho certeza, Marshall. Portanto, elimine o

caminho mais fácil. Devemos seguir as instruções de

Rhodan. Uma colaboração de Kaats significaria uma

adaptação dos respectivos interesses.

— Quer dizer que teremos de agir fora da lei.

— Não se trata de respeitar determinadas normas

legais, mas de salvar toda a Terra dos DIs. E para isso só

podemos fazer uma coisa: cumprir as ordens de Rhodan.

— Concordo plenamente.

— Não esperava outra coisa. Afinal, você realizou um

trabalho preliminar muito valioso, criando condições para

a elaboração de um plano de combate bastante promissor.

Tenho na cabeça a relação que acabo de queimar. No

futuro recorreremos o menos possível a quaisquer registros

escritos. Mais uma pergunta: existe alguma suspeita de que

qualquer das pessoas observadas por você seja possuída

pelos DI?

— Não. Excluo essa possibilidade. Só temos um

conhecimento positivo disso em relação a Clive Cannon.

Acredito que os DI devem ter lançado seu ataque num

front bastante amplo, que se estende por toda a Terra. O

primeiro contingente invasor deve ter sido relativamente

fraco, motivo por que os indivíduos tiveram de ser

bastante espalhados. Aliás, para eles basta ocuparem as

posições-chaves. Cannon é o chefe da gangue Blue Bird,

cuja direção intelectual provavelmente é idêntica à do

Kreysky Syndicate. Todos os outros não desconfiam de

nada, e seguem suas instruções sem pestanejar.

— O.K.! Vamos ao que importa. Pelo que acaba de

dizer, o edifício vizinho é bastante suspeito, por estar

ocupado pelos gângsteres. Já notou que o escritório de

advocacia de Smith & Smith fica à mesma altura que a

secretaria do Kreysky Syndicate?

— É verdade. As coisas combinam tão bem que

podemos ter certeza de que encontraremos uma ligação

entre os dois edifícios. Só resta saber de que lado nós

devemos começar.

— De ambos os lados ao mesmo tempo. Além disso,

você fica encarregado de entrar em contato com Clive

Cannon. Enquanto isso, eu darei uma olhada no pessoal de

Smith & Smith.

No dia seguinte John Marshall compareceu ao edifício

Kreysky trinta minutos antes do início do expediente.

Assim mesmo teve de esperar, pois havia dois cavalheiros

que tinham levantado antes dele.

De início não se importou, ainda mais que resolveu

fazer um exame da vida psíquica dos dois indivíduos.

“...fui o primeiro. Terminarei antes do meio-dia...

Falar pessoalmente com Cannon... estará de bom humor?

Trago uma recomendação do secretário... Posso ameaçá-

lo com a GCC. Em Nova Iorque Adams compra tudo em

que consegue pôr as mãos. Mesmo empresas duvidosas...

Será que já posso fumar? Antes disso devia comer alguma

coisa... Tolice! Cannon terá que dar-se por satisfeito com

as condições que vou oferecer. Os Kreysky não deviam

bancar os importantes. Se não quiserem ser engolidos pela

GCC, precisarão de toda substância que conseguirem

assimilar... mesmo que as condições não sejam tão

favoráveis... É claro que ontem ficou muito tarde.”

No cérebro do homem ao lado um problema financeiro

parecia ocupar o lugar de maior destaque.

O outro homem encontrava-se mais afastado. Marshall

teve dificuldades em alcançar a área dos seus fluidos.

Acabou se levantando e andando pela sala, como se

estivesse profundamente entediado. Ainda de pé, remexeu

num montão de jornais, e assim conseguiu estabelecer um

contato telepático de primeira ordem. Não só isso: também

era muito precioso.

“...esse jovem parece um executivo. Roupa muito

elegante. Deve ser uma pessoa de influência, do contrário

não andaria por aqui... Mas o dinheiro do seu carro deve

ter saído do bolso do velho...”

John Marshall não se sentiu muito lisonjeado. Mas no

momento não lhe interessava o que os outros pensavam

dele. A próxima série de pensamentos provou que havia

algo melhor.

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122

“...ordens são ordens. Gostaria de ver como Kaats me

dará cobertura. É uma estranha forma de execução num

estado de direito... Tomara que não me submetam a uma

revista muito detalhada. Da terceira vez devo dar um jeito

de chegar ao chefão... Este rapaz deixa a gente nervoso.

Talvez ele mesmo esteja nervoso. Por que não senta?...

Evidentemente, se Cannon é um dos possuídos, nada me

poderá acontecer. Cabe exclusivamente a Kaats decidir

como se elimina uma fera dessas. Além disso todas as

portas estão trancadas... Nada me pode acontecer... Nada

me pode acontecer... Devia ler um pouco...”

— Com licença! — disse o policial e pegou um dos

jornais que talvez pertencessem ao montão que Marshall

parecia ter reservado para seu uso exclusivo.

— Pois não!

John Marshall pegou o jornal que segurava na mão e

dirigiu-se à sua poltrona.

Não conseguiu concentrar-se na leitura. O homem

sentado naquela poltrona era um policial. Recebera a

incumbência de matar Cannon e hoje faria sua terceira

tentativa de penetrar no santuário do Kreysky Syndicate.

Quem sabe se Kaats já teve a intenção de guiar-se pelos

desejos de Mercant.

Provavelmente com o tempo o encargo de vigiar um

único possuído representaria um peso muito grato. Um DI

morto era um DI bom. Provavelmente haveria algumas

centenas deles perambulando pelo país, e seria necessário

cuidar de todos eles com os meios dos serviços de

identificação.

Sob essa perspectiva o coronel Kaats não deixava de

ter razão.

Acontece que até então Clive Cannon era o único

homem possuído pelos DI que havia sido identificado com

alguma segurança. Por isso era uma pessoa muito

importante para ser abatida sem mais aquela.

John Marshall percebeu que Bell tivera toda razão ao

desaconselhar qualquer tipo de colaboração com a polícia

federal secreta. Os interesses e os planos da Terceira

Potência eram ligeiramente diferentes. Era bem verdade

que o fato de que Marshall deveria depender cada vez mais

de si mesmo, representava um consolo muito fraco.

Lembrou-se da pasta que continha vários instrumentos de

origem arconídica, e que lhe serviriam de proteção num

perigo extremo. Mas teria de fazer o possível para evitar

seu uso, a fim de não provocar suspeitas.

Além disso, seria necessário modificar os planos

primitivos. Ninguém contara com a possibilidade de um

atentado. O próprio Bell, que pretendia dar uma olhada no

escritório de advocacia Smith & Smith, não tinha a menor

idéia de que a situação se modificara dessa fora. Por isso

mesmo Marshall não poderia seguir um caminho

inteiramente novo. Enquanto os ponteiros iam se

aproximando das nove, esforçou-se para ordenar seus

pensamentos. Ficou satisfeito em ter mais um prazo, já que

o outro cavalheiro foi convidado a entrar antes dele.

Com pequenos intervalos apareceram mais cinco

visitantes que depois de um ligeiro cumprimento sentaram

e pegaram os matutinos.

Marshall procurou fazer uma ronda disfarçada num

passeio inofensivo, mas teve dificuldades em sondar os

pensamentos dos homens que se encontravam tão

próximos uns aos outros. As impressões sobrepunham-se.

Tudo indicava que um dos cinco simpatizava com o

policial e estava informado sobre sua missão. Mas

Marshall não conseguiu descobrir qual deles era. Aquela

gente nem chegou a trair-se por meio de ligeiros olhares.

Estavam bem treinados e não assumiam o menor risco.

Bem, era claro que para um golpe desses Kaats devia ter

destacado os melhores elementos de que dispunha.

“Brown será o seguinte”, foi o pensamento nítido que

surgiu de repente. Então o nome do policial era Brown.

A recepcionista voltou a aparecer e convidou Brown a

entrar.

Os nervos de Marshall quase chegavam a arrebentar de

tamanha tensão. O assassino contratado iria subtrair-se ao

seu controle. Nem sequer poderia vigiá-lo com os olhos.

Será que teria de perder a oportunidade?

Se os agentes de Kaats matassem o homem possuído

pelos DI na sua presença, Bell e Marshall levariam um

sabão daqueles quando retornassem ao deserto de Gobi.

Além disso, tal ato representaria uma grande vitória para

os DI, mesmo que por algum tempo perdessem uma

posição importante.

Era imprescindível impedir a execução dos planos de

Kaats.

Marshall teria de concentrar-se, evitando qualquer tipo

de pânico interior.

O policial Brown ainda não poderia estar perto de

Cannon. Enquanto o primeiro visitante não saísse, Brown

teria de lutar obstinadamente pelo seu objetivo nas três

antessalas. Talvez nem conseguisse chegar à posição de

tiro.

Quem sabe se chegaria a conseguir?

Marshall sentiu que deveria eliminar esta última

restrição. Representava um consolo produzido pelo desejo,

que não podia merecer a menor confiança.

A porta abriu-se e o primeiro visitante saiu com uma

expressão nada satisfeita no rosto.

A porta fechou-se.

Ninguém convidou Marshall a entrar. Decidiu tomar a

iniciativa.

Levantou-se e bateu à porta. Entrou sem esperar pelo

convite. A moça sentada atrás da mesa era a recusa e a

indignação personificadas.

— Aqui não é costume entrar sem ser convidado. Peço-

lhe que espere lá fora até que chegue sua vez.

— Já está na minha vez, senhorita.

— Não espere outras explicações de minha parte,

cavalheiro. Tenho minhas instruções. Recomendo-lhe que

se adapte às peculiaridades desta casa. Aliás, o senhor já

foi anunciado? Posso verificar se para o senhor vale a pena

esperar.

— Essas palavras não foram apenas francas, mas

descorteses, senhorita — respondeu Marshall com uma

expressão de ironia no rosto e, num movimento suave,

tirou a agenda das mãos da recepcionista. — Não fui

anunciado, tal qual a morte não é. E tal qual a morte

ninguém me pode pôr para fora. Será que a senhorita

entendeu a comparação?

No rosto da recepcionista lia-se o pânico. Como uma

das colaboradoras mais chegadas do círculo de Clive

Cannon, porém, pertencia à classe das pessoas que se

distinguem pela inteligência e capacidade de decisão.

Alarma! Era este o elemento principal dos pensamentos

que se atropelavam em sua cabeça. Mas hesitou. Era muito

comum que por ali aparecessem blefadores que recorriam

a falas imponentes para forçar a entrada. Chegou a hesitar

tanto que Marshall teve de animá-la.

— Não se acanhe em apertar o botão da campainha,

senhorita! Não perca tempo, se é que está interessada em

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123

salvar a vida de seu chefe.

— Cavalheiro...!

Marshall procurou frustrar a iniciativa da moça com

um movimento semelhante ao que executara pouco antes.

Mas ela foi mais rápida. Não anunciou sua decisão através

de uma série de pensamentos que pudessem traí-la; agiu

imediatamente.

Marshall defrontou-se com o cano de uma pistola.

— Suas brincadeiras vão longe demais. Já que

escolheu um tema macabro, vamos prosseguir por esta

forma. Saia imediatamente!

— Não está mesmo interessada em salvar a vida de

Clive Cannon?

— Acho que ela não corre o menor perigo, enquanto o

senhor não conseguir chegar perto dele.

— É engano, senhorita! A vida de seu chefe correrá

perigo assim que o capitão Brown entrar na sua sala. E,

para evitar qualquer dúvida, quero realçar que Brown

entrou bem à minha frente. Só faço votos de que ainda

esteja numa das antessalas. Pelo que estou informado, não

foi anunciado diretamente a Cannon; apenas vem com uma

recomendação de certo secretario. Será que falei bastante

claro para fazer com que a senhorita dirija sua atenção ao

lugar certo?

— Um momento.

A recepcionista levantou-se e abriu apressadamente a

porta.

— Lem! Onde está o cavalheiro que eu lhe trouxe por

último?

— Acabo fazê-lo avançar mais uma casa — respondeu

uma voz masculina vinda da peça contígua.

— Fale imediatamente com Mac Phan e faça-o esperar

mais um pouco. Tenho uma notícia muito importante para

o chefe. Não permita em nenhuma circunstância que esse

homem se aproxime dele.

Marshall ouviu um arrastar de cadeira e uma voz que

emitia um som de surpresa. De qualquer maneira as

instruções foram cumpridas. Outra fechadura abriu-se.

— Desculpe a interrupção, Bill. Peça a esse cavalheiro

que aguarde mais cinco minutos. O chefe está recebendo

um telefonema importante e não pode ser perturbado.

— Quando o chefe fala pelo telefone, eu fico sabendo.

— O telefonema vem diretamente da central. Portanto,

você está informado.

O homem que a recepcionista chamara de Lem surgiu

na antessala.

— Agora você vai fazer o favor de explicar o que

significa isso, Marge!

— Quem vai explicar é este cavalheiro. Ele ainda está

me devendo à mesma explicação.

— Meu nome é Linker — disse John Marshall com

uma ligeira inclinação do corpo. — Podemos ter certeza de

que o capitão Brown não se aproximará do senhor

Cannon?

— Meu nome é Steinberg — disse o homem cujo

prenome era Lem, com a mesma cortesia. — O que tem

para nos contar?

— Gostaria que antes respondesse à minha pergunta,

Steinberg. No momento o senhor Cannon se encontra em

segurança?

Marshall já o sabia face aos pensamentos de seu

interlocutor. Até sabia que Cannon fora prevenido por uma

lâmpada de advertência vermelha, ativada a partir da mesa

de Steinberg, de que alguma coisa não estava em ordem.

Por isso o sistema de travamento automático da porta não

seria liberado antes que o perigo tivesse sido eliminado.

Marshall sabia tudo isso. Acontece que ali não poderia

revelar sua qualidade de telepata, motivo por que tinha de

formular perguntas como qualquer homem normal.

Steinberg deu um sorriso irônico.

— Você faz perguntas muito estranhas, Linker. É claro

que Clive Cannon está em absoluta segurança. Justamente

por isso você terá que se dar ao incômodo de relatar tudo.

— Reviste o capitão Brown. Encontrarão uma pistola,

provavelmente até mais de uma. Penetrou aqui com a

finalidade de matar Cannon.

— Ora! Você diz que Brown é policial. O fato é que

manteve contatos comigo como representante de uma

empresa privada. E hoje não foi a primeira vez. Como

pode afirmar que pertence à polícia?

— Não só pertence a ela, mas está agindo a seu mando.

— Linker, imaginei que você fosse mais inteligente.

Então a polícia estaria tramando um assassinato! E ainda

espera que eu acredite que faz isso oficialmente.

— Fornecerei os detalhes ao senhor Cannon. Há esta

hora já deve ter compreendido que são muito importantes.

A expressão de ironia no rosto de Steinberg aumentou.

— Se está interessado em convencer-nos da sua

ingenuidade, Linker, pode ficar tranqüilo: já o conseguiu.

Apenas receio que o senhor Cannon não o queira receber

hoje, nem qualquer outro dia. Mas sente por um instante.

Vamos cuidar do capitão Brown.

Steinberg transmitiu ordens a várias pessoas através do

interfone. Dali a pouco houve uma verdadeira invasão.

Cinco homens saíram da segunda antessala, onde deviam

ter entrado por um corredor lateral. A seguir o capitão

Brown foi introduzido no recinto. Seus pensamentos

revelavam que se sentia descoberto. Mas seu rosto não

traía nada.

— Revistem estes homens — ordenou Steinberg.

John Marshall notou que receberia um tratamento tão

ríspido como o que era dispensado a Brown. A revista

pessoal realizada em sua pessoa até parecia dar mais

resultado. Enquanto o capitão só trazia três armas comuns,

umas delas artisticamente costurada no forro do paletó, nas

roupas de Linker foram descobertos instrumentos que

ninguém ali sabia para que servissem, mas que por causa

de suas formas estranhas tinham um aspecto bastante

perigoso.

— Hum! — disse a recepcionista. — Acho que

encontramos um par muito interessante.

— Também acho. É claro que estes bonecos nunca vão

confessar que trabalham juntos. Mas terão tempo para

refletir sobre isso. Queira explicar para que serve isto!

— Não vou explicar coisa alguma. Estes instrumentos

são meus e vocês nada têm que ver com eles.

— Vamos confiscar essa sua propriedade, até que o

chefe decida a respeito. Knox será que você dispõe de dois

quartos separados e bem seguros para os dois?

Um dos cinco homens armados deu um sorriso.

— Sempre temos lugar para umas belezinhas como

estas, Steinberg. Permite que os leve logo?

— Protesto! — indignou-se o capitão Brown. — Vocês

não podem privar um homem de sua liberdade pelo

simples fato de carregar armas a serviço do Estado.

Previno-os de que estão assumindo uma posição ilegal,

que pode sujeitá-los a um castigo bem pesado. Se tiverem

alguma coisa contra mim, ajam dentro da lei. Estou pronto

a prestar declarações perante qualquer corte de justiça

regular.

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124

— Acredito — interveio Marshall. — A promotoria

sempre vai defender as posições sancionadas pela polícia.

Mas você vai pagar pelo fato de eu ter sido identificado

com suas intenções. E quem vai fazer você pagar serei eu;

assim que conseguir sair daqui. Disponho dos meios, e

também disponho de relações para isso. Basta olhar sobre

os instrumentos que estão em cima daquela mesa. Nossos

amigos não têm a menor idéia do que venham a ser, muito

menos sobre a maneira de lidar com eles.

O homem chamado Knox, que carregava a pistola

automática, aproximou-se para olhar de perto os

instrumentos de Marshall. Chegou a estender a mão para

pegar o neutralizador.

— Deixe de ser tolo! — gritou Marshall a plenos

pulmões. — Não ponha a mão nisso, se não quiser fazer

desta casa seu túmulo.

A advertência parecia tão exagerada que quase chegava

a dar a impressão do ridículo. Mas Steinberg continuou a

falar objetivamente.

— Que instrumentos são estes, Linker? Serão armas?

— São armas, sim. E quero dirigir a todos a

advertência que acabo de fazer a Knox. Faço-a no seu

interesse e no meu.

— Explique-se melhor.

— Não há nada a explicar. Não vim dar aulas a você.

Ainda acontece que estes instrumentos são muito caros

para vocês.

— São de procedência terrena? — Steinberg atirou

verde, para colher maduro.

— Vejam só! — John Marshall procurou dar à sua voz

um tom de tranqüila ironia. — Já começa a compreender.

Continue a pensar. Com toda essa inteligência, você

acabará descobrindo um dia.

— Picaremos com você até que resolva falar.

— Isso é chantagem! E provavelmente ainda furto e

cárcere privado. Acha que Cannon está de acordo com

isso?

— Acredito que sim.

— Em absoluto! — a voz saiu abruptamente dos alto-

falantes. — Mande os homens embora, Steinberg. Prenda

Brown e traga Linker à minha presença.

— Sim senhor!

Pelo comportamento daqueles homens Marshall

concluiu imediatamente que quem acabara de falar não era

outro senão Clive Cannon. Dentro de poucos segundos a

sala ficou vazia. Lem Steinberg fez um gesto convidativo.

— Faça o favor, linker!

John Marshall estava esperando.

— Você esqueceu uma coisa — disse com um sorriso,

apontando para o neutralizador e o projetor mental.

— Não sei se o senhor Cannon estará de acordo em

que você leve isso.

— Estou de acordo, Steinberg, desde que Linker nos

garanta que você vai trazer esses instrumentos e os

colocará sobre minha mesa.

— De acordo — confirmou John Marshall.

Clive Cannon recebeu-o como se fosse um velho

conhecido.

— Sente Linker. Queira servir-se.

Marshall olhou para o estojo em que havia uma dezena

de cigarros de marcas diferentes. Escolheu um.

— Para deixá-lo logo a par, Linker, quero informá-lo

de que ouvi sua palestra na primeira antessala.

Acompanhei o diálogo. Mas a apresentação, se é que posso

falar assim, tomou um rumo nada sério, motivo por que

prefiro que os entendimentos prossigam aqui.

Marshall esforçou-se para conseguir uma pausa para

captar alguns detalhes dos pensamentos a que Cannon não

deu expressão. Mas, se pensava que reconheceria ao

primeiro lance um homem deformado pelos DI, sentiu-se

decepcionado.

— Além disso — prosseguiu Cannon — o que acaba

de ser dito não foi apenas confuso, mas também muito

estranho. Poderia dar-me uma explicação?

Cannon lançou um olhar sobre o neutralizador e o

projetor mental. Seus pensamentos formularam definições

bem reconhecíveis. Marshall viu nisso um primeiro indício

de que Cannon assumira a identidade de um DI. Um ser

humano, e sendo um habitante dos Estados Unidos jamais

reconheceria esses instrumentos.

— Serei breve, Cannon. Nas antessalas infelizmente

me vi condenado a fornecer explicações extensas, que não

levavam a nada. Conforme já deve saber, há meses Perry

Rhodan procura recrutar pessoas competentes para formar

um núcleo sadio de onde sairá a população de seu Estado.

Para isso já estebeleci contatos bem proveitosos. Tudo isso

por um bom dinheiro, é evidente. É por isso que estou

aqui. O incidente com o capitão Brown não fazia parte do

programa. De qualquer maneira, só hoje de manhã tive

conhecimento das intenções da polícia. Por isso

infelizmente não pude deixar de dramatizar minha

presença.

— Apesar de tudo estou perplexo — disse Cannon. —

Além de não saber o que a polícia pode ter contra mim,

acho muito estranhável que a justiça seja administrada por

essa forma.

— Hoje em dia até costumam ter alguma coisa contra

os homens mais pacatos, Cannon. Não preciso explicar a

influência que a invasão dos DI exerceu sobre a mente dos

homens. Por isso não é de admirar que algum funcionário

do escalão médio dê ordens para matar este ou aquele

cidadão. O medo dos DI pode justificar qualquer

assassinato.

— Medo dos DI! Isso é muito interessante —

respondeu Cannon, fazendo de conta que nada tinha que

ver com isso. Mas sua mente desenvolvia uma atividade

febril.

“Descoberto? Terei sido descoberto? O que estará

pensando esse Linker? Será que faz parte do jogo? Isso

seria muito complicado. Não é possível que Linker saiba.

Se simpatizasse com a polícia, não os teria impedido de

me matarem.”

— Por que iriam suspeitar justamente de mim?

— A palavra justamente está fora de lugar. Hoje em

dia suspeitam de qualquer pessoa. Basta, por exemplo, que

ela tenha aparecido em um mau sonho. Parece que todo

mundo perdeu a razão. Só nos resta um consolo: dentro de

pouco tempo nossa tecnologia nos ajudará a vencer tudo

isso. Estão iniciando a construção de aparelhos que

permitem a identificação de qualquer pessoa possuída

pelos DI.

Mais uma vez o pânico tomou conta da mente de Clive

Cannon. Era muito pior do que seria num homem que se

encontrasse em situação idêntica. A essa altura Marshall já

tinha certeza de que Clive era um possuído e que o caráter

dos DI não era nada heróico.

— Estão dando início à construção — observou Clive

com um sorriso de dúvida, como se lamentasse que ainda

não se dispusesse desses aparelhos. — Quando nossa

tecnologia chegar lá, os DI já terão completados a

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conquista da Terra. Não tenha a menor dúvida!

— Não seja tão pessimista! — objetou Marshall. — É

claro que uma coisa dessas não pode ser feita de um dia

para outro, mas com os recursos dos arcônidas, de que se

dispõe no deserto de Gobi, poderemos contar com um

resultado positivo dentro de poucas semanas. A Terceira

Potência está empenhando todas as forças na solução do

problema. E um dia encontrará a solução.

— Um dia... será amanhã?

— Amanhã não. Mas aposto que não demora mais que

uns dois ou três meses. Até lá a humanidade tem de

agüentar, e até lá qualquer um de nós terá de contar que

algum maluco o mate. Ninguém está seguro.

— Ninguém — repetiu Cannon em tom pensativo.

Sua exaltação de DI diminuíra sensivelmente. Já

namorava outros planos, onde a tecnologia da Terceira

Potência ocupava um lugar de destaque. Marshall captou a

seguinte série de pensamentos: “dentro de dois meses

estarão em condições de reconhecer um DI. Logo, a

Terceira Potência terá de ser conquistada dentro de dois

meses.”

— Ninguém. De qualquer maneira, fico-lhe muito

grato. Hoje você salvou minha vida.

— Fiz isso no meu interesse — Marshall procurou

minimizar a importância de seu ato. — Afinal, gostaria de

fazer negócios com você.

— Isso já é uma conversa mais agradável. Que

negócios seriam esses?

— Conhece Homer G. Adams e a General Cosmic

Company?

— Andam dizendo por aí que a Terceira Potência está

atrás disso. Por que fala justamente no meu concorrente

mais feroz?

— Porque a concorrência é uma coisa boa. Vamos

abrir o jogo, Cannon. É verdade que Adams é um dos

nossos melhores homens. Chega a ser bom demais.

Compreendeu?

— Não posso dizer que tenha compreendido.

— A Terceira Potência é antes de tudo um instrumento

político. Precisamos da eficiência econômica,

corporificada sob a forma da GCC. Mas no momento em

que pensa em tornar-se independente torna-se perigosa

para nós. Queremos dividir nossa indústria entre duas

empresas equivalentes. Precisamos oferecer uma figura

gêmea ao nosso gênio financeiro. Cannon, você seria

capaz de fazer concorrência a Homer G. Adams com a

nossa ajuda?

— Isso representa um grande desafio. É uma pergunta

que não pode ser respondida de supetão.

Realmente era uma pergunta difícil. Apesar disso, os

dois homens chegaram a um acordo naquela mesma

manhã. Marshall teve todos os motivos para orgulhar-se de

sua tacada diplomática. Não chegou a pedir que Cannon o

acompanhasse numa viagem ao deserto de Gobi: foi

Cannon que pediu. Insinuou-se com o fanatismo de um

homem possuído pelos DI que pretendia conquistar o

território da Terceira Potência para impedir a invenção de

certo instrumento.

— Não sei — disse Marshall com a voz insegura. —

Não tenho competência para decidir se posso levá-lo

comigo. Segundo os planos de Rhodan, você manteria seu

escritório e todo o complexo do Kreysky Syndicate, para

construir sobre essa base.

— É exatamente o que penso. Continuaremos a

trabalhar aqui em Chicago e mostramos a Adams que não

está só no mundo. Mas você há de compreender que

preciso obter alguma orientação. Preciso colher uma

impressão das coisas imensas que se ouve falar a respeito

do deserto de Gobi. Tenho de saber para quem vou

trabalhar. O lugar que me foi destinado justifica um

contato pessoal com Perry Rhodan.

— Compreendo seu ponto de vista, Cannon. Dê-me um

dia, para que possa entrar em contato com minha gente.

Voltarei amanhã à mesma hora e lhe trarei a decisão de

Rhodan. Se for positiva, gostaria de decolar

imediatamente.

— Estarei pronto, Linker.

* * *

No hotel, Bell e Marshall entraram em contato pelo

rádio. Não era aconselhável realizar uma demonstração de

alpinismo na sacada à plena luz do dia.

Bell teve a decência de reconhecer que falhara por

completo. Em compensação sentiu-se consolado pelo êxito

de Marshall.

— Sabe que Cannon não desconfia de nada?

— Não desconfia de que tenho a intenção de atraí-lo

para o deserto de Gobi. Mas de resto desenvolve uma

atividade que nos poderá custar a vida.

— Não vá me dizer que em tudo isso existe um ponto

fraco.

— Um ponto muito fraco. Você terá de ir a Nova

Iorque ainda hoje, Bell. Cannon planeja um ataque contra

Adams.

— Ele lhe disse isso?

— Pensou. Com toda nitidez. Um possuído de nome

Porter entrará em contato com ele e marcará encontro em

Staten Island, onde um DI autêntico estará à espera, para

apossar-se dele. Acho que você devia estar presente

quando isso acontecer.

— É claro que estarei presente. Partirei dentro de uma

hora. Quando é que esse misterioso Porter tomará o avião?

— Hoje de tarde. Você ainda dispõe de algum tempo.

Os DI não agirão antes do escurecer.

— O.K.! Se tudo der certo, dentro de vinte e quatro

horas conduzirei um DI autêntico à presença de Rhodan.

Será um achado importante.

— Nem tanto — disse Marshall, dando uma risada. —

Cannon pretende levar seu corpo. Pensa em levar uma

bagagem enorme. Gostaria de saber qual será o conteúdo

declarado.

— Por que será que vai levar seu verdadeiro corpo, que

só pode traí-lo? Além disso, não é necessário que o mesmo

se encontre nas proximidades quando surgirem

complicações. Pelo que diz Crest, o retorno pode ser

realizado a uma distância muito grande.

— Mas não o salto para o corpo de outro homem.

— Qual é o significado de tudo isso?

— O sujeito tem um plano muito simples. Assim que

estiver no interior da cúpula, pretende deixar o corpo de

Cannon e saltar para o de Rhodan.

Reginald Bell ficou devendo a resposta por algum

tempo.

— Marshall! Estamos brincando com fogo! Não deixe

de avisar Rhodan.

— É o que eu pretendo fazer. Boa viagem! Dê

lembranças a Adams.

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126

5

Realmente a mala de Clive Cannon tinha o tamanho

descomunal que seria de esperar face às informações de

Marshall.

— O quê? Pretende carregar tudo isso, Cannon?

O chefe da gangue Blue Bird deu um sorriso.

— Está pensando que carrego vinte e quatro dúzias de

camisas, não é?

— Seria antes tentado a pensar que fosse um jacaré.

Como sabe, ainda não existe nenhum jardim zoológico no

deserto de Gobi. Se pensa em dar um presente a Rhodan,

deve pensar em outra coisa.

— É um presente. Mas não vou trocá-lo mais. Acredito

que Rhodan ainda tenha conservado o sentimento do

romântico.

— Você me deixa curioso. Um esquife pode ser uma

coisa romântica, mas um defunto seria um presente de mau

gosto. Abra logo, Cannon! Estou interessado em conhecer

sua idéia.

Cannon abriu a tampa da mala. Viu-se uma réplica de

cerca de dois metros da Stardust, que fora a primeira nave

terrena a bordo da qual Rhodan atingira a Lua.

— Não estou em condições de oferecer uma maravilha

técnica ao seu chefe. Os arcônidas são melhores

fornecedores para esse tipo de produto. Mas isto aqui é um

monumento digno de um homem como Rhodan. É

romântico, sim. Fale com franqueza, Linker. Será que

Rhodan vai gostar, ou será que vai achar que sou um

esquisitão? Não quero causar uma impressão desfavorável.

Você compreende?

Por um instante John Marshall sentiu-se perturbado.

Piscou os olhos e passou a manga do paletó pelo rosto.

Finalmente esboçou um sorriso.

— Posso tranqüilizá-lo, Cannon. Em matéria de

romantismo, Perry Rhodan não fica atrás de você. Mande a

mala ao aeroporto. No deserto de Gobi haverá um lugar

condigno para a Stardust.

Foram ao aeroporto.

Parecia antes uma excursão despreocupada de fim de

semana. Não foram acompanhados por qualquer escolta

armada. Numa das pistas laterais do aeroporto, um

pequeno avião particular estava à espera. Os membros da

Terceira Potência dispunham de um aparelho desses em

qualquer uma das maiores cidades da Terra. A grande

mala já fora colocada no compartimento de carga.

John Marshall , pilotou o avião. Quando atingiu a

altitude de vinte mil metros, ligou o piloto automático e

reclinou-se confortavelmente. Por algum tempo os dois

homens conversaram sobre assuntos banais. Era uma

conversa igual à que todo mundo costuma entreter sobre as

condições atmosféricas e os tempos difíceis. Uma

conversa insignificante, já que nenhum dos dois estava

disposto a falar abertamente sobre as coisas importantes

que lhes enchiam o espírito. Marshall tinha a vantagem de

poder sondar os pensamentos de seu interlocutor. Encenou

um bocejo e disse que havia dormido mal.

— Ainda dispomos de duas horas. Bem poderíamos

aproveitar para um cochilo.

Clive Cannon aceitou a sugestão e calou-se. O silêncio

fez com que os pensamentos se desenvolvessem em toda a

plenitude.

Marshall sentiu um calafrio.

Seria um homem que se encontrava a seu lado? Ou

seria um monstro?

Muito antes da decolagem já sabia o que vinha a ser

esse esquife que imitava a Stardust. Havia dois esquifes! O

que se encontrava a bordo não representava uma simples

imitação de foguete. Continha uma das metades de Clive

Cannon, a que lhe faltava para ser um homem de verdade.

E continha o corpo do Deformador Individual, que

representava a prisão do espírito humano de Cannon.

Até esse espírito emitia suas radiações, embora o

recinto em que se encontrava o forçasse a uma situação de

morte aparente. Não podia defender-se nem manifestar-se.

Mas vivia e sentia a prisão representada por aquele corpo

monstruoso. Disse ao telepata que se encontrava num

inferno que nenhuma palavra de qualquer língua humana

poderia descrever.

John Marshall aguardava ansiosamente que a hora de

pouso chegasse. Sentiu os limites de sua resistência

mental. Mais duas ou três horas de confinamento naquele

recinto minúsculo com os pensamentos martirizantes e

ameaçadores dos dois seres que haviam trocado de corpo o

teriam levado à loucura.

Finalmente chegaram ao deserto de Gobi. Ao território

soberano da Terceira Potência.

Seguiram-se os contatos habituais e a regulagem

positrônica para a penetração na cúpula energética, que só

seria aberta por alguns segundos. O jato pousou na

vertical.

Perry Rhodan transmitiu as últimas instruções.

Destacara poucos homens para recepcionar o avião

procedente de Chicago: o Dr. Manoli, o Dr. Haggard e o

teleportador Ras Tshubai.

— A palestra será conduzida por mim — voltou a

explicar Rhodan. — Só intervenham quando eu lhes der

ordem para isso. E, o que é mais importante, não peçam a

Cannon que mostre seu estranho presente. Se o fizerem,

ele se verá obrigado a agir. Prefiro que o momento em que

isso deverá acontecer seja escolhido por mim. Apenas faço

questão de que se mantenham vigilantes, conservem o

autodomínio e estejam prontos para atirar a qualquer

instante. Não deixem Cannon perceber que reconheceram

o monstro encerrado em seu corpo.

O visitante foi recebido com honras de chefe de

Estado; apenas faltaram os jornalistas e o desfile militar.

Enquanto Rhodan acompanhava Clive Cannon ao seu

escritório, dois robôs aguardaram até que os dois tivessem

desaparecido no interior do edifício. Após isso, dirigiram-

se ao compartimento de carga do aparelho que acabara de

pousar e, com o cuidado que lhes era peculiar, retiraram a

enorme mala. Colocaram-na numa barraca próxima e,

seguindo as ordens recebidas, ficaram de sentinela nas

imediações.

Nesse meio tempo, os dois homens haviam chegado ao

escritório de Rhodan.

— Pelo que sei nosso amigo já lhe explicou os pontos

fundamentais.

— Só assim consegui convencer Cannon a aceitar o

posto de que se trata — disse John Marshall.

