petição inicial contra o projeto da vila naval

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania, através dos 35º e 12º Promotores de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, com atuação, respectivamente, em matérias de Habitação e Urbanismo, Meio Ambiente e Patrimônio Histórico e Cultural, que esta subscrevem, diante do que foi apurado no Inquérito Civil nº 31/2017-35ªPJHU/12ªPJMA, usando das prerrogativas que lhes são conferidas pela Constituição da República na defesa dos interesses coletivos e individuais homogêneos, vem, com fulcro nos artigos 127 e 129, incisos II e III, da Constituição Federal; artigos 1º e 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Federal nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – LONMP); Lei Federal nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública); além de outras normas aplicáveis à espécie, à presença de Vossa Excelência, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE COM PEDIDO LIMINAR em face do MUNICÍPIO DO RECIFE, pessoa jurídica de direito público, representada pelo Prefeito da Cidade do Recife, com sede na Av. Cais do Apolo, 925, Bairro do Recife, Recife/PE, CEP: 50030-903. F: 3355-8000. 1. DOS FATOS Em 09 de agosto de 2017, foi instaurado o Inquérito Civil Conjunto nº 31/2017- 35ªPJHU/12ªPJMA pelos 35º e 12º Promotores de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, com a finalidade de acompanhar o cumprimento da legislação urbanística e ambiental no curso do processo de elaboração do Plano Específico Santo Amaro Norte, bem como os desdobramentos deste plano e a análise dos projetos eventualmente apresentados. Av. Visconde de Suassuna nº 99, Edf promotor Paulo Cavalcanti, Boa Vista, Recife/PE, CEP: 50050-540. 1/44 MPPE-ARQUIMEDES Auto: 2017/2736310 Doc.: 8935226

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Page 1: Petição inicial contra o projeto da Vila Naval

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL

EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania, através dos 35º e 12º Promotores de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, com atuação, respectivamente, em matérias de Habitação e Urbanismo, Meio Ambiente e Patrimônio Histórico e Cultural, que esta subscrevem, diante do que foi apurado no Inquérito Civil nº 31/2017-35ªPJHU/12ªPJMA, usando das prerrogativas que lhes são conferidas pela Constituição da República na defesa dos interesses coletivos e individuais homogêneos, vem, com fulcro nos artigos 127 e 129, incisos II e III, da Constituição Federal; artigos 1º e 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Federal nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – LONMP); Lei Federal nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública); além de outras normas aplicáveis à espécie, à presença de Vossa Excelência, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE COM PEDIDO LIMINAR

em face do MUNICÍPIO DO RECIFE, pessoa jurídica de direito público, representada pelo Prefeito da Cidade do Recife, com sede na Av. Cais do Apolo, 925, Bairro do Recife, Recife/PE, CEP: 50030-903. F: 3355-8000.

1. DOS FATOS

Em 09 de agosto de 2017, foi instaurado o Inquérito Civil Conjunto nº 31/2017-35ªPJHU/12ªPJMA pelos 35º e 12º Promotores de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, com a finalidade de acompanhar o cumprimento da legislação urbanística e ambiental no curso do processo de elaboração do Plano Específico Santo Amaro Norte, bem como os desdobramentos deste plano e a análise dos projetos eventualmente apresentados.

Av. Visconde de Suassuna nº 99, Edf promotor Paulo Cavalcanti, Boa Vista, Recife/PE, CEP: 50050-540.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL Em atendimento à solicitação efetuada por esta Promotoria de Justiça, a Secretaria

de Planejamento Urbano do Recife – SEPLAN encaminhou expediente, acompanhado de mídia digital, contendo minuta do Plano Santo Amaro Norte (DOC. 01) e apresentação acerca do Projeto Especial (DOC. 02) para a área denominada Santo Amaro Norte, localizada na porção norte do bairro de Santo Amaro, na cidade do Recife, delimitada pela avenida Norte Miguel de Alencar, avenida Governador Agamenon Magalhães e estuário do Rio Capibaribe, com diagnóstico do território e respectiva proposta.

Conforme se depreende da análise da documentação, o Plano Santo Amaro Norte engloba o Plano Específico das Zonas Especiais de Dinamização Econômica – Eixo – ZEDE-Eixo e o Plano Específico para o Setor de Preservação Ambiental – SPA, da ZEPH 19 – Hospital de Santo Amaro (Vila Naval), previsto na Lei Municipal nº 16.176/1996 (Lei de Uso e Ocupação do Solo – LUOS), bem como o Plano Urbanístico Preliminar da Zona Especial de Interesse Social – ZEIS Santo Amaro, além de estabelecer diretrizes para o desenvolvimento do Plano Específico para o Setor de Preservação Rigorosa –SPR da ZEPH – 23 e do Plano Específico para o Setor de Preservação Rigorosa – SPR da ZEPH – 19.

Em mesmo expediente a SEPLAN, ainda, afirmou:

“Ao finalizarmos, consideramos importante registrar que o Plano Santo Amaro Norte atende às determinações da legislação urbanística e ambiental vigentes em nível federal, estadual e municipal. Assim, como estão sendo cumpridas as determinações legais no tocante aos procedimentos para a sua discussão com a população do Recife, sobretudo aquela diretamente beneficiada com a sua instituição. Trata-se de uma proposta, portanto ainda na fase preliminar, de ausculta da sociedade, objetivando obter contribuições de todos e todas.” (grifamos)

Ao contrário do que parece crer a municipalidade, os fatos trazidos a esta Promotoria de Justiça, por meio de representantes do Movimento Resiste Santo Amaro, de representante do Conselho da Cidade do Recife e de representante do Grupo Direitos Urbanos, atestam pela ausência de efetiva participação popular, notadamente da comunidade de Santo Amaro, a fim de que fossem discutidas as premissas e demandas oriundas da população local para a elaboração daquele plano urbanístico, como bem passamos a expor.

No curso das investigações, representantes do Conselho da Cidade e do Movimento Resiste Santo Amaro compareceram a esta Promotoria de Justiça, em 17/08/2017, relatando supostas irregularidades no processo de consulta e elaboração do Plano Santo Amaro Norte (Vila Naval), que seria apresentado pela Prefeitura do Recife em audiência pública no dia 22/08/2017.

Tendo em vista tais informações, este Órgão Ministerial designou audiência para o dia 25/08/2017, com o fim de colher mais informações e esclarecimentos acerca dos fatos objeto do mencionado procedimento investigatório. Procedeu-se com a notificação dos

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citados representantes, bem como de representante da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, tendo em vista ser a instituição responsável pela elaboração do Plano Centro Cidadão, o qual abarca parte do bairro de Santo Amaro.

Compareceram àquela audiência representantes do Grupo Direitos Urbanos, do Mestrado em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, que compõe o Conselho da Cidade, e da UNICAP.

Na ocasião, a representante da UNICAP apontou que as conclusões do Estudo do Plano Centro Cidadão, que tem por objetivo estudar e definir novos parâmetros urbanísticos e propor diretrizes de integração entre os espaços públicos e privados do Centro Continental do Recife, compreendendo os bairros de Santo Amaro, Boa Vista, Soledade, Ilha do Leite, Coelhos e Paissandu, não devem ser os únicos substratos para a elaboração dos Planos Específicos. Ainda, salientou “que a área da Vila Naval não está no escopo dos estudos do Plano Centro Cidadão, fato que causou estranheza no início dos estudos” (sic). (DOC. 03)

Também, afirmou que não houve a colaboração popular específica para a elaboração do Plano Santo Amaro Norte, de modo a se fazer necessária uma discussão mais aprofundada no âmbito das comunidades afetadas. De acordo com a representante da UNICAP, o Plano Santo Amaro Norte não “enfatizou alguns dos anseios da comunidade de Santo Amaro, tais quais: habitabilidade, flexibilidade da forma arquitetônica, amplitude e horizontalidade construtiva”. (DOC. 03)

Questionada quanto à colaboração dos participantes do Plano Centro Cidadão na elaboração do Plano Específico Santo Amaro Norte, aquela representante destacou que não houve nenhuma participação direta, “tendo havido apenas o comparecimento dos integrantes destes a uma apresentação realizada pela municipalidade, sem que houvesse qualquer interferência dos integrantes do Plano Centro Cidadão para a efetiva formulação do Plano Específico ora apresentado”. (DOC. 03)

Por fim, a representante da UNICAP juntou aos autos do citado procedimento investigatório “Parecer Sobre Proposta Para a Vila Naval – Julho.2017” no qual são elencadas observações e sugestões da Coordenação do Plano Centro Cidadão acerca da Proposta do Plano Santo Amaro Norte e renovação para a Vila Naval, no bairro de Santo Amaro, elaborada pela Prefeitura do Recife, através do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira – ICPS e da Secretaria de Planejamento Urbano do Recife. (DOC 04)

O supracitado parecer aponta, ao longo de diversos tópicos, a necessidade de alterações na Proposta do Plano de Santo Amaro Norte e renovação para a Vila Naval, notadamente quanto: à colaboração e inclusão sócio comunitária, à preservação da paisagem cultural, à oferta de espaços públicos, aos princípios e representações de adensamento, ao uso e apropriação de pedestres e ciclistas, à oferta de estacionamentos, bem como a diversos aspectos relacionados ao atendimento às prioridades da arquitetura urbana.

Em mesma audiência, o representante do Mestrado em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, que compõe o Conselho da Cidade do

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Recife, destacou inexistir participação popular “na elaboração de projetos urbanísticos, caracterizando um modelo tecnocrático, e não democrático na cidade do Recife; que, em todas as oportunidades, há a apresentação de uma proposta pronta, sem que haja espaço para a participação efetiva dos Conselheiros da Cidade; que, desde a Constituição Federal de 1988, a responsabilidade de se tomar decisões públicas, mais especificamente, acerca das temáticas urbanísticas, é repartida com instâncias participativas, como o Conselho da Cidade”. (DOC 05)

Apontou, ainda, que os prazos exíguos dados pelo Poder Público Municipal na tramitação do Plano Santo Amaro Norte são insuficientes para análise e elaboração de parecer técnico acerca daquele Plano por parte da Câmara Técnica de Planejamento, Controle Urbano e Meio Ambiente, parecer este, indispensável para a apreciação pelo plenário Conselho da Cidade.

Por fim, salientou que “durante a apresentação do Plano Específico Santo Amaro Norte, foi citada a participação de várias entidades, que, de fato, não foram participantes da formulação do referido Plano, sendo utilizadas, no caso da UNICAP, as conclusões dos estudos do Plano Centro Cidadão, sendo utilizadas apenas as partes que interessavam à municipalidade; que no documento de apresentação do Plano Específico foi citada a participação do PREZEIS, quando, em realidade o PREZEIS somente tomou conhecimento em 18/08/2017, um mês após a apresentação do documento de apresentação, e apenas quatro dias antes da realização da audiência pública do dia 22/08/2017”. (DOC 05)

Em continuidade a audiência, um dos representantes do Movimento Resiste Santo Amaro, ao abordar a ausência de efetiva participação popular, assim se manifestou:

“(…) que, desde 2014, o movimento Resiste Santo Amaro vem tentando participar da formulação do Plano Específico apresentado, tendo sido solicitada a realização de audiências públicas na comunidade de Santo Amaro; que o compromisso da municipalidade de realizar as discussões acerca do Plano Diretor de Santo Amaro e da Vila Naval se daria através do Plano Centro Cidadão; que houve, por parte da UNICAP, a disposição para ouvir as partes que se intitulavam interessadas na formulação do Plano Centro Cidadão; que foi deixado claro que o resultado do Plano Centro Cidadão seria o guia para a elaboração do Plano Específico; que em audiência na Câmara de Vereadores, foi cobrada, mais uma vez, a elaboração do Plano, com a participação efetiva da comunidade, e a cobrança de inclusão da Vila Naval como área para a construção do plano urbanístico de Santo Amaro; que entre 2016 e 2017 não houve a participação do Movimento Resiste Santo Amaro em debates acerca do Plano Específico, seja em audiências públicas ou no âmbito do Plano Centro Cidadão, tendo tomado conhecimento da marcação de uma audiência pública pela imprensa; que, no mês de julho, após procurados pela imprensa, foi ratificada a informação de que não houve a discussão do Plano Específico Santo Amaro Norte no Plano Centro Cidadão, fato ratificado pela representante da UNICAP neste ato, como também na reunião ocorrida no Instituto dos Arquitetos do Brasil, ao contrário do que foi informado pelo Município.” (DOC 05)

