plt libras-conhecimento alem dos sinais parte1
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PEARSON
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Anhanguera EducacionalPrograma do Livro-Texto
Material extrado de:
LiBRASCONHECIMENTO ALM DOS SINAIS
MARIA CRISTINA DA CUNHA PEREIRADANIEL CHOI
MARIA INS VIEIRAPRISCILLA GASPAR
RICARDO NAKASATO
Ar,Anhanguera PEARSON
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2011 by Maria Cristina da Cunha Pereira, Daniel Choi,Maria Ins da S. Vieira, Prisdlla Gaspar e Ricardo Nakasato
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicao poder serreproduzida ou transmitida de nenhum modo ou por algum outro meio,eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia, gravao ou qualquer outrO
tipo de sistema de armazenamento e transmisso de informao, sem prviaautorizao, por escrito, da Pearson Education do Brasil.
Diretor editorial: Roger TrimerGerente editorial: Sabrina Cairo
Editor de aquisio: Vincius SouzaEditora de desenvolvimento: Marina Lupinetti
Coordenadora de produo editorial: Thelma BabaokaEditor assistente: Alexandre Pereira
Preparao: Ludana GarciaReviso: Renata GonalvesCapa: Alexandre Mieda
Diaqramao: Megaan DesignIlustraes: Daniel Choi
Fotos da seo "Sobre os autores H: Daniel Choi
Dados lnternaonais de Catalogao na publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Libras I Daniel Choi. .. [et aI.] ; organizadora Maria Cristina da CunhaPereira. - 1. ed. - So Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011.
Outros autores: Maria Ins da S. Vieira, Priscilla Robena Gaspar deOliveira, Ricardo NakasatoISBN 978-85-8143-941-9
1. Iingua Brasileira de Sinais 2. Lngua de sinais r. Choi, Daniel.ll. Vieira, Maria Ins da S. ID. Oliveira, Prisdlla Robena Gaspar de.IV.Nakasato, Ricardo. v. Pereira, Maria Cristina da Cunha.
11-01033 CDD-419
ndces para catlogo sistemtico:1. Surdos: Lngua de sinais 419
2013Direitos exclusivos para a lngua portuguesa cedidos
Pearson Education do Brasil, uma empresa do grupo Pearson EducationRua Nelson Francisco, 26, LimoCEP: 02712-100, So Paulo - SP
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APRESENTAO
o PROGRAMA DO LIVRO-TEXTO (PLT) um programa institucional daAnhanguera Educacional que oferece aos seus alunos os livros de altaqualidade de que necessitam para a sua formao profissional, por preosmais baixos que os do mercado livreiro convencional.
Os ttulos oferecidos no PROGRAMA so reconhecidos no cenrioacadmico e provm das grandes editoras, nacionais e internacionais,assinados pelos melhores autores. O PLT foi criado para fazer frente snecessidades didtico-pedaggicas dos nossos cursos e uma exclusividadeda Anhanguera Educacional.
Criado em 2005 com o objetivo de ampliar a qualidade dos nossos servios,o PLT garante aos alunos a posse e o uso do livro didtico, contribuindoassim para uma melhora nos seus processos de aprendizagem, eliminando asprticas ineficientes dos rascunhos e cpias ilegais, alm de sistematizar aaquisio do conhecimento. O professor, nesse contexto, atua comomediador e facilitador da aprendizagem significativa.
Entre 2005 e 2012 oferecemos aos alunos da Anhanguera Educacional maisde 4,7 milhes de exemplares em 630 edies de ttulos de todas as reas doconhecimento. Para 2013 projetamos oferecer mais 1,8 milhes deexemplares, abrangendo cerca de 70 novos ttulos.
O PLT contribui diretamente com a nossa misso de formar profissionaiscapacitados a enfrentar os desafios que tero pela frente em suas carreiras enos seus projetos de vida.
Boa leitura e boa aprendizagem!
Prof. Antonio Carbonari Netto
Fundador e Presidente do Conselho de
Administrao da Anhanguera Educacional
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Sumrio
Referncias 115
Prefcio ..... . . . . .. .. . . .. .. . .. ... .. . . .. .. .. . VII
Apresentao XI
Agradecimentos xv
::1 ::ABlnguas de sinais: sua importncia para
os Surdos 1
::2 :: Lngua brasileira de sinais - Libras: direito dos
Surdos brasileiros 23
::3 ::Aspectos lingusticos da lngua brasileira de sinais ..... 57.....
::4 :: Ensino da lngua brasileira de sinais 93.....
ndice remissivo 121
Sobre os autores 125
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Prefcio t
Sempre recebo os trabalhos escritos por Cristina Pereira ou por
ela organizados como prolas de conhecimento.
Ao me ser dado o privilgio de prefaciar este livro, pude usu-
fruir, passo a passo, das linhas de seus captulos e tirar delas mo-
mentos de grande satisfao profissional. Leitura eminentemente
tcnica e cientfica, mas jamais cansativa, a obra conduz o leitor
ao "universo da surdez" de modo interativo em sua postura des-
critiva clara e objetiva.
O Captulo 1, por exemplo, um modelo de conciso de as-
pectos histricos indispensveis para a compreenso do contex-
to psicossocioculrural em que se insere a surdez e o Surdo. O
tema, de modo geral cansativo, torna-se dinmico por sua conci-
so e apresentao dos aspectos indispensveis para que o leitor
entenda no apenas o universo da surdez, mas tambm que pos-
sa identificar as imprecises a respeito do tema por meio da apre-
sentao dos "mitos" que o envolvem.
Destaco, como ponto fundamental, no Captulo 2, a forma
como os autores apresentam as caractersticas que determinam
a identidade Surda. A clareza do texto traz luz, para o leitor, as
razes dos papis sociais e da lngua que constri a subjetividade,
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LIBRAS
fatores que fundam essa identidade e que no so compreendi-
dos, de modo geral, inclusive pelos pais, em sua maioria ouvintes.
Neste captulo, ressalto pontos-chave para o sucesso da integra-
o da pessoa surda e seu autorreconhecimento como ser psico-
lgico e social, por pontuaes como:
Na interao com adultos Surdos, as crianas tero oportuni-
dade no s de aprender a lngua de sinais, como tambm de
construir uma identidade Surda por meio do acesso cultura
das comunidades Surdas.
preciso discutir, quando se analisa o sujeito cultural Surdo, a
importncia da lngua como marcador de uma cultura.
Neste momento, vemos a aprendizagem da lngua como fator
de formao do prprio eu. No caso de Surdos, isso pode sig-
nificar que a aprendizagem e o uso de Libras ajudam a consti-
tuir o sujeito Surdo cultural.
Ao apresentar um cuidadoso relato sobre as lnguas de sinais,
o Captulo 3 contempla tanto o leitor conhecedor e especialista
em surdez, como o leigo interessado em se beneficiar desse co-
nhecimento. A forma de exposio do tema essencialmente di-dtica.
As consideraes feitas no Captulo 4 trazem tona as dificul-dades encontradas no ensino-aprendizagem da lngua de sinais,
com parmetros bem determinados em relao a uma lngua es-
trangeira. Destaco os exemplos apresentados, que mostram as di-
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ficuldades do ouvinte aprendiz. A meu ver, mais do que uma
listagem de exemplos: mostra-se como uma exposio de moti-
vos que introduzem possibilidades apresentadas no final do cap-
tulo. No h uma elaborao de propostas, mas, com certeza, h
uma seta em direo ao alvo.
Na Apresentao, os aurores destacam que o livro:
procura contemplar aspectos considerados fundamentais pelos
autores, professores de lingua brasileira de sinais em instituio
de ensino superior. Seela [a proposta apresentada] puder ajudar
os professores a elaborarem suas propostas, j ter cumprido
seu objetivo.
Cumpriu, sim, e com muito sucesso. E o livro no atinge s os
professores. Seu pblico estende-se a rodos os interessados pelo
tema surdez e sua identificao com o mundo: fonoaudilogos,
especialistas em surdez, pais, amigos e qualquer um que se inte-
resse pelo tema. Fico muito feliz por ter a oportunidade de ver
publicado este livro e sinto-me privilegiada por ter sido escolhida
para escrever este Prefcio. Parabns a vocs, Cristina, Ins, Ri-
cardo, Daniel e Priscilla!
Sucesso mais do que merecido o que desejo a este livro, sa-
bendo que meus votos j esto, de antemo, cumpridos.
Eulalia FernandesUniversidade do Estado do
Rio de Janeiro (UER])
Ir
PREFAcIO
IX
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...
Apresentao
o reconhecimento da Lngua Brasileira de Sinais - Libras-como lngua oficial das comunidades surdas do Brasil, pela Lei
Federal n. 10.436, de 24 de abril de 2002, trouxe mudanas sig-
nificativas para a educao dos surdos.
A lngua brasileira de sinais passou a receber cada vez mais
ateno por parte de pesquisadores e de educadores, e cresceu sig-
nificativamente o nmero de adeptos e defensores de seu uso. As
escolas de Surdos passaram a contratar adultos Surdos para res-
ponder pela exposio dos alunos lngua de sinais, e as escolas
regulares, em seus diferentes nveis, comearam a contratar intr-
pretes, buscando obter resultados mais eficientes na relao pro-
fessores ouvintes-alunos surdos.
Em 2005, o Decreto Federal n. 5626, de 22 de dezembro, de-
termina, no Captulo II, a incluso da disciplina de lngua bra-sileira de sinais como obrigatria nos cursos de formao de
professores e de fonoaudiologia. Algumas instituies j ofere-
cem a disciplina e outras se preparam para faz-lo, j que tm at
2015 para isso.
O Decreto estabelece a obrigatoriedade da disciplina, a ser
ministrada preferencialmente por professor surdo, mas no faz
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LIBRAS
referncia a contedo ou carga horria. Cada instituio deve de-
finir o contedo e a carga horria da disciplina em funo dos ob-
jetivos estabelecidos no curso. Para isso, h de se definir, ento,
quais so esses objetivos.
Qual o objetivo da disciplina de Libras nos cursos de forma-
o de professores e de fonoaudiologia?
Responder a esta pergunta exige uma reflexo sobre nossa ex-
pectativa em relao contribuio que a disciplina pode trazer
para a formao do professor e do fonoaudilogo.
Sendo professores de Libras, surdos e ouvintes, defendemos
que ela faa parte do currculo escolar desde a educao bsi-
ca. Teramos, assim, escolas bilingues, com professores e alunos
usando a Libras nas salas de aula. Isso, no entanto, o ideal.O Decreto n. 5.626 [Orna a Libras disciplina obrigatria ape-
nas nos cursos de graduao e, como no determina a carga hor-
ria, ela muito pequena na maioria das instituies. Compatvel,
portanto, com duas ou trs aulas semanais por um semestre, car-
ga horria adotada por grande parte dos cursos de licenciatura, o
que se pode esperar que os futuros professores sejam capazes de
estabelecer dilogos simples comos alunos surdos, conheam os
aspectos gramaticais da Libras e seu papel na educao e na cons-
tituio da cultura surda, que abandonem o paradigma social que
geralmente associa a surdez incapacidade ou ao comprometi-
mento intelectual e que percebam a especificidade lingustica da
pessoa surda.