— É verdade — disse o homem possuído pelos DI. —

Em linhas gerais estou orientado e disposto a aceitar o

cargo que me destinam. E quero agradecer pela

oportunidade de conhecer pessoalmente o grande centro,

que já se tornou legendário.

— Seu desejo era perfeitamente plausível, Cannon.

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Como sabe, concordei imediatamente. Todavia, há de

convir que na situação atual a Terceira Potência adote

algumas medidas de segurança.

— O que quer dizer com isso?

— Qualquer visitante é submetido a um exame, para

que se verifique se não está possuído por um DI.

— Naturalmente. Linker já me falou a respeito disso.

Pelo que diz, dentro de poucas semanas construirão um

aparelho que lhes permitirá detectar imediatamente

qualquer infiltração de um DI.

Esta frase deu início ao duelo.

Clive Cannon e a substância estranha que se

encontrava em seu interior estavam num estado de

extremo alarma. O sinal fora dado. Uma cadeia de reações

múltiplas comprimia-se numa fração de segundo.

O medo inato da morte existente no DI procurou

ocultar-se atrás da tranqüilidade do corpo humano. Mas o

choque era forte demais. Clive Cannon não pôde deixar de

enrijecer na poltrona e lançar um olhar martirizado para o

lado.

Viu cinco pistolas apontadas para ele.

Como que resignado, reclinou-se na poltrona e voltou a

oferecer um aspecto descontraído.

— Que susto, Rhodan! Quer fazer uma demonstração

do seu método?

— Não é uma demonstração, mas uma aplicação. É

claro que não podemos deixar de examiná-lo. Se for um

homem normal, nada lhe acontecerá. Mas se houver um DI

dentro de você nós o agarraremos dentro de poucos

minutos.

— Com essas pistolas? — riu Cannon.

— Isso mesmo! — confirmou Rhodan. — Antes que

atirássemos o DI teria de abandonar o corpo humano para

retornar ao seu próprio corpo. E o verdadeiro espírito de

Cannon, que seria trocado, nos revelaria tudo.

— É verdade. Mas o DI teria escapado.

— Talvez não, Cannon. Continuemos no seu exemplo.

Admitamos que seu corpo de DI se encontre depositado

nas proximidades. Nesse caso seria de supor que o DI se

lançasse imediatamente a um ataque a outro homem.

Escolherá o homem mais importante que se encontra à

disposição. Eu, por exemplo.

— Naturalmente. Como exposição teórica tudo isso é

muito interessante.

— Procure acompanhar meu raciocínio. O que poderia

fazer a Terceira Potência para se proteger contra um

ataque desses?

— Não sei. Para ser franco, nunca me ocupei com esse

tipo de idéia. É verdade que ouço as notícias de hora em

hora e costumo ler os jornais.

— Pois eu lhe direi. Teríamos de localizar o corpo

originário do DI. Teríamos de vigiá-lo para matá-lo no

momento adequado. Com isso repeliríamos o ataque

contra minha pessoa e livraríamos a humanidade de um

observador.

A observação telepática realizada por Marshall foi

acompanhada de grandes dificuldades, pois havia gente

demais por perto. No entanto, nessa altura da palestra a

atividade cerebral de Cannon se intensificara tanto que

suas emissões se colocaram em primeiro plano.

— É verdade — disse Cannon lentamente e sem muita

convicção. — Teriam de localizar o corpo do DI e matá-lo.

Todos viram que Cannon tremia. Todos esperavam a

mudança de seu ego. Mas ao que parecia o monstro

também estava interessado em receber informações. A

exposição de Rhodan assustava-o e cativava-o ao mesmo

tempo. Ainda hesitava.

— Ainda haveria outra possibilidade — explicou

Rhodan em tom de mistério. — O DI poderia desistir de

qualquer outra atividade e se entregaria. Com isso salvaria

a vida.

Clive Cannon soltou uma risada estridente e

descontraída.

— Para isso você teria de saber onde está seu corpo.

Como vai encontrá-lo?

O chefe da Terceira Potência apontou para uma fileira

de botões que havia em sua mesa.

— Veja! Se eu comprimir um destes botões, surgirá um

impulso que desencadeará a atividade de dois robôs. Esses

robôs sabem atirar. Neste instante estão postados perto da

grande mala que, segundo você diz, contém o objeto com

que quer me presentear.

Para o DI o dilema estava completo.

Levantou-se de um salto, deu um grito desumano e

precipitou-se em direção a Perry Rhodan.

* * *

De Chicago a Nova Iorque só era um pulo.

O avião de Reginald Bell aterrizou pelas dezesseis

horas. Depois de cumprir, a formalidade junto às

autoridades do aeroporto pediu a um carregador que

levasse sua volumosa bagagem ao Cumberland Hotel,

onde pediu um apartamento.

Após, dirigiu-se imediatamente ao edifício da GCC.

Sentiu-se contente porque iria rever Homer G. Adams, que

era um homem pequeno, com uma cabeça grande e muito

inteligente. r

Foi recebido por Lawrence, secretária de Adams.

Cumprimentaram-se efusivamente.

— Boa-tarde, senhor Bell. Que bom vê-lo por aqui.

Mandarei preparar um bom café.

— Está bem. Mas não seria preferível servi-lo no

gabinete do chefe?

— Ah, sim, o chefe. Hoje o senhor Adams já fez três

viagens de negócios com uma extensão média de

quinhentos quilômetros. Terá de esperar um pouco. Vivo

dizendo a ele que está exagerando; já não é tão jovem

assim.

— Acha um elogio deste muito diplomático?

— Nem sei se no caso dele a diplomacia adianta

alguma coisa. O senhor Adams sempre faz exatamente

aquilo que acha certo. Não se deixa influenciar por

ninguém.

— Nem mesmo por uma mulher bonita?

— Ora, senhor Bell! Que intimidade!

Os dois riram e combinaram que Reginald Bell tomaria

seu café na sala de Lawrence. A secretária também serviu

biscoitos e pediu a Bell que contasse o que havia.

— Daqui a pouco. Antes gostaria de saber aonde

Adams foi e quando deve voltar.

— Bem, hoje já veio aqui por duas vezes um sujeito

que lhe quer apresentar um artefato pronto para ser

patenteado. Não sei nada sobre os detalhes de ordem

técnica. Mas ao que parece é uma novidade muito

promissora, coisa que geralmente não se pode dizer dos

inventores que diariamente aparecem por aqui. Há quinze

minutos o chefe voltou de Albany. O homem já estava

esperando há algumas horas. Por isso logo saíram juntos.

Pretendiam ir a Staten Island.

Bell saltou na poltrona.

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— Staten Island? Tem certeza?

— Absoluta. Isso é tão importante?

— Sabe o nome do sujeito?

— Espere aí! É Porter.

— Ora, Porter! Que diabo! Sabe que esse Porter é um

homem possuído pelos DI? Vamos embora! Não temos um

segundo a perder.

Arrastou Lawrence para o primeiro elevador e subiu à

cobertura. Abriu a porta de um helicóptero da companhia e

empurrou a moça para dentro dele. Só voltou a falar depois

de ter colocado a máquina no rumo sudoeste.

— Staten Island é muito grande. Adams fez alguma

indicação mais precisa sobre o lugar?

— Só disse que iriam a Relling Docks. É tudo que sei

— disse a moça com a voz ofegante. Ainda trazia muitas

perguntas engatilhadas, mas estava tão nervosa que não

conseguiria dizer nada que fizesse sentido. A idéia de que

seu chefe poderia estar prestes a cair nas mãos dos DI foi

um choque tremendo.

Bell explicou em poucas palavras o que soubera em

Chicago.

— Fizemos um erro de cálculo. Supúnhamos que

Porter também sairia de Chicago. Agora sei que reside em

Nova Iorque, o que lhe permitiu comparecer ao seu

escritório assim que recebeu as instruções de Cannon.

Enquanto isso ainda fui almoçar tranqüilamente em

Chicago.

Atravessaram a Upper Bay.

— Conhece isto aqui? — perguntou Bell.

— Siga mais pela direita, em direção â Newark Bay.

Vê aquele telhado vermelho? Deve ser por ali.

O helicóptero desceu. Reconheceram navios, barcos,

automóveis e gente. Mas ainda não tinham notado que

aquela gente estava fugindo.

Só depois de terem pousado perceberam que se

encontravam numa verdadeira fornalha do inferno.

Centenas de trabalhadores, inclusive mulheres, corriam

para o oeste, dominados pelo pânico.

— Que diabo! O que é isso?

Bell abriu a capota de vidro plastificado. Subitamente

viu um homem pendurado no helicóptero.

— Vamos! Vou com o senhor. Decole logo, se preza a

vida.

— Um momento! O que está havendo por aqui?

— O que está havendo? — disse o homem com uma

risada histérica. — O que está havendo é que os DI

acabam de aterrisar. Ali, atrás daquele pavilhão. Vamos

logo, homem! Não fique fazendo perguntas.

Subindo ao caixilho da porta, o homem brandiu uma

barra de ferro.

Homer G. Adams não desconfiara de nada.

Diariamente apareciam inventores por ali. Geralmente

tratava-se de gente amalucada, que há vinte anos vinham

sacrificando diariamente umas três ou quatro horas do seu

lazer para descobrir o perpetuum mobile. Porter parecia

mais objetivo. Além disso, não falou no perpetuum mobile,

mas numa câmara de combustão eletrônico-dinâmica que,

utilizando as linhas de energia existentes no espaço

cósmico, proporcionava uma economia de cerca de

noventa por cento da energia suprida pela nave.

Adams só percebeu a armadilha quando já era tarde.

Porter introduziu-o num pavilhão.

— Meu laboratório fica aqui. Dentro de poucos

minutos estará convencido.

Atrás da porta não havia nada que se parecesse com um

laboratório. O pavilhão estava vazio. Sua decoração

consistia apenas em cinco Deformadores Individuais, que

se aproximavam a passos lentos e comedidos.

Adams não teve tempo de assimilar em sua mente

analítica a impressão ótica daquele quadro monstruoso. Os

corpos de formato quase humano de quatro braços e duas

pernas, as cabeças de inseto com os olhos salientes — tudo

isso perdeu seu significado sob os efeitos do ataque mental

que foi desencadeado imediatamente. Adams não sabia

qual dos cinco seres procurava penetrar em seu interior.

Apenas sentiu a dor cruciante que penetrou em seu cérebro

que nem um escalpelo e parecia desmanchá-lo.

Percebeu que caiu ao chão, mas não sentiu o impacto.

Logo um saber estranho misturou-se à dor.

Era um sentimento de triunfo.

“Pegamo-lo. Você é nosso. Pegamos Homer G. Adams.

A cidade de Nova Iorque é nossa. Você irá para onde eu

mandar.”

Ao mesmo tempo em que estava deitado de costas,

Adams permanecia de pé, inclinado sobre seu próprio

corpo. Pouco importava que esse paradoxo não pudesse ser

verdadeiro. E pouco importava que o corpo estendido no

chão pertencesse ao homem, e o que se encontrava de pé,

ao Deformador Individual. O que importava era que tinha

uma dupla visão de si mesmo.

As imagens sobrepunham-se e penetravam-se como as

de um filme submetido a dupla exposição. O olho do

homem refletia-se nos milhares de entrelaçamentos do

olho facetado do DI. Adams até se esqueceu da dor

provocada pela indefinição do seu ego. Viu-se a si mesmo

numa ânsia de conquista. Também se viu num pânico, que

fez com que quisesse voltar e se precipitar para o nada.

A hora do ataque aberto dos Deformadores Individuais

à cidade de Nova Iorque havia chegado.

Sabia qual era o momento combinado. Os DI e os

homens possuídos.

Porter percebeu a movimentação. Saltou para o caos e,

usando o pânico fingido, lançou o caos entre os homens.

Os DI seguiram-no. Quatro desses seres saíram do

pavilhão. Ainda não era o ataque mental. Apenas quiseram

agir através de sua figura monstruosa. E conseguiram-no.

Nesse instante o duelo entre Adams e o DI não teve

mais testemunhas. Estavam a sós, e cada um lutava com as

armas que a natureza lhe dera. Lutaram por três minutos.

Fisicamente o homem era mais robusto. Mesmo que já

tivesse deixado a juventude para trás e fosse de estatura

pequena e cabeça grande.

As mãos de Adams penetraram profundamente na

carne do inimigo. Uma substância córnea estalou sob seus

dedos, um líquido vermelho-escuro correu pelo chão de

pedra cheio de sujeira.

A dor desapareceu. O monstro estava morto.

Adams levantou-se exausto. Num movimento

instintivo limpou o terno. O raciocínio dirigiu-se a

objetivos mais concretos. Ao perigo que ameaçava Nova

Iorque. Sabia o que os DI sabiam e agiu em conformidade

com isso.

As docas de Relling estavam desertas. Um porto

abandonado em meio ao crepúsculo. Ao longe algumas

sereias uivavam.

Milhares das posições mais importantes da metrópole

foram ocupadas pelos DI. Do prefeito ao chefe de polícia,

do chefe de empresa ao coordenador das emissoras de

rádio.

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Números extras dos jornais estavam sendo preparados.

Neles se avisava que a saída da cidade ou a divulgação de

notícias não permitidas eram proibidas sob a pena de

morte. Um anel começou a fechar-se em torno da cidade.

Por quanto tempo ainda estaria aberto?

Adams sabia que não tinha um segundo a perder.

A volta a Manhattan representaria uma perda de tempo

irreparável.

Pegou um carro estacionado junto ao pavilhão e fugiu

em direção ao sul. Em algum lugar encontraria um avião...

* * *

— Senhor Bell! — gritou Jeanette Lawrence,

apontando para a frente.

— Deixe de ser idiota! — berrou o homem com a barra

de ferro. — Ainda não percebeu o que está acontecendo?

Reginald Bell percebeu. Sabia que nessa altura seria

inútil procurar Homer G. Adams. No cais viam-se

Deformadores Individuais. Não eram centenas; apenas

quatro. Mas esses quatro foram suficientes.

— Vamos! Entre logo! Comprimiram-se na cabina

feita para duas pessoas. Bell decolou.

Quando pousaram na cobertura do edifício da GCC, o

inferno estava às soltas nas ruas. Exército e polícia

patrulhavam os desfiladeiros de concreto de Manhattan.

Subitamente a distinção entre o homem e o possuído pelos

DI perdera todo sentido. O poder estava nas mãos dos DI.

— Não compreendo! — Jeanette Lawrence estava

chorando. — Não é possível que milhões de invasores

tenham penetrado na cidade.

— Acontece que algumas centenas são suficientes. Se

estes ocuparem as posições-chaves da estrutura política e

econômica, a massa estará impotente.

— Toda a população de Nova Iorque contra algumas

centenas? — A pergunta terminou numa risada histérica.

— Pronto. Sente e respire profundamente. Enquanto

isso procurarei explicar por que não temos o poder. Os DI

conhecem-se uns aos outros. Mas nenhum homem pode ter

certeza de que o outro é um elemento leal. As pessoas

sadias estão desunidas.

— Mas nós dois sabemos que nenhum de nós foi

possuído. Por que não transmite uma mensagem a

Rhodan?

— Porque não é possível. Enquanto vínhamos para cá,

você ouviu as instruções do prefeito.

— E o senhor pretende segui-las? Por causa da pena de

morte? Francamente, senhor Bell, eu pensava que o senhor

fosse mais corajoso.

— O que adianta a coragem contra a violência técnica?

Não faça drama, Lawrence. Tentei estabelecer contato pelo

rádio. Parece que você não percebeu. Não consegui.

Lawrence lhe lançou um olhar de pavor. Não se

conformava com sua atitude resignada.

— O senhor é um DI, não é? Está possuído, senhor

Bell. É claro! Só pode ser isso.

— Deixe de tolices! Venha comigo.

Foram ao gabinete de Adams. Pôs o rádio a funcionar e

chamou Perry Rhodan. Esperaram por alguns minutos.

Não houve resposta.

— Compreende agora? — gemeu Bell. — A proibição

não passa de uma formalidade. Os DI estudaram nossa

mente por bastante tempo para poderem prever nossas

reações. Cobriram Nova Iorque com uma cúpula

energética.

— Tal qual Rhodan fez no deserto de Gobi?

— Em princípio, sim. Mas pode ser que sua estrutura

seja diferente. Pelo que diz Crest, em nossa galáxia não

existe nenhuma inteligência que saiba montar cúpulas

energéticas iguais às dos arcônidas. Além disso, nossa

experiência só demonstra que as ondas de rádio esbarram

num obstáculo. Isso só prova que a cúpula energética

absorve as chamadas freqüências de rádio no espectro

eletromagnético. Falta verificar se a cúpula pode deter a

matéria.

— Pois vamos verificar.

— Como poderíamos fazer isso?

— Com o helicóptero, por exemplo.

— Para sermos abatidos? Ou para esbarrarmos numa

muralha invisível e cairmos?

Lawrence olhou-o desesperada.

— Quer dizer que tudo está no fim. Bell sacudiu a

cabeça.

— Se agir com a mesma coragem que acaba de exigir

de mim, não estará.

— O que devo fazer?

— Ser valente e agüentar firme. Aqui mesmo, em

Nova Iorque.

— Pretende fugir sozinho? Senhor Bell, em certa

ocasião o senhor Adams me falou em certas hiperondas

arconídicas. Pelo que diz, funcionam no espaço

pentadimensional.

— Sei. Acontece que os respectivos emissores só

existem na Good Hope, no deserto de Gobi e em Vênus.

Ouça Lawrence. Pesei todas as possibilidades. Fugirei

sozinho e levarei a notícia da conquista de Nova Iorque.

Sou o único homem que dispõe dos necessários recursos

técnicos.

— Que recursos são esses?

— Um traje arconídico. Já ouviu falar a respeito, não

ouviu?

A moça arregalou os olhos.

— Sim, senhor Bell, já ouvi. Dizem que no momento

só existem dois trajes desse tipo. Um deles se encontra em

poder de Perry Rhodan...

— ...e o outro está em meu poder. Aqui mesmo, em

Nova Iorque. Possui um campo energético capaz de

desviar as freqüências visuais e as frequências de rádio.

Quando sair de Nova Iorque, estarei invisível.

6

— Mas que diabo, não atirem! — gritou Perry Rhodan.

Deu um salto para o lado. O pulo de Cannon foi

terminar de encontro à mesa. Quando se voltou, viu

novamente as pistolas diante de si. Hesitou. Também

hesitou em realizar o salto para o corpo do DI. Não viu

qualquer saída.

Marshall, que captara seus pensamentos, explicou:

— Você ainda tem uma terceira alternativa, conforme

Rhodan acaba de explicar. Pode entregar-se. Pelas leis

terrenas, um prisioneiro não é morto enquanto cumprir as

instruções de seu custodiador.

Cannon lançou um olhar indagador para Rhodan.

— Quais são suas intenções?

— Queremos negociar com você. Se chegarmos a um

entendimento satisfatório, estarei disposto que volte para

junto dos seus na qualidade de enviado nosso. É claro que

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não poderá fazê-lo na condição de homem.

— Por que não permite que retorne logo ao meu corpo?

— Por que na forma em que se encontra está mais bem

guardado. Então, qual é sua decisão?

— Você vai estabelecer condições, não vai?

— No momento não estou em condições de esclarecer

este ponto. As decisões são tão importantes que prefiro

não tomá-las sozinho. Nossa palestra será conduzida em

presença do cérebro positrônico.

Mais uma vez alguma coisa se revoltou no corpo de

Cannon.

— Você está planejando alguma traição, Rhodan.

— Não julgue os outros por si, Cannon. Já deve

conhecer o funcionamento de um cérebro robotizado. Se

tivesse a intenção de matá-lo, não precisaria fazer tantos

rodeios.

Clive Cannon acenou com a cabeça.

— Está bem; aceito. Mas gostaria que fosse o mais

rápido possível.

— Neste ponto estamos de acordo. Eric e Ras, levem-

no ao pavilhão e esperem por mim.

O Dr. Eric Manoli e Ras Tshubai levaram Cannon.

Ao ver-se sozinho com o Dr. Haggard e John Marshall,

Rhodan perguntou:

— O que andou pensando, John? Será que o sujeito

está tramando alguma traição? Sabe das minhas intenções?

— Quais são suas intenções?

Nem mesmo Marshall com seus dons telepáticos

conseguia romper o bloqueio mental de Rhodan.

— Estou pensando em negociar com os DI, se é que

existe uma possibilidade para isso. Sei perfeitamente que

os invasores não suspenderão sua agressão com vistas ao

destino de um único desses seres. O mais importante é a

pesquisa do cérebro possuído pelo DI. Examinaremos

Cannon e realizaremos medições em seu corpo sem que

ele o perceba. Ou será que percebeu alguma coisa?

— Não; neste ponto não suspeita de nada.

— Muito bem. Vamos!

Estavam prestes a sair do escritório quando o radio

receptor foi ativado automaticamente.

— Adams chamando Rhodan, Adams chamando

Rhodan. Peço confirmar recepção para que possamos

iniciar imediatamente a troca de mensagens.

Perry Rhodan deu um salto em direção ao quadro de

comando do emissor.

— Aqui Rhodan. O que houve Adams?

— Graças a Deus! Preste atenção! Estou no Canadá,

mais precisamente a cinqüenta graus de longitude oeste,

junto à via férrea Quebec—Winnipeg.

— Como foi parar nesse lugar? Isso fica praticamente

na selva.

— Tome nota do que segue Rhodan: vi-me obrigado a

fugir de Nova Iorque. A cidade foi ocupada pelos DI, que

a dominam completamente. A partir de ontem de tarde,

todas as notícias vindas de Nova Iorque passaram pela

censura deles. Deve tomar providências imediatas; se

possível, mande-me buscar aqui. Tive de roubar um velho

avião a hélice; o combustível acabou.

Perry Rhodan recebeu as notícias alarmantes com uma

tranqüilidade extrema. A reação de um robô não poderia

ser mais objetiva.

— Pode dar informações mais detalhadas sobre a

situação em Nova Iorque?

— Não. Os DI procuraram apossar-se de mim. Tive

que desaparecer. Fugi imediatamente por Staten Island, em

direção ao sul.

— Os DI procuraram apossar-se de você? —

Subitamente havia uma nota de desconfiança na voz de

Rhodan. — Gostaria de saber como conseguiu subtrair-se

à influência deles.

— Fique tranqüilo, Rhodan. Tudo está em ordem

comigo. Acho que você teve boas razões para me admitir

no seu exército de mutantes. Meu cérebro, que, pelo que

dizem, é fotográfico, possui capacidades que só ontem vim

a conhecer. Encontrava-me a sós com o DI. Foi uma luta

honesta. O sujeito não conseguiu apossar-se de mim. Ao

que parece meu ego depende realmente das células de

memória do meu cérebro. Ficou grudado em mim e não

quis sair. Quando o DI se lançou ao ataque, cheguei a ter a

impressão de que já tinha sido dominado. Já via através

dos olhos facetados. Sabia o que pretendiam os DI.

— Um instante! Você acaba de dizer que não conhece

a situação em Nova Iorque.

— Nem podia conhecer. Tive que dar o fora. Mas acho

que existe uma diferença entre os planos dos invasores e a

situação atual da cidade.

— Não seja tão pedante, Adams. Quais eram os planos

do inimigo?

Homer G. Adams relatou o que sabia. E isso foi

suficiente para os homens de Gobi. Enquanto falava,

Rhodan pensou nas medidas que devia tomar.

— Existe a possibilidade de que os DI o tenham

seguido?

— Não acredito. Se me tivessem visto, não teriam

deixado que saísse de Nova Iorque.

— Se é assim, aguarde. Mandarei Ras Tshubai buscá-

lo. Posteriormente fornecerei indicações sobre as medidas

a serem tomadas em relação a Nova Iorque. Mantenha seu

rádio ligado para a recepção. Aliás, em Nova Iorque por

acaso ouviu falar em Bell?

— Não. Por quê? Ele ia para lá.

— Isso mesmo — disse Rhodan em tom preocupado.

— E chegou a ir. Mais um motivo para nos preocuparmos

com o destino da cidade.

— Não seja por isso. Já me encontro na altura do fosso

japonês.

Era a voz de Reginald Bell.

— Santo Deus, Bell. Tudo bem com você?

— Tudo bem.

— Não esteve em Nova Iorque?

— Venho de lá. O traje arconídico me ajudou a sair.

— Vocês não são mesmo de brincadeira. Você deve

chegar dentro de meia hora aproximadamente, não é?

— Isso mesmo.

— Pois bem. Nossa conversa termina aqui. Tenho uma

coisa importante a fazer.

* * *

Um cérebro positrônico construído pelos arcônidas

dispõe de estágios finais para vários tipos de resposta.

Pode transmitir os resultados através de alto-falantes, fitas

escritas, fitas magnéticas, fitas fotográficas, cartões

perfurados de origem terrena ou, o que vem a ser a mesma

coisa, através de uma série de impulsos gravados numa fita

plástica. A gama disponível para a formulação de

perguntas é a mesma. Isso permitiu a Perry Rhodan operar

por dois caminhos distintos.

Falou pelo microfone as perguntas formuladas em

concordância com Clive Cannon. Mas o trabalho mais

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importante, consistente na divisão seletiva do cérebro do

DI no corpo humano, foi convertido em símbolos através

do teclado.

Dessa forma obtinham-se, no espaço de vinte minutos,

dois resultados distintos. Um deles foi exibido ao

prisioneiro de Rhodan.

— Como vê, o cérebro é incorruptível. No momento

não valeria a pena fazer de você nosso emissário. O medo

e a boa vontade não bastam para isso. Acho que devemos

ter paciência por mais alguns dias, para ver se não ocorre

uma alteração no front que predisponha seus companheiros

para as negociações.

Cannon conformou-se com seu destino. Se é que

percebeu alguma coisa, foi a situação de impotência em

que se encontrava. Foi levado por dois robôs.

Para os amigos Rhodan teve um olhar de otimismo.

— Leiam isto!

Era a fita escrita que trazia o resultado do exame

realizado no DI.

— Encontramos a solução — constatou o Dr. Haggard

depois de um instante de silêncio. — Meus parabéns,

Rhodan.

— Ainda não é a solução final para a construção de um

aparelho telepático de alcance total. Ao que parece, isso

não fica ao alcance da nossa tecnologia. Mas no momento

podemos dar-nos por satisfeitos com o setor especializado

que corresponde ao cérebro dos DI. Foi o que

conseguimos. Nas três fórmulas que estão escritas aqui,

encontramos tudo de que precisamos. A base de tudo

continua a ser o detector arconídico de ondas cerebrais.

Ainda hoje introduziremos os dados em cinco robôs. Estou

convencido de que dentro de vinte e quatro horas teremos

em mãos o primeiro modelo.

— Nossos robôs vão fazer isso?

— Sim, nossos robôs — disse Perry Rhodan com um

sorriso. — Evidentemente serão os que trouxemos de

Vênus. Conseguirão. Se não acreditar, doutor estou

disposto a apostar.

— Agradeço! Seu otimismo parece ser muito realista.

— Muito bem. Nesse caso poderemos examinar o

corpo do DI, que no momento abriga o ego do verdadeiro

Clive Cannon. Mas acabo de me lembrar de uma coisa. Já

faz algum tempo que não temos notícias de Mercant, não

é?

— Ele ainda dispõe de três dias.

— De qualquer maneira acho que os acontecimentos

que se desenrolaram justificam um contato imediato.

Rhodan chamou a base do Conselho Internacional de

Defesa, situada na Groenlândia. Mercant atendeu.

— Alô, Rhodan. Alguma novidade?

— Alô, Mercant. Aqui houve algumas novidades. Mas

comecemos por aí. No caminho de volta você pretendia

visitar Adams.

— Isso mesmo. Será amanhã.

— Deixe disso. Nova Iorque encontra-se em poder dos

DI.

— Não brinque!

— Não estou brincando. Adams e Bell foram às únicas

pessoas que ontem conseguiram escapar.

Mercant fungou.

— Escute aí! Há meia hora conversei com meus

colegas de Nova Iorque.

— E as respostas que você recebeu passaram pela

censura dos DI. Não se faça de mais bobo do que é,

Mercant. Regresse imediatamente ao nosso território. E

traga todos os homens que conseguiu recrutar para nossa

causa.

— São exatamente trezentos e quatro.

— Isso basta. Providencie para que aterrisse aqui

dentro de vinte e quatro horas o mais tardar.

— Como queira. Até a vista.

— Até a vista.

* * *

Homer G. Adams reclinou-se no assento do avião sem

combustível para cochilar um pouco. Subitamente

sobressaltou-se. Não sabia por quê. Só sabia que alguma

coisa havia despertado uma reação em seu cérebro.

Olhou para o chão, depois subiu às asas do avião, para

ter uma visão mais ampla. Do zênite ao horizonte não se

via nada de suspeito. Só pastagens, extensões infinitas de

capim, nenhum homem, nenhum animal. Dali a dois

quilômetros via-se a linha férrea. Nada se modificara. Só

lhe restava esperar. Dormir e talvez sonhar.

Teria sonhado? Qual seria a origem das suas dúvidas?

Nunca tivera qualquer problema de memória. Essa

auréola grudara-se nele desde os tempos de escola.

Bastava-lhe ler um poema para sabê-lo de cor. Olhava uma

série de fórmulas matemáticas e guardava-as na memória.

Acostumara-se a tudo isso e acabara aceitando aquilo que

diziam ser um gênio como um fato consumado.

E agora se sentia tomado de dúvidas?

Adams deu alguns passos por entre o capim e

regressou.

Começou a refletir na sua tarefa. Era uma tarefa que no

fundo era idêntica a de uma especulação de bolsa.

“Fui um DI. Isso mesmo. Em Staten Island parte do

meu ser foi possuída pelos DI. Olhei através de um olho

multifacetado. Sabia o que o inimigo sabia. Mas continuei

a ser Homer G. Adams, e dei cabo do monstro. Não

conseguiram dominar-me. Nem destruíram minha

memória fotográfica. Como homem, continuo a ser o

mesmo.”

De repente soube!

Parte da mente do DI continuava no seu interior.

Fortemente reprimida. Era muito estranho para ele, que

nunca esquecia nada. Estava ali como se fosse uma

sombra. No subconsciente.

E surgiu a nova pergunta, que não poderia estar

imbuída de maior dose de autocrítica.

“Por que fui justamente ao Canadá? Para fugir dos

Estados Unidos, onde os DI estavam desencadeando sua

invasão maciça?”

Não havia lógica nisso. Os DI não se incomodavam

com as fronteiras traçadas pelo homem.

“O que me atraiu para o Canadá? Para estas terras de

pastagem, onde o grau cinquenta de latitude cruza com o

grau oitenta e cinco de longitude? Terá sido o

subconsciente?”

Adams procurou reprimir essas ideias, que

contrariavam as concepções geradas por sua mente

humana. Mas sentiu-se inclinado a ficar atento a elas.

Havia alguma coisa dentro dele.

Fechou os olhos e procurou concentrar-se ao máximo.

Por alguns minutos ficou sentado assim, na sombra do

avião. Depois se levantou como que num estado de transe

e caminhou em direção à linha férrea. Eram dois

quilômetros.

A dúvida transformou-se em certeza. De repente soube.

Soube o que o DI trucidado deixara em sua memória.

Page 132: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

132

Os nichos! A cada cem metros havia um nicho no

aterro da linha férrea. Um deles ocultava a entrada para a

caverna artificial.

Adams caminhou com a segurança de um sonâmbulo.

O primeiro nicho era o que procurava. Havia um

mecanismo oculto. Uma parede de concreto afastou-se,

deixando livre uma passagem sem degraus, que prosseguia

num declive suave.

Mais de duzentos corpos aparentemente sem vida.

Nenhuma sentinela. Só os egos aprisionados dos homens

de corpos trocados tremeluziam no seu martírio psíquico

sobre os meandros cerebrais daqueles seres monstruosos.

Adams voltou. Antes que chegasse ao avião, surgiu o

aparelho de Ras Tshubai, que vinha buscá-lo.

7

O reencontro de tanta gente importante até mereceria

uma festa.

Allan D. Mercant voltara da Groenlândia, trazendo

trezentos e quatro voluntários para a força policial da

Terceira Potência. Por sugestão de Rhodan, desistira da

escala em Nova Iorque. De qualquer maneira Homer G.

Adams, que era a pessoa que Mercant pretendia visitar, já

havia chegado ao deserto de Gobi. Assim os dois tiveram

oportunidade de se cumprimentarem sob a proteção da

cúpula energética.

A palestra, conduzida em termos corriqueiros, cessou

no momento em que Rhodan entrou na sala. Os diversos

grupos abriram caminho para deixá-lo passar. O chefe da

Terceira Potência teria algo a lhes dizer..

— Companheiros! Procurarei ser breve. Tomei

conhecimento das informações recebidas por intermédio

de vocês. Pelo quadro geral da situação concluo que não

nos resta muito tempo para inverter a corrente a nosso

favor, a favor do planeta Terra. Não pudemos exercer a

necessária vigilância das pessoas mais importantes do

globo terrestre, porque não dispomos de telepatas em

número suficiente. Um ataque lançado pelo menos com

duas naves permitiu ao inimigo colocar em nosso planeta

um número desconhecido de Deformadores Individuais.

Sabemos que depois da destruição de sua base situada no

Tibet conseguiram instalar outros pontos de apoio. Até

chegaram a controlar uma das maiores cidades do mundo.

A população de Nova Iorque está isolada do resto do

mundo, embora se procure enganar o público, dizendo que

tudo está normal. Vocês já devem ter percebido como o

inimigo é perigoso.

Rhodan pôs a mão no bolso e tirou um instrumento que

a maior parte dos presentes já conhecia em suas linhas

gerais. Apenas o formato exterior havia recebido algumas

modificações insignificantes.

— Já conhecem o detector de modelos cerebrais.

Aquilo com que sonhamos há muito tempo, ou seja, o

aperfeiçoamento do aparelho para transformá-lo num

detector de tipos de freqüência, acaba de ser conseguido,

embora em escala limitada. A definição exata de um

cérebro humano possuído pelos DI tornou possível ao

cérebro positrônico, fornecer em curto prazo, dados novos

que se revelaram úteis ao aperfeiçoamento tecnológico.

Este aqui é o detector de freqüências aperfeiçoado. Ele nos

permite identificar instantaneamente, por simples leitura,

qualquer homem possuído pelos DI. Já fiz a experiência

com nosso prisioneiro, Clive Cannon. Dentro de alguns

minutos, vocês terão oportunidade de ver o aparelho em

funcionamento, para se convencerem de sua eficiência.

Mercant, os trezentos e quatro candidatos que desejam

ingressar em nossa força policial estão estacionados junto

ao posto quarenta e dois, não é?

— Sim, Rhodan.

— Iremos todos até a saída nordeste do território

bloqueado. Utilizaremos a nova ferrovia local. Capitão

Klein, você se encarregará da cúpula energética.

Manteremos contato sobre a faixa de ondas ultracurtas.

Bell, você ficará de plantão junto ao rádio.