Por sua vez, o outro representante do citado Movimento, atestou que no período de 2015 a 2017, foram realizadas reuniões pontuais com pessoas selecionadas da

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comunidade, como vereadores que moram no bairro de Santo Amaro e que somente tomou ciência do Plano Santo Amaro Norte, que abarca área da Vila Naval, por meio de redes sociais. Destacou, ainda:

“que tomou conhecimento da volta das tratativas sobre o Plano Específico da Vila Naval por uma postagem no Facebook; que, com relação à Escola Almirante Tamandaré, que atendia 915 crianças e adolescentes, houve o compromisso do Secretário-Executivo de Educação de não fechar a Escola, mas em pouco tempo, houve o encerramento das atividades, situação que já sinalizava a intenção da utilização daquela área para o Plano Específico; que houve a realização de reuniões isoladas, com a participação de pessoas selecionadas de dentro da comunidade, sem que fosse dado o conhecimento amplo ao público; que o movimento Resiste Santo Amaro nunca foi convidado a participar de alguma reunião no âmbito da Prefeitura do Recife, até a audiência pública do dia 22/08/2017; que o comparecimento de membros do Movimento se dava de forma inesperada, sem que houvesse qualquer convite por parte da municipalidade”. (DOC 05)

Por fim, na mesma audiência, o representante do grupo Direitos Urbanos afirmou “que os representantes do Conselho da Cidade não tinham ciência da elaboração do Plano Específico, enquanto já estava havendo a participação de entidades como a ADEMI, a SINDUSCON e a Marinha”. No mesmo sentido atesta que o plano, tal qual apresentado, não satisfaz as exigências do Plano Diretor, por apresentar tratamentos diferenciados para a área do mercado imobiliário e da comunidade, verificado na existência de um Plano Específico para a área da Cruz Cabugá e Vila Naval e apenas um Plano Preliminar para a área da comunidade de Santo Amaro”.

Diante das informações colhidas até então, estas Promotorias de Justiça de Defesa de Cidadania da Capital, com atuação em Habitação e Urbanismo, Meio Ambiente e Patrimônio Histórico-cultural, expediram, no bojo do citado Inquérito Civil, a Recomendação nº 03/2017, na qual foi recomendada ao Prefeito da Cidade do Recife “a imediata suspensão do cronograma do projeto destinado à elaboração do Plano Específico Santo Amaro Norte e notadamente de audiências e análise daquele projeto pelo Conselho da Cidade”, com o fim de promover-se audiência pública em continuidade àquela ocorrida em 22/08/2017, de garantir a ampla discussão do projeto no âmbito do Conselho da Cidade, notadamente na Câmara Técnica de Planejamento, bem como de se proceder com a apresentação de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), a fim de se verificar se foram analisados os efeitos positivos e negativos do Plano e confecção de pareceres por parte dos órgãos técnicos municipais, a saber: Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural do Município do Recife – DPPC e Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Município do Recife – SDSMA. (DOC 06)

Em resposta à mencionada Recomendação, a Procuradoria-Geral do Município solicitou prorrogação de prazo alegando ser o lapso temporal estabelecido na mesma insuficiente para obter-se as informações junto aos órgãos competentes, não obstante o andamento do cronograma do projeto destinado à elaboração do Plano Específico Santo Amaro Norte.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL Ora, como é possível um plano urbanístico que vai definir parâmetros e coeficientes

que vão repercutir em uma área tão importante e estratégica da cidade ser elaborado sem a devida participação popular, ao revés dos princípios e diretrizes constitucionais e infraconstitucionais?

Como é possível a elaboração da proposta em comento sem a prévia realização de estudo de impacto ambiental (EIA) para avaliar a sua viabilidade ambiental, por meio do prognóstico, identificação, interpretação e ponderação dos impactos ambientais, potenciais e efetivos, em sua área de influência, bem como apresentar alternativas que potencializem os impactos positivos e minimizem, mitiguem e/ou compensem os impactos negativos?

Como é possível o Poder Público desconsiderar que a área de influência do citado Plano abrange Área de Preservação Permanente (APP faixa marginal do Rio Beberibe) e a Unidade de Conservação (UCN Estuário do Rio Capibaribe)?

O que se observa, lamentavelmente, é que o Poder Público Municipal, mais uma vez, se atropela na elaboração de planos/projetos urbanísticos ao não permitir a análise prévia da viabilidade ambiental por meio de EIA/RIMA, nem a efetiva participação popular, com a realização de audiências em que se permita a elaboração de questionamentos e sugestões, bem como respostas e esclarecimentos acerca das questões nos mesmos moldes.

Pelos fatos apresentados, constata-se que a municipalidade sequer respondeu aos questionamentos, observações e sugestões realizadas pela Coordenação do Plano Centro Cidadão quando a apresentação da Proposta do Plano Santo Amaro Norte e renovação da Vila Naval, que se deu no dia 10/07/2017 para arquitetas integrantes daquela Coordenação.

De mesmo modo, apesar das tentativas do movimento de representatividade da comunidade de Santo Amaro, não se permitiu sua efetiva participação, ao revés, o Poder Público Municipal não efetivou, por exemplo, audiências públicas com a comunidade antes da confecção da minuta do projeto, restringindo-se, portanto, a realização de audiência publica para apresentar projeto já pronto!

Dessa forma, diante da grave violação de princípios e direitos constitucional e legalmente assegurados, notadamente a garantia de um Meio Ambiente ecologicamente equilibrado e de uma política de desenvolvimento urbano que promova o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garanta o bem-estar de seus habitantes, tendo como instrumento básico o plano diretor, e da efetiva participação popular, resta à Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital, por meio dos Promotores que esta subscrevem, a propositura da presente Ação Civil Pública para que seja declarada a nulidade do Projeto Plano Santo Amaro Norte e confecção de novo projeto com a efetiva participação popular, promovendo-se a elaboração e apresentação de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), a fim de se verificar se foram analisados os efeitos positivos e negativos do Plano quanto ao Meio Ambiente, uso e ocupação do solo, paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

2. DO DIREITO URBANÍSTICO

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2.1. DO DIREITO À INFRA-ESTRUTURA URBANA E A PLENITUDE DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO

A Constituição Federal, ao elencar as competências dos entes federativos, estabeleceu em seu artigo 30, inciso VIII, que compete aos municípios “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.

Ainda, de acordo com o mesmo texto constitucional, e no âmbito do que se estabelece acerca da política urbana, assim prescreve:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habita ntes . (grifamos)

Além disso, o seu §1º estabelece que:

O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

Diante dos preceitos estipulados pelo legislador constituinte, observa-se ser atribuição dos entes municipais a implementação e desenvolvimento da política urbana das cidades, baseada no interesse social e em benefício do bem coletivo. Neste sentido, o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001, que regulamentou os arts. 182 e 183 da Constituição Federal e estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana, entre outras providências, dispõe:

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana , ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; (grifamos)

Assim, o direito a uma política urbana e à participação popular apresentam-se como aspectos fundamentais da garantia do direito a cidades sustentáveis e plenamente desenvolvidas, sendo diretrizes gerais da política urbana tutelada pelo constituinte, as quais o Poder Público Municipal não pode ignorar.

2.2. DO DIREITO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PLANEJAMENTO URBANO MUNICIPAL

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL Consoante supracitado, é dever do Poder Público Municipal executar a política de

desenvolvimento urbano, sem no entanto, descurar para a efetiva participação da população, como bem preceituou o constituinte de 1988:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: XII – cooperação das associações representativas no planejamento municipal; (grifamos)

Não é outro o entendimento do constituinte estadual que assim preceitua:

Art. 144. A Política de desenvolvimento urbano será formulada e executada pelo Estado e Municípios, de acordo com as diretrizes fixadas em lei, visando a atender à função social do solo urbano, ao crescimento ordenado e harmônico das cidades e ao bem-estar dos seus habitantes. § 2º No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano o Estado e os Municípios deverão assegurar: d) a participação ativa das entidades civis e grupos sociais organizados, na elaboração e execução de planos, programas e projetos e na solução dos problemas que lhe sejam concernentes; (grifamos)

O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, lei de incidência nacional, assegura que a gestão da política urbana efetuar-se-á por meio de uma gestão democrática com a efetiva participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, tornando-se essencial na formulação, execução e acompanhamento de planos e projetos de desenvolvimento urbano (Art. 2º, caput, inciso II) (grifamos).

O Estatuto assevera, ainda, que os Poderes Legislativo e Executivo deverão garantir, no exercício de fiscalização e implementação do plano diretor municipal, a participação popular em debates e reuniões concernentes à política de desenvolvimento e expansão urbana, contribuindo como instrumento fundamental para uma gestão democrática da cidade (Art. 40, § 4º, inciso I c/c Art. 43, inciso II).

Com o objetivo de se coadunar com os preceitos estabelecidos no Estatuto da Cidade, o Plano Diretor do Município do Recife, Lei nº 17.511 de 29 de dezembro de 2008, ao abordar os princípios fundamentais da política urbana, de forma categórica, ressalta a importância e necessidade da participação popular, senão vejamos:

Art. 5º A sustentabilidade urbana é entendida como o desenvolvimento local equilibrado nas dimensões social, econômica e ambiental, embasado nos valores culturais, no fortalecimento político-institucional, integrando políticas públicas, orientado para a melhoria contínua da qualidade de vida das gerações presentes e futuras, apoiando-se: VII – na participação da sociedade civil nos processos de decisão, planejamento, gestão e controle social;

Art. 6º A gestão democrática é entendida como o processo decisório, no qual há a participação direta dos cidadãos individualmente ou através das suas organizações representativas na formulação, execução e controle da política urbana, garantindo:

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I – a transparência, a solidariedade e a justiça social;II – a ampliação e a consolidação do poder dos citadinos e de suas organizações representativas na formulação das políticas e no controle das ações, através de instâncias representativas;

Art. 7º A política urbana do Município do Recife observará as seguintes diretrizes: VII – garantia da efetiva participação da sociedade civil no processo de formulação, implementação, controle e revisão do Plano Diretor do Recife, assim como dos planos setoriais e leis específicas necessárias à sua aplicação; (grifamos)

Pois bem. Para além da realização de uma única audiência pública, ocorrida em 22/08/2017, mister que o Poder Público Municipal garanta mecanismos e ferramentas eficazes na implementação da participação popular nas decisões relativas à política de desenvolvimento urbano e, consequentemente, no âmbito da elaboração do projeto do Plano Santo Amaro Norte, objeto da presente ação civil pública.

Neste sentido, a realização, no mínimo, de uma audiência pública, nos mesmos moldes daquela, com o escopo de prestar esclarecimentos acerca das dúvidas e questionamentos levantados, se faz imperiosa, por exemplo.

Em audiência realizada por esta Promotoria de Justiça os representantes do Movimento Resiste Santo Amaro afirmaram que a municipalidade, apesar das solicitações efetivadas pelo Movimento no sentido de se realizar audiências públicas com a comunidade de Santo Amaro, a fim de que fossem discutidas as premissas e demandas da população local para a elaboração do plano específico para a área, assim não procedeu.

E mais, de acordo com os mesmos representantes, o compromisso firmado pela municipalidade quanto a realização de discussões, e ouvida da comunidade acerca do projeto que abarca o bairro de Santo Amaro, no bojo dos trabalhos do Plano Centro Cidadão não se concretizou. Informação, inclusive, corroborada pela representante da UNICAP que “entende que não houve a colaboração popular específica para a elaboração dos Planos Específicos de Santo Amaro Norte/Vila Naval”.

Não cabe, neste ponto, ainda, a argumentação da ouvida pontual de alguns representantes da edilidade oriundos da comunidade. Tal fato, não abarca, por si só, o efetivo mecanismo de participação popular preceituado em toda legislação urbanística, subsistindo a necessidade, também, da legitima colaboração dos movimentos populares, notadamente quanto à comunidade de Santo Amaro e à população que será direta ou indiretamente afetada.

Mister destacar que, conforme informações trazidas pelo representante do Mestrado em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, que compõe o Conselho da Cidade, não houve participação do PREZEIS no Projeto, como parece crer a poder Público Municipal em documentação confeccionada para a apresentação do Plano Santo Amaro Norte, posto que “em realidade o PREZEIS somente tomou conhecimento em 18/08/2017, um mês após a apresentação do documento de

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apresentação, e apenas quatro dias antes da realização da audiência pública do dia 22/08/2017”.

