pesquisa observacional
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Artigo traduzido por Regina CunhaGuia Prático de Metodologia p/ Pesquisa Observacional em Estudos Culturais e Midiáticos p/ PPGEM da UFRN. Caps. 1 e 11 do livro Researching Communications by Golding, P. et al.Os modernos meios de comunicação se tornaram o principal foco das pesquisas pela simples razão de que eles são centrais para a organização de cada aspecto da vida contemporânea, desde a extensa gama de padrões que formam as instituições sociais e os sistemas culturais, até os encontros íntimos de todo dia, os entendimentos do que é o mundo pelas pessoas e o sentimento que elas têm por elas mesmas. Nós não conseguimos entender completamente o nosso modo de vida hoje, sem entender a mídia. Este artigo oferece aos pesquisadores midiáticos uma oportunidade para contribuir com o conhecimento atual sobre a mídia e debater sobre o assunto.TRANSCRIPT
PESQUISA EM COMUNICAÇÃO1
Um Pequeno Guia Prático de Metodologia para
Pesquisa Observacional em Estudos Culturais e Midiáticos
(Capítulos 1 e 11 do livro Researching Communications)2
David Deacon, Michael Pickering,
Peter Golding e Graham Murdock
Departamento de Ciências Sociais, Loughbrorough University
Prof. Dra. Maria das Graças Pinto Coelho
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PPgEM)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Natal, RN, 2009
1Tradução livre feita pela mestranda especial PPGEM/UFRN, a jornalista S. Regina S.da Cunha, em 2009.
2First published in Great Britain in 1999 by Arnold.
1
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COMO PROPOR UMA PESQUISA
Comunicação e a Vida Contemporânea
Os modernos meios de comunicação se tornaram o principal foco das pesquisas pela simples razão
de que eles são centrais para a organização de cada aspecto da vida contemporânea, desde a extensa
gama de padrões que formam as instituições sociais e os sistemas culturais, até os encontros íntimos
de todo dia, os entendimentos do que é o mundo pelas pessoas e o sentimento que elas têm por elas
mesmas. Nós não conseguimos entender completamente o nosso modo de vida hoje, sem entender a
mídia. Este artigo oferece aos pesquisadores midiáticos uma oportunidade para contribuir com o
conhecimento atual sobre a mídia e debater sobre o assunto.
Instituições
As empresas de comunicação figuram proeminentemente entre as maiores corporações do mundo e
desempenham um papel importante na vida econômica e política. Além de disponibilizar
informação especializada e conexões de comunicação que ajudam outras empresas a coordenar a
produção numa escala global, permitindo trâmites financeiros, durante 24 horas, todos os dias;
como também, elas são o eixo principal da engrenagem para a orquestração do consumo. As
empresas de comunicação também vendem e expandem seus próprios produtos e serviços, e são as
principais condutoras para a avalanche de propagandas e promoções que lubrificam as engrenagens
do sistema de consumo. A importância ecônomica das empresas de comunicação, se encaixa no
papel que elas exercem nas organizações políticas. Nas democracias modernas onde os partidos
políticos precisam competir pelo apoio dos eleitores indecisos, e onde os movimentos sociais
continuamente, pressionam para inserir na agenda política suas demandas sociais, a mídia se tornou
o maior espaço público onde as imagens são manipuladas, políticas são promovidas, eventos
ganham sentido e questões são debatidas.
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Sistemas Culturais
A promoção de produtos e plataformas políticas é, por sua vez, parte de um amplo e diversificado
sistema cultural no qual competem várias visões do mundo, expressas através de uma série de
formas culturais, desde artes gráficas, arte popular até ficção e música. Para atingir um público cada
vez maior, estas produções, e as diferentes formas de pensar, sentir e olhar que elas expressam, têm
que se engajar em um dos principais tipos de mídia: filme, televisão, publicações, música ou a
indústria de tecnologia da informação. Explorar os padrões da cultura geral pública construída nesta
atividade, examinar o que está no centro e o que está na periferia, e investigar a maneira pela qual
as culturas organizam os significados, pode explicar muito sobre os espaços imaginativos que temos
em comum.
Impressões e identidades
Entretanto, quando observamos os detalhes para tentar desembrulhar os significados contidos na
mídia imagética, textos e falas, descobrimos que a mídia raramente troca uma simples mensagem
oferecendo uma visão unitária do mundo. Ao contrário, ela oferece uma série de mapas mentais os
quais podem ser acessados de diferentes pontos e navegados por vários tipos de caminhos. E nem
são simples os 'conteúdos' da mídia que mobilizam os significados. Através do estilo visual e da
promoção que há em volta deles, as máquinas midiáticas – aparelhos de televisão, telefones
portáteis, câmeras de vídeo, antenas parabólicas – falam para seus donos e para todos nós, o tipo de
pessoa que eles são ou querem ser. A interação entre impressão e identidade – baseada na
experiência direta das pessoas, visões gerais do mundo, estruturas de sentimentos e imagens de si
próprio oferecidas pela mídia – é complexa e está continuamente sendo renegociada.
Modelos para o cotidiano
A mídia exerce uma importante influência na organização de rotinas e rituais da vida cotidiana. A
televisão tem um papel central na vida familiar e doméstica. Convidar os amigos para ouvir música
em casa, ou jogar pelo computador, se transformou na base das relações de amizades dos jovens.
Ler um jornal ou ouvir o rádio, é a quase universal companhia de muitas pessoas pela manhã ao sair
para o trabalho. Além disso, muitos rituais que marcam importantes momentos da vida pessoal
estão envolvidos pela mídia: ir ao clube ou ao cinema ajuda a encontrar ou fazer novos amigos,
namorar; e os casamentos e encontros familiares são cada vez mais gravados em vídeo.
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Estudo Indisciplinado
Observando o crescimento da centralidade da mídia em várias dimensões da vida contemporânea,
alguns escritores alertam para a importância da disciplina 'Estudos da Mídia'. Como você vai
atender a este chamado depende em parte da maneira como você interpreta o escorregadio termo
disciplina. Com toda clareza, para uma pesquisa em comunicação valer a pena, é preciso ser muito
rigorosa e disciplinada, do que impressionista (sem planejamento, sem objetivo), e todas as
evidências precisam ser coletadas, analisadas e apresentadas de forma sistemática. Mostrar a você
como fazer isto é o objetivo deste artigo. Mas, a grande força da mídia como campo de estudo está
no fato de que ela é um espaço interdisciplinário onde uma série de disciplinas acadêmicas se
encontram; cada uma delas trazendo suas questões particulares, demandas e tradições intelectuais.
Os economistas, cientistas políticos e sociólogos, por exemplo, tendem em focalizar a mídia como
um sistema institucional, e sua relação com a economia e com a vida política. Os psicólogos estão
mais interessados no papel da mídia na formação das crenças e identidades das pessoas; enquanto
aqueles que vem das disciplinas da área de humanas, tais como história, crítica literária e
antropologia cultural estão mais preocupados com o papel da mídia nos sistemas culturais da vida
cotidiana. Esta fertilização cruzada provocada por estes encontros intelectuais é uma fonte essencial
de dinamismo intelectual e de renovação, e previne o Estudo da Mídia de ficar preso apenas ao
estudo da própria mídia. Não se pode definir as fronteiras do Estudo da Mídia em nome de uma
nova disciplina porque isto provocaria um efeito oposto ao desejado, e faria com que o estudo
analisasse apenas para a própria mídia.
A visão é a de que o Estudo da Mídia deve ser indisciplinado no sentido de se preservar o
papel da mídia como o palco inicial onde acadêmicos vindos de diferentes tradições possam decifrar
montar juntos um quebra-cabeças com o objetivo de dar sentido a complexas conexões entre os
sistemas de comunicação e a organização da vida contemporânea, tanto social como cultural. Para
fazer isto é preciso fixar estas conexões e detalhar a maneira como elas trabalham. Pesquisar é
central para esta empreitada.
À primeira vista, os vários métodos disponíveis para pesquisa lembram o interior da caixa de
ferramentas de um mecânico, e grande parte deste artigo tem por objetivo explicar quais métodos
podem oferecer determinados resultados, mostrar como usá-los, as limitações de cada um, e sugerir
onde eles podem ser usados juntos. Mas, métodos de pesquisa não são apenas ferramentas de
serviço. São maneiras de se agrupar as evidências, entre as distintas definições encontradas, e que
podem tornar legítima e válida uma proposição investigativa sobre a vida social e cultural. Em
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nossa visão, uma boa maneira para se encontrar importantes evidências durante uma pesquisa
midiática é fazendo uma combinação dos diferentes métodos de pesquisa. Mas, esta não é uma
visão universal. Muitos autores insistem que somente certos métodos são apropriados. Para entender
por quê, é preciso olhar rapidamente para o positivismo, as definições interpretativas e o realismo
crítico, rivais da pesquisa social e cultural que corrobora a pesquisa contemporânea no Estudo da
Mídia.
Aplicação da Ciência: Positivismo
O Positivismo se desenvolveu na metade do século XIX com os praticantes das ciências sociais que
queriam se distanciar da especulação e comentários pessoais, e pretendiam estabelecer as próprias
credenciais como 'cientistas', da mesma maneira que os praticantes das ciências naturais. Eles
seguiam uma relação de argumentos básicos, e apesar de ter sido modificado várias vezes desde que
foi lançado, o positivismo ainda mantém suas principais características.
Os positivistas começaram pela postulação de que a investigação do mundo social e cultural
não é diferente da investigação do mundo natural e que os mesmos procedimentos básicos podem
ser aplicados em ambos os casos. Assim, como nas ciências naturais, somente se poderia admitir
como evidências científicas 'fatos' estabelecidos pela sistemática observação pessoal. Entretanto,
uma vez que as pessoas, são diferentes dos animais e pedras, e por isso podem falar com os
pesquisadores, os positivistas adicionaram questões simples e diretas no método usado por eles.
Mas, não havia lugar para encontros demorados ou envolvimentos pessoais na prática da pesquisa
positivista. Ao contrário, colecionar 'fatos' usáveis exigia que os pesquisadores fossem 'objetivos',
mantendo distância das pessoas pesquisadas e não podiam permitir que a pesquisa sofresse qualquer
influência pelos seus próprios valores ou julgamentos subjetivos. Para ajudar a manter esta
'objetividade' e precisão, os positivistas registravam os 'fatos' relevantes em termos de quantidades
ou números que poderiam ser processados usando técnicas estatísticas. Esta preferência tem sua
força na proposição de que a 'ciência' de qualquer coisa, incluindo a vida social e cultural, precisa
estar baseada em dados empíricos produzidos pela observação direta. (Entretanto não será
necessário seguir com a explicação de que todo dado tem que ser convertido em números, porque a
pesquisa qualitativa também pode ser empírica).
O argumento geral em favor da investigação empírica, primeiro foi desenvolvido durante a
Renascença, quando os cientistas separaram eles próprios dos teologistas e metafísicos, insistindo
em afirmar que aquilo que eles faziam estava baseado somente em observações sistemáticas do
5
mundo material e não tinha lugar para especulações visionárias sobre a vida após a morte ou
mundos além do alcance dos cinco sentidos. Desde então, esta posição tem sido usada para
justificar um militante empiricismo que rejeita qualquer forma de teoria 'em favor de uma
preocupação prática com os fatos' (FILMER, 1972, 43). Entretanto, é importante lembrar que nem
toda pesquisa empírica ou investigação usando estatísticas é empírica. Empiricismo não é um
estilo de pesquisa associado a métodos específicos. É uma atitude para as relações entre a pesquisa
teórica e a prática. Nem todas variedades de positivismo são empíricas, mas os positivistas fazem
tudo ter uma visão específica daquilo que constitui uma proposição teorética válida.
Os positivistas vêem como um objetivo amplo da investigação científica o desenvolvimento
de generalizações sobre as relações entre os 'fatos' sociais que estabelecem conexões básicas de
causa e efeito. Para obter isto, eles insistem em que as generalizações devem ser continuamente
testadas contra as novas evidências para ver se uma previsão específica (hipótese) que eles
produziram foi validada (verdadeira) ou se não foi validada (falsa). O teste requer que o pesquisador
isole as relações em que ele está particularmente interessado dos outros fatores que podem
influenciar ou interferir. Os positivistas argumentam que isto será melhor executado em um
laboratório, onde o pesquisador pode controlar as condições. Onde a experiência não é possível por
razões práticas ou éticas, a evidência poderá ser coletada por outros métodos, mas fatores confusos
precisam ser rigorosamente controlados para a análise estatística. Os positivistas garantem que estes
procedimentos geram uma extensa previsão, que habilita agências sociais a intervir efetivamente, no
controle das causas de problemas sociais. Por exemplo, se fosse possível estabelecer, sem nenhuma
dúvida, que assistir grande quantidade de cenas violentas causa comportamento agressivo nos
jovens, teríamos então, uma prova para censurar os filmes, vídeos e a televisão. Esta fé no papel da
ciência 'positiva' na engenharia social estava escrita no titulo do positivismo e inserida no próprio
projeto intelectual desde o começo.
O Positivismo então, têm uma visão forte sobre aquilo que conta, e aquilo que não conta,
para legitimar e validar uma pesquisa. Isto estabelece profundas divisões. Uma das mais comuns é
entre os métodos que produzem evidência quantitativa que pode ser expressa em números, e os
métodos que geram material qualitativo tais como, notas, transcrições de entrevistas, ou discussões
de grupos. A atual popularidade dos métodos qualitativos nos estudos de audiência da mídia
provocou uma reação no estudante de comunicações, o sueco Karl Eric Rosengren, que expressou
seu profundo desapontamento ao afirmar que muitos pesquisadores perdem ‘a potencialmente rica
colheita ao fazer a necessária conversão do valioso qualitativo insights3, em quantitativas descrições
3Entendimento em profundidade.
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e explanações baseadas em grupos representativos ... como tem sido feito’ (ROSENGREN, 1996,
40). Ele é inflexível quanto a verdadeira 'ciência' da comunicação precisar ser trocada por 'duros'
fatos numéricos. Da mesma forma, Thomas Lindlof observa, isto é ‘muito impreciso, tem um valor
forçado e é muito específico, para ser utilizado como explicação geral ou causal’ (LINDLOF, 1995,
10). Os positivistas utilizam métodos qualitativos, mas somente na preparação do trabalho (ou
piloto), se estiverem produzindo um estudo baseado em dados quantitativos. O americano Robert
Merton, pioneiro pesquisador da mídia argumentou que quando ele estava investigando respostas
para treinamento de militares para um filme sobre a II Grande Guerra, apesar de ao conversar com
os soldados ter surgido algumas questões interessantes sobre a reação deles, estas especulações
deveriam ter sido ‘testadas’ por uma ‘pesquisa experimental’ mais rigorosa (MERTON, 1956, 557).
Esta imagem da experiência como a rota primária para o conhecimento ‘científico’ sobre a
vida social e o comportamento humano está muito viva, atualmente, nas pesquisas de mídia. O
psicólogo Hans Eysenck mantém a opinião de que a pesquisa empregando métodos experimentais
produz evidências que somente podem ser usadas para estabelecer uma longa discussão se há ou
não, uma conexão direta entre o comportamento agressivo e o fato de assistir a cenas de violência
no cinema, na televisão ou no vídeo. Ele admite que ‘o Experimental design é complexo e difícil
para validar’ e que ‘a análise estatística, muitas vezes, tem muitas variáveis que se escondem dentro
da experiência e podem confundir nossos dados'. Mas, ele é inflexível que 'não obstante, quando há
uma tal quantidade de acordos [entre os disponíveis] estudos ... nós podemos concluir que há
suficiente evidência em favor da teoria que ... somente uma pessoa preconceituosa pensaria em
rejeitar toda esta evidência e chamar o caso de “inválido”' (EYSENCK & NIAS, 1978, 12).
Ainda assim, muitos pesquisadores rejeitam a evidência encontrada por Eysenck (veja
MURDOCK & McCRON, 1979; CUMBERBATCH & HOWITT 1989; BARKER & PETLEY,
1997). Duas críticas sobre a proposição positivista do debate mídia/violência são frequentes. A
primeira crítica sustenta que o trabalho foi realizado com um modelo bastante simplificado dos
efeitos midiáticos, situando a audiência como vítima passiva. Ao invés de mostrar os atos de
violência nos filmes e programas de televisão como estimuladores que acionam as pessoas a copiar
o que eles vêem ou disparadores de agressão latente, os críticos apresentam a mídia como um
complexo mundo imaginário no qual as pessoas ativas podem navegar e tomar consciência. A
segunda crítica, diz que eles insistem que o impacto da mídia só pode ser propriamente obtido
dentro do contesto da vida diária. Ao invés de conduzir a experiência num laboratório artificial ou
fazer perguntas curtas para as pessoas pesquisadas, sobre o hábito de ver tevê e filmes e
comportamento agressivo, os pesquisadores precisam examinar a dinâmica da violência social nas
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situações em que ela acontece naturalmente – ambiente familiar, bares e clubes aos sábados, à noite
– e explorar o papel que a imagética midiática tem na formação das identidades que as pessoas
levam para estes lugares.