Bell confirmou com um ligeiro aceno de cabeça.

— Vamos! — disse Rhodan.

Os trezentos e quatro candidatos já haviam entrado em

forma. Aguardavam o momento de entrar no território

bloqueado pela cúpula energética. Rhodan transmitiu um

aviso telegráfico a Klein, que retirou a cúpula energética.

Para proteger o território central, os três caças patrulharam

toda a área. Tinham ordens para abrir fogo sem aviso

contra qualquer pessoa que tentasse penetrar no núcleo da

Terceira Potência sem que tivesse sido convidada. Além

disso, mais de cem robôs armados desfilavam diante da

fronteira subitamente desguarnecida.

No caminho Rhodan dera instruções detalhadas a

Mercant.

— Seus homens deverão passar pelo posto quarenta e

dois em fila de um. Deverão passar por mim a uma

distância não superior a cinco metros. Se entre eles houver

um possuído pelos DI, darei um sinal. Prenda-o

imediatamente.

Mercant foi o único que se dirigiu à área externa a fim

de transmitir aos seus homens as necessárias explicações.

Todos eles eram homens inteligentes e bem treinados.

Dentro de dois minutos teve início o desfile dos aspirantes

a policial.

Fizeram continência, como se estivessem num desfile

militar. Rhodan agradecia, respondendo aos olhares que

lhe eram dirigidos.

John Marshall contava automaticamente. Encontrava-

se a um passo de Perry Rhodan.

— 257, 258, 259, 260, 261...

O engasgo de Marshall e o movimento do ponteiro do

detector foram simultâneos.

— Aquele louro alto — disse Rhodan, dirigindo-se a

Mercant. — Prenda-o.

— Tenente Pirelli! Faça o favor de vir até aqui.

O tipo nórdico de nome italiano estremeceu

ligeiramente. Marshall cochichou:

— É um deles!

Pirelli hesitou.

— Que diabo, tenente! — berrou Mercant, que de

repente ficou furioso. — Quer um convite escrito? Você

está atrasando tudo. Continuem! 263...

Pirelli obedeceu. A marcha daqueles homens

prosseguiu.

— Um instante, tenente! Seu rosto me faz lembrar uma

pessoa que já vi. Daqui a pouco quero falar com você —

disse Rhodan e logo voltou a dedicar sua atenção aos

outros. Sabia que havia um número suficiente de armas

engatilhadas para liquidar Pirelli ao primeiro movimento

suspeito.

Page 133: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

133

John Marshall prosseguiu na contagem até chegar ao

número 304. Nem ele, nem o detector, identificaram outro

indivíduo possuído pelos DI. Era uma boa média.

— Alô, Klein! — disse Rhodan pelo interfone. —

Feche a cúpula. A ação está concluída.

Dirigindo-se a Pirelli, disse:

— Tenho uma pergunta, tenente! Reflita bem na

resposta. Você estaria disposto a servir de intermediário

nas minhas negociações com os DI?

O rosto de Pirelli estremeceu ligeiramente. As pessoas

entendidas sabiam que os acontecimentos que se

desenrolavam no interior do corpo e da mente daquele

indivíduo eram muito mais dramáticos.

— Não compreendo senhor!

— Você foi identificado como um DI. Foi por isso que

fiz a pergunta. Então?

— Como pode afirmar que sou um DI, senhor Rhodan?

Que blefe é esse?

— Quem faz perguntas aqui sou eu, não você.

Conforme a resposta que nos der, você será utilizado na

execução dos nossos planos ou será fuzilado aqui mesmo.

Pirelli deu um salto prá frente, mas controlou-se antes

que sua atitude pudesse ser interpretada como uma

ameaça.

— Está sendo detido pelo medo — explicou Marshall.

— Está em nossas mãos. Seu corpo de DI não se encontra

no raio de transplante. Infelizmente este cavalheiro não

nos dirá onde está. Desconfia de que sou um telepata.

Procura confundir seu pensamento.

— Está bem, Marshall. Pirelli, você já viu o que

sabemos. Se o fuzilarmos aqui, isso representará a morte

definitiva para você. Qual é sua resposta à minha primeira

pergunta?

Pirelli procurou dar uma expressão de altivez ao seu

corpo. Como não devia sentir-se o ego covarde de um DI

num corpo destes?

— Estou à sua disposição, senhor Rhodan. Se ordenar

que sirva de intermediário, obedecerei. Acontece que

minha posição subalterna não me permite dizer qualquer

coisa sobre as chances das negociações.

— Isso não é necessário, tenente. Até amanhã ficará

em isolamento. Terá dois guardas robotizados ao lado de

sua cama. Eles o matarão à menor tentativa de fuga ou

atentado. Amanhã receberá novas instruções. Muito

obrigado.

* * *

Ainda havia 303 homens bem selecionados. Rhodan

devia dirigir-lhes algumas palavras de saudação, ainda

mais que se tratava de um núcleo inteiramente novo que se

formava dentro da Terceira Potência. Mas voltou a falar

em termos breves e não convencionais.

— Talvez um dia possa dedicar-me melhor a vocês.

Acontece que hoje não existe fortuna que pague um

segundo perdido.

Desejo-lhes bom apetite para a refeição que já foi

preparada. Daqui a pouco Reginald Bell e o coronel

Mercant lhes transmitirão as instruções necessárias.

No escritório Rhodan manteve uma palestra num

círculo bastante íntimo.

— Você é de uma leviandade imperdoável — disse

Reginald Bell assim que se ofereceu oportunidade para

falar, antes que Rhodan tocasse em qualquer dos assuntos

que compunham a agenda dos debates.

— Pretende dar-me outra lição?

— O que está em jogo não são minhas ambições

pedagógicas, mas a sua segurança. Enquanto aqueles

homens desfilaram, você não usou a menor proteção.

Procurou dissuadir Pirelli da intenção de cometer um

atentado. Acha que o olhar hipnótico será suficiente para

protegê-lo contra esse tipo de gente?

— Acho, sim. Você se enganou com a atitude do

Pirelli. Ao que parece você ainda não compreendeu como

é covarde o espírito que se oculta atrás dessas criaturas.

Um DI jamais cometerá um atentado se tiver que arriscar

sua vida. Mas chega de discussão! Tenho diante de mim as

notícias mais recentes de todo o mundo. Infelizmente devo

constatar que para o bem intencionado torna-se cada vez

mais difícil ser acreditado pelos outros. A melhor prova

são as acusações incessantes que formulam contra nós.

Farei uma última tentativa para convencer o mundo. A

população de Nova Iorque será nossa fiadora. Se é que

algum habitante deste planeta teve oportunidade de

convencer-se da crueldade dos DI, são os habitantes

daquela cidade, violentada há três dias.

— Para isso teríamos de libertar aquele contingente de

oito milhões de seres humanos.

— Meu plano é este. A usina robotizada já está

fabricando a primeira série de detectores de DI. Por

enquanto encomendei quatrocentas peças.

— Quando estarão prontos os aparelhos?

— Amanhã de manhã. Todos os mutantes de que

dispomos, com exceção dos telepatas, serão equipados

com os mesmos. Também os novos membros do

contingente policial e vocês, que são meus colaboradores

mais chegados. Bell, você irá à Lua amanhã. Leve uns

duzentos homens e procure entrar em contato com o

comando de robôs estacionado na cratera Anaxágoras.

Procure avaliar os resultados de sua atuação. Caso a base

lunar ainda não tenha sido precisamente localizada, você

ficará encarregado disso. Assim que descobrir o objetivo,

entre em contato comigo.

— Um simples contato?

— Por enquanto sim. O ataque pelo qual você deve

ansiar não demorará muito. Apenas pretendo golpear em

todos os lugares ao mesmo tempo. Por isso você aguardará

minhas ordens.

— Está bem!

— E agora você, Adams! Não me venha dizer que não

tem talento para herói. Darei a você um punhado de

homens nos quais pode confiar. Talvez Ras Tshubai e

vinte dos policiais recém-engajados. Seu objetivo será a

base canadense dos DIs. Mas não deve também iniciar

nenhum ataque antes que tenha recebido minhas ordens.

— Como queira, Rhodan — disse Adams no tom

humilde que costumava usar nas raras ocasiões em que sua

fala não se ligasse ao dinheiro.

As últimas instruções, e as mais detalhadas, foram

transmitidas a Allan D. Mercant, dirigente oficial do

Conselho Internacional de Defesa e membro não oficial do

exército de mutantes da Terceira Potência, dirigida por

Perry Rhodan. Mercant recebeu uma armada de seis

planadores espaciais que dispunham de armamentos,

espaço de carga e velocidade suficientes. Sua missão era a

libertação de Nova Iorque.

* * *

Enquanto no deserto de Gobi raiava um novo dia, o dia

Page 134: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

134

de Nova Iorque ia chegando ao fim.

As máquinas haviam decolado.

Em primeiro lugar o grupo de Mercant, seguido pouco

depois por um avião de radiações isolado que seguia em

direção ao Canadá. A Good Hope foi à última. Embora seu

objetivo ficasse mais longe, teve que dar a precedência aos

aviões estratosféricos, já que a capacidade de aceleração

que desenvolvia no espaço compensava qualquer distância

interplanetária.

Rhodan estava só no edifício central. Desistira de

qualquer espécie de assistência. Preferira destacar os

homens disponíveis para os três pontos críticos em que

seriam travados os combates.

Seu assistente era a técnica avançada, que convergia no

quadro de comando que tinha diante de si. Conforme se

esperava, a primeira mensagem veio da Lua.

— Alô, Perry! Pousei sem incidentes na cratera

Anaxágoras. A força policial está saindo da nave. Voltarei

a chamar depois que tiver estabelecido contato com o

comando de robôs.

— Obrigado e boa sorte!

O ponteiro do relógio continuou a avançar. O contacto

seguinte.

— Estamos cruzando por cima de Nova Iorque.

Conforme previmos, não encontramos obstáculo ao

penetrar na cidade. Ao que parece o bloqueio só atinge os

que querem deixá-la. Pousaremos em seis aeroportos

diferentes. A ação está sendo iniciada conforme previsto.

Conforme previsto. Isso significava que nos próximos

trinta minutos os personagens mais importantes da cidade

seriam visitados por pessoas armadas. Seriam

reconhecidas prontamente como indivíduos possuídos

pelos DI e receberiam o tratamento adequado. As ordens

de Rhodan eram terminantes. A luta contra os DI seria

conduzida sem a menor contemplação.

— Alô, Rhodan! — Era a voz de Adams. — Acabo de

pousar em cinqüenta graus de latitude e oitenta e cinco de

longitude. Meu velho avião permanece intocado.

— O.K., Adams! Tome posição junto à linha férrea e

aguarde.

Por dez minutos o rádio permaneceu em silêncio.

Depois a voz de Bell voltou a encher o recinto.

— Decolamos em direção ao sul, pela face oculta da

Lua. Dentro de três minutos pousaremos na cratera de

Mendelejw. O comando de robôs determinou a localização

precisa da base dos DI. Não há o menor sinal de vida.

As notícias começaram a precipitar-se. Surgiam

simultaneamente, através de faixas substitutas. As fitas

gravadas registravam-se para Rhodan. Dali a trinta

minutos a situação era a seguinte:

Três vigias DI em plena atividade haviam sido mortos.

Bell noticiou a descoberta de mais de quinhentos corpos de

DI imobilizados, cujo ego originário sem dúvida devia

encontrar-se na Terra.

Rhodan interrompeu a mensagem:

— Basta de detalhes. Os corpos dos DI devem ser

colocados imediatamente a bordo da Good Hope e trazidos

ao território bloqueado da Terceira Potência. Quanto

tempo levará para isso?

— Somos duzentos homens. Em média o peso de um

DI corresponde ao dobro de um homem. Com a gravitação

lunar isso vem a ser uns vinte e cinco ou trinta quilos.

Levaremos quinze minutos.

— Apresse-se, Bell! Tenho muita necessidade da sua

presa.

Também Adams recebeu instruções para agir. Seu

trabalho era muito mais difícil. Seus vinte homens tiveram

que colocar a bordo duzentos corpos de DI. É bem verdade

que Ras Tshubai logo os livrou das maiores preocupações.

Por precaução o africano trouxera o neutralizador, com o

qual o peso dos corpos foi quase totalmente eliminado.

Pelas onze e meia a Good Hope pousou; o “comando

Adams” chegou pouco depois. A Terceira Potência tinha

em seu poder 732 corpos, que foram depositados no seu

território, fora da cúpula energética.

Poucos minutos depois a Good Hope decolou em

direção à Nova Iorque, onde se amarraria ao mastro do

Empire State Building.

A Good Hope era larga e parecia desajeitada. Oferecia

um bom alvo, mas era inexpugnável. Seus superemissores

martelaram o apelo de Rhodan, dirigido aos homens e aos

DI, usando todas as frequências disponíveis. A voz de

Rhodan superava toda e qualquer interferência, até uma

potência de três mil quilowats. Não era só Nova Iorque

que o ouvia, mas toda a Terra. Os homens livres logo se

colocaram a seu lado. Três dias de ditadura dos DI em

Nova Iorque bastaram para convencer a humanidade de

que só a Terceira Potência podia proporcionar-lhes um

auxílio eficaz.

Mercant veio com cem detectores. A Good Hope

trouxe outros trezentos, que já não eram necessários na

Lua ou no Canadá.

A guerra em meio àquele oceano de prédios perdeu-se

em episódios isolados. O conflito desenvolveu-se de rua

para rua, de prédio para prédio, de sala para sala. Os

homens de Rhodan estavam sós. E depois da primeira

investida já não representavam uma surpresa. Apesar

disso, venceram. Poucos dos DI chegaram ao extremo. A

maior parte deles agarrou-se ao corpo que os hospedava, já

que, afora umas poucas exceções, seus corpos originários

estavam fora de seu alcance. A notícia do roubo dos

setecentos corpos abandonados, depositados na Lua e no

subterrâneo do Canadá, levou o pânico dos invasores ao

auge. Os DI haviam chegado ao fim.

O prefeito, o chefe de policia e os sete senadores de

Nova Iorque puderam subir a bordo da Good Hope

exatamente ao meio-dia, a fim de oferecer seu relato dos

acontecimentos. Os rostos dos primeiros homens

libertados atravessaram o mundo pela televisão.

— Repórter do demônio? — Alguém soltou a

observação a bordo da nave, evocando uma idéia bastante

corrente há cerca de um decênio. Mas havia um ponto de

interrogação atrás dessas palavras. Já havia a certeza de

que a mensagem de Rhodan, que já cobria todas as

emissoras da Terra, tinha um sentido bastante sério.

Representava um apelo dirigido a todos os terráqueos,

representava o brado de alerta final dirigido a uma geração

que praticamente perdera a hora de sua missão cósmica a

partir do lançamento do Sputnik.

Hoje penetrava, como fato mais consumado, nos

recantos mais íntimos, de Tóquio a Lisboa, de São

Francisco a Moscou.

“Não estamos sós no mundo. Nós, os terráqueos, não

somos os únicos. Outros seres existem. E alguns deles não

são nossos amigos.”

Page 135: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

135

Pouco depois Perry Rhodan dirigiu um apelo pessoal

Quando os últimos embaixadores dos governos terrenos

deixaram o deserto de Gobi, levando notícias conciliadoras

e esperançosas aos seus povos, dez mutantes encontravam-

se diante da Good Hope, que estava pronta para decolar.

Terminado o treinamento preliminar, seriam transferidos

para Vênus, onde o curso hipnótico ministrado pelo grande

cérebro positrônico lhes daria o preparo definitivo, que os

habilitaria ao ingresso no exército secreto de mutantes da

Terceira Potência.

— Vencemos por hoje, e talvez por amanhã — disse

Rhodan por ocasião da despedida. — Mas convém que

saibam que segundo o cérebro não é impossível que

surjam novas complicações.

Dependemos uns dos outros. Eu dependo de vocês,

vocês dependem de mim. Devemos ficar vigilantes e

nunca podemos deixar de aprender. Nosso caminho para o

universo é longo e obscuro. Ajudem-me a encontrá-lo e

percorrê-lo em segurança.

Quanto aos governantes da Terra. Fê-lo na qualidade

de primeiro presidente da Terceira Potência. E a

mensagem foi coroada de êxito. Desta vez os

representantes eleitos foram obrigados pela vontade

popular a percorrer o caminho que conduzia para Perry

Rhodan, no deserto de Gobi, para estabelecer a união

definitiva da humanidade.

As condições feitas aos DI eram inequívocas e não

admitiam qualquer discussão. Os monstros tiveram

oportunidade de aguardar na órbita de Marte até que uma

de suas naves os levasse de volta ao seu mundo natal. Mas

esse tratamento humano não os iludia quanto ao fato de

que não teriam a menor chance contra a humanidade.

— A forma de expor a situação ao seu governo

depende exclusivamente dos senhores — foram estas as

últimas palavras que Rhodan lhes dirigiu. — Os homens e

os arcônidas são aliados, e daqui por diante proíbem-lhes

qualquer violação da área submetida à sua soberania.

Mantenham-se dentro dos seus limites cósmicos, e

poderemos ser amigos.

* * *

Quando os últimos embaixadores dos governos

terrenos deixaram o deserto de Gobi, levando notícias

conciliadoras e esperançosas aos seus povos, dez mutantes

encontravam-se diante da Good Hope, que estava pronta

para decolar. Terminado o treinamento preliminar, seriam

transferidos para Vênus, onde o curso hipnótico ministrado

pelo grande cérebro positrônico lhes daria o preparo

definitivo, que os habilitaria ao ingresso no exército

secreto de mutantes da Terceira Potência.

— Vencemos por hoje, e talvez por amanhã — disse

Rhodan por ocasião da despedida. — Mas convém que

saibam que segundo o cérebro não é impossível que

surjam novas complicações.

Dependemos uns dos outros. Eu dependo de vocês,

vocês dependem de mim. Devemos ficar vigilantes e

nunca podemos deixar de aprender. Nosso caminho para o

universo é longo e obscuro. Ajudem-me a encontrá-lo e

percorrê-lo em segurança.

A Terceira Potência obrigou os DI a “baterem em retirada”, repelindo uma invasão

vinda das profundezas do espaço, invasão esta a que o restante da humanidade teria de

assistir completamente indefesa.

Perry Rhodan e seus homens sentem-se orgulhosos. Mas também estão preocupados,

pois sabem que para a Terceira Potência, e posteriormente para toda a humanidade, vai ter

início a Era Galáctica.

O décimo volume da coleção Perry Rhodan,nós conduzirá ao limite dessa era

intitulado:

BATALHA NO SETOR VEGA

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136

Nº 10

De

K. H. Scheer

Tradução

Maria M. Würth Texeira

Digitalização

Vitório

Nova revisão e formato

W.Q. Moraes

Terceira Potência conheceu um período de paz após a ameaçadora invasão

de seres extraterrenos, rechaçada por Perry Rhodan com o auxílio da técnica

arcônida e dos extraordinários poderes de seu corpo de mutantes. A Terceira

Potência representa a mais poderosa nação terrestre, a despeito de sua reduzida

dimensão territorial.

Galáxia, a supermoderna cidade dotada de uma imensa base espacial, e de

amplos complexos industriais operados quase que exclusivamente por robôs, é o

monumento mais impressionante da nova civilização.

Mas, de repente, Galáxia é colocada em estado de alarma. A bordo da Good

Hope, a nave auxiliar do destruído cruzador cósmico dos arcônidas, Perry Rhodan

decola em direção ao sistema planetário de Vega, na distante constelação de Lira.

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137

I

Em obediência à estridente voz de comando, duzentos

braços mecânicos ergueram no ar seu fulgor metálico.

Cem fuzis de raios apontaram as bocas para o céu sem

nuvens do deserto de Gobi. Cem soldados-robôs de aço

perfilaram-se em total

imobilidade, porém com as

entranhas eletrônicas em

silenciosa e invisível

atividade.

— Nosso visitante será

recebido com as devidas

honras! — disse o coronel

Freyt, com um olhar

irônico para o oficial que

comandava os guerreiros

de metal.

O capitão Klein

pigarreou discretamente.

Semicerrando os olhos,

examinou a aeronave

recém-pousada.

— Um tanto familiar,

não lhe parece? —

comentou. — Você oficia

a cerimônia, coronel?

Rígido como um

boneco, Freyt, chefe da

Força de Caça Espacial da

Terceira Potência,

encaminhou-se para o

avião. O leme do

gigantesco bombardeiro a

jato ostentava a insígnia da

Força Espacial dos

Estados Unidos. Freyt

aguardou junto à escada

rolante.

Na estreita porta de

desembarque desenhou-se

um vulto alto e imponente.

Em silêncio, o general

Lesley Pounder, chefe da

Força Espacial americana,

olhou em torno. Por

instantes, seu olhar se

deteve sobre a formação

impecável das máquinas

de lutar. Correspondeu

com displicência à

continência do capitão

Klein. Sua atenção estava

voltada para as manobras

tonitruantes dos aparelhos,

mal e mal visíveis no céu

azul a considerável altura.

Estava-se no mês de maio

e o relógio marcava pouco

mais de treze horas. O calor era opressivo.

Uma série de estrondosos trovões indicou que a

esquadrilha, rumando para o espaço cósmico, rompera a

barreira do som. Porém os minúsculos pontinhos prateados

desapareceram do campo visual muito antes que as ondas

de som alcançassem o solo.

— Um belo espetáculo! — elogiou Pounder,

impressionado. — Como vai, Freyt? Faz tempo que não

nos vemos, não é?

Comentário óbvio, para disfarçar o constrangimento.

Também para Pounder o momento do reencontro era um

tanto deprimente.

— Sim, cerca de três anos,

general — confirmou Freyt,

evasivamente. — O senhor

tinha me enviado à Lua, num

foguete do tipo Stardust. A

missão resultou tão desastrosa

quanto a aterrissagem no

nosso satélite. E se Perry

Rhodan não nos tivesse

resgatado com a nave

esférica, o senhor teria mais

três nomes de pilotos de

provas em sua lista de baixas.

Pounder, o baixo e

corpulento chefe da Força

Espacial, reprimiu a custo sua

conhecida irritabilidade.

— Sorte sua... —

constatou em tom seco. — E

em conseqüência disso, o

senhor tem usado nos últimos

três anos a farda da Terceira

Potência. Mas até que o

uniforme é bonito. Um tanto

utópico, talvez... Vejo que foi

promovido.

O coronel Freyt preferiu

não dar resposta. Pounder

vinha visitar a Terceira

Potência em caráter oficial;

portanto, não havia sentido

algum em discutir com seu

antigo superior hierárquico.

— O carro está a sua

espera, general! — disse, para

desviar o assunto. — O chefe

ainda não regressou. Enviou-

nos uma mensagem há meia

hora. Encontra-se nas

proximidades de Marte,

testando um caça espacial.

O general Pounder engoliu

igualmente aquela pílula.

Com que naturalidade seu ex-

subordinado falava de proezas

ainda inconcebíveis para

homens comuns!

— Nas proximidades de

Marte, ora vejam! —

murmurou Pounder. — Como

soam importantes suas

palavras, coronel! O senhor

foi longe... certamente muito mais longe do que lhe seria

possível na Força Espacial. E isto aqui progrediu, não é?

Cheio de admiração, o general lançou um demorado

olhar aos distantes edifícios em forma de torre da nova

cidade. Ficavam ao norte, perto do lago Goshun. Perry

Rhodan dera à capital da Terceira Potência o nome de

Personagens principais deste episódio:

Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potência.

Reginald Bell — Ministro da segurança da Terceira Potência

General Lesley Pounder — Chefe da Força Espacial dos

Estados Unidos.

Dr. Frank Haggard — Ministro da saúde da Terceira Potência

e fundador da Clínica Arcônida.

Homer G. Adams — Ministro das finanças da Terceira Potência,

e diretor da General Cosrnic Company.

Coronel Freyt — Chefe da Força de Caça Espacial da Terceira

Potência.

Major Deringhouse — Comandante do 1o Grupo de Caça

Espacial da Terceira Potência.

Major Nyssen — Comandante do 2o Grupo de Caça Espacial da

Terceira Potência.

Capitão Klein — Agente de segurança da Terceira Potência.

Tenente Li Shai-tung — Oficial de ligação da Terceira Potência

com o Serviço Secreto da Federação Asiática.

Thora e Crest — Arcônidas, respectivamente, comandante da

nave arcônida destruída, e cientista-chefe da raça.

Betty Toufry — Telepatia e telecinésia.

John Marshall — Telepatia e supercérebro.

Tako Kakuta — Teleportação.

Wuriu Sengu — visão raios-X.

Ralf Marten — parapsicologia e exopersonificação.

Allan D. Mercant — Chefe do Conselho Internacional de

Defesa.

Marechal Gregor Petronski — Chefe da Defesa Aérea e Espacial

Oriental.

Kosselov — Chefe do Serviço Secreto Oriental.

Thort — Chefe supremo dos ferrônios e do sistema Vega.

Chaktor — Ferrônio resgatado no espaço por Rhodan e seu

intérprete.

Lossos — Cientista-chefe ferrônio.

Crek-Orn — Almirante-chefe dos tópsidas

Galáxia — Cidade da Terra, capital da Terceira Potência.

Good Hope — Nave com que Rhodan viaja para Vega. Ex-nave

auxiliar do cruzador arcônida destruído na Lua.

Perrol — Oitavo planeta de Vega, habitado pelos ferrônios.

Rofus — Nono planeta de Vega, com a capital Chuguinor.

Tópsidas — Raça oriunda do sistema Orion-Delta, a estrela

dupla. Descendentes de répteis são inteligentes, altamente

civilizados, porém cruéis e insensíveis.

Ferrônios — Raça semelhante à humana. Inteligentes e

avançados têm pele azul e povoaram os planetas do sistema

Vega.

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Galáxia.

A última visita de Pounder datava de três anos, quando

as instalações não passavam de construções provisórias. E

agora aquilo! Só os dois aeroportos constituiriam motivo

de orgulho para qualquer nação. E a base espacial

ultrapassava qualquer empreendimento jamais criado por

mãos humanas.

— Planejamos para o futuro — respondeu Freyt, em

tom neutro. — O território que adquirimos da Federação

Asiática abrange quarenta mil quilômetros quadrados. E

Galáxia conta, segundo o último censo, duzentos e trinta

mil habitantes. Pronto para embarcar, general? Nosso

pessoal se encarregará do avião.

Com um ligeiro olhar para o enorme bombardeiro,

acrescentou com uma ponta de ironia:

— Carreta meio primitiva essa! Vocês ainda empregam

os antiquados propulsores atômicos?

— Foi este tipo de propulsão que o levou à Lua, Freyt!

Faz mesmo questão de me mostrar o quanto estamos

atrasados, não? Mas convém não esquecer que tanto o

senhor como Perry Rhodan receberam sua formação na

Força Espacial. Se eu não tivesse enviado Rhodan à Lua,

ele jamais encontraria os arcônidas. É assim que se

chamam os extraterrenos, não?

— Exatamente, general! — confirmou Freyt.

— E este progresso todo só foi possível com a

colaboração dos cérebros espaciais — disse Pounder, com

um riso sarcástico. — Rhodan teve muita sorte em

conquistar-lhes a confiança. Foi o que lhe permitiu criar a

Terceira Potência. Mas deixemos o assunto de lado. Que

tal é Rhodan como chefe de Estado?

— Refere-se ao senhor Presidente, general?

Resfolegando indignado, Pounder explodiu:

— Freyt, para mim, seu presidente continuará sendo

sempre o major Rhodan! O recruta que treinei

pessoalmente e designei para o primeiro vôo tripulado à

Lua... E dê-lhe este recado na primeira ocasião!

— Ele não esqueceu general! — respondeu Freyt,

rindo. — E, aparte nossas diferenças, afirmo-lhe que é um

prazer revê-lo entre nós. Pretende negociar com o chefe

sobre o fornecimento de pulsopropulsores?

O general deteve seus passos. Da distante base espacial

vinha novamente o rugido avassalador. Silhuetas

fulgurantes ganharam o espaço, impelidas por quase

imperceptíveis fluxos de impulsos. Pounder aguardou a

diminuição da infernal barulheira.

— O esquadrão de Deringhouse — explicou Freyt. —

Ótimo elemento este rapaz... O senhor soube escolher seus

homens, general, sem dúvida!

— Naturalmente! E foi por isso que Rhodan fez de

vocês seus oficiais. Para mim, foi uma perda lamentável.

Como sabe de meus planos?

Freyt não estranhou a brusca mudança de rumo da

conversa, nem a expressão severa do rosto do general.

— O chefe me falou disso. Se me permite um palpite,

acho inútil insistir na obtenção de propulsores completos.

A Terceira Potência reserva-se o privilégio de construir

naves espaciais mais velozes do que a luz. Sugiro que

desista do intento. Mas tenho autorização para mostrar-lhe

nossos novos estaleiros oficiais, caso esteja interessado.

Normalmente estão interditados para visitantes. Porém

guardamos afeto todo especial ao nosso antigo

comandante...

Pounder afastou-se sem uma palavra. O sorriso do

homem mais jovem o atingira em cheio. Ainda calado,

tomou lugar no turbo-carro aberto. Seus olhos se voltaram

para a cintilante cúpula energética visível do aeroporto.

Aliás, o extenso domo de dez quilômetros de diâmetro não

podia deixar de ser notado.

Freyt acomodou com alguma dificuldade o corpo

comprido ao lado do general. Este estabeleceu

involuntariamente uma comparação: Freyt e Perry Rhodan

poderiam ser irmãos. Ambos altos e magros, com as

diminutas rugas no canto dos olhos revelando permanente

disposição para rir. E haviam recebido formação idêntica,

numa escola tida comumente por dura e implacável.

Pounder sentiu-se invadido por uma onda de orgulho.

Aqueles jovens tinham criado uma instituição que

prometia revolucionar toda a ordem até então estabelecida

no mundo.

Com um breve aceno para Klein, Freyt comentou:

— Ele fez parte outrora do serviço secreto da OTAN,

sob as ordens de Allan D. Mercant. Inacreditável, não?

Com um suspiro, o coronel continuou:

— A raça humana parece estar criando juízo

devagarinho. Ainda posso recordar o momento em que dei

ordem para lançar as três bombas de hidrogênio. Na

ocasião em que destruímos o cruzador arcônida... Nossa

velha Lua entrou em ebulição em alguns pontos. Mas

muita coisa mudou depois disso. A humanidade parece ter

compreendido, afinal.

— Compreendido? — repetiu o general. — Eu diria

que ficou convencida. Se algum doido conseguisse

eliminar sumariamente a Terceira Potência, o mundo se

tornaria um hospício da noite para o dia! As nações

desencadeariam uma luta mortal pela posse de seus

conhecimentos técnico-científicos. “No interesse de nossa

autoconservação lamentamos ser obrigados à adoção de

rigorosas medidas preventivas.” Não é assim que se

expressariam os diplomatas?

O pessimismo do general, aparentemente acabou com o

bom humor de Freyt. O chefe da Força de Caça Espacial

mostrou rugas de preocupação.

— Não conjure os demônios, general! — disse,

pensativo. — Aquela cúpula energética foi alvejada por

mais de seis mil projéteis de fabricação terrena por

semanas inteiras, sem o menor resultado. Apenas um

poder superior será capaz de nos destruir e não existe na

face da Terra ninguém com capacidade para isso. Todos

nós temos que aceitar como fato irrefutável a existência de

seres extraterrestres altamente civilizados. E se não nos

acautelarmos, qualquer dia nossa própria sobrevivência

estará em jogo. É mais do que hora de adotar e manter

atitudes racionais. A idéia de Perry Rhodan é estabelecer

um governo terrestre central, com representantes de todas

as nações do mundo. A questão da cota de participação de

cada uma pode ser resolvida mais tarde; acho que não será

difícil chegar a um entendimento.

— Impraticável! — afirmou Pounder, secamente. —

Freyt, você pode ser um bom militar e um astronauta

excepcional, mas não entende coisa alguma de assuntos

desta espécie. Que é aquilo ali?

“Tática de evasão”, disse Freyt para si mesmo. E teve a

desagradável sensação de que o general lhe ocultava algo

da maior importância.

Dirigiu o olhar para os prédios do complexo industrial

do qual se aproximavam. Uma série de hangares e torres,

imaculadamente limpos, sem traço da fumaça ou fuligem

provocadora de poluição ambiental. E, no entanto, a

produção era superior à de qualquer fábrica do mundo.

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— As seções de acabamento final — disse Freyt, com

naturalidade. — E os estaleiros oficiais da Terceira

Potência para fabricação de naves espaciais. Tudo criado

do nada em pouco mais de três anos.

— Complexos industriais acabados em apenas três

anos? — duvidou Pounder. — Produção dos foguetes,

estandes de testes, linhas de montagem final? Freyt,

qualquer mortal comum levaria três anos só para lançar os

fundamentos de uma obra tão gigantesca!

— Colocamos dez mil robôs especializados em ação —

explicou Freyt, com um sorriso levemente arrogante. —

Além disso, empregamos máquinas que executaram o

trabalho de aplainamento com a ajuda de campos

antigravitacionais de alta intensidade. Com recursos

comuns, a tarefa levaria pelo menos vinte anos! É difícil

conceber a magnitude dos recursos arcônidas.

Pounder desistiu. Era inútil discutir com pessoas que

argumentavam com conceitos super-humanos e utilizavam

máquinas extraterrenas.

O veículo parou diante da linha vermelha. A poucos

passos erguia-se a parede de inconcebível energia, mal e

mal visível de tão perto.

— Um campo estrutural em cinco dimensões —

explicou Freyt, sorrindo.

— Com quem posso me entender aí dentro? —

indagou Pounder, ignorando o esclarecimento dado por

Freyt.

Espiou para a área coberta pela cúpula energética. Era

fértil e viçosa, com alguns poucos edifícios esparsos. Mas

estes eram gigantescos. O palácio do governo da Terceira

Potência representava uma combinação harmoniosa de

elementos arquitetônicos arcônidas e terrestres. Todo

branco, o belo prédio se destacava entre os demais.

— Sua excelência, o ministro da segurança, lhe

concederá audiência — observou Freyt, esforçando-se por

disfarçar a ironia. — Pois o senhor ministro, ou seja, o

capitão Reginald Bell, manifestou extrema simpatia diante

de sua visita iminente.

— Bell! — gemeu o general. — Essa não! Aquele

palerma que ria à toa e nunca conseguia manter a

disciplina! Quantos esforços me custaram impedir sua

degradação ao posto de tenente! E está disposto a me

conceder audiência... Pois bem, vá dizer ao seu ministro

que talvez eu o reconheça como representante da Terceira

Potência... caso ele consiga fazer uma continência mais ou

menos correta!

* * *

Homer G. Adams apareceu no telecom, ocupando com

seu rosto de testa larga quase toda a tela colorida e

tridimensional. O legendário diretor da General Cosmic

Company, denominada abreviadamente GCC, chamava da

distante Nova Iorque.

