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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURIDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Gestão Pública
COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
PESCADORES ARTESANAIS NA COSTEIRA DA ARMAÇÃO -
(GOVERNADOR CELSO RAMOS – SC):
Passado e presente.
Natassha Moresco Maia
Itajaí, junho de 2011.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURIDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Gestão Pública
COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSAO DE CURSO
PESCADORES ARTESANAIS NA COSTEIRA DA ARMAÇÃO -
(GOVERNADOR CELSO RAMOS – SC):
Passado e presente.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Itajaí, sob a orientação da Prof.ª Dra. Neusa Maria Sens Bloemer.
Natassha Moresco Maia
Itajaí, junho de 2011.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURIDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Gestão Pública
COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSAO DE CURSO
PESCADORES ARTESANAIS NA COSTEIRA DA ARMAÇÃO -
(GOVERNADOR CELSO RAMOS – SC):
Passado e presente.
Natassha Moresco Maia
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Itajaí, sob a orientação da Profª. Dra. Neusa Maria Sens Bloemer.
Banca Examinadora
Profª. Dra. Neusa Maria Sens Bloemer
Orientadora
Profª. Maria José Reis
Membro
Prof°. Sérgio Saturnino Januário
Membro
Itajaí, junho de 2011
Agradecimentos
Primeiramente agradeço a Deus pela oportunidade.
Em segundo agradeço meus pais, Elda e Guilherme por toda dedicação, por
sempre me apoiarem e dar incentivo na graduação.
A minha família: a Roberta, tia Nice, e tio Rodrigo, e vô Raulino. Obrigado pelo
carinho e dedicação que vocês sempre tiveram comigo. Tia Andréia, muito
obrigada pela dedicação de seu tempo, e por sempre zelar pelo nosso
conhecimento e educação.
Neusa muito obrigada pela efetiva orientação e por toda dedicação que tiveste
comigo. Você superou as minhas expectativas!
Aos professores: Rodrigo Pereira Medeiros e Sérgio Saturnino Januário, muito
obrigado pelo incentivo e colaboração. Nasceu com vocês a idéia deste
trabalho.
As amigas do curso: Karol e Scheila, obrigado pelo incentivo e preocupação.
A colega Siara, que sempre muito prestativa me auxiliou com materiais e com
todo o seu conhecimento.
Aos amigos: Elder, Pedro e Val. Obrigada pelo companheirismo, compreensão
e pela paciência que vocês tiveram comigo.
E por último agradeço aos pescadores da Costeira da Armação que
prontamente me receberam e não mediram esforços em compartilhar seus
modos de vida, seus saberes, a alguém estranho a seus convívios. Obrigado
por partilharem seus vastos e tamanhos conhecimentos.
A todos que de maneira direta ou indireta contribuíram na conclusão do curso.
Muito obrigado!
RESUMO
O foco do estudo está centrado na característica pesqueira da comunidade da
Costeira da Armação, localizada no município de Governador Celso Ramos
(SC) e suas principais características sobrepondo seus aspectos positivos e
negativos relativos ao espaço-tempo. Para fundamentar a pesquisa utilizamos
um questionário semiestruturado, que pretendia apurar a importância das
relações entre a comunidade e a atividade pesqueira, contextualizada através
do tempo. Isso fica bastante evidente nas práticas cotidianas que são utilizadas
e que revelam e reafirmam que o novo se mantém a partir do momento que se
encontra com o passado revelando as relações simbólicas que perpassa a
atividade pesqueira. No passado porém, diferentemente do presente, as
relações simbólicas ficavam mais evidentes quando analisamos, por exemplo,
o peso cultural que o trabalho coletivo continha, se comparado ao trabalho
individual. Ao analisarmos essas relações nos deparamos com a falta de
perspectivas futuras para a pesca na comunidade da Costeira, agravadas,
segundo a maioria dos entrevistados, pela falta de incentivos do Estado. A
importância da pesquisa se reflete na incerteza do prosseguimento ou não das
atividades pesqueiras da Costeira da Armação e das dificuldades que são
impostas aos pescadores como a nova legislação ambiental, a concorrência
travada com a pesca industrial e as mudanças decorrentes da modernidade.
Palavras-chaves: pescador artesanal, comunidade e atividade pesqueira.
Sumário
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 6
CAPÍTULO I ................................................................................................................ 9
O CONTEXTO DA PESQUISA ............................................................................... 9
1.1 A atividade pesqueira no litoral brasileiro ........................................................ 9
1.2 Caracterização do município de Governador Celso Ramos ...................... 12
1.3 Caracterização da Comunidade da Costeira da Armação ..................... 15
1.4 Organização dos pescadores de Governador Celso Ramos ..................... 17
CAPÍTULO II .................................................................................................... 19
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA e APORTES TEÓRICOS ................................... 19
2.1 Pescadores artesanais ..................................................................................... 19
2.2 Comunidades pesqueiras artesanais ............................................................. 21
2.3 Instrumentos utilizados na pesca artesanal .................................................. 23
2.4 A organização dos pescadores para o trabalho ........................................... 27
2.5 Organização política dos pescadores ............................................................ 29
CAPÍTULO III ................................................................................................... 33
CARACTERÍSTICAS DA COMUNIDADE DA COSTEIRA DA ARMAÇÃO E A ATIVIDADE DA PESCA ................................................................................... 33
3.1 O perfil socioeconômico dos pescadores da Costeira da Armação.......... 34
3.2 A pesca como principal fonte de renda .......................................................... 35
3.3 A atividade pesqueira na Costeira da Armação ........................................... 36
3.4 Os significados da atividade pesqueira ......................................................... 42
3.5 Passado e atualidade na vida dos pescadores artesanais ........................ 43
3.6 A vida na comunidade: no passado e atualmente ....................................... 46
3.7 As tecnologias no passado e no presente .................................................... 48
3.8 A pesca e suas mudanças ao longo do tempo ............................................. 50
3.9 A importância da atividade pesqueira no município de Governador Celso Ramos ........................................................................................................................ 52
3.10 O olhar dos pescadores sobre as instituições governamentais .............. 54
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 56
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 59
6
INTRODUÇÃO
O interesse por esta temática se deve, em parte, pelas discussões
desenvolvidas durante as aulas de Estudos Sócio Ambientais, lecionadas pelo
professor Dr. Rodrigo Pereira Medeiros, no segundo semestre de 2009, no
curso de Ciências Sociais. O professor nos estimulou a pensarmos sobre
fatores ambientais relacionados às comunidades pesqueiras localizadas na
região de Governador Celso Ramos. Esta temática foi considerada relevante
com o surgimento, em 2009, do Quinta dos Ganchos, cujo objetivo primeiro era
implantar um projeto imobiliário que pretendia abranger grande parte deste
município e municípios vizinhos.1
Durante as aulas, o professor Rodrigo mencionava sobre a dificuldade
de articulação das várias comunidades que seriam atingidas por este
empreendimento. Além disso, debatia-se sobre as razões pelas quais não
havia a participação da comunidade nas reuniões internas, bem como na
participação em Audiências Públicas. Diante disso, indagou-se sobre quais
formas de organização seriam relevantes para que houvesse a participação
das comunidades nas decisões de questões que, de alguma forma, poderiam
afetar o cotidiano e o seu modo de sobrevivência. Apesar de esta questão ser
relevante, nossa pesquisa de campo não constatou maior organização por
parte destes pescadores artesanais, confirmado o que se verificou no decorrer
de nossas aulas.
A escolha da temática, também se deveu aos trabalhos realizados no
Instituto de Pesquisas Sociais/Univali, cujos trabalhos dos quais participei como
1Quinta dos Ganchos é um produto imobiliário voltado ao turismo, ao lazer e à moradia de alto
padrão. Frente ao turismo tradicional de sol e praia e adaptando-se às tendências da demanda atual, Quinta dos Ganchos optou pelo desenvolvimento de uma nova classe de turismo – turismo ativo - centrado em novos produtos que contribuirão para a diversificação e a desestacionalização. Esporte, Lazer, Turismo, Negócios, Cultura e Saúde são os pilares em que se assenta a concepção do nosso projeto. Visando proporcionar aos futuros moradores, aos turistas e aos visitantes total conforto, segurança e qualidade de vida, Quinta dos Ganchos foi planejado nos mínimos detalhes. Será dotado de completa infra-estrutura (e.g. planejamento do sub-solo: rede de água, energia elétrica, telefonia, dados, gás, esgoto e coleta seletiva de lixo); empregará tecnologia de última geração e produtos e tecnologias sustentáveis; promoverá a valorização da biodiversidade e a conservação da fauna e da flora, o uso racional de energia e de água, a acessibilidade para pessoas com necessidades especiais, entre outros. http://www.quintadosganchos.com.br/index.php?option=com_content&view=frontpage&Itemid=1
7
bolsista, contribuíram para a mesma indagação no que se refere à participação
dos indivíduos, por vezes desestimulados a participarem das decisões que
dizem respeito ao destino da própria comunidade.
Muito embora tivéssemos, em nossas aulas, discutido sobre a
organização das diversas comunidades pesqueiras da região, a escolha pela
comunidade da Costeira da Armação, se deveu a uma visita à localidade, no
mês de outubro de 2010. Nesta oportunidade conferiram-se, através da
narrativa de um pescador, as dificuldades que os pescadores, de um modo
geral, vêm enfrentando a respeito das embarcações pesqueiras impedidas de
transitarem por alguns espaços da costa do município. Este impedimento
atinge diretamente os pescadores que têm de manter ativa a profissão para a
complementação da renda e da própria subsistência. O impedimento refere-se
às embarcações pesqueiras que estão cadastradas pelo Ministério da Pesca e
Agricultura - (MPA) mas que não correspondem ao tamanho real das que estão
sendo usadas. A fiscalização feita pelo MPA está tornando-se ferrenha e
contínua e diante dessas ações, os pescadores recorrem a outras atividades,
como a venda de cangas na praia, o turismo, e o trabalho temporário nos
restaurantes. A constatação dessa irregularidade observada pelo MPA é para
os pescadores vista com incômodo, uma vez que são novos regulamentos
impedindo a prática da atividade pesqueira e a principal fonte de renda dos
pescadores.
A presente pesquisa apresenta relevância social, na medida em que
poderá contribuir com a elaboração de um diagnóstico da realidade da
organização desta comunidade pesqueira, dando subsídios à elaboração de
projetos que auxiliem em suas práticas cotidianas.
OBJETIVO DA PESQUISA:
Caracterizar as atividades dos pescadores artesanais da Costeira da Armação
do município de Governador Celso Ramos.
Objetivos específicos:
Identificar e caracterizar a comunidade da Costeira da Armação;
8
Identificar as percepções dos pescadores a respeito das atividades
pesqueiras.
Esta pesquisa foi realizada com base em um roteiro de entrevistas
semiestruturado, direcionando o questionário para os assuntos que consistiam
o nosso objetivo.
Cumprimos uma entrevista prévia no mês de março de 2011 e,
posteriormente, realizamos nossas visitas no mês de maio do corrente ano,
cuja finalidade era obter informações correspondentes aos objetivos propostos
no presente Trabalho de Conclusão de Curso. Os entrevistados compõem-se
de pescadores artesanais, sendo a maioria nativa do bairro da Costeira da
Armação.
Do total de entrevistados: - uma mulher com idade de 55 anos; e sete
homens com faixa etária variando entre 44 a 75 anos.
As entrevistas foram realizadas – selecionando de forma aleatória os
entrevistados –, nas residências dos pescadores ou enquanto desenvolviam
atividades nos ranchos de pesca. Há que se registrar, que um dos
entrevistados não se sentiu muito à vontade para responder aos nossos
questionamentos. Isso, ao que tudo indica, se deve, em parte, aos conflitos
gerados no interior da comunidade com a implantação de políticas de
preservação ambiental, considerada por alguns, prejudicial à sua atividade
pesqueira, como veremos no decorrer o presente trabalho.
Para obter dados sobre a pesca no município de Governador Celso
Ramos e mais precisamente no bairro da Costeira da Armação, recorremos
para além das entrevistas, às instituições: Colônia de Pescadores Z-10 e
EPAGRI. É importante registrar ainda, que embora tenhamos nos dirigido à
Secretária de Pesca do Município, nesta instituição não obtivemos êxito nas
informações solicitadas. Havia desinformação sobre esta atividade.
9
CAPÍTULO I
O CONTEXTO DA PESQUISA
1.1 A atividade pesqueira no litoral brasileiro
No Brasil as atividades relacionadas ao mar envolvem por ano,
aproximadamente, cerca de um milhão de pessoas. Entre as principais,
podemos destacar: a pesca, a navegação e o serviço portuário, setores estes
que geram muitos recursos financeiros. Mas, considerando a grande cadeia
econômica que depende da pesca, tanto artesanal quanto industrial, podemos
afirmar que esta é a parte mais relevante desse trabalho.
Em toda a costa brasileira existem atividades relacionadas à pesca e
cada uma dessas regiões apresenta suas peculiaridades frente a esta
atividade. Esta peculiaridade se deve, em parte, a variedade cultural das
populações costeiras e a composição morfológica do seu relevo. A diversidade
morfológica da nossa costa influencia diretamente na presença das espécies
de pescado que ocorrem em regiões específicas. Por exemplo, no sul e
sudeste do país pode-se identificar a presença de espécies marinhas de
grande interesse econômico como a Tainha (Sardinella brasiliensis), que nos
meses de inverno procuram as águas quentes do nosso litoral para se
reproduzir.2 Já espécies como a Gurijuba (Arius spp) só ocorrem na costa norte
do Brasil.
Nesta complexidade de regiões, o presente trabalho tratará
especificamente de uma comunidade do Estado de Santa Catarina, como
afirmamos anteriormente, localizada no município de Governador Celso
Ramos, que tem na atividade pesqueira sua principal atividade econômica.
O estado de Santa Catarina é composto por 293 municípios (IBGE)
sendo que desses 31 ocupam a faixa litorânea de todo o estado (EPAGRI).
Sua população é de 6.249.682 milhões de habitantes (IBGE), sendo que mais
de meio milhão vive direta ou indiretamente das atividades ligadas ao mar.
Semelhante ao que ocorre com as demais regiões do país, Santa Catarina
2 Veja-se MUSEU NACIONAL DO MAR, acesso em 30.01.2011.
10
também apresenta atividades relacionadas à pesca artesanal, à pesca
industrial, às atividades turísticas, às atividades portuárias, às atividades
náuticas e às marinas, entre outras. Entre as atividades que são mais
expressivas para a economia do estado está à portuária, cujos maiores
parques se localizam nos portos de Itajaí e São Francisco do Sul, que geram
cerca de sete milhões de reais por ano para os cofres estaduais.
