pesquisa para sociedade

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Reexões sobre a Comunicação Cientíca e Tecnológica Da para a PESQUISA SOCIEDADE Da Pesquisa para a Sociedade - Reexões sobre a Comunicação Cientíca e Tecnológica Lisandro Diego Giraldez Alvarez Ana Carolina Castellucio Verbena Córdula Almeida

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Livro que discute questões acerca da ciência e da tecnologia, considerando a necessidade da divulgação desses conhecimentos. A obra, publicada em 2013, analisa, questiona o universo humano, acadêmico, político e econômico da ciência e da tecnologia, ademais de apresentar proposições no sentido de aproximar a ciência e a tecnologia da sociedade como um todo.

TRANSCRIPT

  • Nas sociedades contemporneas a predominncia dos meios de comunicao incontestvel.

    Os seres humanos vm amplian-do cada vez mais seu acesso s mdias e a comunicao tem se confi gurado como condio sine qua non nos processos societ-rios. Isso pode ser constatado

    quando verifi camos o dinamis-mo do campo comunicacional e as transformaes advindas dele, a ponto de interferir di-retamente nos mais variados aspectos da vida dos sujeitos.

    Paradoxalmente, esses sujeitos contemporneos, aparentemen-

    te bem informados, parecem padecer da desinformao em muitos aspectos. Levando-se

    em conta os constantes avanos que a cincia e a tecnologia tm alcanado, principalmente nas ltimas dcadas, faz-se neces-srio que esses conhecimentos possam chegar a um nmero cada vez maior de pessoas, de

    forma a possibilitar o uso dessas informaes na promoo da

    melhoria das suas condies de vida, seja no plano individual e/ou coletivo. Neste sentido, os materiais produzidos para traduzir ao pblico leigo os

    conhecimentos construdos no campo da cincia e da tecnolo-gia, atravs das inmeras pes-quisas desenvolvidas, precisam ser claros, objetivos e, para isso, imprescindvel que os respon-sveis por esta tarefa dominem certos conhecimentos, tanto do fazer comunicacional - nos seus aspectos tcnicos, polticos e ide-olgicos - assim como, e na mes-ma proporo, do fazer cientfi co

    e tecnolgico - permeado por questes de ordem econmica, poltica e ideolgica. O comu-nicador cientfi co e tecnolgico

    deve se constituir em um media-dor do dilogo entre o cidado e o cientista, apresentando uma viso variada, baseada primor-dialmente no critrio da infor-

    mao com veracidade. Visando contribuir no campo da comu-nicao cientfi ca e tecnolgica, esta obra discute certas questes que devem ser consideradas se se deseja promover uma refl e-xo, e, sobretudo, uma prtica

    deste tipo de comunicao, que, do nosso ponto de vista, deve cumprir no apenas a funo de mediadora, mas tambm de

    formadora.

    Refl exes sobre a Comunicao Cientfi ca e Tecnolgica

    Da

    para aPESQUISASOCIEDADE

    Assim como o material dedicado s editorias de economia e de poltica requer conhecimento e tratamento especial, a produo cientfi ca tam-

    bm precisa ser apresentada de forma criteriosa, sria e sem o carter espe-taculoso que empobrece o contedo e a qualidade da informao. E o mais importante: o jornalista precisa estar apto a traduzir a linguagem cientfi -ca para o pblico. Por qu? Porque

    preciso dar acesso a um maior nmero de pessoas s informaes desta rea,

    sobretudo as que dizem respeito s suas vidas e tm efeitos culturais, so-ciais, polticos e econmicos sobre os

    indivduos e a sociedade. Atentos necessidade de contribuir

    para a melhoria da produo de conte-dos neste segmento, trs professores se uniram e o resultado o livro que ora tenho, mais que a honra, o prazer

    de apresentar ao leitor.Derval Gramacho

    97 88 5745 5316 0

    ISBN 9788574553160

    Da Pesquisa para a Sociedade - Refl exes sobre a C

    omunicao C

    ientfi ca e TecnolgicaLisandro Diego Giraldez AlvarezAna Carolina CastellucioVerbena Crdula Almeida

  • PESQUISASOCIEDADE

    Da

    para a

    Refl exes sobre a Comunicao Cientfi ca e Tecnolgica

  • Universidade Estadual de Santa Cruz

    GOVERNO DO ESTADO DA BAHIAJAQUES WAGNER - GOVERNADOR

    SECRETARIA DE EDUCAOOSVALDO BARRETO FILHO - SECRETRIO

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZADLIA MARIA CARVALHO DE MELO PINHEIRO - REITORA

    EVANDRO SENA FREIRE - VICE-REITOR

    DIRETORA DA EDITUSRITA VIRGINIA ALVES SANTOS ARGOLLO

    Conselho Editorial:Rita Virginia Alves Santos Argollo Presidente

    Andra de Azevedo MorgulaAndr Luiz Rosa Ribeiro

    Adriana dos Santos Reis LemosDorival de Freitas

    Evandro Sena FreireFrancisco Mendes Costa

    Jos Montival Alencar JuniorLurdes Bertol Rocha

    Maria Laura de Oliveira GomesMarileide dos Santos de Oliveira

    Raimunda Alves Moreira de AssisRoseanne Montargil Rocha

    Silvia Maria Santos Carvalho

  • Reflexes sobre a Comunicao Cientfica e Tecnolgica

    PESQUISASOCIEDADE

    Da

    Para a

    Lisandro Diego Giraldez AlvarezAna Carolina Castellucio

    Verbena Crdula Almeida

  • Copyright 2013 by LISANDRO DIEGO GIRALDEZ ALVAREZ

    ANA CAROLINA CASTELLUCIOVERBENA CRDULA ALMEIDA

    Direitos desta edio reservados EDITUS - EDITORA DA UESC

    A reproduo no autorizada desta publicao, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violao da Lei n 9.610/98.

    Depsito legal na Biblioteca Nacional, conforme Lei n 10.994, de 14 de dezembro de 2004.

    PROJETO GRFICO E CAPADeise Francis Krause

    REVISODerval Gramacho

    Genebaldo Pinto Ribeiro Maria Luiza Nora

    Roberto Santos de Carvalho

    EDITORA FILIADA

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    EDITUS - EDITORA DA UESCUniversidade Estadual de Santa Cruz

    Rodovia Jorge Amado, km 16 - 45662-900 - Ilhus, Bahia, BrasilTel.: (73) 3680-5028www.uesc.br/editora

    [email protected]

    G516 Giraldez Alvarez, Lisandro Diego. Da pesquisa para a sociedade : refl exes sobre a comunicao cientfi ca e tecnolgica / Lisandro Diego Giraldez Alvarez, Ana Carolina Castellucio, Verbena Crdula Almeida. Ilhus, BA: Editus, 2013. 161p. : il.

    Inclui bibliografi as ISBN 978.85.7455.316-0

    1. Comunicao na cincia. 2. Notcias cientfi cas.3. Pesquisa. 4. Jornalismo cientfi co. I. Castellucio,

    Ana Carolina Lima. II. Almeida, Verbena Crdula. III. Ttulo. CDD 501.4

  • Dedicatria de Lisandro Diego Giraldez Alvarez

    Para los viejos, que seguramente discordam de muitos pontos deste livro.

    Para Verbena, pela sua cumplicidade em muitas coisas da vida, entre elas, este livro.

    Para Sofi , que sempre concorda com tudo, expressando com os movimentos de seu rabinho.

    NNNN

  • Dedicatria deVerbena Crdula Almeida

    minha me, Carmosina, e ao meu pai, Astor, que embora no estejam no plano fsico, esto sempre no meu corao e na minha memria; eles, a quem devo,

    principalmente, todas as coisas boas que cultivo dentro de mim.

    A Lisandro, pela vida que estamos construindo juntos.A Sofi a, que representa esperana neste mundo que,

    embora seja bonito, muitas vezes cruel.

    NNNN

  • Dedicatria deAna Carolina Castellucio

    A Gino e Beatriz, pessoas especiais, que me enriquecem diariamente com seus gestos, atitudes e

    companheirismo.

    NNNN

  • NNNNAgradecimentos Universidade Estadual de Santa Cruz UESC.Ao Professor Derval Gramacho, por suas dicas e correes.A todos os pesquisadores e comunicadores que, com seu trabalho, contribuem para um Mundo Melhor.

    Agradecemos tambm aos estudantes com os quais temos oportunidade de trocar conhecimentos,

    ideias e experincias que muito contribuem para o nosso crescimento profi ssional e pessoal.

  • SUMRIO

    PREFCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    APRESENTAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

    1. O QUE A CINCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

    1.1 O ser cientfi co ........................................................... 261.2 Cincia na Amrica Latina ....................................... 311.3 A organizao cientfi ca e a gerao de notcias ... 331.4 O paper ........................................................................ 381.5 Estrutura e leitura especfi ca do paper ................... 41

    2. COMUNICAO CIENTFICA: O JORNALISMO CIENTFICO E TECNOLGICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

    2.1 A especializao e a necessidade do jornalismo cientfi co .......................................................................... 502.2 Jornalista cientfi co: cientista ou jornalista? ........... 552.3 Dupla funo da comunicao cientfi ca: formar e informar ........................................................................... 582.4 Notcias de Cincia e Tecnologia ........................... 61 2.4.1 Como reconhecer notcias cientfi cas ou tecnolgicas ..................................................................... 652.5 Problemas da comunicao cientfi ca ..................... 69

  • 3. GNEROS JORNALSTICOS APLICADOS COMUNICAO CIENTFICA . . . . . . . . . . . . . . . 79

    3.1 Notcia ou nota informativa .................................... 803.1.1 Como escrever uma notcia .................................. 833.1.2 A notcia em cincia ............................................... 833.2 Introduo entrevista ........................................... 943.2.1 A entrevista aplicada ao jornalismo cientfi co .... 963.2.2 Tipos de entrevista ................................................ 973.2.2.1 Casos intermedirios ........................................ 1113.2.3 Guias para produzir entrevistas: produo, realizao, edio .......................................................... 1193.2.3.1 A produo ........................................................ 1203.2.3.2 Realizao .......................................................... 1213.2.3.3 Edio ................................................................. 1223.3 A reportagem .......................................................... 123

    4. O INDISPENSVEL NO TEXTO JORNALSTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .135

    4.1 Traduo de termos complexos ............................ 142

    5. NOSSA PROPOSIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .145

    REFERNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .149

  • 15

    Em 2003, como professor do curso de Jornalismo do Centro Universitrio da Bahia, atual Centro Univer-sitrio Estcio da Bahia, integrei o corpo editorial res-ponsvel pela produo do Jornal Infocincia. Este vecu-lo tinha como orientao editorial divulgar informao cientfi ca. Uma misso de certa forma ingrata, haja vista a resistncia dos pesquisadores em falar para jornalistas, quanto mais para estudantes de jornalismo.

    Compreensvel a reserva dos cientistas que, em-bora aspirem a glria, receiam ocupar as manchetes es-palhafatosas, conforme usam fazer alguns jornais. A es-petacularizao da notcia, que muitas vezes assume um tom negativo, alis, no contribui em nada no processo de informao e formao do leitor, telespectador ou ou-vinte. Isso porque geralmente este aspecto da informa-o nasce de interpretaes equivocadas e/ou da falta de conhecimento especfi co do jornalista sobre a linguagem e o perfi l da produo e do campus cientfi co.