Fazer Sentido: Interpretação
Estas críticas brotam da segunda maior tradição intelectual da pesquisa contemporânea sobre
comunicações e mídia: a tradição interpretativa. A preocupação central aqui não é estabelecer
relações de causa e efeito, mas explorar as maneiras pelas quais as pessoas comprendem o sentido
do mundo social em que vivem e como elas expressam este entendimento apesar da linguagem, do
som, da imagem, do estilo pessoal e dos rituais sociais. O famoso antropólogo americano Clifford
Geertz explica que:
Acreditar... que o homem é um animal suspenso nas redes de significados que ele próprio teceu, e supondo que o material destas redes é a cultura, então a análise disto não seria uma ciência experimental em busca de uma lei, mas a interpretação à procura do significado (GEERTZ, 1973, 5).
Geertz não é um antropólogo por acaso. Defensores da pesquisa interpretativa dão enfâse em
particular nas práticas etnográficas desenvolvidas pelos antropologistas, onde o pesquisador fica
imerso no espaço social da pesquisa, conhecendo as pessoas intimamente, observando como elas se
organizam no dia-a-dia, e conversando com elas durante algum tempo sobre a maneira como elas
vêem o mundo e elas próprias. Como o antropologista francês Philippe Descola observou:
o laboratório de um etnógrafo representa ele mesmo e as relações que ele mantém com algumas pessoas em particular, com seu próprio jeito simples e astuto... as situações inesperadas nas quais ele encontra a si próprio, o papel que ele tem no jogo, algumas vezes sem intenção, em locais estratégicos, a amizade que ele pode ter com a principal fonte da pesquisa, suas reações de entusiasmo, raiva e nojo – um complexo mosaico de sentimentos, qualidades e ocasiões que dão a esse ‘método de investigar’ uma característica muito específica (DESCOLA, 1997, 444).
Os Positivistas falam sobre ‘produção’ de pesquisa e ‘achados’, como se os ‘fatos’ sociais nos quais
eles estão interessados em pesquisar sempre estivessem lá, esperando para serem descobertos
através do correto procedimento metodológico. Por outro lado, os pesquisadores interpretativos
insistem que todo conhecimento social é co-produzido fora dos múltiplos encontros, conversas e
discussões que eles têm com as pessoas pesquisadas. A pesquisa usando questões fechadas –
‘sim/não’, ‘quando?’, ‘quantas vezes?’, – é um processo de mão única. E a entrevista etnográfica é
o diálogo 'no qual o próprio analista também é pego e investigado, assim como a pessoa que está
sendo submetida ao processo investigativo' (BOURDIEU, 1996, 18).
Esta diferença no estilo de pesquisa ocorre devido uma discordância fundamental sobre o
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que constitui a ‘realidade’. Para os sociais positivistas a ‘realidade’ é 'aquilo que está aí'. Ela é
constituída por uma rede de forças e relações de causa/efeito, que existem independente de alguma
coisa, ou dos pesquisadores, ou das pessoas são analisadas, ou por causa de algo que façam, ou que
digam. O trabalho de pesquisa é identificar estas forças, demonstrar como elas trabalham, e
desenvolver uma tese densa e estruturada que possa ser usada como base para intervenções
racionais. Os pesquisadores interpretativos rejeitam totalmente esta visão, argumentando que se
existem separações nas ações sociais, as organizações das estruturas da vida social e cultural estão
continuamente reproduzindo-se e modificando-se através da míriade de atividades da vida diária.
Eles garantem que não há 'mundo social independente do significado social dado pelas pessoas nele
inseridas, e que por isso mesmo, o constituem' (FILMER, 1972, 49). Esta posição é algumas vezes
chamada de construtivismo já que ela insiste que a realidade social é continuamente construída e
reconstruída através das práticas da rotina social e das categorias conceituais que a sustentam. Seus
adeptos garantem que o cerne da pesquisa está em interpretar 'o significado com que as outras
pessoas significam o próprio mundo', através de um contínuo ‘conjecturar o significado, avaliar as
conjecturas, selecionar as melhores conclusões explicativas' (GEERTZ, 1973, 20).
Este estilo de pesquisa inevitavelmente gera um rico material qualitativo, desde transcrições
das conversas e fotos e videos dos ambientes diários, até anotações observacionais de situações
específicas. O objetivo é desenvolver o que Geertz chama de ‘descrições densas’ que detalham o
modo como as pessoas investem no significado do próprio mundo e negociam e competem por
outros sistemas de significado. Onde os positivistas olham para as ciências naturais como um
modelo, a pesquisa interpretativa alia-se com as ciências humanas e as visões da vida social como
um texto com várias camadas de significados, que precisam ser arremessadas para fora. Como
Geertz explica 'trabalhar etnograficamente é como tentar ler um manuscrito – em língua estrangeira,
apagado, cheio de elipses4, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos' (GEERTZ,
1973, 10).
O trânsito entre etnografia e análise textual ocorre nos dois sentidos. A ação social é
proposta como um texto vivo, cujas camadas de significado e organizações implícitas, os
pesquisadores precisam iluminar. Ao mesmo tempo, os textos culturais – histórias de jornais,
programas de televisão, filmes, imagens de anúncios e objetos materiais – são vistos como imagens
congeladas numa série contínua de interações sociais, as quais incorporam os valores e significados
que estão em jogo nessa cultura, de uma maneira clara e compacta. O analista alemão Siegfried
Kracauer observou que (1952-3, 641) quando nós olhamos para um texto ‘toda palavra vibra’ com
4 Gram. Omissão de palavra(s) subtendida(s).
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as intenções e circunstâncias que a produziram, e nos oferece um vislumbre daquilo que ainda
vamos ler. Esta visão da pesquisa como um processo de ‘leitura’ de textos sociais e culturais é
central para se trabalhar a tradição dos estudos culturais, que produziu uma série de romances e
provocativos insights.
Na pesquisa da ação social, entretanto, nem sempre é possível conduzir um completo estudo
etnográfico. Isto ocorre quando os pesquisadores não têm autorização para acessar os espaços que
desejam investigar; ou têm acesso apenas por um período limitado de tempo; ou não têm tempo
suficiente, nem recursos que os sustentem por um período determinado ‘em um campo específico’.
Nestas situações eles podem trabalhar com uma versão reduzida da etnografia, emprestando as
técnicas básicas da observação, entrevistas abertas/fechadas e grupos de discussões; técnicas estas
que podem ser usadas sozinhas, ou combinadas de uma maneira mais concentrada. Nos estudos
históricos a dificuldade da pesquisa interpretativa está no fato do investigador ter que confiar
inteiramente nos relatos das atividades contidas nos documentários disponíveis.
A concepção que prevalece sobre o trabalho interpretativo é a de que há uma rejeição geral
para qualquer tipo de numeração ou cálculo. Por definição 'um bom pesquisador qualitativo não vai
querer sujar as mãos com nenhuma técnica de quantificação' (SILVERMAN, 1992, 204).
Defensores da pesquisa interpretativa argumentam que a efervescência do pensamento das pessoas e
suas atividades é ignorada pelos números, por causa da complexidade e criatividade da vida cultural
e social, exatamente onde a pesquisa deve iluminar. Entretanto, analisando-se mais atentamente, é
possível verificar que, muitas vezes, eles também apoiam os argumentos com afirmações sobre
como ou quantas vezes as pessoas disseram ou fizeram alguma coisa. Veja por exemplo, uma
pesquisa com os telespectadores, feita por Jane Roscoe, em 1995, para a tevê britânica, sobre um
documentário que tratava da explosão de um bar em Birmingham, na Inglaterra, pelo IRA (Exército
Republicano da Irlanda). A análise utilizava citações textuais transcritas das discussões que os doze
grupos-foco tinham feito sobre o documentário. Em alguns pontos chaves, o argumento estava
realçado pelas referências de quantidades: 'Havia muitas ocasiões ... em que os participantes
escolheram um membro do próprio grupo para fazer a leitura' e 'Havia muitas instâncias em que os
participantes se desviaram do 'interesse' específico ... classificações usadas neste estudo como forma
de entender os pontos' (ROSCOE et al, 1995, 96-98). Estas frases contradizem uma a outra, mas nós
não estamos dando a informação que poderia permitir uma resolução. Nós não falamos quantas
vezes cada situação aconteceu, ou se elas envolveram diferentes participantes, ou se foram os
mesmos participantes com diferentes pontos de vista, durante a discussão. Algumas contagens
simples de quem disse o quê, quando e com que frequência, esclareceria a situação, e poderia ter
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indicado os padrões que sugeriram novas direções para a análise e a pesquisa.
Esta possibilidade para mostrar modelos e caminhos rentáveis para uma exploração é um
dos dois motivos pelo qual a pesquisa baseada, primariamente, em materiais qualitativos, pode vir a
empregar algum tipo de contagem, ou usar como referência estatísticas já existentes. O segundo
motivo é que ao observar a estatística existente sobre uma área que você está interessado, pode
ajudar a situar a pesquisa em contextos específicos, dar uma amplitude maior, ou sugerir outras
linhas possíveis para a análise. Durante a investigação estatística sobre a relação que existe entre a
condição social e o consumo cultural, nas grandes cidades americanas, Judith Blau descobriu que 'a
mulher é a fonte primária de demanda para o mercado da música de todos os tipos' (BLAU, 1992,
132). Como esta proposição estava contra o senso comum que dizia que a música, assim como
muitos outros campos da cultura, era dominado pelo homem; esta 'descoberta' ofereceu um
provocativo ponto de início para investigações qualitativas sobre os diferentes significados que a
música pode ter na vida dos homens e das mulheres.
O que separa a pesquisa interpretativa do positivismo não é se os números são utilizados,
mas como eles são utilizados. Os positivistas olham para a estatística para responder as perguntas da
pesquisa. Os pesquisadores interpretativos olham para a estatística como uma fonte de perguntas,
um trampolim para as adicionais investigações e análises. Eles dizem que os 'fatos' nunca falam por
eles mesmos, e que entretanto, 'a relação estatística precisa ser determinada numericamente,
permanecendo ... desprovida de significado' até que seja interpretada (BOURDIEU, 1984, 18). O
que distingue uma interpretação bem estruturada de outra nem tanto, é a elegância e a extensão dos
detalhes explicados, a habilidade para expor totalmente os materiais relevantes, e a maneira com
que todos os dados são incorporados, da forma mais concisa possível. Consequentemente, 'quanto
mais dicas houver relacionadas com a solução do mistério', que são mobilizadas dentro de um
projeto de pesquisa, inclusive aquelas produzidas pelos métodos quantitativos, 'mais o pesquisador
e o leitor podem acreditar na solidez da interpretação' (ALASUUTARI, 1995, 18).
A constante recusa de muitos pesquisadores interpretativos em utilizar a quantificação é
como se fosse o reflexo do espelho dos positivistas, que mostra a rejeição deles para com os
materiais qualitativos. Ambas as caixas de pesquisa devem ter um cantinho para expandir as
oportunidades que surgem através da combinação de diferentes métodos.
Escolhas e Circunstâncias: Realismo Crítico
A mídia contemporânea é central para a elaboração do significado tanto pessoal, como social.
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Consequentemente, as pesquisas interpretativas, com o foco em dar sentido, foram adotadas tão
entusiasticamente pelos pesquisadores da comunicação. Entretanto, os pesquisadores também
podem escolher uma segunda alternativa para o positivismo: o realismo crítico.
Os defensores desta posição concordam com os pesquisadores interpretativos que 'o mundo
social está reproduzido e transformado na vida diária' (BHASKAR, 1989, 4). Mas, eles insistem que
a ação de todo dia não pode ser propriamente entendida sem se levar em conta a amplitude das
formações social e cultural que as armazenam e moldam disponibilizando 'seus significados, mídia,
regras e recursos de tudo o que nós fazemos' (ibid). Esta proposição se baseia em duas definições. A
primeira diz que as estruturas são sempre capazes (de providenciar as condições e recursos para a
ação) bem como armazená-las (impondo limites naquilo que é possível e praticável) (GIDDENS,
1984, 25). A segunda diz que as relações entre as ações situadas e as formações gerais, escolhas
locais e circunstâncias que prevalecem; são dinâmicas e acontecem nos dois sentidos - tanto 'as
estruturas são constituídas através das ações' bem como ao mesmo tempo 'as ações estão
constituídas estruturalmente' (GIDDENS, 1976, 161).
Tanto o realismo crítico como o positivismo rejeitam o idealismo filosófico corroborado no
argumento interpretativo de que a realidade social somente existe do jeito que as pessoas escolhem
imaginá-la, e ambos perseguem uma posição filosófica realista que aceita o fato de que as estruturas
social e cultural moldam as opções das pessoas para agir, mas podem existir independente do
conhecimento que se faça delas. Entretanto, como os positivistas não teorizam estruturas na relação
para a criatividade da prática diária, isto esclarece os efeitos somente por um processo e não pode
explicar 'como eles mudam, nem como eles agem como agentes da mudança' (FISKE, 1994, 195).
O realismo crítico insiste que diferentemente das estruturas que organizam o mundo natural, as
estruturas social e cultural traçaram carreiras históricas. Elas podem ser muito resistentes, mas não
são permanentes. Elas emergem em tempos particulares, em um conjunto específico de
circunstâncias e estão continuamente se modificando pela ação social até que elas eventualmente
serão transformadas em alguma coisa. Muitos analistas sociais argumentam que agora5 nós
alcançamos o momento exato da transição da organização da estrutura familiar na vida moderna,
que começou no século 17, cristalizou-se no século 19, e está sendo substituída pelas novas formas
pós-modernas de estrutura familiar (veja GIDDENS, 1990b).
Os realistas críticos, então, pedem para que se compreenda a relação entre as estruturas
social e cultural na atividade cotidiana, 'que está baseada na concepção transformacional da
atividade humana' (BHASKAR,1989, 3, grifo no original); As estruturas gerais produzem uma
5 Este agora a que o autor se refere é o ano de 1999, século XX.
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variedade de respostas possíveis, algumas das quais podem desafiar e mudar as circunstâncias que
prevalecem ao invés de confirmá-las. Entretanto, como estas formações implícitas não se coadunam
com o entendimento comum, porque elas normalmente permanecem invisíveis ou translúcidas para
as pessoas, enquanto elas executam suas tarefas diárias. A tarefa do analista crítico é iluminar estas
formações, e explicar como elas trabalham, encorajando a informação do objetivo da ação para que
se erradique a inequidade e injustiça.
Vamos usar a famosa análise do capitalismo feita por Karl Marx como exemplo. Quando
olhamos para as sociedades capitalistas, ele argumenta, a primeira coisa que percebemos é que elas
são mercados econômicos nos quais as pessoas estão continuamente comprando coisas. Este
sistema de consumo parece estar baseado numa troca igual. Você paga um preço que você considera
justo, e em troca, você leva alguma coisa que você quer. Mas, Marx complementa, se examinarmos
a organização da produção, que paga as diárias e os salários daqueles que consomem, vamos
encontrar um mundo baseado na desigualdade e exploração, sistematicamente equipado para dar
aos empregadores uma parte desproporcional dos lucros do trabalho. Nem todos os realistas críticos
aceitam esta análise particular, mas é uma boa ilustração do processo analítico do que acontece em
muitas empresas.
Considerando-se que, o positivismo foca em eventos atomísticos (aquilo que as pessoas
fazem ou dizem em situações particulares, quando no laboratório ou respondendo ao questionário,
por exemplo), e proposições interpretativas centradas no significado que as pessoas mobilizam para
dar sentido ao mundo delas; o realismo crítico está focado nos 'mecanismos geradores que destacam
e produzem os eventos observáveis', os sistemas que dão significado ao dia-a-dia e com as conexões
entre eles (BHASKAR, 1989, 2). Isto oferece aos pesquisadores um formidável desafio. Eles
precisam continuamente 'vasculhar desde a mais impessoal e remota transformação das
características mais íntimas do ser humano', 'até a investigação de uma simples família para
comparar os orçamentos nacionais com os mundiais e ver as relações entre os dois' (MILLS, 1970,
13-14).
Esta agenda tem uma série de consequências fundamentais para a organização da pesquisa.
Primeiro, isto significa que uma pesquisa que objetiva produzir cálculos convicentes e significativos
destas relações precisa ser indisciplinária, extraída das percepções obtidas através da complexidade
das ciências humanas e sociais. Isto é particularmente importante nas pesquisas em comunicação,
pois como vimos a mídia moderna tem um papel central em cada aspecto da vida moderna, desde a
organização da economia global até a íntima textura da vida doméstica. Em segundo lugar, uma vez
que os pesquisadores se comprometem com a indisciplinariedade não há razão, em princípio, para
13
eles não tirarem vantagem da enorme variedade de técnicas investigativas produzidas pelos vários
ramos das ciências sociais e humanas. Todos os métodos tem suas fraquezas e forças, é preciso
conhecê-los antes de usar, para saber o que eles podem, ou não podem fazer. Mas, como você
percebeu, muitas vezes é possível utilizá-los juntos. Ao planejar um projeto de pesquisa deve-se
sempre considerar se a combinação das técnicas qualitativa e quantitativa não produzirá um
resultado mais rico e satisfatório.