— Ah, o chefe ainda está viajando? Que pena! — a voz

de Adams soava impessoal e fria no alto-falante. — Escute

Bell, não me agrada a ideia de saber que você está sozinho

com Pounder. Não leve a mal meus escrúpulos, porém

considero-me um bom psicólogo. Pounder é um gênio

militar, fato que em si não constitui risco maior. Mas, além

disso, é um homem extraordinário, a quem você deve

gratidão, respeito e consideração, mesmo que recuse

admiti-lo. Acho que você não tem condições para enfrentar

o general. Espere pelo chefe!

O homem baixo e atarracado, trajando o uniforme

verde-pálido da Terceira Potência, disfarçou o

constrangimento com um sorriso. Reginald Bell não se

sentia de fato à altura da situação. Lá em Nova Iorque seus

olhos azuis muito claros apareciam como pálidas manchas

luminosas na tela.

— Vou aceitar sua sugestão, Adams! — disse Bell,

acenando com a cabeça. — Mas pode me pôr a par de suas

intenções? A visita do general não foi iniciativa sua?

— Certamente; porém eu ignorava que Perry Rhodan

estaria ausente, em voo de experiência. Bell, ganhe tempo

com o general! Aguarde pelo menos até que eu chegue ao

deserto de Gobi. Não lhe reconheço competência para

conduzir negociações delicadas como essas! Pounder

embrulharia você com a maior facilidade.

— Acho que está certo, Adams. Afinal, não é à toa que

você é o nosso ministro das finanças, não é? — respondeu

Bell, sorrindo. — Minha vontade se resume em abraçar o

velho ferrabrás e bater um papo amistoso. Fazem bem

quatro anos que não o vejo... Você pode vir

imediatamente?

— Meio difícil... — respondeu Adams, indeciso. —

Encontro-me em negociações com uma companhia de

mineração latino-americana. Vocês querem cobre barato,

não é?

Bell levou os dedos inconscientemente à cintilante

insígnia de seu posto, no bolso superior esquerdo. Curioso,

no íntimo tinha a inquietante sensação de que as

conversações com Pounder já estavam fadadas ao fracasso

antes mesmo de terem começado.

— Sim, confesso que me sinto em desvantagem diante

do velho! — disse, com inusitada gravidade. —

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Emocionalmente, compreende?... Gosto demais dele. O

general comeu fogo por nossa causa. E foi ele que nos

equipou com todo o conhecimento de que hoje fazemos

uso. Jamais teríamos chegado à Lua se não fosse o total

apoio de Pounder. Largue tudo e corra para cá, Adams!

Acho que o representante do poder econômico número um

do mundo pode se dar ao luxo de adiar uma conferência.

Homer G. Adams, o mutante de memória fotográfica,

tido como maior gênio financeiro de todos os tempos,

deixou ver um pouco de calor humano em seu sorriso.

Pena do ar meio desamparado de Bell, talvez...

— Bem, chamei você para combinarmos tudo

direitinho. Não queremos cometer erros, não é? Vou

providenciar minha partida imediata. Mais alguma coisa?

O rosto de Adams mudou de expressão ao perceber a

repentina tensão de seu interlocutor. Ao mesmo tempo, o

ótimo sistema de som fez ouvir um uivo estridente. Bell

transformou-se instantaneamente no homem dos nervos de

aço. Algo de inesperado devia ter ocorrido em Galáxia.

— Bell! — gritou Adams, alarmado. — Que foi que

aconteceu?

— Pode cancelar a viagem, por enquanto, Adams.

Espere novo comunicado. Estamos sob alarma.

Transmissão encerrada!

Adams viu a imagem se desvanecer na tela côncava do

telecom. Permaneceu imóvel em sua cadeira. O gabinete

no topo do gigantesco arranha-céu lhe pareceu de repente

nu e desolado. O uivo das sirenas continuava. Chegava

ligeiramente atenuado à grande metrópole, porém seu

impacto não foi menor do que o causado no palácio do

governo da Terceira Potência.

Homer G. Adams não era homem de se deixar

descontrolar por barulhentas manifestações de

aparelhamento acústico. Principalmente naquele dia,

quando a jovem Terceira Potência, sob a direção do ex-

major e piloto de provas da Força Espacial dos Estados

Unidos, Perry Rhodan, era o eixo econômico, político e

militar do planeta Terra. O fato de aquele conglomerado

de poderes ser fruto da inteligência superior e capacidade

de produção de uma raça cósmica, alheia à Terra, era de

menor importância. O mais surpreendente no caso era ver

reconhecida como potência mundial uma pequena nação

perdida no coração do continente asiático; não sem

algumas dificuldades iniciais, é claro.

Uma vez estabelecida a soberania da Terceira Potência,

a General Cosmic Company encontrara bases sólidas para

se desenvolver. Adams estava em vias de revolucionar

toda a economia mundial com os produtos e técnicas

arcônidas. Segundo o cômputo mais recente, o capital

social da GCC se elevara a duzentos bilhões de dólares; e

estava iminente o lançamento de novas subscrições no

montante de mais setenta bilhões. Sem dúvida, a

instituição criada por Homer G. Adams era sólida e

economicamente estável.

Nada, até então, levara este homem a perder a calma e

a serenidade, nem sequer por uma fração de segundo.

Portanto, era bastante estranho vê-lo trêmulo e de olhos

arregalados, atento para o lamento das sirenas. Momentos

após chegou a confirmação ótica. Luzes violetas piscavam

ininterruptamente. Aos poucos, a tonalidade alarmante

predominou sobre a iluminação natural na peça

semiobscurecida.

Homer G. Adams sobressaltou-se, como que

despertando de um pesadelo.

— Não! — murmurou, com os lábios comprimidos

num esgar de angústia. — Isso não! Meu Deus, tudo,

menos isso!

— Para trás com esse carro! — gritou o jovem oficial

de guarda. — Não vê que a passagem está impedida?

Ande! Recue pelos menos uns trinta metros!

O rapaz suava em bicas. Após o cessar do frenético

lamento das sirenas, o território da Terceira Potência

parecia ter virado casa de loucos. Para cúmulo da

confusão, acabara de chegar à coluna de transportes da

Mongólia, com seu carregamento de máquinas. E o tenente

encarregado do posto na fronteira era impotente para

prestar auxílio aos perturbados asiáticos. Pois o cérebro-

robô positrônico dos arcônidas assumira a direção dos

acontecimentos.

A máquina era inexorável. Acionada ao primeiro sinal

de alarma deixava aos humanos o prazo de apenas dois

minutos exatos para se colocarem em segurança. Depois a

cerca de energia foi erguida, estendendo-se ao longo de

toda a fronteira. Uma barreira luminosa e flamejante de

energia pura impedia a passagem do que quer que fosse. E

era irremediavelmente mortal. Também não era

aconselhável sobrevoar o intrincado entrelaçados de linhas

e espirais energéticas; acoplado a inúmeros localizadores,

o cérebro-robô não hesitaria um só instante em abater o

invasor alado com uma bateria de canhões de raios. Afinal,

o alerta geral fora amplamente difundido, a fim de evitar

ocorrências desta espécie.

O tenente recolheu-se apressadamente a sua casamata

de concreto, dentro da cerca energética. Os enormes

soldados-robôs — pesadas máquinas portando armas nos

braços articulados e providos de minimecanismos

atômicos nos corpos metálicos — recusavam há quatro

minutos qualquer ordem humana. Eram comandados agora

pelo cérebro eletrônico.

Momentos após chegou o comunicado automático a

todos os postos de fronteira e estações de controle:

Alerta com prioridade 1 em efeito.

Ninguém poderia deixar o território da Terceira

Potência e, muito menos, entrar nele.

A imensa cúpula energética, localizada no centro

geométrico dos quarenta mil quilômetros quadrados de

área da nação, intensificou seu brilho. O fulgor intenso e

ofuscante feria os olhos. Tinha-se a impressão de ver

surgir de repente um sol artificial.

Da base espacial, agora invisível, os novos caças da

Força de Caça Espacial se projetaram, rugindo, para o alto.

O general Pounder, cujo carro cruzara os limites no último

instante, segundos antes da barreira energética entrar em

funcionamento, viu-se de repente abandonado. Apenas um

soldado-robô montava guarda ao veículo. Pálido e

consternado, o general não obtinha resposta às suas

inquietas perguntas. Todo mundo parecia ignorar sua

presença ou esquecê-la de todo.

O coronel Freyt desaparecera com uma sonora praga.

Correndo provavelmente, para seu posto de comando nas

cercanias da base espacial...

Pounder não viu outra solução a não ser armar-se de

paciência e esperar. Alguém acabaria por dar-lhe atenção.

Desconhecendo o funcionamento de um cérebro-robô

positrônico, não podia saber que este já registrara sua

presença. Não era em vão que o soldado-robô tomara

posição junto ao carro do general.

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Assim que o cérebro-robô arcônida verificou que o

general era inofensivo e que se tratava de pessoa

devidamente anunciada, enviou uma inaudível ordem

radiofônica ao guerreiro mecânico. Com um sobressalto,

Pounder sentiu o carro arrancar bruscamente e rumar em

alta velocidade para o palácio do governo.

Lá, deparou com um oficial do serviço de segurança à

sua espera. Após ligeira hesitação, Pounder reconheceu o

homem sorridente e atencioso. Li Shai-tung ganhara as

manchetes mundiais três anos atrás. Ocupava agora o

posto de elemento de ligação com o Serviço Secreto da

Federação Asiática.

Levando a mão ao quepe, Pounder pensou consigo

mesmo: “Mais um velho conhecido, ora veja!”...

— Queira aguardar na recepção, por favor! — foi-lhe

dito. — Espero que compreenda a indisponibilidade

momentânea de qualquer dos dirigentes.

— Qual a razão do alarma? — indagou o general,

secamente. — Pode me explicar o que está acontecendo?

— Fui destacado especialmente para informá-lo,

general. Queira entrar, por obséquio. Não se deixe

impressionar pela atitude ameaçadora dos robôs; faz parte

do sistema de alarma. Não há perigo algum; eles são

controlados automaticamente. Por aqui, general!...

Pounder inspecionou com o olhar o amplo recinto

composto de vidros, material sintético e efeitos luminosos.

Também aqui a movimentação era febril. Percebeu ao

fundo os vãos fulgurantes dos fabulosos elevadores

antigravitacionais. Tanto na construção, como nos

acabamentos e nas instalações, evidenciava-se a aplicação

de técnicas superavançadas.

“Devem ter gasto uns cento e vinte milhões de dólares

nisso”, calculou o general, habituado a fazer avaliações

daquela espécie.

— Bell não tardará a vir cumprimentá-lo, general. Sua

inesperada presença acabou sendo providencial. Fui

encarregado de lhe prestar as informações preliminares. É

provável que lhe solicitemos, em vista das circunstâncias,

a convocação urgente da Comissão de Segurança Mundial,

em caráter de emergência prioritária. Talvez em Pequim,

por sua localização centralizada. Terá que tomar decisões

muito rápidas. Nossos meios de comunicação estão ao seu

dispor.

A emoção embargava a voz de Pounder.

— Compreendo tenente! A situação está preta outra

vez, não? Ainda recordo a crise anterior, há três anos,

quando seres extraterrenos se introduziram sorrateiramente

nos corpos e mentes de nossos mais destacados cientistas e

políticos, subjugando-os por completo. Os serviços de

segurança já foram informados?

— Sim. O código preestabelecido foi emitido

automaticamente. Não perdemos tempo aqui, general...

Ainda não dispomos de informações precisas. Nossa

estação de observação em Plutão apenas nos transmitiu os

dados registrados pelos sensores de deformação da

estrutura espacial.

— Tenente, você tem diante de si um homem de boa

paz, que se pergunta de vez em quando com que direito se

intitula chefe da Força Espacial dos Estados Unidos —

observou Pounder, sarcástico. — Voamos em foguetes

obsoletos, enquanto vocês usam naves espaciais mais

velozes do que a luz. Que diabo vem a ser um sensor de

deformação da estrutura espacial?

Li Shai-tung sorriu. Lá fora reboava um rugido

infernal. Foi crescendo de forma alarmante, até se

extinguir gradualmente, à medida que as ondas sonoras se

dissipavam no ar. Pounder conhecia bem o fenômeno,

mas, não com tal intensidade.

— É a Good Hope decolando sob o comando dos dois

arcônidas — explicou o agente chinês, com displicência.

— A nave auxiliar do cruzador arcônida destruído na Lua,

lembra?

— Nave auxiliar! — suspirou o general. — Tenente,

para mim, uma nave espacial esférica com sessenta metros

de diâmetro representa um verdadeiro colosso, entendeu?

E o que é um sensor de deformação da estrutura espacial?

— Um aparelho de detecção arcônida, para localizar e

medir diretamente alterações quadridimensionais da

estrutura espacial no cosmo normal. O instrumento mede

desvios de gravitação. E como a gravitação é uma forma

de energia do hiperespaço, os sensores funcionam

forçosamente a velocidades superiores à da luz. Quando

emitem sinal, sabemos que em algum ponto situado num

raio de cerca de cinqüenta anos-luz a estrutura curva do

espaço foi abalada, rompida por forças poderosas. Por

experiência, sabemos que isso só pode ser ocasionado pelo

hipersalto de uma nave mais veloz do que a luz: a

denominada transição. E quando o fato se dá a uma

distância tão próxima, a Central de Defesa da Terceira

Potência toma providências imediatas. Pois a coisa pode

ser conosco, general!

Pounder murchou, sem ter entendido uma só palavra da

explicação.

— Está bem, tenente! Pode poupar seu latim. Não

passo de um homem das cavernas diante dos

conhecimentos científicos de Rhodan e você. Sempre lhe

dei apoio total; primeiro, quando desobedeceu às minhas

ordens; depois à custa de minha consciência de militar;

mais tarde com a sanção oficial do meu governo. Pode ir,

eu espero... Deve ter obrigações a cumprir. Só não esqueça

que deixou um homem desarvorado sentado aqui.

— General, todos estes conhecimentos serão

amplamente divulgados no dia em que a humanidade

chegar a uma verdadeira comunhão espiritual. Não há

dúvida de que cresce dia a dia a garantia de uma paz

mundial permanente e duradoura; mas, por enquanto, para

a própria consolidação deste objetivo, é preciso que o

poder se concentre exclusivamente nas mãos de Perry

Rhodan. O que lhe acarreta a obrigação de proteger tanto o

seu mundo quanto o nosso. Medite sobre o que eu disse,

general, por favor. Os chefes dos três grandes serviços

secretos devem chegar dentro de uma hora, no máximo. E

agora, peço permissão para me retirar. Tenho efetivamente

obrigações a cumprir.

Li afastou-se apressado. Perturbado e preocupado com

o que ouvira, Pounder fixou o olhar ausente sobre o

mostrador do relógio.

Porém, pôs-se de pé rapidamente ao avistar a jovem.

Conhecia-a bem; mas, da frágil menina de rosto pálido e

olhos ardentes, apenas ouvira falar.

— Como está? — o indagou, mecanicamente,

enquanto procurava sondar os misteriosos olhos infantis.

Recapitulou mentalmente o que sabia sobre aquela

menina. Sem dúvida, Betty Toufry fazia parte do

legendário Exército de Mutantes da Terceira Potência.

Pounder engoliu em seco, impressionado com o

incrível da situação. Porém sabia que o pai de Betty

trabalhara num laboratório nuclear, tendo sofrido

alterações em seu gen. Na filha, estas alterações não se

manifestaram sob a forma de deformidade física, mas

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resultaram numa capacidade mental extraordinária, muito

acima da de qualquer ser humano comum. Pounder

ignorava as qualidades específicas da inteligência da

menina, mas decidiu levar o caso ao chefe do Serviço

Secreto Ocidental. Não lhe agradava a ideia de ver Perry

Rhodan dar guarida a tais monstruosidades; muito menos a

de que as submetia a treinamento especial.

Sobressaltou-se ao ver Betty se afastar abruptamente.

Chegando junto ao cintilante campo energético dos

elevadores antigravitacionais, a menina murmurou:

— O senhor não devia pensar isso, general!

As palavras cruzaram o vasto recinto como um

sussurro trazido pela brisa.

Pounder deixou-se cair de volta na cadeira. Percebera

estar diante de uma telepata espontânea, um ser para o qual

não existiam pensamentos secretos e privados. O general

sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.

* * *

Um vulto corria alucinado pelo negrume do espaço. O

silvo agudo dos pulsos-propulsores trabalhando no

máximo de sua capacidade parecia passar inteiramente

despercebido para o homem imóvel, sentado diante dos

controles.

Os pensamentos de Perry Rhodan, no entanto,

fervilhavam. Cruzou a órbita lunar a toda a velocidade. Na

frente do pequeno caça espacial brilhava já a Terra. Os

jatos de reversão de campo cuspiam para frente uma

torrente de partículas, em sentido contrário à direção do

voo. Em consequência, o pequeno aparelho em forma de

torpedo era freado, com uma desaceleração da ordem de

quinhentos quilômetros por segundo.

Rhodan verificou mais uma vez os dados do aparelho

automático de aproximação. À altura da órbita dos

satélites, o caça deveria estar na velocidade apropriada

para a aterrissagem. Pontinhos luminosos dançavam na

tela do hipersensor, que trabalhava com velocidade

superior à da luz. No alto-falante audiofônico espocavam

palavras esparsas. O que se projetava para o espaço, ali à

sua frente, era obra construída por mãos humanas, assim

como eram humanos os ocupantes das exíguas cabinas

pressurizadas.

O rosto de um rapaz surgiu na pequena tela do telecom.

Sorrindo e acenando com a cabeça, ele informou:

— Deringhouse para Cometa 1: segundo grupo

decolando a fim de tomar posição de alerta. Alguma

ordem, chefe?

Rhodan puxou o microfone articulado para diante da

boca. À frente de seu caça, a Terra emergia do vazio

espacial como uma gigantesca bola de inflar. Avistavam-

se nitidamente as Américas e um extenso trecho do

Oceano Pacífico. O litoral europeu envolvia-se lentamente

nas sombras crescentes da noite.

— Nenhuma; ao menos por enquanto. Nada de

explicações compridas, por favor. Recebi o aviso. O

alarma foi desencadeado?

— Conforme programado. Aquilo lá embaixo virou um

inferno!

Rhodan cortou a comunicação.

Os caças sob o comando de Deringhouse prosseguiram

em sua alucinante corrida para o espaço, enquanto Rhodan

iniciava a primeira órbita de frenagem. Após uma volta

completa em torno do globo terrestre, ele mergulhou nas

camadas superiores da atmosfera, com os anteparos

térmicos flamejando. Os gases incandescentes das massas

de ar violentamente deslocadas precipitavam-se

estourando no vácuo criado pelo aparelho em queda.

Parecia um meteoro consumindo-se em fogo, na atmosfera

cada vez mais espessa.

Era a técnica de aterrissagem de aproximação rápida

dos arcônidas. Cabia a projetores especiais, embutidos nos

anteparos térmicos, a tarefa de ionizar as renitentes

moléculas gasosas, a fim de expulsá-las da trajetória do

aparelho que se precipitava em direção ao solo.

Também aquilo constituía um processo avançado, que

mesmo um homem competente como o general Pounder

não imaginava nem em sonhos. Perry Rhodan valia-se dele

com a tranqüila naturalidade do iniciado. Por força do

hábito, mal percebia a violenta turbulência produzida na

atmosfera agora mais densa.

Seus pensamentos se concentravam inteiramente no

alarma. Uma situação aguardada com lúcida ansiedade

tinha se concretizado, afinal!

No entanto, Rhodan ainda ignorava os detalhes

essenciais. Mas, como o cérebro-robô positrônico havia

desencadeado o alarma, era de supor que a posição

galáctica do planeta Terra corria risco imediato.

A posição galáctica! Durante os últimos três anos, toda

a preocupação de Rhodan havia girado em torno deste

ponto. Pois há três anos, pouco após a criação da Terceira

Potência, seres extraterrenos haviam conseguido pôr pé na

Terra pela primeira vez. Debelado o perigo, semanas,

meses e anos decorreram sem ocorrências dignas de

menção, a não ser que se considerasse fora do comum a

febril atividade de construção desenvolvida na área

territorial da Terceira Potência.

Rhodan fora brindado com uma trégua de três anos. E

neste espaço de tempo o ex-major e piloto de provas da

Força Espacial dos Estados Unidos conseguira pelo menos

estabilizar definitivamente a vacilante paz mundial e

congregar as nações mais poderosas da Terra numa

coalizão de defesa.

Mas tudo aquilo seria ilusório caso a Terra fosse

novamente descoberta! O que ocorreria caso as

indubitavelmente existentes inteligências extraterrenas

tentassem alcançar a pátria dos homens — com armas de

poderio infinitamente superior — a fim de estabelecer-se

nela, ou desencadear um ataque de surpresa? O alarma

declarado tinha vindo confirmar os temores recônditos de

Rhodan.

O litoral norte da Sibéria surgiu à vista. Os sensores

indicavam que o caça estava sendo detectado por diversas

estações de radar. Que diferença fazia? O pessoal lá

embaixo sabia muito bem quem era o suposto maluco que

se precipitava do espaço pilotando um aparelho

aparentemente desgovernado.

Rhodan avistava agora a Mongólia. Quando começou a

aparecer nas telas à cercadura luminosa em torno da área

territorial da Terceira Potência, Rhodan recordou o

desesperado pouso de emergência feito ali três anos antes.

Ele regressava da Lua, onde fora o primeiro homem a

pisar, trazendo consigo os dois arcônidas. E a presença dos

seres extraterrenos é que o tinha levado a descer num

ponto isolado do globo.

Aquilo havia sido o começo de tudo. Seguiram-se

graves e profundos desentendimentos com as nações mais

poderosas da Terra; atacaram seguida e impiedosamente o

novo poder em formação, até verificar a total impotência

diante da tecnologia e armas de defesa dos extraterrenos.

Page 143: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência"- Volume II - O Exército de Mutantes. P-6 - 10

143

O termo arcônidas passou a ser assunto de manchetes

mundiais. Agora se reconhecia de bom grado os benefícios

prestados à humanidade pela raça interestelar. Por outro

lado, existia o ponderável fato de que a vinda acidental dos

arcônidas à Terra aumentara muito o risco de esta ser

descoberta por outros seres cósmicos.

Provavelmente o planeta Terra continuaria sendo um

corpo celeste desconhecido por anos e anos se o cruzador

arcônida, destruído por mãos humanas, não tivesse

irradiado pedidos de socorro. Os sinais se espalharam pelo

cosmo. E dali em diante acabara-se a doce ilusão da

humanidade de ser única no universo.

Rhodan forneceu o código apropriado, para que o

cérebro-robô lhe permitisse passagem; o caça passou a ser

pilotado pela estação de controle remoto em terra. Perry

Rhodan ficou livre para entregar-se às suas cogitações.

Percebia com nitidez que a humanidade se encontrava

diante de um repentino despertar, que encerrava um

terrível potencial de perigo. E os homens teriam que

admitir a existência positiva de outros seres dotados de

inteligência, talvez superior à deles próprios. E o pior,

pouco ou nada tinha para opor-se a eles...

A face do homem alto e magro, confinado na apertada

cabina pressurizada do caça, denotava profunda

preocupação. Pois compreendia que caberia a ele e aos

dois arcônidas sobreviventes tomarem medidas para a

segurança da Terra.

A nave pousou suavemente. O pequeno reator de alto

rendimento, por trás da blindagem antirradiação na cabina

do piloto, foi desligado. Em consequência, cessou

igualmente a atividade do poderoso conversor de energia,

e do aparelhamento auxiliar, sem os quais jamais seria

possível controlar o tremendo potencial de força liberado.

O coronel Freyt estava a postos para receber o

comandante que regressava. Sua saudação foi curta e

breve, enquanto fitava Rhodan com expectativa.

Empurrando para trás o capacete, Rhodan aceitou o cigarro

oferecido. Nos olhos cinzentos brilhava mal contida

tensão.

Porém nada em sua aparência externa denotava que há

menos de uma hora se encontrava nas proximidades de

Marte, testando um novo caça espacial. Era o impassível

comandante de sempre, o homem sem nervos. Possuía,

pelo menos, extraordinária capacidade de negar a

existência de semelhantes contingências físicas.

— A Good Hope decolou com Thora e Crest, chefe! —

informou Freyt laconicamente. — Deringhouse e Nyssen

estão no espaço, com quarenta e cinco aparelhos cada um.

Conservei o terceiro esquadrão em terra, em rigorosa

prontidão. Apto para levantar voo em cinquenta segundos,

se for preciso. O general Pounder chegou pouco antes do

alarma. Está aguardando no palácio do governo. Posso

fazer uma pergunta, chefe! Que se passa! Cá embaixo,

nós...

— Bell não deu um pio, não é? — interrompeu

Rhodan. — A mim não adianta perguntar. Não tenho a

menor idéia. Mas fique de olhos abertos, está bem? Meu

aparelho?...

Freyt ficou vendo o helicóptero se afastar com uma

expressão de profunda inquietação. Em flagrante contraste

com as avançadas instalações na área da Terceira Potência,

o helicóptero era produto terrestre comum. Lá longe, a

cintilante cúpula energética desfez-se por um breve

segundo, admitindo a entrada do aparelho. Mas tornou a

erguer-se outra vez com o mesmo brilho contra o céu azul

do deserto de Gobi.

Rhodan pousou no heliporto do palácio do governo,

situado no topo do edifício. Recebeu com um sorriso

irônico as honras militares prestadas pelos robôs de

guarda. Sempre lhe parecera fútil sobrecarregar os

complexos cérebros dos guerreiros mecanizados com

aquela programação supérflua.

Além dos robôs, só uma pessoa havia comparecido

para recebê-lo. Rhodan dispensava as cerimônias de estilo.

O homem de cabelos negros e rosto fino envergava

igualmente o uniforme da Terceira Potência. Porém, o

elegante macacão não trazia insígnias de posto; apenas no

bolso esquerdo superior brilhava um símbolo estranho.

Olhando de perto, via-se que era um cérebro cercado por

brilhante auréola.

O mutante John Marshall procurou o olhar de Rhodan.

Adivinhava intuitivamente o que ia à cabeça do presidente.

E pareceu-lhe que Rhodan retardava propositalmente a

entrada na Central de Comando do palácio.

— Olá, Marshall! Como vai indo a leitura de

pensamentos?

— Mal, no que toca ao senhor, chefe! — constatou o

mutante. — O senhor está sendo aguardado. Bell está uma

pilha de nervos. Dentro de quinze minutos chega o pessoal

dos serviços secretos. Que fazemos com eles?

Sem uma palavra, Rhodan entrou no campo cintilante

dos elevadores antigravitacionais. Libertos de peso

flutuaram suavemente para baixo.

Marshall procurava antecipar mentalmente a provável

atitude de Rhodan naquela emergência. Em contraste com

a frenética agitação reinante no palácio do governo,

Rhodan era a calma personificada. Marshall sondou

cautelosamente as ondas cerebrais de seu acompanhante,

ainda metido em seu traje espacial e com os cabelos louro-

escuros empastados de suor.

— Desista, Marshall! — disse a voz grave. — É como

dar contra uma parede... Chegou a sondar o general

Pounder?

Marshall fez uma careta, com os olhos brilhando de

indignação.

— Ele nos toma por monstros! — resmungou. — Há

gente que se recusa a compreender que o que eles chamam

de monstros resultou de pesquisas monstruosas, das forças

nucleares que jogaram contra nós...

— Mas fora isso, Pounder é legal, não é? — respondeu

Rhodan, sorrindo. — Escute John, você não devia levar a

sério essas alusões a monstros e coisas semelhantes.

Procure pensar de preferência na impressão que seus dotes

super-humanos causam em viventes comuns. Pois eu...

Suas palavras foram abafadas pelo rugido de uma nave

espacial em processo de aterrissagem. Rhodan saltou do

elevador no pavimento seguinte.

— Ué, a Good Hope está voltando?

— Era o recado que eu tinha para lhe dar. Thora acha

mais conveniente, por enquanto, deixar a nave abrigada

sob a cúpula energética. Bell bloqueia o cérebro; não

consegui saber o que ele pensa a respeito disso tudo. Nem

ao menos sei o que está se passando!

As linhas angulosas do rosto contraído de preocupação

suavizaram-se num momentâneo sorriso.

— Que falta de consideração de Bell, não acha? Muito

bem, Marshall, chegou o momento! Você percebeu que eu

procurava ganhar tempo, não?

Rhodan fitou a pesada porta blindada de aço arcônida

que constituía a única entrada para a Central de Comando

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do palácio. Dois enormes soldados-robôs montavam

guarda diante dela, com as carabinas energéticas

engatilhadas, prontas para disparar seus raios mortais.

O telepata sorriu; claro que tinha percebido.

— Vamos lá! E peça a Deus para que saiamos disso

incólumes também desta vez! Por enquanto, a Terra é

fraca demais para enfrentar ataques de alguma poderosa

nação galáctica. Nossos diminutos caças espaciais não

valeriam nada diante de uma frota de verdade. Venha!

A atitude dela era fria, controlada e arrogante. Mas

ninguém podia ter certeza de que dominava efetivamente

seus nervos. Thora, a ex-comandante do cruzador espacial

em missão de pesquisa, forçado a pousar na Lua e

posteriormente destruído por obra humana, tornava a

tomar consciência de sua condição de arcônida. Rígida e

ereta, sua atitude denotava mais tensão do que

propriamente dignidade. Em silêncio, ela observava a

agitada movimentação de pessoas dentro da Central de

Comando.

Rhodan achava melhor não instalar aquela Central de

Comando, o ponto vital da Terceira Potência, no subsolo.

Pois no caso de a cúpula energética falhar, fosse qual fosse

à causa, até os mais sólidos abrigos subterrâneos seriam

inúteis.

O belo rosto de Thora, que não permitia adivinhar sua

verdadeira idade, assemelhava-se a uma máscara sem

expressão. Já tinha apresentado suas exigências. Agora

cabia a Perry Rhodan definir-se, mostrando até onde

estava disposto a satisfazê-las.

Thora não se sentia à vontade entre aquelas pessoas

afobadas, ocupadas e entregues a acaloradas discussões.

Descendente direta da dinastia reinante do Império

Arcônida, ela dera a entender por mais de uma vez que

considerava a raça humana inferior e subdesenvolvida.

Seu olhar dirigiu-se para o fundador e dirigente da

mininação terrestre chamada Terceira Potência. Um travo

de amargura repuxou involuntariamente os lábios bem

formados. Perry Rhodan era, sem dúvida, um ser humano

excepcional. E depois de haver absorvido, através da

aprendizagem hipnótica, todos os conhecimentos da raça

arcônida, tinha adquirido status super-humano. Nada mais

conseguiria surpreendê-lo.

Mas nem por isso justificava-se sua atual soberba;

devia lembrar-se com mais freqüência de que devia toda

aquela capacidade e conhecimento aos arcônidas. Era a

opinião de Thora, pelo menos há irritava um pouco ver

com que grandiosa e impressionante naturalidade Rhodan

fazia uso dos conceitos fornecidos por uma cultura

superior, cultura que os homens, três anos atrás, nem em

sonhos imaginavam existir.

E, no entanto, Rhodan manuseava forças elementares e

projetos ousados com uma segurança incrível, fazendo até

a mulher arcônida perder o fôlego. E ela tirara a falsa

conclusão de que Rhodan era a única pessoa merecedora

de atenção no meio dos quase quatro bilhões de habitantes

da Terra.

Uma ira profunda transpareceu na testa franzida

quando Thora percebeu o pressuroso entusiasmo de seu

conselheiro científico e companheiro de raça. Crest, o líder

dos cientistas arcônidas e representante da grandeza

intelectual do Grande Império, parecia estarem

inteiramente subjugados à vontade de Rhodan. Era

surpreendente ver o quanto esse homem dominava o

melhor cérebro do planeta Árcon.

Thora continuava a se manter a parte, na expectativa,

absorta em seu estranho sentimento de amor-ódio pelo

homem que lhe despertava incontida admiração, mas a

quem não fazia concessão alguma. Ao lado de uma

ilimitada indignação, turbilhonavam em sua mente

pensamentos suaves e ternos.

Nas telas côncavas do cérebro-robô positrônico piscava

e brilhavam as fórmulas dos cálculos finais. Rhodan

manipulava os controles com incrível desembaraço,

dominando uma máquina cuja perfeição mecânica jamais

deveria admitir ordens humanas. E, no entanto, ela

obedecia a Rhodan.

— Ruptura estrutural No 118! — anunciou a voz rouca

de um homem atarracado, de ombros largos.

Thora estremeceu. Reginald Bell, ex-capitão da Força

Espacial dos Estados Unidos e pioneiro lunar,

demonstrava seu propalado sangue-frio diante de

emergência. Mas era preciso conhecê-lo bem para

adivinhar a férrea calma que ia por trás da face zombeteira.

— Mais um salto, a centésima décima nona transição...

— disse Bell, elevando a voz acima do zunido dos

aparelhos. — É o quanto basta! Para que continuar

escutando as mensagens? E agora?...

Seu olhar ia de Perry Rhodan para Crest, num

incessante vaivém. Sabia que as opiniões dos dois homens

divergiam.

— Insiste nisso, Crest? — perguntou Rhodan,

erguendo-se da cadeira giratória.

O arcônida demonstrava sinais de excitação.

Ocorrência incomum na maneira de ser, em geral

ponderada e cordata, do ser extraterreno. Rhodan sentia

que a Terceira Potência do planeta Terra se encontrava em

vias de entrar numa nova fase. Portanto, acrescentou à sua

pergunta:

— Parece-me que acaba de iniciar-se a segunda etapa

de nosso empreendimento. Medite sobre isso. As

informações transmitidas por nossas estações-robôs em

Plutão indicam com clareza que as rupturas registradas

pelos sensores estruturais ocorreram no setor do sol Vega.

Foi constatado igualmente que inúmeras astronaves,

vindas do hiperespaço, executaram ali sua reentrada no

universo normal. Significando que seres desconhecidos

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estão explorando ativamente o sistema planetário que deve

existir em torno de Vega. Conserve-se lúcido, Crest! Prezo

muito sua inteligência e tolerância e o auxílio que prestou

à Terra e aos homens tem sido inestimável.

— Pois então não lhe custaria nada atender uma vez a

um pedido nosso! — interrompeu Thora, do lugar onde

estava.

Haggard e Manoli, os dois médicos, se entreolharam. O

cenho franzido de Haggard revelava séria preocupação:

Thora estava criando problemas!

— Não nos foi possível até agora atender aos pedidos

que me fizeram — respondeu Rhodan, secamente. — A

posição galáctica da Terra precisa ser mantida em segredo,

custe o que custar. Já me bastou o incidente com invasores

extraterrenos há três anos passados. Crest está

redondamente enganado com suas suposições!

— Pois continuo pedindo e implorando uma expedição

imediata ao setor do sol Vega! — insistiu Crest. — Meus

cálculos provam, sem sombra de dúvida: o mundo que

tenho procurado tão desesperadamente se encontra entre os

planetas do sistema Vega! Perry, pelo menos uma vez,

aceda aos meus desejos! Faz quase quatro anos, na medida

terrena do tempo, que fomos forçados a descer na Lua.