    Alm disso, h questes que se evidenciam, a exemplo de como entrevistar um cientista. Como inter-pretar a sua produo e como relacion-la com os inte-resses da sociedade? Como abordar o tema/assunto de modo que expresse a seriedade e importncia do traba-lho do pesquisador, sem apelar para recursos narrativos alarmantes a fi m de chamar a ateno do pblico que tambm precisa entender que o resultado de uma pes-quisa no a mesma coisa que um atentado terrorista e nem a cobertura de um crime hediondo?

    A produo do Infocincia, jornal impresso que nos rendeu um prmio na Expocom evento promovido

    PREFCIO

  • 16

    pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao (Intercom) , no se dava de modo f-cil. Isso pelo fato de no serem poucos os pesquisadores que se recusam, ainda, a falar de seus trabalhos para es-tudantes de comunicao sob a alegao de que se jorna-listas profi ssionais cometem certos disparates, imagine os aprendizes. Os pesquisadores argumentam sobre a necessidade de jornalistas se especializarem de modo a dominar a linguagem, os jarges e as propriedades da produo cientfi ca.

    Apesar do desenvolvimento na rea de Cincia e Tecnologia no Brasil, ainda hoje a relao do jornalis-mo com a cincia tem se efetivado em um palco no qual a espetacularizao sobrepuja a importncia do conheci-mento produzido pelos cientistas. A divulgao de infor-mao sobre este campus no tem levado em considerao outros parmetros alm dos tradicionais critrios de no-ticiabilidade, organizados pelo pesquisador alemo Ott o Groth na primeira metade do sculo XX.

    Isso ocorre porque se tem, de um lado, jornalis-tas quase sempre despreparados para lidar com conheci-mentos to especfi cos e, do outro, pesquisadores que se mostram temerosos sobre como suas declaraes sero in-terpretadas ou vendidas para o pblico consumidor de informao. O maior problema, e que persiste apesar de to-dos os alarmes da sociedade na tentativa de corrigi-lo, resi-de na condio de o jornalista ser o profi ssional que deveria entender de tudo e no sabe de nada, pois seu conhecimen-to sempre superfi cial. Quando muito.

    Nas universidades e faculdades, muito embora a expanso das atividades cientfi cas e tecnolgicas seja fl agrante, poucos trabalhos acadmicos abordam a comu-nicao cientfi ca. A pequena demanda decorre da defesa feita por alguns jornalistas no especializados, da falta de

  • 17

    experincia vivida pelos professores e da quase total ine-xistncia de bibliografi a brasileira sobre o assunto.

    Assim como o material dedicado s editorias de economia e de poltica requer conhecimento e tratamento especial, a produo cientfi ca tambm precisa ser apre-sentada de forma criteriosa, sria e sem o carter espeta-culoso que empobrece o contedo e a qualidade da in-formao. E o mais importante: o jornalista precisa estar apto a traduzir a linguagem cientfi ca para o pblico. Por qu? Porque preciso dar acesso a um maior nmero de pessoas s informaes desta rea, sobretudo as que di-zem respeito s suas vidas e tm efeitos culturais, sociais, polticos e econmicos sobre os indivduos e a sociedade.

    Atentos necessidade de contribuir para a me-lhoria da produo de contedos neste segmento, trs professores se uniram e o resultado o livro que ora te-nho, mais que a honra, o prazer de apresentar ao leitor.

    Em uma linguagem simples, direta, os autores demonstram, nesta obra, a intimidade que tm com o tema e facilitam a insero do jornalista que pretende de-senvolver as suas aptides quanto produo de textos sobre eventos, pesquisadores e estudos cientfi cos. Esta produo, embora no signifi que a falta de bons textos sobre o assunto, no Brasil ainda no tem conseguido ocupar um lugar de destaque nos meios de comunica-o. Nem mesmo pelo fato de os investimentos nestas atividades serem feitos, na maior parte, com recursos pblicos, isto , da sociedade, e para a qual devem ser revertidos os resultados decorrentes de tais inverses.

    Muito provavelmente o subaproveitamento do noticirio sobre o contedo das pesquisas decorre da falta de consistncia da informao apurada pelos pro-fi ssionais em face do pouco domnio que possuem sobre a produo cientfi ca. E os autores revelam isto quando

  • 18

    apontam a necessidade de o jornalista se especializar neste segmento, assenhorando-se de ferramentas e da linguagem prpria da cincia de modo a se tornar capaz de analisar e interpretar a informao originada pelas fontes realizadoras, fi nanciadoras e promotoras de pes-quisas e de conhecimentos cientfi cos.

    A leitura deste livro, por outro lado, tambm pode contribuir para superar alguns paradigmas sobre as cincias e seus campos de conhecimento. A importn-cia da cincia na vida das pessoas e de uma nao um consenso. Sobretudo, porque isto implica em qualidade de vida. O que no tem sido consensual o direito in-formao, preconizado pela Declarao Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948). Destarte, a divulgao de informaes cientfi cas pelos meios de comunicao se torna uma forma de socializar o conhecimento, ao ne-cessria para evitar que a falta de informao produza a incapacidade de o indivduo poder opinar e decidir dian-te de fatos que afetem sua vida ou da sua comunidade.

    Mas este livro tem ainda outras qualidades, como sinalizar os caminhos alm da especializao que o jornalista deve percorrer para adentrar este campo quase virgem dentro da prxis da comunicao social, por exemplo. No entanto, sobre os demais predicados, inclusive dos prprios autores, pela qualifi cao das quais esto revestidos, eu me furto de destacar aqui a fi m de propiciar ao simples leitor ou estudante o prazer quase inenarrvel de descobrir por si mesmo e se deliciar com a iniciao pesquisa.

    Derval GramachoJornalista, escritor e professor universitrio

    Mestre em Cultura e Memria

  • 21

    Este livro est dirigido aos profi ssionais e estu-dantes de comunicao, cincias, tecnologia e tambm ao pblico em geral com interesse em conhecer o mun-do da divulgao cientfi ca. Um mundo onde a imagem que se tem do ambiente cientfi co normalmente positi-va, quase romntica, desconsiderando que as atividades cientfi cas so desenvolvidas por pessoas normais, com muitas virtudes e defeitos. Por isso, em cada captulo, tentamos mostrar exemplos prticos, anlises e discus-so para construir uma base para a leitura do material estudado.

    Esperamos oferecer ao leitor a possibilidade de aguar a sua capacidade crtica para processar notcias de cincia e tecnologia com seriedade e rigor. Em outras palavras, esperamos que o leitor se transforme em um intrprete e tradutor da linguagem cientfi ca para enten-der e, fi nalmente, transmitir, de forma sria e rigorosa, os conhecimentos e descobertas com os quais a cincia nos surpreende a cada dia.

    Gostaramos que este livro, pelo menos, desper-tasse a curiosidade pela divulgao cientfi ca que, a cada dia, necessita de mais profi ssionais qualifi cados, consi-derando a grande procura por parte da sociedade pelas notcias ligadas cincia e tecnologia, que nem sempre so ofertadas com o nvel que a populao deseja ou, em alguns casos, so oferecidas como notcias que esto longe de ser precisamente cientfi cas.

    Sobre a Amrica Latina, o interessante consi-derar que o continente no se caracteriza precisamente

    APRESENTAO

  • 22

    por valorizar a cincia e a educao como fatores prin-cipais para o desenvolvimento econmico e social. Este ponto poderia ser um problema para desenvolver uma carreira dedicada ao jornalismo cientfi co, mas, normal-mente, o desinteresse devido mais s questes polticas e no s razes de mercado ou ao interesse das pessoas. No entanto, importante levar em conta que, se quere-mos trabalhar profi ssionalmente na divulgao cientfi -ca, no podemos esquecer estas consideraes especfi -cas da Regio Latino-americana.

    Em qualquer lugar do mundo, ser especialista em comunicao cientfi ca pode implicar um trabalho complexo. Escolher entre a notcia da descoberta de um novo planeta no sistema solar ou a que d conta do l-timo jogo da seleo nacional, parece ser um exemplo fcil para saber qual ser a prioritria. Agora, se a ltima notcia cientfi ca a descoberta de uma nova seleo de futebol presente em outra galxia, isso sim ser notcia!

    O sentimento de amor-dio que as pessoas tm a respeito da cincia um elemento interessante. Por um lado, quando na escola estudamos Fsica, Qumica ou Matemtica, poucas so as expresses de alegria nos rostos dos estudantes; normalmente o contrrio. Esta situao pode ser atribuda principalmente a um proble-ma da educao em geral que no tem, ou no quer usar, diferentes ferramentas que motivem os educandos. Por outro lado, pesquisas mostram um aumento crescente do interesse no pblico por receber notcias de cincia e de tecnologia. Esses resultados no s aparecem regu-larmente em pases do chamado Primeiro Mundo, mas tambm nos pases em desenvolvimento, como o caso do Brasil.

    Para uma maior ordem na distribuio dos sub-temas aqui propostos, dividimos o livro em trs partes

  • 23

    principais: na primeira, mostramos como a cozinha do ambiente cientfi co. Vamos mostrar como o meca-nismo de funcionamento dos sistemas cientfi cos, por-que quanto mais conhecermos destes mecanismos, mais fcil ser focarmos na comunicao cientfi ca, j que existem vrios aspectos do funcionamento de um centro de investigao que no so muito conhecidos fora do sistema.

    Na segunda parte, avanamos para a compreen-so do trabalho do jornalista em um ambiente cientfi co concreto, apresentando algumas das questes que consi-deramos de maior importncia na procura de uma infor-mao de qualidade.

    Na ltima parte, fazemos um levantamento em alguns dos jornais e revistas do Brasil que publicam ma-trias de cincia e tecnologia. No pretendemos, nesse caso, construir uma crtica sobre nenhum veculo. Sim-plesmente, consideramos que o livro no estaria comple-to sem esses exemplos.

    Assim, esperamos oferecer algumas ferramentas teis para colaborar na formao de um bom comunica-dor e divulgador cientfi co.

  • 25

    O QUE A CINCIA

    Com o desenvolvimento da tecnologia, e princi-palmente com a ampliao ao acesso Internet, e s m-dias sociais, muitas pessoas fi cam informadas sobre as descobertas da cincia, a qual muito tem se desenvolvido nos ltimos anos em todas as partes do mundo. Lgico, os pesquisadores mudaram a nossa forma de viver de uma forma drstica, mas o pblico conhece pouco sobre os cientistas e muitas vezes tm uma ideia caricatures-ca transmitida pelos desenhos animados, ou pela fi gura simptica do Professor Pardal.

    Peter Medawar tentou derrubar esse esteretipo:

    J hora de que os leigos abandonem a crena de que a procura cientfi ca uma empresa fria e desapaixonada, sem aspectos imaginativos, e de que um pesquisador um homem que abre as portas das descobertas; j que em cada nvel de esforo a pesquisa cientfi ca uma tarefa apai-xonada e a promoo do conhecimento da natu-reza depende sobretudo [sic] de uma excurso para o que pode ser imaginado mas ainda no conhecido (apud PERUTZ, 1990, p. 17).

    necessrio compreender que a cincia impor-tante porque no s nos permite conhecer a nossa poca, mas tambm nos conhecer. Aqui no queremos avaliar a cincia a partir de um ponto de vista epistemolgico1

    1 A epistemologia ou teoria do conhecimento o campo da Filosofi a interessado na

    1

  • 26

    estrito, mas importante levar em conta a epistemologia da perspectiva do estudo das condies de produo e de validao do conhecimento cientfi co, principalmen-te considerando a cincia como uma atividade humana complexa e cujas consequncias afetam nossa qualidade de vida.

