pobreza e direitos humanos: uma breve anÁlise da...

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Trabalho de Conclusão de Curso POBREZA E DIREITOS HUMANOS: UMA BREVE ANÁLISE DA REALIDADE NO MUNICÍPIO DE NAVIRAÍ/MS Léia Cristina Agostini Ribeiro 1 Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Araújo de Lima 2 Resumo: O objetivo deste artigo foi analisar a relação entre pobreza e direitos humanos, no âmbito escolar, procurando entender conceitos ainda pouco reconhecidos, e quais são os seus fatores determinantes. Compreende-se aqui a pobreza como uma violação dos direitos humanos e ausência de igualdade social. Ao realizar pesquisas semiestruturadas, foram apontados mecanismos que garantam o exercício desses direitos, como as políticas sociais. Foi possível verificar que a pobreza, como consequência ou causa de violações dos direitos humanos na escola, sempre foi problemática para aqueles que procuraram entender o papel central da mesma, onde abordaram, criticamente, as exigências de uma educação pautada nestes direitos, sem uma análise da realidade. Palavras-chave: Pobreza; Direitos humanos; Violação. Políticas Sociais; Educação 1. Introdução Ao pensar em direitos humanos e relacioná-los com a pobreza, pensamos nas leis que garantem esses direitos de maneira formal, mas, também, pensamos em mecanismos que possam garantir que esses direitos realmente sejam respeitados, como, por exemplo, a inclusão, nos currículos escolares, de uma disciplina voltada aos estudos dos direitos humanos de todo cidadão, para que todos conheçam quais, de fato, são os seus direitos. De acordo com o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL. 2009, p.33), que propõe a “inserção da educação em direitos humanos nas diretrizes curriculares da educação básica”, esse seria um dos caminhos lógicos a se percorrer, no sentido de conscientizar as pessoas a respeito dos seus direitos, refletindo suas próprias condições de vida, exigindo sua apuração e reparação. 1 Léia Cristina Agostini Ribeiro, Graduada em Letras com habilitação em Espanhol, pela UNIP-Universidade Paulista (2014). Discente do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. 2 Pedagoga. Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação - Área de Concentração: Educação Social e do Curso de Pedagogia da UFMS/Campus do Pantanal. Pesquisadora do projeto EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL: ALGUNS INDICADORES DO CONTEXTO SUL-MATO-GROSSENSE UFMS.

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Trabalho de Conclusão de Curso

POBREZA E DIREITOS HUMANOS: UMA BREVE ANÁLISE DA REALIDADE NO

MUNICÍPIO DE NAVIRAÍ/MS

Léia Cristina Agostini Ribeiro1

Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Araújo de Lima2

Resumo: O objetivo deste artigo foi analisar a relação entre pobreza e direitos humanos, no âmbito

escolar, procurando entender conceitos ainda pouco reconhecidos, e quais são os seus fatores

determinantes. Compreende-se aqui a pobreza como uma violação dos direitos humanos e

ausência de igualdade social. Ao realizar pesquisas semiestruturadas, foram apontados

mecanismos que garantam o exercício desses direitos, como as políticas sociais. Foi possível

verificar que a pobreza, como consequência ou causa de violações dos direitos humanos na

escola, sempre foi problemática para aqueles que procuraram entender o papel central da

mesma, onde abordaram, criticamente, as exigências de uma educação pautada nestes

direitos, sem uma análise da realidade.

Palavras-chave: Pobreza; Direitos humanos; Violação. Políticas Sociais; Educação

1. Introdução

Ao pensar em direitos humanos e relacioná-los com a pobreza, pensamos nas leis

que garantem esses direitos de maneira formal, mas, também, pensamos em mecanismos que

possam garantir que esses direitos realmente sejam respeitados, como, por exemplo, a

inclusão, nos currículos escolares, de uma disciplina voltada aos estudos dos direitos

humanos de todo cidadão, para que todos conheçam quais, de fato, são os seus direitos.