Considerando-se que muitos dos futuros professores tero con-
tato com alunos surdos nas salas de aula comuns, includos com
alunos ouvintes, o conhecimento que eles adquirirem nos cursos
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APRESENTAO
de graduao compor, em muitos casos, a bagagem que levaro
para sua prtica. Assim, sensibilizar os futuros professores e fono-
audilogos para as especificidades lingusticas desses alunos, pos-
sibilitar a constituio de uma imagem positiva da surdez e dos
alunos surdos e acolher estes alunos interagindo com eles so al-
guns dos aspectos que consideramos fundamentais na disciplina
de Libras.
Sabe-se que o sucesso no aprendizado de uma lngua depende
fortemente da motivao. Assim, se os alunos estiverem motiva-
dos, em pouco tempo tero condies de adquirir conhecimen-
to bsico em Libras. Uma vez motivados, eles podero ampliar
seu conhecimento da lngua em cursos livres ou mesmo na inte-
rao com interlocutores surdos, nas comunidades surdas. L vi-venciaro o que aprenderam na teoria. Esta a melhor forma de
se aprender a Libras.
A preocupao com possibilitar aos futuros professores e fo-
noaudilogos uma base para o trabalho com alunos surdos alm
do aprendizado da Libras subsidiou a elaborao deste livro, cujo
objetivo apresentar uma proposta para a disciplina nos cursos
superiores, que no a nica possvel, mas que procura contem-
plar aspectos considerados fundamentais pelos autores, professo-
res da lngua brasileira de sinais em instituio de ensino superior.
Se ela puder ajudar os professores a elaborarem suas propostas j
ter cumprido seu objetivo.
O Captulo 1 apresenta uma perspectiva histrica sobre a sur-
dez e sobre a educao de surdos no mundo e no Brasil. Nesta re-
cuperao da histria, so focalizados os primeiros estudos sobre
as lnguas de sinais.r
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LIBRAS
o Captulo 2 aborda a importncia da lngua de sinais para aconstituio da identidade dos Surdos e de uma cultura que, por
ser eminentemente visual, apresenta vrias diferenas em relao cultura dos ouvintes.
O Captulo 3 apresenta uma anlise dos aspectos fonolgicos,
morfolgicos, sintticos e discursivos da Libras, com base em es-
tudos lingusticos. Ilustraes ajudam os alunos a compreendera teoria.
O Captulo 4 discute aspectos envolvidos no aprendizado das
lnguas de sinais, em particular da Libras, e prope uma meto-
dologia de ensino compatvel com uma concepo discursiva delngua.
Com esse contedo, esperamos contribuir para o melhor co-
nhecimento de todos os que esto sensveis s questes da surdez
e motiv-los a aprofundar seu conhecimento sobre a Libras.
XIV
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Agradecemos DERDIC/PUC-SP, que nos possibilitou for-
mao, vivncia e experincia tanto na educao de Surdos como
tambm na divulgao da Libras, da cultura Surda e da capaci-
dade da pessoa Surda por meio de cursos, workshops e palestras,
ampliando a acessibilidade da pessoa surda no mundo do traba-
lho, do conhecimento e da educao.
PUC-SP por acreditar na capacidade do Surdo como profes-
sor de Libras.
Professora Dra. Lucinda Brito por ter sido a primeira pesqui-
sadora a reconhecer a Libras como lngua, a pesquisar sua gram-tica, bem como a reconhecer a existncia de uma cultura Surda.
s associaes de Surdos, FENEIS e comunidade Surda,por conservar a Libras viva desde sua introduo por E. Huet, re-
sistindo presso social para oralizar o Surdo.
Aos alunos dos cursos de licenciatura e de fonoaudiologia da
PUC-SP, por contriburem para nosso aperfeioamento como
professores de Libras.
Agradecimentos..............................................................
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As lnguas de sinais:sua importncia para os Surdos'
....... ,. .
A lngua de sinais a lngua usada pela maioria dos Surdos, na
vida diria. a principal fora que une a comunidade Surda, o
smbolo de identificao entre seus membros.
comum que se pense que a lngua de sinais universal, fcil
de aprender e que permite a comunicao entre povos diferentes.
verdade, como afirma Markowicz (1980), que um viajante
surdo tem mais facilidade em entender e em se fazer entender no
pas que est visitando que um viajante
ouvinte. Por meio do uso de pantomima,
surdos de pases diferentes so capa-
A pantomima consiste em
usar o corpo e os gestos parase expressar.
zes de se comunicar melhor que pessoas
ouvintes que falam diferentes lnguas orais. Segundo o mesmo
autor, em situaes em que no h uma lngua partilhada, as pes-
soas surdas dramatizam e descrevem uma pessoa ou um objeto
sem usar a linguagem falada ou a lngua de sinais; essa comunica-
o gestual d a impresso de que existe s uma lngua de sinaise que ela universal.
1 Seguindo conveno proposta por James Woodward (1982), neste livro serusado o termo "surdo" para se referir condio audiolgica de no ouvir, e o ter-mo "Surdo" para se referir a um grupo particular de pessoas surdas que partilhamuma lngua e uma cultura.
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Embora, em cerras situaes, os Surdos recorram pantomimapara se comunicar, e embora, tambm, a representao pantorn-
mica seja a fonte de muitos sinais, estudiosos das lnguas de sinais
(Bellugi e Klima, 1979) enfatizam que, por meio de abreviao
- movimentos condensados, simplificados -, o sinal se torna
bem diferente da pantomima.
Cada pas tem sua lngua de sinais, como tem sua lngua na
modalidade oral. As lnguas de sinais so lnguas naturais, ou
seja, nasceram "naturalmente" nas comunidades Surdas. Uma vez
que no se pode falar em comunidade universal, tampouco est
correto falar em lngua universal.
Outro aspecto a considerar a relao estreita que existe entre
lngua e cultura. As lnguas de sinais refletem a cultura dos dife-rentes pases onde so usadas, e esse mais um argumento contra
a ideia de uma lngua de sinais universal.
No existe uma lngua natural universal. Existem lnguas artifi-
ciais, criadas com um determinado fim, como, por exemplo, facili-tar o processamento de dados de um computador. Ainda no grupo
das lnguas artificiais esto as lnguas auxiliares internacionais, como
o esperanto, criadas para facilitar a comunicao verbal entre in-
divduos de lnguas diversas, na esperana de contribuir para um
melhor relacionamento entre os povos.
Como curiosidade, vale lembrar a existn-o gestuno uma lngua ar-tificial, criada com o objetivo
de possibilitar a comunica-cia do gestuno, criado para possibilitar
a comunicao entre as pessoas surdas e,
muitas vezes, usado pelos Surdos em con-o entre as pessoas surdas
de diferentes pases.ferncias internacionais ou em viagens.
As lnguas de sinais distinguem-se das lnguas orais porque uti-lizam o canal visual-espacial em vez do oral-auditivo. Por esse
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AS LlNGUAS DE SINAIS: SUA IMPORTNCIA PARA OS SURDOS
motivo, so denominadas lnguas de modalidade gestual-visual
(ou visual-espacial), wna vez que a informao lingustica rece-
bida pelos olhos e produzida no espao, pelas mos, pelo movi-
mento do corpo e pela expresso facial.
Apesar da diferena existente entre lnguas de sinais e lnguas
orais, ambas seguem os mesmos princpios com relao ao fato
de que tm um lxico, isto , wn conjunto de smbolos conven-
cionais, e wna gramtica, ou seja, um sistema de regras que rege
o uso e a combinao desses smbolos em unidades maiores.
Antes de aprofundar nossos estudos a respeito das lnguas de
sinais e de suas particularidades, vamos discutir um pouco o tra-
tamento dado ao surdo ao longo da histria, as concepes de
surdez e a evoluo das prticas educativas para esse grupo.
Uma perspectiva histrica sobre asurdez e a educao de surdos
Uma retrospectiva histrica da educao de surdos permite
constatar que, pelo prisma de misticismo da educao egpcia,
pela filosofia grega, pela piedade crist, pela necessidade de pre-
servao e perpetuao da nobreza e do poder, pelo desejo de uni-
ficao da lngua ptria, pelos avanos da medicina, da cincia e
da tecnologia, ou pelos interesses polticos, diferentes concepes
de surdez e de sujeito surdo permearam a escolha das abordagens
usadas na educao do surdo.
No Egito antigo, os surdos eram considerados pessoas espe-
cialmente escolhidas. Seu silncio e seu comportamento peculiar
conferiam-lhes um ar de misticismo (Eriksson, 1998).
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LIBRAS
J na Grcia antiga, pelo fato de as sociedades estarem cons-
tantemente em guerra ou envolvidas em conflitos armados, a bra-
vura era considerada caracterstica essencial. Alm disso, o gOSto
esttico dos gregos fazia que a feira ou o desvio fosse visto com
desprezo. Assim, todos os indivduos que fossem, de alguma for-
ma, um peso para a sociedade eram exterminados.
Os filsofos gregos acreditavam que o pensamento s poderia
ser concebido por meio das palavras articuladas. Por ter declara-
do o ouvido como o rgo de instruo e ter considerado a au-
dio Ocanal mais importante para a inteligncia, Aristteles foi
acusado de manter o surdo na ignorncia por dois mil anos (De-land, apud Moores, 1996). Por no ouvirem, os surdos eram con-
siderados desprovidos de razo, o que tornava sua educao uma
tarefa impossvel.
Tambm entre os romanos, a vida dos surdos era extremamen-
te difcil. Como conta a histria (cf Eriksson, 1998), era con-
ferido ao cabea da famlia poder irrestrito sobre a vida de seus
filhos. Assim, era comum que crianas com algum defeito fossem
afogadas no rio Tibre.
O cdigo de Justiniano, formulado no reinado do imperador
Justiniano, no sculo VI, e que forneceu a base para a maioria dos
sistemas legais na Europa moderna, determinou que os surdos que
no falassem no poderiam herdar fortunas, ter propriedades nem
escrever testamentos. Por outro lado, os que eram s surdos, e no
mudos, tinham direitos legais de herdar ttulos e propriedades.
At a Renascena, a ideia de educar os surdos parecia imposs-
vel. a partir do sculo XVI que se observa um esforo para edu-
c-los. Comea, ento, a histria da educao de surdos.
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AS LlNGUAS DE SINAIS: SUA IMPORTNCIA PARA OS SURDOS
Eriksson (1998), pesquisador surdo sueco, refere trs fases na
histria da educao de surdos.