    Achar uma defi nio da cincia pode resultar em uma tarefa difcil, no porque no exista uma; pelo contrrio, existem muitas defi nies. A Real Academia Espanhola (2002, p. 549) diz que cincia o conjunto de conhecimentos obtidos mediante a observao e a refl e-xo, sistematicamente estruturadas e dos que se dedu-zem princpios e leis gerais. Parece simples. Mas no o .

    O fi lsofo Mario Bunge afi rma que enquanto os outros animais apenas esto no mundo, o ser humano busca entender esse mundo e domin-lo com o intuito de torn-lo mais confortvel. Diz ainda que, nessa busca de aperfeioar, o homem cria um mundo artifi cial. Para Bunge, esse progressivo corpo de ideias, que se conhece como cincia, racional, sistemtico, exato, verifi cvel e ao mesmo tempo falvel. Ressalta, no entanto, que atra-vs da pesquisa o homem tem conseguido reconstruir conceitualmente o mundo, de forma cada vez mais am-pla, exata e profunda.

    De acordo com Freud (apud EPSTEIN, 2002, p. 69),

    [...] a cincia no uma iluso. Iluso, ao contrrio, seria acreditar poder encontrar em outra parte aquilo que ela no nos pode dar [...].

    investigao da natureza, das fontes e da validade do conhecimento; a crtica, o estudo ou tratado do conhecimento da cincia. E estuda as principais questes que a cincia tenta esclarecer, dentre elas o signifi cado de conhecimento e a maneira como se alcana esse conhecimento.

  • 27

    Epstein (2002, p. 69) ressalta que:

    Talvez a indagao oportuna no seja sobre a no decidida questo epistemolgica referente ao estatuto ontolgico do conhecimento cientfi co, mas o de apontar qual dos saberes acessveis ao homem pode ser mais confi vel, como guia para a ao, do que aquele produzido de modo adequado pela cincia (grifo do autor).

    O epistemlogo argentino Gregorio Klimovsky, no seu livro Las Desventuras del Pensamiento Cientfi co, si-naliza:

    A partir de um ponto de vista estreito, que dei-xa de lado a atividade dos homens de cincia e os meios de produo do conhecimento cient-fi co, podemos dizer que a cincia fundamen-talmente um aprovisionamento de conheci-mentos que utilizaremos para compreender o mundo e modifi c-lo (1994, p. 21).

    importante ressaltar que nos referimos ao conhecimento cientfi co como um conhecimento sistemtico e controlado. Observemos o primeiro pargrafo da defi nio, que fundamental: A partir de um ponto de vista estreito, que deixa de lado a atividade dos homens de cincia e os meios de produo do conhecimento cientfi co (KLIMOVSKY, 1994, p. 21). Fazemos uma abstrao das pessoas e nos concentramos nos resultados. Fala-se, generalizando, que nos referimos cincia quando se aplica um sistema de estudo que conhecemos como mtodo cientfi co, mas Klimovsky (1994) tambm nos lembra que James B. Conant falava ironicamente do mtodo cientfi co

  • 28

    porque, na verdade, so vrios os mtodos que o cientista usa em seu trabalho e que, dentre outros, esto: os mtodos defi nitrios, os classifi catrios, os estatsticos, os hipottico-dedutivos, os procedimentos de medio etc. Assim, quando falamos do mtodo cientfi co, pensamos que melhor considerar uma metodologia de trabalho aceita majoritariamente por um grupo de pessoas, no caso, os pesquisadores.

    Sem dvida, o papel que a cincia tem na nossa vida fundamental, no s porque nos brinda com os avanos tecnolgicos, mas tambm como estilo de pen-sar e interpretar o mundo e as relaes humanas que o universo fsico tem. Quando se aplica ao melhoramento de nosso meio natural ou inveno e fabricao de bens materiais, a cincia se converte em tecnologia.

    Em uma epgrafe contida na obra Es necesaria la cincia? (1990), de Max Perutz (1990, p. 15), uma afi rma-o de Nehru, primeiro presidente eleito pela ndia ps-descolonizao, traduziu essa necessidade da seguinte forma:

    Quem, na verdade, poderia se permitir hoje menosprezar a cincia? Em cada poca temos que buscar sua ajuda. O futuro pertence cincia e aos que se fazem amigos dela.

    1.1 O ser cientfi co

    Diante da afi rmao de Nehru, devemos observar que, normalmente, existe uma grande distncia entre a teoria cientfi ca e o fazer cincia nos laboratrios no dia a dia. Mas, a despeito da questo acima mencionada, importante atentarmos para alguns detalhes relacionados ao mtodo cientfi co.

  • 29

    fundamental deixar claro que, mesmo com to-das as defi nies de cincia e estudos sobre o mtodo cientfi co, a cincia desenvolvida por seres humanos, por pessoas de carne e osso que, como tal, podem come-ter erros e estar submetidas s mesmas presses econ-micas e polticas que afetam a todos.

    O pesquisador um ser humano como qualquer outro; ele simplesmente trabalha utilizando uma metodo-logia especfi ca, concreta, e deveria ter como caracterstica fundamental da sua vocao a curiosidade por conhecer os mecanismos e os porqus das coisas. No entanto, nos ltimos anos, existe uma superproduo de pesquisado-res, de doutores, j que os governos estimulam esse pro-cesso mediante a outorga de bolsas de estudo, as quais duram perodos variveis de tempo. Frente falta de pers-pectivas laborais, ou de emprego fi xo, parte expressiva do contingente de graduados opta por se manter na acade-mia como uma forma de conseguir um emprego tempor-rio, atrelando-se aos cursos de ps-graduao stricto sensu para assegurar uma bolsa. Isso demonstra que nem todos os pesquisadores tm vocao verdadeira para a cincia; hoje, fazer cincia, principalmente no comeo, uma al-ternativa para ter um salrio temporal.

    O pesquisador o profi ssional que deveria usar as bases do mtodo cientfi co em seu trabalho dirio, mas em muitos laboratrios se faz cincia sem o uso explcito das teorias que sustentam esse mtodo; os pesquisadores praticamente trabalham sem ter conscincia do mtodo que esto utilizando. No entanto, em muitos casos, por querer tirar vantagens, fazem vista grossa no que tange aplicao rigorosa dos mtodos. Isso se percebe logo de incio. Contudo, nem sempre assim e em alguns casos os princpios so conhecidos. Quando estudamos na universidade uma carreira cientfi ca, o que menos se

  • 30

    estuda o mtodo cientfi co. No melhor dos casos, pode-se chegar a estudar alguma coisa sobre lgica, estatstica, alguma metodologia, mas nada muito alm disso.

    O processo de formao em cincia se inicia no momento de comear algum estgio com um pesquisador experiente. Embora as universidades, principalmente as pblicas, possuam equipes de pesquisa, durante a gradu-ao no formam, infelizmente, pesquisadores ou profi s-sionais com o conhecimento certo para desenvolver-se no ambiente da cincia; simplesmente se limitam a oferecer um conhecimento totalmente enlatado, que no apre-senta o verdadeiro mundo da pesquisa. O conhecimento concreto do ambiente cientfi co acontece, com sorte, du-rante o mestrado ou doutorado, quando se passa a ver que na cincia existe mais poltica que outra coisa.

    importante dizer que no caso particular do Bra-sil no existe uma profi sso com dedicao exclusiva como pesquisador. Para se fazer cincia necessrio ser professor universitrio e, dentre outras atividades, dedicar um tem-po para desenvolver as pesquisas e orientaes. Essa uma caracterstica diferencial do sistema cientfi co brasileiro que determina a mistura com a educao. Evidentemente isso no que dizer que o sistema no produza corretamente re-sultados para a sociedade, mas, sim, que os pesquisadores fi cam submetidos a duas burocracias: a burocracia do siste-ma educativo e a burocracia do sistema cientfi co.

    Na srie Cosmos2, apresentada por Carl Sagan, sem dvida uma das obras de divulgao cientfi ca mais interes-santes da histria dinmica, atrativa, educativa, formativa

    2 Filmada em trs anos, em quarenta locais de doze pases diferentes, a srie Cosmos despertou a curiosidade sobre o Universo em mais de 500 milhes de pessoas. Sagan, protagonista da obra, foi capaz de desmitifi car o que at ento era informao cientfi ca inacessvel. A verso escrita deste programa continua a ser o livro de divulgao cientfi ca mais vendido da histria.

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    , jamais se mostrava o trabalho cotidiano dos pesquisado-res; no melhor dos casos eram mostradas algumas imagens de um observatrio, algum espao aberto, imagens de um laboratrio e pouco mais. Por qu? Porque o que chama a ateno, o que surpreende so os resultados e, principalmen-te, algumas aplicaes prticas. como nos esportes, em que citaremos o caso do futebol: a torcida normalmente no co-nhece o que acontece de segunda a sexta nos campos de trei-namento. O torcedor assiste ao jogo, v a partida, comemora ou sofre pelo resultado (o time ganha, perde ou empata), mas no sabe os detalhes da relao do tcnico com os joga-dores, pelo menos isso no acontece normalmente.

    Nesta linha de raciocnio, cabe sinalizar que muitos estudos sociolgicos da cincia normalmente no conhecem o dia a dia dos laboratrios ou centros de pesquisa. Estuda-se muito a teoria, mas pouco a prtica. Na maioria dos casos, para no dizer em sua totalidade, nos diversos laboratrios de pesquisa cientfi ca jamais se convida, por exemplo, fi lsofos ou socilogos da cin-cia. Normalmente se participa de seminrios onde so apresentados os super-resultados da ltima protena achada que participa no desenvolvimento da enfermida-de tal ou qual. Nesses casos, a maior parte dos ouvintes no apresenta muito interesse, est dispersa, alguns con-versam, e os poucos que realmente permanecem atentos, difi cilmente questionam o material apresentado.

    Os pesquisadores, geralmente, focam em um tema pontual de estudo, mas no no mtodo cientfi co, j que ao longo de sua formao difi cilmente se estuda a histria, a fi losofi a ou a construo do pensamento cientfi co. Entre outras coisas que no so estudadas ao longo da carreira cientfi ca, podemos incluir algo quase fundamental, como a redao dos papers ou trabalhos tcnicos e, muito me-nos, como divulgar os resultados das pesquisas com um

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    estilo que todos possam entender. Por isso, no estranho achar papers com ttulos como Solution structure of the envelo-pe protein domain III of dengue-4 virus, que difi cilmente sero entendidos por pessoas alheias ao universo acadmico e es-pecialmente ao tema em questo. lgico que no vamos duvidar, a priori, da importncia dos resultados apresenta-dos; mas se vemos esse ttulo sem prestar muita ateno, podemos pensar que a mensagem cifrada de algum gru-po terrorista radical; quando, na verdade, simplesmente o trabalho de determinado grupo de pesquisa.