Há que se mencionar que o Estado de Santa Catarina apresenta uma
tradição pesqueira que remonta ao século XVIII, cuja atividade principal era a
pesca da baleia, tendo como principal propósito extrair o óleo do cetáceo. Este
era destinado à iluminação das residências e até mesmo das vias públicas, e
seu uso também era comum como lubrificante utilizado em equipamentos
motorizados. A carne, por sua vez, não era apreciada e por esta razão não
apresentava valor comercial, sendo totalmente descartada.
A caça à baleia exigia a organização de seus predadores, revelando, em
parte, a organização social destas pequenas comunidades. Assim, por
exemplo, o corte da parte superior da baleia era executado pelos escravos, por
se tratar de uma das funções mais pesadas do trabalho. Não se pode deixar de
mencionar que se tratava de animais que pesavam cerca de 100 quilos, o que
dificultava o seu carregamento e por esta razão cabia aos escravos esta
função. (SILVA, 1990)
Registra-se que a pesca da baleia teve seu auge no século XVIII entre
os anos de 1746 a 1801, observando-se um contínuo declínio até a década de
1880, quando os baleeiros ingleses e norte americanos impediram a migração
das baleias para a costa brasileira, através de técnicas aperfeiçoadas para a
pesca do cetáceo, o que pôs em risco a sobrevivência da espécie. (LAGO,
1961)
Para além de Armação da Piedade, em Governador Celso Ramos,
segundo Lago (1961) outros centros pesqueiros de baleias se desenvolveram
em Santa Catarina, como, por exemplo, as comunidades da Ilha da Graça no
município de São Francisco do Sul, a Armação de Itapocorói em Penha,
Lagoinha na capital Florianópolis, Garopaba e Imbituba. Todos centros de
pesca baleeira no estado. Esta atividade permaneceu nestes municípios entre
os anos de 1746 a 1801. (LAGO, 1961) Até 1973 registrou-se este tipo de
pesca em algumas localidades, a exemplo a capital Florianópolis. (LUNA,
11
2000ª, p.26 apud BONATTI, 2005) Assim, a exploração desta atividade teve
seu fim no século XIX na costa catarinense.
Apesar da pesca da baleia ter sido extinta no século XIX, não se pode
deixar de mencionar que grande parte da ocupação das populações que
habitavam o litoral catarinense continuou voltada para atividades pesqueiras,
embora centradas em outras espécies. Esse novo ciclo de atividades foi
determinado por razões comerciais e, posteriormente, na década de 1950 e
início da década de 1960 registra-se que foi fundamental para a subsistência
das famílias e das comunidades. Mas, igualmente nesta época, o mercado
regional de consumo da pesca foi aumentando, registrando-se assim, a pesca
por motivos tanto comerciais como de subsistência. (LAGO,1961).
No comércio regional uma das atividades que mais se destacou foi a
salga do pescado, ramo da indústria que teve seu ápice na década de 1950,
mas que, apesar de contar com um grande número de unidades industriais se
mantinha com dificuldades. Uma dessas dificuldades enfrentadas pelas
indústrias de salga foi ocasionada pela dificuldade de escoamento da
produção. Isso se deve, em parte, à falta de infra-estrutura para transportar o
pescado do centro pesqueiro até o espaço no qual seria realizado a
manipulação e a comercialização. Para estas atividades, os caminhões não
disponibilizavam de refrigeração para a conservação do pescado, tornando a
carga rapidamente perecível. A falta de higiene e a insuficiência de energia
elétrica eram outros fatores determinantes para dificultar a comercialização do
produto. (LAGO,1961).
A urbanização na capital Florianópolis deu-se por volta da década de
1930 e em outras regiões do estado na década de 1960 (DIEGUES, 2004), o
que é revelado pela demora nas melhorias das estradas, na comunicação e na
instalação das redes de energia elétrica dessas cidades comprometendo
assim, a ligação dos centros pesqueiros com os centros industriais. Apesar de
todas estas dificuldades descritas acima o estado de Santa Catarina, desde a
década de 1950, apresentava significativa produção bruta de pescado e um
considerável número de indústrias relacionadas ao setor pesqueiro. Com o
passar do tempo muitas das indústrias deixaram de existir e outras
permaneceram em atividade até os dias atuais, muito embora suas linhas de
produção não sejam direcionadas somente ao pescado. Inicialmente o
12
mercado consumidor das salgas era destinado a São Paulo, Curitiba e Rio de
Janeiro. (LAGO, 1961).
O estado de Santa Catarina através de sua indústria pesqueira é
responsável pela produção de 50% de todo o pescado consumido no Brasil.
Segundo estudos realizados no ano de 2010 pelo Grupo de Estudos
Pesqueiros da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI3 revelam que a pesca
industrial teve sua produção, no ano de 2009, registrada em 136.189 t, sendo
esta a segunda maior produção nas duas últimas décadas. Os centros de
maior volume pesqueiro concentram-se primeiramente em Itajaí e Navegantes,
seguidos por Laguna, Porto Belo e Florianópolis.
No que diz respeito à maricultura há que se considerar que os dados
estatísticos do IBAMA mencionam que o cultivo da maricultura no estado de
Santa Catarina teve uma produção consideravelmente expressiva no ano de
2006 gerando um crescimento cerca de 4% ao ano.
O estado lidera o número de capturas de pescado no país, contando
com cerca de 25 mil pescadores, entre artesanais e industriais, envolvendo
aproximadamente 130 mil pessoas do litoral norte ao sul do estado. (EPAGRI)
1.2 Caracterização do município de Governador Celso Ramos
É no município de Governador Celso Ramos, localizado no litoral central
de Santa Catarina, que pautaremos nosso estudo, cujas atividades pesqueiras
ainda continuam se destacando no cenário nacional. Nesta localidade, para
além da pesca industrial e artesanal, há também uma das maiores
concentrações de marisco de cultivo do estado.
O município de Governador Celso Ramos foi colonizado no século XVIII
por portugueses que vieram do Arquipélago de Açores e da Ilha da Madeira,
atraídos pela pesca da baleia e pela aquisição de terras onde se plantaria para
a subsistência. Instalaram-se esses colonizadores, em sua grande maioria, na
3 O Grupo de Estudos Pesqueiros demonstra através de boletins estatísticos anuais sobre os
dados da pesca industrial e sobre as atividades artesanais no Estado de Santa Catarina, estudo este elaborado pelo Centro de Tecnologia da Terra e do Mar da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. O projeto teve inicio na década de 1990, e é efetuado pelos cursos de Oceanografia, Biotecnologia e Engenharia Ambiental, é desempenhado por professores, acadêmicos, bolsistas e estagiários.
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praia da Armação da Piedade e posteriormente transferindo-se à praia de
Ganchos. O motivo desta transferência foi atribuído à decadência da pesca da
baleia. Ganchos se destacou por sua melhor localização tanto para a execução
da pesca, quanto para a comercialização de diversos tipos de pesca, além de
ter o acesso mais facilitado e rápido para o transporte do pescado e de
pessoas que se envolviam com esta atividade. (SILVA, 1990)
Ganchos inicialmente pertenceu ao município de Biguaçu e obteve sua
emancipação em 1963, passando, desta forma, a denominar-se Governador
Celso Ramos, em homenagem ao político de mesmo nome, que fora inclusive,
governador do Estado de Santa Catarina.
Essa nova nomenclatura dada ao município até hoje enfrenta resistência
por parte da população, pelo setor de turismo e por outros setores
empresariais, por não contemplar a caracterização do município. (CUSTÓDIO,
2006)
A denominação Ganchos se deve à visão que se tem das três baías em
forma de gancho, principal local de atracação dos barcos pesqueiros, e que
empresta o nome à sede do município. (SIMÃO, 1997).
O cultivo do marisco remonta a algum tempo na comunidade, mas com o
decorrer do tempo vem melhorando e sendo intensificado com um projeto
implementado pela Universidade Federal de Santa Catarina no ano de 1990.
Este mesmo projeto também foi implantado nos municípios de Bombinhas e
Palhoça, e entre esses três municípios, Governador Celso Ramos ocupa o
primeiro lugar na produção de marisco de cultivo. (SIMÃO, 1997).
Quanto à pesca do camarão, esta sempre foi considerada uma atividade
muito importante no município, devido ao grande envolvimento por parte de
toda a comunidade, de forma que esta atividade não estava restrita apenas aos
pescadores, propriamente ditos.
A pesca do camarão perereca ocorre entre os meses de março a julho,
sendo este o período em que há a superação de todo o pescado em relação ao
que se obtém em outras safras. As salgas são feitas por mulheres e crianças, e
entre as mulheres estas obtém certo prestígio quando são mais ágeis na
função. (SILVA, 1990).
O censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
(IBGE) realizado no ano de 2010 revela que a população atual do município de
14
Governador Celso Ramos é de 13.012 habitantes, ocupando extensão
territorial de 117 Km². Seus limites territoriais estão assim demarcados: ao
norte com o município de Tijucas, ao sul e oeste com o município de Biguaçu e
a leste com o Oceano Atlântico, sendo toda essa região pertencente à Grande
Florianópolis.
O município possui em sua geografia 23 praias, fazendo parte de sua
composição os bairros denominados: Ganchos de Fora, Ganchos do Meio,
Canto dos Ganchos, Areias de Baixo, Areias de Cima, Caieira, Costeira da
Armação, Dona Lucinda, Fazenda da Armação, Palmas e Calheiros.
A economia do município além de estar fortemente baseada no cultivo
de marisco e da pesca mencionada anteriormente, também tem sua renda
vinculada ao turismo, dispondo de resorts e parques aquáticos.
O município de Governador Celso Ramos conta com três empresas de
médio porte, a Papenborg do ramo de lacticínios, a empresa Gastec que
comercializa e distribui gás e a Chico Pescados, única diretamente ligada à
atividade pesqueira.
A religião predominante no município é a Católica, apesar de o município
agregar outras vertentes religiosas como a Evangélica Assembléia de Deus,
Igreja Presbiteriana do Brasil, Igreja Adventista do Sétimo Dia entre outras de
menor expressão.
No que se refere à cultura deste município não podemos deixar aqui de
mencionar a forte tradição da farra do boi4, trazida pelos açorianos, e que se
faz presente no período da quaresma. Desde fevereiro de 1998 a farra do boi é
considerada criminosa em todo o país, com uma forte campanha jurídica e
ambiental contra esta prática. Apesar de a cultura ser a de “brincar com o boi”,
esse termo usado pelos farristas, por vezes, não corresponde à realidade, uma
vez que, ao fazê-lo há registros de que o animal foi lesionado e agredido,
advindo daí a repulsa que proíbe esta prática.
Ainda na década de 1960, no município de Governador Celso Ramos,
pescadores e agricultores tinham suas atividades voltadas para o próprio
consumo, aonde se observava o plantio de produtos agrícolas que eram
trocados entre os membros da comunidade, prática esta comum também entre
4Veja-se as obras de Flores (1997), Lacerda, (2003), entre outros.
15
os pescadores. Neste período não se registrava a comercialização pesqueira e
agrícola, cuja prática era marcada pelo Escambo5 com o objetivo de suprir a
necessidade alimentar das famílias de pescadores e agricultores.
Com o passar dos anos a comunidade de Ganchos – hoje denominada
Governador Celso Ramos – a pesca deixou de ser essencialmente voltada
apenas para a subsistência das famílias, mas destinou ao mercado mais
amplo, fora das fronteiras da própria comunidade. Desta forma a pesca não se
destinava somente ao sustento, mas também à comercialização que contribuía
para fixar cerca de 1.500 profissionais envolvidos com a atividade, direta ou
indiretamente. Entre estes se encontram os descascadores, intermediários,
fazedores de redes, canoeiros, camaradas6 e outros. (LAGO,1961)
A comunidade de Ganchos, desde o inicio, foi considerada um dos locais
onde havia maior estabilidade pesqueira, por isso o município sempre esteve
entre os primeiros no ranking dos mais ativos do estado e Santa Catarina.
(SILVA, 1990)
Apesar de ser considerado um centro pesqueiro de grande importância,
Ganchos não dispunha de nenhuma grande indústria de salgas, diferentemente
dos outros centros pesqueiros também importantes para o estado como, por
exemplo, a região de São Francisco do Sul e Itajaí. (SILVA, 1990).
Em 1920 o bairro Canto dos Ganchos teve a organização da primeira
Colônia de Pescadores do município, voltada unicamente para os pescadores
desta localidade. Em 1937 a comunidade da Fazenda da Armação também
fundou sua Colônia de Pescadores. (SIMÃO,1997).
1.3 Caracterização da Comunidade da Costeira da Armação
O bairro Costeira da Armação encontra-se na região norte do município
de Governador Celso Ramos, localizado entre a praia do Antenor e a Fazenda
da Armação, e abriga a importante Baia dos Golfinhos. Para melhor
localização acrescentamos o seguinte mapa:
5 Escambo: troca de bens ou serviços sem intermediação do dinheiro. Veja-se Dicionário
Aurélio. 6 Camaradas: pescador que não possui apetrechos de pesca, faz parte da tripulação onde
desenvolve várias funções, entre elas a de puxador de rede e vigia. Caracterizando-o como trabalhador braçal. (LAGO,1961)
16
http://www.litoraldesantacatarina.com/governadorcelsoramos/mapa-de-governador-celso-ramos.php
Acesso em 23 de abril de 2011.
A população do bairro da Costeira da Armação é de apenas 286
habitantes 7, e segundo uma fonte local, a Colônia de Pescadores Z-10 conta
com 260 associados, desses, 80 são mulheres. Vale ressaltar que estes
números correspondem a todos os pescadores associados, porém não temos o
número exato de quantos pescadores da Costeira da Armação estão
associados à Colônia.
Para além das atividades pesqueiras os moradores desta localidade
também se ocupam com atividades de turismo, serviços de restaurante e bar e
o comércio de vestuário praticado, especialmente, nos períodos de veraneio a
beira mar. Na comunidade está instalada uma escola, um posto de saúde e
uma praça, além de uma igreja Católica. A organização do espaço territorial
7 Esta informação foi obtida através do Tribunal Regional Eleitoral (2010), o que pode não
corresponder exatamente à população desta área. Por outro lado, não há registros oficiais sobre a população local.
17
deste bairro é caracterizada pela presença de duas ou três casas em um
mesmo terreno, exceto é claro, os terrenos de veranistas que na sua grande
maioria tem apenas uma moradia, cujas características também compõem a
ocupação esta localidade. Não se pode deixar de mencionar que a presença
dos veranistas, especialmente daqueles que se estabeleceram com suas
residências em muito contribuíram para reformular a ocupação espacial desta
comunidade de pescadores.
Os pescadores desta localidade registram também que as espécies mais
capturadas são: o Camarão branco, o Camarão sete-barbas, a Anchova, a
Pescada, e a Corvina. O período da captura corresponde ao período das safras
dessas espécies.
1.4 Organização dos pescadores de Governador Celso Ramos
Os pescadores do município de Governador Celso Ramos, a exemplo de
outras localidades costeiras, se organizam de maneira ainda muito restrita para
desenvolver a atividade da pesca propriamente dita, bem como para defender
seus interesses junto aos órgãos públicos governamentais.