Primeira fase: at 1760
Na primeira fase da histria da educao dos surdos, as crian-
as surdas das famlias abastadas eram ensinadas individualmente
por tutores - geralmente, mdicos ou religiosos.
Pedro Ponce de Leon (1520-1584) foi um dos tutores que se
destacou no ensino de surdos da nobreza espanhola. Seu objeti-
vo era ensinar seus alunos a falar para que tivessem direito a he-
rana. Ele utilizava o alfabeto manual com as duas mos e fazia
urna juno dos sinais usados pelos monges beneditinos que vi-
viam sob a lei do silncio e dos desenvolvidos pela famlia Velas-
co (Moores, 1996).
Entre os sculos XVI e XVIII, a educao das crianas surdas
era planejada pela famlia. Para isso, eram contratados tutores
com o objetivo de ensinar os surdos a se comunicar oralmente ou
por escrito. Os mtodos utilizados no ensino das crianas surdas
eram muito semelhantes: os tutores usavam a fala, a escrita, o al-
fabeto manual e os sinais.
Corno os professores queriam guardar segredo sobre os mto-
dos que usavam, pouco se sabe sobre esse perodo.
Segunda fase: de 1760 a 1880 - escolas para surdos
O segundo perodo da histria da educao de surdos come-
a no final do sculo XVIII, quando trs homens, desconheci-
dos entre si, fundaram escolas para surdos em diferentes pases
da Europa. As crianas surdas passaram a ser escolarizadas em
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LIBRAS
vez de individualmente, como antes. A educao formal tem,
ento, seu inicio com trs diferentes princpios e propostas no
que diz respeito lngua usada.Na Frana, o abade Charles-Michel de L'Epe, fundador da
primeira escola para surdos no mundo, privilegiava a Lngua de
Sinais Francesa (LSF), que havia aprendido com os Surdos nas
ruas de Paris. Teve o mrito de reconhec-la como lngua, divul-
g-la e valoriz-la, bem como mostrar que, mesmo sem falar, os
surdos eram humanos. Outra grande contribuio de L'Epe foi
o fato de passar a educao do surdo de individual para coletiva,
no mais privilegiando os aristocratas, mas estendendo a possibi-
lidade de educao para surdos de todas as classes sociais (Moo-
res, 1996). Os surdos educados por LEpe formaram-se e foram
seus multiplicadores, fundando escolas para surdos pelo mundo,
inclusive no Brasil.
Com LEpe, teve incio o perodo conhecido como a "poca
de ouro da educao de surdos", de 1780 at 1880, quando os
surdos formados em seu Instiruto de Surdos de Paris atingiram
cargos que anteriormente eram ocupados apenas por ouvintes.
J as escolas fundadas por Thomas Braidwood, na Inglaterra, e
Samuel Heinicke, na Alemanha, privilegiavam a lngua majori-
tria na modalidade oral. Braidwood usava a escrita e o alfabeto
digital; ensinava seus alunos primeiro por meio da escrita, depois
articulando as letras do alfabeto e passava, posteriormente, para a
pronncia de palavras inteiras.
Samuel Heinicke acreditava que a nica ferramenta a ser usada
na educao de surdos deveria ser a palavra falada. Argumentava
que permitir aos estudantes surdos usar a lngua de sinais inibiria
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AS LlNGUAS DE SINAIS: SUA IMPORTNCIA PARA OS SURDOS
seu progresso na fala. Nasceu, assim, uma nova corrente na edu-
cao de surdos, chamada "a escola alem".
Heinicke acreditava que era somente aprendendo a fala arti-
culada que a pessoa surda conseguiria uma posio na sociedade
ouvinte. Usava mquinas de fala para demonstrar a posio apro-
priada dos rgos vocais para a articulao e associava a pronn-
cia de vrios sons voclicos com certos sabores.
o oralismo de Heinicke recusava alngua de sinais, a gesticulao ou o alfa-
beto manual.
Como se pode observar, o abade de
rEpe defendia o mtodo visual, en-
quanto Heinicke defendia o mtodo
oral. Estabeleceu-se, entre os dois, uma
polmica em relao melhor lngua a
ser usada na educao de surdos.
No sculo XIX, o oralismo foi domi-
nando as escolas para surdos, inclusive na
Frana (Eriksson, 1998). Mesmo reco-
nhecendo que, no mtodo oral, os alunos
surdos recebiam uma educao inferior,
os defensores do oralismo acreditavam
o oralismo defende que acomunicao com e pelos
surdos se d exclusivamente
pela fala, sendo os sinais e o
alfabeto manual proibidos.
o mtodo visual baseia-seno uso dos gestos, dos sinais,do alfabeto manual e da escri-
ta na educao dos surdos.
omtodo oral, ou oral-aural,baseia-se no acesso lngua
falada por meio da leitura la-bial (ou leitura orofacial) e da
amplificao do som e na ex-
presso por meio da fala.
que, sendo a surdez medicamente incur-
vel, as pessoas surdas deveriam falar a fim de se tornarem normais.A preferncia pelo oralismo foi reconhecida no II Congresso In-
ternacional de Educao do Surdo, ocorrido em Milo, na Itlia,
em 1880, quando ficou decidido que a educao dos surdos deve-
ria se dar exclusivamente pelo mtodo oral.
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LIBRAS
Com a aprovao do mtodo oral, os professores surdos foram
destitudos de seu papel de educadores e a lngua de sinais foi
proibida de ser usada pelos professores na educao e na comuni-
cao com seus alunos surdos.
Terceira fase: depois de 1880Depois do Congresso de Milo, o mtodo oral tomou conta
de toda a Europa - o que, segundo Lane (1989), se explica pela
confluncia do nacionalismo vigente na poca - e estendeu-se
por todo o mundo, permanecendo por quase cem anos.
De acordo com Marchesi (1991), durante o sculo XX, at os
anos 1960, o mtodo oral manteve urna posio dominante na
Europa e na Amrica.
Apesar da proibio da lngua de sinais na educao, ela con-
tinuava a ser usada por adultos Surdos e pelos estudantes das es-
colas residenciais especiais. Criaram-se associaes de Surdos, nas
quais eram realizadas atividades diversas que serviam de ponto de
referncia fundamental para os Surdos. Grande parte dessas asso-
ciaes estava ligada Igreja e a outras instituies de carter re-
ligioso e protegia a comunicao por meio de sinais.
Com o advento da tecnologia eletroacstica, surgiram os apa-
relhos de amplificao sonora individuais, que permitiram um
melhor aproveitamento dos resduos auditivos, e, com isso, mui-
tos passaram a acreditar na "cura" da surdez, o que eliminaria de
vez o uso de sinais. Surgiram, ento, dentro da abordagem oralis-
ta, diferentes formas de trabalho que se baseavam na necessidade
de oralizar o surdo, no permitindo o uso de sinais.
As abordagens orais, tambm conhecidas como "mtodos orais--aurais", caracterizam-se pela nfase na amplificao do som e no
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AS LlNGUAS DE SINAIS: SUA IMPORTNCIA PARAOS SURDOS
uso da fala. Dependendo do canal que priorizado na recepo
da linguagem, denomina-se abordagem unissensorial, que utiliza
apenas a audio residual e o treinamento de fala, no contem-
plando o uso da viso, ou abordagem multissensorial, que, alm
do uso da audio residual e do treinamento de fala, utiliza a lei-
tura orofacial (Moores, 1996).
A proibio do uso da lngua de sinais na educao de surdos
por mais de cem anos trouxe como consequncias baixo rendi-
mento escolar e a impossibilidade de o surdo prosseguir seus es-
tudos em nvel mdio e superior. As expectativas de normalizaodo surdo, por meio de treinamento de audio e fala, transformou
o espao escolar em teraputico, descaracterizando a escola como
espao de ensino, troca e ampliao de conhecimento. O ensino
da fala tirava da escola para surdos um tempo precioso que deve-
ria ser gasto com conhecimento de mundo e contedos escolares,
entre outros. Por outro lado, a falta da oralizao restringia as pos-
sibilidades de integrao dos surdos nas escolas de ouvintes.
Na dcada de 1960, os resultados insatisfatrios obtidos pelo
oralismo, os estudos que apontavam para uma superioridade aca-
dmica das crianas surdas filhas de pais surdos em comparao
com aquelas filhas de pais ouvintes e asprimeiras pesquisas lingus-
ticas sobre a Lngua de Sinais Americana
(ASL, do ingls American Sign Language)- desenvolvidas por Stokoe, que tinham
como objetivo atribuir-lhe estatuto lin-
gustico (Moores, 1996) - levaram
adoo de uma abordagem que contem-
plasse os sinais na educao de surdos, a
comunicao total.
A comunicao total defende
que os surdos tenham acesso
linguagem oral por meio da
leitura orofacial, da amplifica-
o, dos sinais e do alfabeto
manual e que se expressempor meio da fala, dos sinais e
do alfabeto manual.
-
LIBRAS
Embora a comunicao total tenha sido concebida como filo-
sofia que encorajava o uso de todas as formas de comunicao,
incluindo sinais da lngua de sinais americana, pantomima, de-
senho e alfabeto digital, entre outras, na prtica, ela se tornou
um mtodo simultneo que se caracterizava pelo uso concomi-
tante da fala e da sinalizao na ordem sinttica da lngua da co-
munidade ouvinte (Lane, Hoffmeister e
Bahan, 1996). Tratava-se do uso de uma
s lngua produzida em duas modalida-
des, o que Schlesinger (1978) chamou
de bimodalismo.
Na dcada de 1980, os Surdos, na condio de minoria, pas-
o bimodalismo refere-se exposio ou ao uso de uma
s lngua, produzida em duas
modalidades: oral e gestual.
saram a exigir o reconhecimento da lngua de sinais como vlida
e passvel de ser usada na educao de crianas surdas, a reivin-
dicar o direito de ter reconhecida sua cultura e de transmitir essa'
cultura s crianas surdas. Saram de uma situao de passivida-de, em que tinham sua vida decidida pelos ouvintes, e iniciaram
um movimento que exigia respeito a seus direitos de cidados
(Lane, 1992).
O movimento de reconhecimento da cultura, comunidade e
identidade dos Surdos, alm de afirmaro bilinguismo refere-se aoensino de duas lnguas para
os surdos: a primeira, a ln-
gua de sinais, d o arcabou-
o para o aprendizado dasegunda, a lngua majoritria
- preferencialmente na mo-
dalidade escrita.
12
a sua autenticidade por meio de traba-
lhos cientficos, movimentos de protes-
to e aes culturais, conseguiu mobilizar
alguns responsveis por sua educao
para que esta fosse reformulada. A nova
proposta de trabalho recebeu o nome de
bilinguismo.