Coisa que não fazia parte dos nossos planos. Eu vim para

este setor remoto da galáxia em busca de um planeta cujos

habitantes conhecem o segredo da conservação biológica

das células. O que quer dizer: a vida eterna.

— Mas o senhor ainda nem pode afirmar com certeza

que Vega possui planetas! — objetou Reginald Bell. —

Seus cálculos podem estar corretos. Mas e daí? Para mim

não é motivo suficiente para alguém se jogar naquele

caldeirão de bruxas. As naves que emergiram lá do

hiperespaço não ameaçam a Terra por enquanto, mesmo

que o cérebro positrônico tenha alvitrado a possibilidade

da Terra ter sido descoberta. Por razões óbvias, não creio

que seja o caso.

Rhodan persistia em seu inquietante mutismo. Lá

embaixo, no vasto salão de conferências, aguardavam os

chefes dos serviços secretos e os delegados das nações

terrestres. O alarme fora de âmbito mundial. E agora

aquela surpresa!

— Mas trata-se de naves arcônidas, cujos comandantes

vêm igualmente com a missão de procurar o mundo da

vida eterna, tenho certeza! — teimou Crest.

A impassibilidade de Rhodan parecia transtorná-lo

profundamente.

Novamente a resposta foi dada por Bell:

— Por que tenta iludir-se a si próprio, Crest? Todos

nós sabemos que a outrora poderosa e ativa raça dos

arcônidas degenera a olhos vistos. O declínio mental já era

tão acentuado há quatro anos que a tarefa de equipar seu

cruzador de pesquisa custou esforços inauditos. A turma

que surgiu do hiperespaço lá em Vega não tem nada a ver

com seus patrícios, os arcônidas. Confie em meu instinto.

Recuso decolar com a Good Hope num vôo mais rápido do

que a luz. Assim como detectamos e localizamos com

exatidão os abalos da estrutura espacial, os desconhecidos

nos perceberão por sua vez. Com o que delataríamos a

posição de nosso sistema solar. Que diabo, afinal eu sou o

ministro da segurança, não é?

Bell ergueu-se da poltrona de controle. Acima dele

cintilavam as telas dos hipersensores, funcionando em

velocidade superior à da luz. O major Nyssen, comandante

do 2o Grupo de Caça Espacial, comunicava não haver

vestígio de objetos estranhos no âmbito do sistema solar.

— Viu? — exclamou Bell, carrancudo, com os pálidos

olhos azuis cheios de animosidade. — Crest, ninguém vai

me forçar a sacrificar a Good Hope! Os sensores

estruturais em Plutão registraram até agora cento e vinte e

duas transições. Todas na vizinhança imediata de Vega!

Pretende mesmo jogar nossa única espaçonave grande no

meio daquele caos? Seria rematada loucura!

— Sua opinião não é a decisiva, Bell! — exclamou

Thora, acremente, enquanto assumia uma postura ainda

mais rígida. Porém o rosto denotava intensa comoção.

“Uma bela mulher!” constatou Rhodan. Não pela

primeira vez; já se habituara a reconhecer a beleza da

arcônida, e seu cérebro apenas confirmava

automaticamente o fato, como coisa rotineira. Ficou

observando Thora com os olhos semicerrados.

Ela emudeceu no meio da frase ao ver o estranho

sorriso de Rhodan. A face contraída não escondia mais o

nervosismo.

— Prossigamos! — encorajou Rhodan. — Que mais

precisa ser dito?

Bell cerrou os poderosos punhos.

— Eu nada tenho a dizer! — reclamou, irritado. —

Perry é que é o chefe. Sei que não me suporta, Thora; mas

bem que poderia pensar um pouco na nossa nave. E a

única mais rápida do que a luz disponível no momento. A

sorte ainda nos protegeu desta vez, está claro? Quando

escutei o primeiro sinal de alarma da estação em Plutão,

imaginei ver surgir sobre a Terra uma frota atacante.

Prefiro pecar por excesso de cautela, o que não pode

prejudicar nem a Humanidade, nem a vocês, arcônidas.

Dentro de aproximadamente um ano, nossos estaleiros

terão concluído a construção das novas naves e então

poderemos fazer outros planos. Vou erguer as mãos para

os céus se nos deixarem em paz até lá. Atualmente não

dispomos ainda de armas para enfrentar inteligências

cósmicas. E justamente nestas circunstâncias você insiste

em fazer o que vínhamos evitando nos últimos três anos,

por medida de segurança: um hipersalto espacial. E em

direção de Vega, ainda por cima, onde acaba de aparecer

uma numerosa frota espacial!

Rhodan pigarreou.

John Marshall sorriu zombeteiro. O coronel Freyt,

chefe da Força de Caça Espacial, que chegara momentos

antes, divertia-se com a eloqüente arenga de Bell.

— Você me recusa toda e qualquer oportunidade,

Perry! — queixou-se o arcônida, com voz magoada. —

Durante três anos tem se oposto até as viagens curtas, no

raio de cinquenta anos-luz.

— Exato. Sempre fui obrigado a refrear minha própria

curiosidade a bem da segurança da Terra. Poderiam nos

localizar. Sabe muito bem que nenhuma concentração de

energia incipiente é tão fácil de localizar quanto uma

distorção da estrutura gravitacional.

— Já esperamos bastante! Continuo a afirmar que as

naves surgidas no sistema Vega provêm de Árcon, minha

pátria. Justamente por causa da degeneração que se alastra

cada vez mais, somos obrigados a tentar prolongar a vida

útil das mentes ainda sãs, submetendo-as a um processo

artificial de rejuvenescimento. O Conselho Central de

Árcon deve ter feito um esforço supremo a fim de

possibilitar ainda no último momento a descoberta do

planeta da preservação celular.

— Exijo a partida imediata! — manifestou-se

novamente Thora. — Estou certa de poder entrar em

contato com meu povo no sistema Vega. Transmitimos a

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você tudo que sabemos através da hipnoinstrução, portanto

não precisa mais de nós, Rhodan. Faço-lhe presente da

Good Hope. Leve adiante seu plano de elevar sua tão

amada Humanidade a um poder galáctico, da forma que

achar melhor. Mas primeiro será preciso domar os seres

primitivos de sua raça, dominados pelo instinto. Meios

para isso não lhe faltam. Portanto, repito minha exigência:

quero decolar e ser conduzida para Vega!

— Que idéia absurda! — gritou Bell, furioso. — Será

preciso lhe dizer claramente que a altiva raça arcônida

chegou ao fim? Sinto muito, porém é tempo de que alguém

lhe abra os olhos, Thora. Ainda guardo nitidamente na

memória a expressão passiva e sonolenta dos rostos dos

tripulantes de seu cruzador aniquilado. Você e Crest

podem se dá por satisfeitos, ainda conservam a mente

ilesa. Pois a usem para pensar e não para alimentar

fantasias irreais!

As palavras eram duras, de uma franqueza quase

brutal. Rhodan aguardou o resultado delas.

Thora tremia de indignação. Crest pareceu desmoronar

interiormente. Abalado, deixou-se cair no primeiro assento

que encontrou. Na Central de Comando o silêncio era

opressivo. Apenas o berreiro incessante do

radiotransmissor galáctico se fazia ouvir da peça vizinha.

— Coronel Freyt!

A voz de Rhodan era seca e impessoal. Sobressaltando-

se, Freyt assumiu involuntariamente a posição de sentido.

Bell fitou o comandante com os olhos arregalados.

Conhecia bem aquela expressão. Rhodan era o tipo

humano classificado pelos psicólogos da Força Espacial

como de adaptação instantânea. E o hipnotreinamento

recebido dos arcônidas intensificara ainda mais essa

capacidade.

Perry Rhodan era agora o comandante severo e

intransigente que não admitia contradições.

— Às ordens! — respondeu Freyt, engolindo em seco.

— Mande o major Deringhouse aterrissar

imediatamente! Nyssen fica em órbita lunar com seu

grupo. Obrigado! Capitão Klein?

O segundo homem se perfilou diante do comandante.

Os olhos cinza-névoa deste não encorajavam perguntas.

Rhodan não tinha consciência de que dominava os

presentes com o poder de sua vontade, forçando-os

inconscientemente a aceitar suas sugestões.

— Colocar em prontidão um esquadrão de emergência.

Cinquenta homens bastam. Assuma o comando. Sintonize

igualmente cem guerreiros-robôs para frequência

individual. Decolamos dentro de cinco horas, exatamente.

Obrigado!

Dois homens abalados deixaram o recinto.

Crest ergueu-se lentamente; o rosto ao mesmo tempo

jovem e idoso refletia profunda emoção.

— Muito obrigado! — falou, com voz embargada. —

Encontrará todo o apoio imaginável no sistema Vega.

Talvez eu possa conseguir até que lhe cedam um cruzador

espacial realmente capaz de enfrentar batalhas. O Grande

Império protegerá a Terra em toda e qualquer

circunstância. Jamais esqueceremos o que fez por nós.

Eu!...

Mas Crest calou diante do olhar do homem magro, de

estatura elevada. Pois leu no fundo dos olhos claros um

remoto indício de piedade, amenizando a anterior

expressão autoritária.

— Crest, eu lamento ter que dizer isso, mas não vai

encontrar uma só nave arcônida no sistema Vega! Não se

iluda! A ansiedade enche sua mente de sonhos. A raça

arcônida não possui mais condições para desencadear um

ataque maciço desta espécie. Lembre-se de que

localizamos mais de cento e vinte espaçonaves em

transição. Isso não é gente sua!

O corpulento ministro da defesa se adiantou.

— Exatamente o que penso! Mas por que insiste em

decolar, Perry, se é que me permite a pergunta? De acordo

com as observações feitas, o ataque não se dirige contra

nós. Por que atrair a atenção dos desconhecidos, homem?

Por que, Rhodan? É mais do que evidente que a ação deles

se concentra em torno do sol gigante. Será que refreamos à

toa nossa impaciência por vôos interestalares nestes três

últimos anos? Parece que todo mundo ficou biruta de

repente por aqui!

— Se eu fosse ditador, você estaria frito agora, Bell! —

murmurou Rhodan, com seu famoso sorriso enigmático

brincando no canto dos lábios. — Nunca lhe ocorreu que

poderia estar enganado?

— Enganado, eu? — replicou Bell, atônito.

— Sim, isso mesmo. A Good Hope decola dentro de

cinco horas! Exclusivamente no interesse da Terra, em

missão de reconhecimento. Pensa que vou permanecer de

braços cruzados diante de uma invasão extraterrena a

apenas vinte e sete anos-luz daqui? E trata-se efetivamente

de uma invasão! Negociantes ou pesquisadores nunca se

apresentariam assim em massa, com naves evidentemente

poderosas. E mais uma coisa!...

Perry Rhodan olhou em torno com ar severo.

— ...mais uma coisa, senhores, que passou

despercebida de todos: alguém, lá longe no espaço

galático, cometeu um pequeno erro de cálculo. Esta

invasão tinha por objeto real a Terra, e não Vega. Os

chamados de socorro emitidos da Lua pelo cruzador

arcônida foram registrados com uma falha infinitesimal.

Ora, levando em conta as distâncias galácticas, um desvio

mínimo na navegação hiperespacial resulta em errar o alvo

visado por vinte e sete anos-luz. É por isso que vamos dar

uma olhada nos acontecimentos. Senhores, a segunda

etapa está se iniciando. Ou a segunda crise, se preferirem.

Marshall anuncie-me aos delegados no salão!

Rhodan colocou o quepe na cabeça, fez uma rápida

continência e encaminhou-se para a porta blindada. O

tenso silêncio provocado por suas últimas palavras foi

rompido por uma risada sarcástica.

Reginald Bell postou-se com ar de desafio diante dos

complicados aparelhos de detecção.

— Veremos quem está com a razão, comandante. Mas,

se com esta doidice atrairmos seres estranhos para a Terra,

eu me permitirei a liberdade de taxar de irresponsável o

ilustre major Perry Rhodan, dirigente da Terceira Potência.

E, com sua licença, comandante, se algum subordinado

meu cometesse erro de tal monta, eu o mandaria submeter

à corte marcial, sob a acusação de comprometer

deliberadamente a segurança mundial.

Firmando as mãos sobre o encosto de uma das

poltronas, o Dr. Manoli aguardou fremente a reação de

Rhodan. Voltando-se lentamente, ele declarou em tom

suave, acompanhado de uma olhar enigmático:

— Eu também faria o mesmo, Bell!

A porta de aço fechou-se com um baque surdo. Os

braços metálicos dos guerreiros-robôs de fabricação

arcônida abaixaram imediatamente as armas apresentadas

em continência. O chefe se retirara.

— Bom psicólogo é que você não é! — comentou o

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Dr. Haggard, ministro da saúde da Terceira Potência desde

sua criação e fundador da renomada Clínica Arcônida.

O corpulento gigante tomou o rumo da porta blindada.

Eric Manoli, ex-médico de bordo da Stardust

acompanhou-o sem comentários. Reginald Bell seguiu-os

com um olhar sombrio. Depois fitou os dois arcônidas.

E compreendeu, num relance, por que Rhodan desistira

de sua contínua oposição contra viagens espaciais mais

rápidas do que a luz: porque fora obrigado a ceder.

As circunstâncias não permitiam mais a recusa de um

vôo interestelar. Pois a possibilidade de transformar Thora

e Crest em ferrenhos inimigos da Humanidade era muito

mais arriscada do que a eventual descoberta da Terra por

seres estranhos.

Além disso, havia desconhecidos operando

relativamente perto dali...

* * *

O ruído dos potentes pulsos propulsores em

funcionamento fazia pensar no rufar de imensos tambores

acionados por gigantes invisíveis. Rugindo, a Good Hope

se ergueu no ar.

Seu local de pouso ficava debaixo da grande cúpula

energética. Assim que a curvatura do polo superior da

esfera com sessenta metros de diâmetro ameaçou tocar a

radiosa cobertura, o cérebro-robô positrônico reagiu, com

a precisão de um mecanismo desprovido de nervos. O

campo energético entrou em colapso, deixando passar a

nave. Porém, segundos após, voltou a ver-se a intensa

luminosidade produzida pela incompreensível força

desconhecida. Com o reerguimento do anteparo protetor

emudeceu igualmente o tonitruante rugido do aparelho em

ascensão. Segundos após, ele sumiu no céu do deserto.

Rhodan acelerava com valores que levariam à

incandescência, por efeito da fricção do ar, qualquer outro

veículo.

O general Pounder refreou a custo seus sentimentos.

Para o homem habituado à atividade espacial, constituía

espetáculo grandioso ver a gigantesca nave projetar-se

para o alto com tamanha facilidade. Diante daquilo, os

foguetes usados pela Força Espacial dos Estados Unidos

pareciam lerdos e pesados; ineficientes com seu primitivo

sistema de propulsão nuclear. E não só os americanos!

Também o marechal Gregor Petronski, chefe da Defesa

Aérea e Espacial Oriental, não conseguia disfarçar a

emoção nos traços pétreos do rosto. Os olhares dos dois

altos oficiais se cruzaram.

Pounder disse:

— Que é feito de nosso orgulho? Uma formiguinha

pisada por pé gigante não poderia se sentir mais indefesa e

insignificante...

O marechal preferiu não responder. Sua atitude era

significativa. Não havia mais lugar para divergências e

inimizades mal disfarçadas. Pelo menos aquilo Perry

Rhodan conseguira obter com o simples fato de criar sua

Terceira Potência.

O homem baixo e franzino, aureolado com uma coroa

de cabelos dourados, sorriu com benevolência. Ninguém

diria que se tratava do chefe todo-poderoso de um serviço

secreto denominado Conselho Internacional de Defesa.

Allan D. Mercant avançou alguns passos. A

conferência relâmpago realizada por Rhodan causara

tremendo impacto. Mercant consultou o relógio. Sua voz

era calma e amável como sempre:

— Vamos cavalheiros? Ou alguém ainda duvida da

existência de raças altamente desenvolvidas além da

nossa? Em caso negativo, rogo-lhes que comuniquem aos

respectivos governos o resultado de nossas conversações.

Estarei em Washington durante os próximos dias.

Viajamos junto, general?

Pounder concordou com um aceno.

— E o que acontecerá caso o voo de Rhodan acabe em

insucesso? — indagou uma voz.

Pertencia a Kosselov, o chefe do Serviço Secreto

Oriental.

Mercant enxugou o suor da testa com as costas da mão.

— Neste caso, só nos restaria fazer votos pela não

descoberta da Terra. Meus senhores, neste momento é

imprescindível alertar nossos governos para o fato de que

não estamos mais sós! E seria mais do que oportuno

renunciar de uma vez por todas a qualquer preconceito

ainda existente contra a unidade universal. A Humanidade

não pode apresentar-se desunida diante de eventuais

invasores cósmicos.

O grupo se desfez.

— Faço votos pelo êxito da expedição! — murmurou

Petronski. — Se os dados registrados pelos localizadores

forem corretos, Rhodan vai se meter num verdadeiro

inferno. Qual é a capacidade de reação da Good Hope?

— Tudo depende das armas possuídas pelos

adversários desconhecidos!

— Bem, aguardemos! — respondeu Petronski. — Vou

preparar o alarma atômico em minha área de comando.

Pois gostaria de estar razoavelmente preparado caso seres

estranhos comecem a se interessar por nós.

A densa floresta de Vênus ainda reverberava com o eco

da estrondosa decolagem da Good Hope, porém a nave já

desaparecera no turbilhão convulso que sua ascensão

provocara na cobertura de nuvens do segundo planeta do

sistema solar. As massas de ar violentamente deslocadas e

comprimidas haviam sido aquecidas até quase a

incandescência; uma faixa luminosa revelava o rumo

tomado pela nave, que decolara verticalmente, após vencer

a distância Terra-Vênus em cerca de quarenta minutos.

Para Perry Rhodan, a escala em Vênus não passava de

um breve pouso com a finalidade de colher informações.

Porém estas informações eram de vital importância. É que

o cérebro-robô, relativamente pequeno, existente na área

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terrestre da Terceira Potência não continha dados sobre o

provável sistema planetário do sol Vega; portanto, Rhodan

alimentava a vaga esperança de encontrar algo no

computador gigante de Vênus. O monstro mecânico-

positrônico, construído por cientistas arcônidas na remota

era de sua expansão galáctica, fornecera de fato os dados

que Perry Rhodan precisava.

O mais difícil fora convencer Thora e Crest da

necessidade do pouso prévio em Vênus. Mas, por trás do

sorriso amável, a exigência de Rhodan era explícita: só

arriscaria a transição para Vega, a apenas vinte e sete anos-

luz de distância dali, se pudesse obter primeiro dados reais

e concretos sobre a família planetária da estrela gigante.

Thora a Crest encerraram-se em teimoso mutismo. A

situação a bordo da Good Hope beirava perigosamente os

limites de uma séria desavença. E Rhodan percebia a

necessidade urgente de chegar a uma solução mediadora.

A consulta ao gigante positrônico, mil vezes mais

eficiente do que o cérebro retirado da Good Hope e

instalado na Terra, resultou positiva. Realmente, as naves

arcônidas tinham explorado as vizinhanças do Sistema

solar há cerca de dez mil anos, em contagem terrena de

tempo, por ocasião das expedições migratórias então

efetuadas. A fortaleza em Vênus fora construída com a

finalidade de servir como uma espécie de refúgio cósmico

para situações de emergência.

Na ocasião, os atualmente degenerados arcônidas

deviam encontrar-se ainda em plena posse de sua

capacidade mental e criativa. Nada mais natural, portanto,

do que acumular informações acerca do armamento

vizinho à Terra.

Perry Rhodan contara com isso. Mas, para Thora e

Crest, era uma inesperada surpresa. Como o cérebro-robô

do cruzador de pesquisa destruído não continha tais dados

em seu banco de memória, os dois arcônidas haviam

concluído que o computador gigante de Vênus nada

saberia também acerca do sistema planetário de Vega.

Rhodan viu-se obrigado, a contragosto, a chamar a

atenção do cientista Crest para um engano frequentemente

cometido por sua raça: o arquivo positrônico central do

distante planeta Árcon não era tão completo quanto os

arcônidas julgavam. Acabavam de ter uma prova positiva

disso. De onde se poderia concluir que muitas das

expedições feitas pelos arcônidas a mundos afastados

jamais haviam sido reveladas e registradas. Fato que Crest

costumava negar com veemência.

Provido com informações essenciais, Rhodan levantou

voo de Vênus, mas agora com seu rumo bem traçado.

* * *

Na cabina de comando da nave esférica mal se ouvia o

ronco surdo dos propulsores trabalhando em carga

máxima. Carga máxima; isso significava a expulsão, à

velocidade exata da luz, de um jato de partículas coerentes,

compactadas por um campo energético gerado em espaço

hiperestrutural.

Perry Rhodan e os arcônidas denominavam o processo

onda de corpúsculos, noção que provocara verdadeira

sensação nos meios científicos terrestres. A tecnologia

arcônida parecia estar ferozmente empenhada em invalidar

as teorias prevalentes na Terra, e em tornar realidade

impossibilidades científicas. A julgar pela última aula de

Rhodan na mundialmente famosa Academia Espacial,

seria preciso esquecer a maior parte do que os homens

tinham aprendido até então caso quisessem enfronhar-se

nos conhecimentos arcônidas. Ou então reformular por

completo a maneira de ver as coisas.

Pulsopropulsão e onda de corpúsculos eram conceitos

explicáveis apenas através da matemática

pentadimensional.

A Good Hope acelerou na razão aparentemente

alucinante de quinhentos quilômetros por segundo, o que,

em teoria, lhe permitiria alcançar velocidade igual à da luz

em dez minutos.

Também aqui se aplica o princípio claramente

estabelecido para a velocidade relativística, de acordo com

a simples relação linear de que a velocidade é igual a

tempo vezes aceleração constante.

Para o observador na Terra, no entanto, após dez

minutos de aceleração constante, a nave teria alcançado

apenas uma velocidade correspondente a 70% da luz.

Para Rhodan se tornavam aplicáveis os conceitos mais

elementares da contração relativística proporcional do

tempo. Sob o ponto de vista dos conhecimentos humanos,

as equações envolvidas eram bastante complexas; porém,

arcônidas do nível de Crest costumavam fazer os cálculos

mentalmente.

O domínio de uma nave interestelar acarreta inúmeros

problemas. A despeito de sua excepcional capacidade

científica,, Rhodan e Reginald Bell se defrontariam com

obstáculos insuperáveis não fosse o hipnotreinamento

recebido dos arcônidas. Rhodan pilotava com mão firme e

ânimo tranquilo a nave, em seu vertiginoso voo pelo

sistema solar. Os controles quase totalmente

automatizados permitiam que a Good Hope fosse

controlada por uma só pessoa em caso de necessidade,

desde que esta estivesse familiarizada com a técnica

arcônida.

Crest e Thora aguardavam a transição iminente com a

indiferente calma provinda do hábito. Rhodan e Bell, no

entanto, não escondiam seu nervosismo, apesar de terem

sido devidamente preparados para a experiência. E as

coisas corriam bem demais!... Os cálculos necessários para

o vencimento de um trecho espacial correspondente a,

vinte e sete anos-luz já estavam sendo feitos, com Vega

por objetivo final. Compilando os dados básicos

fornecidos pelos localizadores — a distância do alvo, a

massa da nave e os campos gravitacionais prevalentes — o

computador galatonáutico calculou a taxa de impulsão,

conceito completamente incompreensível para pessoas

comuns, e que os arcônidas denominavam hipervelocidade

de fuga universal.

Rhodan sabia muito bem que o rompimento da barreira

da luz não podia ser nem concebido nem explicado com a

matemática terrena. Portanto viu-se obrigado a relegar ao

esquecimento toda sua bagagem de aprendizado

tradicional e guiar-se apenas pelos preceitos da ciência

arcônida. Era suficiente para provocar tanto nele como em

Bell profundos conflitos emocionais. Haviam passado por

todas as experiências possíveis e imagináveis, o que não os

impedia, porém de se sentir agora como o homem pré-

histórico diante de seu primeiro contato com o fogo:

sabiam como usá-lo, porém ainda ignoravam que ele podia

igualmente ferir e matar.

O ruído dos quatro pulsopropulsores sincronizados

intensificou-se, lembrando trovoada roncando ao longe.

Quanto mais a Good Hope se aproximava da velocidade

exata da luz, tanto mais acelerado se tornava o trabalho das

máquinas de fabricação extraterrena.

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A órbita terrestre ficara para trás. A nave afastava-se

do Sol, a fim de iniciar o salto hiperespacial ainda no

âmbito do sistema solar. Quando o ponteiro do

velocímetro chegou a uma fração centesimal da marca que

indicava a velocidade da luz e os sinais acústicos do piloto

automático principal clamaram por empuxo adicional,

Rhodan soltou as mãos dos controles e girou em sua

poltrona.

Apenas os líderes da reduzida tripulação se

encontravam reunidos na cabina de comando. Nas

numerosas telas de observação externa cintilavam sóis

remotos, muitos dos quais deviam possuir sistemas

planetários.

Um rápido toque no comutador extinguiu as luzes

piscantes no painel do controle. Thora olhou para Rhodan

intrigada, perguntando em tom inquieto:

— Por que suspendeu a aceleração, Rhodan?

O comandante ergueu-se lentamente de seu assento.

Bell ficou na expectativa. Algo estava errado.

— O excelente hipnotreinamento que recebi me gravou

firmemente na memória que não é aconselhável iniciar um

hipersalto de dentro de um sistema planetário — explicou

Rhodan, pausadamente. — Vamos prosseguir em queda

livre até atingir a órbita de Júpiter, em velocidade um por

cento abaixo da luz. Prefiro não provocar indesejáveis

distúrbios no campo magnético da Terra. Querem vir

comigo até a cantina?

Bell ligou os hipersensores, para detecção imediata de

qualquer corpo estranho, conectando-os com os projetores

dos anteparos de defesa. Depois seguiu Rhodan. O piloto

automático inteiramente positrônico merecia total

confiança, mais do que qualquer ser humano.

John Marshall, o mutante dotado de qualidades

telepáticas, sondou de longe os dois arcônidas. Não

conseguindo penetrar nas mentes bloqueadas, virou-se

para pedir auxilio à menina magra, de olhos imensos.

Betty Toufry brindou-o com um ligeiro sorriso que, no

entanto, não tinha nada de infantil. Com um movimento de

ombros, deu a entender que também ela não conseguia

captar o conteúdo mental dos extraterrenos, apesar de seus

dons serem mais fortes do que os de Marshall.

Tako Kakuta, o diminuto japonês que ainda há pouco

estivera de pé ao lado de Bell, desapareceu de repente. O

jovem com o espantoso dom da teleportação preferira mais

uma vez o caminho mais curto. Era parte de sua constante

prática e treinamento.

Além de Marshall, Betty e do franzino japonês,

encontravam-se a bordo duas pessoas que Bell antes da

decolagem conhecia apenas de nome. Rhodan mandara

dois caças espaciais ultrarrápidos ir buscá-los em Vênus,

onde ambos concluíam seu curso de especialização.

Dizia-se que Wuriu Sengu, o japonês gordo e troncudo,

era capaz de enxergar através de corpos sólidos usando

exclusivamente sua força mental. Mineiro de profissão,

sempre maravilhara seus companheiros com sua infalível

precogniçâo da produtividade de tal ou qual nova galeria

de carvão aberta. O Corpo de Busca de Mutantes da

Terceira Potência fora descobrir Sengu no Japão.

Ralf Marten, nascido igualmente no Japão, filho de um

comerciante alemão e mãe nativa, possuía dotes ainda

mais espantosos. Também ele pertencia à geração vinda ao

mundo pouco após a explosão atômica sobre Hiroshima. O

alto e esbelto jovem era capaz de abolir temporariamente a

própria identidade, assumindo parapsicologicamente a de

outra pessoa. Via por seus olhos e ouvia por seus ouvidos,

sem que a vítima encontrasse meio de eximir-se dessa

invasão. Capacidade que poderia explicar o extraordinário

êxito de Ralf Marten no mundo dos negócios.

Tako Kakuta, cuja mera presença provocava acessos de

irritabilidade em Reginald Bell, possuía o dom da

teleportação. Sem qualquer artifício, transportava seu

corpo para outro local em questão de segundos.

Betty, a menina, era duplamente excepcional. Além de

seus poderosos dons telepáticos, era capaz de executar a

telecinésia: usar seu poder mental para mover objetos sem

tocá-los com as mãos.

Estranhos tripulantes aqueles cinco mutantes! Para os

arcônidas, cuja cultura mais adiantada admitia tais

fenômenos, o grupo ainda era considerado tolerável. Mas

os tripulantes humanos comuns consideravam-nos

verdadeiras monstruosidades. Claro que jamais alguém

expressava esta opinião em voz alta, evitavam até pensar

nisso, porém era a maneira de ver que predominava entre

os demais membros da tripulação.

Na espaçosa cantina da nave auxiliar do cruzador

arcônida, adaptada às necessidades humanas, formou-se

uma nítida barreira de separação entre os mutantes e os

cinquenta homens da tropa de choque destacada para a

missão. Apenas olhares carregados de respeito, admiração

incontida, desconfiança e curiosidade voavam de um lado

para outro. O Exército de Mutantes, unidade especial da

Terceira Potência, constituía poderoso fator de segurança.

Era compreensível que os cinquenta integrantes da tropa

de choque se sentissem inferiorizados, a despeito de sua

formação categorizada.

Rhodan tinha plena consciência de não poder

harmonizar em uma só geração o cisma profundo entre

pessoas normais e mutantes. Portanto, ele contentava-se

em obter um convívio razoavelmente tolerável entre os

dois grupos.

Reinava na cantina um clima feito de extrema tensão,

excitamento e conformada resignação. Esta provinha

principalmente de Reginald Bell, que via suas enérgicas

objeções à expedição interestelar serem completamente

ignoradas.

Rhodan foi breve. O impaciente olhar para o relógio

denotou que não estava disposto a perder tempo com

argumentos prolixos.

— Assim que chegarmos à órbita de Júpiter, partimos

para o primeiro salto hiperespacial jamais realizado por

homens! — anunciou, calmamente. No entanto, seu

nervosismo íntimo era aparente. — Peço-lhes

encarecidamente que obedeçam à risca às instruções

dadas. Os doutores Haggard e Manoli se encarregarão da

assistência médica assim que emergirmos no hiperespaço.

A ocorrência de danos físicos é pouco provável; a mente

também não será afetada. Se o processo fosse perigoso, a

raça arcônida teria sido extinta dez mil anos atrás.

Mantenham o maior relaxamento possível durante a

transição. A desmaterialização é inevitável durante o

fenômeno de passagem para o hiperespaço

pentadimensional. Nossos organismos sofrerão uma

passageira solução de continuidade, pois não podem

subsistir no estado presente num plano supernatural. Mas

podem estar certos de que, por ocasião do regresso à

dimensão quadridimensional de nosso mundo normal, cada

qual encontrará novamente seu apêndice no lugar exato

determinado pela mãe-natureza. Mais uma observação...

Rhodan percorreu a atenta audiência com um olhar

imperscrutável.

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— O cérebro-robô de Vênus forneceu-me dados exatos

sobre o sol Vega. De acordo com ele, a estrela contava a

dez mil anos, tempo terrestre, com quarenta e dois

planetas. Fato nada surpreendente, em vista de suas

dimensões gigantescas. Uma expedição arcônida andou

explorando a área na época mencionada, colhendo

informações detalhadas. Vida inteligente só foi constatada

no oitavo planeta, denominado Ferrol. Consta que os

ferrônios têm aparência humana; pelo menos possuem dois

braços, duas pernas, uma só cabeça e andam eretos.

Quando os arcônidas visitaram Ferrol, os nativos

acabavam de descobrir a pólvora. O que nos permite

deduzir que atualmente, dez mil anos após, possuam armas

nucleares, ou estejam capacitados para viagens

interestelares. Podemos deparar com uma raça altamente

desenvolvida; ou com um monte de detrito planetário,

girando deserto e solitário em torno de seu sol,

inteiramente arrasado pela radioatividade. Seja como for,

estejam preparados para surpresas e mantenham a calma.

Recomendo uma hora de sono para quem conseguir

adormecer. Seria ótimo passar pela transição em estado de

sonolência.

Rhodan despediu-se com uma breve saudação e voltou

à cabina de comando. O capitão Klein dispensou os

homens. O major Deringhouse, responsável pelos dois

caças arcônido-terrestres trazidos a bordo, decidiu ir

inspecionar seus aparelhos.

Ao acionar a porta blindada que dava acesso ao hangar

dos aviões, ele murmurou consigo mesmo:

— Sei lá, a coisa não me cheira bem!

Bell alimentava dúvidas semelhantes.

Dispensando o elevador antigravitacional, subiu

resfolegando pela escada espiral de emergência.

Entrando na central de comando repleta de

instrumentos que ainda lhe aturdiam os pensamentos, Bell

percebeu um ligeiro clarão à sua frente. Do nada emergiu

um vulto humano que, em fração de segundos, se

materializou na frágil e inequívoca silhueta do japonês

Kakuta. A face infantil e compenetrada mostrava um

amável sorriso:

— Esqueceu seu quepe, capitão! — disse ele. — Aqui

está!

Contando mentalmente até três, Bell desferiu um soco

na direção do risonho jovem. Mas como este voltara a

tornar-se invisível, não havia o que acertar e o golpe se

perdeu no ar.

Bell encaminhou-se para o assento do copiloto. Rhodan

recebeu-o com expressão impassível; mas as minúsculas

rugas nos cantos dos olhos revelavam vontade de rir.

— Os mutantes têm ordem para treinar seus

excepcionais poderes sempre e onde puderem! —

comentou, ironicamente.

Bell fixou o olhar sobre as telas fronteiras, sem dar

resposta. Marte, o planeta vermelho, aparecia no quadrante

direito superior da tela de estibordo. A Good Hope cruzava

em velocidade máxima.

Thora, a esguia arcônida, ocupava o assento diante do

computador galatonáutico. Sua expressão era enigmática.

— Como se sente? — indagou Rhodan.

— Ótima, obrigada! Perry, você se parece com um

campo energético instável, pronto a entrar em colapso a

qualquer momento.

Sem responder, Rhodan mantinha o olhar fixo para a

frente. Em algum lugar das profundezas do espaço devia

estar o ponto cujas coordenadas estavam sendo levantadas

pelo computador. Era essencial que o hipersalto se

processasse exatamente na fração de segundo determinada.

Thora lançou um olhar suplicante para Crest. Não sabia

por que se sentia de repente tão deprimida.

A transição se processou com a rapidez de um

relâmpago. Fugaz demais para ser percebida pela

consciência. Mal ressoou nos ouvidos o reboar estrondoso

dos conversores do campo estrutural, acionados

espontaneamente, as telas refletiram luz violeta e tudo se

transformou de repente.

A cabina de comando parecia o olho incandescente de

um gigante mitológico; o aparelhamento foi se dissolvendo

em névoa e desapareceu.