No município, mais especificamente na região norte além desta
organização informal, foi registrado no último ano a presença do Instituto Chico
Mendes de Biodiversidade8 - ICMBio vinculado ao Ministério do Meio Ambiente
– (MMA), que se propôs a discutir sobre a pesca na Área de Proteção
Ambiental de Anhatomirim. Em reunião organizada por este Instituto na
comunidade da Costeira da Armação, constatou-se considerável resistência
por parte dos pescadores em relação à pesca industrial. Esta preocupação
estava diretamente relacionada à possibilidade de extermínio da pesca
artesanal, prática esta histórica entre estes e que garante o sustento de suas
famílias através da comercialização do pescado, usado também para o
consumo da família.
Além disso, indicaram também que os golfinhos que habitam as águas
da Baía do mesmo nome também poderiam ser prejudicados considerando que
8 RELATORIA DA OFICINA DE NORMATIZAÇÃO DA PESCA. Subsídios para Elaboração do
Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental do Anhatomirim – SC. Florianópolis, março de 2010.
18
as práticas do “sonar/sondar” e “cerco”, feitas pelas embarcações industriais
para a captura do pescado interferem diretamente na vida destes animais.
(RELATORIA DA OFICINA DE NORMATIZAÇÃO DA PESCA, 2010).
Há, ainda, registro de outras reclamações no documento produzido pelo
ICMBio (2010) como, por exemplo, o uso das embarcações de passeio que
costumam levar turistas para conhecer a região através de lanchas e jet ski,
passeios estes que segundo os pescadores, acabam destruindo as redes de
pesca e poluindo o mar. A perturbação e o barulho produzido por esse tipo de
turismo não causa transtorno somente à pesca, mas também à permanência
dos Golfinhos na baía. É importante ressaltarmos que estes passeios não são
permitidos pela legislação ambiental justamente por causar barulho e incômodo
para esses animais que ali se encontram.
Paralelamente devemos registrar que as reclamações explicitadas no
mencionado documento também diz respeito às ações dos próprios
pescadores, na medida em que eles também se utilizam de lanchas com
motores a diesel, cujos resíduos são jogados no mar, como também provocam
barulho com estes mesmos equipamentos.
Outra reclamação apresentada pelos pescadores diz respeito à infra-
estrutura para o desenvolvimento desta atividade. Assim, à falta de ″ranchos″
coletivos nesta comunidade pesqueira os faz deixar os barcos ao relento, o que
provoca danos nos mesmos. Além disso, a falta deste espaço específico,
também dificulta a manutenção das atividades pesqueiras como, por exemplo,
local adequado para tecer as redes de pesca.
E, por último, mas não menos importante, registrou-se também a falta de
interesse do pescador artesanal para organizar-se de maneira mais formal, a
falta de diálogo entre o pescador e a colônia, e ainda, uma questão de ordem
política, o registro de que a Colônia de Pescadores está diretamente associada
à prefeitura, ou seja, a gestão municipal.
19
CAPÍTULO II
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA e APORTES TEÓRICOS
2.1 Pescadores artesanais
Inicialmente devemos lembrar que a atividade do pescador artesanal foi
definida por instrução normativa que data de 2004, cuja caracterização se
apresenta da seguinte forma:
Pescador Profissional na Pesca Artesanal: aquele que, com meios de produção próprios, exerce sua atividade de forma autônoma, individualmente ou em regime de economia familiar ou, ainda, com auxilio eventual de outros parceiros, sem vínculo empregatício. (SEAP, 2004).
Anteriormente a esta definição sobre o que é o pescador artesanal
(SEAP, 2004) existiram outras instituições que caracterizaram e
regulamentaram a atividade pesqueira, a começar pela Capitania dos Portos
criada em 1845 (BONATTI, 2005), cuja regulamentação dizia respeito às Leis
Marítimas.
Em 1962 surgiu a criação da Superintendência de Desenvolvimento da
Pesca – (SUDEPE), cujo objetivo era de incentivar a industrialização da pesca.
(MEDEIROS, 2009) Em 31 de agosto de 1981 através da Lei n° 6.938 no
governo de João Figueiredo constitui-se o Sistema Nacional do Meio Ambiente
– (SISNAMA), dentro deste foram criados o Conselho Nacional do Meio
Ambiente – (CONAMA) e a Secretaria Especial do Meio Ambiente – (SEMA),
estes últimos com a função de criar diretrizes relacionadas à Politica Nacional
do Meio Ambiente.
Em 22 de fevereiro de 1989 foi criado o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – (IBAMA) que passa então a
ser responsável por fiscalizar, licenciar, penalizar, ditar normas entre outras
atribuições.
Mesmo com todas essas instituições, somente em 2004 como já
mencionamos, é que se teve definido pela legislação o que é o pescador
artesanal. No entanto, a definição da SEAP sobre os pescadores artesanais
esta caracterizada de uma forma muito restrita, para as amplas funções que
são desempenhadas por esses profissionais. Devido à importância que tem a
20
pesca, enquanto produção de alimento e pela história que tem esta categoria
de trabalho em todo o país, selecionamos alguns autores que em seus estudos
trataram da definição do que é o pescador artesanal, apresentando seus
costumes, suas trajetórias, e suas características. A exemplo, podemos citar
Lago (1961) que em pesquisa realizada, identificou e caracterizou pescadores
artesanais especialmente no estado de Santa Catarina.
A pesca é para eles uma eterna esperança. [...]. O “pescador legítimo é aquele que associa a necessidade econômica a satisfações psicológicas; gosta de pescar.” [...]. A manutenção qualificada de pescador não é exata em termos objetivos e sim no sentido subjetivo. O pescador se identifica não somente pelo grau de dependência econômica do pescado, mas também por seu contexto cultural. (LAGO, 1961, p. 152 - 163)
No que se refere às características socioeconômicas de pescadores
artesanais devemos aqui acrescentar que o pescador artesanal sempre foi
marcado pela simplicidade dos instrumentos utilizados para o trabalho, apesar
de que nos últimos tempos estes profissionais se utilizam de novas tecnologias
que tornam o cotidiano menos cansativo. Estes pescadores caracterizam-se
igualmente pelo baixo custo de sua produção pesqueira, sendo esta a sua
principal fonte de renda, podendo também sua produção estar voltada para o
mercado, sem perder a caracterização de atividade para a subsistência. Neste
caso o grupo de trabalho que se envolve com a pesca na maioria das vezes é
composto por parentes dos pescadores. Outro fator que caracteriza o pescador
artesanal é a forma de partilha da pescaria realizada, que pode diferir de uma
comunidade para outra. Uma destas formas é distinguida pela divisão da
produção diária entre todos os pescadores, outra é distinta pela venda do que
cada pescador de determinado grupo pescou, e outra ainda é caracterizada por
ser dividida em partes iguais entre o mestre e o proeiro. (MALDONADO, 1986).
Diegues (2004) menciona a distinção do pescador artesanal e do
pescador de subsistência, assinalando o autor que não podemos confundir
estes dois tipos de pescadores, pois a primeira categoria depende da
comercialização do pescado para obter seus rendimentos, enquanto a outra
depende do pescado, mas não o comercializa.
Outra versão a respeito desta caracterização é de Cardoso (2001) para
o qual a pesca artesanal não pode estar somente associada as suas
21
tecnologias instrumentais utilizadas nas pescarias, mas deve sim o pescador
artesanal ser considerado a partir da organização da pescaria. Ou seja, como a
comunidade se organiza e como o pescador artesanal se reconhece em
consequência de sua atividade laboral. Esta relação com a comunidade se
expressa em rituais pesqueiros interligados com a própria pesca e sobretudo
com a comunidade, hábito comum entre as populações litorâneas.
A diferenciação da categoria pescador artesanal é ressaltada ainda
como:
A pesca artesanal é a atividade de pesca caracterizada por sistemas de pesca que não utilizam embarcações, ou por barcos que tenham TBA menor que 20 t, geralmente sem sistema de conservação, e com menor poder de pesca, tendo consequentemente uma menor autonomia de mar, ficando assim restrita suas atividades de pesca a uma pequena área. (BRANCO e REBELO 1994 apud MACHADO 2009, p. 20).
Com a leitura de todos os autores mencionados anteriormente, podemos
perceber que a caracterização dos pescadores artesanais é feita sem
controvérsias, não diferindo uma da outra. Na verdade o que existe é uma
complementação de todas as pesquisas realizadas por esses autores ao
identificar o que é o pescador artesanal. Embora as práticas dos pescadores
possam se diferir de uma localidade para outra, como por exemplo, a partilha
do pescado, suas características acabam sendo relativamente semelhantes.
2.2 Comunidades pesqueiras artesanais
A pesca de subsistência entre as famílias que residem nas áreas
litorâneas, falando-se neste caso exclusivamente do litoral de Santa Catarina,
estava relacionada ao plantio principalmente da mandioca, do milho, do feijão,
seguidos do plantio de café, e por vezes o de bananeiras (LAGO,1961). A
complementação alimentar era feita através da troca do pescado com
comerciantes locais, ou de outras regiões, por produtos alimentícios como, por
exemplo, o açúcar, trigo, café, etc.
Assim como o escambo é caracterizado como prática de inúmeras
comunidades, assim também o trabalho do pescador não se restringe ao
núcleo familiar. Tomaremos, como exemplo, o trabalho dos pescadores na
execução da pesca da tainha, para compreender, em parte a sua organização
22
nesse trabalho. Esta pesca ocorre nos meses de inverno na região sul, mais
especificamente nos meses de junho e julho, e é considerada uma das pescas
mais importantes desta região pelos próprios pescadores. Em pescarias como
a da tainha, geralmente ocorre um trabalho conjunto da comunidade, havendo
entre as muitas tarefas a necessidade de um olheiro, alguém que com
sabedoria e muito conhecimento observa e identifica de um lugar mais alto a
presença de um cardume de peixes e assim avisa aos demais pescadores a
proximidade do cardume. Só depois do aviso ocorre o arrasto com a
locomoção dos barcos. É um momento de muita euforia, com a presença das
crianças da comunidade que aguardam na praia o resultado da pesca. Pelo
olhar palpitam sobre o número de peixes que serão capturados, se muito ou
pouco. E, finalmente, na praia termina o arrasto havendo sempre a participação
da comunidade, e por vezes, de algum visitante que se encontra na localidade.
Segundo Diegues (2004, p. 134) esta é uma prática que esta
relacionada ao tipo de pesca que está sendo realizado. “Enquanto nas
pescarias mais simples (picaré, por exemplo), intervém somente o grupo
familiar, em outras mais complexas, como o cerco da tainha, podem participar
várias unidades familiares.”
Ainda segundo Diegues (2004) a pesca da tainha constitui muito mais do
que uma pesca temporal, porque ela se apresenta cheia de relações simbólicas
para toda a comunidade, expressas nas relações de troca, da partilha da safra.
Este é o momento em que a comunidade vive seu ápice, gera-se muita
expectativa em torno da safra, envolvendo antecipadamente os membros da
família nos preparativos das redes, das canoas. Portanto os meses de inverno
caracterizam para a comunidade um período de união, de partilha, de
solidariedade.
Ao mesmo tempo, esse ciclo, como dissemos antes, reproduz a vida social, uma vez que homens, mulheres e crianças estão na praia não somente para pescar, mas para reafirmar os valores de sociedade que também se expressam pelos símbolos, orientando a formação dos grupos tradicionais de pesca que se recriam a cada safra e que se desfazem depois dela as “companhas”, as sociedades e as combinações. [...] É como se a vida social se intensificasse e se fortalecesse durante o período de inverno e diminuísse após a safra. (DIEGUES, 2004, p. 271)
23
Ainda sobre a pesca da tainha, pode-se caracterizar a maneira como a
comunidade se relaciona e a importância que esse período representa para
comunidade, como registrou Medeiros:
Esta é uma pescaria muito esperada pela comunidade, não só pelo ritual coletivo da dádiva e reciprocidade, mas pela sua importância socioeconômica. Observou-se que durante esse período, os pescadores aumentavam em até quatro vezes o rendimento familiar. (MEDEIROS, 2002 apud MEDEIROS 2009, p. 163).
Desta maneira Medeiros (2009) ao mesmo tempo em que menciona de
como esse período fortalece os laços sociais da comunidade, ressalta também
o fato deste tipo de pesca trazer benefícios econômicos consideráveis dando
maior rentabilidade para as comunidades, permitindo, por vezes, que estas se
mantenham em períodos de relativa escassez.
Outra característica dessas comunidades em relação à atividade
pesqueira diz respeito não só à subsistência das unidades familiares, mas
também à comercialização que traz benefícios para toda a comunidade. Assim,
algumas atividades pesqueiras, se realizadas por pessoas do mesmo grupo
familiar, acabam não sendo tão vantajosas, mas se tornam mais lucrativas
quando realizadas por pessoas da comunidade que tenham a habilidade
necessária tornando o trabalho mais produtivo e rentável. (DIEGUES, 2004).
As comunidades pesqueiras apresentam entre suas características a
confecção dos utensílios usados na pesca, na construção das embarcações,
bem como pela comercialização do pescado e por um considerável número de
embarcações, geralmente avistadas quando se chega as praias. (LAGO, 1968)
2.3 Instrumentos utilizados na pesca artesanal
Os instrumentos utilizados para a captura do pescado em sua maioria
são confeccionados pelos próprios pescadores. Muito embora a mão de obra
seja do próprio grupo, a matéria prima representa alto custo por serem
procedentes de outros estados. Quanto à durabilidade desses utensílios
também não alcança longo prazo, visto que o clima quente e úmido não
contribui para a resistência desses materiais. A grande quantidade de peixe e a
24
presença de outras espécies não compatíveis com o tipo de utensílio
acabariam por deteriorar o material. (LAGO, 1961).
Os materiais utilizados nas pescarias da região do litoral central do
estado de Santa Catarina, composto pelos municípios de Florianópolis,
Biguaçu, São José, Governador Celso Ramos e Tijucas, apresentam algumas
especificidades, como relataremos a seguir.
Rede de tainha: Utilizada em todo o litoral, é uma rede muito resistente,
mas, que em função do frequente uso necessita de constantes reformas.
Dimensionadas em 300 braças com quatorze metros de altura, e de 180 a 250
braças9·, com nove metros de altura, sendo a primeira de custo mais elevado
(LAGO, 1961).
Rede de arrasto: Sua durabilidade é semelhante a da rede de tainha,
com dimensões menores sendo em média de 120 a 150 braças. Em torno
deste tipo de pesca pode-se dizer que existe, por parte da comunidade, uma
participação mais efetiva, seja ela para receber o seu quinhão referente ao
pescado, seja para a relação de pertencimento na qual a comunidade se
reconhece. (LAGO, 1961) Vejamos detalhadamente o procedimento deste tipo
de pesca:
A rede de arrasto necessita de concurso entre duas canoas, cada uma mantendo a metade da rede. Logo que o cardume ou “manta” é divisado, quando as condições do local são favoráveis, as canoas se movimentam e se afastam, buscando cercar o peixe, para então efetuar o lançamento da rede e posterior arrasto, feito pelos camaradas que se colocam na praia. (LAGO, 1961, p. 178).