De acordo com o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos

(BRASIL. 2009, p.33), que propõe a “inserção da educação em direitos humanos nas

diretrizes curriculares da educação básica”, esse seria um dos caminhos lógicos a se

percorrer, no sentido de conscientizar as pessoas a respeito dos seus direitos, refletindo suas

próprias condições de vida, exigindo sua apuração e reparação.

1 Léia Cristina Agostini Ribeiro, Graduada em Letras com habilitação em Espanhol, pela UNIP-Universidade

Paulista (2014). Discente do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social – Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. 2 Pedagoga. Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação -

Área de Concentração: Educação Social e do Curso de Pedagogia da UFMS/Campus do Pantanal. Pesquisadora

do projeto EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL: ALGUNS INDICADORES DO

CONTEXTO SUL-MATO-GROSSENSE – UFMS.

Trabalho de Conclusão de Curso

Destaca-se também no mesmo Plano Nacional de Educação em Direitos

Humanos, a importância de programas sociais, como o Programa Bolsa Família, que está

reduzindo, embora muito sutilmente, a uma rápida discussão sobre a desigualdade social no

Brasil.

Foi de grande importância uma análise sobre os serviços que proporcionam

melhores condições de vida a nossa população mais carente, com foco na educação, uma das

ferramentas para, se não eliminar, pelo menos minimizar a pobreza em nossa sociedade.

Neste artigo, compreende-se a importância do estudo, na escola, como parte

representativa dos direitos humanos, pois, a maioria das pessoas menos favorecidas não tem

conhecimento sobre seus reais direitos, e, com isso, ficam à mercê de situações, muitas vezes,

degradantes, pela falta de conhecimento.

Observando-se mais a fundo a situação dos Direitos Humanos no espaço da pesquisa

de campo, onde se percebe que, muitas pessoas, baseados em seus princípios religiosos, não

conseguem interagir de forma atuante e conforme o preconizado pelos planos de educação

junto a seus colegas na escola, sejam profissionais da educação ou estudantes, pois, estariam

cometendo um “pecado”, ao participarem de uma atividade cultural, como a dança, por

exemplo, colocam outras em situações restritivas, impondo suas opiniões, crenças e culturas e

por vezes desestimulando processos educativos enriquecedores e que atendem as

determinações da legislação em vigor. De certa forma, estão lhes negando um direito, o qual

as deixa excluídas de um determinado grupo social.

Outra abordagem que mereceu destaque foi a representação social das pessoas sobre

a questão da marginalização do indivíduo, a partir de sua condição financeira.

Historicamente, o indivíduo segue os passos dos pais, em todos os sentidos.

Desta forma, se os pais não tiveram a oportunidade de estudar, devido a condição

financeira que os obrigava a ajudar em casa, da mesma maneira, os filhos não frequentarão a

escola, ou o farão por um curto espaço de tempo, deixando assim, comprometido seu acesso à

cultura, seus sonhos e desejos ficarão esquecidos. Tem-se em mente que, não será indo à

escola, estudando, que o indivíduo será bem sucedido financeiramente e, com isso, muitos

abandonaram a escola para trabalharem, aumentando assim, a pouca renda familiar, o que

gera mais pobreza, também intelectual, segundo nos mostra um estudo realizado em

Moçambique, o qual diz que “A pior pobreza é aquela que está na nossa cabeça: a pobreza

intelectual: Aqueles que não querem mudar de atitudes, de comportamentos, de

Trabalho de Conclusão de Curso

mentalidades; Aqueles que não querem sacrificar-se”, disse o Presidente da República de

Moçambique, Sr. Armando Guebuza, em junho de 2014, em visitas ás províncias do país.