A incipiente sensação de dor era aguda e lancinante.

Cessou ao atingir o auge, como se o sistema nervoso

tivesse se desligado espontaneamente.

Dentro do campo estrutural erigido com toda a energia

disponível, a fim de excluir por completo a entrada de

qualquer força quadridimensional, a Good Hope

transformou-se num corpo incapaz de continuar mantendo

sua estabilidade. A física avançada dos arcônidas dava ao

fenômeno o nome de efeito de sublimação. Ao mesmo

tempo, as ondas corpusculares que acionavam os

pulsopropulsores convertiam-se em unidades energéticas

pentadimensionais, uma vez que também não conseguiam

conservar as características normais dentro do campo de

absorção esférico. Portavam-se como água diante de uma

fonte térmica intensa: era forçada a vaporizar-se, por não

poder continuar em estado líquido no ambiente

modificado.

Rhodan tentara passar pela transição em estado

consciente. Porém não havia evidentemente diferença

entre cérebros arcônidas e humanos neste particular. Seu

último pensamento, antes de penetrar no hiperespaço, foi

para a futura rematerialização. Afinal, transformar matéria

em energia era simples; porém nunca se conseguira obter

substância física de energia pura, fosse qual fosse seu

estado ou constituição.

Todavia, no caso de uma transição, o efeito ocorria

forçosamente, só que a rematerialização consistia apenas

na reversão exata ao estado de origem.

O processo todo durou pouquíssimo. O anterior

conceito relativista de tempo perdera toda a validade. Anos

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podiam valer por segundos, e vice-versa. A sombria cor

vermelha ainda predominava no ambiente quando a dor

excruciante voltou, aliada a aguda sensação de

desintegração. Mas os contornos dos objetos eram

novamente visíveis na cabina de comando.

O regresso ao universo normal foi espontâneo, sem

qualquer estágio intermediário. A visão clareou, os

sentidos retomaram o funcionamento normal, como se

nunca o tivessem interrompido.

Apenas as imagens captadas pelas telas eram

radicalmente diferentes. Nos vídeos frontais brilhava de

forma deslumbrante uma imensa estrela, que, de forma

alguma, poderia ser confundida com o sol terrestre. Era

grande e quente demais para isso, além de irradiar luz mais

clara.

Perry Rhodan foi arrancado do estado semiconsciente

pelo zumbido do sistema de alarma. Um gemido de dor

acabou de acordá-lo. Ao seu lado, uma voz preocupada

dizia:

— Parada dura, não é chefe? Tudo em ordem agora?

Rhodan viu-se diante de Tako Kakuta. O mutante

capaz de teleportação achava-se de pé diante do painel de

controle aparentando total indiferença.

— Senão...! — suspirou o comandante. — Como é que

você?...

— Ora, estou mais do que familiarizado com o

processo. Rematerializações são sempre iguais, quer sejam

provocadas por forças físicas ou psíquicas. Com o tempo a

gente se acostuma, pode crer. O alarma, comandante! Os

localizadores detectaram algo.

Rhodan não se preocupou com as irritadas

exclamações de seu copiloto, que levantava cambaleante

do assento. Com a face contraída de dor, Bell apalpou os

membros, um por um. Mas o sinal de alarma seguinte fez

com que ele ficasse instantaneamente alerta. Também

Crest e Thora davam sinais de vida. Das várias seções da

nave chegavam comunicados dizendo que estava tudo

bem. Haggard e Manoli confirmaram o bom estado da

tripulação.

O alarma fora ativado pelos sensores estruturais da

própria nave; tinham detectado violentas deformações na

estrutura do espaço. Os sinais continuaram a manifestar-se

por alguns momentos; depois foram rareando, até que a

última lâmpada se extinguiu.

Rhodan fitou os companheiros em silêncio. Estavam

todos presentes e, ao que parecia, sem ter sofrido o menor

dano. A atitude de Thora denotava tal superioridade e

condescendência que Rhodan não ousou expressar a

pergunta que lhe queimava os lábios.

Bell, no entanto, não se dominava tão bem. Vacilando,

e com a vista turva, aproximou-se das telas, indagando:

— Chegamos inteiros? Isso ai é Vega?

Soberbamente, a arcônida respondeu:

— Que acha? As hipertransições de nossas naves

sempre se processam com absoluto êxito!

— Saltamos por cima de vinte e sete anos-luz? — Bell

engoliu em seco, praguejando baixinho. Sem mais

comentários, voltou à sua poltrona, e pôs-se a recolher as

informações que iam sendo fornecidas, numa fita, pelo

painel de controle. Sim, tudo corria muito bem. Um

acontecimento inédito e espetacular para a tripulação

humana decorrera com a precisão de um mecanismo de

relógio bem ajustado. E ninguém parecia impressionar-se

com isso, muito menos os arcônidas.

Crest postara-se, fremente, diante dos calculadores dos

sensores estruturais. O resultado dos cálculos, inteiramente

automáticos, indicava a aproximação do primeiro planeta.

O fato era confirmado pelos hipervelozes localizadores;

seus impulsos se projetavam na dianteira da Good Hope,

sendo refletidos com a mesma incalculável rapidez.

Nas telas começaram a brilhar inúmeros pontinhos

verdes. Eram eles que despertavam o ardoroso interesse do

cientista arcônida.

— Nossas naves! — murmurou Crest, comovido. — E

uma frota inteira! Veja as indicações dos sensores

estruturais, Rhodan: mais de cinqüenta delas emergiram

quase simultaneamente do hiperespaço.

— Quando, exatamente? — indagou Rhodan, com fria

impassibilidade.

— Bem ao mesmo tempo que nós.

— Ótimo! — exclamou Rhodan. — Portanto não

devem ter detectado o abalo estrutural que provocamos

com nossa aparição. Coincidência benéfica, não?

— Seria conveniente proceder a um reconhecimento

mútuo — interveio Thora, excitada. — Não sinto

disposição para prolongar as buscas. Mande calcular o

curso para o oitavo planeta, por favor. Garanto que

daremos com nossas naves de pesquisa lá.

— É, talvez tenha razão, Thora... — respondeu Rhodan

com voz pausada.

Depois levantou a voz, ordenando energicamente:

— Bell, todos em prontidão de combate! Dê alarma

geral. Thora, encarrregue-se dos localizadores. Bell, você

fica com o comando do centro de armamento!

Bell não fez comentários. O brilho dos olhos de aço do

chefe lhe dizia o suficiente.

As campainhas de alarma se fizeram ouvir em todas as

dependências da nave. Entreolhando-se alarmados, os

homens fizeram seus preparativos.

Deringhouse anunciou pelo intercom que os dois caças

estavam prontos para a manobra de ataque.

— Você enlouqueceu? — gritou Thora, com os olhos

vermelhos flamejando de ira. Ereta, diante do homem alto

e magro, tremia de ódio.

— Talvez sim, talvez não... — replicou Rhodan com a

maior tranquilidade. — Mas não sou louco bastante para

me precipitar ébrio de alegria num sistema planetário

desconhecido. Já lhes disse mais de uma vez que não creio

na existência de naves arcônidas. Queira ocupar sua

posição de combate, por obséquio.

Furiosa, Thora obedeceu, sob o olhar indiferente de

Rhodan.

— Capitão Klein! Cuide da orientação... — ordenou

Rhodan, tranquilo. — Wuriu Sengu, mantenha-se atento.

Atravessaremos o sistema Vega em cerca de oito horas.

São quarenta e dois planetas, com distâncias fabulosas

entre um e outro. Obrigado, é tudo!

Ao retomar seu lugar de piloto, os reatores do circuito

externo começaram a funcionar ruidosamente. Em torno

do revestimento da nave foi-se formando, após breves

lampejos luminosos, o anteparo protetor de unidades

energéticas extradimensionais. Seguiu-se o campo repulsor

de corpos materialmente estáveis. Com isso, a Good Hope

munira-se dos recursos defensivos mais avançados da

tecnologia arcônida.

Os pontinhos verdes continuavam a luzir nas telas dos

sensores. Distantes ainda, a mais de três horas-luz, que a

Good Hope percorreria com sua velocidade normal.

— Exijo uma transição de curta distância! — gritou

Thora.

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152

Rhodan não lhe respondeu. Thora calou-se, porém era

evidente que não se conformava. Ao fundo da cabina, os

cinco mutantes formavam um grupo unido e quieto. Betty

Toufry e John Marshall captavam sensações e

pensamentos que nenhum mortal comum perceberia.

Momentos após, a menina murmurou, baixinho:

— Ouço almas chorando! Tem gente morrendo. Muitos

mortos. O espaço está repleto de lamentos e soluços.

Desespero, dor, morte!

Os olhos profundos estavam dilatados, vastos como o

espaço cósmico. Bell fitou-a, impressionado. Nas telas dos

detectores da nave interestelar os pontos verdes se

multiplicavam. Rhodan ordenou alarma total, o sistema

positrônico de mira entrou em funcionamento. No vídeo,

Vega brilhava como o olho ciclópico de um deus

ameaçador.

Lá adiante, nas profundezas do sistema planetário da

grande estrela, sucedia algo ainda não de todo

compreensível...

* * *

O grito ecoou surdamente na cabina de comando.

Ninguém havia contado com o que estava acontecendo e

os fatos tinham chegado de surpresa, precipitando-se sobre

eles como uma ágil fera dando o bote.

A gigantesca Vega, principal estrela da constelação da

Lira, refletia-se nos vídeos como uma imensa bolha de

sabão iridescente. Um sol de proporções verdadeiramente

avantajadas.

Com isso, a tripulação tardou a discernir os longínquos

raios luminosos, finos como fios de cabelo, e o relampejar

contínuo de minúsculas explosões. Apenas as telas

amplificadoras, com sua magnitude de foco, acabaram

revelando a ocorrência de um tremendo conflito nas

imediações da órbita do décimo quarto planeta.

Cinco minutos após a detecção positiva, os

hipervelozes sensores de localização se fizeram ouvir. Seu

estridente clamor ainda prosseguia. O equipamento

altamente sensível, que reagia à presença de descargas

energéticas, não fora instalado em vão. Mas era tarde

demais, pois a Good Hope seguia com a mesma

velocidade, quase igual à da luz. Portanto seria impossível

desviar das naves surgidas de maneira tão inesperada, ou

esquivar-se de passar através de suas confusas trajetórias.

Os propulsores gêmeos de estibordo rugiram numa

furiosa exibição de força. Um desvio mínimo de rumo

bastaria, naquela velocidade alucinante, para arrancar a

Good Hope da área imediata de perigo. Mas os

amortecedores de inércia protestaram guinchando,

obrigados a dissipar a energia que Rhodan canalizara

momentos atrás, para os projetores dos anteparos de

defesa.

A seta luminosa que se lançava contra a Good Hope

não podia estar se movendo com a velocidade da luz. Pois

se estivesse, os videoscópios só captariam sua imagem no

momento do impacto. Porém ela vinha com rapidez

suficiente para arrancar exclamações de susto dos homens

na cabina de controle. Conheciam o cintilante fenômeno;

por trás de seu aspecto inofensivo se escondia a morte.

Rhodan acionou novamente o reostato dos propulsores

de estibordo. Porém era impossível forçar uma mudança

de rumo acentuado naquela altura. Também a técnica

arcônida tinha as suas limitações e continuava aceitando o

princípio de que um corpo voando à velocidade da luz não

pode ser detido em instantes. E as manobras de

esquivamento não podiam ser executadas abruptamente,

nem em ângulo reto. O máximo que se podia conseguir era

uma deflexão curva, com um arco de pelo menos dois

milhões de quilômetros. Afinal, massa em movimento era

massa em movimento e nada podia ser feito a respeito.

No entanto, a manobra forçada, que submetia o

material da nave a uma rigorosa prova de resistência,

bastou para arrancar a esfera da zona perigosa no momento

crucial. A seta luminosa, formada por um fogo energético

concentrado de alta intensidade, passou a um escasso

quilômetro da nave desviada, perdendo-se no vazio do

espaço interplanetário.

— Bela recepção! — reclamou Rhodan, furioso.

Muito pálida Thora encarou o comandante, cujos traços

se contraíam de preocupação. A seguir, aconteceu o que

era inevitável diante daquele aglomerado de naves.

Os pontinhos anteriormente avistados apareciam agora

nos videoscópios como corpos volumosos, agrupados no

espaço em fileiras densas e traçando na escuridão profunda

do cosmo uma filigrana multicolorida.

A exclamação de angústia viera de Crest. Com os olhos

fixos nas telas, ele fitava estarrecido, as naves que

apareciam nitidamentes. Eram de dois tipos diversos.

Klein focalizava justamente uma delas no localizador de

curta distância. Tratava-se de uma das unidades ovoides,

presentes na área conflagrada em nítida superioridade

numérica. O propulsor traseiro desta nave expulsava jatos

de luz extremamente intensa, cujo brilho ofuscante feria os

olhos.

Porém a quantidade delas não impedia que fossem

rapidamente dizimadas pelas naves adversárias. O espaço

interplanetário de Vega enchia-se de catastróficas

explosões nucleares, sob o efeito das quais as naves

ovoides se desintegravam em número crescente. Pareciam

completamente indefesas, o que se poderia atribuir em

primeiro lugar à volumosidade excessiva.

Os computadores já haviam revelado a Rhodan que as

naves desconhecidas possuíam reduzida taxa de

aceleração. Com isso, suas manobras eram penosamente

lentas. E iam-se transformando em bombas, uma a uma,

sob o impacto das setas luminosas.

— Elas não têm anteparos protetores! — gritou Klein,

excitado. — Nem sistema detector de energia, chefe! Não

passam de tartarugas, não têm chance alguma!

Rhodan atentava para suas ousadas manobras de

esquivamento. Caso a Good Hope prosseguisse no rumo

atual, mergulharia inevitavelmente no grosso da confusão.

Crest deixou escapar nova exclamação.

No vídeo mais amplo da popa surgiu outro tipo de

nave. Em contraste com as rotundas e pesadas formas

antes avistadas, estas apresentavam o aspecto de um longo

e delgado cilindro. No meio deste destacava-se um forte

abaulamento central. Como se alguém tivesse atravessado

uma castanha com um lápis, deixando-a espetada

exatamente no meio.

— Depressa! Aumente a deflexão! — gritou Crest, fora

de si. Sua habitual compostura desaparecera agora.

Naquele instante, o sábio arcônida não era mais do que um

trêmulo feixe de nervos.

A resposta de Rhodan era dispensável. Com os

propulsores soltando fogo, a Good Hope procurava evitar

o centro da batalha, porém continuava sendo alvejada.

Havia uma quantidade excessiva das misteriosas e

desconhecidas naves espalhadas num extenso setor

espacial de Vega. Mais uma vez perceberam, no último

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instante, a seta luminosa, quase tão rápida como a luz. O

sistema de detecção positrônico entrou em ação

automaticamente, porém os propulsores recusavam

fornecer empuxo mais poderoso. Já estavam funcionando

com carga máxima.

A seta atingiu a Good Hope em cheio. E ela saltou fora

de seu curso, rodopiando, como uma bola chutada com

violência. No amplo videoscópio externo brilhou uma

descarga luminosa de fulgor ofuscante; um tremendo

estouro acompanhou o fenômeno luminoso. O corpo da

nave, feito de aço arcônida, pôs-se a reverberar como um

sino, em consequência das vibrações resultantes do

impacto.

O imaterial dedo de fogo continuou sua trajetória pelo

espaço. Lá longe, uma das naves cilíndricas se afastava

velozmente. Fora de sua cúpula armada que partira o tiro.

Os tripulantes da cabina de comando viram Rhodan rir.

Não podiam ouvir a risada, pois o eco trovejante

produzido pelo tiro quase fatal ainda reboava pelo recinto.

Crest continuava de pé diante das telas. A área

conflagrada foi ficando para trás. As naves espaciais,

fielmente retratadas há pouco, voltaram a assumir a forma

de pontinhos luminosos. Em troca, a relativamente

pequena nave esférica dos arcônidas deixou de ser

alvejada.

Muito atrás da Good Hope, as naves ovóides

continuavam a explodir. Seu número se reduzia mais e

mais, principalmente porque novas formações inimigas

acabavam de emergir do hiperespaço.

A última situação crítica surgiu quando atravessaram

com velocidade alucinante uma massa de gás

incandescente. Segundos antes, uma das naves ovóides

explodira no local, atingida pelo inimigo. Os anteparos

protetores externos uivaram novamente seu protesto, mas a

Good Hope conseguiu passar incólume. À frente dela

brilhava o décimo quarto planeta de um sistema solar

nunca imaginado. Parecia tratar-se de uma imensa esfera

gasosa, semelhante a Júpiter. Rhodan desligou os

propulsores de estibordo; a cessação do barulhento ronco

do motor foi bem-vinda e a nave dirigiu-se em queda livre

para o ainda distante planeta.

— Grandes recursos é que eles não possuem! —

comentou Reginald Bell, com a irritante calma de um

homem que nada consegue abalar. — Será que consideram

aquela beliscadinha arma energética? Quem tem

comentários a fazer?

Bell olhou de esguelha para Rhodan, que se levantava

do lugar do piloto. Vagarosamente, aproximou-se dos dois

arcônidas. Crest esboçou um gesto de recuo diante do

sorriso semidisfarçado do comandante. Mas logo Rhodan

reassumiu o ar severo do inflexível piloto de provas que

não admitia situações ambíguas.

— Estava querendo dizer qualquer coisa antes de

sermos atingidos — disse Rhodan. — O que era?

O aspecto de Crest era lamentável. Pálido e desfeito,

afundara numa poltrona.

— Eu estava enganado! — murmurou o grande

cientista, com voz embargada. — Cometi realmente um

erro! Perdoe-me!

— Um erro? Ora, isso não é novidade que abale o

mundo. O que ia dizer no momento do ataque?

Os olhos vermelhos de Crest suplicavam: sua

perturbação era evidente.

— Aquelas naves cilíndricas, com o bojo central... eu

as conheço! Qualquer arcônida as conhece. Não pode

haver dúvida. Só uma raça em toda a galáxia emprega esse

sistema extraordinariamente incomum de aeronaves.

— E de onde vêm eles?

Crest vacilou. O Dr. Haggard conduziu-o de volta à sua

poltrona. Dali, o sábio arcônida explicou, abalado:

— Não é Árcon, é claro. A raça dos tópsidas provém

de um tronco reptílico. São altamente inteligentes, ativos e

cruéis. Não têm nada de humanos! Dominam três

pequenos sistemas solares. Seu mundo principal é Topsid.

Em relação à Terra, o sistema fica a cerca de oitocentos e

quinze anos-luz, no setor de Órion. O planeta Topsid

gravita em torno de Orion-Delta, a estrela dupla. Uma tem

luz branca; a da outra é roxa. Não posso imaginar o que é

que os tópsidas procuram aqui. Foi à primeira raça

colonial que se sublevou contra o poder do Grande

Império. Há uns mil anos, em tempo terrestre, enviamos

algumas expedições punitivas contra eles.

Rhodan deu uma curta risada.

— Há mil anos! — repetiu, suspirando. — Ora, meu

caro! E ainda queria me convencer de que seu povo

conseguiu reunir energia suficiente para organizar uma

poderosa expedição de pesquisa! Aliás, eu posso revelar-

lhe o que esses sujeitos procuravam.

— Nós? — indagou o capitão Klein, inquieto.

— Exatamente! E nós, patetas, lhes fizemos o favor de

nos colocar diretamente na mira de seus canhões

energéticos! Estamos às voltas com uma poderosa nação

galáctica e a Terra tem desesperadamente pouco com que

se opor a ela. Não adianta aborrecer-se, Thora! Seu famoso

Grande Império encontra-se em derrocada. É tempo dos

arcônidas tomarem conhecimento do que se passa na

periferia da galáxia. Ainda julga conveniente chamar

alguma daquelas naves pelo rádio? É evidente que os

tópsidas conhecem navegação interestelar. Talvez lhe

ofereçam uma carona para Árcon, caso se disponha a

reconhecer sua posição de descendente dos soberanos

arcônidas.

As palavras eram ofensivas. A única reação dos dois

arcônidas foi a de abaixar as cabeças. Rhodan afastou-se,

mas foi detido pela pergunta de Crest:

— Mas a quem pertencem aquelas naves pesadonas?

Viu com que facilidade eles se deixavam aniquilar?

— Claro! Não passavam de um rebanho de mansas e

tranquilas ovelhas diante dos ferozes agressores.

Representavam exatamente o papel que nos tocaria, em

escala mais ampla, caso os tópsidas resolvessem invadir o

sistema solar. Bell quer fazer o favor de tirar os dedos dos

controles das armas? Se um só de nós perdermos a cabeça

agora, teremos aquele bando de lagartixas pululando sobre

a Terra amanhã. Não descobriram, por enquanto, seu

pequeno engano; e não darão por ele enquanto os nativos

de Vega continuarem a reagir de maneira semelhante à que

faríamos nós próprios. Mas os coitados só podem se

defender, serão inexoravelmente vencidos. Deve se tratar

dos seres inteligentes que habitam Ferrol, o planeta de

Vega descoberto há dez mil anos por uma viagem de

exploração arcônida. Os seres, então primitivos, evoluíram

para espaçonautas capazes. E estão sendo forçados a

engolir o angu preparado para nós.

Rhodan calou-se. A Good Hope disparava pelo espaço

sem ser molestada. O campo de batalha tinha ficado longe.

— E agora? — indagou Reginald Bell. — Sumimos do

cenário? E, em caso afirmativo, como?

Rhodan sentou-se pensativo em sua poltrona de

comando.

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— Sim, no interesse da Terra, temos que desaparecer;

porém, discretamente. Vamos atravessar o sistema de

Vega em velocidade ligeiramente inferior à da luz. Depois

teremos que arriscar um hipersalto espacial. Tudo indica

que a distorção estrutural não será percebida no meio do

caos reinante. Tem alguma coisa a dizer, Crest?

O arcônida sacudiu negativamente a cabeça. Rhodan

deu início à programação. Novamente os propulsores de

estibordo da Good Hope entraram em ação, rugindo. A

manobra de retorno consumiria um considerável espaço de

tempo, pois Rhodan não pensava em desacelerar até zero,

para depois rumar em sentido oposto.

As ordens se sucederam, breves e concisas. No pólo

superior da nave esférica, o major Deringhouse saiu,

resmungando, da carlinga de seu caça. Havia contado o

tempo todo com uma emocionante expedição punitiva.

Três minutos após, os sensores indicaram a

proximidade de objetos à frente da nave. Destroços

juncavam o trajeto a ser percorrido. Era evidente que,

recentemente, houvera violenta batalha nas proximidades

do décimo quarto planeta.

— Interessante! — comentou Bell. — Será que há

sobreviventes? Suponho que esses tais de ferrônios

conhecem trajes espaciais... Bem que poderíamos tentar

conversar com um deles.

Rhodan levou alguns momentos para responder,

absorvido por um pequeno ajuste nos controles. Todos os

quatro propulsores da Good Hope começaram a rugir;

desta vez, porém, com os jatos em reversão.

Crest estremeceu. Mal aquele homem esguio tinha

acabado de declarar que precisavam afastar-se do sistema

Vega o mais depressa possível, ele recorria a toda a

potência da nave para uma manobra de frenagem. Rhodan

era imprevisível, uma pessoa fenomenal. Ocorreu a Crest

que em todo o Grande Império não existia mais ninguém

capaz de tomar decisões com tanta rapidez.

— Armamento em prontidão! — ordenou Rhodan, em

voz rouca. — Sabe que a ideia não é má, Bell?

— Parece que é bem fácil fazê-lo mudar de opinião,

não é, Perry? — disse Thora, ironicamente. — É só dar um

palpite e você faz exatamente o contrário do que pretendia

antes.

Raramente se via Rhodan sorrir tão zombeteiro. A face

de Thora tingiu-se de rubro sob o olhar do comandante.

— Há um ligeiro engano — corrigiu ele, mansamente.

— Não foi à sugestão de Bell que me fez mudar de ideia e

sim as informações mais recentes dos computadores

positrônicos. Olhe para estes diagramas! Os compridos

canudos dos tópsidas não podem comparar-se com a Good

Hope em matéria de aceleração. Antes que consigam

atingir a velocidade da luz, temos dez oportunidades de

sumir no hiperespaço. As naves ovóides dos ferrônios são

ainda mais vagarosas. O cérebro do computador

determinou a natureza da propulsão que empregam:

geradores de fótons ultraconcentrados. Não se pode

esperar nenhum rendimento espetacular de propulsores

desta espécie. Portanto, vamos examinar de perto o que

flutua aí na nossa frente, no vácuo.

— Destroços sem conta! — murmurou o Dr. Manoli.

— Olhe! Os localizadores respondem de todas as direções.

Deve haver, de fato, sobreviventes.

Betty Toufry olhou para Rhodan com um sorriso

tímido. Conseguira ler parte de seus pensamentos. Rhodan

fizera a Good Hope parar não porque a sabia superior às

naves inimigas. Pensava também nos seres vivos talvez

existentes naquela área vizinha do décimo quarto planeta,

perdidos e abandonados no vazio.

A taxa de desaceleração era agora de quinhentos

quilômetros por segundo. No hangar dos pequenos caças

de bordo, o major Deringhouse tornava a espremer a

elevada estatura na apertada carlinga pressurizada. Os

homens da tropa de choque fecharam a cúpula transparente

sobre sua cabeça.

A manobra não fora nada fácil, visto que tinha que ser

executada sob a intensa atração gravitacional de um

planeta gigante. O número quatorze devia ter três vezes o

diâmetro de Júpiter. O próprio Crest demonstrou surpresa

diante das dimensões enormes daquele mundo.

Os destroços do que haviam sido naves espaciais já

iniciavam a lenta e inevitável descida para a superfície do

planeta, atraídos pela gravidade, antes que Rhodan

conseguisse posicionar a Good Hope em rumo e

velocidade adequados para a operação de salvamento.

Buscas prolongadas no vazio resultaram no resgate de um

sobrevivente. Um, apenas...

Após trazer a criatura para bordo com os jatos de

sucção, através da escotilha estanque, verificaram que se

encontrava semimorta por asfixia. Além disso, o corpo do

estranho estava coberto de queimaduras, causadas

evidentemente pela radiação ultravioleta da imensa Vega.

O pobre ser se mantivera trêmulo e intimidado num

canto, até que as atenções dos doutores Haggard e Manoli

lhe provaram que ninguém atentaria contra a sua vida.

Tratava-se, efetivamente, de um ferrônio. Descendente

dos que uma expedição de pesquisa arcônida localizara há

dez mil anos. Já haviam ultrapassado a idade da pólvora,

evidentemente. Porém Rhodan achou que a raça poderia

ter avançado mais naqueles dez mil anos. A humanidade

havia precisado de apenas quinhentos para chegar da arma

de fogo ao primeiro foguete-satélite. Aplicando padrão

semelhante, os ferrônios deveriam conhecer há séculos as

viagens interestelares.

Mas seus sistemas de propulsão tinham se detido no

ponto máximo permitido pelos princípios adotados. Uma

evolução maior requereria conceitos inteiramente diversos.

Donde era possível deduzir que os ferrônios eram

incapazes, por natureza, de raciocinar em termos de quinta

dimensão; portanto, criar um sistema matemático

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correspondente não cabia em sua capacidade mental. E

sem essa matemática em nível superior, condicionada pelo

poder do raciocínio abstrato, as viagens mais rápidas do

que a luz eram irrealizáveis. Em consequência, os

ferrônios continuavam a fazer uso de seus propulsores

quânticos, extraordinariamente eficientes, e que lhes

permitiam alcançar facilmente a velocidade da luz.

Por outro lado, tinham desenvolvido uma tecnologia

fabulosamente exata no campo da micromecânica. Rhodan

emitiu assobios de admiração ao examinar

superficialmente alguns pedaços dos destroços trazidos

para bordo.

De uma maneira geral, era preciso reconhecer que os

ferrônios eram muito superiores aos homens em todos os

sentidos. Jamais a Humanidade havia alcançado um

estágio tão avançado. Porém ferrônio algum podia medir-

se com a técnica superior dos arcônidas.

Assim que o ferrônio foi embarcado e quando seus

processos mentais começaram a emergir da letargia da

exaustão total, Rhodan comunicara pelo intercom a toda a

tripulação:

— Ele está voltando a si. Os mutantes vão lançar as

primeiras bases para a comunicação, por meio da telepatia.

Ordeno que ninguém se refira ao planeta Terra. Não

esqueçam que a localização de nosso mundo deve

permanecer em absoluto segredo. Muita atenção neste

particular, portanto! Para qualquer ser vivente, seja qual

for seu nome ou aparência, nós somos arcônidas! A Good

Hope é prova evidente dessa afirmação. Além disso, a

aparência física com os arcônidas nos favorece. Risquem

da memória, por enquanto, o fato de sermos terrestres.

Esqueçam até onde fica a Terra! É tudo!

A ordem era clara e explícita. Com uma sensação de

amargura, os dois arcônidas perceberam que Rhodan se

preocupava apenas com seu mundo e com a Humanidade.

A atitude poderia passar por egoísta. Mas a própria Thora

foi obrigada a admitir, a contragosto, que a camuflagem

era absolutamente necessária. Para ela, o súbito

aparecimento da raça reptílica fora um golpe severo.

O instrumento especial, de funcionamento totalmente

positrônico, era mais uma das maravilhas da técnica

arcônida. Era o tradutor automático. Assim que registrou e

classificou os primeiros sons da língua ferrônia, a

comunicação se processou com facilidade.

Fazia três horas que o ferrônio tinha sido recolhido.

Betty Toufry e John Marshall anotavam telepaticamente

uma série de dados que eram fornecidos à máquina

tradutora. Assim a tarefa era relativamente simples.

Crest e Thora, valendo-se do privilégio de possuir

memória fotográfica, já começavam a falar aos poucos a

língua ferrônia. Enquanto isso, a Good Hope continuava a

descrever a ampla órbita em torno do décimo quarto

planeta.

Perry Rhodan mantinha-se à parte do grupo

empenhado na conversação, apesar de ser alvo constante

dos olhares do estranho. Este parecia ter percebido que era

aquele homem alto e magro quem dava as ordens.

Rhodan examinou-o atentamente. O ferrônio era de

estatura relativamente baixa, porém robusto e de músculos

poderosos. Ferrol, seu planeta nativo, possuía uma

gravidade de 1,4 g. Portanto, o corpo atarracado não era de

surpreender.

Braços e pernas eram do tipo humanoide; assim como

a cabeça e a espessa cabeleira. Os olhos eram miúdos e

afundados por trás de uma fronte fortemente abaulada. A

boca era surpreendentemente pequena. A diferença mais

flagrante com a raça humana residia na cor da pele, de um

azul pálido, o que contrastava com os cabelos cor de fogo.

Enfim, não se tratava de nenhum monstro. Devia haver,

forçosamente, diferenças anatômicas, porém era mais

difícil determinar o fato de imediato.

Atento ao som das palavras que não compreendia,

Rhodan tentava analisar uma sensação indefinível que

crescia dentro dele. Nada de concreto e perceptível; apenas

uma vaga e distante noção de perigo iminente.

John Marshall acercou-se da poltrona do comandante.

O olhar do ferrônio o seguiu. Quando Rhodan se voltou, o

estranho empertigou-se, levando a mão direita ao peito.

Rhodan acenou com a cabeça. O traje espacial do ferrônio

era de excelente qualidade, tão bem acabado nos detalhes

que permitia avaliar com precisão a adiantada técnica que

o produzira. Para Rhodan, era um tanto melancólico

constatar o quanto a Humanidade estava atrasada em

relação àqueles seres. Não obstante, o ferrônio salvo

demonstrava claramente sua convicção de encontrar-se

diante de gente infinitamente superior ao seu povo.

— Que há? — indagou Rhodan. — Problemas? A

expressão de seu rosto não me agrada.

O telepata mostrou um sorriso contrariado.

— Crest está enchendo o espírito do estranho com

relatos fabulosos e mirabolantes acerca do poderio do

Grande Império! — queixou-se Marshall.

— Sei disso. Foi ordem minha. Que mais?

— Ordem sua? Essa não! Também deu ordem para

contornar todas as questões importantes e ficar

perguntando insistentemente sobre o tal mundo da vida

eterna? Há aspectos que me parecem muito mais

merecedores de atenção no momento.

— Ele não desiste, não é? — murmurou Rhodan. — A

comunicação funciona?

— Maravilhosamente bem. A máquina é fenomenal e

Crest já formou um vocabulário bastante amplo.

— Vantagem da memória fotográfica... Que diz o

ferrônio sobre a batalha?

John Marshall lançou um olhar ao desconhecido.

Haggard acabava de administrar-lhe a segunda injeção,

que o ferrônio suportou calmamente.

— Chama-se Chaktor e comandava uma pequena nave,

destruída há cerca de vinte e quatro horas. Aqui, diante do

décimo quarto planeta, ficava a primeira linha de defesa. A

segunda está sendo dispersada no momento presente. A

terceira fica em torno do planeta principal, o oitavo.

Chaktor informou que as naves inimigas surgiram a uma

semana, de surpresa. O pânico tomou conta de Ferrol. A

frota espacial dos ferrônios está sendo totalmente

aniquilada. O ferrônio implora freneticamente por ajuda,

baseando-se no ilimitado exagero das palavras de Crest.

Chefe, isso não me parece direito!

Marshall mordeu os lábios. Parecia estar muito

perturbado.

— Que mais possuem os ferrônios? — perguntou

Rhodan.

— Muito pouco. Não têm a menor noção de viagens

interestelares. Daí o imenso respeito que nos devotam.

Para Chaktor, você é um personagem miraculoso. Não

possuem anteparos protetores de espécie alguma. Quando

uma de suas naves é atingida pelos raios energéticos, está

perdida. Dispõem de uma frota espacial muito numerosa,

porém formada em sua maioria por naves comerciais,

equipadas com armas de pequeno calibre. Não conhecem

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armas energéticas. Empregam principalmente projéteis-

foguete dotados de cabeçotes atômicos que explodem por

impacto; e são espetacularmente eficientes. Valeram-lhes

brilhantes vitórias no começo da luta. Crest diz que os

invasores tópsidas têm armas defensivas verdadeiramente

desprezíveis. Seus anteparos protetores não valem nada.

Chaktor confirmou isso. Mas os tópsidas aprenderam

gradualmente a esquivar-se dos foguetes atômicos. Estes

alcançam mal e mal 30% da velocidade da luz, e demoram

a atingir o alvo. Sabendo disso, os tópsidas tomam

medidas preventivas a tempo. Acertam, também, os

projéteis ferrônios em voo com seus raios energéticos,

fazendo-os explodir muito antes de chegar ao destino.

Chefe, nós devíamos...

Rhodan interrompeu-o com um gesto da mão.

— Um momento, John! Como é que os ferrônios

possuem uma frota espacial tão vasta? Existem outros

seres inteligentes por aqui?