Ou seja, apesar da existência da Zona Especial de Interesse Social – ZEIS Santo Amaro, não foi propiciado, por parte do Poder Público Municipal manifestação ou efetiva participação do PREZEIS.

Com efeito, é de se destacar que a participação popular prevista pelo legislador constitucional deve ser plena e efetiva, de modo a proporcionar um amplo debate, especialmente diante da importância e impacto direto que o Plano Santo Amaro Norte provocará na localidade e no seu entorno, posto seus reflexos no crescimento e na ocupação da área.

Assim, é fundamental assegurar não só a plena atuação do Conselho da Cidade do Recife, órgão colegiado que visa debater e acompanhar as políticas públicas relacionadas ao espaço urbano, bem como mecanismos que permitam a representação participativa popular preceituada na legislação urbanística. Tal fato se dá, por exemplo, com a realização de diversas audiências públicas, com a disponibilização de tempo hábil para manifestação dos órgãos técnicos do Conselho da Cidade, com a efetiva participação dos movimentos populares, notadamente quanto à comunidade de Santo Amaro e à população que será direta ou indiretamente afetada. Tudo, em face da importância e repercussão social, urbanística, ambiental e econômica que o projeto representa para a cidade, sob pena de assim não proceder, caracterizar-se uma pseudoparticipação, com violação dos princípios democráticos preconizados na Carta Magna.

Entretanto, como já demonstrado na apresentação dos fatos que deram ensejo à presente ação civil pública e pela documentação acostada, a municipalidade não promoveu uma participação popular efetiva e regular.

Constata-se, portanto, que a Prefeitura do Recife e seus representantes legais, vem, reiteradamente, desatendendo ao princípio da democracia participativa e a garantia constitucional da participação popular. Os fatos constatam que ao contrário do que afirma o próprio Poder Público Municipal, não se efetivou a ausculta da sociedade, objetivando obter contribuições de todos e todas, nem bem da população diretamente afetada com instituição do Plano Santo Amaro Norte.

2.3. DO PARECER ELABORADO PELA COORDENAÇÃO DO PLANO CENTRO CIDADÃO ACERCA DA PROPOSTA DO PLANO DE SANTO AMARO NORTE E RENOVAÇÃO DA VILA NAVAL

A representante da UNICAP, ao falar acerca da participação do Plano Centro Cidadão, convênio técnico científico celebrado entre a UNICAP e a Prefeitura do Recife, com vistas a elaborar diretrizes urbano arquitetônicas para o Centro Continental do Recife, que inclui o bairro de Santo Amaro, na elaboração do Plano Santo Amaro Norte, assim se manifestou em audiência realizada por esta Promotoria:

“(…) que não houve nenhuma participação direta dos participantes do Plano Centro Cidadão na elaboração do Plano Específico Santo Amaro Norte, tendo havido apenas o comparecimento dos integrantes destes a uma

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apresentação realizada pela municipalidade, sem que houvesse qualquer interferência dos integrantes do Plano Centro Cidadão para a efetiva formulação do Plano Específico ora apresentado; que não houve retorno do Parecer apresentado pelo Plano Centro Cidadão, que foi enviado ao ICPS no dia 1º/08/2017, mas sem resposta por parte deste Instituto; que no dia 08/08/2017 foi publicizado o Plano Específico e marcada a audiência do dia 22/08; que no dia 09/08/2017, ocorreram diversos contatos por parte de entidades representativas questionando a falta de comunicação do Plano Centro Cidadão, acerca da marcação da audiência e questionando a participação do Plano Centro Cidadão no Plano Específico”. (grifamos)

Pois bem. Ao longo do mencionado Parecer foram elencadas pela Coordenação do Plano Centro Cidadão observações e sugestões, com a necessidade de revisão e novas considerações acerca de diversos pontos do Plano Santo Amaro Norte. Em face de sua relevância passamos a destacar algumas delas.

Ao tratar sobre a colaboração e inclusão sócio-comunitária o parecer destaca a necessidade de traçar, de maneira clara, um perfil socioeconômico para a área, bem como a inserção de habitações de interesse social dentro do setor da Vila Naval e de equipamentos sociais (educacionais e de saúde) destinados à inclusão da população local ao território de intervenção. Ainda, aponta que “a praça e área de Jogos de futebol da comunidade que foi retirada precisa ser reconsiderada, tanto do ponto de vista do traçado e localização quanto do ponto de vista do uso e apropriação”.

Quanto à oferta de espaços públicos, salienta novamente a necessidade de estabelecer de maneira clara um perfil socioeconômico para a área em comento, sugere a implantação de parques e quadras esportivas para suprir a demandas infanto-juvenil para as comunidades de Santo Amaro.

Acerca dos princípios e representações de adensamento o parecer levanta importante questionamento, sejamos:

“A decisão pelo incremento da densidade populacional deve ser causa, e não consequência dos parâmetros relacionados à densidade construtiva, portanto é fundamental; i) Identificar as projeções de densidade populacional da área a partir das metas para toda a cidade (a lógica de distribuição de toda a população é o que deverá ditar as projeções de densidade populacional de cada bairro e consequentemente a definição da densidade construtiva de cada lugar); e ii) identificar o perfil socieconômico para a área de maneira mais completa (não apenas com dados insuficientes do mercado imobiliário).(…)O Cut projetado para a área ainda parece alto. É necessário deixar mais claro qual o deficit habitacional, qual a projeção de crescimento da população e qual a distribuição desta demanda na cidade, para justificar o CUT (Coeficiente de Utilização do Terreno) adotada na Vila Naval.Gabarito (3 + 18)? – Reavaliar a relação entre “demanda de mercado” e demanda real” (novamente a questão do perfil socioeconômico da área e das metas urbanas de crescimento populacional)”. (grifamos)

Este ponto deixa claro a adoção, por parte da municipalidade, de parâmetros e dados insuficientes, com base na demanda do mercado imobiliário, sem considerar a demanda real da área abarcada pelo Plano Santo Amaro Norte.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL No que se refere à apropriação de pedestres e ciclistas o parecer assevera que

“ampliar de 15% para 35% a “área de circulação pública” não significa necessariamente uma melhora no desenho urbano. É importante deixar mais clara a distribuição desse percentual”.

Por fim, ao realizar análise acerca do atendimento às propriedades da arquitetura urbana quanto à permeabilidade, à proximidade, à proporcionalidade, à variedade, e à viabilidade, o parecer da Coordenação do Plano Centro Cidadão classificou como insatisfatória todas as propriedades, à exceção de um único aspecto da viabilidade, qual seja, a imobiliária.

Pois bem. Do teor do mencionado parecer depreende-se que em diversas passagens a Coordenação do Centro Cidadão assevera a necessidade de deixar mais claras determinadas informações e dados imprescindíveis a uma efetiva e pormenorizada análise acerca do Plano Santo Amaro Norte e os respectivos impactos na área em que será implementado.

Não obstante os questionamentos e indagações levantados pela coordenação do Plano Centro Cidadão, o Instituto da Cidade Pelópidas Silveira quedou-se inerte, conforme afirmou a representante da UNICAP em audiência já mencionada.

Tal fato, qual seja, a ausência de informações quanto a apresentação do Plano Santo Amaro Norte pela municipalidade, fora também destacada pelo representante do grupo Direitos Urbanos que assim pontuou:

“(…) que a apresentação feita pela Prefeitura não traz informações essenciais aos Conselheiros da Cidade para a devida discussão no âmbito do Conselho, sendo uma delas o tamanho de cada quadra do Plano da Vila Naval, o que impede a averiguação do real potencial construtivo e o tamanho real da área verde pública que está sendo disponibilizado; que foram levantados diversos questionamentos na audiência pública, mas que não foi garantido o espaço para realizar os esclarecimentos para o mesmo público, que somente seria possível com a realização de uma audiência devolutiva; que a resposta sendo dada no âmbito da Câmara técnica não será alcançado o mesmo impacto; (…)”

Salta aos olhos a necessidade de maiores esclarecimentos acerca Plano Santo Amaro Norte apresentado pelo Poder Público Municipal em audiência realizada no dia 22/08/2017, o que somente se dará com a realização de audiências públicas e ouvida da população, permitindo-se, portanto, uma ampla participação popular que propicie a construção de espaços para a discussão e assim forneça alternativas em prol de toda a coletividade, capazes de assegurar mudanças no projeto que atendam às demandas da população e atentem para os importantes pontos elencados ao longo do parecer em comento.

Agir de forma diversa é implementar uma política de desenvolvimento urbana em desacordo com os preceitos constitucionais do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e de garantia o bem- estar de seus habitantes. Portanto, mister voltar-se a política de desenvolvimento urbano aos aspectos do contexto socioeconômico da localidade a ser desenvolvida, a qual não se restringe a apresentações de projetos preconcebidos “apenas com dados insuficientes do mercado imobiliário” e “sem traçar um perfil socioeconômico projetado para a área”, nos dizeres da Coordenação do Plano Centro Cidadão.

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2.4. DA NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE ESTUDOS DE IMPACTO DE VIZINHANÇA (EIV) NA ÁREA ABRANGIDA PELO PLANO SANTO AMARO NORTE

O Plano Santo Amaro Norte estabelece parâmetros de uso e ocupação do solo que nortearão os empreendimentos a serem implementados na área em comento, os quais são acompanhados, por óbvio, de diversos impactos e repercussões no seu entorno.

Observa-se que o plano contém elementos e aspectos que visam alcançar na área do bairro de Santo Amaro transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental, nos moldes das chamadas operações urbanas consorciadas. Tais mudanças, contudo, imprimem impactos urbanísticos de significativa repercussão ou interferência na vizinhança, que devem ser sopesados, inclusive, quando da elaboração de planos como o citado.

Aspectos como adensamento populacional, mobilidade urbana, equipamentos urbanos e comunitários, valorização imobiliária, geração de tráfego e demanda por transporte público, sobrecarga na capacidade de atendimento da infraestrutura básica, impacto na paisagem urbana e no patrimônio natural e cultural, quando avaliados ou abordados no projeto do Plano Santo Amaro Norte, acabam por não abarcar as demandas locais necessárias quando da elaboração de propostas urbanísticas daquele viés.

Portanto, a elaboração de Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, a fim de se verificar se foram analisados os efeitos positivos e negativos do Plano quanto ao meio ambiente, uso e ocupação do solo, paisagem urbana e patrimônio natural e cultural, se faz imperiosa para se possa estabelecer parâmetros de uso e ocupação do solo verdadeiramente condizentes com o contexto socioeconômico da localidade, como bem destacou parecer supra da Coordenação do Plano Centro Cidadão.

Mais uma vez, ao tratar da viabilidade da proposta do Plano Santo Amaro Norte, a Coordenação do Plano Centro Cidadão é clara em seu parecer:

“A Proposta apresentada considera aspectos como a oferta de infraestrutura de mobilidade urbana (estacionamentos), de solo natural permeável, de vegetação, de espaços públicos e diversidade de usos, todavia os percentuais por si só não garantem a viabilidade urbana. É preciso mostrara o desenho urbano com mais detalhe para esclarecer os percentuais adotados.” (grifamos)

Após tal consideração, o parecer arremata e assevera que é “importante garantir que a viabilidade imobiliária não se sobreponha à viabilidade ambiental e sociocultural da área de intervenção e da cidade”.

De fato, não cabe à gestão municipal dispensar ferramenta como o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV. Parâmetros e condições para edificação na área de abrangência do Plano Santo Amaro Norte, como Coeficiente de Aproveitamento (CA), Índice de Aproveitamento (IA), Taxa de Solo Natural (TSN), Afastamentos (Af), Gabarito (Gb) e Taxa

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de Ocupação (TO), repercutem significativamente na localidade de incidência do Plano, de modo a se exigir análise dos efeitos positivos e negativos no meio ambiente, no uso e ocupação do solo, na paisagem urbana e no patrimônio natural e cultural, para que somente depois se proceda com a elaboração do plano.

De mesmo modo, fundamental, ainda, a realização de manifestação dos órgãos técnicos da municipalidade, como da Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural do Município do Recife – DPPC, acerca da adequação do plano às Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural – ZEPH ali existentes, e da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Município do Recife – SDSMA, posto a necessidade de esclarecimentos quanto à adequação do plano às exigências legais para a proteção de Unidade de Conservação da Natureza – UCN, Zona de Ambiente Natural – ZAN, Estuário do Rio Capibaribe, área non aedificandi e Área de Preservação Permanente – APP.