A mistura de métodos é central para o realismo crítico porque ao incorporar outros trabalhos
feitos pelos pesquisadores interpretativos, isto permite que se vá mais além deles. Isto é preocupante
com as formações implícitas que organizam o significado, bem como as pessoas que dão sentido ao
próprio mundo nos fundamentos do dia-a-dia. Isto envolve explorar como a atividade comunicativa
diária é moldada pelo diferencial acesso para os três tipos de recursos estratégicos: recursos
materiais - comando sobre o dinheiro, tempo 'livre' e espaço utilizável; recursos sociais - acesso as
redes de apoio e confirmação da identidade; e recursos culturais - competência para negociar os
sistemas de linguagem, representação e auto-apresentação (MURDOCK, 1997, 190-1). Defensores
do realismo crítico dizem que, somente quando a análise das formações cultural e social implícitas
combina-se com a pesquisa da forma como estas estruturas são disputadas e negociadas na base, é
possível obter um resultado detalhado da organização do significado. Como o antropólogo
mexicano, Nestor Garcia Canclini, que pesquisou a cultura popular da Cidade do México comentou:
O significado de uma cidade é constituído pelo que a cidade dá e pelo que a cidade
não dá, pelo que os sujeitos podem fazer com a própria vida no meio dos fatores que
determinam o lugar onde vivem, e pelo que eles imaginam sobre eles mesmos e
sobre os outros (GARCIA, 1995, 751).
Seguir adiante com um projeto de realismo crítico, todavia, não é apenas uma questão de se
elaborar uma pesquisa mais detalhada. Isto também envolve um maior comprometimento para
desenvolver teorias adequadas sobre as maneiras que as formações social e cultural implícitas
trabalham a estrutura da ação cotidiana. A maneira como se define as situações e os problemas tem
um papel crucial no direcionamento da atenção para algumas coisas ao invés de outras. Veja por
exemplo, a ideia de que vivemos na 'Sociedade da Informação' onde a multiplicação da mídia tem
gerado uma quantidade de informações, sem precedentes; e onde o comando sobre a informação se
tornou o maior recurso nos negócios, no governo e na vida pessoal. O problema é que este caminho
para se descrever a situação falha na distinção entre informação e conhecimento. Informação é uma
parcela atomizada dos dados sobre o mundo. Boletins de notícias pela tevê, por exemplo, falam
sobre desastres, crimes, atividades dos políticos e sobre os preços das ações nas bolsas de valores.
14
Mas eles não oferecem a estrutura conceitual que permite ver os padrões e conexões, para entender
o que as estatísticas financeiras dizem sobre o estado da economia e como isto pode impactar na
criminalidade. Estas linhas de conexão são o material do conhecimento social, e ele não vem das
notícias, mas vem principalmente do sistema educacional. Portanto, é possível ter uma sociedade
rica-de-informação no sentido de que há mais e mais fontes de 'fatos' isolados sobre o mundo -
novos canais de cabo e satélites, CD-Roms - mas a maioria dos cidadãos continua pobre-de-
conhecimento, primeiro porque a educação que eles receberam não lhes deu um arsenal conceitual
que permita fazer conexões cruciais entre fenônemos, que acabam lhes parecendo muito distantes; e
em segundo, porque eles não têm como pagar o preço exigido pelas fontes especializadas de
comunicação para ter acesso às conexões faltantes.
Este artigo introduz informações sobre métodos de pesquisa que podem ser usados em
comunicações e pesquisas culturais e oferece uma visão da prática envolvida. Mas ao utilizar estas
informações lembre-se de que a pesquisa nunca é uma atividade auto-suficiente. A teoria é a gêmea
siamesa da pesquisa. Ambas são cruciais para o sucesso de qualquer pesquisa. A teoria nos indica o
quê procurar, como descrever as coisas que nos interessam, e como um pedaço particular da
pesquisa pode contribuir para nosso conhecimento geral sobre o mundo social e cultural. Neste
sentido, uma boa teoria é a ferramenta mais útil que um pesquisador pode ter. Mas o que é uma boa
teoria? Para os realistas críticos a teoria adequada para sua pesquisa é aquela que irá esclarecer a
gama completa de evidências disponíveis de uma forma elegante e sucinta, além disso nos oferece
muitos detalhes e é mais convincente do que qualquer outra teoria.
Intervenções e Responsabilidades
Todas as três definições esboçadas até agora têm suas agendas políticas. O Positivismo nos ajuda a
produzir densas proposições que podem ser usadas para regular e controlar a vida social. Traçando
um mapa sobre as múltiplas maneiras que as pessoas dão sentido aos próprios mundos e
apresentando formas desconhecidas para fazer as coisas com a mente aberta sem julgar os outros,
definições interpretativas que objetivam promover o reconhecimento mútuo e o respeito pela
diferença que é essencial na vida comunitária neste crescente mundo dividido. Pela identificação
dos elos escondidos na ação cotidiana, os realistas críticos esperam mobilizar o conhecimento social
no interesse de abolir 'o indesejável e opressivo' impedimento nas escolhas social e pessoal, e
desenvolver 'o necessário, almejado e fortalecedor' papel para a vida social (BHASKAR, 1989, 6).
Lembre-se que nenhum projeto de pesquisa é politicamente inocente. Como a pesquisa é
15
uma intervenção no mundo social, sempre está ligado ao tema da ética, bem como da técnica. Isto
acarreta múltiplas responsabilidades, para aqueles que tomam parte nos estudos, para os colegas e
profissionais da área, e toda a sociedade. O que você escolhe investigar, o ajuste que você faz e
como você apresenta os resultados, pode fazer diferença no caminho que nós coletivamente,
falamos e pensamos sobre nós mesmos e nossos dilemas. Como o melhor, a pesquisa nos oferece
uma poderosa ferramenta para questionar conhecimentos recebidos, desafiar a retórica do poder,
iluminar os pontos cegos dos nossos mapas social e cultural, solucionar o quebra-cabeças do por
quê as coisas são como são e como elas podem ser modificadas, e encontrar maneiras para
comunicar nossos ganhos em conhecimento o mais amplamente possível. Estas possibilidades são,
para nós, aquilo que vale a pena.
16
2
APRENDA A OBSERVAR
Quando pensamos sobre a mídia logo vem a mente os aparatos: programas de televisão, jornais,
filmes e livros. Claro que estes produtos culturais são feitos por pessoas e a significação deles
depende daquilo que as pessoas fazem com eles. Os jornais são feitos por milhares de jornalistas
entrevistando pessoas, cobrindo estórias, trabalhando na redação e até, atualmente, tomando uma
'cervejinha' no bar. A tevê não é apenas um aparelho que fica mostrando imagens em movimento,
mas é parte da vida das pessoas, comandando a grande disputa do lazer doméstico, das poucas
conversas e da vida familiar. A produção e o consumo dos produtos da mídia de massa são as
maiores preocupações da pesquisa em comunicação, e temos aumentado, gradualmente, a
quantidade de caminhos para investigar esses processos. A seguir vamos ollhar para os caminhos
que os pesquisadores já traçaram sobre estas questões. Vamos começar com o aparentemente
simples ato de observar.
Por quê observar?
A pesquisa sobre os 'efeitos' da mídia geralmente invoca imagens de pesquisas sobre, por exemplo,
atitudes de pessoas para a violência na tevê, ou, os pontos de vista políticos de diferentes jornais.
Mas, muitos pesquisadores afirmam que estas pesquisas não abrangem toda a complexidade destas
atitudes. Para eles, a própria noção de atitude simplifica as visões contraditórias, diferenciadas e
multifacetadas do mundo, que permanecem no recôndito destas perguntas convenientemente
simples. Por esta razão, eles procuram usar outros métodos para tentar descobrir novos horizontes.
Em particular, eles têm se voltado para os métodos qualitativos, principalmente, a observação.
Estudar a produção da comunicação de massa também requer uma variedade de
metodologias. Suponha que nós queremos saber como um jornal aborda a política educacional, e
como esta visão influencia na escolha e no tratamento das estórias publicadas no jornal. Nós
podemos fazer uma análise do conteúdo da cobertura jornalística sobre educação. Isto nos falaria
sobre o caráter da cobertura, mas não o porquê ou como, ela foi produzida daquela maneira. E como
toda análise de conteúdo, é uma evidência circunstancial. Nós podemos fazer uma pesquisa social
em pequena escala com a equipe do jornal, com perguntas do tipo 'Todo estudante universitário
17
deve passar um ano servindo o exército?' Mas a maioria dos integrantes da equipe do jornal
provavelmente não teria nada a ver com as notícias sobre educação. Neste caso, como poderíamos
saber quais opiniões têm impacto na cobertura? Será que é realmente válido fazer a pesquisa só com
estas doze pessoas? Estudos de produção da mídia quase inevitavelmente confiam em formas de
observação do processo de produção, e por causa das dificuldades práticas deste tipo de pesquisa,
não é surpresa que a literatura sobre estes estudos seja a menor do ramo da pesquisa da mídia.
Nós sugerimos aqui que a observação é uma forma de pesquisa qualitativa, diferente da
pesquisa quantitativa como processo investigativo. Mas, como vimos, a distinção não é tão rígida e
pode levar a uma interpretação equivocada. Qual é a diferença entre dizer que '33.7 por cento dos
inflexíveis jornalistas do Daily Bugle eram muito bons para os liberais professores da universidade',
ou dizer, 'a cultura que prevalece na redação do Daily Bugle encoraja a uma visão altamente cética
das credenciais políticas dos universitários'? A primeira frase é mais precisa do que a segunda? É
mais confiável? Hammersley (1992a, cap.9) aponta que 'os estudos qualitativos são muitas vezes
cheios de termos como: 'mais', 'menos', 'maioria', 'suficiente', os quais são quantitativos, mas não
numéricos. Ao analisar os métodos observativos devemos atentar para esta distinção, e lembrar
desta indução inadequada.
Vamos olhar por um momento com mais detalhe para os tipos de métodos de pesquisa
baseados em observações e para as vantagens e desvantagens da observação. Mason (1996, 61-3)
organizou, em termos gerais, os motivos pelos quais os pesquisadores escolhem os métodos
observacionais. As razões incluem uma crença ontológica de que as interações e os
comportamentos, e a maneira como as pessoas os interpretam, são central para a vida social. Em
virtude de uma preocupação epistemológica o pesquisador poderá avaliar que somente os conjuntos
da 'vida-real' ou natural podem revelar a realidade social; e aquilo que tem que ser experimentado e
compartilhado pelo pesquisador para os dados da pesquisa para ter alguma validade e adequação. O
pesquisador também pode entender que somente a observação lhe oferecerá a complexidade
adequada e a riqueza de dados necessária, ou até que será mais ético entrar na vida daqueles que
serão pesquisados, do que ficar simplesmente observando de longe.
A pesquisa de audiência, por exemplo, tem sido criticada porque oferece apenas uma dimensão dos
dados da relação das pessoas para com a mídia de massa. Ela pode nos contar quantos aparelhos de
tevê estão ligados num determinado momento, mas não o quê as pessoas estão fazendo enquanto
assistem tevê, ou até se eles estavam realmente vendo tevê, ou fazendo outra coisa. E se eles
estavam assistindo, será que eles estavam compenetrados no programa, será que eles estavam
pensando em outra coisa, será que eles estavam jantando, será que eles estavam fazendo amor (ou
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talvez fazendo todas estas coisas ao mesmo tempo)? Morley (1992, 175-7) observa que a pesquisa
de audiência mede não somente o que é visto, mas também mais alguma coisa: a presença de um
aparelho de tevê ligado e uma pessoa no mesmo ambiente. Isto garante a motivação para ver tevê, e
que a decisão de fazer isto, é uma decisão individual. Isto deixa sem resposta o contexto no qual
aquela decisão foi tomada (quem teve acesso ao aparelho de tevê, o que mais há para se fazer, onde
mais se pode ir na casa, e assim por diante). Como consequência destas questões ele argumenta que
o tipo de pesquisa que precisamos fazer, envolve identificar e investigar as diferenças contidas em uma ampla categoria que contenha todas as informações sobre 'ver tevê' ... fazendo o foco necessário nas complexas maneiras de ver tevê, as quais estão intricadamente encaixadas na imensa série de práticas do cotidiano... Nós precisamos investigar 'ver tevê' ... em seu ambiente 'natural'. (ibid, 177)
A própria pesquisa feita por Morley, envolve principalmente, entrevistas com famílias, e ele é muito
sensível a respeito da necessidade de se manter consciente sobre o outro, métodos não-
observacionais os quais inserem a experiência da investigação visual dentro do contexto social.
O mais importante é estar seguro de que o método que você escolheu é o mais adequado
para a pesquisa a ser feita; e ele pode ser um dos vários métodos usados complementarmente. É
preciso reconhecer que a observação não é uma alternativa mais fácil do que outros métodos
quantitativos, aparentemente rigorosamente estruturados, como maneiras de investigar. A
observação tem seu próprio rigor, e talvez nem sempre seja o melhor método para a pesquisa que
você quer fazer.
Observação, então, inclui uma série de métodos de pesquisas os quais permitem acesso
direto ao comportamento social que está sendo analisado. Isto pode, ou não, oferecer vantagens
sobre outras propostas, mas isto tem sido uma parte importante das ferramentas para as pesquisas de
mídia. A seguir vamos analisar as vantagens e desvantagens, e também temos algumas propostas
práticas para se realizar uma pesquisa observacional.
Tipos de Métodos Observacionais
O termo observação atualmente serve como pano de fundo para uma série de diferentes propostas
de pesquisas, as quais podem ser classificadas em três amplas categorias: simples observação,
observação participativa e observação etnográfica.
Simples observação é quando o pesquisador age como se fosse uma 'mosca na parede'. O
observador não tem relação com o processo ou com as pessoas que estão sendo observadas, e elas
normalmente, não estão cientes das atividades do pesquisador. Certamente tais estudos são
19
perfeitamente possíveis nas comunicações. Por exemplo, você pode estar interessado em pesquisar
o público dos cinemas - como é que eles escolhem quais os filmes que querem ver, ou quanto tempo
eles passam na sala de espera gastando dinheiro em bebidas, pipocas e doces. Você pode perguntar-
lhes sobre estas coisas, ou você pode ficar algumas noites rodando por ali e observando o que as
pessoas fazem (Com a permissão do gerente do cinema, primeiro, claro!). Ou talvez você esteja
interessado em pesquisar como as pessoas escolhem livros na livraria. Será que eles chegam
sabendo o que vão comprar, ou será que há uma grande quantidade de livros novos para ser
verificada, ou ainda será que muitos compram por impulso baseados no que está escrito no cartaz?
Estes comportamentos podem ser observados de forma imperceptível, e revelam padrões de
atividades - que são um verdadeiro tesouro - sobre os encontros diários das pessoas com as
instituições culturais.
Você deve ter percebido que ambos os exemplos estão dispostos em lugares relativamente
públicos; qualquer um pode 'dar um tempo' num lugar assim. Um dos requerimentos para a simples
observação é que haja livre acesso para o local da pesquisa, o qual é um lugar 'natural' ou um lugar
da vida real. A pesquisa experimental envolvendo, por exemplo, a observação do comportamento
controlado de crianças vendo tevê, colocadas dentro de um laboratório de psicologia social, também
pode ser considerada uma 'simples observação'.
A segunda forma de observação é a observação participativa. Isto significa que o
pesquisador toma parte, em algum grau, nas atividades das pessoas que estão sendo observadas. O
termo observador participante é muitas vezes usado para descrever a observação na qual há na
verdade, uma pequena participação. Rápida ou ocasional interação com as pessoas observadas não é
realmente participação. A participação do pesquisador nesse caso, é necessária, porque ela pode
gerar mais informações e dados do que seria possível sem a participação. A observação participativa
é mais usada no estudo do consumo do que no estudo da produção da mídia. Além dos problemas
de acesso ao local da pesquisa, poucos observadores têm habilidades e treinamento suficientes para
se tornar um membro de uma equipe jornalística ou de uma equipe de produção, embora haja outras
ocupações com menor exigência de habilidades onde a participação do observador pode ocorrer. Por
exemplo, não seria difícil treinar uma pessoa para vender pipocas, ou para ser caixa de uma livraria,
apenas para citar dois exemplos que foram apresentados anteriormente.
Muitos estudos de jornalismo, feitos com observadores participantes, têm sido realizados por
pesquisadores, que exercem a própria função relacionada com a competência profissional. No
estudo de um jornal americano, o sociólogo empresarial Chris Argyris estava preocupado em não
produzir dados sociológicos sobre a produção de um jornal, mas queria entender como o jornal fez
20
sua mudança organizacional. Grande parte do seu relatório lembra o de um consultor, sem dúvida
um papel que acabou sendo legitimado pela sua atividade na pesquisa, a qual durou mais de três
anos, permitindo-lhe ter a própria escrivaninha no jornal, além de permissão para participar de
qualquer reunião que ele achasse necessário, e inúmeras oportunidades para observar
desestruturadamente (ARGYRIS, 1974). Poucos observadores podem conseguir tamanha
hospitalidade e cooperação, mas também poucos oferecem tanto em troca. Há uma série de
caminhos que o pesquisador pode oferecer, em troca da reciprocidade e, também, para justificar sua
presença intrusa na vida diária dos observados. Durante uma pesquisa sobre a produção de matérias
sobre crimes em um jornal canadense, um pesquisador chinês foi contratado como intérprete
(chinês/inglês) e a equipe de observadores também trouxe informações sobre criminologia para os
jornalistas, durante o período da realização da pesquisa (ERICSON et al., 1987, 90-1).