— Só subdesenvolvidos. Os ferrônios povoaram, além

de seu mundo principal, só os planetas sete e nove. Em

especial este último. Respiram oxigênio, porém em

temperatura superior à que nós estamos habituados. O

oitavo deve ser bastante quente, mas suportaríamos viver

no nono. O Ferrônio pede para ser deixado ali. O planeta

se chama Rofus.

Rhodan agradeceu. Ouvira o suficiente. Olhou para

Bell, pensativo; este se reclinava com aparente indiferença

na poltrona ao lado.

— E então? Que lhe parece?

— Grato por indagar minha opinião! — resmungou

Bell, com sarcasmo na voz. — Foi-se nosso plano de

sumir sem mais nem menos, percebe, Perry? Enquanto as

coisas não estiverem em ordem por aqui, a Terra corre

perigo. Que representam os insignificantes vinte e sete

anos-luz para os tópsidas? Acho melhor explorar um

pouco esta zona, principalmente para conhecer os pontos

fracos do adversário. Creio que podemos chegar a um

entendimento satisfatório com os ferrônios. E proveitoso

ao mesmo tempo... Possuem uma série de coisinhas de que

a Humanidade poderia fazer bom uso. Gostei de seus

métodos de produção e fabricação; técnica e acabamento

de primeira. Não custa examiná-los mais de perto.

Dificilmente correremos algum risco. A Good Hope

sobrepuja as naves tópsidas tanto em velocidade como em

poder ofensivo. E ainda nos resta o recurso de mergulhar

no hiperespaço a qualquer instante, se for preciso.

Rhodan ergueu-se com ar meditativo.

— É, seu miolo ainda funciona... Era exatamente o que

eu tencionava fazer. Localize o oitavo planeta e forneça os

dados ao computador positrônico. Não quero perder

tempo. Incomoda-me saber que o verdadeiro objetivo dos

tópsidas era a Terra. Vamos olhar esses caras de perto. Dê

as ordens necessárias.

Momentos após, Rhodan estava diante do estranho.

Chaktor dobrou humildemente um joelho. Depois se pôs a

falar apressadamente. O tradutor automático dava a versão

em linguagem humana.

Crest interrompeu, excitado:

— Constatei a existência de algumas contradições

surpreendentes nesta gente! Possuem transmissores de

matéria, coisa que só é possível mediante o conhecimento

da matemática pentadimensional. No entanto, os ferrônios

não têm a menor capacidade para construir tais aparelhos,

que transportam corpos desmaterializados com a

velocidade da luz. O que é indício evidente da existência

de uma raça superior entre eles! Chaktor falou qualquer

coisa sobre contato com entes superiores em época muito

remota. Perry, você precisa ir até o planeta principal dos

ferrônios! Estou convencido de que o mundo da vida

eterna se encontra no sistema Vega. É de lá que procedem

esses transmissores de matéria, tenho certeza!

— Bem que eles me interessariam! — disse Rhodan,

secamente.

— O cavalo de batalha de sempre, não é, Perry? Tudo

pelo bem da Humanidade... — interrompeu Thora com

sarcasmo.

Rhodan voltou-se para Chaktor, cuja atitude era quase

solene. Sentia uma impressão estranha. Há quatro anos, ele

próprio era bem mais ignorante do que aquele comandante

espacial ferrônio. Naquela ocasião, Rhodan seria

nitidamente o inferior. Os olhos vermelhos de Thora

zombavam. Parecia adivinhar o que ia pela mente do

comandante.

— Vou conduzi-lo ao nono planeta de seu sistema —

disse Rhodan no microfone da máquina de traduzir. —

Pode providenciar que suas próprias naves não nos

ataquem?

Chaktor aguardou a tradução. Depois a face achatada

irradiou alegria. Novamente repetiu a embaraçosa

genuflexão.

— Distância para o oitavo cerca de onze horas-luz! —

informou Bell.

Chaktor confirmou a indicação, fazendo uso de

símbolos já conhecidos pelo tradutor. O ferrônio olhava

maravilhado para o pequeno aparelho. Pouco a pouco era

levado a considerar aqueles homens como deuses. Depois

sua resposta chegou. Sim, ele poderia transmitir o código

adequado, caso lhe fornecessem um transmissor.

— Puxa, e agora? — exclamou Klein. — Que será que

esses caras usam para transmitir?

— Mostre-lhe o funcionamento dos aparelhos

terrestres, temos alguns deles instalados na nave. Talvez

ele saiba como usar a onda curta normal. Garanto que não

conhecem o sistema de hipertransmissão.

Três horas mais tarde, segundo o relógio de bordo, o

aprendizado terminara. Chaktor não teve, aparentemente,

dificuldade em entender o funcionamento do rádio terreno.

Betty Toufry, a menina telepata-, comunicou a Rhodan,

com um sorriso disfarçadamente zombeteiro:

— Chaktor se pergunta em que monte de lixo vocês

poderiam ter recolhido esse trambolho primitivo.

Thora explodiu numa sonora gargalhada. Rhodan fitou

o estranho com ar atônito, enquanto Bell praguejava entre

dentes:

— Que diabo! É o mais moderno, avançado e

complexo transmissor jamais construído na Terra! E o

sujeito me vem dizer que é um trambolho primitivo!

O capitão Klein disfarçou um sorriso, enquanto

Rhodan, respirando fundo, procurava uma saída

diplomática.

— Betty, diga-lhe que adquirimos o aparelho de uma

tribo selvagem num mundo remoto, apenas por

curiosidade. Nossa intenção era exibi-lo num museu.

O Doutor Haggard estava achando aquilo tudo

engraçadíssimo.

Chaktor tomou conhecimento da resposta de Rhodan, o

que o relegou novamente à anterior posição de

inferioridade.

— Pílula amarga essa! — disse Rhodan. — Doutor,

pare com essas risadas! Poderiam nos denunciar... E você,

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Thora, não me venha de novo com a perpétua acusação de

que seríamos uns ignorantes sem sua preciosa técnica

arcônida. Com o tempo isso satura, entendeu?

Rhodan ligou o sistema de radiocomunicação interna e

postou-se diante do vídeo.

— Atenção! Do comandante a toda a tripulação:

largada para uma curta transição de cerca de onze horas-

luz. Que nos levará à área espacial entre o oitavo e o nono

planeta deste sistema. Manter rigorosa prontidão de

combate e não dar importância excessiva à ligeira

sensação de dor. É possível que nos precipitemos bem no

meio de uma violenta batalha. Fogo livre para todas as

armas. Mostrem o que valemos. Major Deringhouse, de

prontidão para ataque, junto com o capitão Klein. Vou

ejetá-los no espaço assim que chegarmos. Ajustem os

localizadores de contato dos caças aos sensores da Good

Hope, para poderem nos reencontrar. Em caso de

emergência, aterrisse em Rofus, o nono planeta. Chaktor

anunciará nossa chegada. Verão uma cidade imensa na

zona equatorial, a única do planeta, que é uma espécie de

colônia dos ferrônios. Fim!

Dez minutos depois, a nave alcançava a velocidade

exata da luz. O enorme mundo número quatorze ficou para

trás. Não havia um só adversário à vista. O espaço

interplanetário do sistema Vega parecia ter sido totalmente

evacuado.

Se horas atrás tinham acreditado estar no meio de uma

acirrada batalha espacial, agora se defrontavam com um

verdadeiro inferno.

Os enervantes sinais dos detectores eram ininterruptos.

O espaço todo estava repleto de naves. Mas não se tratava

evidentemente de uma competição pacífica entre duas

culturas de igual nível de civilização. E a nave subitamente

surgida foi recebida com um chuveiro de cintilantes raios

energéticos. Antes mesmo que Rhodan superasse a dor da

transição, a Good Hope já se encontrava sob o fogo

cruzado.

Nos vídeos brilhava o nono planeta do sistema Vega.

Pelo menos a transição de curta distância funcionara com a

mais absoluta precisão. Mas bem que Rhodan teria

preferido emergir no hiperespaço a alguns milhões de

quilômetros dali. Mas talvez isso não viesse alterar

basicamente a situação, pois a feroz batalha se desenrolara

praticamente num plano. No entanto, as naves estavam

espalhadas por uma área de alguns milhões de quilômetros

quadrados.

Antes que o eco dos gritos de comando de Rhodan se

apagasse, Bell já abria fogo contra o inimigo. Por entre o

estrondoso trovejar dos raios energéticos acertando seus

alvos, os torretes armados da Good Hope entraram em

ação. A mira era controlada automaticamente. Todo o

trabalho de Bell era conferir as coordenadas fornecidas

pelos localizadores e calcar botões. Mais uma

demonstração da eficiência da tecnologia arcônida.

Usando a força total dos propulsores, Rhodan arrancara

a nave da área imediata do fogo cruzado dos azulados

raios energéticos. Mais uma vez o superdimensionado

anteparo de defesa provou ser imune a armas rotineiras,

que não conseguiam nem rompê-lo, nem neutralizá-lo.

Apenas as furiosas descargas não podiam ser evitadas.

Além do intenso efeito térmico, a violenta repercussão

se transmitia ao casco externo da nave.

Pelo jeito, os tópsidas não possuíam armamento

teledirigido mais veloz do que a luz, pois o campo de

repulsão mecânico-gravitacional da Good Hope ainda não

fora obrigado a entrar em ação. Ou então o inimigo

preferia lutar exclusivamente com seus canhões

energéticos. Quando o clamor estridente do último

impacto diminuiu, ouvia-se o pipocar das armas arcônidas.

Neste ponto, pelo menos a Good Hope estava muito

melhor provida do que várias naves tópsidas somadas.

Como nave auxiliar de um cruzador de pesquisa sempre

exposto a riscos, o equipamento de defesa era

suficientemente amplo para satisfazer até o mais exigente

artilheiro.

John Marshall tomava conta dos detectores; Quando a

primeira linha das naves cilíndricas atacantes ficou para

trás da Good Hope, e os tiros de perseguição não

conseguiam mais emparelhar com a nave mais rápida do

que a luz, Marshall anunciou o aparecimento de novas

unidades. Porém estavam mais espalhadas. Além disso,

travavam luta com um infindável enxame de naves

ovoides, no meio das quais as explosões se sucediam sem

parar.

— Corrigir a mira! — gritou Rhodan no minúsculo

microfone do radiotransmissor embutido no capacete. Já

não havia condições para a comunicação normal diante da

ensurdecedora barulheira reinante. — Temos que forçar

passagem a qualquer custo, senão nunca nos livraremos

desse inferno! Thora, dê uma mãozinha a Bell. Acione as

bombas gravitacionais. Vejamos do que elas são capazes.

Bell espiou rapidamente para a sua esquerda, onde a

mulher arcônida assumia o comando dos manipuladores de

controle.

“Bombas de gravidade” pensou ele, com um ligeiro

arrepio. “A mais poderosa arma criada pelos arcônidas.”

Na realidade, não se tratava de bombas na acepção

usual do termo. Ao menos Bell achava impróprio dar o

nome de bomba a um campo em espiral de energia

estabilizada, projetada com a velocidade da luz. Campos

que eram quanta energéticos extradimensionais, com a

extraordinária capacidade de dissolver matéria comum,

arrancando-a da estrutura curva do espaço.

Luzes vermelhas brilharam na tela de mira de Bell. O

localizador automático detectara três alvos. Quando

apertou os botões, os três pulsocanhões abriram fogo

simultaneamente, sacudindo com violência a nave de

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ponta a ponta, por efeito da força de recuo dos tiros. Faixas

roxas de energia se lançaram pela perpétua escuridão do

espaço, com a velocidade exata da luz. Não deixavam ao

adversário tempo para percebê-las. Antes que qualquer

instrumento chegasse a acusar seu brilho, elas atingiam o

alvo visado.

O inimigo ainda se encontrava a cerca de dois milhões

de quilômetros de distância. Precisamente sete segundos

após o disparo, viu-se um relampejar por entre as densas

fileiras das naves tópsidas. Os impactos foram registrados

pelos hipersensores antes que o brilho ofuscante das

explosões se tornasse visível, sete segundos mais tarde.

John Marshall manejava agora os pesados projetores

neutrônicos. Seu efeito só se tornava aparente quando se

via a nave inimiga perder o rumo e vagar desarvorada no

espaço, por falta de mãos nos controles. Pois os

ultraconcentrados raios neutrônicos afetavam apenas a

vida orgânica.

Thora lançou duas bombas gravitacionais. A tripulação

acompanhou com o olhar o trajeto das tremeluzentes

espirais, afundando nas trevas. Duas unidades inimigas

desintegraram-se por entre ofuscantes explosões.

Rhodan nunca vira à bela e estranha mulher em tal

estado. Absolutamente imóvel, ela se limitava a tocar com

as pontas dos dedos os botões de controle das terríveis

armas. Apenas nos olhos transparecia o fogo interior que a

consumia. Sua educação inflexível vinha à tona naquele

momento e ela agia de acordo com a máxima fundamental

da dinastia arcônida soberana: quem quer que se oponha

ao poder do Grande Império deve perecer.

— Eles devem ter percebido agora com quem lidam!

— murmurou ela, com voz fria e impessoal. — Cabeças

ocas! Vou acabar com eles antes que consigam fugir!

Rhodan gritou nova série de ordens. A trajetória em

arco iniciada não podia ser alterada. A Good Hope ia ter

que passar bem no meio das fileiras cada vez mais densas

do adversário, a toda a velocidade.

— Deringhouse! Aprontar para ejeção! — berrou ele

no radiofone. — Abra uma brecha nas fileiras, depois

cubra nosso flanco. Fique perto de nós, entendido?

Deringhouse confirmou a ordem recebida. Jamais

imaginara possíveis os acontecimentos que presenciava.

Enquanto a Good Hope em pleno vôo mantinha o fogo e o

decrescente bombardeio energético do inimigo totalmente

confuso era neutralizado pelos anteparos de defesa, os dois

caças com Deringhouse e Klein chisparam para fora dos

tubos de lançamento. Já lançados com a velocidade da

nave-mãe, ainda levavam a vantagem da mobilidade

maior. Afastaram-se da Good Hope em ângulo agudo e

segundos após os canhões fixos da popa despejaram fogo.

Tratava-se de pulsos-canhão de grosso calibre, ocupando

com seu volume a maior parte do espaço dos pequenos

aviões. A apenas dois segundos-luz das naves tópsidas,

ambos os caças acertaram nos alvos pela primeira vez.

Depois a Good Hope emparelhou com eles e o grupo

cruzou velozmente através de nuvens de fogo, que

instantes atrás haviam sido pesadas astronaves.

Também desta vez precisaram apenas de alguns

instantes para atravessar as cerradas filas inimigas. Todas

as armas concentravam o fogo sobre a área que acabavam

de cruzar. A tripulação sentiu-se invadida por

incontrolável sensação de euforia, incrementada pelo

excitado ferrônio, que saudava cada tiro com estridentes

berros de alegria ou apoio.

Rhodan sabia dos riscos implícitos contidos naquela

sensação de superconfidência. A situação poderia sofrer

uma súbita reviravolta. O mutante Tako Kakuta devia ter

lido seu pensamento. Arrancou o ferrônio de seu lugar

diante das telas, empurrando-o para diante do equipamento

telerradiofônico pronto para funcionar. Rhodan manejava

os controles com gestos rápidos e enérgicos. Os quatro

propulsores em plena ação aumentavam ainda mais o

fragor da fantástica batalha.

— Diga a ele que envie sua mensagem! — gritou

Rhodan para Betty Toufry. — Depressa! As naves dos

ferrônios começam a apontar na nossa frente. Meu Deus,

como são lerdas! Vou desacelerar!

Enquanto a Good Hope reduzia sua velocidade igual à

da luz com o máximo poder de repulsão, disponível,

Chaktor começou a falar rapidamente no microfone. Ainda

não era certo que o captassem imediatamente. Devido à

desaceleração, produzia-se um fenômeno curioso: os raios

energéticos das naves tópsidas, apesar de menos velozes

do que a luz ganhavam terreno agora. Aproximavam-se

mais e mais da nave em processo de desaceleração

constante.

Impossível pensar em manobras de esquivamento

durante o processo de frenagem. Portanto, Rhodan recebeu

com estoica tranquilidade os dois impactos — o homem

desprovido de nervos, o comandante que observava com

calma férrea e não perdia um só detalhe.

A nave recomeçou a vibrar. Apesar da maior abertura

do foco do raio, devido à distância percorrida, o impacto

foi tremendo. Mas o destrutivo efeito térmico não chegou

a alcançar o casco da nave. O pessoal da central de força

comunicou uma sobrecarga passageira nos diversos

reatores de corrente. O hipercampo de alta tensão devorava

imensa quantidade de energia, que nem o aparelhamento

arcônida estava em condições de fornecer.

— Não exagere! — gemeu Crest. — Lembre-se de que

tem em mãos uma simples nave auxiliar e não um

cruzador equipado com máquinas poderosas!

Rhodan teve que rir. Crest tinha conceitos muito

peculiares sobre potência e capacidade destrutiva.

No rastro da Good Hope reinava a maior balbúrdia.

Thora acionara também os canhões desintegradores,

capazes de desmanchar totalmente qualquer estrutura

cristalina. Os incansáveis aparelhos positrônicos acusavam

fielmente os resultados obtidos.

— Passamos! — anunciou Bell, com voz neutra. Mas

tinha o corpo todo banhado em suor. — Os anteparos

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defensivos deles não resistem a uma só de nossas armas.

— Obtivemos contato! — gritou Tako Kakuta,

agitando as mãos, excitado. — Chaktor conseguiu se

comunicar! O pessoal dele já nos percebeu. Temos

permissão para atravessar as linhas dos ferrônios quando

for preciso.

Rhodan virou-se. Na ampla tela do videofone via-se o

rosto sorridente de um Ferrônio idoso. Um oficial superior,

obviamente. Apontando para o painel de controle, Chaktor

despejou nova torrente de palavras no microfone. O som

das palavras se perdia por entre o fragor das armas em

ação e do rugido dos motores. Apenas os dois telepatas se

encontravam em condições de inteirar-se do conteúdo

mental do nervoso ferrônio.

Betty alinhavou uma explicação através do fone de seu

capacete.

— Aquele é o comandante da frota ferrônia.

Comunicou nossa aparição ao quartel-general no nono

planeta. Chaktor está combinando um código suplementar,

válido especialmente para nós... Espere! O comandante

está fazendo um pedido insistente: quer que continuemos a

prestar-lhe ajuda na batalha. Perry, ele diz que está

disposto a passar-lhe o comando geral!

Rhodan não conseguiu reprimir uma praga. O

alucinante ímpeto da Good Hope dificilmente poderia ser

contido antes de chegar às linhas das naves ovoides. Os

propulsores já sobrecarregados não se prestariam de

maneira alguma a uma desaceleração superior aos

quinhentos quilômetros por segundo que vinha fazendo.

— Diga a ele que se defenda! — ordenou Rhodan. —

Vou atacar o inimigo pelos flancos e do alto. E mande

Chaktor dar o recado de que é impraticável organizar uma

frente de defesa eficiente com uma única nave. Nossa

atuação terá que reduzir-se a ataques de provocação, mais

não podemos fazer.

Concretizara-se, pois, o dilema sempre presente no

subconsciente de Rhodan. O observador neutro, vindo

apenas para avaliar a situação, acabara se tornando

participante ativo de acontecimentos que, por enquanto,

não representavam risco iminente para a Humanidade.

Porém forçavam Rhodan a tomar medidas preventivas,

rechaçando os agressores tópsidas.

Eles não eram humanos. Quando se compenetrou desse

fato, sua própria condição de homem tornava inevitável

sua intervenção no conflito. Pela primeira vez na sua

existência concordou com a máxima arcônida de que entes

não humanos só poderiam ser tolerados em circunstâncias

muito excepcionais. Pois se regiam por uma ética muito

diversa, alimentando conceitos existenciais incrivelmente

estranhos. Se apareciam com más intenções, não havia

alternativas a não ser a guerra de extermínio.

A Good Hope encontrava-se há apenas alguns

segundos-luz das oscilantes linhas ferrônias quando ecoou

o clamoroso som de alarme emitido pelos hipersensores.

Junto com o berreiro dos alto-falantes, a tremenda zoeira

se transformava em algo quase palpável. Depois os alto-

falantes emudeceram de repente, assim como as indicações

luminosas da tela dos instrumentos.

Algo de proporções monstruosas devia ter abalado à

curvatura estrutural do universo normal nas imediações. O

anteparo protetor da Good Hope foi percorrido por

cintilante luminescência. Por segundos, o campo

energético entrou em completo colapso. Os reatores de

corrente giraram em seco, sem carga alguma. Descargas

coruscantes saltavam intermitentemente dos fusíveis dos

conversores de energia. Os supersensíveis sensores

estruturais se fundiram. O odor acre e penetrante invadiu a

cabina de comando. Compreendendo intuitivamente o

acontecido, Rhodan deu ordem para a colocação dos

capacetes pressurizados. As esferas transparentes foram

encaixadas nos aros magnéticos dos trajes espaciais.

Automaticamente entraram em funcionamento os sistemas

vitais de fornecimento de ar condicionado, oxigênio e

radiocomunicação.

Reduzida a uma velocidade correspondente a apenas

25% da da luz, a Good Hope viu-se de repente no meio de

uma descarga energética de inacreditável intensidade.

Chamas azuis envolveram o casco externo de aço. Todo o

poder ofensivo até então desenvolvido pelas naves

invasoras tornava-se insignificante diante daquela força

titânica.

O grito de pavor foi ouvido por todos. Alastrando-se

por intermédio dos alto-falantes embutidos nos capacetes,

acendeu nos cérebros humanos uma centelha de pânico.

Rhodan viu Crest correr para o painel do

hipercomunicador. Antes que as oscilações da nave se

estabilizassem, o cientista arcônida começou a falar diante

das telas transmissoras iluminadas.

Até então Rhodan estivera entregue à tarefa de manter

a Good Hope mais ou menos sob controle. Deu, então,

com o monstruoso vulto de metal e energia que emergia do

hiperespaço, a cerca de cinqüenta quilômetros de distância

dali.

— Não! — gemeu ele. Depois berrou: — Thora, isso

é...?

— Uma nave de guerra arcônida! — ela completou,

afobada. — Da classe imperial, o último modelo

desenvolvido pelo Império. Conheço bem o tipo. Eu

poderia conquistar um sistema solar inteiro com ela. Perry,

nossa gente está chegando! Crest transmita o código de

reconhecimento. Lá em Árcon devem ter percebido o que

ocorre em Vega. Veja só, Perry! Um gigante invencível,

equipado com magníficas armas. Deve ter um diâmetro

mínimo de oitocentos metros, segundo os padrões

terrestres. Eu...! O que está fazendo?

As juntas dos dedos crispados de Rhodan se abateram

sobre o reostato que comandava os quatro propulsores

principais. Luzes de controle piscantes indicavam uma

reversão de cento e oitenta graus nos campos de força dos

jatos. Mal acabara a manobra de frenagem, a nave retomou

impulso com o máximo de velocidade. O rosto de Rhodan

estava contraído. Reginald Bell foi o primeiro a

compreender. Seu grito rouco de alerta se transmitiu

através do intercom. Apenas os dois arcônidas

continuavam radiantes. Mas momentos depois Crest caiu

em si e afastou-se do hipercomunicador, profundamente

perturbado.

— Contato nulo! — queixou-se ele. — Mas o

computador central da nave de guerra deveria ter

identificado imediatamente o código dado. Não

compreendo o que...!

— Ainda não percebeu que naquela nave não há um só

arcônida? — gritou Rhodan, exaltado.

— Ela está dando volta e abre fogo contra as linhas

ferrônias! — anunciou a voz do mutante Ralf Marten que

estava tomando conta dos detectores.

Rhodan não podia fazer mais do que já fizera. O

gigante espacial, produto máximo da técnica arcônida, não

perdia terreno para a Good Hope em fuga. Apesar de suas

impressionantes dimensões, conseguia uma taxa de

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aceleração idêntica. Quando o raio violeta se projetou da

gigantesca esfera, era tarde demais para desviar. Disparado

com a velocidade exata da luz, percepção e impacto do

raio foram simultâneos na relativamente minúscula nave

auxiliar do ex-cruzador arcônida. O artilheiro da nave de

guerra não lhe concedera a menor chance.

A potente faixa energética, ultraconcentrada, media

bem quarenta metros de diâmetro. Caso tivesse atingido a

Good Hope em cheio, esta se transformaria

instantaneamente numa nuvem gasosa. Porém a nave

resistiu ao tremendo impacto produzido pelo tiro de

raspão. Descargas flamejantes explodiram ruidosamente

nos anteparos de defesa; o campo energético desmoronou

impotente para opor-se a forças tão poderosas. Reduzida

agora a uma simples partícula de pó, a esfera espacial

virou joguete indefeso de uma tremenda onda energética,

desferida pelo gigante voador sem maiores preocupações,

apenas de passagem, para aproveitar a situação.

Rhodan ainda chegou a perceber que quase toda a

maquinaria da Good Hope tinha deixado de funcionar. O

baque violento de comportas de segurança fechando-se

automaticamente provava que mesmo o tiro de raspão

provocara tremendos estragos. Antes de ser arrancado de

seu assento diante dos controles, ainda escutou o incipiente

zumbido da reversão dos campos de força. Processo

automático, cuja finalidade era canalizar, em caso de

catástrofe, a energia disponível para os amortecedores de

inércia. Se isso não tivesse acontecido, não haveria mais

vida na nave violentamente arrancada de seu rumo por

uma força extraordinária.

O major Deringhouse, cujo veloz caça se havia

aproximado até uma distância de cerca de dois quilômetros

da Good Hope em virtude da manobra de frenagem desta,

viu que a nave esférica rodava desarvorada pelo espaço,

como uma bola chutada com violência.

Só Deringhouse se encontrava em posição de verificar

que o terrível raio energético tocara apenas a curvatura do

pólo inferior da nave. No entanto, ele estava

incandescente. O aço arcônida derretera como manteiga ao

sol ardente do deserto. Cintilantes vapores metálicos se

desprendiam ainda da parte inferior da esfera. A Good

Hope arrastava consigo pelo espaço uma extensa cauda

luminosa, como se fosse um cometa.

A luminescência dos anteparos defensivos se

extinguira. A única avaria visível agora era o pólo inferior

em brasa.

Deringhouse chamou desesperadamente Rhodan e os

outros tripulantes a bordo da Good Hope, porém não

obteve resposta alguma. Só lhe restava acompanhar a

pobre nave ferida em sua trajetória de fuga forçada. Muito

adiante o supergigante esférico deslizava pela escuridão do

espaço, com os torretes armados espalhando destruição.

Estava transformando as semiorganizadas linhas ferrônias

num confuso amontoado de vultos fugitivos, dominados

pelo pânico total. O número das naves ovoides reduzia-se

aceleradamente sob o impacto dos tremendos golpes

desferidos por um atacante de poder ofensivo

infinitamente superior.

Era um golpe fatal para os ferrônios. Pálido e desfeito,

Deringhouse tinha os olhos fixos nas telas de seu caça. A

Good Hope corria em direção do nono planeta, com a

avaria mortal em seu casco brilhantemente rubra.

— Acho que eles sobreviveram ao tiro! — disse de

repente uma voz no alto-falante do telecomunicador de

bordo do caça. Era o capitão Klein, no segundo aparelho.

— Aguardemos, está bem? Foi apenas um tiro de raspão.

Se for preciso, posso tentar engatar no canal de

lançamento superior. Eles voam apenas com 30% da

velocidade da luz.

— Tiro de raspão?! — exclamou Deringhouse, com

um riso sarcástico. — De onde será que surgiu o diabo

daquele monstro espacial? Apareceu de repente... Ande,

acerquemo-nos deles. Vão direto para o planeta nove!

Reduzida a dois propulsores em funcionamento

precário, a Good Hope precisou de oito horas para

completar a viagem. Poderia ter desenvolvido velocidade

maior caso os neutralizadores de inércia estivessem

funcionando; mas estavam seriamente avariados. E com

eles fora de ação, a desaceleração tinha que se limitar à

capacidade de absorção dos projetores, cujo

funcionamento era intermitente.

A penetração na densa atmosfera do nono planeta

assemelhou-se a um mergulho do alto na água. Rhodan

viu-se obrigado a submeter a tripulação a uma

desaceleração de gravidade extremamente severa, pois as

forças de inércia geradas não podiam mais ser absorvidas.

Também tivera que ligar rapidamente a carga máxima de

retropropulsão, pois ao primeiro contato com as moléculas

de ar deixaram de funcionar os projetores de campos de

absorção.

Portanto a nave auxiliar se precipitou através das

massas de ar cada vez mais densas como um meteoro em

brasa. Caso os aparelhos antigravitacionais tivessem

recusado igualmente funcionar, a Good Hope se espatifaria

contra o solo do planeta. No entanto, com a nave quase

desprovida de peso, foi possível equilibrá-la ainda, se bem

que a aterrissagem não fosse das mais suaves.

Todas as instalações da metade inferior da nave haviam

sido destruídas. Seria impraticável fazer reparos durante a

morosa operação de frenagem; além da elevada

temperatura reinante na zona avariada, surgira nela uma

mortal radiação gama.

Numa fração de segundo, a Good Hope fora

transformada num destroço indefeso. Já não havia

condições para pensar em voos mais rápidos do que a luz.

Os hiperconversores, essenciais para a formação dos

campos estruturais de defesa, haviam sido totalmente

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destruídos. O grupo de reparos, protegido por trajes

espaciais, só encontrou montinhos de metal fundido por

ocasião da vistoria feita posteriormente. Os demais

aparelhos poderiam ser consertados, mas aquele

equipamento essencial estava definitivamente perdido.

Antes de mergulhar na atmosfera, sob a orientação de

Chaktor, Perry Rhodan tomara consciência do irreversível

fato de que se tornara prisioneiro do sistema Vega.

Após a descida no espaçoporto da cidade principal do

nono planeta, foram recebidos com bastante frieza pelos

oficiais ferrônios. Estes se limitaram a providenciar a

retirada da nave severamente avariada da pista de

aterrissagem desprotegida. Agora a Good Hope repousava

num hangar subterrâneo, estalando em todas as juntas

enquanto se processava gradualmente o resfriamento da

massa superaquecida. O recinto não apresentava nada de

extraordinário; em qualquer ponto da Terra se encontraria

algo semelhante.

Klein e Deringhouse tinham aterrissado sem maiores

problemas. Rhodan enviara-os novamente ao espaço, a fim

de prestar apoio à frota ferrônia em sua precipitada retirada

e escoltá-la até a volta ao oitavo planeta. Aquela pequena

colaboração em prol da defesa comum lhe parecera

imprescindível.

Quando Deringhouse anunciou pelo hiperrádio que a

gigantesca nave aparecida de surpresa se juntara às fileiras

dos tópsidas, um sorriso frio surgiu nos lábios de Rhodan.

Dali em diante, pouco falou. Encontravam-se num mundo

alheio, entre seres estranhos, que pareciam encarar o

desastre ocorrido com a Good Hope com sentimentos

contraditórios.

A análise psicológica da situação efetuada pelo Dr.

Haggard fora quase desnecessária. Mesmo sem ela,

Rhodan sabia que o vivo entusiasmo inicial da tripulação

por ele, e a confiança no poder ofensivo da Good Hope

tinham diminuído consideravelmente.

Chaktor, o ferrônio resgatado do vácuo, ocupava

passivamente uma poltrona na cabina de controle. Bell e

uma equipe de técnicos tentavam recuperar pelo menos a

aparelhagem de controle mais importante. Crest parecia ter

desmoronado interiormente; matinha-se num canto,

silencioso e apático. Thora, ainda mais suscetível do que o

sábio arcônida, debatia-se contra um incipiente colapso

nervoso.

Os mutantes circulavam, procurando avaliar as

circunstâncias. Ralf Marten, o homem dotado das

qualidades mais peculiares em todo o grupo, rondava ã sua

maneira, por perto e por longe: há mais de uma hora não se

movia da poltrona, rígido e hirto como se estivesse em

transe. Periodicamente relatava, em voz impessoal, o que

observara através dos olhos de algum chefe ferrônio, ou o

que escutara pelos ouvidos dele. Pelo que informava os

habitantes do planeta não nutriam intenções malévolas

contra os visitantes humanos. O sentimento predominante

era de profunda desilusão, diante do súbito fim das

esperanças despertadas pelo aparecimento da espaçonave

terrena. Os telepatas confirmaram as observações de Ralf

Marten.

Diante disso. Rhodan deu ordem para recolher os

guerreiros-robôs, prontos para entrar em ação, ao

compartimento de carga da nave. Reginald Bell emergiu

da estreita portinhola das escadas de emergência. Os

elevadores antigravitacionais já não funcionavam.

Resmungando baixinho, ele se desembaraçou do pesado

traje protetor e estendeu a mão para um cigarro.

Entrementes, as pessoas presentes na cabina de comando

tinham adquirido a impressão de que Rhodan se

transformara de repente num calado sonhador. Fazia horas

que não pronunciava uma só palavra.

Mas ergueu a cabeça com a chegada de Bell.

Vagarosamente ele se levantou do assento que ocupava.

Os olhares dos dois homens se cruzaram.

— E agora?

As palavras ficaram no ar, carregadas de inquietação.

Bell deu de ombros. Esmagou o cigarro recém-aceso

sob a sola do sapato.

— Fim da linha para nós! — declarou, sem o menor

traço de emoção no rosto. — Aquele raio energético da

supernave acabou com a Good Hope. Começo a

compreender agora as contínuas alusões de Crest,

classificando nosso veículo de nave auxiliar. Não passava

de porcaria diante de uma nave de guerra autêntica, apesar

de nos julgarmos possuidores de uma arma poderosa.

— Foi suficiente para revidar o ataque das naves

tópsidas!

— Certo, mas faríamos feio diante de um cruzador

arcônida. E quando se topa de cara com uma supernave

que lança raios energéticos de diâmetro quase superior ao

da Good Hope, então...

Bell interrompeu-se, com uma risada seca. Depois

concluiu:

— Pois é que mais posso dizer? Estamos encalacrados.

Foi quase um milagre conseguirmos aterrissar mais ou

menos inteiros. Os pulsopropulsores precisam de completa

revisão. Viagens interestelares estão fora de cogitação. E

como os ferrônios desconhecem os princípios envolvidos

no sistema, nosso destino é ficar em Vega até o fim de

nossos dias. Em resumo: a pior calamidade jamais sofrida

até hoje pela Terceira Potência. A central de força pode ser

reparada. Portanto poderemos pelo menos notificar a

Terra. Daqui por diante, vai depender do coronel Freyt

mantê-la forte e unida. Se a sorte nos favorecer de maneira

extraordinária, nosso pessoal talvez venha nos buscar

daqui a uns dois anos, quando concluírem a construção das

novas espaçonaves.

— A ideia é sedutora, mas improvável — corrigiu

Rhodan, friamente. — Lembre-se de que as novas naves

jamais levantarão voo sem nossos conhecimentos

especializados.

— Intensa comoção em área próxima! — avisou Betty

Toufry, a telepata. De olhos fechados, ela continuou a

dizer: — Grande consternação entre os ferrônios.