    O mesmo pode-se dizer de estatstica. Embora se afi rme que a estatstica como o biquini: mostra quase tudo, mas oculta o essencial; no podemos esquec-la na elaborao do trabalho cientfi co que possa ser com-provvel por outros grupos de pesquisa. No raro cien-tistas produzirem papers com um nico experimento, o que nos faz questionar acerca do controle de qualidade.

    Muitos devem lembrar o caso da falsifi cao da clonagem de cachorros pelo cientista sul-coreano Hwang Woo-suk, 56 anos, que caiu em desgraa depois de ter anunciado grandes conquistas em pesquisas com clulas-tronco que se mostraram falsas - uma histria veiculada por bastante tempo pela mdia mundial3. Em 12 de maro de 2004, o professor Hwang Woo-suk e a sua equipe da Universidade de Seul assinaram, no site da prestigiosa revista americana Science, publicao na qual afi rmavam ter concebido, pela primeira vez na histria, embries humanos a partir da tcnica da clonagem.

    3 Em 2006, o cientista sul-coreano Hwang Woo-suk foi acusado de fraude por ter aceito, supostamente, cerca de 2 bilhes de wons (moeda nacional da Coreia do Sul, correspondente a US$ 2 milhes) em doaes de entidades privadas sob falso pretexto. Woo-suk foi acusado tambm de se apropriar indevidamente de 800 milhes de wons (cerca de US$ 800 mil) e de comprar vulos humanos para pesquisa, uma violao s leis sul-coreanas referente biotica.

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    Esse foi um caso de grande repercusso interna-cional, principalmente pelo sensacionalismo que a clona-gem de um ser humano poderia ter, mas podemos imagi-nar quantos casos de fraudes podem existir na cincia, se consideramos as pesquisas de baixo perfi l. Mario Bunge (apud MEDEIROS, 2003, p. 83) alerta que [...] indispen-svel publicar os resultados das pesquisas e as motivaes para faz-lo so: uma maneira de controlar tcnicas e resul-tados; manter os pesquisadores ativos e uma maneira de avaliar pesquisadores e projetos de pesquisa. Mas Bunge tambm lembra os efeitos colaterais negativos provocados pela nsia de muitos pesquisadores em publicar artigos: a precipitao, a redao desleixada e a desonestidade.

    A revista Nature publicou, no dia 10 de setembro de 2010, uma matria surpreendente, mostrando um caso de sabotagem levado a cabo por uma pesquisadora ps-doutora da Universidade de Michigan, EUA, que, sistema-ticamente, e durante vrios meses, dedicou-se a contaminar os experimentos de uma estudante do mesmo laboratrio. Por qu? Porque a sabotadora sentia inveja quando os cole-gas superavam o seu trabalho e podiam obter posies de maior destaque em laboratrios de melhor reputao.

    1.2 Cincia na Amrica Latina

    O atual momento propcio para pensar na cin-cia desenvolvida na Amrica Latina, ainda que, h alguns anos, tenha se tornado difcil estabelecer particularidades concretas sobre um pas especfi co. Esta opinio contro-versa, porque se pensamos na Unio Europeia, por um lado, vemos justamente uma unio, mas ao mesmo tem-po podemos perceber os debates regionais que existem em alguns pases. No vamos entrar em polmicas sem

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    sentido, mas sim dizer que existe bastante homogeneida-de na forma como os pases e as sociedades so organi-zados: como grandes blocos formados por unidades com suas caractersticas prprias. Na cincia no diferente.

    O mesmo pode ser dito dos pases latinos sul-a-mericanos. Do mesmo modo que existem esforos para a construo da unidade, tambm existem os poderes que no deixam de simpatizar mais com os EUA do que com seus prprios vizinhos do sul4. Por exemplo, no Brasil quase impossvel ter notcias dos pases do continente. As pessoas podem saber perfeitamente o que acontece no Ira-que, em Israel, em Londres ou em Nova Iorque, mas, em geral, no tm a menor ideia do que acontece em Montevi-deu, a capital do Uruguai. A situao to grave que nem se sabe quais so as equipes lderes dos campeonatos de futebol da Amrica Latina e estamos falando de futebol, uma prioridade absoluta na vida de muitos brasileiros.

    Considerando esta perspectiva, o sistema cien-tfi co no alheio realidade e, assim, os temas que so pesquisados em nossa regio muitas vezes no so dis-tintos das linhas estabelecidas pelos grupos centrais. s ver quantos congressos internacionais, quantos la-boratrios farmacuticos ou quantas revistas cientfi cas esto localizados no continente. Poucos.

    [...] enquanto instncia orientadora em parti-cular para problemas complexos, a cincia no confrontada exclusivamente com as assim

    4 De acordo com o pesquisador Marcelo Hermes-Lima, da UnB (em entrevista concedida Agncia Fapesp, em 15 de maro de 2007), em mdia os projetos oriundos da Amrica Latina recebem 75% a menos do que os dos Estados Unidos e Canad. Ressalta que na Amrica do Norte no incomum que um laboratrio receba sozinho um investimento de US$ 2 milhes. Ainda conforme Hermes-Lima, na Amrica Latina investimentos nesse patamar geralmente so feitos para grandes projetos com cientistas de destaque, reunindo vrios laboratrios e instituies. E esse tipo de projeto envolve menos de 3% dos pesquisadores latino-americanos.

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    chamadas questes de fato, mas tambm com questes de metas e de normas sociais e com os problemas de sua validao intersubjetiva. Enquanto mera tecnologia, em todo caso, a ci-ncia no pode fazer jus sua tarefa orientado-ra, tanto mais precisando, portanto, referir-se prxis social (HESSE et. al., 1987, p. 38).

    Na Amrica Latina, a cincia, normalmente, no uma prioridade; e como consequncia, a sua divulgao tambm no o . O desenvolvimento de projetos cientfi cos demora muitos mais tempo do que necessitam os polticos para ganhar as eleies a cada dois ou quatro anos. O pior quando algumas pessoas consideram desnecessrio desenvolver um sistema cientfi co local, j que podemos comprar os desenvolvimentos feitos fora do pas. Isso no deixa de ser verdade, s que esquecem do pequeno detalhe relativo aos recursos fi nanceiros necessrios para comprar esses materiais importados. Infelizmente, na maioria dos casos, esses recursos so obtidos graas exportao de matrias-primas.

    Sem ir mais longe, atualmente est na moda o tema dos biocombustveis e o grande interesse dos EUA por essa tecnologia. E nos perguntamos: pela tecnologia, pelo uso irracional de matrias-primas, ou por ambos?

    Questes como essas precisam ser refl etidas, a fi m de que possamos compreender esse universo amplo que circunda o fazer cientfi co, considerando a as ques-tes ligadas aos mbitos econmico, poltico e ideolgi-co, e, em muitos casos, aos trs juntos.

    1.3 A organizao cientfi ca e a gerao de notcias

    Enxergamos como imprescindvel a compreen-so em torno da maneira como o sistema cientfi co se

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    confi gura na maioria dos pases, para que possamos ter uma noo mnima dos aspectos que o caracterizam. Va-mos analisar um esquema resumido do funcionamento do sistema cientfi co, o qual comum a todos os pases, embora cada um deles tenha suas caractersticas pr-prias, intimamente dependentes de fatores da realidade local. Em outras palavras, daremos um passeio pela cena do grande teatro que o mundo da cincia.

    FIGURA 1 Sistema cientfi co

    Como em quase todos os aspectos da organizao de um pas, o sistema cientfi co est baseado e se sustenta graas aos recursos econmicos de diferentes origens. Para fazer pesquisa necessrio ter dinheiro e recursos, os quais so distribudos de acordo com diferentes critrios, que normalmente so identifi cados em editais pblicos, por exemplo. Assim, para publicar os editais, aparece, principalmente, o critrio poltico,

    Fonte: Professor Isaac Epstein, 2004. Adaptao Lisandro Diego Giraldez Alvarez, Ana Carolina Castellucio e Verbena Crdula Almeida.

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    sendo este, como veremos, o fundamental, o que est por cima de quase todas as consideraes que possamos imaginar. A cincia poltica.

    Concretamente, o Projeto de Lei Oramentria de 2010 (PLOA), elaborado pelo Poder Executivo, defi -niu um total de R$ 6,7 bilhes para o Ministrio da Ci-ncia e Tecnologia (MCT), valor que o Congresso elevou para R$ 7,6 bilhes. Quase todos os programas do MCT conseguiram mais recursos na votao do Oramento de 2010 que o previsto pelo Poder Executivo no Projeto de Lei Oramentria enviado ao Congresso. A exemplo de anos anteriores, os maiores aumentos concedidos por de-putados e senadores se deram em programas de mbito regional ou local, como o Cincia, Tecnologia e Inovao para Incluso e Desenvolvimento Social. O Executivo previu R$ 39 milhes, mas os parlamentares destinaram R$ 331 milhes. Nesse programa esto aes como as Olimpadas de Cincias, apoio a projetos de divulgao cientfi ca em vrias regies do Pas, instalao de centros vocacionais tecnolgicos e apoio a pesquisa e inovao em Arranjos Produtivos Locais (APL), entre outras.

    O programa Incluso Digital tinha R$ 13 milhes no projeto de lei; passou a contar com R$ 344 milhes aps as emendas parlamentares; o Comunidades Tradi-cionais saiu da votao como entrou com R$ 200 mil. O Cincia, Tecnologia e Inovao Aplicadas aos Recursos Naturais fi cou com R$ 117 milhes, contra R$ 58 milhes previstos pelo Executivo. J o Formao e Capacitao em Recursos Humanos para Cincia, Tecnologia e Ino-vao (C&T&I) tinha R$ 805 milhes antes de chegar s mos dos deputados federais e senadores. Saiu com R$ 807 milhes. O Promoo da Pesquisa e do Desenvolvi-mento Cientfi co e Tecnolgico receberia R$ 742 milhes, mas conseguiu mais: R$ 767 milhes.

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    Muitas fontes de recursos tm a sua origem no pa-gamento de impostos pela sociedade e so distribudas entre as diferentes agncias de apoio de cada pas (CNPq, do Bra-sil; CONICET, da Argentina; CSIC, da Espanha; COLCIEN-CIA, da Colmbia etc.), ou cada estado dentro dos pases, como por exemplo, a Fapesb da Bahia, ou a Fapesp de So Paulo, para citar apenas dois. Essas agncias, por sua vez, so as encarregadas de outorgar subsdios aos distintos gru-pos de pesquisa tanto pblicos, como privados.

    importante saber que esses recursos so, nor-malmente, solicitados de forma individual por um che-fe de equipe, uma espcie de cacique. muito difcil que os fundos sejam solicitados por grupos de pesquisa, salvo em casos bem pontuais, nos quais as agncias de fo-mento publicam editais para oferecer subsdios a grupos ou redes de pesquisa, sendo esta a situao determinante para que as solicitaes sejam coletivas. No devemos esquecer esse detalhe, porque um aspecto fundamen-tal na gesto da cincia e o papel que o jornalista pode ter nesta situao no nada desprezvel, pois as opini-es geradas nos meios de comunicao determinam, em muitas oportunidades, o suposto interesse da sociedade por algo especial e, em consequncia, muitos recursos so orientados de acordo com esse interesse especial.