Este tipo de pescaria apresenta variações de uma comunidade
pesqueira para outra, como identificou Filardi (2007) ao relatar que as redes
podem ter seu cumprimento diferenciado conforme as características de cada
praia, bem como o número de canoas são variáveis de acordo com a pescaria
realizada.
9 Segundo o dicionário Aurélio (2003) Braça é uma antiga unidade de comprimento equivalente
a 2,2m.
25
Espinhel: este é composto por 300 anzóis, exigindo pouco trabalho do
pescador, é facilmente utilizado e por ser usado para a captura de várias
espécies de grande porte e se torna consideravelmente de grande eficiência.
(LAGO, 1961)
A tarrafa e o puça (buçá, jereré, ou coca) são utilizados na pesca do
camarão, esta que é, logo após a pesca da tainha, a pesca mais importante do
estado de Santa Catarina (LAGO, 1961).
Pesquisa realizada recentemente por BONATI, (2005) no município de
Penha menciona que alguns utensílios como, por exemplo, cestas, balaios e
samburás para o armazenamento do pescado são feitos com materiais como o
bambu e o cipó, extraído da Mata Atlântica, não tendo desta forma um custo
muito alto para os pescadores. Atualmente estes utensílios foram substituídos
por caixas de plástico, considerando que o domínio da confecção destes
objetos está ameaçado, pois segundo BONATTI (2005), não há interesse por
parte dos pais, filhos e netos de pescadores em aprender a técnica de
confecção deste artesanato. Além de este artesanato ser destinado à pesca,
propriamente dita, parte deste material passou a ser utilizado também como
objeto decorativo e como utilidade doméstica.
As embarcações pesqueiras, assim como os instrumentos citados
acima, ocupam lugar de destaque nas práticas pesqueiras, razão pela qual
consideramos relevante descrevê-los no presente trabalho.
Em pesquisa realizada por Filardi (2007) no município de Garopaba
(SC), esta caracterizou os botes como tendo em sua maioria 8 metros de
comprimento com capacidade para transportar de três a quatro pescadores ou
no cotidiano, restringindo-se a transportar apenas dois pescadores. O motor do
bote geralmente fica localizado no centro desta embarcação, sua lateral é
constituída por uma tábua larga, não possuindo cabine em seu convés. Ainda
menciona a autora que os botes têm capacidade para carregar até três
toneladas. Quanto ao seu custo, registrou a mesma pesquisadora que este
pode ser estimado entre R$ 4.000,00 e R$ 7.000,00. O motor, por sua vez,
pode ter um custo estimado entre R$12.000,00 e R$ 14.000,00.
A baleeira ou barco cabinado:
26
A baleeira é uma embarcação ligeira, com duas proas, de 12 a 18 metros de comprimento tendo fundo de prato, exclusivamente destinada à pescaria da baleia. Estando o vento de feição, desenvolve uma marcha de 12 milhas por hora [...] Possui a baleeira um só mastro, com inclinação para a popa, o qual apresenta na extremidade superior um furo, por onde corre a adriça de grande vela quadrangular, cosida na verga. O leme é o mesmo das outras embarcações e atrás à popa, do lado de bombordo, um remo, que também funciona como governo. Além da vela, servem de propulsores às baleeiras varas e remos (BARROS, 1910 apud JÚNIOR, 2005, p. 142)
Além destes aspectos Filardi (2007) menciona que o barco cabinado é
também denominado de baleeira, e que apesar de ser recorrente esta
denominação entre os pescadores a designação mais adequada seria barco
cabinado. Este tipo de embarcação se caracteriza por utilizar a madeira em sua
confecção e por possuir, aproximadamente, de 15 a 20 metros de
comprimento, tendo como destaque uma cabine o que proporciona ao
pescador a possibilidade de permanecer no mar por até uma semana. Sua
capacidade de transporte do pescado chega a dez toneladas, contando por
vezes com outras tecnologias como o sonar, o GPS e com um motor que se
localiza no centro.
A lancha Baleeira tem um comprimento que varia entre 10 a 11 metros,
é considerada uma embarcação de pequeno porte. Por esta razão pode
transportar entre quatro ou oito toneladas de pescados e ainda um máximo de
dez pescadores, mas, nunca atuando com menos de dois pescadores. Seu
preço médio pode variar entre 20.000,00 reais (vinte mil reais) a 25.000,00
reais (vinte e cinco mil reais) As tábuas que compõem a parte lateral desta
embarcação são estreitas e por isso tem de ser em número maior para a
constituição da lancha. (FILARDI, 2007).
As bateras são embarcações bem menores do que a lancha baleeira e
seu comprimento podem variar entre 2,5 metros a 3,0 metros. Além de ser
utilizada na pescaria conduzida por no máximo dois pescadores, as bateras
também tem a função de levar pescadores a outros tipos de embarcações de
porte maior que se encontram atracadas longe da praia.
As embarcações de certa forma revelam o poder aquisitivo destes
pescadores, que mesmo sendo identificados como artesanais, por vezes,
conseguem adquirir equipamentos de mais qualidade e tecnologia. Por outro
27
lado, é através da presença destes mesmos equipamentos que se pode
identificar visualmente uma comunidade de pescadores artesanais, que
atracam seus barcos, bateras, etc., próximos à praia ou as guardam em
ranchos edificados para este destino.
A pesca industrial se utiliza de recursos tecnológicos como o “sonar”, “a
sonda”, a “ecossonda” e de embarcações de médio e grande porte que não
pode ser comparada a baixa tecnologia usada na pesca artesanal.
Em 1956 o município de Biguaçu contava com 78 canoas, 200 baleeiras
e quatro bateras, como registrou Lago (1961) lembrando que ainda neste ano o
atual município de Governador Celso Ramos fazia parte daquele território na
condição de distrito.
Não se pode deixar de mencionar ainda que as embarcações
identificadas como industriais apresentam equipamentos de tecnologia mais
avançada e, por esta razão, exigem dos seus tripulantes alguns conhecimentos
não dominados pelos pescadores artesanais.
2.4 A organização dos pescadores para o trabalho
Os pescadores podem estar ligados tanto ao mar quanto a terra e
extraem de ambos o seu sustento, ainda que o mar lhes traga maior
rendimento, a terra por meio de uma agricultura voltada apenas para o sustento
da família, é considerada uma atividade complementar, segundo Lago (1961).
É este o tipo de pescador que predomina no litoral de Santa Catarina.
A pesca, propriamente dita, é considerada uma atividade masculina,
havendo, ainda que excepcionalmente, a presença de mulheres neste setor.
Podemos estabelecer dois tipos de categorias de pesca relacionadas ao
gênero feminino, a primeira são as mulheres pescadoras que tem efetiva
participação na atividade pesqueira e que recentemente dispõem de
organização formal voltado para a sua categoria. A segunda categoria é
composta por mulheres de pescadores, que auxiliam nas atividades pesqueiras
e que são melhor identificas ao longo deste trabalho.
Na divisão e organização do trabalho os concertos de redes e
embarcações são atribuídos aos homens, e por vezes homens de idade já
avançada, cujo físico não lhes permite ir para o mar extrair o pescado. Na
28
organização das atividades pesqueiras são considerados homens adultos
aqueles que dispõem de força física para tal atividade geralmente iniciada dos
17 aos 18 anos de idade (LAGO, 1961).
As mulheres em geral se ocupam de atividades como a limpeza do
pescado, sendo este destinado às empresas, atuando raramente na confecção
das tarrafas.
Em pesquisa realizada por Maldonado (1986) o gênero feminino era
excluso das atividades diretamente ligadas ao mar, não saiam para a pesca,
não teciam as redes de pesca. No litoral do nordeste do Brasil mulheres e
crianças participam apenas das atividades no mar raso e na praia, sendo o mar
de fora ou mar alto de dominação exclusivamente dos homens.
Nos registros de Bonatti (2005) o dia das mulheres é sempre cheio e se
compõe de várias atividades. Cabe a elas aguardar o pescado que chega com
os homens para que dessa maneira possam efetuar a limpeza, preparar e
congelar o peixe, sendo que esse tipo de atividade exige rapidez porque se
trata de um produto perecível. Há que se mencionar que em períodos de
grande safra as mulheres necessitam do auxílio de ajudantes, em sua grande
maioria pessoas próximas da família ou parentes. As mulheres estão
diretamente envolvidas nas atividades de limpar e fazer filé de peixe, atividades
estas que lhes trazem muito desgastes físicos, porque além desta função são
responsáveis pelos afazeres domésticos e pela organização da casa 10.
Bonatti (2005) explica que o envolvimento das mulheres nesta atividade,
ainda na atualidade, se deve a sua origem social, em grande parte pertencente
às famílias muito pobres, impossibilitando a frequência escolar devido à
necessidade de contribuir para o orçamento doméstico com estas atividades
laborais.
Em centros pesqueiros como o de Ganchos em Governador Celso
Ramos, Lago (1968), registra que as crianças auxiliavam na pesca dos 10 aos
14 anos, e com um número considerável de crianças participantes, exigindo
que nos períodos da pesca da tainha e da anchova as crianças tivessem que
abandonar a escola em consequência do trabalho (LAGO, 1961). Ressalta o
mesmo autor:
10
Sobre o desgaste físico que esta atividade produz no corpo das mulheres veja-se o trabalho de Souza (2005).
29
É tão fundamental essa problemática confinada à pesca que a escola se torna, muitas vezes algo ornamental, aceitável, mas não desejável. Isto não ocorre porem, nas comunidades que mantem frequentes e intensas relações com centros urbanos. Nessas, a influencia de escolas é sentida com amargor, conquanto em outras predomina indiferente avaliação. (LAGO, 1968, p. 45).
Fica assim evidenciada a forte ligação da atividade pesqueira com estas
famílias envolvendo todos os seus membros, desde o período infantil à idade
adulta e até mesmo os idosos que também são solicitados a executar alguma
atividade, respeitando-se a sua força física e disponibilidade. Por outro lado, há
que se registrar que este envolvimento familiar é mais intenso nas “épocas de
fartura”, como mencionam os próprios pescadores.
Os horários da atividade pesqueira em Penha – (SC), registrados por
Bonatti (2005), indicam que estes ocorrem geralmente na madrugada, por volta
das três na manhã, e o retorno se dá no inicio da tarde quando já se tem um
número suficiente do pescado ou quando não se teve grande êxito na pesca.
Os horários da pesca devem ser observados de comunidade para
comunidade de acordo com o tipo de pesca que buscam e ainda pelo tipo de
equipamento e tecnologia que utilizam na atividade pesqueira. O horário de
trabalho também pode ser orientado pelas condições climáticas, considerado
determinante na medida em que necessitam “respeitar a natureza”, como
expressam. Há que se registrar, ainda, que grande parte dos pescadores
artesanais não sabe nadar, o que os expõe ainda mais às intempéries da
natureza em caso de algum acidente no mar.
2.5 Organização política dos pescadores
É da década de 1920, mais precisamente do ano 1922, através da
Marinha de Guerra, a criação da Colônia de Pescadores. (DIEGUES, 2004).
Muito embora a Colônia de Pescadores seja uma organização,
teoricamente, voltada para atender aos interesses deste segmento social, há
sérias críticas a mesma, como expressa Maldonado (1986), que considera que
as Colônias de Pescadores como entidades federativas, foram criadas para o
30
assistencialismo e que dificilmente se voltam aos interesses dos pescadores,
tendo sua representatividade efetuada por políticos e empresários que
beneficiam notoriamente a pesca industrial.
Portanto, a Colônia de Pescadores não vincula sua representação ao
pescador artesanal, um dos motivos pelos quais o mesmo não se sente
representado por esta organização, muito embora lhes seja facilitada a
obtenção de sua filiação.
A filiação nas Colônias de Pescadores é obtida de forma simples, sem
burocracia, uma vez que são concedidas aos pescadores e, inclusive, a
moradores das praias que usam a pesca como atividade de lazer.
Há que se mencionar, como lembra Maldonado (1986) que, em se
tratando de Colônia de Pescadores este problema de representação não é
exclusivo do Brasil, mas também de países da América Latina, os quais,
contam também com representantes que agregam os interesses próprios aos
interesses das Colônias, desta forma trazem corrupção às organizações e, com
este modelo de defender os próprios interesses acabam por tornar frustrante a
participação dos pescadores artesanais.
Na obra de Lago (1968) ao abordar as comunidades pesqueiras
catarinenses, o autor também aponta alguns problemas relativos às Colônias
de pesca, como por exemplo, a utilização da comunicação usada que diverge
da utilizada pelos pescadores no seu cotidiano, tornando-se a linguagem uma
barreira entre pescadores e líderes. Referencia que as Colônias interferem
contrariamente nos interesses dos pescadores.
Ainda no trabalho de Machado (2009) a autora ressalta que a Colônia de
Pescadores recebe mais destaque no que se refere ao assistencialismo, não
havendo grande reconhecimento desta instituição pelos pescadores.
Os autores pesquisados trazem algumas concepções sobre o que seja a
Colônia de Pescadores, cuja caracterização apresenta variáveis em suas
formas de organização. As Colônias de Pescadores não necessariamente são
os únicos locais que servem para o encontro dos pescadores, e para suas
reuniões, de maneira que estas podem acontecer em bares, escolas, igrejas...
(LAGO, 1968) Além dos pescadores usarem estes locais para encontros
direcionados às discussões das atividades pesqueiras, sejam elas de ordem
politica ou profissional, o que podemos perceber é que, é nesse mesmo espaço
31
que ocorrem as discussões que envolvem o dia-a-dia das comunidades.
(LAGO, 1968).
Para alguns pescadores, conforme mencionou Machado (2009), a
Colônia de Pescadores está intimamente associada ao trabalho assistencialista
que esta organização deve prestar. Assim, para além de informar sobre as
possíveis mudanças legislativas que ocorrem em relação à Colônia,
estabelecendo uma ponte entre o Estado e o pescador, ela também cuida de
atividades festivas e comemorativas relacionadas à pesca. Entretanto, não há
unanimidade, por parte dos pescadores, na aprovação destas atividades. Há
quem a considere muito assistencialista e pouco politizada, como registrou a
autora (2009).
Mais precisamente na comunidade de Bombinhas - SC, Medeiros (2009)
menciona que existe uma grande dificuldade de confiabilidade nos
representantes das Colônias de Pescadores, visto que em reuniões das quais o
autor participou, os pescadores se quer tinham conhecimento do que estaria
sendo discutido. Ficou desta maneira evidenciada a distância existente entre
pescadores e Colônia diante da falta de representatividade que compõe as
comunidades pesqueiras, tornando esta representatividade um desafio quanto
à gestão pesqueira.