Pensamentos confusos se cruzando. Um alto dignitário

abandonou seu povo.

— Marten, tente introduzir-se na mente de um ferrônio

bem informado. De preferência um dos que se encontram

no local que Betty estuda. Ajude-o, menina! Marshall,

entre no circuito também.

Entre Rhodan e Bell surgiu uma aura luminosa, que

deu lugar ao aparecimento do teleportador Tako Kakuta. O

frágil rosto infantil mostrava evidentes sinais de cansaço.

Desde a aterrissagem o rapaz estivera constantemente em

movimento.

— Caos em todo o planeta! — anunciou ele. — Mas

parece que os tópsidas desistiram de um ataque direto;

colocaram apenas algumas naves de observação em órbitas

bem afastadas. O planeta é jovem, o clima terrestre, o

povoamento escasso. Há oceanos, montanhas e planícies

muito semelhantes às da Terra. Esta cidade se chama

Chuguinor, a única concentração populacional mais densa

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do planeta, que leva o nome de Rofus. É aqui que fica o

espaçoporto principal, só que não vi muitas naves

ferrônias. Devem estar todas no espaço. Apenas uma ou

outra unidade avariada ficou em terra. Novas ordens,

chefe?

— Descanse um pouco, Tako — murmurou Rhodan,

absorto. — Você parece fatigado. Por enquanto pouco nos

interessa o aspecto da paisagem. Este planeta não deve

diferir muito de dez mil outros da mesma espécie.

Interessante... aos poucos começo a raciocinar em termos

cósmicos. — Rhodan riu, depois acrescentou, com um

sorriso: — Nada de esforços desnecessários agora, Tako!

Em breve vou ter que destacá-lo para uma missão bem

difícil.

Alertado pelo tom da voz de Rhodan, Bell fitou-o,

intrigado. Depois comentou:

— Você anda tramando alguma coisa, não é?

O hipertransmissor trazia uma mensagem do major

Deringhouse, cuja face se tornou visível na tela. Foi um

bom pretexto para poupar Rhodan de responder.

— Estamos perto do planeta principal — informou

Deringhouse. — A derradeira linha de defesa dos ferrônios

está sendo destroçada. Abatemos sete naves tópsidas, mas

agora a grandona anda olhando para o nosso lado. Parece

não estar gostando de nossa interferência. Que faço, chefe?

O gigante vem em minha direção. Estou com ele na mira.

Ataco?

—Você ficou louco? — gritou Rhodan.

— Trate é de dar o fora, e depressa, ouviu? Com toda a

potência das máquinas! Tática de esquivamento e cuidado

para não se deixar espetar pelas setas de fogo do gigante.

Ainda vou precisar de você, rapaz! Volte imediatamente!

— Chefe, os ferrônios não vão gostar! Cada caça nosso

vale por cem das naves ovoides. Por incrível que pareça,

acabamos sendo a espinha dorsal da frota ferrônia.

— Caia fora, já disse! Klein também! Se a nave de

guerra não for ao encalço de vocês, podem voltar para a

luta. Mas por enquanto tomem distância. Que tal a cena

em torno do oitavo planeta?

— Os tópsidas começam a aterrissar. Sem lançar

grandes ataques. Contentam-se com o bombardeio de

locais determinados; centros militares, provavelmente.

Estão poupando as cidades. Posso contar nos dedos as

explosões nucleares lá embaixo. E nem são das grandes.

Rhodan desligou, comentando:

— Bem que acertei quando preferi não pousar em

Ferrol. Aquilo virou um inferno. As lagartixas vão

aterrissar instalar-se na área e dar início à conquista dos

planetas-colônias vizinhos. Por enquanto estamos seguros

aqui. Que tem ele?

Rhodan percebera que Chaktor dialogava diante do

videofone comum com um companheiro de raça.

Bell prestou atenção. Crest mantinha-se na mesma

atitude de apática resignação, desinteressado do que

acontecia.

Ninguém aguardava novidades naquele momento.

Deringhouse anunciou alegremente que a nave gigante se

desinteressara de vez pelos caças, aprestando-se, pelo

jeito, para aterrissar no oitavo planeta.

— Não ganhamos em velocidade, mas somos mais

ágeis do que ela — continuou a informar Deringhouse.

— Crest!

O chamado foi tão enérgico que o arcônida se ergueu

num pulo. Viu-se diante de um homem de expressão dura

e decidida.

— Antes que torne a mergulhar novamente na letargia,

quero uma curta informação. Tem certeza de que a nave

gigante é um vaso de guerra de sua raça?

— Claro! Que outra espaçonave seria capaz de nos

derrotar?

— É pouco provável que arcônidas participem de uma

invasão promovida por seres não humanos. Portanto, a

nave deve ter tripulação tópsida. Sabe-me dizer como é

que esses indivíduos conseguiram se apoderar de uma das

naves mais poderosas da frota imperial?

Crest deu de ombros, desanimado, sem encontrar

resposta. Thora fitava com olhar ausente a parede mais

próxima.

— Existem duas possibilidades — continuou Rhodan.

— Ou a nave foi entregue aos tópsidas por oficiais

arcônidas decadentes, indiferentes ao destino de sua raça,

ou foi simplesmente capturada pelo inimigo. O que não

seria de admirar, diante da inigualável passividade e apatia

de seu povo. Em qualquer dos casos, porém, pergunto-me

como é que os tópsidas conseguem manejar tão bem o

complexo aparelhamento de uma espaçonave de guerra

arcônida. Talvez as duas hipóteses sejam válidas:

arcônidas cativos passaram seus conhecimentos aos

tópsidas.

— Isto é um insulto! — protestou Thora.

— Apenas repetição do que ocorreu conosco. Vocês

estavam em situação difícil e compartilharam sua ciência

conosco. Só que caíram nas mãos de seres humanos e não

de tópsidas. Nisto reside à diferença. Thora, eu peço que

inicie imediatamente o treinamento dos meus homens!

Ela ergueu a cabeça, surpresa. Rhodan encaminhou-se

para o ferrônio, que prosseguia em sua animada palestra

diante do videofone. Na tela, além do rosto de seu

interlocutor, via-se um vasto recinto abobadado.

— Que treinamento? — indagou a arcônida, com

evidente incompreensão. O interesse de Crest parecia

despertar, se bem que sua testa se enrugasse de

preocupação. Bell sorriu. Conhecia a fundo seu ex-capitão.

Para ele, a palavra impossível não existia.

— Perdi sete homens na batalha. Portanto você, que já

comandou um cruzador de guerra vai se encarregar de

instruir os quarenta e três sobreviventes no manejo dos

principais instrumentos de uma supernave bélica. Ou ela

pode ser controlada por um só homem?

— Nunca! Seriam imprescindíveis pelo menos

trezentos homens especialmente treinados, apesar da

automatização quase total. Perry, você enlouqueceu! Não

pode...

— Posso e não vai demorar muito! — interrompeu

Rhodan, secamente. — Ou acha que pretendo passar o

resto de meus dias num planeta de Vega? As naves

ferrônias não ultrapassam a velocidade da luz; portanto

não me interessam. E jamais entenderemos o

funcionamento daqueles trambolhos tópsidas. Logo, só nos

resta a opção de pensar na supernave arcônida, pelo menos

seu manejo nos deve ser mais familiar. Vamos abocanhar

o naco maior, entendeu? Inicie o treinamento

imediatamente. Obrigado!

O chefe falara. Os presentes trocaram olhares

significativos. Os dois arcônidas ainda não haviam se

recuperado da surpresa. Por fim, Thora murmurou:

— Já lhe ocorreu que a nave de guerra está aterrissando

no oitavo planeta?

Rhodan sorriu de leve.

— Estou começando a me preocupar com este aspecto

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do problema — disse, mansamente. — Já olhou para esta

tela? Observe aqueles imensos aparelhos em formato de

coluna ligados a potentes cabos de força. Deve estar

lembrada de que Crest se referiu a algo semelhante aos

transmissores de matéria, com os quais os ferrônios

poderiam transladar qualquer espécie de matéria. Pois

bem, o que cintila naqueles campos energéticos bem pode

ser vida orgânica!

O zumbido surdo proveniente dos alto-falantes

chamou-lhe a atenção. Chaktor apontava excitado para a

tela, gritando algumas palavras para Betty Toufry. Ela

traduziu sem demora:

— Vejo na mente dele que pensa numa pessoa

altamente colocada. Está se definindo... Dá ao dignitário o

nome de Thort. Não é um nome próprio, e sim um título.

Assim como rei ou imperador. Não, não é bem isso... O

Thort é o Senhor, o governante.

— Estão abandonando o barco que soçobra —

murmurou Rhodan, semicerrando os olhos. — Chegam

mulheres e crianças, também. Portanto, a família

governante evacua a pátria ameaçada para vir refugiar-se

aqui. As coisas estão ficando interessantes. Que foi?

Chaktor dirigia-se a Rhodan, numa arenga nervosa.

Betty captou o sentido das palavras lendo a mente do

ferrônio.

— O Thort quer conferenciar com você,

imediatamente. O comandante da frota ferrônia fez um

relato completo há algumas horas. O Thort está

perfeitamente a par de nossa atuação. Sabe igualmente que

fomos alvejados. Não vai ter que perder tempo em

explicações.

Rhodan engoliu em seco; depois pigarreou. Bell foi

menos reticente. Respirando fundo, opinou:

— Puxa, se o chefão em pessoa se digna pisar num

transmissor só para falar com você, estamos feitos! Essa

gente é bem superior ao gênero humano. Caso consigamos

um entendimento com o Thort, o futuro pode ser risonho.

Nós...

— Em primeiro lugar, temos que voltar para a Terra —

interrompeu Rhodan, com sarcasmo. — No momento,

precisamos manter a aparência de superioridade. Aliás,

não nos resta outra alternativa; temos que poupar o coitado

de uma tremenda desilusão. Parece que nós e a Good Hope

representamos o recurso derradeiro para a salvação deles.

Além disso... — Rhodan fez uma pausa para pensar, e

continuou: — ...além disso, é muito fácil negociar com

oprimidos e refugiados. Costumam ser acessíveis a

argumentos lógicos. Prefiro tratar com o Thort aqui na

cabina de comando. Eu me sentiria inseguro demais lá

fora. Bell ligue a máquina de traduzir. Precisamos

aprender o idioma ferrônio. Crest pode nos dar uma mão

com um breve hipnotreinamento. A memória do aparelho

já possui um bom estoque de vocábulos.

Rhodan fitou Chaktor que fremia de reverente

antecipação. Evidentemente este seria o primeiro encontro

de sua vida com o Thort.

— Vamos com calma, Perry! — observou Bell. —

Afinal, o homem domina todo um sistema planetário!

Rhodan aproximou-se do tradutor automático. Chaktor

seguiu-o, emocionado.

— Betty, diga que o comandante desta espaçonave

solicita a visita do Thort, uma vez que só aqui poderão ser

superadas as dificuldades de comunicação; o aparelho

destinado a isso não é portátil.

A telepata transmitiu o recado a Chaktor, através da

máquina; imediatamente, o ferrônio repetiu a mensagem

no telecom, em seu próprio idioma. A confirmação levou

apenas alguns segundos: sim, o Thort viria. Na tela do

vídeo surgiu um ferrônio de meia-idade.

— É Lossos, o mais eminente cientista ferrônio —

informou Betty.

Rhodan murmurou algumas palavras no minúsculo

transmissor em seu pulso. No compartimento de carga da

nave, os guerreiros-robô despertaram. Com passos

pesados, mas surpreendentemente rápidos, marcharam pela

ampla rampa de descarga para o ar livre.

— Não faça bobagens! — cochichou Bell, preocupado.

— Para que isso?

— Para impressionar, mais nada! — respondeu

Rhodan. — Marshall, seu uniforme é bastante decorativo.

Sabe berrar?

— Como um touro, chefe, se for preciso.

— Pois então, poste-se no alto da rampa e comande os

robôs. Quero cerimônias militares em grande estilo, apesar

de achá-las ridículas há alguns dias. O Thort deve ser

recebido com todas as honras.

O mutante desapareceu.

— Será que vai dar certo? — indagou Thora, nervosa.

— O que vai dizer ao Thort? Não se esqueça de que lida

com uma raça superiormente civilizada.

— Sei disso! — concordou Rhodan, com franqueza. —

Os conhecimentos deles são superiores aos dos homens,

exceto nós mesmos. Peço-lhe que não me contradiga

enquanto falo com eles. Para os ferrônios, somos todos

arcônidas, vindo de um planeta a trinta e quatro mil anos-

luz daqui...

— Como quiser — disse ela, ironicamente.

Rhodan ajustou seu uniforme. Os dois guerreiros-robôs

de pé na cabina de comando receberam instruções

especiais. As luzes de controle dos poderosos geradores de

pulsos se acenderam. As máquinas estavam prontas para

funcionar.

— Tudo deve ter a aparência de estar em perfeita

ordem — disse Rhodan. — Bell, o tradutor automático

está ligado? Obrigado! Betty sonde o conteúdo mental do

governante ferrônio. Gostaria de saber o que se oculta por

trás de seus gestos e palavras.

A menina aquiesceu com um leve sorriso lhe brincando

nos lábios.

Do lado de fora se ouviu um brado sonoro:

— A-pre-sen-taaar armas! Realmente, Marshall

berrava como se quisesse alertar o mundo inteiro contra

um ataque inesperado.

Seguiu-se um rumor surdo. Os braços armados dos

robôs perfilados haviam se erguido simultaneamente,

atendendo à ordem dada.

O ferrônio idoso estacou. Os oficiais de sua comitiva

demonstravam profunda admiração. A figura de Marshall

surgiu nas telas. Em rígida posição de sentido, prestando

uma continência que arrancaria louvores até do general

Pounder, caso estivesse presente. O Thort agradeceu, com

as mãos estendidas para frente. Era um belo quadro.

— Senhores! Não esqueçam por um só instante que

representamos o gênero humano. Portanto, vocês porte-se

com urbanidade, mas com dignidade. Evitem dar a

impressão de se sentirem superiores. Bell, você se

encarrega das formalidades de recepção e introdução.

— E como você quer que eu o apresente? — gemeu

Bell, transpirando nervosamente.

— Como presidente da Terceira Potência, idêntica com

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o Grande Império. Para o Thort, o título de presidente vale

tanto como qualquer outro. Deve achá-lo tão estranho

quanto a denominação Thort é para nós. Aí vem ele!

— Pretensioso! — murmurou Thora. Mas Crest sorriu

compreensivo. O eminente sábio arcônida adivinhara as

intenções de Rhodan.

Este se postou imóvel ao lado do aparelho tradutor.

Quando a saudação de Bell, em idioma ferrônio, ecoou

através do alto-falante, o Thort recebeu o segundo choque

de surpresa. Evidentemente atônito, fitou a extraordinária

máquina. Rhodan sorriu-lhe com cordialidade. Sua

saudação foi respeitosa, porém ligeiramente mais

condescendente do que a de Bell.

Depois os dois representantes de culturas tão diversas

se viram frente a frente. O Thort, idoso, baixo e

acabrunhado; Perry Rhodan, alto, esbelto, senhor de si da

cabeça aos pés.

— Seja bem-vindo, Senhor. Tome lugar, por favor.

Os dois guerreiros-robôs postaram-se silenciosamente

ao lado do comandante, com as bocas de suas armas

apontando para o alto. Após examiná-los demoradamente,

o governante ferrônio deixou-se cair numa das poltronas.

Rhodan expressou ainda algumas frases de cortesia, por

meio do aparelho automático.

O Thort aguardou a tradução. Sua resposta foi breve e

surpreendente. Parecia compreender o que se ocultava por

trás daquelas demonstrações e aceitava plenamente as

implicações nelas contidas. Tinha consciência de estar

diante de um ser totalmente estranho, conforme ocorria

igualmente com Rhodan. Mas sabia que os humanos

tinham corrido em socorro dos ferrônios durante a luta.

— Sua espaçonave está seriamente avariada — dizia o

aparelho, traduzindo as palavras do Thort. — E o senhor

sabe que, sem sua ajuda, nós estaremos perdidos. Portanto,

em que posso ajudá-lo? Meu império está à sua disposição.

A nave pode ser reparada?

Palavras claras e explícitas, que não causaram

estranheza a Rhodan. O Thort não era um fraco e sim um

pensador lúcido. A resposta ainda mais breve e sucinta

correspondia ao caráter de Rhodan. A situação exigia a

mais absoluta franqueza.

Mas antes que Rhodan pudesse responder, o hiperrádio

trouxe a notícia de que a imensa nave esférica tinha

aterrissado no oitavo planeta. O major Deringhouse

aguardava novas ordens. Rhodan mandou-o prosseguir na

missão de observação, pedindo ao mesmo tempo que

procurasse obter boas telefotos da nave. Depois desligou.

— Eram os pilotos daquelas naves minúsculas? —

indagou um dos altos oficiais, excitado. Rhodan

confirmou.

— Mas como é que conseguem comunicar-se com tal

rapidez?

— Distância não tem significação para nós. Assim

como viajamos com velocidade superior à da luz,

dominamos a comunicação audiovisual hiperrápida.

Ao ser divulgada a tradução, o oficial ferrônio olhou

em torno, triunfante. Aparentemente já fizera afirmações

naquele sentido antes, deparando com a incredulidade de

seus colegas. Rhodan bem podia imaginar o que se

passava no íntimo daquela gente. Dali por diante, os

oficiais ferrônios guardaram respeitoso silêncio. Apenas os

olhos atentos do Thort examinavam tudo com a maior

atenção.

— Com sua licença, posso saber se chegou até aqui por

meio de um transmissor de matéria? — perguntou Rhodan.

Percebeu uma reação estranha no regente de pele azul.

— Claro! Fui forçado a deixar o oitavo mundo. Que

sabe sobre os transmissores? Conhece o princípio que os

faz funcionar? É o maior segredo do universo!

— Nem tanto! — replicou Rhodan, suavemente, porém

sem acrescentar mais nenhum comentário. A perturbação

do Thort já era suficiente. — Oferece-me sua assistência,

senhor. Sim, minha nave não tem mais condições de voo.

Não pode ser reparada com os recursos de que dispõe. O

tiro da espaçonave bélica que surgiu tão inesperadamente

foi fatal.

— Quer dizer que sou obrigado a renunciar ao seu

auxílio?

Rhodan viu a face azul entristecer-se. Nos olhos

mortiços refletia-se o desespero.

— De maneira nenhuma. Seria necessário apenas que

me cedesse sua estação transmissora de matéria. Acabei de

saber que a nave gigante pousou no oitavo planeta. Preciso

de uma oportunidade para ir até lá e os transmissores

resolverão este problema. Caso não possa utilizá-lo para

transportar meus homens, serei obrigado a recorrer à

alternativa mais trabalhosa de usar meus dois caças.

O Thort parecia assombrado. Porém concordou

imediatamente. No entanto, ainda alimentava uma dúvida:

— Que pretende fazer lá? O planeta está ocupado pelos

inimigos.

— Vou apoderar-me da nave de guerra! Depois disso

faremos novos planos.

Rhodan sorria.

— Conforme já disse esta pequena nave já não me

serve. Era apropriada para a curta expedição exploratória

que empreendíamos. Caso eu tivesse sabido que se

processava uma invasão por aqui, teria vindo com uma

frota inteira. Lamento...

Bell dominava-se a custo. Os ferrônios faziam

perguntas excitadas. Rhodan explicou detalhadamente

quem eram os tópsidas, de onde vinham e qual era sua

natureza. O Thort prometeu toda a assistência possível.

Rhodan recebeu permissão para usar os transmissores.

Depois veio a pergunta embaraçosa:

— Vai ser capaz de manejar a nave gigante?

— Trata-se de um vaso de guerra de meu povo, senhor!

— disse Rhodan, tranquilamente. A reação foi violenta. Os

oficiais imobilizaram-se em respeitoso silêncio. Apenas o

Thort não se alterou. Sabia raciocinar.

— Mas não tripulado por gente de sua raça, não é

verdade?

— Claro que não. Não imagino como foi parar nas

mãos dos tópsidas. Portanto, necessito urgentemente de

um tópsida vivo, custe o que custar. Existem prisioneiros?

Não, os ferrônios não tinham conseguido capturar um

só tópsida vivo. No entanto, um oficial mais jovem

informou ter visto um bote salva-vidas tópsida destacar-se

de uma das naves abatidas. Havia descido na região do

pólo norte do planeta. Os soldados ferrônios destacados

para aprisionar a tripulação não conseguiam aproximar-se

pois eram repelidos com armas desconhecidas.

Rhodan não hesitou um momento.

— Senhor, mande levar dois de meus homens ao local,

o mais rápido possível e dê ordem de retirada às suas

próprias tropas. Preciso daqueles sujeitos vivos!

— Eles possuem armas terríveis! — objetou Lossos, o

cientista ferrônio.

— As nossas são melhores. Tome as providências

necessárias, Senhor, e ponha à disposição de meu pessoal

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sua aeronave mais veloz, ou uma pequena nave espacial.

Não podemos perder tempo.

Enquanto o Thort agia, Rhodan pôs-se a examinar com

atenção os membros presentes de sua tripulação. Por fim

decidiu:

— Tako Kakuta e Betty, aprontem-se. Equipem-se com

psicorradiadores e convençam aqueles tópsidas a sair de

suas tocas como meninos obedientes. Aguardo aqui. Quero

de preferência os oficiais. Deve haver alguns entre eles.

Tako se for preciso, salte para a retaguarda dos tópsidas. E

procurem voltar inteiros!

Os mutantes aprontaram-se. O japonês sorria, Betty era

a calma personificada.

— Como? É com estas pessoas que pretende dominar

uma tripulação fortemente armada?! — exclamou o Thort,

com o rosto azul se tingindo de sombras escuras. Pela

primeira vez Rhodan o via descontrolado.

— São mais do que suficientes. Dispomos de poderes

que o senhor desconhece. O transporte está pronto?

Tako retirou-se, piscando um olho. O Thort tornou a

sentar-se, calado.

— Isso ultrapassa minha compreensão — murmurou

ele no microfone do aparelho de tradução. — Quem são

vocês? De onde vêm? Infundem temor com suas

capacidades aparentemente ilimitadas...

Rhodan forneceu as explicações necessárias, porém

sem aludir à Terra. Para os ferrônios, eles eram e

continuariam a passar por arcônidas. As palavras de

Rhodan foram aceitas sem a menor sombra de dúvida.

Ele procurou aproveitar o período de espera.

Gradualmente estabeleceu um excelente relacionamento

com o Thort, cujo cargo não era hereditário, conforme

depreendeu da conversa. Após sua morte, um novo Thort

seria eleito entre os homens mais capazes do reino.

Intrigas políticas parecia ser coisa desconhecida. Rhodan

entrevia um futuro brilhante para aquela raça, mas

percebia que faltava algo indefinível para concretizá-lo.

Duas horas mais tarde, segundo o relógio de bordo,

Tako manifestou-se por meio do microtransmissor que

levara.

— Conseguimos chefe! Cinco tópsidas vivos, sendo

que dois deles são oficiais. Foi brincadeira. Betty

localizou-os e eu saltei para perto deles. Reagiram logo

aos psicorradiadores. Dentro de meia hora estaremos de

volta. A aeronave é bem veloz.

— Vamos ver o que acontecerá agora — disse Rhodan,

em tom neutro.

O Thort estremeceu. De repente via aquele homem

com outros olhos. Toda a urbanidade desaparecera. Com

um sorriso apenas perceptível, o governante observou:

— Começo a compreender que não passo de um

insignificante funcionário de província diante de sua

elevada posição. Disponha de mim, mas só lhe peço que

ajude meu povo.

Nunca em toda a sua vida Rhodan sentira tão

embaraçosa comoção. Bell mordeu os lábios e o Dr.

Haggard mal disfarçava o constrangimento.

— Se há mesmo oficiais tópsidas entre os prisioneiros,

devem falar o idioma intercosmo, conhecido em todos os

sistemas do Grande Império — disse Crest. — Todo

oficial tópsida é obrigado a conhecê-lo.

Momentos após, os prisioneiros foram introduzidos,

completamente submissos à vontade do mutante Kakuta. O

profundo efeito pós-hipnótico do raio psíquico fazia dos

estranhos obedientes autômatos.

Com uma exclamação de susto, o Thort ergueu-se da

poltrona. Nunca vira um tópsida de perto e os ferrônios

ignoravam a natureza de seus agressores.

Instintivamente, os oficiais levaram as mãos às suas

armas. Eram pistolas de raios, altamente eficientes: seu

funcionamento baseava-se em quanta luminosos de alta

concentração. As passivas criaturas que penetravam na

cabina de comando viram-se diante de uma bateria de

bocais finos como agulhas, até que Rhodan disse, com um

suspiro nervoso:

— Por favor, baixem essas armas! Poderiam precipitar

um acidente. Seus homens estão preocupados, senhor.

Diga-lhes que eu me responsabilizo por sua segurança.

O Thort transmitiu as ordens necessárias. As pequenas

pistolas de raios foram recolocadas nos respectivos

coldres.

O interrogatório foi realizado na cabina de comando

semidestruída. Os doutores Haggard e Manoli ausentaram-

se brevemente, a fim de irem buscar algum instrumental

médico na enfermaria de bordo.

Não havia a menor dúvida; aqueles seres nada tinham

de humanos! Percebia-se claramente que descendiam de

répteis. Rhodan examinou-os de cima a baixo. Vestiam

uniformes justos, que acentuavam ainda mais as linhas dos

corpos altos e delgados.

— Tako, mande aquele da esquerda tirar a roupa. E

depressinha! Marshall sonde as mentes desses indivíduos.

Tako dirigiu o foco do psicoirradiador, em leque bem

aberto, para o tópsida colocado à esquerda do grupo. Com

gestos ágeis, ele começou a despir as peças da farda.

Rhodan mordeu os lábios, a fim de não deixar escapar um

gemido, conforme sucedia com o regente ferrônio. Pela

primeira vez lhes era revelada a verdadeira natureza dos

tópsidas. Os dois médicos, que acabavam de retornar,

complementariam as observações.

— Meu Deus! — suspirou o Dr. Haggard, com a face

congestionada. — Por isso eu não esperava!

— Diga-lhe que pode tornar a vestir-se — ordenou

Rhodan, com voz rouca. — Bell! Thora e Betty podem

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voltar à cabina. O caso está resolvido. Tako, regule o

radiador para bloco-hipnose. Transmita ordem permanente

para responderem com a verdade às nossas perguntas.

Enquanto Tako regulava o aparelho, Rhodan lançou

um último olhar perscrutador aos estranhos indivíduos.

Apesar de possuírem dois braços, duas pernas e andarem

eretos, não eram humanoides. Respiravam igualmente

oxigênio, porém com isso acabava a semelhança com seres

humanos. A pele escamosa, marrom-escura, já constituía

prova insofismável. Também a constituição orgânica devia

ser radicalmente diferente e Rhodan nem se arriscava a

conjeturar sobre seu sistema metabólico.

Os crânios achatados e calvos eram nitidamente de

répteis, com lábios finos como lâminas de faca e enormes

olhos protuberantes, de surpreendente mobilidade. A

intensa luminosidade de Vega devia ser-lhes bastante

desconfortável.

Sua grande inteligência não ocultava o fato de

possuírem caráter frio e desumano, com conceitos

radicalmente diversos sobre tolerância, ética e moral.

Compaixão e piedade eram sentimentos inexistentes neles.

No entanto, tinham suas próprias regras de conduta, que

aos olhos dos homens eram estranhas e até ridículas. Só

com a maior cautela se poderia tratar com aqueles

reptilóides providos de seis dedos nos membros. Conforme

Crest já observara anteriormente, qualquer acordo ou

tratado feito com eles não conservava a validade por muito

tempo.

Rhodan começou a interrogar um dos oficiais. O

prisioneiro respondeu em fluente intercosmo, o que

dissipou qualquer dúvida por ventura ainda existente

quanto à sua real identidade. Após algumas perguntas

rotineiras, Rhodan foi ao âmago do problema:

— Declara que sua nave foi abatida por um pequeno

veículo arcônida nas proximidades do nono planeta. O

senhor era o comandante. Portanto, deve saber de onde

veio àquela nave gigante arcônida, do tipo Império, de

modo tão inesperado. Como é que foi parar nas mãos dos

tópsidas? Quem são seus tripulantes? Há arcônidas a

bordo?

— Foram mortos! — explicou o oficial, em tom

monótono.

Os enormes olhos mortiços pareciam não enxergar, sob

a influência constante do psicoirradiador.

— Capturamos a nave de guerra no planeta Topsid III.

Ela desceu lá para se reabastecer com água potável. A

tripulação dormia. Dominamos as sentinelas com gás. Os

arcônidas foram forçados a nos treinar. Aquela nave

representa o sustentáculo de nossa frota espacial.

As explicações vinham aos arrancos, interrompidas por

numerosas perguntas. Rhodan deu-se por satisfeito;

guardas ferrônios levaram os prisioneiros.

— Bem que gostaria de saber o que os levou a atacar o

sistema Vega. Mas esse sujeito parece não ter a menor

ideia. O almirante-chefe dos tópsidas é que deve saber.

Como se chama?

— Crek-Orn — informou o cientista arcônida. —

Nome bastante conhecido; o homem está em vias de

tornar-se uma personalidade importante no reino tópsida.

Seria bom ficar de olho nele.

Assim que os tópsidas saíram, Rhodan entrou

imediatamente em contato radiofônico com o major

Deringhouse. Os dois caças já rumavam para o nono

planeta.

O Thort acompanhava atentamente o diálogo.

— Calma em toda a frente — informou Deringhouse.

— A nave de guerra pousou num imenso espaçoporto. A

invasão encontra resistência quase nula. Em terra travam-

se violentas lutas, mas os ferrônios estão em desvantagem.

No setor do espaço em que me encontro, não há sombra de

naves inimigas. Concentraram-se exclusivamente sobre o

mundo principal. Cerca de cento e cinquenta unidades da

frota ferrônia, entre naves grandes e pequenas, regressam

conosco. Não podemos acelerar muito, senão ficam para

trás. Portanto, ainda temos um bom tempo de viagem.

Estamos exaustos.

Deringhouse esperou a resposta de Rhodan, que não

tardou:

— Não espere pelas outras naves. Acelere o mais que

puder e venha logo. Os caças estão intactos?

— De ponta a ponta. Apenas Klein tem uns arranhões

na pintura externa, escapou por pouco de um tiro

energético.

O sorriso de Deringhouse iluminava sua face coberta

de sardas. Acenou alegremente para o Thort, quando este

se mostrou na tela do caça. Rhodan sorriu

imperceptivelmente e desligou.

— Meus homens estão prontos, senhor! — disse ele ao

Thort. — Ficar-lhe-ia muito grato se providenciasse a fim

de que sejam instruídos no uso dos transmissores.

O Thort respondeu:

— Vou ter que deixá-los agora. Mas logo contarão com

a assistência do engenheiro-chefe de uma fortaleza secreta

do deserto. Trata-se de fortificações subterrâneas,

construídas na época em que os diversos grupos de minha

raça ainda viviam desunidos. Eu recomendaria o transporte

da nave avariada para esse local. Os transmissores daqui

terão que ser inativados, pois estão ligados diretamente ao

meu palácio. Meus homens não conseguirão defendê-lo

por muito tempo, o que poderia ocasionar uma utilização

indesejável dos transmissores. Portanto, em hipótese

alguma vocês poderiam usar os daqui. A fortaleza no

deserto possui equipamento similar, plenamente utilizável.

Vou tomar as providências necessárias imediatamente.

Com isso, o senhor supremo de um sistema planetário

inteiro se retirou.

— Bem, este caso está resolvido! — exclamou

Rhodan. — Crest, calcule onda e direção para um

hiperchamado à Terra. Vou ditar a mensagem ao

codificador. Quero que seja enviada em frequência muito

alta, com condensação máxima. E mande repeti-la várias

vezes, pois o coronel Freyt não poderá acusar o

recebimento de modo algum sob risco de sermos

localizados. Temos que enviá-la ao acaso, esperando que

seja devidamente captada. Capriche nos cálculos, Crest!

Para a Good Hope iniciava-se um período de repouso.

Quando Rhodan se encaminhou para sua cabina foi

interpelado por Bell, que parecia fatigado.

— Não acha bom a gente se interessar de perto por

esses transmissores de matéria, chefe? Estou vindo do

laboratório de controle dos ditos cujos. Os troços são

enormes e, pelo jeito, funcionam com velocidade superior

à da luz. A Humanidade poderia fazer bom uso deles...

Rhodan esforçou-se por sorrir. Bell semicerrou os

olhos, resignado, ao escutar o leve suspiro do comandante.

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— Meu caro, até você dar pela coisa, eu já agi. Por que

acha que insisti tanto em usar as máquinas? Pois, em caso

de emergência, poderíamos voar para o oitavo planeta nos

caças, espremendo quatro pessoas em cada um, não é

verdade? Mas é hora de dormir! Quando você tornar a ver

Vega surgir no firmamento amanhã, com todo o seu

esplendor, terá com que se ocupar.

Rhodan desapareceu. Reginald Bell afastou-se,

resmungando, em direção à sua própria cabina.

Não, Rhodan não era homem de deixar passar

despercebido.

despercebido qualquer coisa que, em última instância,

pudesse beneficiar a Humanidade. Porém mesmo um

homem loucamente temerário como Bell era forçado a

confessar que não seria tarefa fácil apoderar-se da nave

gigante arcônida. Mas tinham que tentar! Antes de

qualquer outro empreendimento, era preciso garantir a

retaguarda.

A noite caía sobre o nono planeta de Vega. O espaço

estava tão vazio como se jamais houvesse existido uma

frota tópsida. Só se via as estrelas, e elas eram eternas.

A Good Hope não passa de um destroço incapaz de voltar ao sistema solar. Perry

Rhodan está consciente disso. Mas sabe que os tópsidas possuem uma espaçonave que

corresponderia aos planos que tem em mente.

Portanto, Rhodan concebe algo incrivelmente arrojado e ataca de surpresa com seus

mutantes.

A próxima aventura de Perry Rhodan intitula-se:

MUTANTES EM AÇÃO.

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Nº 11/12/13/14/15

De K. H. Scheer

Clark Darlton

Kurt Mahr

e W. W. Shols

O Sistema Vega, a vinte e sete anos-luz da Terra, tornou-se cenário duma

tremenda guerra interestelar.

Tentando apurar as causas das deformações do hiperespaço naquela zona,

acusadas pelos sensores de deformação da estrutura espacial da base em

Plutão — deformações que só poderiam ser provocadas pela transição de

numerosas espaçonaves — Perry Rhodan vê-se envolvido na luta.

A Good Hope, ex-nave superior às naves inimigas, tripuladas pelos tópsidas,

os homens-répteis. Porém, de repente, surge a imensa nave de guerra

arcônida, capturada por tópsidas, e a pequena Good Hope é seriamente

avariada.

A fim de sair daquela situação desesperada e regressar à Terra, Rhodan só

tem um recurso: pôr os Mutantes em Ação...