Alguns pesquisadores, têm realizado estudos observativos dentro do próprio campo
profissional em que atuam. Jornalistas que realizam pesquisa acadêmica no campo da comunicação,
e tem familiaridade com o jargão e práticas jornalísticas, podem utilizar esta vantagem como um
fator de crebilidade. Marjorie Ferguson, uma socióloga da mídia canadense que atuou durante
muitos anos como jornalista em uma revista, realizou nos anos 70, um estudo sobre as revistas
femininas no Reino Unido. Ela disse que 'o trabalho anterior na produção [de uma revista] ... me
trouxe vantagens, mas também, me impôs algumas restrições. Facilitou o acesso para as fontes em
todos os níveis hierárquicos ... do ponto de vista da familiaridade com a linguagem das mulheres
das revistas, lendas, histórias, entendimento, análises e interpretação' (FERGUSON, 1983, 217). O
jornalista britânico, Alastair Hetherington, editor do The Guardian por 20 anos, e funcionário da
BBC (Escócia), realizou uma pesquisa sobre a produção de notícias no Reino Unido. Os detalhes e
o passo-a-passo minucioso que ele descreveu sobre a produção de notícias, sem dúvida demonstram
que isso só foi possível graças ao respeito que ele havia adquirido como profissional atuante
durante muitos anos (HETHERINGTON, 1985).
A terceira forma de observação é a etnografia. Este é um termo que perdeu grande parte da
precisão que tinha anteriormente. Este forma de observação é usada como uma descrição difusa da
pesquisa qualitativa que envolve uma extensa análise, ou mesmo entrevista, durante um certo
período de tempo. A etnografia é definida como o 'processo de pesquisa no qual o antropólogo
observa, bem de perto, registra e se envolve na vida diária de uma outra cultura' (MARCUS &
FISCHER, 1986, 18). É provavelmente, raro que as pesquisas dos meios de comunicação de massa
se encaixem nesta definição por completo exatamente, porque a maioria destas pesquisas
etnográficas são feitas por antropólogos. Nightingale observou que o termo é provavelmente mais
21
utilizado como uma identificação de lealdade do que como um estilo particular de análise. Isto 'quer
dizer que a etnografia 'possui conotações: cultural, comunitária, empírica e fenomenológica' que
sustentam a legitimização da pesquisa (NIGHTINGALE, 1989, 55-6).
Todavia, a pesquisa etnográfica nos faz relembrar as profundas raízes antropológicas que
sustentam os métodos observacionais. O pesquisador polonês Bronislaw Malinowski plantou muitas
sementes da antropologia britânica que floresceram na primeira metade do século XX. Para ele, a
nova ciência era o estudo de 'exóticas pessoas e estranhas culturas', uma descrição que prontamente
foi levada para a redação de jornalismo da televisão e até para a sala de estar do telespectador
(Malinowski, 1944, 15). A habilidade de Malinowski com a Matemática e a Física fez com que ele
enfatizasse o rigor metodológico e a atenção para os detalhes da pesquisa; assim como o sociólogo
Max Weber enfatizou a necessidade de se compartilhar a interpretação da pesquisa, em primeiro
lugar, com as pessoas estudadas, permitindo que a etnologia, como ele a nomeou mostrasse 'a nova
visão da humanidade selvagem' ( MALINOWSKI, 1992, xv).
A segunda raiz dos estudos observacionais está na Sociologia de Chicago (EUA), nos anos
entre as grandes guerras. Robert Park, um dos fundadores da sociologia americana foi repórter nas
últimas décadas do século XIX, antes entrar na carreira acadêmica. Seu próprio trabalho, bem como
o de muitos outros na 'Escola de Chicago', enfatiza um profundo entendimento interpretativo da
vida urbana, obtido pelo que Park denomina de 'observar em volta', uma tarefa que ele considerou
melhor realizada por aqueles que têm 'dominado a arte de procurar com os olhos' (LINDNER, 1996,
81). Park muitas vezes saia para caminhar pela cidade com seus alunos, para que eles observassem a
vida urbana e 'sentissem intuitivamente' aquilo que estava acontecendo ao redor. A arte, claro, e não
menos a ciência, é saber o que fazer com estas observações uma vez que elas foram obtidas.
Sem duelar na precisa definição da etnografia, a seguir descrevemos as formas de
observação participantes e não-participantes como ferramentas para as pesquisas em comunicação.
Estrutura Experimental de Observação
A maioria dos métodos de observação descritos até agora utilizam os espaços naturais - as pessoas
observadas estão fazendo alguma coisa que eles normalmente fazem. Mas uma tradição da
observação, com um papel importante no desenvolvimento das pesquisas em comunicação, deriva
da psicologia experimental e envolve um tipo de observação do comportamento feita em um espaço
controlado, o 'laboratório'. Este método 'experimental' busca atingir a mesma rígida disciplina sobre
as 'variáveis' obtidas, como nos experimentos das ciências naturais, e assim obter os dados válidos e
22
confiáveis na relação entre as fontes comunicacionais e seus efeitos sobre o comportamento.
Os estudos laboratoriais deste tipo têm sido especialmente, significantes para o estudo sobre
os efeitos sociais da violência na tevê. Grande parte, da ampla e imprecisa literatura sobre
estimulação cerebral, falta de sensibilidade, imitação e assim por diante, associada a esta questão,
deriva das experiências laboratoriais, muitas vezes com crianças. Um clássico exemplo é a pesquisa
feita por Albert Bandura, sobre o aprendizado social. Em um de seus estudos, ele exibiu para três
grupos de crianças, um filme em que um adulto empurra e dá socos num boneco inflável 'João
Bobo'. Um grupo (o 'grupo de controle') apenas viu o filme, o segundo grupo viu o adulto ser
recompensado por outro adulto por ter socado o boneco, e o terceiro grupo viu o adulto ser
repreendido por outro adulto devido seu comportamento agressivo. Depois disto, as crianças foram
observadas, individualmente, enquanto brincavam em uma sala cheia de brinquedos, entre eles um
boneco inflável 'João Bobo' e um grande martelo. O terceiro grupo foi o que menos demonstrou
agressividade para com o boneco, em comparação com os outros dois grupos (BANDURA, 1965).
A partir deste trabalho, e outros estudos como este, foram surgindo pesquisas sobre o
impacto da violência midiática sobre as crianças. As dificuldades de tais deduções são óbvias.
Primeiro, a situação observada não é natural, e não reflete o 'mundo real'. Segundo, o
comportamento observado é imediato. Há poucas oportunidades para descobrir as consequências de
maneira gradual ou diversas nas quais se poderia ter interesse. Terceiro, muitas vezes é mais fácil
reconhecer as reações comportamentais dependendo da situação extrapolada (bater num João
Bobo), ou outra mais familiar (fazer caretas para uma velhinha na rua). Estas dificuldades
provocaram críticas a tais estudos, e também, ao 'positivismo', 'comportamentismo' e 'empiricismo'
deles, causando uma diminuição do impacto deles nas pesquisas de comunicação da grande mídia
nos últimos anos.
De qualquer maneira, é importante reconhecer que tal observação controlada é uma
ferramenta essencial para o pesquisador em comunicação, se for usada de maneira adequada e bem
interpretada (e principalmente, se conduzida de maneira ética). Os valores deste método, para um
observador experimental são a artificialidade e a possibilidade de controle que se pode exercer.
Exatamente por isso Bandura adverte que 'o impacto da televisão só pode ser isolado e medido com
precisão, quando as influências dos pais são removidas, e as crianças recebem os instrumentos que
elas necessitam para reproduzir o comportamento que elas têm ao ver tevê. Estas são condições que
nós podemos ter em um laboratório' (BANDURA & WALTER, 1963, 49).
Por exemplo, suponha que nós queremos investigar como as diferenças de gênero afetam as
maneiras como os jovens usam os jogos de computadores. Nós podemos simplesmente perguntar
23
sobre o uso. Mas, as respostas seriam confiáveis? E eles falariam para o observador sobre qual jogo
estavam jogando, e quanto da atenção deles, estaria sendo dirigida para o jogo, e não para o próprio
comportamento que está sendo observado? Nós podemos selecionar um grupo e observá-los
jogando, um por um, na casa deles, no ambiente 'natural'. Isto poderia ser extremamente trabalhoso,
entretanto, nós poderíamos, então, ter certeza de que estivemos examinando o mesmo processo em
cada caso? Como nós poderíamos controlar as outras influências - distrações, intromissão dos pais,
topologia do quarto, a presença do pesquisador? Nós podemos, entretanto, montar um computador
em um laboratório de psicologia e observar um grupo de jovens (cujas idades, experiências com
computadores, outros interesses de lazer, etc. nós poderíamos documentar com um rápido
questionário) para registrar o tempo de dispersão da atenção deles, observar a linguagem corporal, e
por aí vai, então nós poderíamos, precisamente, ver como as variações em uso poderiam se
correlacionar com as variações em outras características. Claro que o laboratório não é um quarto
(exceto para um psicológo muito trabalhador), mas os dados obtidos estariam próximos dos
significativos.
A Crítica Feminista
Nós temos notado que uma das presumidas vantagens da observação é que ela não é tão limitante
quanto a metodologia quantitativa. Algumas autoras da tradição feminista enfatizam os benefícios
que a observação oferece aos pesquisadores, pois sentiam que aquelas metodologias tinham uma
inerente tendência patriarcal. Isto, é claro, é um argumento desenvolvido dentro da pesquisa social,
mas isto pode ter uma aplicabilidade específica para a produção e consumo de formas e expressões
culturais.
Uma proposição neste contexto é a de que as metodologias da pesquisa social emprestam a a
si próprias para fazer com que o ponto de vista masculino sobre a vida social pareça natural, como
se fosse o ponto de vista de todas as pessoas, tanto faz homem ou mulher. Isto porque a pesquisa
social, ao longo dos anos, vem sendo estudada e desenvolvida principalmente, por homens,
deduzindo-se por isso, que aqueles métodos são dos homens, inerentes a natureza do gênero
masculino, e assim, não haveria outra alternativa melhor. Por outro lado, as pesquisadoras
feministas insistem na importância da experiência cotidiana. Elas enfatizam que aqueles que são
pesquisados são os próprios sujeitos, não apenas objetos de pesquisa, e focam particular atenção na
subjetividade deles.
Esta asserção, claro, balança com os objetivos da pesquisa observacional, e certamente com
24
os axiomas desenvolvidos muitas décadas atrás por Malinowski e outros. Mas, tal angústia da
antropologia clássica a qual Malinowski (1992) chamou de enorme distância entre o 'bruto material
da informação', isto é, as observações e as frases no 'caleidoscópio da vida tribal', e a 'a
devidamente autorizada apresentação final dos resultados'. As pesquisadoras feministas, entretanto
insistem numa ampliação, na qual pesquisadores e pesquisados habitam o mesmo universo do
discurso, e estão em relação, a qual é um fato da pesquisa. 'Tomando-se o ponto de vista das
mulheres significa reconhecer que como pesquisadores nós somos de tal modo traídos dentro de
determinadas relações, com aqueles cujas experiências nós pretendemos mostrar' (SMITH, 1987,
111). Elas também chamam a atenção para o contexto dentro da qual os mundos observados são
entendidos. Muitas observadores perceberam isto ao examinar as situações do local da pesquisa, os
sociólogos têm adotado uma definição de trabalho que excluiu grande parte do trabalho feito por
mulheres, principalmente aquele que é executado dentro do lar. 'Para atender os objetivos é preciso
expandir o conceito de trabalho, e isso requer que se refaçam pesquisas de forma mais ampla e
generosa' (ibid., 165). Assim, uma pesquisa sobre produção em televisão, que procura entender os
motivos e as preocupações das produtoras deve observar além do estúdio, e ver a continuação das
vidas das comunicadoras fora do ambiente de trabalho (remunerado). Uma pesquisa sobre ver tevê
também deve ter um olhar na dinâmica da família, para entender quem toma parte nas decisões
sobre o quê e quando ver, e como e por quem esta decisão é exercida.
Isto pode, claro, ser questionado que tal sensibilidade para motivar e dar significação, e
certamente para aumentar o contexto da produção e do consumo cultural, não requer que uma
feminista reescreva as regras gerais da pesquisa social - contra-argumento desenvolvido por
Hammersley (1992b). Não há de qualquer maneira, como mostra Williams, nenhuma posição
feminista na etnografia, ainda que seja só uma experiência compartilhada entre pesquisador e
pesquisado que mostre tendência de ser um tema comum (WILLIAMS, 1993). Entretanto, não há
dúvida de que a crítica feminista trabalha na promoção da importância de se destacar a
sensibilidade, além de chamar a atenção para o potencial dos estudos etnográfico e observacional
nas pesquisas em comunicação, assim como em outros tipos de pesquisas.
Vantagens dos Métodos Observacionais
O quê, então, a observação poderia oferecer como técnica de pesquisa, que acrescentaria um valor
extra na caixa de ferramentas do pesquisador midiático? Ao listar estas vantagens vamos também
esclarecer sobre alguns perigos inerentes.
25
Entendimento Subjetivo
Ao observar o comportamento nós temos acesso ao que as pessoas observadas entendem como
aquilo que elas estão fazendo. Ao invés de apenas saber se a tevê estava ligada numa determinada
semana, nós podemos também saber quem estava assistindo, e como estas pessoas reagiram aos
programas que estavam vendo. Da mesma forma, se nós queremos descobrir os motivos e as idéias
que impulsionam os jornalistas para cobrir uma estória de uma determinada forma, nós podemos
obter muito mais observando a maneira como eles trabalham e, principalmente, ouvindo as
conversas deles sobre o assunto, assim teríamos mais informações do que nós poderíamos conseguir
simplesmente perguntando-lhes sobre o trabalho que fazem, ou sobre o conteúdo analítico do
trabalho que realizam.
O sociólogo Philip Schlesinger explica que um dos benefícios do acesso direto para o
entendimento daqueles envolvidos na produção midiática, é que isto dissipa qualquer referência
inapropriada que porventura apareça, quando se tenta descrever uma produção jornalística. Ao
revisar sua pesquisa sobre a BBC, realizada quando a cobertura da Irlanda do Norte foi muito
debatida, ele se recordou que alguns comentaristas sentiram que a produção da corporação poderia
ser explicada pela presença da 'máfia irlandesa' na redação. Suas próprias observações acabaram
produzindo um relatório bem fundamentado sobre a rotina e a cultura da corporação, muito mais do
que qualquer tipo de manipulação intencional (SCHLESINGER, 1980, 363-4).
Por outro lado, se nós ficamos muito envolvidos dentro da visão de mundo construída por
aqueles que nós estamos estudando, isto pode causar pouco distanciamento e provocar um
afastamento analítico. Torna-se impossível qualquer explanação das experiências e motivos
daqueles que nós observamos, do que aqueles que se expressam por si mesmos. Alguns podem dizer
que isto é uma coisa boa, desde que se permita que os 'sujeitos falem', ao invés do pesquisador falar
por eles. Entretanto, isto também é visto por muitos como um problema porque restringe a
capacidade analítica do pesquisador que acaba produzindo descrições, e não, explanações.
Schlesinger descreve a entrada neste processo como 'cativar' e a saída é a 'retirada'. Logo abaixo no
caso I você encontrará as explicações sobre os riscos desta prática.
Relato de Caso I
O processo pelo qual eu consegui pesquisar os meandros da BBC é como se eu
estivesse pesquisando alguma coisa minha. Cheguei a viver durante algum
tempo uma dificuldade muito grande em que eu não conseguia afastar a mim
26
mesmo, da persuasiva ideologia corporativa. Este processo de 'cativar' acontece
quando o indíviduo submerge dentro do ambiente da pesquisa; e o gradual
recuo, ou afastamento desta situação eu chamo de 'retirada'. Esta experiência é
tipica da pesquisa etnográfica.
Em muitos pontos um alto grau de envolvimento do pesquisador no
local que está sendo observado é desejável. Isto o habilita a entrar na cultura do
outro mais profundamente. Eu compartilhei o excitamento deles sobre o boletim
de produção, fofocas sobre promoções e vidas particulares, o senso geral de
estar numa organização carismática exposta às mudanças políticas. As pessoas
no escritório chegaram a fazer 'sérias' piadas sobre minha longa temporada lá,
dizendo que eu sabia fazer o trabalho melhor do que eles próprios. Para
'pesquisar' o processo diário de produção das notícias, deslocamentos, comer,
beber, e falar com os jornalistas me colocou muito perto de alguns em termos
de simpatia pessoal. Enquanto eu não consegui realmente me envolver no
processo de produção de notícias, eu não tinha conseguido nem começar a ser
um observador.