Outro aspecto que apresenta alguma divergência entre os pescadores
foi registrado por Medeiros (2009) a respeito da localização da Colônia,
podendo ocorrer de uma comunidade de pescadores estar em um território em
que possui determinada Colônia, mas pela posição geográfica que ocupam
estão filiados a outra comunidade. Esta situação coloca em cheque a noção de
pertencimento, que em situação de dúvida pode gerar alguns conflitos. A título
de exemplo, falando especificamente dos pescadores da comunidade de Santa
Luzia, bairro que pertence ao município de Porto Belo, os mesmos se
identificam com a comunidade de Tijucas em função da proximidade geográfica
desse município.
Desta maneira podemos perceber que a noção de territorialidade e de
regionalidade descrita por Medeiros (2009) pode ser relacionada com o que
menciona Bourdieu (1989) de que as imposições legislativas sobre os
territórios não são características consideradas naturais.
32
As Associações de Pescadores, diferentemente das Colônias, não são
geridas por nenhum órgão governamental. São organizadas pelas próprias
comunidades com o objetivo de discutir seus interesses políticos relativos à
pesca. Existem comunidades com maior poder decisório e de mobilização,
onde efetivamente acontecem reuniões com a participação da comunidade, em
outras comunidades as Associações atrofiaram-se devido à falta de
participação.
Medeiros (2009), em seus estudos realizados nesta mesma região,
registrou que há motivos para os pescadores não participarem das reuniões,
entre os quais a idéia de que a Associação tenha interesse e seja comandada
por políticos, que interferem determinando o que lhes é conveniente, ou mesmo
por não verem sentido nas Associações porque consideram que cabe ao poder
público implementar melhorias para a comunidade.
Um bom exemplo de organização que podemos observar em nossas
pesquisas bibliográficas é o da Associação dos Pescadores Artesanais de
Tijucas-APAT.
Atribui-se à atuação destacada da APAT três motivos. Em primeiro lugar, pela forte rejeição ao presidente e à gestão da Colônia de Pescadores de Tijucas [...] Problemas relacionados à filiação de falsos pescadores, o cadastramento irregular para acesso ao seguro-defeso e o baixo envolvimento nas questões pesqueiras estão entre os argumentos de rejeição nesta localidade. [...] pelo fato de que a APAT, além de estar mais atuante, está oferecendo o cadastramento para o seguro-defeso, pela metade do preço oferecido pela Colônia, para o pagamento da anuidade [...] Assim, por ser mais viável economicamente, os pescadores estão se filiando à APAT, já que como esta é filiada ao SINDPESCA11 também pode entrar com o processo de pagamento do seguro-defeso. Neste caso, os pescadores “transferem” a representação social sobre as Colônias para as representações sobre as associações. [...] a APAT tem participado diretamente em diversas atividades vinculadas à gestão do uso dos recursos pesqueiros. [...] tem se mobilizado para prover os pescadores de informações sobre as questões pesqueiras. (MEDEIROS, 2009, p. 219).
11
Sindicato da Pesca com atuação regional no município de Florianópolis, atuando em oposição à Federação de Santa Catarina, formando bases pesqueiras em: Florianópolis, Imaruí, Joinville, Laguna, Penha, Anita Garibaldi e Tijucas. (MEDEIROS, 2009)
33
CAPÍTULO III
CARACTERÍSTICAS DA COMUNIDADE DA COSTEIRA DA ARMAÇÃO E A ATIVIDADE DA PESCA
O bairro da Costeira da Armação é considerado um bairro de pequeno
porte não sendo, portanto, muito diferente dos outros bairros que compõe o
município. A população tem como principal atividade a pesca. Os moradores
que residem neste bairro são em sua grande maioria nativos, os outros
indivíduos são oriundos de municípios próximos. Já a população dita como
“flutuante” é composta por veranistas que permanecem no local entre os meses
de novembro a março, quando aumenta muito a demanda por diversos
serviços na localidade.
A principal atividade econômica da Costeira, como já afirmamos, é a
pesca, e a comercialização do pescado que ocorre durante todo o ano,
realizada muitas vezes na residência dos próprios pescadores. Registramos
também outras atividades oriundas do comércio como: o funcionamento de
seus cinco restaurantes na alta temporada, que servem pratos típicos da
culinária local, bem como os passeios de barco durante o período de veraneio.
Circulando pela comunidade, ou em direção a outros bairros do
município, é comum que se depare com pescadores remendando suas redes
no quintal de suas casas, ou confeccionando ou concertando outros
equipamentos de pesca, ou ainda restaurando suas embarcações.
Se por um lado, observamos que os homens utilizam as areias da praia,
as ruas e ruelas do bairro para o conserto de seus utensílios de pesca, as
crianças utilizam esses mesmos espaços para brincadeiras como o jogo de
futebol, brincadeiras de esconde-esconde e para andar de bicicleta, uma vez
que não há espaços apropriados para o lazer e os esportes. É importante
ressaltar aqui que no período das nossas entrevistas nenhuma criança estava
próxima ao local de trabalho dos pescadores, ou demonstrava curiosidade pela
prática pesqueira. A falta de acesso às novas tecnologias como computadores,
também nos chamou a atenção, uma vez que nem as crianças, nem os adultos
são beneficiados pela utilização dessas novas ferramentas.
34
Quanto às mulheres, de uma maneira geral, estas auxiliam seus maridos
na limpeza dos peixes e no processo de descascar o camarão; através deste
trabalho elas contribuem com a renda familiar. Isso ocorre mesmo que elas
tenham outras atividades laborais e atividades domésticas que não estejam
atreladas a pesca.
3.1 O perfil socioeconômico dos pescadores da Costeira da Armação
Entre os pescadores entrevistados, registramos a variação de idade
entre 44 e 75 anos, sendo a maior parte deles nascidos na Costeira da
Armação, apenas dois deles foram criados em localidades próximas. Dos
entrevistados apenas um não constituiu matrimonio.
Quanto ao número de filhos os entrevistados apresentaram variável
considerável, na medida em que dois dos entrevistados não tiveram filhos, um
teve apenas um filho, já falecido. O entrevistado com a idade mais avançada
entre todos teve oito filhos, e os demais tiveram de dois a quatro filhos.
O nível de escolaridade dos entrevistados indicou que todos foram
alfabetizados, tendo concluído pelo menos o primeiro grau, havendo,
entretanto, entre eles pescadores que tiveram a formação escolar incompleta,
tendo alguns cursado apenas a primeira série e, outros chegaram até a quinta
série, salientando, entretanto, que o ensino antigamente era de maior
qualidade, “o ensino era mais forte”, como expressam as pessoas de mais
idade. Dos filhos dos entrevistados nenhum deles possui o terceiro grau, tendo
apenas a escolaridade até o segundo grau.
No que se refere à moradia dos pescadores, todos possuem casas de
alvenaria ou de madeira cujas acomodações são consideradas boas pelas
próprias famílias. Em algumas residências pode-se registrar em suas áreas
externas acomodação que apresenta multiplicidade de uso, como por exemplo,
pode servir como local de trabalho, no qual remendam suas redes, limpam
peixes e descascam o camarão. Ou, ainda, servindo de garagem.
Os bens móveis dos pescadores, como os automóveis, estão em bom
estado de conservação. Do número total de entrevistados cinco possuem
veículo próprio, cujas funções não estão restritas ao lazer das famílias, mas
35
inclusive à atividade pesqueira sendo utilizados para o transporte do pescado e
dos apetrechos de pesca.
3.2 A pesca como principal fonte de renda
A atividade pesqueira na comunidade é considera a principal fonte de
renda para grande parte dos entrevistados, visto que não existe demanda para
outros segmentos do comércio que não esteja relacionada ao setor pesqueiro e
atividades que estejam de alguma forma ligadas ao mar. Entre os entrevistados
apenas um ex- pescador está aposentado e vive somente da aposentadoria.
Outros dois entrevistados têm outra atividade laboral que não está relacionada
somente à pesca, sendo que um deles tem ao lado de sua residência uma
mercearia onde trabalham apenas a mulher e o filho. O outro faz a
comercialização de roupas12 na praia no período de veraneio. Outro ainda está
aposentado, mas faz da pesca uma complementação aos rendimentos obtidos
pela aposentadoria. A nossa única entrevistada mulher é proprietária de um
restaurante cuja renda também reverte para o sustento da família. Assim, o que
se constatou é que a maioria dos entrevistados têm suas atividades
profissionais ligadas totalmente ao mar, ligados à pesca propriamente dita, e a
minoria desempenham atividades que abrangem os serviços turísticos, os
restaurantes que funcionam nos finais de semana, sem muita regularidade na
baixa temporada, e durante o verão de forma ininterrupta.
A comercialização do pescado é feita de maneira diferente de um
entrevistado para outro. Alguns negociam o pescado com o atravessador13,
outros além de vender para o atravessador, também vendem o produto no
próprio domicilio através do varejo.
Todos os entrevistados tiveram iniciação na pesca desde muito novos,
entre os sete e quatorze anos, com os ensinamentos passados por seus pais
ou avós. Somente um dos entrevistados não teve este aprendizado e iniciação
à pesca através do pai, do avô ou dos irmãos. Apenas seu Pedro14 diz ter
aprendido a pescar inicialmente com amigos e vizinhos, já falecidos, visto que
seu pai era lavrador e pescava raramente, uma vez que tinha na atividade
12
Para revender as peças de roupa ele as adquire no comércio paulista. 13
Atravessador ou Pombeiro é o nome dado a quem compra o pescado diretamente do pescador para revender aos restaurantes, bares, aos hotéis, ao mercado público da capital, etc. 14
Para preservar a identidade dos entrevistados utilizaram-se nomes fictícios.
36
agrícola a principal fonte de renda e era desta que retirava o sustento da
família.
Para além das atividades de pesca, embora decorrente da mesma, os
pescadores também contam com os recursos provenientes do “seguro defeso”
que recebem nos períodos em que são impedidos de realizar determinado tipo
de pesca. A pesca do camarão, por exemplo, não é permitida no período de
fevereiro a maio, para que este possa se reproduzir e não venha a se extinguir.
No período do defeso – período em que são impedidos por lei para praticar a
pesca – os pescadores devem respeitar a legislação que apresenta
impedimentos de acordo com a espécie. Neste tempo, o pescador recebe o
seguro defeso, um salário mínimo a cada mês. O “seguro defeso” trata-se de
um benefício concedido pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador – (FAT),
através da LEI n° 10.779 de 25 de novembro de 200315.
Ainda que as entrevistas tenham sido realizadas somente com
pescadores, durante o período da coleta dos dados em pesquisa de campo
pode-se perceber que não é a totalidade da população que trabalha com a
pesca, mas, a grande maioria apresenta algum vínculo familiar com alguém
que exerce esta atividade, podendo ser um filho, pai, sobrinho ou tio. Ou seja,
todos, de alguma forma, sabem como se constitui a atividade pesqueira, seus
benefícios e suas dificuldades. É parte da cultura local saber falar e opinar
sobre esta atividade, valorizada por alguns e, por vezes, não vista com bons
olhos por outros, principalmente os mais jovens, como veremos a seguir.
3.3 A atividade pesqueira na Costeira da Armação
O principal tipo de pesca desenvolvido na comunidade, foco da presente
investigação é a pesca do camarão. É a pesca, que segundo os próprios
pescadores traz maior remuneração frente a todos os tipos de pesca que se
pode obter naquela região. Além disso, é um crustáceo que apresenta grande
facilidade de comercialização na atualidade, porque há sempre compradores
interessados neste alimento, considerado uma iguaria muito apreciada pela
culinária brasileira e por aqueles que residem no litoral.
15
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.779.htm Acesso em 06.06.2011
37
A garantia da comercialização deste produto não acarreta perdas da
produção, o que tem estimulado os pescadores a permanecerem trabalhando
com a captura do crustáceo. Mesmo que outras espécies como a corvina e a
anchova sejam abundantes em períodos diferentes, ainda assim o camarão
prevalece como o pescado preferido por estes pescadores.
Questionados sobre o tipo de pesca realizada em tempos anteriores, no
momento em que ingressaram na atividade pesqueira, cinco dos entrevistados
responderam que a captura do camarão foi sempre a mais lucrativa, entre
todos os pescados. Para outros dois pescadores de idade relativamente mais
avançada se comparada a todos os outros pescadores, os peixes que eram
mais capturados e que tinham o valor econômico mais compensatório para eles
era a corvina, seguida pela tainha, o robalo, o parú e a pescada amarela.
Ainda sobre a atividade pesqueira nesta comunidade não poderíamos
deixar de mencionar aqui a preocupação dos pais em relação à continuidade
desta profissão por seus filhos. Questionamos então os pescadores se eles
gostariam que seus filhos fossem pescadores.
Não, eu já dei estudo pra eles, porque não queria que eles viesse pra pesca....Porque é muito difícil né?! (Entrevistado Luiz, 55 anos). Eu vô incentiva o meu filho a não pesca! Eles dize: Ah teu filho vai se pescador Pedro. Ele vai se o que ele quiser ser. Né? O que ele quiser sê, se ele quiser trabalha no caminhão do lixo ela vai trabalha. [...] Eu queria que ele fosse uma pessoa de bem. Na vista de muitas pessoa pescador não é visto como pescador. Se for de arrasto, não! Gente que não tem nada have fica me criticando pô. Falando mal... pô tô sustentando a minha família, tô trabalhando, tu acha que trabalha é desonesto? Tô trabalhando, cada um trabalha do jeito que pode. Eu queria que ele fosse menos político e advogado né? Advogado e político é a corja... é a escoria da raça humana cara estuda pra defender vagabundo, bandido? Eu tenho um primo meu que advogado lá da Barra da Lagoa, filho da minha prima né? Não tem jeito, se corrompe político se corrompe. (Entrevistado Pedro, 46 anos).
Desta maneira podemos relacionar estas falas ao trabalho de Machado
(2009) em que fica evidenciada a negativa dos pescadores no que se refere à
continuação dos filhos na mesma profissão dos pais, justificada pelas
dificuldades que a pesca artesanal enfrenta, seguida pela preocupação fraterna
com o sustento e bem estar dos filhos. Na fala de seu Pedro fica evidenciado
38
que ser político e advogado está relacionado, diretamente, à falta de moral e à
falta de honestidade. Por esta razão, ter uma profissão digna é o que acarreta
maior importância para ele, significa ter a possibilidade de algum
reconhecimento social.