-
AS LlNGUAS DE SINAIS: SUA IMPORTNCIA PARA OS SURDOS
o bilinguismo, como abordagem de educao para surdos,prope que os alunos sejam expostos a duas lnguas: a primeira, a
lngua de sinais, e a segunda, a lngua majoritria da comunida-
de ouvinte, de preferncia na modalidade escrita.
Pequeno histrico da educao dos surdos no Brasil
A primeira escola para surdos no Brasil foi fundada em 1857,
no Rio de Janeiro, por D. Pedro II, que solicitou o encaminha-
mento de um professor surdo ao ministro da Repblica France-
sa. O professor recomendado foi E. Huet," que havia sido aluno
do Instituto Nacional de Paris e trouxe para o Brasil a lngua de
sinais francesa (Lane, op. cit.).
Inicialmente denominado Imperial Instituto de Surdos-Mudos,
a escola para surdos no Rio de Janeiro recebeu, posteriormente, o
nome de Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES).
Segundo Ciccone (1996), surdos brasileiros de vrias regies
do pas, que para l se dirigiam em busca de ensino, foram edu-
cados por meio de linguagem escrita, do alfabeto digital e dos si-
nais. Assim, a lngua de sinais e o alfabeto digital utilizados por
Huet na educao do surdo passaram a ser usados e conhecidos
em todo o Brasil, uma vez que esses estudantes retornavam para
suas cidades de origem e os divulgavam. Nesse sentido, Huet
considerado o introdutor da lngua de sinais no Brasil: trouxe,
inicialmente, a lngua de sinais francesa, que se mesclou com a
2 H controvrsias sobre o primeiro nome de Huet. Apenas guisa de exemplo,Rocha (1997) refere-se a Ernest, enquanto Moura (2000)usa Edward, e Vieira (2000),Edouard.
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LI BRAS
lngua de sinais utilizada pejos surdos brasileiros e acabou for-mando a Lngua Brasileira de Sinais.
Ao longo do tempo, como aconteceu com todas as escolas
para surdos no mundo, as abordagens adoradas na educao de
surdos foram acompanhando as tendncias mundiais. Assim,
por influncia do Congresso de Milo, o Instituto Nacional de
Educao de Surdos adorou o oralismo, depois a comunicao
total, e, hoje, tem uma proposta de educao bilngue para osalunos surdos.
O INES, atualrnenre com 153 anos, a nica instituio fede-ral que atende alunos surdos.
Em So Paulo, a primeira escola para surdos foi o Instituto
Santa Terezinha, fundado em 1929. Em 1954, foi fundado, tam-
bm em So Paulo, o Instituto Educacional So Paulo (IESP),
por iniciativa de pais de crianas surdas. Outras escolas particu-
lares para surdos foram fundadas posteriormente na cidade, almde escolas municipais.
Pelo Brasil, h outras instituies que atendem exclusiva-
mente alunos surdos. No entanto, a poltica de incluso do
governo federal tem levado ao fechamento de muitas escolaspara surdos.
Embora no se possa falar em modelo nico, todas as escolas
para surdos em So Paulo esto em processo de construo de
uma proposta de educao bilngue, na qual a Lngua Brasilei-
ra de Sinais (Libras) a primeira lngua e a lngua portuguesa, na
modalidade escrita, a segunda. Vejamos, ento, um pouco maissobre o bilinguismo.
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AS LfNGUAS DE SINAIS: SUA IMPORTNCIA PARA OS SURDOS
Bilinguismo na educao de Surdos
As crianas surdas que tm pais surdos, usurios da lngua de
sinais, geralmente a aprendem na interao com eles de forma se-
melhante e na mesma poca em que as crianas ouvintes adqui-
rem a lngua majoritria. Alm da lngua de sinais, as crianas
surdas filhas de pais surdos adquirem com a famlia aspectos da
cultura Surda e identificam-se com a comunidade de Surdos.
Quando chegam escola, essas crianas j contam com umalngua, com base na qual podero aprender a lngua majoritria,
na modalidade escrita.
A maior parte das crianas surdas, no entanto, tem pais ouvin-
tes, que no sabem a lngua de sinais e usam a lngua majoritria
na modalidade oral para interagir com elas. Por causa da perda
auditiva, as crianas surdas conseguem adquirir apenas fragmen-
tos da fala dos pais. Consequentemente, embora cheguem es-
cola com alguma linguagem adquirida na interao com os pais
ouvintes, no apresentam nenhuma lngua constituda (Perei-
ra,2000).
O reconhecimento de que a lngua de sinais possibilita o desen-
volvimento das pessoas surdas em todos os seus aspectos, sornado
reivindicao das comunidades de Surdos quanto adoo dalngua de sinais na educao, tem levado, nos ltimos anos, mui-
tas instituies a adorar um modelo bilngue na educao dos
alunos surdos. Nesse modelo, a primeira lngua a de sinais (que,
por ser visual, mais acessvel aos alunos surdos), que d o arca-
bouo para o aprendizado da segunda lngua (preferencialmente
na modalidade escrita, tambm por ser visual).
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LI BRAS
A aquisio da lngua de sinais pelas crianas surdas filhas de
pais ouvintes s poder ocorrer na interao com adultos Surdos
que as insiram no funcionamento lingustico da lngua de sinais
por meio de atividades discursivas que envolvam seu uso, como
dilogos e relatos de histrias; isto , em atividades semelhan-
tes s vivenciadas por crianas ouvintes ou surdas filhas de paisSurdos na interao com os pais. A interao com adultos Sur-
dos ser propiciada por uma escola que conte com professores e
profissionais surdos usurios da lngua de sinais e com professo-
res ouvintes fluentes que a usem na comunicao e no desenvol-
vimento do contedo programtico.
O aprendizado da lngua majoritria na modalidade escrita sedar por meio da exposio, desde cedo, a textos escritos, uma vezque a leitura se constitui na principal fonte para o aprendizado da
lngua majoritria. Por meio da lngua de sinais, o professor deve
explicar criana o contedo dos textos, bem como mostrar a ela
semelhanas e diferenas entre as duas lnguas (Pereira, 2005).
Primeiros estudos sobre lnguas de sinais
Vimos que o bilinguismo se caracteriza pelo uso de duas lnguas
- sendo uma delas a de sinais, o que evidencia que as lnguas de
sinais so, de fato, lnguas. Uma srie de estudos desenvolvidos
sobre essas lnguas ao longo do tempo colaborou para que se che-
gasse a essa constatao e para que se entendesse melhor o fun-
cionamento dessas lnguas.
As primeiras pesquisas lingusticas sobre as lnguas de sinais,mais especificamente sobre a lngua de sinais americana, fo-
ram realizadas por William Stokoe, no inicio dos anos 1960, e
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AS LfNGUAS DE SINAIS: SUA IMPORTNCIA PARA OS SURDOS
tiveram como objetivo mostrar que os sinais poderiam ser vistos
como mais do que gestos holsticos aos quais faltava uma estru-
tura interna (Stokoe, 1960). Ao contrrio do que se poderia pen-
sar primeira vista, eles poderiam ser descritos em termos de um
conjunto limitado de elementos formacionais que se combina-
vam para formar os sinais.
A anlise das propriedades formais da lngua de sinais ame-
ricana revelou que ela apresenta organizao formal nos mes-
mos nveis encontrados nas lnguas faladas, incluindo um nvel
sublexical de estruturao interna do sinal (anloga ao nvel fono-
lgico das lnguas orais) e um nvel gramatical, que especifica os
modos como os sinais devem ser combinados para formarem fra-
ses e oraes (Klima e Bellugi, 1979).
Aos estudos sobre a lngua de sinais americana se seguiram ou-
tros, cujo objeto eram as lnguas de sinais usadas pelas comunida-
des de surdos em diferentes pases, como Frana, Itlia, Uruguai,
Argentina, Sucia, Brasil e muitos outros.
Essas lnguas so diferentes umas das outras e independem
das lnguas orais utilizadas nesses pases. Diferente do que ocorre
com as lnguas orais, as de sinais fazem uso das mos, do espao,
do movimento, do olhar e da expresso facial, o que deu origem
a algumas ideias equivocadas, consideradas mitos pelos estudio-
sos das lnguas de sinais. Markowicz (1980) identificou seis mi-
tos, descritos a seguir:
Mito 1 - A lngua de sinais universalComo j referido, as lnguas de sinais so lnguas natu-
rais e, portanto, expressam desejos e necessidades das co-
munidades que as usam, bem como refletem seus aspectos
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LIBRAS
culturais. Uma vez que no existe comunidade nem cultu-
ra universais, no correto dizer que as lnguas de sinais so
universais.
Mito 2 - A realidade deve basear-se na palavra
As linguas de sinais foram muito criticadas por serem
"conceituais" em vez de "baseadas na palavra". Markowicz
alerta para o fato de que a principal funo das lnguas de si-
nais expressar conceitos, assim como acontece com as ln-
guas orais. No entanto, nas linguas de sinais, os conceitos
so representados por sinais em vez de por palavras.
Mito 3 - Os sinais so gestos glorificados
Para uma pessoa no familiarizada com uma lngua de si-
nais, estes podem parecer movimentos aleatrios de mos e
corpo, acompanhados por expresses faciais variadas. Seria,
para Markowicz, o mesmo que descrever uma lngua falada
como "rudos" feitos com a boca. Os sinais so produzidos
combinando-se simultaneamente configurao de mos, lo-
calizao, movimento, orientao das palmas das mos e tra-
os no manuais, como veremos no Captulo 3.
Mito 4 - As lnguas de sinais so icnicas
As linguas de sinais so frequentemente descritas como
icnicas, ou seja, baseadas na imagem (Markowicz, p. 4).
Em outras palavras, a crtica refere-se ao fato de que muitos
sinais parecem estabelecer uma relao direta, quase trans-
parente, com o conceito a que se referem, diferentemente
das lnguas orais, nas quais a relao arbitrria, ou seja,
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AS LlNGUAS DE SINAIS: SUA IMPORTNCIA PARA OS SURDOS
convencionalizada, e no motivada pela semelhana entre o
objeto e a palavra usada para se referir a ele.
Apesar da relao icnica que grande parte dos sinais tem
com seu referente, as modificaes que sofrem ao longo do
tempo e na combinao com outros sinais resultam em perda
da iconicidade, o que os torna arbitrrios.
Mito 5 - As lnguas de sinais s expressam conceitosconcretos
Sendo as lnguas de sinais lnguas naturais, pode-se afir-
mar que elas so ilimitadas, no sentido de que no h res-
trio quanto s possibilidades de expresso. Elas podem
expressar quaisquer conceitos, concretos ou abstratos, sim-
ples ou complexos, relacionados a qualquer rea do co-
nhecimento. Alm disso, aumentam seu vocabulrio com
novos sinais introduzidos pelas comunidades Surdas em res-
posta s mudanas culturais e tecnolgicas. Assim, a cadanecessidade surge um novo sinal, e, desde que seja aceito,
ser utilizado pela comunidade.