É de se observar, ainda, quanto às intervenções físico-territoriais de requalificação dos espaços públicos e da infraestrutura para implementação de um plano como o que ora se apresenta, consoante já pontuado, semelhanças com as chamadas operações urbanas consorciadas que são instrumentos destinados a operar um "conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental".

O que se verifica, no entanto, no território abrangido pelo Plano Santo Amaro Norte, são intervenções urbanísticas voltadas priorísticamente ao atendimento dos interesses de empreendimentos imobiliários, sem, inobstante, estabelecer efetivas garantias quanto às contrapartidas a serem adotadas com o fim de minimizar os impactos causados na cidade e na população que será direta e indiretamente afetada.

Com efeito, constata-se de pronto, ao analisar o teor do Projeto de Lei que estabelece o mencionado plano, que o poder Público Municipal dispensa tratamento diferenciado no que tange aos aspectos de ordem econômico-financeiro de um lado e de outro os sociais. Assim, o projeto define, por exemplo, o “Plano Específico das Zonas Especiais de Dinamização Econômica – Eixo (ZEDE Eixo)”, enquanto que somente estabelece “Plano Urbanístico Preliminar da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Santo Amaro”.

Ora, o legislador municipal determina na Lei de Uso e Ocupação do Solo (Lei nº 16.176/1996) Zonas de Diretrizes Específicas – ZDE, dentre as quais as ZEIS, dispensando tratamento diverso em face de suas peculiaridades, de forma que a ZEIS Santo Amaro não foge à regra. Portanto, conforme preceitua o artigo 93 da mencionada legislação, “as condições de ocupação do solo e a taxa de solo natural nas ZEIS obedecerão a parâmetros específicos definidos em Plano Urbanístico”.

O mesmo artigo, em seu parágrafo único, assegura que o plano urbanístico promoverá sua integração à estrutura urbana e do seu entorno. Ora, nada mais coerente que, ao estabelecer um plano nos moldes do Plano Santo Amaro Norte, seja também elaborado, em conjunto com os planos específicos, o plano urbanístico da ZEIS Santo Amaro, de modo que a análise seja feita de maneira integrada, sob os vários aspectos: social, ambiental, econômico, infraestrutura etc.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL De mais a mais, permitir que sejam implantados grandes empreendimentos

imobiliários na área abarcada pelo plano, sem contudo, estabelecer os parâmetros de uso e ocupação da ZEIS Santo Amaro, não se coaduna com os preceitos estabelecidos pela legislação urbanística municipal vigente. Tal postura, figura como entrave na efetiva integração das ZEIS com o seu entorno, contrariando a própria intenção do legislador municipal.

Esta e outras questões da maior relevância deixaram de ser apreciadas ou não o foram devidamente, o que se torna mais grave ante a ausência de participação popular efetiva, nos moldes previstos na Constituição Federal, Estadual e da Lei Orgânica Municipal e na legislação ordinária federal e municipal.

2.5. DA INDISPENSABILIDADE DE EFETIVA PARTICIPAÇÃO POPULAR, DA AUSÊNCIA DE CLAREZA NA ELABORAÇÃO DO PLANO E DA NECESSIDADE DE SEU REFAZIMENTO

Antes de tudo, é bom ressalvar que, numa discussão criteriosa e técnica, um Plano como o ora tratado, por se tratar de legislação que normatiza padrões urbanísticos, deve ser o resultado das diretrizes e parâmetros respaldados em diagnósticos e estudos técnicos, o que, conforme as informações colhidas e anexadas à presente ação, não ocorreu. Mister, portanto, que o Poder Público Municipal disponibilize os dados e informações necessárias a elidir todos os questionamentos.

O parecer da Coordenação do Plano Centro Cidadão é claro em diversos momentos. Ao tratar, por exemplo, da demanda habitacional real da ZEIS Santo Amaro afirma que “é dado que precisa estar explícito no projeto para justificar a coerência da proposta habitacional apresentada”.

No mesmo sentido, ao destacar tratar-se de Setor de Preservação Ambiental (SPA), o parecer, de forma contundente, assevera ser “importante deixar claro os critérios utilizados para garantir o cumprimento das exigências relativas a este Setor”.

No quesito adensamento, o mesmo relatório aponta que a relação cidade compacta x cidade densa não parece estar ainda bem compreendida. Declara, ainda, ser necessário “deixar mais claro as referências e as bases de sustentação para a meta de 370 a 400 habitantes por ha”, bem como “deixar mais claro qual o déficit habitacional, qual a projeção de crescimento da população e qual a distribuição desta demanda na cidade para justificar o CUT (Coeficiente de Utilização do Terreno)”.

De igual modo, como já informado na narrativa dos fatos que dão ensejo à presente ação, foram constatadas a ausência de efetiva participação popular na elaboração do Plano Santo Amaro Norte. E, neste momento vale a repetição, a realização de uma única audiência pública por parte da Prefeitura do Recife não confere, por si só, efetiva participação popular.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL Conforme informações prestadas pelos representantes do Movimento Resiste Santo

Amaro, a municipalidade não realizou, sequer, uma única audiência pública com a comunidade de Santo Amaro, que será diretamente afetada com a mencionado Plano, apesar das tentativas, por parte daquele Movimento, com o Poder Público Municipal desde o ano de 2014. O qual, apesar do compromisso firmando no sentido de que tais discussões ocorreriam no âmbito do Plano Centro Cidadão, não se cumpriu.

Ante o exposto, observa-se a necessidade de se garantir a efetiva participação popular, que abrange não só a comunidade de Santo Amaro, mais também toda a população que será direta ou indiretamente afetada, posto a importância e repercussão social, urbanística, ambiental e econômica que o projeto representa para a cidade.

Não obstante tais constatações, e mesmo após tudo o que foi aqui relatado, inclusive a expedição da Recomendação já mencionada, o Município de Recife manteve o cronograma do projeto destinado à elaboração do Plano Santo Amaro Norte.

Ainda, é certo que na elaboração de plano específico de qualquer município deve-se respeitar os ditames que perfazem o desenvolvimento da política urbana, a função social das cidades e o bem-estar dos habitantes, todos constitucionalmente tutelados. Resta indiscutível, portanto, que a postura da Administração Pública Municipal, no caso em apreço, desconsidera tais preceitos e desvirtua-se da finalidade precípua dos atos emanados pela Administração Pública para elaboração do mencionado Projeto, qual seja, o interesse público.

Sobre o tema José dos Santos Carvalho Filho preceitua:

“Finalidade é o elemento pelo qual todo ato administrativo deve estar dirigido ao interesse público. Realmente não se pode conceber que o administrador, como gestor de bens e interesse da coletividade, possa estar voltado a interesses privados. O intuito de sua atividade deve ser o bem comum, o atendimento aos reclamos da comunidade, porque essa de fato é a sua função.”1 (grifamos)

Fundamental destacar que a elaboração de um plano urbanístico específico para uma determinada área requer tempo e acuro por parte do Poder Público Municipal. Aquele tem o dever de atender aos anseios da sociedade civil, da comunidade que se encontra diretamente afeta à localidade, e o caso em tela não foge à regra, ao contrário, trata-se de local que apresenta importância, não só para fins de ordenamento urbanístico, mas também diante do valor histórico, cultural e ambiental para a cidade do Recife, uma vez que abrange duas Zonas Especiais de Preservação Histórica, a saber: ZEPH – 19 e ZEPH – 23, com um Setor de Preservação Rigorosa – SPR e Setor de Preservação Ambiental – SPA.

Não há como se aceitar a postura adotada pela Prefeitura do Recife, visto que a conduta acima descrita também se desvirtua da competência prevista constitucionalmente aos municípios no seu papel de promover o adequado ordenamento territorial, mediante o

1 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2014, pág. 120.

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planejamento, o controle, o parcelamento e a ocupação do solo urbano (CF/88, artigo 30, inciso VIII).

Pois bem. Os vícios perpetrados pelo município do Recife (ausência de efetiva participação popular no processo de elaboração de projeto) ensejam, necessariamente, a nulidade do projeto especial Plano Santo Amaro Norte. Neste diapasão vaticina Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“Atos nulos são os que violam regras fundamentais atinentes à manifestação da vontade, ao motivo, à finalidade ou à forma, havidas como de obediência indispensável pela sua natureza, pelo interesse público que as inspira ou por menção expressa em lei” 2 (grifamos)

Em nome do interesse público inevitável reconhecer a nulidade do Plano Santo Amaro Norte, de maneira que não se pode permitir ao Poder Público Municipal exercer suas funções de forma a contrariar frontalmente os ditames constitucionais quanto à política de desenvolvimento urbano como elemento de grande valia na promoção das funções sociais da cidade e na garantia do bem-estar de seus habitantes.

2.6. DA INDEVIDA APROVAÇÃO DE EMPREENDIMENTO DE IMPACTO NA ÁREA DO PLANO SANTO AMARO NORTE

No curso das investigações constatou-se, ainda, a aprovação de empreendimento imobiliário de impacto na área a ser regulamentada pelo Plano Santo Amaro Norte.

Da análise da pouco documentação disponibilizada no sítio eletrônico da Prefeitura da cidade do Recife, no Portal do Licenciamento Urbanístico, depreende-se tratar de complexo de uso misto (habitacional e não habitacional) a ser construído no lote delimitado pela Rua dos Casados, Largo dos Casados, Travessa Cruz Cabugá e Praça General Carlos Pinto, no bairro de Santo Amaro, em terreno contíguo à área delimitada com ZEIS Santo Amaro, conforme estabelecido na Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife (Lei nº 16.176/1996, anexos 4 e 13).

Tal empreendimento fora discutido e aprovado em reunião do Conselho de Desenvolvimento Urbano – CDU em 06/10/2017, que aprovou parecer favorável de conselheiro relator.

Ocorre que este se enquadra nos indicadores urbanísticos como empreendimento de impacto de vizinhança, o que exige o cumprimento de determinados preceitos estabelecidos na legislação urbanística municipal.

A Lei Municipal nº 17.511/2008, que reformulou o Plano Diretor do Município do Recife destinou subseção específica para tratar acerca dos chamados empreendimentos de impacto:

2 DI PIETRO, Maria Sylvia de. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2012, pág. 251.

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Art. 187 Empreendimentos de impacto são aqueles, públicos ou privados, que podem causar impacto no ambiente natural ou construído, sobrecarga na capacidade de atendimento da infra-estrutura básica, na mobilidade urbana ou ter repercussão ambiental significativa.Art. 188 São considerados empreendimentos de impactos: I – as edificações não-habitacionais situadas em terrenos com área igual ou superior a 2,0 ha (dois hectare) ou com área construída igual ou superior a 15.000 m² (quinze mil metros quadrados);II – as edificações habitacionais situadas em terrenos com área igual ou superior a 3,0 ha (três hectares) ou cuja área construída ultrapasse 20.000 m2 (vinte mil metros quadrados);III – as escolas de qualquer modalidade, colégios, universidades e templos religiosos em terrenos acima de 1.000m2 (mil metros quadrados), mesmo que não se enquadrem nas condições do inciso I; e,IV – os usos que, por sua natureza ou condições, requeiram análise ou tratamento específico por parte do Poder Executivo Municipal, conforme dispuser a Lei de Uso e Ocupação do Solo.

Assim, de acordo com as poucos informações contidas no Portal do Licenciamento Urbanístico o empreendimento possui uma área de construção de 42.032,92 m², composto por quatro blocos, sendo dois destinados ao uso habitacional com vinte pavimentos e um destinado ao uso comercial/empresarial, com vinte pavimentos, e por fim, um edifício-garagem com cinco pavimentos.

O Estatuto da Cidade, por sua vez, ao tratar das diretrizes gerais da política urbana, assim estabelece:

Art. 2o

A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:(…)XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; (grifamos)

Pois bem. A participação popular prevista pelo legislador constitucional deve ser plena e efetiva de modo a proporcionar um amplo debate e especialmente diante do impacto que a implementação de um empreendimento de tal porte provocará na localidade e no seu entorno, notadamente por tratar-se de área contígua à ZEIS Santo Amaro.