    As agncias cientfi cas normalmente formam comits de cientistas ad hoc que sero os responsveis pela outorga dos recursos. Est claro que estes comits no so formados por pesquisadores escolhidos em sor-teio, o que tambm acontece com as bancas nos concur-sos das universidades pblicas, e sim, selecionados de acordo com as simpatias, com as linhas polticas estabe-lecidas por um ministrio, uma secretaria de estado ou uma universidade. claro que nem sempre assim, mas os diferentes organismos burocrticos esto submetidos

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    a uma infi nidade de presses nem sempre acadmicas. Por isso importante que o dinheiro seja distribudo entre os amigos, neste caso, amigos da cincia.

    Os pesquisadores realizam a produo cientfi -ca. Esta, na teoria, submetida aos controles de quali-dade realizados pelos colegas ou pares (Per Review). De alguma maneira, pode-se dizer que essa produo est re-presentada por elementos simblicos, abstratos e que so a interpretao de resultados experimentais, a apresentao de resultados e o desenvolvimento de algumas teorias.

    Pode-se considerar esta primeira etapa descrita como englobada em uma grande rea da comunicao da cincia, que a comunicao cientfi ca primria. possvel afi rmar que uma comunicao restrita ao ambiente cientfi co ou acadmico, mas isso no signifi ca dizer que seja uma comunicao totalmente formal; po-demos subdividi-la em dois momentos:

    a) Comunicao primria formal representa-da por revistas, anais, Internet. Permite que os cientistas tenham acesso a um sistema de divulgao estabelecido que tambm possibilita conhecer o trabalho dos colegas.

    b) Comunicao primria informal aquela es-tabelecida por vnculos de amizade e representada pe-los pre-prints, os e-mails entre pesquisadores, o ambiente universitrio, os contatos pessoais. interessante sinali-zar que alguns editores de revistas cientfi cas, como Na-ture, por exemplo, tm uma formao jornalstica antes que cientfi ca. normal que Nature publique anncios de emprego procurando editores com formao em Letras. As editoras valorizam a formao jornalstica na hora de contratar um profi ssional encarregado de selecionar, em um primeiro momento, um trabalho cientfi co.

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    1.4 O paper

    O paper constitui hoje a principal forma de di-vulgar os trabalhos originais, sendo o mecanismo aceito para que um trabalho veja a luz e seja considerado va-lioso em termos de contribuio causa cientfi ca. Em um primeiro momento, podemos dizer que o paper a forma mais intil de divulgar cincia. Como? Sim, por-que realmente no divulgao, mas sim transmisso de informao especfi ca entre um grupo de profi ssionais. o meio de comunicao que assinalamos quando fala-mos de Comunicao primria formal. Mesmo assim, o paper um aliado imprescindvel para que os jornalis-tas possam orientar-se no mundo da gerao do conhe-cimento cientfi co.

    importante ressaltar que o tempo transcorrido desde que uma ideia comea a nascer at sua publicao, normalmente, de vrios anos. O investigador no s tem que enfrentar os problemas prprios do trabalho tcnico, mas tambm encontra pela frente barreiras especfi cas determinadas pela divulgao cientfi ca. Esse ponto muito interessante para se considerar, j que as revistas cientfi cas constituem um excelente negcio do qual os pesquisadores no so scios. Por qu? Primeiro porque se um pesquisador no publica os papers, ele no existe; e se no existe, no consegue os recursos fi nanceiros para trabalhar; e se no tem dinheiro, no publica. Isso signifi ca afi rmar que temos um crculo vicioso. Ou seja: para publicar, o pesquisador deve conseguir recursos econmicos necessrios para o desenvolvimento do seu trabalho, muitas vezes para seu prprio salrio; deve procurar bolsistas, escrever os trabalhos, mand-los s revistas especializadas e, por ltimo, cruzar os dedos para que sejam aceitos.

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    Uma vez que o trabalho publicado, os autores j no tm nenhum direito sobre essa publicao, que ven-dida para bibliotecas, institutos, associaes ou pessoas. Em muitos casos, deve-se pagar pelos gastos administrati-vos da editora. Um bom negcio, para poucos.

    Na teoria, para que um trabalho seja publicado, inicialmente tem que ser submetido a um comit de pa-res para a avaliao da qualidade da produo cientfi ca. Este comit, no entanto, no avalia se os dados ou as in-formaes que se pretende publicar so verdadeiros ou obtidos sob estritos parmetros da transmisso da ver-dade; em outras palavras, no existe o controle de qua-lidade tcnica. Os pares analisam a coerncia da escri-ta, o estilo da apresentao, as ideias, os argumentos, as concluses. Jamais analisam os resultados obtidos.

    Esse comit avalia a teoria do trabalho com base nos princpios da honestidade, da tica e do rigor cien-tfi co, um aspecto perigoso se consideramos que a cin-cia uma atividade humana e, como tal, composta de todos os componentes positivos e negativos dos seres humanos. A essa situao temos que adicionar as pres-ses para publicar, justamente para manter uma posio acadmica ou, ainda, certo prestgio.

    Conforme ressaltamos anteriormente, em uma experincia em laboratrio espanhol, os chefes que tambm eram editores de revistas cientfi cas5 -, por exemplo, s consideravam para publicao os trabalhos cujos resultados fossem concordantes com suas ideias te-ricas. Ou seja, os trabalhos contrrios s suas ideias no eram considerados para publicao; eram descartados

    5 Geralmente os cientistas de mais prestgio so convidados pelas revistas especializadas para fazer parte do corpo editorial e, em alguns casos, para avaliar trabalhos oriundos das regies onde atuam.

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    de imediato. A estratgia consiste em apoiar trabalhos que ajudem aquela linha de pesquisa, para que se con-solide o discurso cientfi co do laboratrio que tem o poder de escolher ou no um trabalho. Cincia? H que ter em conta essas questes no momento de utilizar como fonte primria um material original publicado no formato de um paper.

    Podemos dizer que os papers constituem o pon-to inicial da divulgao de uma nova descoberta, ou a melhora de um procedimento anterior. No devemos deixar de mencionar que essa forma de publicar est di-rigida a um pblico limitado, em alguns casos, extrema-mente limitado: o grupo de cientistas atuante em reas similares ou prximas. Aqui onde o jornalista cientfi co pode desempenhar um papel fundamental, cumprindo as funes de tradutor/intrprete da informao pro-duzida pelo pesquisador e a de transmisso ao pblico pouco conhecedor da dura linguagem acadmica.

    Vemos pesquisadores ou professores universit-rios na TV, ou nos jornais e revistas, apresentando deter-minada descoberta, alguma funo nova de um remdio ou os efeitos teis de alguma planta para o tratamento de determinada enfermidade. O interessante a ressaltar aqui o fato de, muitas vezes, apresentarem resultados prelimi-nares, observaes iniciais de algum efeito sem que esses resultados tenham sido publicados nas revistas da especia-lidade. No afi rmamos que esses resultados no tenham validade cientfi ca, mas, se so preliminares, so somente isso: preliminares e ponto. O problema est no estilo de apresentar a informao, quando muitas pessoas podem considerar que foi achada a soluo para problemas com-plexos de sade, ou que poderamos viver 300 anos sem doenas, por exemplo. A que o jornalista, com uma men-te crtica e aberta, vai poder separar o bom do ruim, o trigo

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    do joio e no fazer parte do jogo publicitrio de pesquisa-dores ou de empresas farmacolgicas, por exemplo.

    1.5 Estrutura e leitura especfi ca do paper

    importante analisar, em detalhes, as partes que formam o paper e que tipo de informao podemos obter de cada uma delas. O leitor poder perguntar-se por que falamos tanto dos papers. Mas insistimos nessa aborda-gem porque se supe que um material publicado como paper tem certo grau de controle de qualidade, mesmo com todos os problemas descritos.

    Os papers normalmente so organizados da se-guinte forma: 1. Ttulo, 2. Autores, 3. Local de trabalho, 4. Resumo, 5. Introduo, 6. Materiais e mtodos, 7. Resulta-dos, 8. Discusso, 9. Agradecimentos e Referncias.

    O ttulo geralmente deveria ser o melhor indicador no sentido de guiar-nos para detectar uma notcia de interesse; um bom ttulo deveria ser o melhor resumo de um trabalho; apenas ao ler o ttulo j deveramos conhecer o eixo do trabalho em questo. Mas nem sempre assim. Pelo contrrio, muitas vezes o ttulo de um trabalho cientfi co se parece mais com o nome de uma Repblica da ex-Unio Sovitica do que com um trabalho cientfi co. Por exemplo, o trabalho com o ttulo E ects of the extract of Anemopaegma Mirandum (Catuaba) on Rotenone-induced apoptosis in human neuroblastomas SH-SY5Y cells (Efeitos do extrato de Catuaba na apoptosis induzida pela Rotenona em clulas SH-SY5Y), ou outro intitulado OH-estradiol, an endogenous hormone with neuroprotective functions (OH-estradiol, um hormnio endgeno com funes neuroprotetivas) no oferecem nenhum dado concreto que possa ser til na divulgao cientfi ca.

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    Alm do ttulo, outros elementos so os autores e o local de trabalho, ambos importantes pela possibilida-de de estabelecer um contato direto com os responsveis pela publicao, bem como para conhecer a instituio onde o trabalho foi produzido. Esse ponto tambm deve ser considerado em detalhe, para, de alguma maneira, estabelecer a seriedade e rigorosidade do que se publica, mesmo que na cincia tambm valha e muito o velho dito que diz: faz-te fama e pe-te a dormir.

    Trabalhos de instituies de reconhecido pres-tgio so, muitas vezes, aceitos, por parte dos editores, quase sem crticas: os papers so submetidos reviso? Claro. O que acontece que existem revisores mais du-ros ou mais brandos e esse aspecto conhecido pelos editores.

    Os institutos de pesquisa tambm so grandes consumidores de produtos cientfi cos, fabricados, mui-tas vezes, pelas multinacionais e monoplios que, obvia-mente, tambm destinam muitos recursos econmicos para publicidade nas revistas cientfi cas. Ento, nesse crculo, tem-se um instituto que gasta milhes de dla-res por ano em produtos, e se esses produtos so fabri-cados por multinacionais que colocam milhes em revis-tas cientfi cas, o que faz o editor da revista? Dar muito espao aos grupos de institutos que no gastam tanto dinheiro em produtos?

    No que se refere ao resumo, como seu prprio nome indica, deve mostrar uma sntese da totalidade do trabalho, uma pequena ideia da introduo, dos resul-tados e, principalmente, da concluso a que se chegou. Poderamos qualifi car o resumo como fundamental para o jornalista. Neste caso, deveria haver interesse de trans-mitir o novo ao pblico em geral. Pode ser o ponto de maior utilidade para um jornalista na procura de notcias.

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    No tocante introduo, ela direciona o contexto e o conhecimento a respeito da novidade que est sendo publicada; a depender da revista cientfi ca, o tamanho e a didtica da introduo variam. Quase sempre, pela regra geral, podemos afi rmar que o ltimo pargrafo da introduo nos dar uma orientao clara e concreta do trabalho, embora nem sempre seja assim.

    No item materiais e mtodos so indicados os materiais e a metodologia usados para obter os resulta-dos apresentados no trabalho. A partir dessa informao pode-se ter uma ideia dos recursos, at fi nanceiros, obti-dos pelos grupos de pesquisa.