O estilo de pesquisa adotado se ajustou tão bem com a maneira pela qual
a identidade corporativa estava expressa que, eventualmente, eu tinha uma
percepção estranha de que minhas próprias convicções estavam ficando quase
submersas. No fundo, eu me tornei parcialmente socializado, e isto explica
porque em um determinado ponto eu tive dificuldades para gerar questões para
investigar. O tipo de pesquisa era o essencial para uma análise efetiva, mas isto
foi além das necessárias boas relações e exigiu que eu pagasse um certo preço
sociológico. [...] Quando eu comecei a pesquisa na BBC, eles tinham acabado de
exibir um programa sobre 'A Questão da Máfia do Norte da Irlanda (ULSTER)',
e um debate estava acontecendo porque o governo britânico queria impor a
censura das notícias na BBC/Irlanda do Norte. Eu percebi que isto era muito
importante, mas não tinha uma estratégia de pesquisa pronta para fazer uma
investigação da manipulação de notícias pela BBC na cobertura da Irlanda do
Norte, e provavelmente não iria achar ninguém interessado em falar sobre o
assunto. Nos anos de 75 e 76, eu comecei a ver, com mais clareza, como a
Irlanda do Norte foi crucial para ilustrar a complexa relação que a BBC mantém
com o Estado. Mas, em 1972, eu simplesmente conseguia ver a situação como
um potencial ponto de persuação para minha pesquisa.
Na verdade, a pesquisa no final provou que aquilo não era um ponto de
persuação. Eu fiz algumas rápidas entrevistas e até coletei alguns dados
27
relevantes sobre a questão da censura - opinião dos repórteres, as regras básicas
sobre a cobertura na Irlanda do Norte, mas rapidamente a questão deixou de ser
o assunto da minha investigação. [...]
Quando comecei a escrever minha tese ... a Irlanda do Norte estava
sendo discutida em dezenas ou mais de páginas que dava um capítulo inteiro. Eu
certamente tinha aumentado a questão da censura, mas a minha análise estava
muito equivocada, e eu tinha dado pouca atenção para a maneira como as
restrições tinham acontecido. 'Cativar', produz no pesquisador, sobretudo, um
tipo de efeito supressivo, uma auto-censura, um malgré soi.6 [...]
A retirada do ambiente da pesquisa começa realmente a acontecer
depois que o pesquisador completa o segundo rascunho da tese. Foi fundamental
para este processo a gradual reasserção das questões sociológicas. O principal
esforço de uma simples decodificação do ambiente jornalístico ficou no
passado; agora era possível encaminhar os dados que eu tinha coletado de uma
forma mais teórica. Meus próprios interesses sociológicos tinham se deslocado
do micro para o macro nível, e da questão fenomenológica para as questões
estruturais. Ter trabalhado num ambiente tão sociológico era um agudo contraste
com o isolamento intelectual provocado pela elaboração de uma tese de pós-
doutorado. O rápido aumento do volume do trabalho acadêmico sobre as
notícias também chamou minha atenção para o problema, e me permitiu lembrar
de outras questões que tinham se tornado mais periféricas durante meu traalho
no ambiente da pesquisa. (SCHLESINGER, 1980)
Sexto Sentido
Malinowski explica que 'há uma série de fenômenos de grande importância que não são possíveis
de serem registrados por questionamentos ou por documentação formal, porque eles têm que ser
observados completamente na realidade' (MALINOWSKI, 1992, 18). Ele chama tais fenômenos de
'imponderabilidades cotidianas'. Estas 'imponderabilidades' é o foco da atenção especial da
observação. Se nós perguntamos para alguém que programa de tevê eles sempre assiste, ou quanto
tempo ele passa lendo jornal, ele pode responder de uma forma honesta e pensada. Mas, a maioria
das pessoas não pensa sobre estas atividades, e elas não sabem descrever em detalhes o próprio
comportamento de consumo midiático. Claro que, as próprias impressões deles, apesar de não
serem literalmente acuradas são mais importantes do que um dado comportamental na construção
6 Apesar de tudo.
28
de uma explanação analítica completa. Mas, a vantagem da observação direta é que ela cria
oportunidades para avaliar as revelações informadas, exatamente pelo rigor e disciplina que o
pesquisador consegue diretamente, com o processo de observação.
Outro aspecto vantajoso é que ao contrário daquilo que os pesquisados informam, é possível
acessar o significado que emerge nas ações das pessoas ao consumir uma transmissão midiática,
desde que eles estejam sendo observados em seus 'espaços naturais'. Claro que os estudos
observacionais não precisam necessariamente, ser feitos nestes espaços; como nós já vimos, os
estudos experimentais que usam os laboratórios dos psicólogos que foram expressamente
desenhados para serem 'não naturais', pois assim muitas 'variáveis', tanto quanto possível, podem ser
controladas. Mas, os estilos de observação que nós estamos falando aqui, observa o comportamento
comunicacional em lugares e com as pessoas que nós 'normalmente' esperamos. Como Ang adverte,
'o conhecimento etnográfico pode disponibilizar com muito mais profundidade um 'feedback',
porque ele não esconde os significados contraditório e plural escondidos em uma pesquisa pega-
tudo o 'que a audiência quer' (ANG, 1991, 169).
A pesquisa sobre o hábito de uma família ver tevê, feito por Bausinger é um exemplo. O
autor descreve uma família que ele observou vendo tevê, em algumas ocasiões o marido chega em
casa calado, liga a tevê em solene silêncio, o que expressa não o desejo de ver tevê, mas a vontade
de se 'desligar' de qualquer contato. Em outras vezes a mãe se junta ao filho para ver esportes, não
porque ela esteja interessada naquele programa, mas como uma atitude de carinho e envolvimento
maternal (BAUSINGER, 1984). Estes significados complexos quase óbvios, não estariam
acessíveis para qualquer outra forma de pesquisa, a não ser a observacional. Alguém poderia
comentar que a presença do observador pode intimidar o pesquisado, ou até inibir totalmente o seu
comportamento. Uma pesquisa pode afirmar que as pessoas são perfeitamente capazes de explicar
as variedades de significados para um observador, e suas reflexões amadurecidas podem ser mais
úteis, do que uma possível instância sem representatividade acidentalmente testemunhada pelo
pesquisador. Como sempre, toda vantagem de um método de pesquisa, sempre tem sua
complementária desvantagem.
Imediatismo
Uma das mais fortes declarações feitas pelos pesquisadores observacionais é sobre o fato de estar
presente no local observado - testemunhar os eventos e processos que estão sendo pesquisados, ao
invés de ficar dependente de indicadores de 'segunda-mão', tais como um questionário de pesquisa,
29
registros ou lembranças esparsas da memória. Não há perda de tempo entre o acontecimento e o
acesso do pesquisador a ele. Ao invés de perguntar ao diretor de um filme 'Como o senhor
normalmente lida com os atores mirins?' nós podemos testemunhar a maneira como as coisas
acontecem, a vergonhosa bajulação, a coercitiva e intimidante manipulação que produz
desempenhos prodigiosos.
É por isso que a observação é sugerida como uma ferramenta especialmente importante,
principalmente durante as pesquisas de produção midiática, já que este criativo processo no qual os
estímulos e as ações que levam ao produto final são muitas vezes efemêros e impossíveis de serem
repetidos. O que o pesquisador tenta descobrir é precisamente a rotina e o padrão que há por trás
desta efemêra e versátil atividade. Justamente por causa desta particularidade da produção cultural,
estar presente durante o processo traz muitas vantagens. Da mesma forma, o consumo cultural, por
exemplo, pesquisar músicas que tocam em uma 'balada', provavelmente vai provocar um impacto
bem diferente no observador depois de passar horas num ambiente fechado, abafado, ruidoso e
escuro, do que se estivesse sozinho, numa manhã friorenta, analisando os eventos. Um bom
pesquisador saberá empregar ambos tipos de coletas de dados adequados a cada situação.
Outra vantagem do imediatismo observacional é a possibilidade de observar a experiência
com todos os detalhes. Durante uma pesquisa sobre o hábito de ver tevê entre as famílias
venezuelanas o pesquisador Barrios observou que era possível 'observar os comportamentos dos
membros da família não somente em volta do aparelho de tevê, mas também, em outros momentos
do cotidiano'. O fato do pesquisador estar presente no local possibilitou verificar não somente o
comportamento verbal e não verbal ('as posições corporais, as formas com que se uniam, as
interrupções, as atividades paralelas') tudo isso poderia ser observado da maneira como aconteceu
(Barrios, 1988, 57). Por exemplo, é possível afirmar que 'ver tevê' se tornou parte do que Lull se
refere como 'rituais' os quais ampliam as regras normais e as práticas da vida familiar (Lull, 1988,
238). A pesquisa venezuelana mostrou que a 'hora da novela' (telenovelas Latino Americanas) se
tornou na 'hora sagrada' a partir da qual é organizada o resto da agenda doméstica diária.
Planejamento e Flexibidade
Os estudos observacionais permitem uma flexibilidade aos pesquisadores para modificarem a
proposição da maneira que desejarem. Mais formalmente, isto significa que determinadas hipóteses
podem ser surgir e ser testadas durante uma pesquisa, talvez por outros métodos complementares,
ou até reformular o projeto da pesquisa, à medida que as hipóteses vão surgindo. É complicado
30
reescrever um questionário quando já estamos na metade da pesquisa, porque as primeiras duzentas
entrevistas revelaram que algumas questões eram irrelevantes; o piloto7 de uma pesquisa serve
justamente para isso. A observação produz uma série contínua de dados que podem ser definidos
como 'um achado' e, ao mesmo tempo, como 'um grupo de achados', e também, um 'renovado
conjunto de hipóteses'.
A pesquisa sobre jornalismo na tevê nigeriana possibilita melhor compreensão da definição
anterior (Golding & Elliot, 1979). Primeiramente os pesquisadores estavam focados na forte
influência do governo militar que ditava as regras na estação de tevê e, por motivos óbvios, recebia
uma considerável atenção em geral. Os pesquisadores começaram então, com os releases recebidos
para tentar analisar o impacto que eles tinham na seleção e elaboração das notícias. Mas, logo eles
perceberam que o uso dos releases era aparente, já que inúmeras formas engenhosas e 'semi-
aprovadas', e até mesmo as intervenções externas, tinham sido incorporadas ao processo rotineiro de
produção de notícias, como em qualquer outra agência de notícias. Os pesquisadores então,
voltaram a atenção para o processo editorial, para tentar entender as similaridades que ele tinha
com, - ao contrário das diferenças dele para -, a produção de notícias nas empresas de televisão
localizadas nos países democráticos liberais da Europa.
Duas outras vantagens são sugeridas para o flexível, dialético ou bem estruturado método
observacional. Primeiro, o esporádico pode ser entendido no contexto da rotina. Considerando-se
que, as práticas de observação se encaixam dentro de uma série de atividades, do tipo gosto ou não
gosto de fazer tal coisa, o pesquisador pode conseguir dados sobre os mais atípicos exemplos.
Durante a pesquisa sobre a redação de tevê no meio oeste americano Berkowitz (1992) descreveu o
que ele chama de síndrome 'quistória'8. Durante as seis semanas de observação a partir de um canto
na redação o pesquisador ficou interessado numa estória sobre um avião que tinha caído dentro do
saguão da entrada de um hotel que ficava próximo ao aeroporto local. Graças ao longo tempo que
permaneceu no local da pesquisa, o observador conseguiu colocar a 'quistória' dentro do contexto da
rotina de trabalho numa redação de televisão. Isto também, ajudou a destacar o processo de
transição da volta ao normal, depois de muitos dias de uma rotina alterada para cobertura da estória
da queda do avião.
Segundo, o caráter flexível e a dialético da pesquisa observacional permite que ela
intervenha no debate político. Ang sugere que há um contínuo diálogo sobre as expectativas
públicas e as demandas das instituições de comunicações.
7 Rádio e TV. Programa demonstrativo e experimental de uma série a ser produzida.8 Nota do Tradutor: Quistória é uma contração das palavras que e estória. Em inglês o termo é 'what-a-story'.
31
O entendimento etnográfico do público atual através do mundo social pode
enriquecer o diálogo, porque traz para o primeiro plano um discurso sobre a
qualidade daquilo que realmente interessa, e leva em conta as práticas problemáticas
e as experiências daqueles que devem fazer com que os benefícios da tevê sejam
destinados a eles pelas instituições (ANG, 1991, 167-8).
Em outras palavras, ao contrário do que somente ficar medindo a audiência e pedindo ao público
que diga alguma coisa sobre a tevê boa ou ruim, ou a tevê que o povo quer, nós podemos explorar a
flexibilidade da pesquisa observacional para obter dados mais completos sobre as respostas da
audiência e, consequentemente, saber qual é a real demanda do público e suas necessidades.
Willis, que tem condizudio inúmeras pesquisas sobre a maneira como os jovens dão sentido
a cultura popular em suas vidas, tem utilizado bastante o método etnográfico. Ele destaca que uma
das muitas vantagens é a capacidade de surpreender, para gerar um 'conhecimento não pré-figurado
sobre um paradigma' (Willis, 1980, 90). Claro que soa irreal esperar o pesquisador abandone
inteiramente, ou modifique sua visão do mundo, com a qual ele entrou no ambiente da pesquisa.
Mas, refletindo sobre seu próprio trabalho com jovens (Willis, 1978) ele destaca que 'uma
metodologia qualitativa deve ser confrontada com o máximo possível de dados relevantes. É aí que
está a força da evidência para 'surpreender', para contradizer, principalmente as teorias que já estão
sendo desenvolvidas' (WILLIS, 1980, 90-1).
Riqueza e colorido
Provavelmente, a característica mais atraente dos estudos observacionais, para muitos
pesquisadores, é a expectativa que eles colocam na estrutura dos métodos quantitativos, que leva a
uma produção profunda, cheia de texturas, aquilo que o antropólogo Clifford Geertz definiu como
uma 'densa descrição', a qual é mais satisfatória e bem mais acurada, do que outros procedimentos
mais superficiais.
Se imaginarmos de um lado, pilhas e pilhas de papéis impressos com inúmeros dados, ou
inúmeros impressos com agendas codificadas, e de outro lado, o mundo encantado do consumo e da
produção cultural, fica evidente o motivo pelo qual os pesquisadores preferem ir para a 'qualitativa',
especialmente, na forma de estudos observacionais. Embora, muitas vezes, esta seja uma escolha
acertada, certamente ela não é sempre a escolha para todos. É importante, lembrar que também
podem ocorrer falhas inerentes na validação e representatividade de algumas definições obtidas pelo
metódo observacional.
32
Certamente, na pesquisa de produção de mídia, não existem substitutos para os ricos
encontros que se vislumbra ao se pesquisar o ambiente desorganizado negócio da produção cultural.
Durante uma pesquisa clássica sobre a BBC, o sociólogo organizacional e industrial, Tom Burns
usou o tempo de duração de um programa de entrevistas como sua principal fonte de coleta de
dados. Mas, quando a pesquisa ficou pronta, ele detectou que aquilo que ele havia descrito como 'o
ambiente cultural da corporação', tinha surgido na verdade enquanto ele estava observando o
'mundo particular' da BBC (Burns, 1977, xiii). A adição de uma descritiva colorida e densa, além do
realismo tridimensional enriqueceu a definição, que poderia apenas ser uma análise formal das
estruturas da organização.
Durante a pesquisa sobre as séries de ficção científica de longa duração exibidas pela BBC,
como Doctor Who, os pesquisadores Tulloch e Alvarado confirmaram que aprenderam bastante
sobre as ideias e concepção que alimentam a trama, justamente porque tiveram que analisar o
conteúdo destas produções. Os dados sobre as decisões, a ansiedade e as modificações na equipe de
produção, permitiram a elaboração de um complexo conjunto de perfis dos membros da equipe;
todo este material, provavelmente, teria passado despercebido se tivesse sido utilizada uma
metodologia com entrevistas-guiadas, por exemplo. A titulo de ilustração, por exemplo, vejamos um
incidente ocorrido em que o produtor 'forçosamente discorda da diretora, e através dela do ator ...
esta ação precisa ser refeita pois do jeito que está o ator parece 'in drag'9 (Tulloch e Alvarado, 1983,
258). Tais observações estruturam um contexto mais geral da produção e evitam 'o excesso de auto-
referências' do programa, que por sua vez exibe descrições mais amplas e mostra as conexões qe ele
tem com o vasto mundo das construções dramáticas, melodramáticas, realísticas e ficcionais - os
códigos culturais da televisão.
Desvantagens dos Métodos Observacionais
Participação que dificulta a Observação
Malinowski descreve a importância de se 'mergulhar dentro da vida dos nativos' (1922, 21), mas
também alerta que este mergulho pode ter seus perigos. O pesquisador precisa registrar os dados
antes que eles se tornem tão familiares que não serão mais percebidos, exatamente porque estes
dados já estão garantidos pelo sujeito observado. A possibilidade de participar de algum trabalho ou
de alguma atividade no ambiente da pesquisa, pode dar ao pesquisador a oportunidade para coletar 9 Brit. Expressão idiomática. drag queen, que significa um homem vestindo roupas femininas e agindo como uma
mulher.
33
novos dados sobre o real significado daquelas atividades, mas, também pode causar um
distanciamento da credibilidade do pesquisador. Ao se observar situações próximas é preciso estar
atento ao perigo do envolvimento com o observado, como os antropólogos dizem, cuidado para não
'virar um nativo', também.