Ainda, do teor do memorial apresentado pelo empreendimento depreende-se que a análise somente restringiu-se ao impacto e às repercussões que o empreendimento causará no trânsito e na circulação do local, descurando-se, portanto, de diversos outros aspectos urbanísticos de relevância, a saber: meio ambiente, infraestrutura básica, estrutura socioeconômica, adensamento populacional, equipamentos urbanos e comunitários, valorização imobiliária, ventilação e iluminação.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL Destaque-se que nenhum destes aspectos foram sequer mencionados no citado

memorial. Nada mais imprudente, posto a própria observação feita em parecer favorável aprovado pelo CDU o qual destaca que “a submissão deste empreendimento ao Conselho ocorre pelo seu enquadramento nos indicadores urbanísticos que o caracteriza como empreendimento de impacto de vizinhança”.

Assim, o instrumento avaliador do empreendimento não perfaz tão somente tópicos inerentes ao impacto na circulação do entorno daquele, a análise pressupõe, sim, uma avaliação acurada e conjunto dos vários aspectos anteriormente citados, sob pena de descumprimento da legislação urbanística vigente.

Por fim, a ação mitigadora imposta ao empreendedor restringe-se somente à elaboração e execução de projeto urbanístico para requalificação do entorno do local a ser instalado. Com efeito, trata-se de ação que visa quase que exclusivamente o benefício do próprio empreendimento imobiliário, não havendo na situação em tela que se falar em verdadeira medida mitigadora, distorcendo-se gravemente a natureza do instituto, que bem se sabe, tem objetivo estabelecer medidas que visam minimizar eventos adversos decorrentes de ações diretas ou indiretas ocasionados quando da implantação do empreendimento de impactos, como no caso em apreço.

Assim, razão não existe para se aprovar um empreendimento como este sem a devida aprovação de plano urbanístico, objeto da presente ação civil, que se encontra em discussão. Proceder de forma diversa, como fez o Poder Público Municipal é relegar a efetividade e a importância dos plano urbanístico a ser implementado na localidade.

3. DO DIREITO AMBIENTAL

Conforme será demonstrado adiante, em momento algum, o Município do Recife introduziu o prisma ambiental na estratégia adotada para a elaboração do projeto especial para a área denominada Santo Amaro Norte, haja vista a ausência de EIA/RIMA e o flagrante desrespeito ao vasto arcabouço jurídico que abriga os espaços especialmente protegidos, entendimento esse explicitado pelo citado Município no capítulo “Desenvolvimento da Proposta” do Plano em tela, às fls. 63:

“A estratégia adotada para sua elaboração considerou duas abordagens complementares: uma, referente à territorialização das intenções para Santo Amaro Norte, e outra referente a sua regulação. O Partido Urbanístico é o instrumento de territorialização. Elaborado a partir da leitura do território, propõe ações concretas de requalificação do espaço público, mediante intervenções físico-territoriais, a exemplo de abertura e requalificação de vias, melhoria das calçadas, criação de novas visadas para o patrimônio existente, dentre outros.O Zoneamento associado ao regulamento compõem o conjunto de instrumentos de regulação do território, onde estão indicados os limites das zonas propostas, os parâmetros e instrumentos urbanísticos específicos, além do processo de aprovação, medidas mitigadoras e outros conteúdos complementares.”

Com a adoção de estratégia focada apenas na ótica urbanística, a proposta do Plano Santo Amaro Norte foi desenvolvida pelo Município do Recife com os seguintes objetivos:

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• consolidação do Plano específico das Zonas Especiais de Dinamização Econômica – Eixo (ZEDE – Eixo),

• consolidação do Plano específico para o SPA da ZEPH-19 (Setor de Preservação Ambiental da Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-cultural 19) – Vila Naval e Praça 11 de Junho,

• consolidação do Plano Urbanístico Preliminar da ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) – Santo Amaro,

• estabelecimento de diretrizes para a elaboração do Plano Específico para o SPR da ZEPH – 23 (Setor de Preservação Rigorosa da Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-cultural 23),

• estabelecimento de diretrizes para a elaboração do Plano Específico para o SPR da ZEPH – 19 (Setor de Preservação Rigorosa da Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-cultural 19) – Hospital de Santo Amaro/Santa Casa de Misericórdia e Hospital do Câncer.

De acordo com a proposta em análise, o Partido Urbanístico (fls.64/65) compreende, dentre outras intervenções físico-territoriais associadas ao zoneamento, a implantação de parque linear na margem do Rio Capibaribe, como continuidade do projeto de requalificação do Cais Sinhá Menezes, todavia sem obedecer às exigências e condições estabelecidas pela legislação ambiental.

No que tange ao Zoneamento Urbanístico, especificamente à área correspondente à Zona Ambiental Natural (ZAN) – Orla e à UCN Estuário do Rio Capibaribe no território, em frente a Vila Naval, o projeto especial ora combatido limitou-se a propor a requalificação da frente d’água, com o tratamento das margens e implantação de “parque público linear”, o qual passaria a integrar o Sistema de Unidades Protegidas – SMUP nos moldes da Lei municipal do Recife nº 18.014/2014.

No entanto, a aludida proposta apenas faz brevíssima menção, de forma reflexa, a esses dois pontos (menos de meia página de um total de 107 páginas), não tendo sido desenvolvida a concepção do plano para a área correspondente à Zona Ambiental Natural (ZAN) – Orla e à UCN Estuário do Rio Capibaribe, como ocorreu com as demais áreas abrangidas pelo referido projeto.

As únicas imagens ilustrativas que talvez possam aclarar a intenção do Município do Recife em construir o intitulado “parque público linear” são aquelas constantes das fls. 104 (DOC. 02), abaixo das quais encontra-se a legenda: “o plano de massa, apresentado nas imagens, é de natureza exemplificativa de uma possível aplicação do regramento”.

Ora, pelas fotos constantes da referida proposta, percebe-se facilmente que o “parque público linear”, na verdade, trata-se de uma grande área para livre circulação entre os prédios que compõem o complexo da Vila Naval, quase que totalmente construída, contando com pouquíssimos indivíduos arbóreos, em nítida afronta à legislação ambiental pertinente, a ser tratada a seguir. Irrefutável, portanto, que a construção do chamado “parque público linear” não objetiva a restauração da vegetação de APP como legalmente exigido.

Diante da alta probabilidade de prejuízo significativo de degradação ambiental de espaços especialmente protegidos pela Constituição da República/88, quais sejam: APP de faixa marginal do Rio Beberibe e UCN Estuário do Rio Capibaribe, as quais possuem regime especial de proteção, inafastável a necessidade do Estudo prévio de impacto ambiental

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(EPIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), consoante será demonstrado a seguir.

3.1. DA OBRIGATORIEDADE DA REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL (AIA) – ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL (EPIA)/ RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL (RIMA)

Ab initio, convém apontar que, objetivando a compatibilização do desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade e do equilíbrio do Meio Ambiente, a Lei federal nº 6.938/81 elencou a Avaliação de Impacto Ambiental como instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente, consoante o inciso III do seu art. 9º, tendo sua institucionalização sido ratificada pela Constituição da República/88.

A Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) constitui um instrumento preventivo de avaliação estratégica que envolve um conjunto de métodos e técnicas de gestão ambiental com o fito principal de, ainda no estágio inicial, prognosticar, identificar, interpretar e ponderar os efeitos e impactos no Meio Ambiente por ações propostas (legislação de solo, políticas, planos, programas, projetos, atividades e outros), com a mesma importância conferida às questões sociais e econômicas.

Ao mesmo tempo, a AIA pode ser considerada como um conjunto de procedimentos sistemáticos que se inserem no âmbito das políticas públicas e abarcam a elaboração de Termo de referência, de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do consequente Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), a realização de audiência pública, entre outros.

A AIA deve ser embasada em estudos ambientais (tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco) em que constem diagnósticos, descrições, análises e avaliações sobre os impactos ambientais efetivos e potenciais da ação em pauta de forma a fundamentar a proposição de alternativas que potencializem os impactos positivos e minimizem, mitiguem e/ou compensem os impactos negativos, permitindo, assim, a redução dos danos e custos de medidas de controle ambiental, bem como alicerçar a implantação de políticas ambientais.

A Lei federal nº 6.938/81 define as diretrizes da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) e dos instrumentos complementares: Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), cujos fundamentos precípuos são constituir os procedimentos de avaliação de impacto ambiental nas políticas públicas e fornecer subsídios para o planejamento e a gestão ambiental em busca da prevenção contra danos ambientais.

Já o EIA é um instrumento técnico-científico para avaliar a viabilidade ambiental que tem como principais objetivos definir, mensurar e monitorar os impactos ambientais, potenciais e efetivos, de uma ação proposta em sua área de influência, considerando as fases de planejamento, implantação, operação e, quando for o caso, desmobilização e os aspectos físicos, biológicos e socioeconômicos, bem como apresentar alternativas dessa ação.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL Vale ressaltar que área de influência é o conjunto de áreas que sofrerão impactos

diretos e indiretos decorrentes da manifestação de atividades transformadoras existentes e previstas, sobre as quais o estudo será desenvolvido.

Dito estudo vai se materializar no Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, que é o documento que expõe ao público em geral os resultados de forma sintética e objetiva, com a utilização de linguagem acessível e recursos didáticos (fotos, mapas, figuras e tabelas), respeitando o sigilo industrial, nas hipóteses previstas, de modo a possibilitar a participação da comunidade no processo decisório.

Com a redação dada pela Lei federal nº 8.028/90, a Lei federal nº 6.938/81 conferiu ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) a competência para determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis consequências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional, nos termos do inciso II do seu art. 8º.

Nesse prisma, por meio da Resolução nº 01/86, o CONAMA estabeleceu definições, responsabilidades, critérios e diretrizes para implantação da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), que se consubstancia com a elaboração do EIA/RIMA, a publicidade desses instrumentos e a participação popular (fase de comentários e audiência pública), etapas essas que respaldarão o licenciamento ambiental.

Imperativo esclarecer que impacto ambiental consiste em qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do Meio Ambiente provocada por atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a segurança e o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas, a biota, as condições estéticas e sanitárias do Meio Ambiente e a qualidade dos recursos ambientais, consoante o art. 1º da Resolução do CONAMA nº 01/86.

Outrossim, de acordo com o art. 5º da dita Resolução, além de atender à legislação ambiental pertinente, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei federal nº 6.938/81, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) deve obedecer às seguintes diretrizes gerais:

I – Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;II – Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade;III – Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza;lV – Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

No mesmo sentido, o Decreto Federal nº 95.733/88 dispõe, no seu art. 1º, que, no planejamento de projetos ou obras que utilizem recursos federais, devem ser considerados os efeitos ambientais, culturais e sociais que tais ações podem causar ao meio.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL À luz do Princípio da Prevenção, a fim de garantir efetividade do direito fundamental

ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição da República/88, em seu art. 225, §1º, IV, exige a realização de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), mais especificamente de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), a ser elaborado antes do início da instalação de atividade ou obra potencialmente causadora de significativa degradação do Meio Ambiente, haja vista se tratar de pressuposto lógico para a concessão de Licença Prévia que declara ou não a sua viabilidade ambiental, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:[…] IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

Impende ainda enfatizar que, resguardado o sigilo industrial, imperativa é a observância do caráter público do EPIA de modo a permitir o pleno acesso da comunidade ao seu conteúdo, conferindo, assim, real eficácia aos instrumentos de participação popular.

Fruto da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Declaração do Rio de Janeiro de 1992 preconizou, em seu Princípio 17, que “a avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, será efetuada para as atividades planejadas que possam vir a ter um impacto adverso significativo sobre o meio ambiente e estejam sujeitas à decisão de uma autoridade nacional competente”.

Ademais, insta salientar que o licenciamento ambiental se inicia com a Licença Prévia (LP), que é aquela concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação, nos moldes da Resolução CONAMA nº 237/97.

Nesse esteio, cabe ressaltar que o art. 2º, XV, da Resolução do CONAMA nº 01/86 determina que, por se tratar de atividade modificadora do Meio Ambiente, o licenciamento de projetos urbanísticos, acima de 100 ha ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental pelos órgãos ambientais, dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental.

Em completa harmonia com o Texto Constitucional, o art. 3º da aludida Resolução do CONAMA estatui que a licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do Meio Ambiente dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA).

Corroborando com o entendimento esposado em linhas pretéritas, segundo o qual os resultados constantes do EIA/RIMA apresentarão subsídio para uma avaliação favorável ou

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desfavorável do plano em análise no que concerne à viabilidade ambiental, Chambault3

ensina:

“A função do procedimento de avaliação não é influenciar as decisões administrativas sistematicamente a favor das considerações ambientais, em detrimento das vantagens econômicas e sociais suscetíveis de advirem de um projeto. [O objetivo é dar] às Administrações Públicas uma base séria de informação, de modo a poder pesar os interesses em jogo, quando da tomada de decisão, inclusive aqueles do ambiente, tendo em vista uma finalidade superior.”