    O item resultados traz os resultados originais obtidos pelo grupo de pesquisa. Normalmente nesse t-pico se apresentam os aspectos mais tcnicos e especfi -cos do trabalho.

    No item discusso, aparece o verdadeiro aporte original do trabalho; onde, na teoria, o autor deve usar mais criatividade para convencer o editor e os reviso-res da revista de que o trabalho realmente original. O pargrafo inicial e o fi nal so, normalmente, os pontos-chave da seo.

    importante salientar que nas revistas cientfi -cas, em geral, no s no se permitem as inovaes no estilo, mas tambm na quantidade de informaes que transmitida, pois est limitada ao nmero mximo de palavras, fi guras ou tabelas. Essas limitaes so deter-minadas pelo corpo editorial dos peridicos e, na maio-ria dos casos, baseadas mais em estratgias econmicas e menos em critrios cientfi cos: quanto maior for o nme-ro de folhas publicadas, maior o custo da editora, que no conta com amplo mercado publicitrio.

    No devemos esquecer que a cincia e as publicaes que a divulgam so partes integrantes de

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    uma atividade econmica como qualquer outra e, como consequncia, esto submetidas aos mesmos parmetros existentes no mercado editorial dos romances. No entanto, difcil, para o cientista, reconhecer a cincia como um negcio; normalmente ela apresentada como uma atividade romntica, para a qual o lucro algo pecaminoso, j que se faz cincia pelo bem supremo da humanidade.

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    COMUNICAO CIENTFICA: O JORNALISMO CIENTFICO E

    TECNOLGICO

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    Talvez, para alguns, seja bvio o conceito de jor-nalismo cientfi co. No entanto, achamos por bem, nesta obra, trabalhar um pouco essa questo. Podemos come-ar com uma defi nio, mas normalmente as defi nies dependem de diversos fatores: de nossa formao, de nossas ideias ou de preconceitos sobre um ponto espe-cfi co.

    No caso do jornalismo cientfi co, a situao no muito diferente e depender de cada autor, de sua for-mao e das ideias que tem sobre o jornalismo e sobre a cincia; tudo depende das concepes da pessoa. Contu-do, vamos apresentar uma das defi nies que, para ns, melhor conceitua o jornalismo cientfi co a estabelecida por Manuel Calvo Hernando (2004, p. 75)6, um prestigio-so promotor da divulgao cientfi ca na Amrica Latina:

    O jornalismo cientfi co a divulgao em for-ma compreensvel de notcias cientfi cas e tec-nolgicas nos meios de comunicao de massa.

    Fiquemos com essa ideia na cabea, e logo tenta-remos desenvolv-la para classifi car os trabalhos de di-vulgao cientfi ca.

    6 Nascido em Madri, em 1923, Calvo Hernando esteve frente de diversas iniciativas na rea. Em 1969, fez parte do grupo que fundou a Associao Ibero-Americana de Jornalismo Cientfi co e, dois anos depois, a congnere espanhola, que presidiu at 2004; atualmente o presidente de honra da entidade. Participou da criao de associaes equivalentes em pases latino-americanos. Escreveu 30 livros e cerca de oito mil artigos e reportagens para jornais, revistas, agncias de notcias, rdio e televiso, alm de ter presena constante em encontros e reunies relacionados divulgao cientfi ca.

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    Analisemos outra questo igualmente importan-te: como classifi car notcias cientfi cas ou tecnolgicas? Podemos dizer que as notcias cientfi cas so aquelas que se originam em um laboratrio ou instituto de pesquisas e que podem mudar a vida das pessoas.

    Independentemente de concordar ou no com essa defi nio, vejamos um exemplo. Se Ronaldo volta ao Brasil para jogar no Corinthians, para a maioria das pessoas est claro que esse fato uma notcia de esporte, mas olhando sob outro ngulo, poderemos consider-la uma notcia de economia, se considerarmos a renda gerada por essa contratao a partir da venda de camisetas, ingressos, ou aumento do fl uxo de torcedores nos bares localizados pr-ximos ao estdio. Agora, se Ronaldo tem 40 quilogramas a mais de peso, ser uma notcia de esporte ou podemos consider-la como uma notcia de sade? Depende onde coloquemos o foco. Podemos focar sobre os problemas da obesidade na sade das pessoas ou tambm centrar nossa abordagem no ponto de vista do rendimento esportivo.

    Outro exemplo. Imaginemos um acidente areo no qual um avio se choca com outro no ar sobre a Amaz-nia. Ser uma notcia geral? Policial? De cincia? Mais uma vez depende do enfoque, da viso do jornalista e da mdia. Poderamos perfeitamente fazer uma matria com dados tecnolgicos e tratar o acidente a partir de uma explicao de como funcionam os sistemas de voo, como funciona um radar, uma torre de controle, por exemplo. Obviamente que no momento da ocorrncia de um acidente areo di-fi cilmente a populao deseja conhecer por que os avies voam; a maioria das pessoas desejar conhecer os dados sobre o nmero de vtimas, a situao dos familiares, a for-ma de ajudar No entanto, aps o pice do acontecimento, poderemos pensar em usar o tema do acidente para prepa-rar um trabalho de tecnologia, por exemplo.

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    No que se refere divulgao cientfi ca, nor-malmente divulgam-se os resultados fi nais que surgem nos centros de pesquisa. Difi cilmente se faz comunica-o cientfi ca vivendo em um laboratrio e observando o trabalho dos pesquisadores, um fato que leva os leitores a perder uma boa parte da cozinha da descoberta. comum a divulgao dos resultados emergentes, j que seria muito complexo informar sobre o trabalho cotidia-no de um laboratrio, pelo menos seria montono para o consumidor das notcias, a no ser que se fi zesse em um formato de novela.

    O jornalista cientfi co deve lembrar-se dessas consideraes ao preparar uma matria de divulgao cientfi ca, principalmente quando convidado pelos cien-tistas para conhecer as suas ltimas pesquisas.

    Assim, para analisar a divulgao cientfi ca ne-cessrio conhecer a existncia de algumas categorias desse jornalismo. Vejamos algumas delas:

    a) Divulgao Popular uma prtica que utiliza a cincia como o centro

    de gerao das notcias, normalmente sem critrios de seriedade ou fundamento terico. uma divulgao que interpreta a informao cientfi ca baseando-se no conhe-cimento popular e gerando expectativas mais prximas a fatos mgicos ou sobrenaturais, mas sempre mostran-do-os com seriedade e rigorosidade cientfi cas.

    b) Divulgao PassivaEsse tipo de divulgao coloca o interesse sobre

    os produtos da investigao cientfi ca, quer dizer, no procura conhecer os mecanismos de produo do conhe-cimento, mas sim os resultados. uma viso pragmti-ca da cincia, uma viso otimista e sem crtica sobre a prtica cientfi ca ou tecnolgica. A informao oferecida

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    normalmente est baseada no prestgio do pesquisador que se comunica com o jornalista.

    c) Divulgao CrticaEste nvel coloca a nfase na relao cincia-so-

    ciedade, e procura gerar espaos de refl exo que permi-tem aproximar o fenmeno da cincia e da tecnologia da sociedade.

    2.1 A especializao e a necessidade do jornalismo cientfi co

    A divulgao de notcias cientfi cas e/ou tecnol-gicas pode ser feita por qualquer jornalista? necessrio um profi ssional especializado? Eis a questo.

    O fenmeno da especializao est presente em todas as profi sses: pensemos na Medicina, na Engenha-ria, na Biologia, na Qumica, nas Cincias Sociais. Cada dia mais necessrio estar especializado; isso tem a sua boa justifi cativa.

    Pensando na Biomedicina, por exemplo, a quan-tidade de trabalhos que se publicam todos os anos supera nossa capacidade de conhec-los. A base de dados Pub-Med7 mostra que, no ano 2010, foram publicados 923.854 trabalhos e s considerando os biomdicos; universo absolutamente impossvel de conhecer em detalhe. Essa quantidade impressionante de conhecimentos gerados todos os anos determina, de alguma maneira, que seja

    7 O PubMed foi desenvolvido pelo Centro Nacional para a Infomao Biotecnolgica (nome original em ingls National Center for Biotechnology Information, NCBI) e mantido pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos da Amrica (em ingls National Library of Medicine). Confi gura-se como a verso gratuita do banco de dados Medline, uma base com informaes da literatura internacional da rea mdica e biomdica, produzida pela NLM (National Library of Medicine, USA).

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    necessrio nos concentrarmos em algumas linhas con-cretas de pesquisa, caso contrrio difi cilmente podere-mos saber por onde as coisas vo.

    Se nos referimos s especializaes, podemos dizer que o jornalismo cientfi co uma especializao do jornalis-mo e, sem dvida, tambm uma especializao da cincia. Essa grande diviso no termina a; dentro do jornalismo cientfi co podemos estabelecer, pelo menos, as seguintes subdivises: jornalismo ambiental, jornalismo mdico e jor-nalismo tecnolgico. Cada uma dessas divises arbitrria e realmente poderamos considerar todas elas dentro do jor-nalismo cientfi co. Estabelecemos essa diviso justamente no sentido de marcar uma tendncia na especializao dos te-mas que podem ser tratados na divulgao cientfi ca.

    Essa especializao, ou canibalizao do conheci-mento, como preferimos chamar, foi maior depois da Se-gunda Guerra Mundial, quando comearam a surgir nas carreiras, com nome e sobrenome, as especializaes como Qumica Biolgica, Fsica Nuclear, Biofsica, Jornalismo Eco-nmico, Jornalismo Ambiental, Medicina Nuclear.

    Historicamente, o profi ssional era jornalista, qumico, fsico, mdico, jardineiro ou militar etc. Nor-malmente as pessoas dedicadas a essas profi sses ti-nham uma amplitude de conhecimento bastante consi-dervel; claro que at determinada poca a quantidade de informao disponvel era muito limitada. No sculo XIX, o mdico era clnico o mdico da famlia. Quando comearam a surgir cada vez mais dados e conhecimen-tos, esse mdico comeou a ser especialista em corao, em pulmo, em anestesia. Para esse avano da especiali-zao contriburam, consideravelmente, as comunicaes, as viagens e o contato pessoal entre os grupos de trabalho que, devagar, foram ampliando os horizontes temticos e a forma de trabalhar. Com o jornalismo no foi diferente.

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    O jornalista era o profi ssional que conhecia de tudo e no sabia de nada; na realidade, era uma das ha-bilidades mais reconhecidas nos bons jornalistas, inclusive uma habilidade considerada at nossos dias. O profi ssional era o que escrevia uma notcia de poltica, de economia, de meteorologia, de medicina, de tecnologia ferroviria, ou matrias sociais como o casamento ou batismo de algum. Essa situao no s era possvel pelo profi ssionalismo do jornalista, mas tambm graas ao pequeno volume de no-tcias geradas no mbito de trabalho, principalmente local. Tambm a velocidade de circulao dessas notcias do lo-cal de origem at chegar mdia manteve-se lenta at a in-veno do telgrafo. Nesse sentido, necessrio pensarmos o que implica o uso da Internet no que se refere veloci-dade da comunicao: praticamente de forma instantnea, podemos interagir com nosso colega que est do outro lado do mundo, ou fora do planeta, inclusive. Na perspectiva de Castells (2002), a rede a prpria sociedade e expres-sa os processos e interesses sociais. Para ele, a Internet se constitui, hoje, na base material e tecnolgica da sociedade, na infraestrutura e no meio organizador que d margem a uma srie de novas formas de relao social e aqui ns podemos incluir relaes de trabalho que no tm sua origem na Internet, mas so originrias de mudanas his-tricas que, no entanto, no poderiam se desenvolver sem a rede. Manuel Castells adverte que a Internet no um mero aparato tecnolgico, mas um meio de comunicao que constitui a forma organizativa de nossas sociedades, o equivalente s fbricas com o advento da era industrial.