Cada vez mais torna-se mais reduzido o número de filhos de pescadores que seguem a profissão do pai. A maioria dos pescadores não querem que seus filhos sejam pescadores, em função dos problemas que a pesca enfrenta atualmente. (MEDEIROS, 1995, p.42 apud MACHADO, 2009, p. 58)
Outro dado que compõe a caracterização da comunidade são as
embarcações e os apetrechos de pesca que os pescadores utilizavam e os que
utilizam hoje. A canoa era a embarcação mais usada antigamente, relata a
entrevistada Joana, na época em que era solteira, sendo esta a única
embarcação que seu pai possuía. Já seu Otávio relata ter iniciado a pesca com
a embarcação de seu pai, uma lancha baleeira, mas que hoje se utiliza da
bateira para a pesca do camarão. Luiz pescava com o pai utilizando a canoa,
mas logo depois afirma ter comprado a sua própria embarcação sendo esta
uma baleeira. Seu Pedro revela ter tido uma bateira no inicio de sua atividade
pesqueira, mas hoje conta com o bote para a captura do camarão. Já seu
Francisco, nosso entrevistado de idade mais avançada, revela ter usado há
aproximadamente vinte anos atrás, a canoa a remo, e logo depois passou a
usar a lancha baleeira. João iniciou a pesca com uma lancha baleeira que
pertencia a seu pai, e com 17 anos teve sua primeira embarcação com a ajuda
financeira de seu progenitor e somando suas próprias economias. Seu Lucas
revela ter começado a pesca numa canoa, e que logo depois comprou um bote
a motor também com suas próprias economias.
As informações acima revelam que todos os pescadores invariavelmente
não permaneceram utilizando as mesmas embarcações na qual se iniciaram na
atividade pesqueira, mas foram se adaptando e utilizando embarcações que
lhes dava maior segurança e mais produtividade.
Uma importante característica que ocorre na comunidade da Costeira é
o fato de que, na pequena faixa de areia que comporta a praia, não existe nem
um rancho. Ranchos estes utilizados geralmente pelos pescadores como uma
espécie de garagem, que além de servir para guardar, proteger e dar
manutenção as embarcações, utiliza-se como ponto de encontro para os
39
próprios pescadores. Porém, esta é uma demanda apresentada pelos
pescadores entrevistados, visto que como já mencionamos, não existe este
suporte para as embarcações destes pescadores. Assim, seus barcos,
instrumentos fundamentais para a pesca, ficam à mercê das intempéries e da
ação de vândalos na faixa de areia da praia. Destacamos algumas falas onde
fica evidenciada a reclamação dos pescadores.
Não, não eu tiro ele do mar e deixo lá na praia. A gente tira porque dá muito movimento, o que dá de acidente com esses jet ski é loucura [...] Não, não tem. E isso ai acaba com as embarcação, pega chuva, sereno... Essas madeiras quando pega agua doce, ela puxa (suga) toda a agua, e agua salgada não, ela não entra na madeira.... Isso ai acaba com as embarcação. Tem tanto terreno de marinha lá na praia, isso ai podiam faze um galpão grande pra bota as embarcações, fazê uma cooperativa. (Jorge, 44 anos) É faze buraco no chão, faze churrasqueira, e acabo com as embarcação da gente. Funciona desse jeito, aqui hoje em dia tá assim... (Pedro, 46 anos)
Seu Otávio tem na frente de sua residência um rancho onde estavam
guardadas suas embarcações, algumas até já inutilizadas, redes e demais
apetrechos de pesca. Mas este não é um rancho de uso coletivo. Ele inclusive
defende a construção de um, mencionando que adiante de sua propriedade
existem terrenos da Marinha, que não estão sendo utilizados e que por esse
motivo deveriam ser cedidos para a construção do rancho comunitário. O que
chama a atenção é que estas demandas não são incorporadas pela Colônia de
Pescadores como pauta de luta política, confirmando o depoimento de um
pescador, que vê na Colônia de Pescadores apenas atividades
assistencialistas.
Outro fator que compõe as características da pesca neste lugar é a
atividade desempenhada pelas mulheres, mais especificamente as mulheres
de pescadores. Sendo que estas na maioria das vezes são responsáveis pelo
cuidado do pescado, ressaltando que o maior destaque nessa atividade,
exclusivamente feminina, é a limpeza do pescado e a descasca do camarão.
Quatro pescadores têm como responsáveis e auxiliares nesta função suas
esposas. Um deles mencionou que em algumas épocas sua esposa chega a
40
contratar duas ou três mulheres a mais para a limpeza do camarão. Estas
mulheres são em sua grande maioria vizinhas, amigas ou comadres.
Semelhante ao que constatou Diegues (2004), as comunidades
pesqueira artesanais, em grande parte, se utiliza de uma mão de obra
específica para o trabalho de manipulação do pescado, que nem sempre é
suprida por membros da família, sendo necessária a contratação de mão-de-
obra externa.
Seu Pedro nos revela ser proprietário de uma máquina para descascar
camarão, equipamento este que torna o trabalho das mulheres mais ágil. Ele
gentilmente explica o processo a que é submetido o camarão: a água limpa
escorre para os rolos, onde é depositado o camarão ainda com casca, os rolos
fazem movimentos da esquerda para direita e da direita para a esquerda,
criando um atrito que fará com que a casca se desprenda do corpo do
crustáceo. Na parte lateral do equipamento é escoada a água que passou entre
os rolos, enquanto o camarão sai descascado no outro lado deste
equipamento, caindo diretamente em caixas plásticas. Nesse estágio o
camarão ainda apresenta alguns resíduos e para completar a limpeza, seu
Pedro criou outra ferramenta para facilitar e complementar o trabalho das
descascadoras.
Foto da autora, em 27/05/2011.
41
No equipamento criado por seu Pedro, que imita um balcão de pia, é
montada uma rede que serve como peneira. Esta necessita estar bem esticada
e é fixada a uma espécie de esquadro para que receba o camarão. Uma
torneira é ligada e com o auxilio da água corrente as mulheres fazem a
separação definitiva dos resíduos que o primeiro equipamento utilizado não foi
capaz de realizar.
Foto da autora, em 27/05/2011.
Esse processo, segundo seu Pedro, é utilizado por apenas dois meses do
ano.
Por ser a pesca deste crustáceo restrito a um período tão exíguo, as
mulheres trabalham paralelamente em outras atividades. Assim, em períodos em
que a pesca não está sendo rentável, recorrem a ambos os trabalhos para
complementar a renda familiar. Desta maneira podemos relacionar este estudo
com aquele realizado por Silva (1990), também no município de Governador
Celso Ramos, em que as mulheres e as crianças eram responsáveis por este
trabalho. Hoje especialmente nesta localidade somente as mulheres são
responsáveis por esta função. Não se pode esquecer que a atividade laboral no
qual se utiliza a mão de obra infantil vem sendo amplamente divulgado sobre
sua proibição em todo o país.
42
Os horários da pesca são idênticos para todos os pescadores, a saída
para o trabalho depende das condições climáticas, tornando-se assim fator
condicionante para a pesca que é guiada entre outros motivos pelas fases da
lua, pelos ventos, pela maré.
3.4 Os significados da atividade pesqueira
Na entrevista survey16, o roteiro não contemplava de forma direta a
questão do significado de ser pescador, satisfação ou não em ter esta profissão.
As entrevistas subseqüentes privilegiaram estas questões, compreendendo que
através das falas, dos gestos e expressões poderia se evidenciar não só a
satisfação com esse trabalho, mas também os significados desta atuação.
Durante as entrevistas ficou explicitada a felicidade com que os entrevistados
falavam desta atividade, não apenas como uma profissão, mas especialmente
como um modo de vida. De forma saudosista mencionaram suas lembranças de
uma época em que os laços da comunidade eram mais fortes, concretos, mais
efusivos.
Adoro pesca, pesca pra mim é o meu hobby. (Jorge, 46 anos) Olha pra ti fala a verdade eu não sei ficar sem o mar... Funciona assim desse jeito, a gente tá acostumado com o barulho do mar, a viver no mar né? É como tira um bicho lá do mato e coloca dentro de uma cidade, dentro de uma jaula lá no zoológico né? O bicho não vai tá na vontade dele... Eu fiquei uma época ai, que eu fiquei 15 dias, 13 dias lá em Mato Grosso a minha irmã morava lá em Campo Grande... eu fiquei lá. Todo dia eu me alevantava e eu saia assim, que lá é um... tipo o Rio Grande do Sul né? Aqueles campo não tem muita montanha como tem aqui... lá pro Pantanal tem umas montanhazinha pequena pra lá... ai me alevantava e eu olhava assim pro lado norte, pro lado leste, o sol nasce aqui né? Eu vô vê aqui né... eu achava que se eu passasse aquele morro ali aquela chapadona, eu já ia ver o mar entendesse? É uma coisa que fica com a pessoa. (Pedro, 46 anos)
16
É preciso mencionar ainda, que inicialmente nosso trabalho tinha como foco a organização política do pescadores. Entretanto, a primeira visita à campo nos revelou esta organização, por vezes, inexistente ou insipiente não traria subsídios suficientes para a elaboração do presente TCC. Por outro lado, as questões de ordem política, invariavelmente, exigem mais tempo de contato para obtermos a confiança dos nossos entrevistados, o que não seria possível em um espaço de quatro meses até a apresentação do presente trabalho.
43
A primeira coisa que eu faço de manha é lava o meu rosto, e vim aqui ver o mar. (Otávio, 61 anos).
Os depoimentos revelam que o mar faz parte de suas vidas, de suas
atividades cotidianas, das reflexões que fazem diante do mar e do que ele
representa para cada um destes indivíduos. O pescador e o mar são tão
íntimos quanto o marisco e a pedra. Ainda que o mar possa lhe açoitar, mas, é
dele que depende a sua vida e de toda a sua família. Contraditoriamente, por
vezes, dizem que não desejam que seus filhos tenham esta mesma atividade,
mas invariavelmente a valorizam como um modo de vida.
Dona Joana, nossa única entrevistada mulher, nunca saiu para pescar
profissionalmente, mas sempre trabalhou na limpeza do pescado, e quando
solteira demonstrou ter tido grande satisfação ao auxiliar o pai na manutenção
dos utensílios de pesca.
O significado da atividade pesqueira se reflete quando os entrevistados
fazem menção de como é o seu cotidiano e com isso trazem o sentido que a
pesca tem para suas vidas. Apesar de Lago (1961) ter realizado sua pesquisa
em 1961 algumas evidencias de sua pesquisa são facilmente relacionadas à
nossa, visto que hoje as adversidades da pesca não se restringem à situação
financeira, mas são acrescidas pela legislação ambiental e outros fatores
relatados nesta pesquisa. Podemos dizer que ser pescador, está além de um
reconhecimento profissional.
Pode-se evidenciar facilmente durante a realização das entrevistas que
a pesca para estes pescadores não está atrelada somente a uma questão de
trabalho ou a fonte de renda, mas ela apresenta significados, como diria
Geertz, (1989) nas suas relações cotidianas, no interior de sua comunidade e
na sua vida pessoal.
3.5 Passado e atualidade na vida dos pescadores artesanais
Indagamos sobre a vida dos pescadores da Costeira no passado, como
era o trabalho na pesca, o que mudou, para identificar aspectos positivos e
negativos desta mesma atividade no decorrer de suas vidas. As respostas são
um tanto quanto diversas e algumas revelam a riqueza do convívio social no
44
passado. Alguns pescadores falam de seu passado e presente, quando relatam
sobre os diversos acontecimentos de suas vidas, estabelecendo comparações.
[...].antigamente o pescador não sabia o que era malícia, não tinha ganancia. Agora cheguemo numa época que se aquele tem uma coisinha a mais que o outro, o outro já cresce o olho... se ele aparece com uma capa bonita ou então um carro, já fica regulando, então eu acho.... eu não gosto muito. [...] Ah, era melhor. A pesca tinha mais peixe... só que era muito.... na época era muito barato. [...] Era muito barato o peixe, a gente não tinha nem pra quem vendia, entende? O camarão sete barba mesmo era, tinha que vender na mesma hora que saia, chegamos até a jogar fora, não tinha venda.... Tinha que sair, com chuva ou com sol, e mesmo assim a gente trabalhava contente. Saia daqui, pegava as embarcações e tinha que ir até Biguaçu ou Florianópolis lá no mercado público. Ali no mercado público você não se lembra porque você é nova, nós pegava as caixas do camarão, ali mesmo no lado do muro do mercado tinha o cara que que já pegava logo na frente. Tudo ali era mar, então.... Mas era bom na época, era bom... Agora hoje em dia... Porque não faltava gente pra trabalha, agora hoje em dia você não encontra uma pessoa pra trabalha, nem trabalhá eles querem mais. Mas faze o que... (Otávio, 61 anos)
Não tinha ganancia, não tinha o IBAMA, a liberdade de pescar naquela época é melhor do que hoje, hoje os pescadores pescam com receio, hoje tem muita disputa entre pescadores. Antigamente quando o pescador chegava os outros ajudavam a tirar a canoa do mar, depois a gente via os pescadores dizendo: vamo, vamo, se não vamo ter que ajudar a puxar. Hoje não tem ninguém lá pra ajudar a tirar, por isso que agora fica no mar. [...] Não tá muito boa, a fartura não tem mais. Meu marido botô a rede duas semanas e não veio nenhum peixe.[...] Eu não sei bem certo quanto tempo faz, mas uns 15 anos atrás mais ou menos, ele pegou 500 quilo de corvina. (Joana, 55 anos)
Era difícil né, não tinha bastante fartura. Era fácil e difícil, com trovoada... [..] Tinha mais embarcação nos últimos anos. Só tinha a pesca, era bom... [...] Ficou melhor agora, que tem ajuda do governo. (Francisco, 75 anos) A pesca naquela época tinha como tem agora. [...] É tinha a mesma coisa minha filha, só que a gente não tinha era material adequado pra pegar. Tinha noite de eu matava 110 quilo de camarão, como eu matei... 110 quilo de camarão daquele perereca né? [...] É faz um quatorze ano, é faz... faz um quatorze, quinze ano... teve noite de mata 110 quilo. Só que com esse material que eu tenho agora, com esse material que eu tenho agora eu mataria um 250. Eu tive noite de mata 150. Essa baia aqui é a baia mais rica do planeta terra, é a baia mais rica em matéria de producao. Ela dá tudo, ela dá... dá o
45
camarão pintado que nós falemo e o perereca, da camarão branco, camarão sete barba, ela dá o camarão ferrinho, aqui fora ela dá, e ela dá o vermelho. Dá cinco espécie de camarão. (Pedro, 46 anos) A pesca é a mesma, praticamente a mesma. [...] Hoje se pega mais camarão, por causa da rede né?! Antigamente era tudo com a tarrafa né?! Hoje com a rede tá mais fácil né? (Jorge, 44 anos) Tá mais difícil do que antes, porque tem pouco pescado. Se tivesse peixe como antes era fácil. (Lucas, 46 anos) Hoje tá tudo mais fácil, tudo tem guincho. Antes era só na tarrafa, hoje não existe mais isso. [...] Hoje tem muita poluição, tem muito plástico no mar, muita escuna... voadeira, muito óleo na agua, muito barulho das embarcação. [...] Hoje é melhor... mas não tinha a ganancia do dinheiro, não tinha droga...hoje é uma locura... (João, 63 anos). A pesca sempre foi farta, o que existe hoje é muita gente pescando, hoje tem muito barco, mas a pesca sempre foi farta. [...] Hoje tem muita proibição né?! O pessoal da ambiental vem muito em cima. [...] o IBAMA, a ambiental tão direto ai. Se o cara for fazer tudo que eles querem, o cara não pesca mais. Tem uns três aqui já arriaram ai, por causa disso. Eles prende mesmo, levam rede, motor, levam todo equipamento do cara. Ai como é que o cara vai trabalha? Não pode sair sozinho também. [...] É, tem que tá pelo menos em dois, se eles pega é multa também. (Luiz, 55 anos)
Desta maneira podemos observar que os pescadores vivem um dia -a-
dia mais prático e fácil sem a necessidade de grandes esforços físicos, diante
dos avanços tecnológicos. O passado é tratado pela maioria com imensa
saudade, e aproveitando aqui a fala de Dona Joana e de seu Otávio, já que
ambos mencionam que a ganancia cresceu entre os pescadores, revelando
que as relações eram mais estreitas e o resultado do trabalho compartilhado. O
bom convívio se mantém, porém de maneira menos próxima.