Mito 6 - As lnguas de sinais so agramaticaisComo lnguas naturais, as lnguas de sinais possuem sua
prpria gramtica, ou seja, um conjunto de regras que par-
tilhado por todos os seus usurios. Esse conjunto de regras
deve permitir a expresso de qualquer ideia. Por fazerem uso
do espao e do corpo, as lnguas de sinais apresentam dife-
renas significativas na forma de expresso se comparadas s
lnguas orais, o que levou algumas pessoas a as considerarem
empobrecidas.
19
-
LIBRAS
As lnguas de sinais, em geral, no apresentam preposies, fle-xes e artigos, e poucas so as conjunes. No entanto, por meio
do uso do espao, possvel expressar as mesmas relaes cornu-
mente expressas por meio das preposies nas linguas orais. Dessa
forma, pode-se afirmar que as lnguas de sinais no so empobre-
cidas em relao s lnguas orais, mas sim que elas expressam comoutros recursos as mesmas ideias. Como qualquer lngua natural,
as lnguas de sinais no tm limite para expressar quaisquer con-
ceitos, assim como apresentam formas diferentes de expresso.
Os aspectos das lnguas de sinais sero mais explorados no Cap-
tulo 3, em que a Libras ser abordada mais detalhadamente.
Durante quase cem anos as lnguas de sinais foram proibidas
nas escolas para surdos, sendo usadas de forma escondida nas as-
sociaes e em pontos de encontro dos Surdos. Nos ltimos anos,
no entanto, com a mudana na concepo de surdez, e como re-
sultado das lutas dos Surdos, elas vm assumindo um papel im-
portante em todos os espaos, o que tem resultado em ampliao
significativa de seu vocabulrio.
Concepes de surdez e de surdos
Constatam-se, ao longo da histria da educao de surdos,
duas concepes de surdez que respondem por diferentes pontos
de vista em relao ao sujeito surdo: a concepo clnico-patol-
gica e a socioantropatolgica.
Concepo clnico-patolgicaA surdez vista como patologia, como deficincia, e o surdo,
como deficiente. Sendo uma patologia, deve ser tratada, colocan-
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AS LlNGUAS DE SINAIS: SUA IMPORTNCIA PARA OS SURDOS
do-se aparelho de amplificao sonora individual ou fazendo-se
implante codear e procedendo-se a treinamento auditivo intensi-
vo. O aproveitamento dos restos auditivos conduziria a uma fala
melhor e afastaria o surdo do grupo dos deficientes (Skliar, 1997).
Todo um investimento feito para diminuir o dficit auditivo.Nessa concepo de surdez, a linguagem oral vista como im-
prescindvel para o desenvolvimento cognitivo, social, afetivo-
-emocional e lingustico do surdo. A educao converte-se em
teraputica (reparadora e corretiva), e o objetivo do currculo es-
colar passa a ser dar ao sujeito o que lhe falta - a audio - e
sua consequncia mais visvel- a fala.
Alm disso, observa-se, como aponta Skliar (1997), um crcu-
lo vicioso: o educador parte da ideia de que seus alunos possuem
um limite natural em seu processo de conhecimento - o que o
leva a planejar o ensino de maneira aqum da capacidade do alu-
no -, obtm resultados que esto de acordo com essa percepo
e atribui o fracasso ao aluno. J o aluno elabora uma identidade
deficitria em relao aos ouvintes, o que contribui para os bai-
xos resultados de seu desenvolvimento global. Uma vez que es-
ses alunos so concebidos como deficientes, no h investimento
por parte dos profissionais e nem mesmo da famlia; como resul-
tado, a maior parte dos alunos surdos sai da escola sem ter apren-
dido quase nada.
..
Concepo socioantropolgica
A surdez no concebida como uma deficincia que impe
inmeras restries ao aluno, mas como uma diferena na forma
como o indivduo ter acesso s informaes do mundo. Nesta
21
-
LIBRAS
concepo, o Surdo considerado membro de uma comunidade
minoritria, com direito a lngua e cultura prprias. O tema da
cultura Surda ser tratado no Captulo 2.
A lngua de sinais constitui o elemento ldentificarrio dos Sur-
dos, e o fato de estes constiturem comunidade possibilita que
compartilhem e conheam as normas de uso dessa lngua, j que in-
teragem cotidianamente em um processo comunicativo eficaz e
eficiente (Skliar, 2001). Ela no s possibilita o desenvolvimento
da potencialidade lingustica dos Surdos, mas tambm envolve o
processamento de todos os mecanismos cognitivos.
A lngua de sinais anula a deficincia lingustica, consequncia
da surdez, e permite que os Surdos se constituam membros de
uma comunidade lingustica minoritria diferente, e no como
um desvio da normalidade.
A concepo de surdez e a prtica docente
Nos ltimos anos, observa-se um movimento de mudana na
concepo de surdez. Da concepo clnico-patolgica seguiu-se
a socioantropolgica, ou seja, em vez de deficincia, a surdez pas-
sou a ser concebida como diferena, caracterizada, sobretudo,
pela forma de acesso ao mundo, pela viso, em vez de pela audi-
o, como acontece com os ouvintes. O acesso ao mundo pela vi-
so inclui o direito lngua de sinais, que, por ser visual-gestual,no oferece dificuldade para ser adquirida pelos surdos.
Essa nova concepo interfere diretamente na prtica dos do-
centes e, embora ainda tmido, esse movimento j resultou em al-
gumas conquistas significativas para a educao de surdos e sua
cultura, como veremos no captulo a seguir.
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Lngua brasileira de sinais - Libras:
direito dos Surdos brasileiros.............................................................
Vimos, no Captulo 1, que os Surdos tiveram, historicamente,
sua identidade estigmatizada e se sentiram desvalorizados pela
sociedade ouvinte, que no aceitava a lngua de sinais, conside-
rada apenas mmica e gesto. O uso ou no da lngua de sinais
seria, portanto, o que definiria basicamente a identidade do sujei-
to, que s seria adquirida quando em contato com outro Surdo.
O que ocorre, segundo Santana e Brgamo (2005), que, nesse
contato com outro Surdo que tambm use a lngua de sinais, sur-
gem novas possibilidades interativas, de compreenso, de dilogo
e de aprendizagem que no so possveis por meio apenas da lin-
guagem oral. A aquisio de uma lngua - e de todos os meca-
nismos afeitos a ela - faz creditar lngua de sinais a capacidade
de ser a nica que pode oferecer uma identidade ao Surdo.
O que est por trs de tal afirmativa, para os autores, no sim-
plesmente uma questo de identidade social, mas, mais especifi-
camente, uma identidade concebida a partir de um determinado
pressuposto terico. Ao tomar a lngua como definidora de uma
identidade social, ainda que se levem em conta as relaes e os con-
flitos relativos s distintas posies ocupadas por grupos sociais,
-
LIBRAS
enfatiza-se o seu carter instrumental. De fato, no existe uma
identidade exclusiva e nica, como a identidade Surda. Ela cons-
truda por papis sociais diferentes (pode-se ser surdo, rico, hete-
rossexual, branco, professor, pai etc.) e tambm pela lngua que
constri a subjetividade.
A identidade construda sempre em relao ao grupo a que se
pertence em oposio a outro, com o qual se estabelece uma re-
lao de ca.rter negativo. A identidade , assim, constituda por
diferentes papis sociais que assumimos e que, vale salientar, no
so homogneos. Podem ser religiosos (catlicos, evanglicos erc.),
polticos (de direita, de esquerda, socialistas, sociais democratas
etc.), Funcionais (metalrgicos, vendedores, mdicos etc.), estticos
(clubbers, punks, hippies etc.), de gnero (homens, mulheres), e as-
sim por diante. Veremos, ao longo deste captulo, aspectos relacio-
nados identidade, cultura e a algumas conquistas dos Surdos.
A interao do Surdo com o mundo........................................................................................................
A maior parte das crianas surdas nasce em famlias ouvintes,que desconhecem a lngua de sinais, tm dificuldade de aceit-la
e, por consequncia, de us-la com seus filhos. Nas suas intera-
es familiares, as famlias privilegiam a linguagem oral, inacess-
vel aos filhos surdos, o que resulta na excluso deles das conversas,
e, finalmente, no seu isolamento na famlia.
Por no terem acesso linguagem oral usada pelas famlias epelo fato de as famlias no usarem a lngua de sinais, as crian-
as surdas filhas de pais ouvintes so privadas das conversas, as-
sim como, muitas vezes, de atividades prazerosas, como contao
de histrias, por exemplo. A no participao em tais atividades
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LlNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS: DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
prejudica a constituio de conhecimento de mundo e de ln-
gua, disponvel comumente s crianas ouvintes antes da escola-rizao (So Paulo, 2007, p. 8). Como resultado, embora possam
contar com uma linguagem constituda na interao com os fa-
miliares ouvintes, as crianas surdas de pais ouvintes dificilmen-
te chegam escola com uma lngua desenvolvida, seja a de sinais,
seja a majoritria - a lngua portuguesa, no caso dos surdos bra-
sileiros. Se as crianas surdas filhas de pais ouvintes forem para
uma escola para Surdos, podero adquirir a lngua de sinais na
interao com adultos Surdos que, ao usar e interpretar os movi-
mentos e enunciados das crianas surdas, as insiram no funcio-
namento lingustico-discursivo dessa lngua (Pereira e Nakasato,
2002). A lngua de sinais tem as mesmas funes que a lngua
portuguesa falada desempenha para os ouvintes.
Muitas famlias ouvintes que tm filhos surdos, no entanto,
no aceitam que eles frequentem uma escola para Surdos, e, as-
sim, as crianas crescem sem contato com pessoas Surdas.
Strobel (2008) destaca a importncia de trazer as crianas sur-
das para o contato com Surdos adultos com o intuito de comparti-
lhar o sentimento identiticatrio cultural. Isso evita a constituio
de um "olhar" limitado, futuras angstias e ansiedades. Laborit
(1994, p. 49), autora surda francesa, ao relatar seu primeiro en-
contro com um adulto Surdo, usurio da lngua de sinais fran-
cesa, lembra:
[...] compreendi imediatamente que no estava sozinha no
mundo. Uma revelao imprevista. Um deslumbramento. Eu,
que me acreditava nica e destinada a morrer criana, como
27
-
LIBRAS
'.
cosrumam imaginar que aconteceria s crianas surdas, acaba-
va de descobrir que existia um futuro possvel, j que Alfredo
era adulto e surdo!
E continua:
Essa lgica cruel permanece enquanto as crianas surdas no se
encontram com um adulto. Elas tm necessidade dessa identi-
ficao com os adultos, uma necessidade crucial.
Na interao com adultos Surdos, as crianas tero oportu-
nidade no s de aprender a lngua de sinais, como tambm de
construir uma identidade Surda por meio do acesso cultura das
comunidades Surdas.