    Ainda de acordo com Castells (1997, p. 47),

    [...] a sociedade da informao se destaca por-que conta com uma forma especfi ca de orga-nizao social na qual as novas tecnologias propiciam que as fontes fundamentais da pro-

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    dutividade e o poder estejam na gerao, no processamento e na transmisso da informao.

    No caso da cincia, a situao no muito dife-rente, porque antes do advento da Internet, o pesquisa-dor era obrigado a superar individualmente muitas das barreiras surgidas no mbito do seu trabalho, sem poder aguardar pelas respostas dos colegas que, por mais perto que estivessem, no poderiam acelerar o tempo neces-srio para o envio de uma mensagem; para obter uma resposta, podia-se esperar uma eternidade.

    Com o aumento exponencial da produo cient-fi ca, dos avanos da tecnologia e da velocidade na trans-misso do conhecimento, o pesquisador conseguiu con-centrar-se, principalmente, na sua rea de interesse e re-solver as perguntas adicionais com ajuda de colegas que j estavam trabalhando no tema, de forma mais avana-da. A velocidade das comunicaes permitiu uma maior concentrao em um trabalho especfi co, chegando hoje a uma ultraespecializao globalizada.

    Ultraespecializao porque o pesquisador estu-da um tema particular de anlise, e globalizada porque, ao mesmo tempo, sabe que o tema no qual trabalha est sendo pesquisado, tambm, pelo colega que est a 10 mil quilmetros de distncia; no s isso, mas o fato de tam-bm se estabelecerem colaboraes altamente produti-vas. Pode-se dizer que o cientista, no sculo XXI, pode estar trabalhando on-line, compartilhando dados, anali-sando ou enviando resultados de forma instantnea.

    Considerando essas possibilidades, bom recordar que os sistemas como o Skype, o Facebook ou o Twitt er no s servem para passar o tempo, mas como ferramentas de trabalho em equipe. Caso os pesquisadores mantenham um sistema de colaboraes, eles utilizaro todos os recursos da tecnologia disponveis, caso

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    contrrio, tanto faz ter as redes sociais mais modernas da histria. Os ambientes virtuais de trabalho no mudam os comportamentos dos ambientes reais de trabalho.

    O fato de os pesquisadores se concentrarem em um tema especfi co no implica que estejam desconecta-dos completamente do contexto global da pesquisa; pelo contrrio. Os cientistas se concentram em um determina-do tema, sim, mas com uma viso global ou, em outras palavras, uma viso holstica da cincia, no sentido de integrar distintas disciplinas para serem aplicadas reso-luo das perguntas que se apresentam no dia a dia da pesquisa.

    As cincias de orientao sero aquelas que, devido a evolues histricas, abrem novos horizontes do conhecimento. Por exemplo, por volta de 1500, tempo do qual partimos, a geografi a em conjunto com a geografi a cultu-ral era uma espcie de cincia de orientao. Hoje so-no essencialmente as zonas limiares da biologia, da qumica, da medicina, da fsica, da engenharia e da tica. Ento, mesmo com os pensamentos estimulantes de Marquard, a mentalidade de separao no nos ajuda. No se pode imaginar nenhum sistema de tarefas claramente separadas (WUTTKE, [200-], p. 1).

    No Ocidente, o discurso cientfi co se estabelece e consegue se desenvolver a partir da democracia grega. No entanto, com o desenvolvimento dos conhecimentos, o saber foi se tornando compartimentado em cincias, em disciplinas. A partir da se gerou a percepo de que as disciplinas necessitam umas das outras para solucionar determinados tipos de problema e que a unio de duas ou mais cincias poderia abarcar um segmento fenom-nico at ento sem contornos defi nidos, sendo formadas as ideias de interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, transdisciplinaridade, entre outras.

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    2.2 Jornalista cientfi co: cientista ou jornalista?

    E j que estamos abordando a especializao, no caso especfi co a da nossa rea de interesse, devemos responder pergunta que abre este subcaptulo. A res-posta que as duas formaes profi ssionais so poss-veis e cada uma delas fornecer um ponto de vista dife-rente para a construo da disciplina. Pode-se afi rmar a existncia de poucas dvidas a respeito da funo ou do trabalho a ser desenvolvido por um jornalista; a maioria das pessoas acredita que a sua funo a de difundir in-formaes atravs da mdia de uma forma processada ou pr-digerida sobre os acontecimentos que ocorrem no mundo, ou na vizinhana. O jornalista recebe uma formao tcnica orientada para analisar, processar e transmitir as notcias em geral, mesmo que dentro dessa transmisso da informao exista, sem dvidas, um im-portante componente interpretativo e educativo dirigido ao receptor da informao.

    O jornalista procura o novo, o imediato, o que suceder amanh principalmente a partir do uso da Internet; procura superar, ganhar o colega da concorrn-cia; o cientista tambm est em uma carreira similar para sair na frente do laboratrio vizinho com suas publica-es, mas normalmente tem outros ritmos de trabalho mais lentos e repetitivos, submetidos, na teoria, a vrios sistemas de controle prvios, antes que o trabalho seja publicado. importante assinalar que embora exista um sistema de controle, no signifi ca que o universo cientfi -co seja melhor, ou mais transparente que outras ativida-des humanas.

    Romanticamente falando, o cientista tem uma for-mao orientada para a procura de respostas para determi-nados problemas que a humanidade enfrenta, mesmo que,

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    na maioria dos casos, a sua funo seja simplesmente res-ponder perguntas de complexidade varivel, algumas das quais tm um grande impacto social e outras nem tanto.

    A relao entre a cincia e o jornalismo no simples; melhor dito, a relao entre jornalistas e cien-tistas nem sempre se caracteriza como uma convivncia pacfi ca. Em muitos casos se parece mais com um tsuna-mi. Todos querem ter razo. Os distintos pontos de vis-ta so normais e necessrios, mas dentro da divulgao cientfi ca o pesquisador considera que as informaes transmitidas pelos jornalistas esto fora do contexto, foram interpretadas de forma equivocada, resumidas, sem sentido. O jornalista, por sua vez, considera que o cientista no sabe transmitir de um jeito simples toda a informao que pode ser til para o pblico, ideia que bastante correta.

    Para a maior parte da populao, a realidade da cincia aquela apresentada pelos meios de comunicao de massa. O pblico, em geral, conhece a cincia menos por meio da experincia direta ou da educao prvia do que atravs do fi ltro da linguagem e da imagtica do jornalista. Muitos cientistas desconfi am dos jornalistas e criticam suas reportagens por infi delidade, simplifi cao exagerada ou eventual sensacionalismo. Os prprios jornalistas criticam, muitas vezes, a maneira pela qual a cincia representada pela mdia. No entanto, tendem a responsabilizar suas fontes cientistas, universidades e instituies tcnicas por fornecer informao muito intrincada ou inadequada. O prprio pblico frequentemente reclama porque a informao cientfi ca disponvel nos meios de comunicao incompleta ou incompreensvel (EPSTEIN, 2002, p. 82).

    Todos tm, em parte, razo, mas nem tudo branco ou preto; faz-se necessrio considerar uma gama de cinzas e, por isso, deveria fi car claro que para fazer jor-

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    nalismo cientfi co pode ser to importante ter formao como jornalista quanto como pesquisador. Cada um po-der aportar um ponto de vista interessante a um trabalho que, se fosse feito em parceria, seria ainda melhor.

    2.3 Dupla funo da comunicao cientfi ca: formar e informar

    A comunicao cientfi ca uma especializao da comunicao, do mesmo modo que existe a comuni-cao poltica, a comunicao econmica, a comunicao cultural, a comunicao dos esportes, entre outras.

    A literatura acerca da temtica quase unnime em considerar que a divulgao cientfi ca jornalstica se deu, primeiramente, no sculo 17. No Brasil, porm, esse gnero s aparece muito tempo depois, sobretudo em funo da chegada tardia da imprensa em nosso terri-trio, em 1808, aps a fuga da famlia real portuguesa para a colnia americana em consequncia das incurses napolenicas na Europa.

    Mas, abordando especifi camente o tema Jorna-lismo Cientfi co, o que vamos encontrar entre os distintos autores a ideia ou o conceito de que o jornalista cientfi -co no s informa ao pblico, mas tambm cumpre uma funo de formador e de mediador. lgico. Tambm podem faz-lo o jornalista econmico, o jornalista cul-tural e at o jornalista esportivo este pode ajudar, por exemplo, a criar uma conscincia sobre o cuidado com o corpo e com a sade. Por isso, esse tipo de discusso ou enfoque no tem muito sentido, porque realmente todo jornalista pode cumprir a funo de informar e, ao mes-mo tempo, de formar, e at de educar; que se cumpra uma funo ou outra depende da linha editorial que se

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    deseje oferecer na mdia. Na verdade, qualquer jornal, TV ou rdio pode estar ou no formando permanente-mente, por ao ou por omisso.

    Bueno8 (1984) afi rma que, a partir dos critrios de atualidade, universalidade, periodicidade e difuso fundamentais ao jornalismo o jornalista, neste caso o cientfi co, deve se constituir em um mediador do di-logo entre o leitor e o cientista, apresentando uma viso diversa, sob o vis crtico da informao com veracidade.

    Embora reconheamos a necessidade de a socieda-de se informar acerca dos passos dados nas reas de cincia e de tecnologia, preciso atentar para a complexidade que isso pode representar. Ainda conforme Bueno (2007, p. 1),

    foroso reconhecer tambm que no tarefa f-cil trazer temas complexos de cincia e de tecno-logia para o dia a dia das pessoas, especialmente quando elas no esto familiarizadas com os con-ceitos bsicos da rea, mas isso possvel com es-foro, talento e competncia. sobretudo realiz-vel quando jornalistas/divulgadores e cientistas/pesquisadores trabalham em parceria e esto em-penhados em cumprir adequadamente este papel [...] Sem uma divulgao e um Jornalismo Cient-fi co qualifi cados, a cincia e a tecnologia [...] que, em muitas reas, competem com as realizadas nos pases chamados hegemnicos, permanece-ro distantes dos cidados, das autoridades, dos parlamentares, da sociedade de maneira geral. Impedir que isso acontea dever de todos ns.

    Porm, a sociedade contempornea, aparente-mente bem informada justamente por esse permanente

    8 Wilson da Costa Bueno um dos nomes mais expressivos do Brasil quando se fala em jornalismo cientfi co. Ele jornalista, professor do Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social da Unesp, professor de Jornalismo da ECA/USP, editor do Portal do jornalismo cientfi co on-line. autor dos livros: Comunicao, jornalismo e meio ambiente; Comunicao empresarial: uma leitura crtica; e Jornalismo cientfi co no Brasil: aspectos tericos e prticos.