Isto significa que o pesquisador adquiriu tal familiaridade com o pessoal observado que a
visão deles do mundo se torna a visão do pesquisador, de tal maneira que o fato fica invísivel e não
é coletado. Um risco, sem dúvida, principalmente quando pesquisador e o pesquisado têm muito em
comum. Durante a pesquisa sobre a produção de notícias da maior rede de tevê americana, realizado
nos anos 70, o sociólogo Herbert Gans demonstrou preocupação com os pontos de vista políticos,
de esquerda, dos jornalistas pesquisados. Ele tentou, seriamente, evitar discutir estes pontos de
vistas políticos, mas no final acabou decidindo, que esta diferença era na verdade uma vantagem. 'É
mais difícil fazer uma pesquisa em um ambiente onde as pessoas têm o mesmo ponto de vista
político, ou mesmo gosto cultural (que o pesquisador), porque há o risco de tomar estas definições
como válidas e garantidas' (GANS, 1979, 77).
No texto abaixo, o pesquisador Philip Elliott reflete sobre as dificuldades que surgiram
durante a realização da pesquisa sobre a produção de comercial de tevê, sobre as séries da BBC, na
qual os profissionais envolvidos tinham o mesmo perfil que ele, com o mesmo tipo de educação,
formação e dividiam pontos de vista social e político parecidos.
Relato de Caso II
O pesquisador e o pesquisado nesta pesquisa pertencem ao mesmo social nível
(ainda que em diferentes estágios de suas carreiras individuais) como
evidenciado, por exemplo, pelo fato de que três membros da equipe de produção
e o pesquisador estudaram na Universidade de Oxford (Reino Unido). Não há
problema inicial da distância sócio-cultural tal como se encontra, por exemplo,
um antropólogo social que pesquisa uma sociedade tribal, ou um sociólogo que
pesquisa uma comunidade em uma favela. Isto evidencia a necessidade de um
longo período de ajustamento para sensibilizar o pesquisador para uma nova
forma de vida. As culturas organizacional e ocupacional as quais foram objeto
de estudo pertenciam todas aos mesmo sistema sócio-cultural ao qual tanto
pesquisado como pesquisador pertencem. Isto tem sido debatido e definiu-se que
a distância é necessária para manter claro os objetivos da pesquisa. A distância
realmente pode favorecer a objetividade, mas não garante que o pesquisador
tenha compreendido, completamente, as dinâmicas de uma determinada
experiência social. A distância também pode ajudar em um último estágio na
34
elaboração de amplas generalizações, mas isto parece mais ser um argumento
para uma aproximação (acabar com a distância nas pesquisas), do que para
manter a distância.
Não obstante, há inúmeros problemas em se posicionar dentro de um
ambiente de produção de tevê. Com tão poucas pessoas envolvidas no centro da
equipe de produção, a impressão que dava é que seria muito temeroso a entrada
do pesquisador, porque poderia alterar drasticamente, a situação da pesquisa. Por
esta razão eu adotei o papel que Strauss e seus colegas identificaram como
'observador passivo com mínima interação'. Os papéis dos observadores podem
variar de acordo com o tipo de participação, e a situação em que eles estão
envolvidos. Cada um deles têm suas vantagens e desvantagens.
Uma das desvantagens do observador passivo é que leva algum tempo
para ele ser aceito pelo grupo. Mas, uma vez aceito o pesquisador tem uma base
segura a partir da qual ele pode ampliar o número e o escopo de suas interações.
Obter a aceitação, entretanto, envolve dificuldades pessoais tanto para o
pesquisador, quanto para o grupo pesquisado. Neste caso, pouco disposto a
acreditar na minha memória eu tomei notas, constantemente, enquanto o time de
produção estava trabalhando. Fato que deixou alguns preocupados, porque não
sabiam o que eu estava escrevendo, e acharam suspeito eu ficar tomando notas
sobre o trabalho deles. Apesar deste pequeno problema ficar anotando foi
importante para mim, porque eu tinha alguma coisa para fazer. Há problemas em
se justificar o papel de um observador por ele mesmo, especialmente num
ambiente ocupacional como um estúdio de tevê que dá muita enfâse na projeção
do carisma pessoal. Eu não consegui me envolver muito com o grupo
principalmente, durante o período em que estava escrevendo o projeto da
pesquisa, fazendo o planejamento inicial, e separando os estágios do
cronograma. Eu tentei evitar este constrangimento inicialmente adotando uma
tática de primeiro, não falar nada, depois somente responder, e finalmente falar o
mínimo possível, com consistência e sem parecer rude ou completamente vago.
Novamente, entretanto, não é nenhuma surpresa, encontrei algumas pessoas
suspeitas da minha aparentemente silenciosa presença (ainda que eu usasse
algumas palavras para tentar explicar o que eu estava fazendo ali). Aceitação, na
verdade, é somente uma questão de tempo, mas devo dizer que compartilhar
experiências comuns me ajudou muito.
Uma vez dentro do ambiente, devidamente instalado e aceito, aí é que
começam os problemas práticos. Como saber o que estava acontecendo, como
35
decidir qual acontecimento eu deveria seguir, como decidir qual o registro
anotar, quando começar, como gerenciar minha própria interação dentro do
ambiente pesquisado se tornou um problema tão absorvente que a teoria inicial
da pesquisa pareceu ter pouca relevância. Então veio o estágio, conhecido na
literatura como 'familiarizado', na qual eu comecei a reconhecer as definições e
ações tão claramente que era duro imaginar como é que um dia elas poderiam
ser diferentes? Quando este processo apareceu a coleta de dados começou a
tomar uma forma baseada no sentido descritivo. O rascunho inicial da pesquisa
tinha mais de 200 mil palavras, e foi parte crucial deste processo de análise. Eu
sentia que tinha colocado o máximo possível no papel, tanto para justificar os
dados coletados para os pesquisados, quanto para mim, até porque não dava para
eu ficar longe de mim mesmo, enquanto a análise parcial estava sendo
elaborada, foi um momento em que tudo parecia interconectado na minha
mente. É importante manter o foco no processo da forma, de como as coias
devem ser feitas durante o desenrolar da pesquisa, desde o rascunho inicial, a
formulação de ideias e a checagem delas com os dados coletados. A segunda e a
terceira versões do texto tornaram-se progressivamente, menos descritivas,
fiquei mais afiado em cima da análise e consegui cortar os excessos no
comprimento. É preciso estar muito consciente dos perigos gêmeos, um que é o
de deixar a análise tomar conta do dado coletado, e o outro que é o de não
explicar de uma maneira clara e completa a evidência encontrada. Um
importante teste para analisar a participação do observador de dados parece para
mim que não é simplesmente saber para quanto outros casos a proposição pode
ser considerada verdadeira - uma questão que não pode ser respondida dentro
dos termos do método; mas quão plausível é a postulação quanto à relação entre
verdade, comportamento e situação à luz das possíveis alternativas expostas?
(ELLIOT, 1971, 171-2)
Uma dificuldade prática é aquela que surge durante a participação e acaba interferindo, ou
até impedindo a coleta de dados e observar os fatos pesquisados. A participação observativa pode
também, algumas vezes, ser muito engraçada, se for o caso da pesquisa acontecer em ambientes
mundanos ou glamurosos. É preciso ter equilíbrio mental para poder lembrar das necessidades
práticas de registrar as anotações sobre os fatos observados, enquanto ao mesmo tempo segue-se
interagindo, positivamente, com o grupo de pessoas que está sendo observado, respondendo as
perguntas, ou ajudando, ou até mesmo tomando parte nos eventos observados.
36
Observação que dificulta a Participação
A participação é um meio para se chegar ao fim. Se participar das atividades que estão sendo
observadas ajuda a ter acesso a estas atividades, ou promove um profundo e mais completo
entendimento delas, então é uma ferramenta de pesquisa. Mas, se o objetivo primário é observar,
pode ser que isto previna ou impeça a participação requerida, que poderia ampliar o acesso do
observador. Imagine alguém parado no canto da mesa de trabalho de alguém fazendo perguntas
esquisitas e perturbadoras sobre o que é que ele está fazendo, ou simplesmente alguém que passa o
dia rondando em volta da mesa dos outros, pode ser bastante desorientador para o local de trabalho
ou casa de uma pessoa, apesar de inicialmente, a pessoa ter concordado com a pesquisa.
Igualmente, a rotina de negócios da organização a ser observada pode dificultar a
participação do observador no ambiente da pesquisa. Vamos supor que você decidiu que vai
pesquisar durante determinados períodos os vários departamentos de uma agência de propaganda,
pode ser que naquele exato momento em que você acabar de se estabelecer em uma seção perceba
que precisa transferir sua atenção para outro lugar, mais importante para a coleta de dados da
pesquisa. Não somente você vai precisar estabelecer novas relações, como também, você poderá
gerar suspeitas, principalmente se forem departamentos rivais, podem pensar que você está
passando informações de um para outro, ainda mais num ambiente em que as confidências precisam
ser mantidas em segredo.
O balanço entre observação e participação é um assunto de fino julgamento, e nenhum livro
poderá oferecer 'regras de engajamento', que ajudem a definir como é que este equilíbrio pode ser
adquirido. Tudo dependerá do ambiente da pesquisa, da interação nas relações, bem como dos
procedimentos da pesquisa. É muito importante assegurar que o projeto da pesquisa está firme no
lugar e que você está seguindo o cronograma para a coleta dos dados daquilo que você está tentando
descobrir, e quais são as necessidades para concluir e validar suas proposições finais. Dependendo
das etapas de sua pesquisa você definirá o tipo de comprometimento e a necessidade de sua
participação para facilitar a observação, e vice-versa.
Não importa o quê você conhece, mas quem você conhece: o avalista e a representatividade
Pesquisas observacionais não são escrutínios; ou pelo menos elas não têm a intenção de ser. Por esta
razão elas não podem ser designadas para assegurar que você recolha dados de uma parcela
representativa de pessoas num determinado ambiente ou organização que você está pesquisando.
Todavia, é preciso saber que o ambiente da pesquisa, onde acontecem as observações pode propiciar
37
muitas generalizações. Isto provoca dois tipos de problemas. O primeiro, é o problema da
autorização para a entrada no local da pesquisa, papel do 'avalista', pessoa que vai ficar responsável
por você, e que vai autorizar o 'guia' a permitir sua entrada no ambiente. O segundo, é mais geral, é
o problema da representatividade: assegurar que o dado coletado não esteja enviesado, por estar
sendo desenhado por uma fração sem representatividade da população que você está pesquisando.
Estes dois problemas podem ser vistos como uma fundamental desvantagem da pesquisa
observacional.
Muitos pesquisas observacionais no conjunto natural requerem permissão e algum grau de
controle das pessoas que estão sendo observadas. Muitas vezes, um membro chave do grupo que
está sendo observado fica responsável pelo observador, ou talvez, certamente, para garantia deles,
assegurar aos colegas que o pesquisador é uma pessoa legal, não irá incomodar, ou fazer qualquer
atividade inaceitável. Isto, obviamente, demanda um débito recíproco para o observador, porque
você pode acabar gastando muito tempo, desnecessariamente, com o 'avalista da sua pesquisa', ou
simplesmente, ter que ver o ambiente a ser observado através dos olhos dessa pessoa, com alguns
tipos de caminhos obscuros.
Por esta e outras razões, alguns dados coletados em pesquisa de observação podem ser
considerados 'sem representação'. O que significa dizer, que a pessoa que testemunhou e os eventos
que você observou, estavam firmemente controlados, que eles deveriam estar numa pesquisa ou
estudo experimental. Depois de passar um longo tempo com os cinegrafistas você pode chegar a
uma conclusão empírica sobre o documentário que você está pesquisando, mas ao conversar com o
diretor (uma pessoa com poucos conhecimentos), descobre que para ele o documentário deveria ter
recebido inúmeros prêmios. Possivelmente, a redistribuição de seus esforços observacionais teriam
provocado uma conclusão diferente.
Está claro que tais críticas provocam dúvidas sobre o grau de 'representatividade' que pode
ser proporcionado por outras metodologias, mas, as dificuldades peculiares associadas à observação
são suficientemente reais, e por isso mesmo, devem constar do projeto e no planejamento da
pesquisa observacional.
Impacto: O efeito da observação
Um dos mais clássicos estudos observacionais feitos pela sociologia industrial foi a pesquisa sobre
os empregados da Companhia Elétrica Hawthorne de Chicago, nos Estados Unidos (Roethlisberger
& Dickson, 1939). Eles examinaram os efeitos da produtividade sob diferentes graus de iluminação
38
do espaço de trabalho. Os resultados obtidos deixou os pesquisadores bastante intrigados e
confusos, pois não havia uma relação direta entre a melhoria da iluminação e o insignificante
aumento na produtividade. No final, eles concluiram que a atenção dispensada aos trabalhadores,
por causa da pesquisa, tinha causado um efeito colateral, ou seja, a melhoria nas relações humanas
entre os funcionários pesquisados, provocou um aumento da produtividade. Desde então, o 'Efeito
Hawthorne' é utilizado para descrever as consequências não intencionais da pesquisa observacional
na mudança de comportamento do observado.
Esta desvantagem somente acontece onde o observador é percebido, claro. No ambiente
onde o observador pode 'ficar separado no fundo do cenário' a observação não é um problema. Isto
não acontece ao pesquisar o público que frequenta o cinema, por exemplo, porque você não tem
como passar um comportamento diferente da maioria que está lá. Entretanto, a pesquisa
observacional em ambientes como um escritório pequeno, ou em uma casa, fica difícil para o
observador desaparecer, e o perigo de ocorrer distorção no dado coletado pode ser significante.
Há dois possíveis caminhos para lidar com este problema. Você pode tentar reduzir o efeito
da sua presença ou você pode calibrar o efeito causado dentro da sua análise. Um caminho para se
tentar minimizar o efeito da presença do observador é prolongar o período da observação, para que
as pessoas observadas se familiarizem com o pesquisador, e passam a aceitar a pessoa sem
questionar. Algumas pesquisas levam muitos meses, ou anos, para serem completadas. Ambos
Argyris e Gans, nos estudos mencionados previamente, gastaram muitos meses nos locais que eles
pesquisaram. Entretanto, isto é um luxo que nem sempre é possível. Um outro caminho para reduzir
o efeito é simplesmente, trabalhar duro para ser o mais discreto possível. Não é muito fácil num
pequeno espaço, a sala de uma casa de família, por exemplo, mas com um pouco de sensibilidade e
adaptabilidade pode-se tentar reduzir a mais óbvia lembrança da pessoa sendo estudada, de que ela
está sob a mira de um microscópio. Puxar seu bloco de anotações ao primeiro sinal de um diálogo
significante, ou ficar incessantemente questionando um criativo diretor de propaganda sobre os
motivos que o levaram a tomar esta ou aquela decisão, são atitudes que certamente não vão ajudá-lo
a coletar bons dados.
O segundo mecanismo é aceitar que o efeito colateral gerado pela presença do observador é
inevitavel, mas lembre-se de colocar isto dentro do seu projeto de pesquisa. Por exemplo, as pessoas
podem tentar responder a presença do observador como se estivessem 'atuando para uma platéia',
mas o que elas escolhem atuar, quais os aspectos do trabalho e do jogo delas, elas acreditam que
vale a pena fazer esta auto-promoção? Se sua presença é um limite para ter um impacto, talvez isto
pode ser utilizado como uma ferramenta da pesquisa. Não é incomum pesquisadores serem
39
extraídos da observação para participar do ambiente pesquisado por causa do papel profissional que
exercem ou pela expertise que possuem. Durante uma pesquisa sobre uma redação um pesquisador
foi chamado pelos jornalistas pouco experientes, que estavam sendo observados, para ajudá-los a
redigir as notícias, porque eles estavam atrasados. Transformar aquele momento de fraqueza dos
observados em um recurso flexível da pesquisa permitiu que o observador usasse a oportunidade
para produzir deliberadamente diferentes aproximações e conhecer as respostas que elas
provocaram, obtendo assim, um bom dado sobre as atitudes dos jornalistas e suas expectativas.
O que você vê, é o que você obtém: os limites do imediatismo
Uma das presumidas vantagens da observação é o acesso imediato ao processo social. A
desvantagem consequente, entretanto, é que o observador somente vê o que está na frente do seu
nariz. Ele não pode ver, nem estar em muitos lugares ao mesmo tempo, e também não tem controle
sobre a possibilidade de testemunhar ocorrências atípicas.
Um caminho para lidar com este problema é contar com um grupo de observadores. É o que
Lang & Lang chamam de 'observação múltipla', e tem sido usado com bons resultados em vários
estudos clássicos. É uma prática útil quando pode-se contar com um grupo, bem motivado,
cooperativo e obediente, um corpo de colaboradores, como por exemplo, a equipe formada por
estudantes graduados organizada pelos Langs. O grupo realizou em Chicago (EUA), em 1951, uma
pesquisa observacional sobre o comportamento do público durante a recepção do General Douglas
MacArthur, que voltava para casa como um herói da guerra da Coréia. Os Langs colocaram trinta e
um observadores espalhados ao longo do caminho da parada, registrando todos os detalhes, os
movimentos, as falas no meio da multidão e seus comportamentos. O contraste entre o excitamento
e aclamação evidente na cobertura feita pela mídia presente no evento, e a relativamente silenciosa
manifestação ocorrida 'no meio da multidão' provocou grandes insights sobre a 'inconsciente
parcialidade' e o papel das 'hipotéticas estruturas' na elaboração das notícias (LANG & LANG,
1953).