Outro problema evidenciado nestas falas, diz respeito aos órgãos
fiscalizadores governamentais, mas este fato será detalhado mais adiante.
Quanto à fartura do pescado as opiniões são várias; Dona Joana, Otávio e
Lucas, mencionam que antigamente havia maior fartura de pescado, enquanto
Pedro, Jorge e Luiz afirmam que o pescado ainda continua farto na região. Seu
Francisco diz que antigamente havia menos pescado do que nos dias atuais,
sendo ele já aposentado, afirma que nos seus últimos anos de pesca o número
46
de embarcações já era bem maior que no início de suas atividades. E por fim o
entrevistado João, diz que antigamente tinha-se mais camarão e menos peixe.
Não diferentemente do que nos foi repassado, em estudo realizado por
Santana (2002) no Estado do Pará, mulheres de pescadores descrevem que a
pesca teve seu período lucrativo na década de 70 e começo da década de 80,
neste período havia boa quantidade de camarão e poucas embarcações.
Por outro lado, não se pode deixar de considerar que os próprios
pescadores falam de suas incertezas e de seus interesses. Assim, por
exemplo, dizer que o pescado não diminuiu pode significar também que não
estão de acordo com as restrições impostas pela legislação, na qual se aplica o
período de defeso das espécies. Não se pode pensar sobre uma determinada
realidade sem incluir nesta as contradições dos atores sociais envolvidos nas
ações cotidianas de uma determinada comunidade. Somos invariavelmente
contraditórios, dependendo do lugar que estamos falando e, isso precisa ser
relativizado quando nos propomos da caracterizar um segmento social.
3.6 A vida na comunidade: no passado e atualmente
Problemas relacionados à violência, a roubo, a falta de educação entre
os jovens, as dificuldades financeiras também podem ser observados nas falas
dos pescadores, quando questionamos como era a vida antigamente e como
está a vida atualmente na comunidade. O que pode ser facilmente constatado
são os laços sociais que a pesca deixou na vida dos entrevistados.
[,,,] quando eu era menina eu chegava da escola, largava as minhas coisas, ia almoçar e depois ia pra praia esperar o meu pai chegar. [...] Ah, eu adorava, aquilo era uma farra, todo mundo ia pescar, e todo mundo ajudava a puxar os barcos. (Joana, 55 anos) Ah, o convívio sempre foi bom né? um lugar de paz, as pessoas são todas amigas, só uns que ficam... né?... mas isso ai toda comunidade tem né? Jesus não agradô todo mundo, imagina eu né? mas era bom de morar, é bom de morar. Aqui já ta meio assim, alguns bandidinhos, pé de chinelo, roubaram outro dia um passarinho da minha parede. É antes nunca fizeram nada disso, mas assim, coisa que vai acontecendo... Mas a nossa comunidade tá bem mais melhor de morar que antes né? ... eu digo né, porque temo asfalto, só coisa boa... gente que saiu daqui e que volta porque tem paz né? eu durmo com a minha casa aqui, não tem uma fechadura nesses vidro
47
ó... tem dia que nós dormimo com a janela aberta ai ó... Aqui é especial minha filha, aqui é um paraíso. O macaco vem ali atrás de casa, agora naquela época tem uma baguinha daquela pinga, vêm ali os aracuã17. (Pedro, 46 anos) Era sacrificada, sempre foi difícil a vida com os meu pai, dependia tudo dele. (Lucas, 46 anos)
Ah, era terrível... não tinha luz, não tinha água.[...] Hoje é melhor... mas não tinha a ganancia do dinheiro, não tinha droga...hoje é uma locura... daqui 10 -15 anos não vai ter mais hospital, não vai ter mais cadeia.[...] É muita ladroeira. (João, 63 anos) Ah, o passado era terrível de bom! (Jorge, 44 anos) Era melhor do que agora. A convivência que a gente tem hoje, porque o povo hoje, a gente não sabe o que é educação. Não existe mais... Isso o que mais se fala é na área da educação. Segurança não se tem mais aqui, até eu ai... a minha casa ali... já fui assaltado. Você veja bem, a droga tá acabando com tudo, em todo lugar que você vai, é um perigo... Então naquela época não existia disso, tinha as festinha da gente... não tinha briga, não tinha droga naquela época... olha era muito melhor. Principalmente pra nós aqui que somo pescador... (Otávio, 61 anos) Era bom, um ganha mais, um ganha mais pouco, mas ia levando. (Francisco, 75 anos)
Todas as falas, invariavelmente, mencionam um passado no qual a
confiança e os laços de solidariedade eram mais intensos. Na atualidade,
sentem a presença de ações que denegrecem a vida da comunidade, que os
torna mais frágeis e menos seguros. Ou seja, semelhante ao restante da
sociedade brasileira, como registram os estudiosos, há mudanças de valores
de tal forma que se desrespeita a confiabilidade entre os membros da
comunidade.
Por outro lado, não deixam de mencionar as transformações
tecnológicas como positivas em suas vidas, como por exemplo, a facilidade dos
meios de acesso à comunicação. Ou seja, os entrevistados percebem
mudanças em suas vidas, algumas positivas, outras nem tanto.
17
Pássaro comum nas florestas da América Latina.
48
3.7 As tecnologias no passado e no presente
Alguns pescadores atribuem a escassez do pescado à grande
quantidade de embarcações utilizadas atualmente. Não se referem apenas às
embarcações da pesca artesanal, mas, principalmente, a da pesca industrial.
Portanto, registram mudanças tecnológicas no modo de realizar a pesca ao
longo do tempo. A exemplo disso, usando as informações dos pescadores,
podemos dizer que hoje eles dispõem de maior recurso para a prática
pesqueira, a exemplo do sonar (equipamento que detecta a aproximação dos
cardumes), do guincho e do gelo.
Segundo Sr. Otávio a criação do terno de oleado, tipo de capa plástica
que protege o pescador do frio, do vento e da chuva, foi de grande valia para
os pescadores, visto que antigamente os mesmos não dispunham desse
recurso para ir ao mar. Esta roupa, a seu ver, dá maior conforto para quem a
utiliza, por ser de plástico impede que os pescadores se molhem e passem frio.
Antigamente os pescadores vestiam japonas que quando ficavam molhadas
chegavam a pesar cerca de dois ou três quilos a mais que quando secas, o que
lhes trazia muito desconforto.
O guincho foi outro recurso que deu ainda mais praticidade aos
pescadores, servindo este para puxar a pescaria, e diminuindo assim o esforço
físico necessário para retirar o pescado da água.
Dona Joana menciona que seu pai confeccionava especialmente para
ela, a agulha de bambu, utilizada para a manutenção das redes, e acrescentou
que hoje não existem mais essas agulhas, que foram substituídas pelas de
plástico devido a praticidade. Pode nos parecer este um instrumento pequeno
diante de tantas outras tecnologias, porém este é de muita serventia para os
pescadores. O espinhel, também detalhado de maneira precisa por dona
Joana, deve ser destacado aqui como um instrumento que hoje foi substituído
por outros meios pesqueiros, como a exemplo da rede.
Era um cesto desses, essa corda aqui é de bananeira, mas o meu pai fazia bem mais grossa, essa aqui o Zeca18 fez só pra brincar. O meu pai torcia, torcia e ficava bem grossa. Ai botava o espinhel amarrado nessa corda aqui, e arrumava um por um,
18
Nome fictício utilizado para preservar o esposo da entrevistada.
49
era uma linha, espaçada, dai ia botando o anzol. Sabes aquelas cobra do mar, eles pegavam aquela cobra, cortavam ela em pedacinho e faziam de isca, eles diziam que era uma isca boa, eles botavam cada pedaço em um anzol. Quando estavam no mar, iam botando a isca e jogando no mar, ai deixava lá, no final de cada ponta tinha uma boia. Essa linha que ficava com o espinhel a maré levava, e ai ia, na hora de tirar eles puxavam a linha e tiravam um por um, com cuidado porque tinha o anzol, pra não machucar. Tinha que cuidar quando vinha o bagre, por causa do esporão. Uma vez o meu marido enfiou um anzol aqui ó (entre o dedo indicador e o dedo médio) ele chegou e nos tivemo que levar ele pro pronto socorro. (Joana, 55 anos)
Seu Jorge e seu Pedro indicam que a tecnologia do sonar por exemplo é
de grande valia para o pescador, revelando o tamanho do peixe e qual sua
espécie, antes mesmo que ele seja capturado. Ou seja, diferentemente do
passado, há uma previsibilidade o que seja a produção em termos quantitativos
e em espécie. Assim, sabem antecipadamente quais providências a serem
tomadas no ato de pescar.
Naquela época, vamo supor quando eu comecei a pesca existia só a sonda. A sonda é um aparelho que você, só acusa quando você vara por cima, no cardume do peixe. Ai marcava e a rede cercava. Então era cercado, botava num guincho, botava a rede em cima né? Uma chumbada, ela laça o peixe por baixo, e a gente colhia na mão, colhia tudo na mão, tudo manualmente né? Hoje em dia tem uma, nós chamamo de play block, uma peça que era redonda, o cano é hidráulico, você bota por cima e a rede vara ali por dentro, puxa toda a rede ali, entendesse? Tu puxa do mesmo jeito, só que tu só arruma, pega de cima do play block. Hoje tem o sonar, é uma sonda, é uma sonda, mas é uma sonda de varredura... ela vare 1.500 metros, 1.800. Tipo um radar, tipo um radar desses de avião, já viu um radar de avião assim rodando... a parte que vai capitando vai batendo... o sonar é um sistema desse, só que o sonar em vez de pegar pelo ar, ele pega da linha d’agua pra baixo, no fundo, funciona desse jeito, bate... Dá um barulho diferente, tainha ronca diferente, a corvina tem um ronco mais curto... [...] Tem uns 50% assim de certeza. Alguns têm uns 90%, entendeu? Tu vai, tu marca, por cima da sonda... A corvina marca dum jeito, marca em bolinha, a manjuba ela já marca mais agarradinha da lama, entendeu? Ou marca assim meio vermelhada pra amarelo, que a sonda colorida ela marca vermelho, que dizer que ela ta bem junta, o amarelo tá mais separado, o verde tá mais ralinho entendeu? Funciona assim desse jeito. Então a pessoa já conhece... Naquela época a lua saiu, a lua saiu e você parava de pescar, você ancorava na ilha, porque o peixe dificilmente tu via ele boiado né? (Pedro, 46 anos)
50
Na fala do pescador, fica evidente que a tecnologia diminuiu o esforço
físico dos pescadores, favoreceu a pesca certeira em termos de espécie, mas,
por outro lado, o alcance deste equipamento é de tal ordem que certamente,
está contribuindo para a diminuição do pescado no litoral brasileiro.
Outro fator que interferiu diretamente na atividade pesqueira, foi
produção e disponibilidade do gelo. Segundo um pescador da comunidade da
Caieira, antigamente os pescadores não dispunham de gelo para a
conservação do pescado, de maneira que o pescado tinha que chegar ao
mercado público sem grande demora por ser um produto perecível. Caso o
produto não estivesse no seu destino a tempo, a Vigilância Sanitária despejava
sobre este pescado creolina para certificar-se que a comercialização do mesmo
não seria realizada. Na atualidade, o pescado pode demorar mais tempo para
chegar ao destino da comercialização porque na própria embarcação na qual
está sendo capturado é colocado imediatamente no gelo. Assim, podem
permanecer mais tempo no mar capturando mais quantidade.
Em síntese, as tecnologias utilizadas pelos pescadores artesanais não
demandam de avanços imensos, se comparados às tecnologias da pesca
industrial. Porém, cabe salientar que mesmo as mais simples inovações são
sempre muito bem vindas nesta modalidade de pesca. Assim podemos
novamente fazer menção ao estudo de Maldonado (1983) onde a autora
caracteriza a pesca artesanal como uma pesca relativamente simples,
desprendida de grandes avanços tecnológicos.
3.8 A pesca e suas mudanças ao longo do tempo Com o passar dos anos a pesca trouxe fatores novos na vida dos
pescadores, não somente relacionados às tecnologias e ao convívio em
comunidade, mas fatores que se revelaram durante as entrevistas, relevantes,
ao ponto de os pescadores terem suas perspectivas pesqueiras
redimensionadas e ter um olhar incerto sobre o futuro pesqueiro, apontando
também a importância que os auxílios do Estado proporcionam.
Porque todo mundo que se mete na pesca, quem não tem nada a ver, gente de fora, as autoridades mesmo, tão afim de
51
acabar com a pesca no nosso país, e vão acabar... eles vão correndo com as pessoas né?! A pesca artesanal é uma das profissão mais antiga do mundo... [...] então era uma coisa... então dos jeito que as autoridades, chamadas autoridades do nosso estado, as constituintes aqui do nosso estado, tão fazendo no caso do nosso país, eles vão acabar com a pesca. Porque tão muita pressão em cima do pescador artesanal, e devagarzinho o pessoal vai correndo... [...] melhorou com esse PRONAF19 porque todo pescador tinha um rangalho velho, um motor velho caindo aos pedaços, uma bateira tudo podre, o desemprego ajudou muito ele. O desemprego (seguro defeso) ajudou muito o pescador artesanal. Todo ano tinha esse desemprego então isso ajudou muito nós, muito mesmo. Muita gente tem embarcação arrumadinha, pintadinha, ajeitada, por causa do desemprego. Muitos não, muitos têm porque são guerreiro mesmo né, são daqueles que lutam né... [...] As coisas ruim foi os aterros né, nos mangues, nos manguezais, onde se cria os camarões, se reproduz. Se a terra vim não da mais camarão ali no coqueiros, sabe onde é o Coqueiros? [...] Aquilo ali dava tanto camarão, tanto, tanto, tanto. Aterraro aquilo tudo ali, não tem mais nada. Os pescadores lá tão tudo desistindo, coitados, ai o governo não quer nem saber né?, as pessoas de fora não querem nem saber... Naquele tempo era uma dificuldade tremenda, então você tinha que ter um capitalzinho, a gente não tinha na época né?[...] ...agora não tá bem fácil com esse plano do governo né?! O governo Lula e o governo Fernando Henrique, foro vamo dize uma mãe pra nós pescador artesanal né? (Pedro, 46 anos) Ficou melhor agora, que tem ajuda do governo. (Francisco, 75 anos) Até a aposentadoria é uma coisa ruim, vai ficar defasado... tem pescador de sessenta ano que não consegue aposenta, então ele tá sendo defasado. (Lucas, 46 anos)
Nas mudanças ocorridas os pescadores têm percepções diferenciadas,
mas de alguma maneira são equivalentes no que diz respeito às perspectivas
que a pesca está deixando de ter, e da falta de cuidados com a atividade
pesqueira. Faz-se menção ao Governo como uma instituição que não sabe
lidar com os detalhes e as especificidades da atividade pesqueira. Dentre os
aspectos que consideram positivo, estão as linhas de crédito oferecidas aos
pescadores: que lhes facilitaram a compra de embarcações e apetrechos que a
profissão exige.