Diferentemente das crianas surdas que tm contato com adul-
tos Surdos desde pequenas, comum que o contato com a lngua
e com a cultura Surda acontea com muitos Surdos quando j es-
to adultos, ou seja, com muito atraso, o que compromete no s
a aquisio da lngua de sinais, como a constituio de uma iden-
tidade Surda. Quando convivem na comunidade Surda, os Sur-
dos se sentem mais motivados a valorizar a condio cultural de
ser Surdo, ficam mais orgulhosos e autoconfiantes, estabelecem, .
relaes interculrurais, entendem as diferenas dos outros mun-
dos e das culturas, veern-se como sujeitos "diferentes" e no acei-
tam ser chamados de "deficientes".
As pessoas Surdas percebem o mundo de maneira diferente dos
ouvintes. Utilizam a viso, enquanto os ouvintes utilizam a audio.
Como exemplo, Strobel (2008) refere que os Surdos conseguem an-
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LlNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS: DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
dar ao mesmo tempo em que escrevem a mensagem no celular, dife-
rentemente dos ouvintes. Os ouvintes se esquecem de colocar avisos
visuais, como o nmero da fila no mdico ou no banco, por exem-
plo, para que os Surdos possam visualizar o nmero que est sendo
,chamado e se apresentar quando chegar sua vez de ser atendido.
Perlin e Miranda, autores Surdos, citados por Karin Strobel
(2008, P: 39), explicam a experincia visual como sendo
[...] a utilizao da viso, (em substituio total audio),
como meio de comunicao. Desta experincia visual surge a
cultura surda representada pela lngua de sinais, pelo modo di-
ferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar
nas artes, no conhecimento cientfico e acadmico.
Quadros (2006), ao discutir as pol~icas lingusticas, destaca
que os valores polticos marcam a educao de surdos e que, no
Brasil, ainda se acredita que haja uma nica lngua. Salienta que
"os surdos brasileiros resistiram tirania do poder que tentou si-
lenciar ~ mos dos surdos, mas que, felizmente, fracassou nesse
empreendimento autoritrio". Continua com a defesa do uso da
lngua de sinais: ''A lngua de sinais brasileira visual-espacial, re-
presentando por si s as possibilidades que traduzem as experin-
cias surdas, ou seja, as experincias visuais". A autora deixa clara
a importncia dessa lngua para os Surdos em todos os sentidos,
derrubando a ideia de que se trata de uma lngua limitada e des-
tacando o quanto a lngua contribui para a formao da identidade
Surda. Para ela, "existe uma relao de poder instituda entre as
29
-
LIBRAS
lnguas que refora a dicotomia lngua de sinais e lngua portu-
guesa", destacando que, para os Surdos, a lngua de sinais vista
como o primeiro elemento, ou seja, o mais importante.
Martins (2004, p. 204-205) afirma que: "Sem lngua no exis-
tem nem os surdos nem o modo de ser, cultural, surdo. Existiriam
apenas deficientes auditivos." E segue com uma boa afirmao
em defesa da lngua: "[ ...] no simplesmente o nvel de audio
que vai definir quem surdo ou deficiente auditivo" (op, cit.).
Arualmente, no Brasil, muitos Surdos se apropriam da prpria
lngua e fazem um movimento intenso para garantir seus direitos
de acesso a ela. Os prprios Surdos tomam a frente dos movimen-
tos para o seu reconhecimento legal. Eles reivindicam a presena
de intrpretes de lngua de sinais em diferentes espaos, incluindo
os espaos de negociao com os ouvintes para pensarem e defini-
rem aspectos relacionados com sua prpria vida (Quadros, 2006).
Alm da defesa da Libras, busca-se relacionar a lngua com po-
der e conhecimento. Ladd (2003) recoloca as prioridades em rela-
o aos estudos das lnguas de sinais a partir da perspectiva Surda.
Os Surdos querem entender suas origens, buscar explicaes de
como sua lngua se constituiu. Como afirma Ladd (2003, P: 14),
[...] se emendemos que um povo se torna descolonializado
quando estabelece seus prprios interesses e planeja seu pr-
prio futuro, precisamos nos perguntar quais so as priorida-
des que estamos apresentando para as nossas investigaes. Os
Surdos querem saber sobre a prpria lngua para desvendar sua
constituio no passado e no presente.
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LfNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS: DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
Ao se referirem lngua como ferramenta de poder, Ceclio e
Souza (2009) afirmam que existe um peso ideolgico por trs do
uso de uma lngua como forma de comunicao. Esse peso, hoje
dado ao portugus, foi historicamente construdo, visto que esta
no era a lngua de comunicao do Brasil Colnia (como muitos
pensam). Assim como o portugus foi sendo imposto como dom-
nio e acabou por dar identidade ao povo brasileiro, a Libras hoje
uma lngua que precisa ser construda diariamente por seus usu-
rios, que enfrentam a difcil tarefa de dar visibilidade e imponncia
a ela. Mesmo sabendo que usada pela grande maioria dos sujeitos
Surdos no Brasil, essa lngua ainda enfrenta barreiras para ser aceita
pela sociedade ouvinte, pois dar visibilidade a ela dar significado a
tudo que ela representa, o que, em termos de poder, discurso e ideo-
logia, no bem aceito por muitos ouvintes em nossa sociedade.
De acordo com essa perspectiva, conhecimento poder: domi-
nar e utilizar uma lngua ter acesso a esse poder. O que parte do
mundo ouvinte tenta fazer limitar esse acesso ao mundo Surdo
por preconceito, falta de informaes ou domnio do considera-
do diferente. A lngua e a linguagem so elementos fundamentais
nos discursos, na ideologia, na sociedade e na formao de uma
identidade, seja ela coletiva ou individualizada.
Conforme afirma Hall (1997, p. 261) em seu texto O espetdcu-"lo do outro, referindo-se a Gramsci e Foucaulr:
O poder envolve conhecimento, representao, ideias, liderana
e autoridade cultural, bem como constrangimento econrnico e
coero fsica.Eles teriam concordado que o poder no pode ser
capturado pelo pensar exclusivamenteem termos de fora e coer-
o: o poder seduz, solicita, induz, conquista o consenso.
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LIBRAS
Pode-se entender, ento, que ter poder tem a ver com ter visibili-
dade, obter, mesmo que no de forma totalitria, o consenso de um
discurso. Representar aquilo que se quer, da forma como se deseja
apresentar: esse parece ser um dos "ns" quando se relaciona poder
e representao. Ainda que o poder circule e possa ser encontrado
em toda parte, a forma como as relaes sociais so envolvidas por
ele se reflete em como as pessoas atuam em suas comunidades, ora
representadas como dominantes, ora como dominadas.
Essas relaes de poder so determinantes para se compreender
melhor como a educao, as relaes sociais, o trabalho, o uso de
uma lngua, as relaes afetivas etc. esto em constante disputa,
tenso e negociaes. E tanto o Surdo como o ouvinte se encon-
tram engrenados nesse sistema e nesse jogo de representativida-
de. Por isso, a disputa pelo poder envolve tanto a formao de
discursos coesos quanto a tentativa de usar a lngua como instru-
mentos para alcan-lo.
Quando se analisa o sujeito cultural Surdo, preciso discutir a
importncia da lngua como marcador de uma cultura. De acor-
do com Lacan, citado por Hall (2006, p. 37),
A formao do eu no 'olhar' do Outro [...] inicia a relao da
criana com os sistemas simblicos fora dela mesma e , as->
sim, o momento da sua entrada nos vrios sistemas de re-
presentao simblica - incluindo a lngua, a cultura e a
diferena sexual.
Neste momento, vemos a aprendizagem da lngua como fator
de formao do prprio eu. No caso de Surdos, isso pode signi-
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LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS: DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
ficar que a aprendizagem e o uso de Libras ajudam a constituir o
sujeito Surdo cultural.
Na histria, constata-se que os Surdos sofreram perseguies
pelas pessoas ouvintes, que no aceitavam as diferenas e exigiam
uma cultura nica por meio do modelo
ouvintista ou ouvintismo. So muitas
as lutas e histrias nas comunidades Sur-
das, em que o povo Surdo se une contra
as prticas dos ouvintes que no respei-
tam a cultura Surda (Srrobel, 2008).
o ouvintismo um termousado por Skliar (1998, p. 15)
para se referir a um conjunto
de representaes dos ouvin-
tes, a partir do qual o surdo
est obrigado a olhar-se e nar-
rar-se como se fosse ouvinte.Ainda hoje, muitos ouvintes tentam
diminuir os Surdos para que vivam isolados e tendo de assumir a
cultura ouvinte, como se esta fosse uma cultura nica; ser "nor-
mal" para a sociedade significa ouvir e falar oralmente. Os ou-
vintes no prestam ateno aos Surdos que se comunicam por
meio da Libras. Consequentemente, no acreditam que os Sur-
dos sejam capazes de estudar em faculdade ou realizar mestrado e
doutorado, por exemplo. "Os sujeitos ouvintes veem os sujeitos
surdos com curiosidade e, s vezes, zombam por eles serem dife-rentes" (Strobe1, 2008, p. 22).
A luta dos Surdos tem conduzido a vrias vitrias, como o re-
conhecimento da Libras, o direito a tradutores e intrpretes da
lngua brasileira de sinais-lngua portuguesa e a uma educao
bilingue para as crianas Surdas, que contemple a Libras e o portu-
gus, este na modalidade escrita, entre muitas outras conquistas.
Outra conquista dos Surdos foi a de comemorao do "Dia do
Surdo", que, no Brasil, o dia 26 de setembro, dia da fundao da
primeira escola para surdos no Brasil. Trata-se do arual Instituto
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LIBRAS
Nacional de Educao dos Surdos (INES), fundado no Rio de Ja-
neiro no dia 26 de setembro de 1857.
Cultura Surda
Os Surdos constituem uma comunidade lingustica minorit-
ria, cujos elementos idenrificatrios so a lngua de sinais e uma
cultura prpria eminentemente visual. Tm um esprito gregrio
muito importante que se manifesta em vrios espaos. Esses espa-
os "dos Surdos" so associaes e clubes de Surdos onde desen-
volvem suas prprias atividades. Constituem refgios naturais da
lngua de sinais e da identidade Surda (Strobel, 2008, p. 45).
Diante da comunidade majoritariamente ouvinte, as comuni-
dades Surdas apresentam suas prprias condutas lingusticas e seus
valores culturais. A comunidade Surda tem uma atitude diferen-
te diante do dficit auditivo, j que no leva em conta o grau de
perda auditiva de seus membros. Pertencer comunidade Sur-
da pode ser definido pelo domnio da lngua de sinais e pelos sen-
timentos de identidade grupal, farores que consideram a surdez
como uma diferena, e no como uma deficincia.