O método utilizado pelos Langs constrasta com o famoso método 'observador de massas'
que foi utilizado em pesquisas durante os anos 30 e mais tarde, no Reino Unido, por Madge &
Harrison (CALDER & SHERIDAN, 1984). Foram contratados observadores voluntários que
mantiveram quase antropológicos blocos de anotações, com a vida diária dos trabalhadores
britânicos, elaborando um inestimável arquivo de materiais descritivos. Mas, apesar do pioneirismo
destes estudos, e da importante conteúdo das descrições originais, o trabalho é criticado porque
40
ficou só na análise. Já o trabalho desenvolvido pelos Langs forneceu aos observadores fichas com
categorias pré-determinadas para que eles pudessem checar as observações que estavam fazendo.
Eles chamam esta prática de 'enumeração'.
Você é perceptivo? Quanto?
Um último problema da observação é a dependência na perspicácia individual do pesquisador. Uma
pesquisa ou análise de conteúdo dos códigos dos enlatados, em princípio, pode ser conduzida por
um pesquisador treinado e com as devidas instruções preparadas por um designer pesquisador.
Certamente, isto será visto como validação do 'instrumento de pesquisa', pois o fato da mudança de
pesquisador não modifica a pesquisa. Não há muito uso de questionários em pesquisas de
observação, pois pode ocorrer que o entrevistador diga ao entrevistado 'Não, eu realmente queria
saber era ...' A observação, por outro lado, requer inúmeras habilidades pessoais desde tato,
flexibilidade, boa memória, e intuição para conseguir ser eficiente. Será que isto significa que
somente algumas pessoas altamente qualificadas e pessoalmente excepcionais poderiam realizar as
pesquisas observacionais?
Bem, sim e não. Sem dúvida, um bom nivel de habilidades interpessoais é valioso para o
pesquisador observacional. Mas, isto pode induzir ao erro de se assumir de que é preciso ser único
para conseguir fazer este tipo de pesquisa. Nenhum método de pesquisa é a prova de idiotas, que
não possa ser mecanicamente implementado por macacos através de um teclado, se bem que muitos
estudos publicados sugerem outra coisa. Igualmente, e provavelmente o item mais importante da
pesquisa observacional é que ela requer a mesma atenção para os detalhes e muito rigor durante o
planejamento e execução, como nenhum outro método. É claro que isto não torna um método a
prova de idiotas, mas transfere a garantia da confiança do pessoal para o metodológico. Também é
importante reconhecer o papel do insigth e do pensamento criativo, que na observação é
aparentemente mais rigoroso. Toda pesquisa envolve capacidades, e nós podemos não ser cegos e
achar que as capacidades são necessárias, única e exclusivamente, na pesquisa observacional.
Realizando Estudos Observacionais
Agora vamos voltar às praticalidades na condução dos estudos observacionais. Como em tantos
outros métodos, não há regras que possam podem ser seguidas sem pensar. As pesquisas
observacionais precisam ser cuidadosamente conduzidas para refletir o rigor e a estrutura que
requerem. Estes estudos não envolvem somente a 'circulação pelo local da pesquisa' esperando que
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as luzes se acendam para iluminar a cabeça do pesquisador. É preciso reconhecer os vários estágios
no processo de observação:
Estágio 1: Entrada
Estágio 2: Avalista/Guia
Estágio 3: Planejamento
Estágio 4: Coleta de Dados
Estágio 5: Análise de Dados
Estágio 1: Entrada
A primeira tarefa ao iniciar uma pesquisa observacional é assegurar o acesso para o local, as
situações e as pessoas que você precisa observar. Muitas vezes esta é a parte do processo da
pesquisa que pode se tornar mais difícil e demorada. É uma parte importante, porque o sucesso do
processo se fixa num bom planejamento. Essencialmente, há dois tipos de locais de pesquisa: aberto
e fechado. Um local fechado é que tem um acesso condicional. Como por exemplo, o lar, a casa das
pessoas são locais fechados. Se você quiser fazer uma observação sobre as respostas das crianças
para as propaganda, dentro de um ambiente doméstico você não pode convidar a si próprio para
passar uma tarde nos lares de uma dúzia de famílias. As empresas midiáticas também são fechadas,
pelo menos, na base principal da organização. Você pode, talvez, colocar uma câmera no local,
embora raramente, com facilidade, ou em quartos próximos. Você não pode ficar zanzando no meio
de um estúdio de tevê e ficar parado em algum canto achando que vai ficar despercebido. Hoje em
dia, não se consegue nem passar da iluminada e tecnológicamente aparelhada portaria de uma
emissora de televisão.
Locais abertos são públicos. A sala de leitura na biblioteca, uma loja de livros, antessala do cinema,
loja de vídeo, são exemplos de locações abertas. Observe, entretanto, como há poucos locais assim.
Paradoxalmente, devido seu caráter público, tanto a produção como o consumo da mídia são, em
grande parte, atividades privadas e o consumo cultural vem se tornando, cada vez mais, uma
questão doméstica. Justamente por isso, a maioria das locações para pesquisas observacionais são
fechadas. E algumas estão condicionalmente, abertas. Por exemplo, o cinema ou a boate estão, em
42
princípio, abertos ao público, desde que a pessoa pague a entrada, ainda que os observadores podem
ter problemas para tentar passar despercebidos no meio de um grupo de jovens dançando na pista.
A segunda diferenciação que nós precisamos fazer é sobre o tipo de atitude a ser adotada
pelo observador que pode ser aberta ou secreta. Se você deseja observar abertamente, você deve se
assegurar que o observado esteja ciente de sua pesquisa para que você entre no local como um
pesquisador. Por outro lado, se você quer observar secretamente, sua atividade como pesquisador
não será exposta e a real razão de sua presença naquele local não será revelada. Novamente há um
ponto no meio do caminho: você pode permitir que sua proposta seja conhecida por algumas
pessoas no local observado, que concordam em colaborar com você para manter o fato em segredo.
Você também, pode deixar as pessoas cientes da pesquisa que você está fazendo, mas não revelar
qual o objeto de sua investigação. Esta técnica é bastante comum na pesquisa experimental e
também, pode ser usada no estudo observacional, como uma forma de obter permissão para entrar
no local da pesquisa, sem provocar mudança no comportamento.
Estas duas definições sobre a atuação do observador: aberta e secreta, permitem a
elaboração de um quadro esquemático que fornece quatro possibilidades de locais para pesquisa
(Figura 1).
LOCAIS DA PESQUISA
Aberto Fechado
Local PúblicoEntrada NegociadaAcesso Condicional
Ética na Coleta e naUtilização dos Dados
Pesquisa ÉticaRiscos
Pesquisa aberta em local aberto, nenhum problema para entrar. São locais relativamente, pouco
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Pesquisa
aberta
secreta
utilizados nas pesquisas. A intenção de pesquisa nesses locais é anunciada para um público
indiferente. Pesquisa aberta em local fechado, este tipo de pesquisa é provavelmente o mais
comum, e certamente, é o preferido dos estudantes. O sucesso desta observação está na forma como
foi negociada a entrada no local da pesquisa. Se você planeja conduzir a pesquisa no jornal local,
por exemplo, ou em escolas, você precisa contactar a principal autoridade e explicar claramente, o
objetivo de sua pesquisa, que tipo de acesso você necessita, e qual distúrbio sua pesquisa pode
causar. Assegure-se de estar com o suporte e a autorização necessários, por exemplo, de um
determinado departamento, se você é estudante, ou se faz parte de uma fundação, ou se está
conduzindo uma pesquisa custeada por uma instituição. Qualquer risco de rejeição, obstáculo, ou
condições adversas, que surgirem neste estágio, são menos sérios do que as dificuldades que
poderão surgir se o verdadeiro objetivo de sua pesquisa e as autorizações que ela requer para ser
executada, se tornarem conhecidos e esclarecidos somente depois que a pesquisa já estiver em
andamento.
Negociar a entrada é muitas vezes uma questão de oportunidade, de ter um bom contacto, ou
conhecer a pessoa certa.
Meu orientador de tese na LSE10, sabendo do meu interesse pela mídia, mencionou
que o marido de uma de suas colegas tinha trabalhado como locutor na BBC. Esta
pessoa gentilmente, resolveu a questão do meu acesso na editoria de notícias da
rádio (SCHLESINGER, 1980, 343).
É verdade que nem todo mundo tem orientadores bem-relacionados ou parentes bem-colocados
profissionalmente, mas devemos considerar todas as possibilidades de contactos antes de começar
uma pesquisa. No caso das pesquisas sobre consumo, o problema de acesso não é o portão fechado
e guardado das instituições da elite, mas sim, a privacidade do ambiente doméstico. Negociar a
entrada requer uma honesta e aberta exposição sobre os objetivos da pesquisa, para que sua
10 LSE London School of Economics and Political Science. Lond, Reino Unido.
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investigação não seja apenas ética, mas estratégicamente, produtiva.
Uma entrada secreta para o local da pesquisa apresenta inúmeras questões éticas, às quais
nós devemos prestar atenção. Pesquisa secreta em local aberto, é bastante comum nos estudos
sociais, e muitas vezes, não é necessário apresentar uma solicitação para fazer a pesquisa. Muitos
sociólogos urbanos qualitativos, utilizam o método de 'circular pelo local da pesquisa', em locais
públicos, atitude que pode levantar suspeitas por parte da polícia, por não compreender muito bem a
vantagem metodológica de se 'espreitar pessoas'; mas, não é ilegal.11 Talvez este seja um dos
motivos porque este método é pouco usado nas pesquisa de comunicações. Aprende-se muito ao
observar o comportamento das pessoas em locais abertos, por exemplo, filas do cinema, bibliotecas,
livrarias, locadoras (apesar de que neste caso, é preciso autorização do dono do estabelecimento),
bancas de jornais. Pesquisa secreta em local fechado requer, quase por definição, um bom
estratagema, sem mencionar o perigo de ocorrerem falhas, as quais não poderão ser perdoadas.
Apesar da necessidade, em determinadas situações, de se buscar formas heróicas para conseguir
coletar os dados, estes métodos não são apropriados para as pesquisas sérias.
Estágio 2: Avalista/Guia
Uma vez definido e acertado o local da pesquisa, para começar a coleta de dados 'no ambiente' você
vai precisar de uma permissão para entrar. O guia (autoriza sua entrada) e o avalista (responsável
pela sua permanência) são pessoas muito importantes no que se refere à liberdade de ação e forma
como os dados serão coletados no local da pesquisa.
O paradoxo é que o avalista é, provavelmente, necessário, mas, pode ser prejudicial, ou
interferir no seu processo de pesquisa. Por exemplo, você pode estar pesquisando uma estação de
rádio local, e graças ao seu tato ou exposição de motivos da pesquisa, conseguiu obter autorização
do gerente da rádio para fazer a investigação. Mas, a equipe pode pensar que você é um espião do
11
45
gerente, ou que está ali fazendo alguma coisa especial para ele, enfim, dependendo de quanto eles
conhecem você o que eles dizem pode variar muito, eles podem inclusive pensar que você tem um
acesso especial com o gerente, que eles não têm. Não existe uma solução para lidar com este
problema, e nem uma regra específica para o assunto. É uma dificuldade a ser negociada, e assim
você vai em frente. Um bom planejamento indicará onde os problemas podem surgir, e a
sensibilidade e o bom senso guiarão você através da maioria das situações.
A segunda dificuldade aparece a partir da relação que você estabeleceu com a pessoa que
autorizou sua entrada no local da pesquisa. O guia ou o avalista pode querer obter status através de
uma associação com o pesquisador visitante, ou pode, implicitamente, insistir em querer saber sobre
a pesquisa, pedir avaliação, ou algum tipo de assistência. Antropólogos com especialização em
medicina são os que mais se deparam com esta dificuldade - difícil de recusar, mas mais difícil
ainda é deixar o local da pesquisa intocado. No ambiente doméstico o observador pode ser
solicitado para resolver um conflito, um papel difícil, assim como é a problemática metodológica.
É preciso manter uma certa distância tanto do avalista, quanto do guia, dentro das
possibilidades. O ideal é que o avalista seja contactado o mínimo possível, o suficiente para liberar
tanto sua entrada, como seu acesso ao local da pesquisa e aos materiais. A tentação para ter contacto
com alguém que conhecemos e que nos é familiar e amigo, muitas vezes é grande, mas no local da
pesquisa seu principal objetivo é a coleta de dados.
Estágio 3: Planejamento
A chave para uma boa pesquisa observacional é o planejamento rigoroso, mas flexível. Nenhum
estudo observacional é possivel sem um planejamento cuidadoso. Um bem arquitetado plano de
pesquisa evita que a flexibidade do processo se derive em confusão. É imperativo que você decida o
que deseja encontrar, qual a informação, quem deve falar, o que observar e quais perguntas fazer.
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Embora este esquema venha a se modificar durante o desenvolvimento da pesquisa, é preciso que
tudo esteja exposto claramente quando você começar, e manter uma revisão constante durante todo
o período da pesquisa. As perguntas devem estar baseadas nas questões teóricas que compõem o
cerne de sua pesquisa. Você não está simplesmente, indo ver 'o que é isso ali no x', mas vai tentar
responder uma série de questões surgidas durante a a leitura da bibliografia e o planejamento. Claro
que isto não significa que você precisa elaborar um documento empiricista cheio de fórmulas,
amarrado, completado com hipóteses, e uma lista de variáveis que podem ser medidas. Sua tarefa
no local da pesquisa é tentar extrair respostas para as questões teóricas da sua tese, e manter um
conjunto de objetivos perceptivos para uma boa coleta de dados.
Imagine que você conseguiu autorização do gerente de uma rádio local para fazer uma
pesquisa com os jornalistas para saber como eles escrevem as notícias sobre os crimes. Há uma
considerável literatura sobre notícias de crimes na mídia nacional (veja, por exemplo, Schlesinger &
Tumber, 1994), mas não há muitas pesquisas sobre a mídia local, e sua intenção é pesquisar se a
relação entre a polícia e os jornalistas numa rádio local é similar a da pesquisa feita por Schlesinger
& Tumber. Logo de início você descobre que a rádio não tem repórter especializado na cobertura de
crimes, isso significa que você vai ter que pesquisar o trabalho feito por vários jornalistas. Você
também vai ter que comparecer às reuniões de editoria. Como você conseguiu apenas uma semana
para ficar no prédio, então é essencial fazer um bom plano de orçamento de tempo. Participar
diariamente da reunião de planejamento de notícias. Dois dias serão gastos na redação, para ver a
edição, e observar o processo de decisão dentro da organização. Outros dois dias serão gastos numa
boa estória de crime, ou julgamento de um crime.
Tal planejamento precisa ser flexível. Exatamente por isso é que no exemplo acima há um
dia livre, para resolver os imprevistos que porventura surgirem. Um dos repórteres conversou com
você sobre um contacto informal que ele tem com a polícia local. Ele convidou você para um
almoço rápido na sexta, quando irá lhe apresentar o policial.
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Conserve uma lista cuidadosa de todas as questões que você elaborou para a pesquisa, e ao
longo delas escreva os tipos de dados que você precisa coletar. (Por exemplo, você pode querer
analisar qual o uso que eles fazem das notícias enviadas pelas agências. Assegure-se de anotar: o
que eles usam, o que eles pensam desta fonte, como eles usam o material das notícias enviadas
pelas agências.) Revise sua lista diariamente, para ver qual informação que pode ter sido ignorada
ou negligenciada, e rearranje sempre o plano para torná-lo cada vez melhor, através da inserção dos
dados faltantes.
Estágio 4: Coleta de dados
Há duas questões aqui: registro dos dados e organização dos dados coletados. O registro dos dados
é um problema prático. Em princípio, a regra deve ser 'anote tudo', mas na prática, isso pode ser
impossível. Tomar notas pode ser desagradável, e se transformar em um fator de inibição para o seu
comportamento natural. Por outro lado, em uma redação onde todos os jornalistas estão ocupados,
ou em outros locais parecidos, uma pessoa rabiscando em um bloco de anotações vai parecer uma
atitude normal, que não vai chamar tanto a atenção. Tente registrar as frases de um discurso
significante, se possível, por extenso. O relatório final vai ter mais veracidade e interesse, mas tais
'frases bem colocadas' vão dar um sentido mais acurado ao conteúdo, pois são dados que falam mais
do que qualquer sinopse que você elabore.