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    bombardeio de informaes9 , parece ainda padecer da desinformao em muitos aspectos. Do ponto de vista cientfi co e tecnolgico, ou dos conhecimentos produzi-dos nos mbitos da cincia e da tecnologia, tudo indica que a informao ainda privilgio de uma minoria. conhecimento de poucos, pois no so divulgados em larga escala os conhecimentos produzidos no mbito da cincia, deixando a maioria dos indivduos comple-tamente alheia s informaes que deveriam ser dadas sobre o campo cientfi co e ser publicizadas.

    Existe o conhecimento ou sabedoria popular que pode detectar, em alguns casos, problemas que atingem a qualidade de vida. Por exemplo, quando uma comuni-dade mora beira de um rio poludo, ou perto de uma fbrica poluente e detecta que existe um problema. Essa comunidade ter o interesse em difundir as necessida-des do local no sentido de obter respostas dos poderes pblicos. Nesses casos, o jornalismo no deveria fi car alheio s demandas sociais e poderia pegar o gancho desse tema para construir matrias sobre ecologia e meio ambiente, para citar apenas duas possibilidades.

    2.4 Notcias de cincia e tecnologia

    A notcia ou nota informativa a base fundamental do jornalismo, o corao da profi sso.

    9 Na dcada de 1940, o terico da comunicao Paul Lazarsfeld, da Escola Funcionalista, j chamava a ateno para esse bombardeio, no sentido de que o fl uxo muito grande de informaes estaria acarretando o alheamento da maioria dos indivduos. Ou seja, ao contrrio da esperada participao ativa do pblico, haveria, com esse fl uxo cada vez mais crescente de informao, o mass aparthy, ou atitude passiva da maioria, desencadeando, de acordo com o terico, uma desinformao virtual.

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    Mas, o que uma notcia? A notcia mostra os aspectos novos, originais de uma situao, fato ou acontecimento. Devemos considerar que esses aspectos alm de novos deveriam ter, tambm, um valor que merea ser transmitido socialmente. Esse ponto no quer dizer que s devamos nos concentrar em transmitir novidades ou originalidades criadas nos laboratrios de pesquisa a serem aplicadas imediatamente em benefcio da humanidade; mas, em geral, importante usar a divulgao com critrios de qualidade que devem ser o norte do trabalho.

    A notcia pode ser defi nida como a construo jornalstica de algo que aconteceu e merece ser conheci-do pela sociedade. Uma notcia transmite acontecimen-tos novos, inovadores ou que no foram considerados previamente; por isso, para que algo possa ser pensado como uma notcia, deve ser, principalmente, novo, original, curioso, capaz de originar uma reao im-portante em quem receber essas informaes.

    Pensemos que essa atitude no se d apenas na m-dia, mas tambm no dia a dia das pessoas. Escutamos mui-tas vezes questes como: Viu o que aconteceu com []? e O que foi se passou com [...]?. A partir dessas duas per-guntas possvel desenvolver dilogos bastante intensos, sempre e quando o emissor tenha o conhecimento de algo novo, pelo menos para o receptor da novidade. Assim acontece com os indivduos, a sociedade, a mdia.

    Na produo de notcias, temos, por um lado, a cultura profi ssional; e, por outro, as restries ligadas organizao do trabalho sobre as quais so criadas convenes profi ssionais que defi nem a notcia e legitimam o processo produtivo, desde a captao do acontecimento, passando pela produo, edio at a apresentao. Resultado: estabelece-se assim um conjunto de critrios de relevncia que defi nem

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    a noticiabilidade de cada acontecimento. Ou seja, a sua capacidade para ser transformado em notcia (PEREIRA JNIOR, 2005, p. 81).

    Contudo, para que um acontecimento tenha a categoria de notcia, no condio nica apenas ser novo. Existe uma pirmide de prioridades que tem por base a seguinte qualifi cao:

    a) Hierarquia dos atores envolvidos na notcia: se uma pessoa sofre um acidente de trnsito triste e la-mentvel para o grupo de pessoas que a conhecem; mas se quem morre o governante de um pas, a notcia pas-sa a ser prioridade para a mdia.

    b) Impacto geral sobre uma regio, estado, pas...: um tremor de terra no deserto um tremor que no afeta muitos indivduos de forma direta; mas um tremor em Roma pode ser um desastre mundial.

    c) O nmero de pessoas envolvidas no evento: se algum tem problemas fi nanceiros grave, mas pou-cos vo ligar para essa questo; mas se o problema fi nan-ceiro dos EUA, do Brasil, do Mxico ou da Argentina, muita gente sofre as consequncias e, portanto, a impor-tncia da notcia bem maior.

    d) Consequncias futuras do acontecimento: o atentado s torres gmeas em Nova Iorque, por exemplo, no apenas mostrou o impacto do momento, mas tambm que suas consequncias continuam at nossos dias.

    Mas, o que sucede quando se trata de cincia? No jornalismo cientfi co muitas vezes teremos que fazer uma seleo dos eventos cientfi cos que realmente me-recem ser convertidos em notcia. Mesmo sendo tudo relativo, muitas vezes passaro por nossas mos infor-maes que poderiam ser consideradas cientfi cas e, na verdade, so apenas mais um assunto reciclado pelos

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    editores dos meios de comunicao ou pelos prprios grupos de pesquisa, claro.

    Em 2002-2003, na Espanha, era normal aparecer na mdia um pesquisador apresentando resultados bastante espetaculares sobre as aplicaes teraputicas das clulas-tronco. O interessante era que essas notcias apareciam nas pocas que coincidiam com as reunies dos comits de avaliao de projetos. Assim, o que pode acontecer, de for-ma direta ou indireta, que a mdia infl uencie no sentido da outorga dos recursos pelas agncias fi nanciadoras para um grupo de pesquisa ou para outro.

    A situao similar observada com algumas notcias econmicas, as quais mostram resultados espe-taculares (positivos ou negativos), que determinam que as aes cotizadas nas bolsas de valores (Bolsa de Va-lores de So Paulo BOVESPA, por exemplo) mudem segundo o humor dessas notcias.

    A partir dessa perspectiva, bom levar em conta os aspectos ideolgicos que permeiam as notcias. Ciro Marcondes Filho (1986, p. 13) atenta para esta questo e sentencia que notcia a informao transformada em mercadoria com todos os seus apelos estticos, emocio-nais e sensacionais. Para ele, necessrio levar em con-siderao o carter mercadolgico que a notcia pode ter. Jos Arbex Jnior (2005, p. 40) ressalta que:

    [...] a produo de conhecimento e saber, no mundo contemporneo, d-se por meio de um inevitvel jogo que coloca em ao (em rela-es de cooperao e/ou de choque) vrios sis-temas de conceitos cientfi cos e fi losfi cos, de valores ticos e estticos (grifos nossos).

    Ainda de acordo com o autor, h uma tendncia exaltao da novidade, ou seja, diante de tantas informaes, os indivduos so chamados a distanciar-se

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    da refl exo sobre determinado acontecimento, exaltando, em contrapartida, a novidade que ele representa.

    Levando-se em conta essas questes, e os quatro pontos anteriores, a cincia no alheia a uma pirmide de prioridades informativas. importante estar ligado a certas situaes, j que podemos encontrar simples operaes de marketing cientfi co destinadas a promover um grupo de trabalho em especial (pblico ou privado). Por que assim? Por uma simples razo empresarial que pode gerar lucros com temticas de cincia e tecnologia. Por exemplo, asso-ciado questes sobre o cuidado do corpo existe uma infi -nidade de produtos comerciais desde os cosmticos, que se vendem nos supermercados, at remdios ou alimentos que permitem diminuir o colesterol rapidamente sem ter que preocupar-se muito em fazer uma dieta controlada.

    2.4.1 Como reconhecer notcias cientfi cas ou tecnolgicas

    Reconhecer as notcias cientfi cas ou tecnolgicas um dos primeiros passos para iniciar a divulgao da informao. Por motivos histricos e at elitistas, normal considerar como notcias cientfi cas aquelas relacionadas sade ou s viagens espaciais, por exemplo, mas no s de sade ou viagens espaciais vive a cincia; tambm vive de ecologia, de biologia, de geologia, de climatologia, entre outras reas.

    Para essa anlise, devemos ter em mente algumas perguntas que vo ser muito teis para o controle da quali-dade como, por exemplo: quem est comunicando o fato?, seria uma delas. importante saber quem afi rma deter-minada informao, porque a partir dela nos orientamos sobre a seriedade do assunto. um pesquisador reconheci-do? de uma universidade ou instituto reconhecido? Tem o apoio de organismos pblicos ou privados de prestgio?

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    O que quer dizer? Como sabe a respeito do que est falando? Que mtodos de estudo foram utilizados? A resposta a essas perguntas e a forma simples e segu-ra de respond-las daro as referncias do trabalho que dever ou no ser divulgado.

    Esse ponto importante porque tambm vai per-mitir trabalhar com certo grau de qualidade no sentido de discriminar informaes que simplesmente no pas-sam de fofocas ou de temas mais prximos pseudo-cincia do que cincia propriamente dita. Difi cilmente um pseudocientista tem o apoio de um organzao, nacional ou internacional, reconhecida.

    Aqui no pretendemos realizar uma desvaloriza-o das pseudocincias como atividade humana, porque pensamos que se uma pessoa sente que uma disciplina pode ser til para a sua qualidade de vida, pode ser in-teressante, mas no devemos misturar as coisas e dar va-lor cientfi co a atividades que realmente no o possuem. Gostaramos de deixar bem claro que as pseudocincias no cumprem as normas bsicas do mtodo cientfi co e por isso no podem ser consideradas cincias.

    Lembremos o conceito de jornalismo cientfi co de Manuel Calvo Hernando (2004, p.75):

    O jornalismo cientfi co a difuso, em forma compreensvel, de notcias cientfi cas e tecno-lgicas nos meios de comunicao de massa.

    Considerando esta defi nio, e associando-a ao conceito inicial de notcia, podemos afi rmar que as no-tcias de cincia e tecnologia so acontecimentos novos, produzidos no mundo da cincia e que merecem ser di-vulgados pelos meios de comunicao social.

    No devemos esquecer os princpios da cincia e seus mtodos que, como afi rmamos, subdividem-se

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    em defi nitrios, classifi catrios, estatsticos, hipottico-dedutivos, procedimentos de medio. Assim, quando falamos de mtodo cientfi co, conforme j assinalamos, melhor considerar uma metodologia de trabalho aceita pela maioria dos pesquisadores. bom pensar, tambm, que muitos trabalhos cientifi camente rigorosos pouco tm de cientfi co ou de rigoroso; de fato, a falta dos con-troles de qualidade no ambiente acadmico mais a re-gra e no a exceo. Por isso, o jornalista cientfi co deve fi car muito atento.

    Quando se trata de pseudocincias, normalmen-te o sistema est baseado em declaraes de experts mais ou menos reconhecidos; faltam a comprovao, a estatstica e a liberdade para que a informao possa ser testada.

    O papel que o jornalismo cientfi co pode exercer no deveria fi car restrito divulgao de informaes tcnicas; caberia, tambm, apresentar os distintos fatores envolvidos na gerao do conhecimento, muitas vezes ligados a questes principalmente de ordem econmica.

    A fi m de realizar suas tarefas com os pesquisado-res, os jornalistas cientfi cos precisam considerar o tipo