Como ocorre com qualquer outra cultura, os membros das co-
munidades de Surdos compartilham valores, crenas, comporta-
mentos e, o mais importante, uma lngua diferente da utilizada
pelo restante da sociedade.
A lngua de sinais, uma lngua visual-espacial com gramtica
prpria, uma das maiores produes culturais dos Surdos (Per-
lin, 2006). Lane, Hoffmeister e Bahan (1996) referem que a ln-
gua de sinais tem basicamente trs papis para os Surdos: ela
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LlNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS: DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
smbolo da identidade social, um meio de interao social e
um depositrio de conhecimento cultural.
Smbolo de identidadeA lngua de sinais um poderoso smbolo de identidade para
os Surdos, em parte por causa da luta para enconrrar sua identi-
dade em um mundo ouvinte que tem tradicionalmente despre-
zado sua lngua e negado a sua cultura.
Meio de interao socialEsta uma das razes, segundo Lane, Hoffmeister e Bahan
(1996), do poder da lngua de sinais como smbolo de identida-
de. Os autores ressaltam que falta maior parte das crianas sur-das um meio efetivo de interao social at que elas encontrem alngua de sinais. Esse enconrro no s fornece a base para a iden-
tificao com os membros da cultura, transformando um indi-
vduo rejeitado em um membro participante de uma sociedade,
como tambm possibilita a comunicao completa e fcil.
O conhecimento de vida e de mundo de muitas pessoas Sur-
das foi-lhes passado por outros Surdos. Como a lngua de sinais
o principal meio de interao social para a maioria das pessoassurdas, por ela que costumam ter acesso ao conhecimenro de
mundo em geral.
Nas famlias que tm vrios familiares surdos, a lngua de sinais
usada no cotidiano. Nesse contexto, normalrnenre, tanto filhos
surdos como filhos ouvintes crescem em um ambiente no qual a
lngua de sinais a lngua da famlia. Os pais surdos conversam
com seus filhos em lngua de sinais, usam estratgias visuais para
chamar a ateno de seus filhos desde o nascimento e convivem
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LIBRAS
com a comunidade Surda. Nessas famlias, o normal ser Surdo.
H uma inverso na lgica das relaes, em que ser surdo ser
normal, enquanto ser ouvinte no compreender o mundo dos
Surdos (Strobel, 2008).
Hall (apudWilcox e Wilcox, 2005) identifica diversas caracte-rsticas do comportamento comunicativo das pessoas Surdas du-
rante suas interaes:
Incio de conversa
Para iniciar uma conversa, preciso chamar a ateno do
interlocutor. comum o uso do toque; no h restries
ao contato fsico. Quando a pessoa est distante, so usa-
das outras formas de conseguir sua ateno, como acenar
a mo ou o brao dentro de seu campo visual. Pisar forte-
mente no cho ou apagar e acender a luz tambm so for-
mas de comear uma comunicao, porm, dependendo do
lugar e da situao, no aconselhvel, uma vez que distrai-
r as outras pessoas.
O toque como forma de chamar a ateno de uma pessoa
surda que est prxima tambm ressaltado por Strnadov
(2000). Segundo a autora, pode-se tocar levemente o seu an-
tebrao ou o brao. No recomendado tocar outra parte do
corpo que no seja o brao ou o antebrao e nunca se deve
tocar a cabea. Como as pessoas surdas no ouvem os passos
atrs de si, no sabem que algum est se aproximando para
falar com elas, e, assim, quando tocadas pelas costas, levam
um grande susto. Pode-se tocar a coxa quando os interlocu-
tores estiverem sentados.
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UNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS: DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
Assegurar a comunicao
Um valor importante na cultura Surda fazer com que a
informao seja acessvel a todos. H um esforo mximo
para assegurar que todos possam participar, acompanhar e
compreender o que est acontecendo. Nesse sentido, as pes-
soas sempre procuram confirmar se todos esto entendendo.
Compartilhar informao
Talvez pelo fato de a informao ser to difcil de ser con-
seguida por um Surdo em um mundo ouvinte, este um
item altamente valorizado pela cultura Surda.
Virar as costas
O contato visual essencial para a inrerao, para o com-
partilhamento de informaes, e por isso muito valorizado
pelos Surdos. Em suas interaes com os ouvintes, frequen-
temente, estes no se mostram capazes de manter o conrato
visual apropriado, distraem-se visual ou auditivamente, tal-
vez por no ser confortvel para a maioria dos ouvintes a ma-
nuteno do conraro visual por longo perodo. A menos que
esteja acostumada com esses estranhos hbitos dos ouvintes,
a pessoa Surda pode sentir-se ignorada ou achar que o ou-
vinte no est interessado em continuar a conversa. Virar as
costas um insulto. Quando necessrio desviar o olhar ou
virar as costas, deve-se informar o interlocutor sobre o que
acontecer e por qu.
Despedida
Tanto a chegada quanto a partida, na cultura Surda,
sempre feita de modo formal e demorado. Ao se despedir, os
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LIBRAS
interlocutores explicam aonde vo e o que faro. Combinam
o prximo encontro e repetem data e horrio diversas vezes.
Pimenta e Quadros (2007) comentam que a despedida
longa reflete o desejo dos Surdos de continuarem juntos, de
continuarem a conversa em lngua de sinais, de continuarem
a troca. Alm disso, eles precisam deixar as coisas bem orga-
nizadas e combinadas, j que os meios de comunicao nun-
ca os favoreceram.Abandonar os locais rapidamente pode ser mal interpre-
tado, bem como retirar-se silenciosamente de uma conver-
sa com Surdos, pois eles acharo que a pessoa fugiu por estar
entediada com sua companhia.
Depositrio de conhecimento culturalLane, Hoffmeisrer e Bahan referem que os constituintes da cultura
Surda - valores, costumes e expresso artstica - esto guardados
na lngua de sinais para serem transmitidos ao longo das geraes.
Valores
A identidade Surda altamente valorizada. Enquanto falar e
pensar como pessoa ouvinte considerado muito bom, no caso
do ouvinte, as habilidades de fala na cultura Surda podem ser
teis para lidar com pessoas ouvintes em algumas circunstncias,
mas falar e pensar como ouvinte depreciado, assim como os
movimentos da boca enquanto se sinaliza (a menos que esses mo-
vimentos sejam requeridos pelos sinais).
A informalidade valorizada, assim como a percepo visual e
a lngua visual dos Surdos.
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LlNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS. DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
Strnadov, autora surda tcheca, afirma que os Surdos no con-
sideram a surdez a maior infelicidade do mundo, principalmente
quando os problemas de comunicao e a possibilidade de viver
uma vida independente e plena so resolvidos. Eles se orgulham
de conseguir aceitar a surdez, possuir uma lngua e uma cultura
prprias. Formam seu prprio mundo e consideram-se uma mi-
noria lingustica e cultural em uma sociedade majoritria de ou-
vintes. Nessa comunidade, podem comunicar-se sem problemas
e organizam suas competies esportivas e culturais, inclusive de
mbito internacional. No tm vergonha da surdez. No evitamcontato com os ouvintes, apesar de esse contato ser cansativo por
causa da dificuldade de comunicao.
CostumesAs conversaes entre Surdos apresentam caractersticas par-
ticulares, pelo fato de a lngua usada na interao ser uma ln-
gua visual-espacial na qual o uso do espao e o olhar tm valor
discursivo.
As pessoas Surdas, quando em grupos, costumam formar ro-
das, cujo tamanho varia de acordo com a quantidade de partici-
pantes. Curiel e Astrada (2000) lembram que o espao entre os
participantes da conversa cumpre uma funo especfica. As con-versas mais ntimas usam um espao sinalizante mais limitado, os
participantes aproximam-se mais, e os sinais so menores.
Pimenta e Quadros (2007) chamam a ateno para o fato de
que as pessoas Surdas, quando esto em grupo, podem conver-
sar entre si entrecruzando as conversas sem que estas interfiram
umas nas outras, diferentemente dos ouvintes. Isso s possvel
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LIBRAS
por causa da lngua de sinais. Como no h sons, os Surdos po-
dem conversar em uma roda simultaneamente, o que no seria
possvel com lnguas faladas, pois as pessoas comeariam a gritar
para tentar ouvir umas s outras.
Strobel, aurora surda brasileira, destaca que, durante a conver-
sa, ficar frente a frente uma circunstncia muito valorizada pe-
los Surdos, no importando a distncia; por isso eles evitam virar
as costas enquanto esto interagindo. Se isso ocorre, conside-
rado insulto ou desinteresse. Quando esto conversando distan-
tes um do outro e algum se coloca como obstculo no meio, isso
tambm considerado uma grave falta de educao para a comu-
nidade Surda. Se for necessrio passar entre dois Surdos que es-
to conversando, deve-se passar rapidamente, sem interromper
a conversa.
Se duas pessoas Surdas esto conversando e uma terceira pes-
soa quer falar com uma das duas, deve-se colocar prxima pessoa
com quem quer falar e esperar que a pessoa interrompa a con-
versa e olhe para ela. O Surdo que est sendo chamado far um
sinal de espera com a mo aberta na direo de quem o est cha-
mado e, quando terminar seu turno na conversa, voltar o olhar
para a pessoa que o est chamando e far um sinal de espera em
direo ao seu interlocutor. O sinal de espera mantido no ar se-
gura o interlocutor.
As apresentaes entre pessoas tm caractersticas particulares
na cultura Surda. H uma forma cannica, da qual apresenta-
es particulares podem divergir na prtica. Nos Estados Unidos,
quando a pessoa C apresenta A e B, ela se posiciona no vrtice de
um tringulo e diz para ambos: "Vou apresentar vocs". C, ento,
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LlNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS: DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
vira-se para A e soletra o primeiro e o ltimo nome de B, seguido
do seu sinal pessoal (o nome que foi atribudo a B na Comunidade
Surda). C conta que escola para surdos B frequentou e d mais al-
guma informao relevante, como parentes surdos ou algum que
A poderia conhecer que tenha frequentado a escola de B ou mo-
rado em alguma rea prxima. B est livre, ento, para dirigir-se
a A diretamente (Lane, Hoffmeister e Bahan, 1996).
No Brasil, assim como na Europa, na apresentao, primeiro
feito o sinal da pessoa que est sendo apresentada, e depois que
se soletra seu nome. No caso dos Surdos brasileiros, aps a apre-
sentao inicial, informa-se a identificao da surdez: EU SUR-
DO ou EU OUVINTE.! Isso importante e est relacionado
identificao do outro a partir de uma referncia que relevante
na perspectiva do Surdo (Pimenta e Quadros, 2007).
H diferenas em relao ao lugar em que se d a apresentao.