O cansaço é um problema previsível durante a observação. O trabalho da pesquisa só existe,
se existirem os dados coletados por você, aquilo que você escreveu. Escrever sobre o discurso ou os
fatos do evento que você observa é difícil, por isso é preciso ter um período de descanso do cenário
pesquisado. Você não vai ser o primeiro pesquisador cujo sumiço esporádico provoca curiosidade
sobre o estado de sua saúde intestinal - 'a bexiga dos pesquisadores' é um problema ocupacional
decorrente da pesquisa observacional! A alternativa pode ser gravar em fita cassete (apenas áudio),
ou fita de vídeo (áudio e vídeo) os eventos que estão sendo observados. Com o consentimento dos
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sujeitos envolvidos na pesquisa, além de se assegurar que a gravação não provoque inibição no
grupo observado. Numa redação, a gravação normalmente faz parte da rotina profissional pois
muitos jornalistas usam gravadores portáteis. Mas, na sala de estar de uma casa de família, o zunir
da fita cassete no gravador sobre a mesa, pode fazer com que as pessoas parem de falar e mudem o
comportamento natural. Claro, que familiaridade produz naturalidade, e com o tempo este problema
vai diminuir, especialmente se você puder dispor de um eficiente, inaudível e discreto equipamento
eletrônico. Apesar das aparentes vantagens da gravação em fita cassete, a análise subsequente pode
tomar muito mais tempo do que as anotações, e nenhum gravador de áudio por mais sofisticado que
seja, consegue ter o olhar perspicaz do pesquisador para a linguagem corporal, ou sensibilidade para
anotar com destaque uma fala significante para a pesquisa, na verdade os dados gravados ficam
muito confusos, e as conversas ficam com as informações dispersas em camadas. Além disso, por
confiar na gravação o pesquisador pode diminuir o grau de atenção, acreditando erroneamente, que
todos os dados estão salvos e seguros para mais tarde digeri-los com prazer. Muitos pesquisadores
têm vivido para maldizer esta expectativa!
Você precisa estar atento para estas dificuldades práticas que compõem o conjunto de
preocupações e a inevitável reticiência que os pesquisadores podem ter que enfrentar. O relato de
caso abaixo o pesquisador Ericson destaca as práticas utilizadas para pesquisar o jornalismo
canadense.
Relato de Caso III
Local da Pesquisa (técnicas e processos)
A pesquisa etnográfico sobre as corporações das comunicações foi realizada
entre 1982 e 1983. Envolveu mais de duzentos pesquisadores, que trabalharam
diariamente, nos locais da pesquisa, totalizando cerca de duas mil e quinhentas
horas, incluindo-se a preparação das anotações. Nós gastamos cento e um dias
com os jornalistas do Globe12, de um total de nove meses, e oitenta e seis dias
com os jornalistas do CBLT13, de um total de mais de sete meses. Também foram
12 The Globe and Mail Journal, Toronto, Canadá.13 CBLT Canadian Broadcasting Corporation Ltd., Ontário, Canadá.
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gastos muitos dias adicionais com repórteres de rádio, tevê, jornais e outras
organizações de notícias, observando as atividades desenvolvidas por eles, além
de inúmeras entrevistas com pessoas em vários níveis. Todos os três autores
realizaram pesquisas em ambas corporações: Globe e CBLT, bem como com os
repórteres. Este esquema disponibilizou três diferentes perspectivas para cada
local pesquisado. A força individual de cada pesquisador pode ser utilizada para
obter informações e insigths dos jornalistas pesquisados, quando eventualmente
os outros dois pesquisadores não tinham conseguido recolher. Além de permitir
uma ampla checagem de dados entre os três pesquisadores, uns dos outros.
As anotações dos locais pesquisados foram compiladas, diariamente, e
de forma bem detalhada. Mais de duas mil páginas de anotações foram
indexadas, criando-se tópicos para uma análise qualitativa. O dado pertinente
para a atribuição de estórias foi sistematizado e quantificado. Também foram
arquivadas para consultas futuras, se necessário, cópias de memorandos internos,
rascunhos, reportagens dos jornalistas que estavam sendo observados,
prospectos, esquemas em elaboração, roteiros de telejornais, releases,
documentos, relatórios oficiais, ou qualquer outro mateiral em conexão com a
estória que estava sendo estudada, anotações dos jornalistas, arquivos das
pesquisas, cópias de jornais publicados com as estórias estudadas e videotapes
de estórias estudadas que foram transmitidas pela tevê.
[...] Sem querer transformar em um balanço total do processo cultural e
social pelo qual nossa pesquisa foi produzida, é instrutivo conhecer estes
números para considerar algumas armadilhas que enfrentamos e os ganhos
significantes que experimentamos durante o processo de pesquisa. Geertz (1983,
56) traz uma explicação através de uma referência a Malinowski14:
O mito do pesquisador camaleão, perfeitamente afinado com seu entorno exótico, um
milagre ambulante de empatia, tato, paciência e cosmopolitismo, foi demolido pelo
homem que talvez tenha mais feito para criá-lo (MALINOWSKI, 1989, 101).
É difícil para o pesquisador se ligar no que o sujeito observado está fazendo,
sentir qual é a proposição dele, ter cuidado para não ofender, esperar até
conseguir apreciar melhor a estória, atualizar-se com a miríade da vida dos
indivíduos dentro da organização, da maneira como eles são normalmente. Foi
instrutivo abrir alguns dos problemas gerais da pesquisa para conhecimento dos
jornalistas pesquisados: o que eles faziam para limitar a pesquisa, para controlar,
negar acesso, o uso instrumental dos pesquisadores por eles, os confinamentos
14 MALINOWSKI, Bronislaw. Um diário no sentido estrito do termo. RJ: Record, 1989.
50
práticos que nós enfrentamos, a própria limitação auto-imposta, e finalmente a
cooperação conquistada.
Os jornalistas pesquisados também expressaram as preocupações para
nós sobre nossa interferência com o processo de trabalho deles. Alguns
repórteres reclamaram que a nossa presença deixou-os sem condições de
trabalhar normalmente. Era difícil para o jornalista ficar parando a toda hora
para dar detalhes sobre uma entrevista telefônica, e algumas vezes nós
chegavamos quando a reportagem já estava pronta. Muitos jornalistas
reclamaram da necessidade de ficar repetidamente justificando a decisão que
tinham tomado, soava disruptivo para o processo de pensamento. Muitos
afirmaram que nossa presença interferia com a fonte entrevistada, ou na relação
que eles mantinham com as fontes, e nós algumas vezes fomos excluídos destes
locais da pesquisa. [...]
Alguns jornalistas também expressaram preocupações sobre a utilização
do material coletado nas redações. Queriam garantia extra de que seria mantido
o caráter confidencial, e alguns pediram para não serem identificados nos
relatórios de pesquisa. Houve uma preocupação de que alguns hábitos de
trabalho pudessem ser comunicados para a gerência, gerando um efeito
controlador, que poderia vir a ser instituído. As práticas profissionais executadas
pelos observadas, não deveriam ser questionáveis, nem como eles gastavam o
tempo deles para executar as tarefas diárias. Em três ocasiões a sensibilidade dos
repórteres atingiu o pico do limite, e eles pegaram as anotações dos
pesquisadores para ler e se certificar sobre o que havia sido escrito a respeito
deles.
A pesquisa também foi afetada devido algumas restrições de tempo e
espaço. Se havia necessidade (motivos pessoais) do pesquisador se ausentar,
depois ele só poderia escolher entre uma estória ou uma atividade de pesquisa.
Era quase impossível seguir tudo o que estava sendo feito, porque algumas
reportagens envolviam muitos repórteres, cobrindo diferentes ângulos e
conduzindo entrevistas com fontes pertinentes a um ângulo específico da estória.
Era difícil escutar e entender a conversa entre repórteres e fontes, por exemplo,
quando cenas abertas estavam sendo gravadas para o telejornal. Alguns
jornalistas tinham dificuldade de se lembrar das promessas de ajuda que faziam
para colaborar com o objetivo da pesquisa, porque a rotina profissional estava
profundamente memorizada. Por exemplo, nós pedimos para o editor que
recebia os releases das agências para guardar uma cópia das notícias que tinham
51
sido utilizadas, mas às vezes ele se esquecia e ia tudo para o lixo.
Tanto o grau, como a natureza da cooperação podem variar muito entre
os jornalistas, o que nós percebemos é que se pode confiar realmente na
cooperação de jornalistas que sejam nomeados como informantes-chaves. Nós
temos inúmeros informantes em importantes posições nas empresas de
comunicação em vários níveis, que providenciam uma extensa série de dados,
conforme nossa necessidade. Com o tempo, alguns jornalistas passaram a
apreciar o conhecimento que nós adquirimos sobre a empresa, que em muitos
casos eles próprios não possuiam, e sinalizaram com uma aceitação tanto da
parte deles como de seus pares, em diferentes níveis da organização (ERICSON
et al., 1987, 86-90).
O que fazer então com todos os 'dados' coletados? A organização do material é crucial para o
sucesso da pesquisa observacional e deve ser um processo contínuo. Muitos pesquisadores gostam
de conservar um diário do local da pesquisa, uma prática baseada na pesquisa antropológica
tradicional. Anotações esparsas, pensamentos que lhe ocorreram, incidentes significantes, suas
próprias respostas para a experiência do local da pesquisa, tudo isso 'vale a pena registrar' para
considerações posteriores. Outra técnica que alguns consideram interessante é reordenar as
anotações à medida em que elas vão aparecendo, talvez numa base diária. Um bom sistema é
repassar as anotações para uma ficha, usando um cartão de indexação de tamanho grande. Estes
podem ser divididos em, por assim dizer, três categorias, uma para pessoas, uma para locais, e outra
para tópicos. Durante a pesquisa que nós fizemos na redação foi possível fazer anotações
rapidamente, dividindo o que era sobre prática, frases e atividades dos indivíduos. Os cartões com
tópicos cria um padrão de desenvolvimento da pesquisa, e torna claro o objetivo. Assim, 'Polícia
Contactos' pode ser o titulo de um cartão, 'Restrições Legais', um outro (o que não significa que o
titulo é fechado, ou formal, mas que pode abrigar as alusões referente aquele assunto). 'Locais' pode
abrigar a 'reunião da editoria de notícias', 'a cantina dos arredores', 'a volta de Rover15'.
Com o progresso da pesquisa você conseguirá criar e derivar, mais e mais, analiticamente, as
categorias, do que, descritivamente. Assim, um cartão pode ser entitulado 'organização informal' 15 um bar local.
52
com as identidades daqueles que possuem uma verdadeira energia na organização e cuja influência
torna-se clara. As anotações desorganizadas, registradas na sequência conforme você vai vendo e
ouvindo podem ser codificadas pela alocação em categorias, antes da transferência para os cartões.
Por exemplo, tendo verificado que a Assessoria de Imprensa da Polícia exerce uma forte influência
sobre os jornalistas você pode, por exemplo, criar um conjunto de categorias que sugerimos abaixo:
A. Imprensa/Polícia
A1. Uso dos releases
A2. Ligações (fone) Redação/Polícia
A3. Ligações (fone) Polícia/Redação
A4. Pedidos da Polícia Restrições
A5. Tensão Jornalistas/Polícia
e assim por diante. Fazer as anotações dentro de uma base de dados relacionados entre si,
disponibilizará as definições finais da pesquisa de forma mais organizada, rápida e mais elaborada,
através de versões da proposição em formato de cartões indexados. Entretanto, até o mais literato
pesquisador computadorizado acaba sendo surpreendido, algumas vezes, remexendo com carinho
suas caixas cheias de cartões como os descritos aqui, e o método 'Lápis/Cartão' não deveria ser
descartado tão cedo.
Estágio 5: Análise de Dados
O que você vai fazer com tudo isto afinal? Você certamente terá um monte de material. Mesmo em
pesquisas de produção, assim que entrar no local da pesquisa, supõe-se que você encontrará pessoas
tanto comunicativas, como reflexivas. Gitlin escreveu que 'a tevê/negócio é o negócio/falante' ...
Assim conseguir pessoas para se expressarem na tevê, não era um problema que eu tinha
antecipado, o problema na verdade era conseguir avaliar aqueles milhares de palavras' (GITLIN,
1983, 14). Durante uma pesquisa sobre jornalistas desenvolvida por Tunstall ele explicou que,
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usando ambas as técnicas: entrevistas e observação, ele conseguiu 'produzir aproximadamente um
milhão de palavras em anotações digitadas' (TUNSTALL, 1971, 295). E estas foram as últimas
palavras que ele escreveu no livro.
Ao trabalhar com a pesquisa observacional, é fácil constatar que a análise dos dados e a
coleta de dados estão inextricavelmente ligadas. Se você mantiver seus dados bem organizados à
medida em que os coletar, é bem provável que sua análise também estará pronta assim que você
encerrar a coleta no local da pesquisa. A indexação e a categorização, que vem sendo utilizadas na
organização de dados, por si só, já terão imposto ordem, e esta ordem é a primeira fase da análise.
Os temas 'chave' e os padrões já terão emergido à medida em que o trabalho evoluir, e a releitura
cuidadosa destes dados vai ajudá-lo a detectar com facilidade, os exemplares das instâncias e as
ilustrações dos padrões registrados no local da pesquisa. Claro que a tentação para visualizar aquilo
que você espera, vai ser grande. Ao concluir que o ponto crucial da cobertura sobre crimes na rádio
local, exemplo que vimos anteriormente, é a forte influência da Assessoria de Imprensa da Polícia
local você poderá querer, sem dúvida, investir em garimpar evidências que validem sua teoria. Não
há fórmula mágica para evitar este desvio no processo, que é humano. Capacidade de julgar com
imparcialidade e discernimento deve guiar todos seus procedimentos durante a pesquisa; mas eles
podem parecer mais proeminentes na pesquisa qualitativa, e especialmente, durante a utilização dos
métodos de observação, onde pesquisador e pesquisa acabam se identificam intimamente.
Manter a mente calma e a cabeça fria durante o processo da pesquisa fará com que os dados
coletados se tornem mais manejáveis, tanto em quantidade, quanto em qualidade. Aumentará sua
seletividade sobre aquilo que for realmente 'significante'. Colocará primeiro em evidência os
'conceitos de primeira ordem', que são os conceitos e construtos usados pelas pessoas observadas, e
depois os 'conceitos de segunda ordem', nomeadamente os conceitos que você concebeu para dar
sentido, para explicar, os conjuntos que você observou.
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O Papel da Observação
A observação raramente é considerada suficiente por ela mesma, para ser utilizada como um
método. Ela se empresta para utilização em outras metodologias, tanto qualitativa, como
quantitativa. É um rico e recompensador componente do conjunto de ferramentas de pesquisas
disponível para o pesquisador em comunicações. Como Elliott apontou,
Uma das forças da observação, como técnica de pesquisa, é que ela, implicitamente,
inclui dentro dela mesma outros métodos tais como a entrevista, o exame das
anotações, os documentos, as saídas. Perder um simples incidente é menos
importante, do que falhar na obtenção de uma resposta para uma questão importante
de um questionário de pesquisa. A observação consegue cobrir o processo em sua
totalidade, do qual qualquer incidente será somente uma parte (ELLIOTT, 1971,
109).
Isto é importante, porque recentemente muitas discussões 'etnográficas' fizeram exageradas críticas
sobre esta técnica, argumentando que poucos pesquisadores conseguem perfazer toda a
complexidade e as demandas dos conjuntos de padrões impostos pelo método da observação. Estes
debates, os quais têm focado nas pesquisas etnográficas observacionais, atingem profundamente os
autores que há uma paralisia metodológica estabelecida. Como Morley & Silverstone escreveu:
se a atitude antropológica tradicional para a demanda
('Não pense etnografia, faça-a')
é o problema,
então da mesma maneira,
despencar na paralisia
(apesar da emoção da queda)
do transe epistemológico da auto-contemplação
('Não faça etnografia, imagine-a')
não é o tipo de resposta a ser dada
por alguém comprometido com a pesquisa empírica.
(MORLEY & SILVERSTONE, 1991, 162)
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A pesquisa observacional mudou muito desde o pioneiro trabalho de Malinowski e seus colegas.
Mas, a simples tarefa da observação permanece, como ele desejou que fosse, 'o amor de se
experimentar uma variedade de modos de vida humano' (MALINOWSKI, 1922, 517). A pesquisa
da mídia é como uma orquestra sinfônica que conta com muitos instrumentos, os métodos, para
executar completamente sua música, mas dentre eles a observação continua sendo fundamental para
o trabalho dos pesquisadores em comunicações.
Sumário: Pontos Chave
Métodos de Observação
Simples 'mosca na parede'Participante 'solto'Etnográfica baseia-se na antropologia e sociologia urbanaExperimental condições controladas
problemas de interferência e generalização
Crítica Feminista
quantificação - cuidado com a perspectiva masculina nas análisespesquisadores e pesquisados devem compartilhar mesma cultura
Vantagens da Observação
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entendimento subjetivosexto sentido (veja o que não se vê)imediatismoplanejamento e flexibilidaderica e colorida
Desvantagens da Observação
participação que impede a observaçãoobservação que impede a participaçãodados representativosefeito Hawthorne (observação causa comportamento modificado)vê só o que está acessívelpesquisador perspicaz
Cinco Estágios da Observação
Estágio 1 EntradaEstágio 2 Avalista/GuiaEstágio 3 PlanejamentoEstágio 4 Coleta dos DadosEstágio 5 Análise dos Dados
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