19
PRONAF: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
52
Já o futuro da pesca, na visão dos entrevistados, é incerto e as
perspectivas para os que queiram ingressar na profissão não são das mais
alentadoras, em função de todas as mudanças ocorridas nos últimos anos.
Não. A pesca artesanal vai acaba.[...] Eu tenho certeza, porque quem tá vindo não tá deixando os filho pra pesca, porque é muita perseguição... (Pedro, 46 anos) [...] o que tá aguentando a pesca é os mais antigo... [...] Porque não tem um grande futuro. [.] Não visse o que eles fizero agora? Isso ai ta errado, ou é tudo ou nada. Sabe o que é isso? É eles bota gente que não entende nada de pesca. Eles pode até te estudo mais não entendem nada de pescaria. (João, 63 anos)
Seu João, fala especificamente da legislação do governo Federal,
impostas pelo Ministério da Pesca e Agricultura através da Instrução Normativa
– IN 05, de 13/ 05/ 2011 no art. 3° “Fica estabelecido o limite máximo de
concessão de 1(uma) autorização de pesca ao responsável legal das
embarcações objeto de autorização para a pesca da tainha nos exercícios de
2011 e 2012, independentemente de se tratar de pessoa física ou jurídica”.20
Ou seja, na compreensão deste pescador, a legislação não permite que
um pai ensine seu filho a pescar, porque só um pescador pode ser responsável
por uma embarcação. Não identificamos, tecnicamente, quais seriam as razões
para que se implementasse tal legislação, contudo, o pescador artesanal não
ficou satisfeito com a mesma.
3.9 A importância da atividade pesqueira no município de Governador Celso Ramos
Durante nossas primeiras entrevistas percebemos que os entrevistados
faziam menção à instituição Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão -
EPAGRI como organizadora de reuniões na comunidade. Diante disto fomos
até à sede da instituição no município para colher dados que pudessem
subsidiar nossa pesquisa. Através de seus funcionários nos foram repassadas
importantes informações da atividade pesqueira do município que a EPAGRI
produzidas durante as reuniões que o órgão faz com os pescadores. Nessas
20
Diário Oficial da União - Página 60.
53
ocasiões os funcionários do órgão aproveitam para repassar informações
relativas às linhas de créditos disponíveis nas instituições financeiras, bem
como, orientam os pescadores no que se refere a sua organização política.
Para os funcionários da EPAGRI a pesca é demasiadamente importante
para a economia do município. Ainda que algumas praias contenham alguma
estrutura voltada para o turismo, a população municipal não demonstra estar
pronta para ver a cidade se transformar em um pólo turístico, ao contrário,
continuam valorizando as atividades próprias de uma comunidade que se
identifica como constituída por pescadores.
Quanto às salgas fomos informados de que existem apenas três salgas
formais ao longo de toda a extensão municipal e cerca de duzentas salgas
informais, cada uma delas conta com aproximadamente cinco trabalhadores.
Essa informalidade deve-se ao fato de que cadastrar-se como um micro
empresário demanda um gasto financeiro muito alto, que não pode ser arcado
pelos pescadores. Frente a números tão significativos quanto ao trabalho
informal das salgas faz-se “vista grossa” a esta atividade. “Tu imagina
fiscalizar isso tudo, imagina como é que ficariam os restaurantes? O próprio
mercado?” 21
No que se refere à participação dos pescadores no desenvolvimento de
projetos direcionados à comunidade, estes deveriam ser mais ouvidos porque
quem conhece a atividade pesqueira são realmente os pescadores. Neste
caso, os representantes do IBAMA, por exemplo, deveriam deixar que os
pescadores se expressassem mais. Para melhor compor essas problemáticas
levantadas pelos próprios entrevistados selecionamos as falas abaixo:
O IBAMA tem que escutá o pescador, não é o pescador escutá ele. Outro dia a lancha com dois cara do IBAMA encalhou ali... e os pescado tivero que socorre eles, porque eles não sabiam nem o que fazer .... eles acho que é eles que entendem. Porque que botaro o seguro agora? O seguro tá na época errada... Eles não deixam nem o pescador falar, então pra que, que o pescado vai nessas reunião que eles fazem? Eles não escutam o pescador... (João, 63 anos) A instituição não deve falar sem que o pescador se manifeste. O pescador tem que entender a importância da participação. O pescador é quem sabe da pesca. (informante da EPAGRI)
21
A fonte informativa se referia ao Mercado Público Municipal de Florianópolis.
54
As reuniões organizadas pela EPAGRI são realizadas em lugares
cedidos pela prefeitura e comunidade, o que não significa que o pescador
esteja à vontade. Reclamam do que lhes é imposto e do pouco que podem
expressar sobre suas demandas. A falta de práticas democráticas repercute
diretamente no interesse ou não de participar de determinadas atividades,
provocando, por vezes, o esvaziamento das ações participativas.
3.10 O olhar dos pescadores sobre as instituições governamentais
Antes mesmo que questionássemos a opinião dos pescadores sobre
qualquer instituição que esteja relacionada à pesca, obtivemos respostas como
se estas instituições estivessem de alguma forma incluída na pergunta que lhes
tinha sido formulada. Portanto consideramos importante arrolar essas
considerações na presente pesquisa.
Dona Joana, apesar de não sair profissionalmente para o mar, alega que
hoje as atividades pesqueiras estão difíceis por consequência da forte
fiscalização que o IBAMA realiza, lembrando ainda que quando solteira seu pai
executava práticas hoje proibidas pela legislação, mas que neste período não
se tinha nenhum resultado negativo diante dessas práticas, como a diminuição
do pescado por exemplo.
[...] o pescador tem força só não tem união... Botaro essa ministra ai... que que ela entende de pesca o que é? Tem que se um pescadô, porque ele entende de pesca. O pessoal novo não tá vindo, porque não tem quem faça alguma coisa pela pesca...(João, 63 anos)
Pelo menos nós aqui não, não ajuda em nada. Se vê fala muito em colônia de pesca, e pra falar pra você, agora ultimamente... tem o Sindicato da pesca é diferente, ali no Sindicato da Pesca você, se o seu esposo fô da pesca, você tem o dereito.. tem dereito a maternidade né? uma operação, quando a pessoal precisa de dentista, é a metade que paga, tem muita coisa ali que é muito melhor que a Colônia de Pesca.( Otávio, 61 anos) ...eu já fiz pedido pra uma licença e eles não quere dá, eles já assinaro falaro que vão dá, e não veio a licença na nossa mão. [...] Começou de uns anos pra cá, que antes eles não pediam licença, agora eles tao exigindo porque eles quere tira o
55
pescador do mar, eles não quere que o pescador pesque mais. [...] Ganha uma multa, varia de 300 até 9 mil real, e apreende todo o material e tu paga 20 real em cada quilo de qualquer pescado que tu tiver, seja de peixe, seja de camarão. E se bobiá tu apanha da polícia ambiental ainda. Ainda quero te dize que ainda que, se o cara quise fala alguma coisa, fica quieto se não eu te processo como desacato a autoridade, tem que engoli aquilo tudo, tem que vê eles leva tudo que tu pego, bem quietinho, bem quietinho. Nós somo uma classe, a das mais velha antes que existisse, polícia, SEAP, já existia nós. Então tinha que se tratado com mais respeito, nós devia se tratado pela autoridade como uma classe, como uma classe como qualquer outra. Então não somo tratado desse jeito, tem hora que eles ataco a gente no mar aí que é absurdo. [...] Nós tamo querendo uma licença e ele não quere dá, eu digo que no nosso direito nós temo que fecha a SEAP.... A pela colônia, pelo sindicato, pois é vamo lá... ele não faze nada, eles são tudo uns falso, só quere que a gente vá lá pra paga os cento e pouco reais por mês, por ano, pra eles pude... (Pedro 46 anos)
Seu Pedro nesta fala se refere à licença requerida à Secretária da
Agricultura e Pesca – SEAP que determinada pela Lei n° 9.605 de 12/ 02/1998
– Decreto 6.514 de 22/07/2008. Que diz em seu art. 37 – “Exercer a pesca
sem prévio cadastro, inscrição, autorização, licença, permissão ou registro do
órgão competente, ou em desacordo como obtido”.
Na perspectiva destes pescadores a atividade pesqueira deveria ser
exercida livremente, tal como o foi no passado, não compreendendo em quais
aspectos tais orientações podem contribuir para atividade pesqueira. Por
vezes, sentem-se tolhidos a exercer uma atividade, cuja riqueza é fornecida
pelo mar, pela natureza. Esta incompreensão pode ser decorrente da pouca
informação que tem sobre a reprodução das espécies, mas, sobretudo, porque
percebem que a pesca industrial é devastadora e sobre ela se exerce pouca ou
nenhuma fiscalização. Como eles próprios afirmam: “quem paga sempre é o
pequeno”.
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A centralidade deste trabalho, já especificada anteriormente, discorreu
sobre as características da comunidade da Costeira da Armação e suas
relações com a atividade pesqueira. Pude observar que a reprodução social
desta comunidade, repassada de geração em geração, é a razão pela qual ela
pode ser configurada como uma comunidade pesqueira artesanal, cujos
significados só podem ser compreendidos em seu contexto específico.
No que diz respeito aos aspectos positivos considero que isso se reflete
nas mudanças que ocorreram no espaço territorial da comunidade,
principalmente quando os entrevistados mencionam que hoje a vida está mais
fácil, se comparada ao passado. Melhorias como água encanada, luz elétrica,
saúde, abertura de estradas e o asfaltamento da mesma, bastante recente, são
providências reconhecidas como básicas e serviram para que o turismo nesta
região fosse mais bem explorado, o que acarretou para esta comunidade a
migração de pessoas que acabam por descaracterizar o ambiente e a atividade
pesqueira.
Já em relação ao trabalho do pescador, os novos apetrechos e as novas
tecnologias que a pesca artesanal vem utilizando tornou a rotina desses
trabalhadores mais simples, menos cansativa, menos desgastante e mais
rentável. Essas praticidades são mencionadas principalmente quando
inqueridos sobre a participação das Instituições Financeiras na facilidade de
concessão de empréstimo para a compra das embarcações através de linhas
de crédito oferecidas pelo Governo.
Por outro lado os aspectos negativos estão relacionados às
impossibilidades da prática pesqueira, que estão relacionadas às novas
legislações, a concorrência com as embarcações industriais e a falta de
cuidado com o meio ambiente. Mesmo assim, as atividades pesqueiras
seguem ajustando-se a essas dificuldades e tentando conviver com elas. O fato
de ser pescador, reconhecer-se como tal, sobrepõem-se diante dos problemas
enfrentados, isto se torna determinante para que o pescador prossiga com esta
atividade. Atividade esta que não é apenas considerada profissional, mas
afirma-se também na reprodução dos saberes.
57
Uma impressão bastante forte é quanto à preocupação com o futuro da
pesca artesanal nesta comunidade. Todos são unânimes em dizer que a
atividade esta de alguma forma condenada, seja por imposições ligada as
novas Legislações Ambientais, ou até mesmo pelo desestímulo geral que pude
observar com relação à indiferença que os órgãos governamentais geram na
comunidade.
A vida de antigamente é relatada pelos pescadores de maneira
nostálgica, notei um imenso prazer nessas falas dos entrevistados, sobre a
relação de troca e a atividade da pesca em si. Diante da comercialização feita
atualmente, até mesmo o escambo é retratado de maneira saudosa, uma vez
que não se tratava de uma simples troca de alimentos. Os períodos de maior
fartura são narrados como grandes acontecimentos, atribuindo prestígio e
reconhecimento a quem participou da pesca, e de que maneira ela procedeu.
Durante nossas conversas ficou claro que os pescadores sentiam a
necessidade da construção de um rancho coletivo na praia, onde eles
pudessem manter sob cuidados as embarcações, visto que atualmente os
barcos não dispõem de qualquer tipo de abrigo e ficam alojados na pequena
faixa de areia da praia. Observamos também que a construção de um rancho
coletivo contribuiria para uma maior interação dos pescadores.
As mulheres, por sua vez, tem um lugar de destaque na atividade
pesqueira uma vez que elas dão prosseguimento ao trabalho dos pescadores,
tornando o produto completo para a comercialização, esta atividade ainda que
informal gera emprego em todo o município. As condições de trabalho dessas
mulheres nos chamou atenção quanto à precariedade e insegurança a que
estão expostas.
Um dado que considero ser demasiadamente relevante é que o
município de Governador Celso Ramos mantém um grande destaque na
produção pesqueira, diante da pesquisa realizada posso assegurar que a
pesca sempre foi, desde sua colonização, a principal economia do local. Posso
atribuir a grande dimensão da atividade pesqueira, em conjunto com as ações
ambientais o motivo da forte oposição aos grandes projetos de
empreendimentos nesta região.
Durante o trabalho de campo diversas foram as falas que mencionavam
as instituições, como IBAMA, Capitania dos Portos, Colônia de Pescadores,
58
Polícia Ambiental, EPAGRI, entre outras, e a relação que as mesmas mantém
com os pescadores. Para os entrevistados essas relações são vistas de
maneira negativa, alguns se referem a elas de forma mais enfática, outros são
mais discretos e receosos ao se referir a essas instituições.
Observei que as instituições precisam criar um diálogo mais amplo e
próximo com os pescadores, e também com a comunidade, fazê-los expor o
seu saber, suas necessidades e seus anseios para que assim as relações
entre instituição e pescador tenham maior efetividade. Essas relações trariam
benefícios não somente ao pescador, mas um modelo de gestão reconhecido e
tão necessário ao desenvolvimento de ações que aumente a confiabilidade, o
respeito e o reconhecimento da comunidade pesqueira.
Considero ainda que as outras problemáticas percebidas na comunidade
deveriam ser melhor investigadas através de estudos futuros.
59
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