Se em uma festa, primeiro apresentada a pessoa que j est na
festa. No caso de estar sendo esperada e j ter sido feita referncia
a ela, a pessoa que est chegando ser apresentada em primeiro
lugar. Se a apresentao acontece na rua, o acompanhante apre-
sentado primeiro. _
Outro costume da cultura Surda a conversa direta. Na so-
ciedade ouvinte, especialmente em situaes mais formais,
considerado rude ir diretamente ao ponto e expor a ideia expli-
citamente. J para os Surdos, o princpio parece ser "sempre agirde forma a facilitar a comunicao". Lane, Hoffmeister e Bahan
1 De acordo com o sistema de transcrio para a Libras, proposto por Felipe(1997), neste livro os sinais so representados por itens lexicais da lngua portugue-sa em letras maisculas.
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LIBRAS
enfatizam que a conversa direta no rude, mas partidas repenti-
nas, conversas particulares e quebra de contato visual so.
costume das comunidades Surdas a atribuio de sinal pessoal
para seus novos membros. Crianas surdas de famlias ouvintes
frequentemente chegam escola para Surdos sem um sinal pessoal
e l recebem um. A honra de conferir um sinal pessoal costuma
caber a uma figura de autoridade na comunidade. A atribuio
do sinal pessoal um ritual, uma forma de batismo, que aconte-
ce quando uma pessoa surda ou ouvinte passa a ter contato com
pessoas Surdas.
O sinal pessoal pode ser atribudo tendo como referncia:
Aparncia fsica da pessoa, como altura, cabelo, rosto, olhos,
bochechas, sobrancelhas, lbios, marcas de nascena (pinta),
tatuagem, orelhas, nariz, pernas, mos, ps etc. No consi-
derado falta de educao receber ou dar um sinal pessoal que
marque, por exemplo, orelha ou nariz grande.
Uso constante de objetos: colares, brincos, broches, pier-
cings, fivelas, microfone, culos, cinto, mala, bolsa etc. Um
exemplo o sinal de Silvio Santos, que a referncia ao gran-
de microfone que ele usa.
Comportamento constante, como mexer no cabelo de deter-
minada forma, colocar a mo no rosto, apoiar a cabea na mo
ou no dedo, cruzar as pernas, as mos, coar a cabea, rubori-
zar, sorrir, e assim por diante. Para que o Surdo possa atribuir
sinal pessoal com essa referncia, necessita de maior contato
com a pessoa. Pode-se citar o sinal de j Soares, que se refere
ao beijo que ele costumeirarnente manda aos telespectadores.
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LfNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS: DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
O que a pessoa gosta de fazer, como beber, comer, passear,
jogar futebol, nadar, andar de skate e tocar um instrumen-
to. Para esse tipo de sinal ser atribudo, tambm necessrio
um contato mais ntimo com a pessoa ou ela, ao ser apresen-
tada, informar ao seu interlocutor.
O sinal pessoal, atribudo a uma pessoa quando de seu ingres-
so ao mundo dos Surdos, no dever ser mudado nunca, mes-
mo que o sinal da pessoa faa referncia ao corte de cabelo ou aos
culos que ela no usa mais, por exemplo. Ou seja, se uma pes-
soa recebe um sinal e sua caracterstica pessoal muda, o sinal per-
manece o mesmo.
necessrio lembrar que, atualmente, os sinais no so atribui-
dos com a letra inicial do nome da pessoa em alfabeto digital.
Esse tipo de escolha deveu-se influncia da lngua majorit-
ria oral na abordagem bimodal de educao de surdos, quando o
professor ministrava aula usando o portugus acompanhado de
sinais, em uma poca em que no se reconhecia a Libras como
uma lngua - e nem mesmo a cultura Surda.
Grupos e pontos de encontro
Os Surdos esto espalhados por toda a cidade, mas encontram
formas criativas de se encontrar. Uma delas o ponto de encontro.
Em vrias cidades brasileiras, os Surdos tm pelo menos um pon-
to de encontro. Esses pontos de encontro se espalham pelo pas, e
os Surdos sabem que eles existem em cada cidade grande. Assim,
tornam-se referncias para os Surdos da cidade e de fora dela para
se encontrarem e conversarem sobre os mais diferentes assuntos.
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LIBRAS
Na cidade de So Paulo, alguns shopping centers so pontos de
encontro dos Surdos.
Os pontos de encontro fazem parte das estratgias que os Sur-
dos criaram para manter uma grande rede de contatos. Arualmen-
te, muitos Surdos brasileiros usam o celular e a Internet, mas, h
pouco tempo, essa realidade era diferente. Os Surdos consegui-
ram manter suas tradies, sua lngua e suas histrias por meio
desse tipo de estratgia. Os pontos de encontro foram e so ain-
da espaos de lazer e de cultura.
As associaes de Surdos tambm so lugares onde eles se en-
contram para bater papo, desenvolver relaes polticas e sociais e
realizar atividades esportivas e de lazer. Elas esto espalhadas pelo
Brasil e resultam do interesse dos Surdos de criar um espao de en-
contro assim como os pontos de encontro, mas de forma mais or-
ganizada e institucionalizada (Pimenta e Quadros, 2007, 2009).
As associaes de Surdos so lideradas pelos prprios Surdos,
podendo haver at mesmo restries quanto entrada de ouvin-
tes na diretoria. Isso acontece para se preservarem os interesses
dos Surdos, uma vez que, durante anos, eles foram reprimidos
pela sociedade em geral, principalmente na educao.
Os aniversrios das associaes de Surdos so muito impor-
tantes, pois constituem a histria da comunidade Surda de
determinado local. Assim, essa data amplamente festejada com a
presena de representantes de vrias associaes de Surdos do pas
e, s vezes, de pases vizinhos, como a Argentina e o Uruguai.
Tipicamente, as festas constituem um campeonato com equi-
pes de diferentes modalidades de esporte representando suas as-
sociaes de Surdos.
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LlNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS: DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
Informao cultural
O conhecimento cultural especfico da comunidade Surda
inclui no s os valores e os costumes, mas tambm a informa-
o cultural.
O conhecimento especfico do mundo Surdo inclui vrios as-
suntos, como notcias do mundo, acontecimentos importantes,
matrias de jornal, nomes de lderes Surdos, figuras da histria dos
Surdos, a forma de usar o servio de telefone - atualmente, fa-
la-se tambm sobre o Sistema de Intermediao Surdo-Ouvinte
(Siso), e sobre o celular-, a campainha visual, o telefone lumino-
so e o relgio vibratrio, e a forma de lidar com pessoas ouvintes.
Por exemplo, quando seu carro parado por um policial, no se
explique com movimentos rpidos e nunca abaixe as mos; elas
devem ser mantidas levantadas. Em lugar pblico, se o Surdo
precisa dirigir-se a uma pessoa ouvinte ou perguntar algo a ela,
deve primeiro entrar no campo visual dela; caso no tenha como
faz-lo, como em uma fila, pode toc-la levemente, avisando de
imediato que surdo (apontando o ouvido).
Informao partilhada altamente valorizada no mundo Sur-
do. costume das pessoas Surdas passar a informao adiante.
Segredo considerado rude, e as conversas so normalmente bas-
tante visveis. Conversas particulares devem ser feitas em lugares
privados. Nas conversas com amigos, os Surdos frequentemente
comeam atualizando as informaes.
Expresso artstica
Valli e Lucas (2000) lembram que as lnguas de sinais no so
usadas apenas para a comunicao . .fu, formas artsticas das lnguas
4S
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LIBRAS
de sinais tm papel importante na transmisso da cultura e da
histria de gerao a gerao de pessoas Surdas.
A literatura popular Surda americana possui histria longa e
rica. Grande parte dela tem sido gravada em vdeo ou DVD. Es-
ses trabalhos devem ser reconhecidos, pois oferecem exemplos do
uso literrio da lngua de sinais e podem servir como testemu-
nho eloquente da identidade Surda e de perspectivas individuais
e culturais da pessoa Surda.
Assim como a americana, a literatura Surda brasileira traduz
a memria das vivncias Surdas ao longo das vrias geraes dos
Surdos. Ela se multiplica em diferentes gneros: poesia, histrias
de surdos, piadas, literatura infantil, clssicos, fbulas, contos, ro-
mances, lendas e outras manifestaes culturais. Refere-se s v-
rias experincias pessoais do povo Surdo. Muitas vezes, expe as
dificuldades e/ou vitrias sobre as opresses dos ouvintes e como
os Surdos se saem em diversas situaes inesperadas, testemunha
as aes de grandes lderes e militantes Surdos, e trata da valori-
zao de suas identidades Surdas (Strobel, 2008).
No Brasil, encontra-se uma vasta e diversificada literatura po-
pular na Libras, presente em associaes de Surdos, escolas e pon-
tos de encontro da comunidade Surda (Karnopp, 2006).
A comunidade Surda vem-se preocupando, nos ltimos anos,
em elaborar e registrar histrias de pessoas Surdas, a histria dos
Surdos nas diferentes fases da histria, histrias de vida, piadas,
poesias, lendas, contos etc. Grande parte dessa literatura tem sido
registrada em fitas de vdeo na Libras ou traduzida para a lngua
portuguesa. Segundo Karnopp (2006), as narrativas, os poemas,
as piadas e os mitos produzidos servem como evidncias da iden-
tidade e da cultura Surdas.
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LlNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS: DIREITO DOS SURDOS BRASILEIROS
A literatura Surda tambm envolve as piadas Surdas, que ex-
ploram a expresso facial e corporal, o domnio da lngua de si-
nais e a maneira de contar piada naturalmente. Na maioria das
vezes, as piadas envolvem a temtica das situaes engraadas so-
bre a incompreenso das comunidades ouvintes acerca da cultu-
ra Surda e vice-versa (Strobel, 2008).
Pimenta e Quadros (2007) referem que as histrias, as brinca-
deiras e as piadas geralmente tratam de temticas que envolvem
a lngua de sinais, o uso das mos e do corpo e expresses visuais.
Algumas piadas satirizam as relaes sociais entre surdos e ouvin-
tes, entre os surdos e os intrpretes de lngua de sinais e a condi-
o de ser Surdo.
As brincadeiras so feitas no espao de lazer com diferentes ati-vidades envolvendo a lngua de sinais, o uso da viso e do corpo.
Lane, Hoffmeister e Bahan (1996) afirmam que as regras da
lngua de sinais podem ser violadas, e as localizaes e os movi-
mentos dos sinais, alterados, para efeito artstico ou humorstico.
Outra possibilidade sinalizar com as duas mos simultanea-
mente, cada uma realizando um sinal.
O uso artstico da lngua de sinais pode ser observado tambm
na poesia. Lane, Hoffmeister e Bahan (1996) afirmam que, assim
como a poesia em ingls ditada pelo som da linha potica -
padro de tonicidade, rima etc. -, a forma da poesia na lngua
de sinais ditada pela semelhana e diferena fontica e pelas re-
laes entre as duas mos. Outros recursos, como movimento do
corpo e expresso facial, tambm tm importante papel.