No âmbito municipal, a Lei Municipal do Recife nº 17.511/08, que promove a revisão do Plano Diretor da Cidade do Recife (PDCR), elenca Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) e licenciamento urbano e ambiental como instrumentos jurídico-urbanísticos de política urbana para promoção, planejamento, controle e gestão do desenvolvimento urbano, nos termos das alíneas “j”, “k” e “l” do inc. II do seu art. 147.

Mais adiante, a referida Lei municipal enquadra a ZEIS Santo Amaro/Tacaruna/Vila Naval como área com potencialidades paisagísticas, físico-estruturais, culturais e econômicas para implantação de projetos especiais, para a qual deve ser elaborado plano específico considerando, dentre outros, os seguintes objetivos: reabilitar e conservar o patrimônio histórico da cidade, potencializando a vocação do Recife para Patrimônio Histórico da Humanidade e reabilitar e conservar o meio ambiente, promovendo a recuperação, a proteção, a conservação e a preservação das áreas de ambiente natural, garantindo o uso sustentável desse patrimônio para as presentes e futuras gerações, consoante os arts. 193, X, e 194, IV e V.

Ao contrário do que determina o princípio fundamental do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado e a farta legislação ambiental ora apresentada, não constam dos autos do Inquérito Civil que embasou o ajuizamento da presente ACP qualquer documentação comprobatória, ou mesmo informação, de que o Município do Recife realizou avaliação de impacto ambiental, mediante a elaboração de EIA/RIMA, antes da apresentação do projeto especial para Santo Amaro Norte ora combatido, razão pela qual deve ser declarada a nulidade do referido projeto especial e, na elaboração de novo projeto, ser obedecida integralmente a legislação ambiental vigente, nomeadamente quanto à elaboração de EPIA/RIMA.

3.2. DAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA DO PROJETO ESPECIAL PARA SANTO AMARO NORTE (ÁREAS QUE SOFRERÃO IMPACTO DIRETO OU INDIRETO): ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP): FAIXA MARGINAL DO RIO BEBERIBE E UNIDADE DE CONSERVAÇÃO (UC) ESTADUAL E MUNICIPAL: UCN ESTUÁRIO DO RIO CAPIBARIBE.

Conforme será demonstrado, a tutela pretendida tem amplo respaldo na legislação ambiental vigente.

Como condição indissociável à vida, a existência e a conservação do Meio Ambiente são direito fundamental de todo ser vivo.

3 CHAMBAULT, J.F. Les études d’impact et la Communauté Européene, Revue Juridique de l’Environnement 4/401-441, 1985.

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Em 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo, na Suécia, representou um grande marco na política ambiental global e, especificamente, na brasileira, eis que serviu de inspiração para a posterior elevação do direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado à categoria de direito constitucionalmente assegurado com a promulgação da Carta de Regência de 1988.

Em que pese o antigo Código Florestal ter sido editado em 1965, o marco regulatório ambiental no Brasil deu-se com a edição da Lei federal nº 6.938/81, comumente designada como Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que consagrou os mecanismos de desenvolvimento sustentável a serem empregados no País, dentre eles, a criação de espaços territoriais especialmente protegidos, tais como Áreas de Preservação Permanente (APP), Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) e Reservas Extrativistas (Resex), visando à proteção, melhoria e recuperação de qualidade ambiental propícia à vida associada ao favorecimento de condições ao seu desenvolvimento socioeconômico.

Segundo o artigo 9º, VI da Lei Federal nº 6.938/81, os espaços territoriais especialmente protegidos são instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente e existem no âmbito da legislação ambiental brasileira em razão do caráter singular e estratégico que possuem para toda a sociedade, como é o caso das Unidades de Conservação da Natureza (UCNs) e das Áreas de Preservação Permanente (APPs), que são norteadas, entre outros diplomas legais, pela Lei federal nº 9.985/00 e pela Lei federal nº 12.651/12 (Código Florestal Brasileiro), respectivamente.

Reflexo da nova ordem ambiental global, a Constituição da República/1988, no caput de seu art. 225, assegurou a todos o direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, atribuindo ao Poder Público e à sociedade a obrigação de defendê-lo e preservá-lo, in verbis:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Buscando a efetividade do direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, a Carta Magna de 1988 previu, dentre outros instrumentos, a definição de espaços especialmente protegidos em todas as unidades da Federação, limitando a alteração e supressão dos mesmos à edição de lei e proibindo qualquer utilização que comprometesse a integridade dos atributos justificadores de sua proteção, nos termos do seu art. 225, §1º, inc. III, in litteris:

“Art. 225. § 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:[…] III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.”

Quanto à competência ambiental, importante esclarecer que, conforme explicitado por Silva (2009), a repartição de competências entre as diversas esferas que integram a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil é o principal sustentáculo para o equilíbrio federativo almejado pela CRFB/88, traduzindo-se na regulação da atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da distribuição de atribuições e poderes a eles conferidos em virtude da natureza administrativa e legislativa.

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Assim, a CRFB/88, no inc. VI de seu art. 23, conferiu à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência administrativa comum para atuar de forma cooperativa no desempenho de atividades concretas para a proteção do Meio Ambiente e o combate à poluição em todas as suas formas.

Em seguida, a Carta de Regência/88, nos incisos VI e VIII do seu art. 24, outorgou à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência para legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente, controle da poluição e responsabilidade por dano ao meio ambiente:

Observe-se que, no campo da competência legislativa, a CRFB/88 limita o exercício da União ao estabelecimento de normas gerais, enquanto restringe o exercício dos Estados e do Distrito Federal à edição de normas suplementares com o objetivo de atender a suas peculiaridades. Isto é, respeitadas as normas federais, cada Estado poderá estabelecer suas próprias normas de tutela ambiental.

Caso inexistisse legislação federal acerca de normas gerais, os Estados e o Distrito Federal, excepcionalmente, poderiam exercer competência legislativa plena. Entretanto, com a superveniência de legislação federal sobre normas gerais daquela matéria, permaneceriam em vigor apenas as normas estaduais que estivessem em conformidade com as normas federais recém-elaboradas.

Cumpre salientar que as normas gerais não se traduzem apenas em princípios e linhas gerais, mas sim em normas que versam sobre questões de interesse nacional impostas a todos os cidadãos do território nacional, não podendo elas ser contrariadas por normas estaduais ou municipais, como aponta Milaré (2009)4. Noutros termos, a competência concorrente deverá ser exercida em conformidade com o referencial federal.

Apesar de os Municípios não figurarem entre os entes competentes a elaborar leis concorrentemente sobre as matérias em questão, a CRFB/88, no inc. II do seu art. 30, conferiu-lhes a competência para suplementar a legislação federal e estadual, preenchendo lacunas e adaptando-as à realidade local.

Acrescente-se, ademais, conforme destacado por Fontes (2010)5, a norma municipal suplementar apenas poderá estabelecer critérios mais restritivos do que os estabelecidos na norma federal ou estadual, sob pena de configurar invasão da competência federativa.

3.2.1. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP): FAIXA MARGINAL DO RIO BEBERIBE (ESTUÁRIO DO RIO CAPIBARIBE)

No que concerne à área de preservação permanente (APP), cumpre elucidar que dito espaço especialmente protegido constitui um bem de interesse nacional dadas as suas funções ambientais de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

4 MILARÉ, Édis. Direito do meio ambiente. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.5 FONTES, Camila Tavares de Melo Nobrega. Controvérsias acerca do licenciamento Ambiental no Brasil. Revista Ambiente e Direito. a.I, 1. ed. São Paulo: MP Editora, 2010.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL Nessa seara, importante ressaltar que APP é área protegida, coberta ou não por

vegetação nativa, nos termos do inc. II do art. 3º da Lei federal nº 12.651/12, conhecida como Código Florestal Brasileiro. Assim sendo, como bem assevera o ilustre doutrinador Machado (2016)6, “a supressão indevida da vegetação na APP obriga o proprietário da área, o possuidor ou o ocupante, a qualquer título, a recompor a vegetação; e essa obrigação tem natureza real”.

Além disso, cabe mencionar que áreas de preservação permanente (APPs) são protegidas de forma “permanente”, razão pela qual os proprietários, a sociedade e o poder público devem criar, manter e/ou recuperar as APPs, conforme ensinamento de Machado (2016)7.

Quanto ao dimensionamento das APPs, cumpre esclarecer que deve ser obedecido o referencial federal disposto pelo Código Florestal Brasileiro (CFB), por configurar norma geral e mais protetiva do Meio Ambiente, conforme explanado acima.

De acordo com o art. 4º, I, do Código Florestal Brasileiro, as faixas marginais de cursos d'água são classificadas como APP, por imposição legal (ou seja, independe da emissão de qualquer ato pelo Poder Executivo), nas dimensões estabelecidas pelo dispositivo abaixo transcrito:

“Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; [...]”

Ante a singularidade e o valor estratégico da APP, como regra geral, inscrita no art. 7º da Lei federal acima indicada, a vegetação situada em APP deverá ser mantida e, caso inexistente, ser recomposta, já que caracterizada pela intocabilidade e vedação de uso econômico direto, gozando, por conseguinte, de regime de proteção especial.

Como exceção à regra geral, insculpida no art. 8º do Código Florestal Brasileiro, o órgão ambiental competente poderá autorizar a intervenção em APP ou supressão de vegetação em APP para a implantação de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, ou para a realização de ações consideradas eventuais e de baixo impacto ambiental, nas hipóteses definidas nos incisos VIII, IX e X da aludida Lei, abaixo transcritos:

6 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016,

p.897.7 idem

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“Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: […] VIII - utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho;c) atividades e obras de defesa civil;d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;

IX - interesse social:

a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas;b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área;c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei;d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009;e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade;f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;

X - atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental:

a) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável;

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b) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores;f) construção e manutenção de cercas na propriedade;g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a legislação específica de acesso a recursos genéticos;i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área;j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função ambiental da área;k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente.”

Ocorre que o caso em apreço não se enquadra em nenhuma das hipóteses excepcionais que autorizam a intervenção em APP ou supressão de vegetação em APP.

Reproduzindo as palavras constantes dos tópicos “Apresentação” e “Introdução” do Plano Santo Amaro Norte (Doc. 01), trata-se de projeto especial para a porção norte do bairro de Santo Amaro na cidade do Recife, delimitada pela avenida Norte Miguel de Alencar, avenida Governador Agamenon Magalhães e estuário do Rio Capibaribe, tida como área com potencialidades paisagísticas, físico-estruturais, culturais e econômicas, com o objetivo de promover sua requalificação urbana, sua sustentabilidade, com inclusão socioespacial e dinamização econômica, para dar suporte à concentração de atividades múltiplas.

Ainda que a proposta atual do Plano Santo Amaro Norte se enquadrasse em alguma hipótese acima listada, importante frisar que a intervenção em APP ou supressão de vegetação em APP somente poderia ser autorizada se fosse objeto de procedimento administrativo autônomo e prévio, fundamentada em parecer técnico, desde que atendidos os requisitos previstos na Resolução do CONAMA nº 369/06 e em outras normas federais, estaduais e municipais aplicáveis, bem como no Plano Diretor, Zoneamento Ecológico-Econômico e Plano de Manejo das Unidades de Conservação, se existentes, o que não ocorreu no presente caso, haja vista não ter sido elaborado estudo prévio de impacto ambiental e respectivo RIMA, nem mesmo considerada a existência de Unidade de Conservação (UCN Estuário do Rio Capibaribe) na área de influência.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL De acordo com a Resolução CONAMA nº 369/06, a intervenção em APP ou

supressão de vegetação em APP somente poderia ser autorizada se o Município do Recife, entre outras exigências, comprovasse a inexistência de alternativa técnica e locacional ao projeto proposto e a inexistência de risco de agravamento de processos como enchentes, erosão ou movimentos acidentais de massa rochosa, nos termos dos incs. I e IV do seu art. 3º.

Ora, indubitável é que a vegetação de APP em faixas marginais dos cursos d’água precisa ser conservada ou restaurada, se historicamente degradada, pois fixa o carbono e os sedimentos, contém água em excesso, dissipa a energia erosiva das correntezas, evita a sedimentação dos rios, reduz a turbidez e aumenta a pureza das águas fluviais.

Assim, não há que se falar em autorização para intervenção em APP ou supressão de vegetação em APP no caso sub examine, visto que a ausência de conservação ou restauração desse ecossistema implicará, inegavelmente, no risco de agravamento de processos como enchentes, erosão ou movimentos acidentais de massa rochosa.

Por último, conforme o art. 5º da citada Resolução do CONAMA, como condicionante da emissão de autorização para intervenção em APP ou supressão de vegetação em APP, o órgão ambiental municipal teria que estabelecer as medidas ecológicas de caráter mitigador e compensatório relativas ao Plano Santo Amaro Norte, a serem estabelecidas mediante a realização de estudo prévio de impacto ambiental (EPIA), que não foi elaborado até o momento.

3.2.2. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO: UCN ESTUÁRIO DO RIO CAPIBARIBE

Primeiramente, vale esclarecer que a Lei federal nº 9.985/00 instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, o qual é constituído pelo conjunto das unidades de conservação federais, estaduais e municipais.

De acordo com o art. 2º, I, da mencionada Lei federal, as Unidades de Conservação – UCs são espaços territoriais legalmente instituídos pelo Poder Público com todos os recursos ambientais que lhe são inerentes, incluindo as águas jurisdicionais, que detêm características naturais relevantes, com objetivo de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

A Lei federal nº 9.985/00 proíbe quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em descordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos, nos termos do seu art. 28:

“Art. 28. São proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos.Parágrafo único. Até que seja elaborado o Plano de Manejo, todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção

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integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações tradicionais porventura residentes na área as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais”.

Além disso, a referida Lei federal exige, dentre outras condições, a elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) e a prévia aprovação do órgão responsável por sua administração para a instalação de redes de abastecimento de água, esgoto, energia e infraestrutura urbana em geral em Unidades de Conservação (UCs) onde estes equipamentos são admitidos, nos termos do seu art. 46.

Vale aqui salientar que os estuários possuem grande beleza paisagística, abrigam um complexo ecológico formado por diversas espécies da fauna e da flora (espécies de mangue), amplamente adaptadas às condições do solo (salino e lamoso) e funcionam como proteção natural da linha de costa contra a invasão das marés.

Diante disso, na esfera estadual, a área estuarina do Rio Capibaribe foi declarada como Unidade de Conservação estadual do grupo de proteção integral na categoria de Reserva Biológica, cujo objetivo é a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais, nos termos do arts. 8º e 10 da Lei federal nº 9.985/00 c/c o art. 2º, VIII, da Lei estadual de PE nº 9.931/86.

Posteriormente, a Lei estadual de PE nº 13.787/09 criou o Sistema Estadual de Unidades de Conservação da Natureza – SEUC, o qual é constituído pelas unidades de conservação instituídas nas esferas estadual e municipal, as quais devem abranger toda a diversidade de ecossistemas naturais existentes no território pernambucano e nas suas águas jurisdicionais.

De acordo com os arts. 7º, 8º e 9º da mencionada Lei estadual, Reserva Biológica (REBIO) é uma categoria de Unidade de Conservação estadual do grupo de proteção integral, onde é proibida a visitação pública, exceto aquela com objetivo educacional, de acordo com regulamento específico.

No âmbito municipal, o estuário do Rio Capibaribe é uma Unidade Protegida – UP na categoria de Unidade de Conservação da Natureza (UCN) inserida na Zona Especial de Proteção Ambiental 2 (ZEPA 2), constituída por área pública com características excepcionais de matas, mangues e cursos d'água, conforme Lei municipal do Recife nº 16.176/96 e Decreto Municipal do Recife nº 23.809/08.

Nos termos do art. 13 da Lei Municipal do Recife nº 18.014/2014, que instituiu o Sistema Municipal de Unidades Protegidas – SMUP, as Unidades de Conservação da Natureza – UCN são espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, instituídos pelo Poder Público, com

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objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

Crucial ressaltar que o art. 3º do Decreto Municipal do Recife nº 23.809/08 proíbe, na UCN Estuário do Rio Capibaribe, as seguintes atividades:

a) a retirada de vegetação,b) atividades incompatíveis com os objetivos básicos de sua criação, quais sejam: assegurar a sustentabilidade e, de acordo com o SNUC, a preservação dos sistemas naturais, especialmente os recursos hídricos e vegetacionais, essenciais à conservação da biodiversidade e assegurar o descortino e/ou proteção das paisagens naturais, considerando o disposto no inciso I deste artigo.

Hipoteticamente, caso a proposta apresentada estivesse em consonância com a legislação ambiental aplicável, os usos e intervenções físicas em faixa de terra firme existentes e que visem ao atendimento dos objetivos básicos da UCN dependerão de anuência prévia do órgão de gestão ambiental municipal e deverão ser acompanhadas de Memorial Justificativo, com mapa de situação, locação e da proposta em UNIBASE ou similar – de forma a permitir o perfeito entendimento da intervenção, consoante o art. 4º do aludido Decreto, o que também não foi cumprido.

Por todos os argumentos expostos nessa exordial, inevitável reconhecer a grave violação de princípios e direitos constitucional e legalmente assegurados, notadamente o direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, que enseja a nulidade da projeto especial para Santo Amaro Norte ora combatido e, para a confecção de novo projeto, a elaboração e apresentação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) e respectivo RIMA, em que constem diagnósticos, descrições, análises e avaliações sobre os impactos ambientais efetivos e potenciais da ação em pauta de forma a fundamentar a proposição de alternativas que potencializem os impactos positivos e minimizem, mitiguem e/ou compensem os impactos negativos, permitindo, assim, a redução dos danos e custos de medidas de controle ambiental.

3.3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO AGENTE

De acordo com o art. 225, §3º, da Constituição da República de 1988, as condutas e atividades consideradas lesivas ao Meio Ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Seguindo a mesma linha, a Lei federal nº 6.938/81, em seu art. 14, §1º, prevê que a condenação criminal e administrativa não elide a reparação ou a indenização que o Poder público possa cominar ao Réu:

"Art.14, §1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados

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terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."

Outrossim, o Princípio do Poluidor Pagador, segundo o qual o poluidor adquire, quando constatada a ocorrência do dano ambiental, a obrigação de pagar pela poluição causada, restaurando, no que for possível, o Meio Ambiente e promovendo a compensação dos prejuízos por meio de indenização e compensação ambiental, evidencia a responsabilidade civil do agente pelo dano causado e encontra respaldo legal no inciso VII do artigo 4º da Lei 6.938/81:

“Art 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (…) VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”

Cumpre esclarecer que, nos termos da Lei nº 6.938/81, dano ecológico é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energias em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.”

Nos termos art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81, poluidor é aquele que, de alguma forma, contribuiu para a existência da conduta danosa, in verbis:

“Art. 3º. IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.”

Assim, poluidor, direto ou indireto, é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado que contribua, comissiva ou omissivamente, para a lesão/degradação do meio ambiente que reflita negativamente na saúde e no bem-estar das pessoas e das multivariadas formas de vida e no equilíbrio e na manutenção dos ecossistemas da natureza.

Como bem elucidam os juristas Vera Lúcia Jucovsky8 e Édis Milaré9, o ente público pode ser responsabilizado por danos ao ambiente tanto por comportamento comissivo, quanto por omissivo. Assim, cabe também a sua responsabilização, como poluidor indireto, quando, por omissão, falha no seu dever de fiscalização, vigilância e controle que impeça a prática de atos lesivos ao meio ambiente por outros poluidores.

Assim, o poluidor indireto, assim como o agente direto, é responsável pelos danos reflexos de sua conduta, conforme disciplina o art. 3º, inciso IV, conjugado com o art.14, §1º, ambos da Lei nº 6938/81.

Esse raciocínio é reforçado pela cláusula constitucional que impõe ao Poder público o dever de defender o meio ambiente e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações imposta no caput do artigo 225 supramencionado.

Em hipótese análoga, sobressai o precedente elucidativo proferido pelo Ministro 8 Responsabilidade civil do Estado por danos ambientais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000, p. 55.9 Direito do meio ambiente. 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 766-767.

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Herman Benjamin que retrata o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça pela responsabilidade do ente público, em matéria ambiental, por omissão no seu dever de controle e fiscalização, in verbis:

“O ente público é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos ambientais urbanísticos que venha, “direta ou indiretamente”, a causar. A situação é mais singela quando o próprio Poder Público, por atuação comissiva, causa materialmente a degradação, p. ex., ao desmatar ilegalmente Área de Preservação Permanente. É imputação por ato próprio.Embora menos comum, não difere muito, no essencial, a co-responsabilidade do Estado decorrente da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar a integridade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme demonstram vários precedentes abaixo citados, à medida que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis, inclusive no que se refere à improbidade administrativa. Se é certo que a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é, ordinariamente, subjetiva ou por culpa, esse regime, tirado da leitura do texto constitucional, enfrenta pelo menos duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva para a omissão do ente público decorrer de expressa determinação legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/81, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um dever de ação estatal – direto e mais rígido – que aquele que jorra, segundo a interpretação doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional” (STJ, REsp n. 1234056, Relator Min. Herman Benjamin, DJe 26/04/2011)

Nesse sentido, Benjamin10 ensina que, apesar de o poluidor indireto não dar causa direta e imediata ao dano, seu comportamento está vinculado à conseqüente degradação ambiental, o que o torna responsável pelo dano causado. Portanto, o fato de não ser o causador direto do dano não exclui sua responsabilidade perante o impacto ambiental causado, tendo em vista que, diante da legislação ambiental e da disciplina da responsabilidade civil, ele é corresponsável ao poluidor direto pelo dano causado.

Importante destacar que a responsabilidade civil em matéria ambiental submete-se a um regime jurídico próprio, em que se caracteriza por ser objetiva, solidária e imprescritível. Assim, todos aqueles que direta ou indiretamente causaram uma degradação ambiental podem ser demandados a essa reparação, independentemente de culpa, desde que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre a conduta/atividade e o dano, podendo-se ajuizar a Ação Civil Pública contra um, alguns ou todos os poluidores, em litisconsórcio facultativo, garantindo-se à pretensão reparatória ambiental a imprescritibilidade, mesmo inexistindo previsão legal explícita, por versar sobre um direito essencial e fundamental que pertence às presentes e futuras gerações.

No campo do Direito Ambiental, a responsabilidade civil objetiva significa que o agente que danificar o Meio Ambiente ou contribuir para a manutenção do Meio Ambiente

10 BENJAMIN, Antônio Herman. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano3, n.9, p5- 52, jan./mar. 1998. p. 38.

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lesado tem o dever jurídico de repará-lo, independentemente da existência de culpa. Presente, portanto, o binômio dano/reparação.

Vale ainda destacar que a solidariedade em matéria ambiental faz com que a responsabilidade incida sobre aqueles que direta ou indiretamente provocaram o dano ecológico, contanto que seja estabelecido o nexo de causalidade entre a conduta/atividade e o dano.

Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.

Caracterizada a solidariedade, cada poluidor é obrigado a reparar o meio ambiente em sua totalidade. Assim, o titular do direito da ação pode demandar o cumprimento da obrigação de um dos poluidores, de alguns poluidores ou de todos conjuntamente. Nesse sentido, cumpre transcrever excertos de ementas de decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça que traduzem o entendimento pacificado desta Corte Superior:

“(...) 2. Preliminar levantada pelo MPF em seu parecer - nulidade da sentença em razão da necessidade de integração da lide pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento - DNOS, extinto órgão federal, ou por quem lhe faça as vezes -, rejeitada, pois é pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que, mesmo na existência de múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio, uma vez que a responsabilidade entre eles é solidária pela reparação integral do dano ambiental (possibilidade se demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo). Precedente.3. Também é remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pela impossibilidade de que qualquer dos envolvidos alegue, como forma de se isentar do dever de reparação, a não-contribuição direta e própria para o dano ambiental, considerando justamente que a degradação ambiental impõe, entre aqueles que para ela concorrem, a solidariedade da reparação integral do dano. (...)” (grifos acrescidos)(STJ, REsp 880160/RJ, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Dje 27/05/2010)

“(...) 2. Na hipótese examinada, não há falar em litisconsórcio passivo necessário, e, conseqüentemente, em nulidade do processo, mas tão-somente em litisconsórcio facultativo, pois os oleiros que exercem atividades na área degradada, embora, em princípio, também possam ser considerados poluidores, não devem figurar, obrigatoriamente, no pólo passivo na referida ação. Tal consideração decorre da análise do inciso IV do art. 3º da Lei 6.938/81, que considera "poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental" . Assim, a ação civil pública por dano causado ao meio ambiente pode ser proposta contra o responsável direto ou indireto, ou contra ambos, em face da responsabilidade solidária pelo dano ambiental.3. Sobre o tema, a lição de Hugo Nigro Mazzilli ("A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo", 19ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2006, p. 148), ao afirmar que, "quando presente a responsabilidade solidária, podem os litisconsortes ser acionados em litisconsórcio facultativo (CPC, art. 46, I); não se trata, pois, de litisconsórcio necessário (CPC, art. 47), de forma que

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não se exige que o autor da ação civil pública acione a todos os responsáveis, ainda que o pudesse fazer".4. Nesse sentido, os precedentes desta Corte Superior: REsp 1.060.653/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 20.10.2008; REsp 884.150/MT, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 7.8.2008; REsp 604.725/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 22.8.2005. (...)" (STJ, REsp 771619/RR, Primeira Turma, Rel. Ministra Denise Arruda, Dje 11/02/2009)

No que tange à imprescritibilidade do direito à reparação do dano ambiental, vale transcrever ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DIREITO AMBIENTAL- AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – PEDIDO GENÉRICO – ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE - SÚMULAS 284/STF E 7/STJ. 1.É da competência da Justiça Federal o processo e julgamento de Ação Civil Pública visando indenizar a comunidade indígena Ashaninka-Kampa do rio Amônia. 2. Segundo a jurisprudência do STJ e STF trata-se de competência territorial e funcional, eis que o dano ambiental não integra apenas o foro estadual da Comarca local, sendo bem mais abrangente espraiando-se por todo o território do Estado, dentro da esfera de competência do Juiz Federal. 3. Reparação pelos danos materiais e morais, consubstanciados na extração ilegal de madeira da área indígena. 4. O dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado. 5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano. 6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal. 7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer , considera-se imprescritível o direito à reparação. 8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental. 9. Quando o pedido é genérico, pode o magistrado determinar, desde já, o montante da reparação, havendo elementos suficientes nos autos. Precedentes do STJ. 10. Inviável, no presente recurso especial modificar o entendimento adotado pela instância ordinária, no que tange aos valores arbitrados a título de indenização, por incidência das Súmulas 284/STF e 7/STJ. 11. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido." (grifos acrescidos) (STJ, Resp 1.120.117/SC, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, Dje 19/11/2009)

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA DA CAPITAL Imperativo mencionar que, além de priorizar a recuperação do meio ambiente, o

Direito Ambiental exige, de forma cumulativa, a adoção de outras medidas ambientais, como a indenização e a compensação ambiental, para a minimização do dano ambiental como um todo, incluindo os danos reflexos e a perda da qualidade ambiental, nos termos do julgado abaixo citado:

"CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CUMULAÇÃO. DEVER DE REPARAR E INDENIZAR. REMESSA PARCIALMENTE PROVIDA. (...) 3. O Direito Ambiental atua de forma a privilegiar, em primeiro plano, a prevenção, em seguida a recuperação e, por fim, o ressarcimento.Todavia, a prioridade na adoção de medidas de recuperação ambiental não exclui a adoção de outra medidas, porquanto o dano ambiental não consiste tão somente na lesão ao equilíbrio ecológico, abrange também diferentes valores precípuos da coletividade que a ele encontram-se intimamente inter-relacionados. Inteligência do art. 225 da Constituição Federal . 4. A indenização com caráter de multa, além de sua função subsidiária - quando a reparação ambiental in natura não for total ou parcialmente possível -, é cabível de forma cumulativa, como modo de compensação pecuniária por danos reflexos e pela perda da qualidade ambiental até sua completa e efetiva recomposição. 5. In casu, embora tenha sido o Réu condenado •a promover a reparação do dano ambiental causado, com a retirada do aterro realizado na reentrância pós-muro e do muro de arrimo, com o menejo das espécies vegetais exóticas/invasoras e a reintrodução de espécies nativas naquela área–, tais condutas limitam-se a tentativas de restabelecer o status quo ante da biota afetada, não atingindo o dano ambiental como um todo. 6. Assim, muito embora, na hipótese, o bem jurídico protegido seja a higidez do meio ambiente, considerando o TAC inicialmente acordado pelas partes, entendo razoável a utilização de seu quantum indenizatório para condenação, ou seja, R$8.054,00 (oito mil e cinquenta e quatro reais), adequado para servir de indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura. 7. Remessa necessária parcialmente provida." (TRF2, REO 2004.50.01.006713-0/RJ, DJ 09/08/2012)

Nesse contexto, encontra-se a plena aplicação o Princípio do poluidor pagador, a indicar que, fazendo-se necessária determinada medida à recuperação do meio ambiente, é lícito ao julgador determiná-la, mesmo que não tenha sido instado a tanto.

Diante da vasta tutela jurídica conferida às Áreas de Preservação Permanente (APP faixa marginal de cursos d’água) e Unidades de Conservação (UCN Estuário do Rio Capibaribe), resta evidenciado que a conduta atentatória de normas e princípios jurídicos que protegem o Meio Ambiente enseja responsabilidade civil do agente infrator.

4. DA TUTELA DE URGÊNCIA

A presente ação civil tem por objeto a declaração de nulidade do projeto do Plano Santo Amaro Norte e elaboração de novo projeto em que seja garantida a efetiva participação popular, promovendo-se a apresentação de Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV e Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EPIA, a fim de se verificar se foram analisados

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os efeitos positivos e negativos do Plano quanto ao meio ambiente, uso e ocupação do solo, paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Com o fim de buscar conferir maior efetividade ao processo, de modo a salvaguardar que a tutela jurisdicional seja prestada com rapidez e eficácia, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015) prevê a tutela de urgência, quando o juiz vislumbrar elementos que evidenciem a probabilidade do direito, e que as alegações sejam fundadas em receio de dano ou risco ao resultado útil do processo. Assim dispõe o citado dispositivo processual, ipsis litteris:

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. (grifamos)

Encontra-se plenamente comprovado no caso da presente ação civil pública, diante da argumentação apresentada nesta inicial, que se fez acompanhar dos respectivos elementos probantes, com a apresentação de documentos integrantes do Inquérito Civil nº 31/2017-35ªPJHU/12ªPJMA e o relato de fatos, a probabilidade do direito do autor exigida pela lei processual para a concessão da tutela urgência (fumus boni iuris), de modo a configurar fundamentos fáticos e jurídicos consistentes e plausíveis.

Desta feita, o pressuposto da prova inequívoca, ou seja, aquela que “por um lado, basta por si só para o convencimento do magistrado e, por outro, não traz, em si, resquício ou possibilidade de existência de dúvida, mesmo que razoável”11, encontra-se plenamente comprovado no caso em apreço, caracterizando-se a verossimilhança exigida pela lei processual para a concessão do pleito liminar (fumus boni iuris).

É certo que o cronograma do projeto destinado à elaboração do Plano Específico Santo Amaro Norte permanece em andamento de modo a se operacionalizar sua futura conversão em lei, mesmo sem a devida participação popular e sem a elaboração de estudos, não só urbanísticos, como também ambientais, de modo a permitir ao Poder Publico Municipal conceder qualquer licença/alvará de demolição ou aprovar qualquer projeto na área abrangida pelo referido Plano.

Neste contexto, o perigo de dano, também previsto pelo Novo Código de Processo Civil, ou seja, a urgência do provimento judicial, se faz presente (periculum in mora), uma vez que na hipótese de indeferimento do pleito liminar, a demora natural da

11 COSTA, Fábio Silva. Tutela Antecipada, 1ª ed., Juarez de Oliveira, 2000, pág. 09.

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marcha do processo judicial trará o risco iminente da permanência de prática de atos administrativos (licença/alvará), atos estes, baseados em um projeto urbanístico sem a devida participação popular e sem a elaboração de EIV/EPIA, em descumprimento a preceitos constitucionais e das legislações urbanística e ambiental.

Há de se destacar, ainda, que a tutela de urgência, conforme disposição legal, visa assegurar o resultado útil do processo, diante da existência de grave risco, assim, se impõe no caso em tela, posto a premente necessidade de preservação dos direitos urbanístico e ambiental, previstos constitucionalmente.

De mais a mais, a concessão da liminar ora pleiteada também não traz ao município do Recife qualquer perigo de irreversibilidade da medida, haja vista que, a qualquer tempo, será possível, uma vez elaborado com a efetiva participação popular e com a realização do estudo prévio de impacto ambiental (EPIA), promover a análise de qualquer projeto a ser implantado na área, análise essa, devidamente baseada nos ditames ambientais e nos parâmetros de uso e ocupação do solo elencados em plano urbanístico concebido.

Diante de que foi narrado, conclui-se estarem presentes, in casu, os requisitos legais para o deferimento de provimento jurisdicional liminar de caráter cautelar (não satisfativo). Assim, REQUER o Ministério Público A CONCESSÃO LIMINAR DE MEDIDA CAUTELAR, para o fim de determinar ao Município do Recife que suspenda a análise de novos projetos arquitetônicos, abstenha-se de praticar todo e qualquer ato administrativo consistente na concessão de alvará/licença de demolição, de alvará para retirada de árvores e de alvarás/licenças/autorizações ambientais, aprovação de projeto arquitetônico, alvará/licença de construção, e bem como suspenda os alvarás, licenças, autorizações e projetos que eventualmente já tenham sido concedidos para quaisquer empreendimentos imobiliários em toda a área contemplada pelo Plano Santo Amaro Norte, sob pena de multa cominatória de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) diária, em caso de descumprimento da decisão.

5. DOS PEDIDOS

Desta forma, o Ministério Público Do Estado de Pernambuco REQUER:

a) seja recebida e processada a presente ação civil pública, sob o rito próprio estabelecido na legislação em vigor;

b) sejam citados os demandados, para, querendo, apresentar contestação no prazo legal, sob pena de incorrer nos efeitos da revelia e demais ônus processuais;

c) seja julgado procedente o pedido formulado na presente ação, para declarar a nulidade do Plano Específico Santo Amaro Norte, desenvolvido para a área localizada na porção norte do bairro de Santo Amaro na Cidade do Recife, delimitada pela Av. Norte Miguel de Alencar, Av. Governador Agamenon Magalhães e estuário do Rio Capibaribe, para determinar que a apresentação de nova proposta seja precedida da participação popular

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efetiva e de Estudos de Impacto Ambiental (EIA), com respectivo RIMA, e de Impacto de Vizinhança (EIV), ainda que venha a ser transformado em lei no decurso da presente demanda;

d) seja tornado definitivo o pedido liminar, condenando-se o Município do Recife na obrigação de fazer consistente em suspender a análise de novos projetos arquitetônicos e suspender os alvarás, licenças, autorizações e projetos que eventualmente já tenham sido concedidos, bem como na obrigação de não fazer constituída em abster-se de praticar todo e qualquer ato administrativo consistente na concessão de alvará/licença de demolição e de alvarás/licenças/autorizações ambientais, na aprovação de projeto arquitetônico e/ou concessão de alvará/licença de construção, para quaisquer empreendimentos imobiliários na área contemplada pelo Plano Santo Amaro Norte, bem como suspenda os que eventualmente já tenham sido concedidos;

e) seja produzida prova por todos os meios permitidos em direito, mormente por documentos, depoimento pessoal dos representantes das pessoas jurídicas demandadas, testemunhas, perícias e inspeções judiciais, caso se façam necessárias;

f) seja julgado procedente o pedido, inclusive com a apreciação das violações à Constituição da República/88 e à legislação federal para efeito de prequestionamento, condenando-se os demandados ao cumprimento das obrigações retromencionadas, sob pena de multa cominatória diária de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), em caso de descumprimento da Sentença, cujos valores deverão ser revertidos ao Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, criado pelo Decreto Federal nº 5.796, de 06 de junho de 2006, e ao Fundo Estadual do Meio Ambiente, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada;

g) sejam condenados os demandados ao pagamento dos ônus da sucumbência;

h) seja reconhecida a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, face ao disposto no art. 18 da Lei n.º 7.347/85 e art. 90 do CDC;

Atribui-se à causa o valor de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais).

Termos em quePedem deferimento.

Recife, 04 de dezembro de 2017.

BETTINA ESTANISLAU GUEDESPromotora de Justiça

RICARDO V. D. L. VASCONCELLOS COELHO Promotor de Justiça

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