Neste sentido, procurou-se compreender e analisar algumas das perspectivas sobre

como o Programa Bolsa Família auxilia na manutenção das crianças e adolescentes nas salas

de aula, observando essa realidade em um determinado espaço, onde poucos tem acesso à

educação, um dos direitos básicos de todo ser humano. A pesquisa foi realizada no mês de

setembro de 2016, tomando como ponto de partida, a comunidade escolar da Escola

Municipal “Maria de Lourdes Aquino Sotana” no Município de Naviraí/MS, onde estudam

aproximadamente 800 alunos, distribuídos em 16 salas, do 1º ao 9º ano, do Ensino

Fundamental. Através de entrevistas semiestruturadas realizadas com dois alunos do 5ª ano

do Ensino Fundamental, (originalmente era para ser realizado com alunos do 6º ano), com

idade de 10 anos, e seus respectivos responsáveis (a princípio eram três, porém, houve uma

desistência), os quais preferiram não gravar as entrevistas, limitando-se a responder enquanto

eram feitas as devidas anotações. Os mesmos serão identificados neste artigo como

entrevistado 1 e entrevistado 2, o mesmo número identificando o seu responsável.

Procuramos compreender até que ponto eram respeitados os direitos individuais de cada

indivíduo, relacionando pobreza com direitos humanos.

Esta pesquisa qualitativa, descritiva, delineada de forma ainda inicial,

pretendeu demonstrar aos indivíduos que, de alguma forma, se preocupam com outros

indivíduos marginalizados em nossa sociedade, um pouco mais sobre a realidade dos

beneficiários do Programa Bolsa Família, no município de Naviraí, Mato Grosso do sul, com

o objetivo de apresentar até que ponto as condicionalidades desse programa de governo,

auxiliam ou bloqueiam a manutenção de nossas crianças e adolescentes na escola, bem como,

procurou-se compreender um pouco mais sobre os acompanhamentos realizados às

respectivas famílias, nos campos da saúde e da educação.

2. Método

Os métodos se caracterizam como o caminho feito pelo pesquisador no processo de

obtenção do objeto do estudo; são recursos básicos e fundamentais, para a ordenação do

pensamento em relação ao objeto, traçando os modos de procedimento.

Segundo Minayo,(2002, p.57), citado por Rocha, Daher e Sant’Anna (p. 4-5 )

Trabalho de Conclusão de Curso

A entrevista é o procedimento mais usual no trabalho de campo. Através

dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais.

Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se

insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores (...) Nesse

sentido, a entrevista, um termo bastante genérico, está sendo por nós

entendida como uma conversa a dois com propósitos bem definidos. Num

primeiro nível, essa técnica se caracteriza por uma comunicação verbal que

reforça a importância da linguagem e do significado da fala. Já, num outro

nível, serve como um meio de coleta de informações sobre um determinado

tema científico.

Desta maneira, os métodos utilizados neste artigo, compreenderam a análise de

conteúdo, pesquisa bibliográfica em bases eletrônicas e impressas, onde foram selecionados

vários artigos relevantes, nos quais os principais assuntos encontrados foram a forma em que

pessoas pobres são tratadas perante a sociedade. Normalmente são excluídos de todas as

possibilidades de acesso a cultura, saúde e educação, fazendo-se necessário que estudos deste

tipo possam aparecer e serem discutidos para que seus direitos, como seres humanos possam

ser mais respeitados. Foram, também, realizadas entrevistadas do tipo semiestruturada, por

entender que esta modalidade permite maior liberdade, tanto ao entrevistado como ao

entrevistador, podendo este, colocar outros questionamentos que puderem surgir no decorrer

da mesma, segundo Eduardo José Manzini, no seu trabalho “Entrevista Semi-estruturada:

Análise de Objetivos e de Roteiros ( p.2 ), onde nos diz que “Os questionamentos dariam

frutos a novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes”.

Após a leitura de vários artigos e livros sobre a situação do Programa Bolsa Família

e também sobre metodologias utilizadas para coleta de dados, foi possível traçar uma linha de

pesquisa, norteando assim, o trabalho a campo. Neste trabalho, conforme dito anteriormente,

foram entrevistadas quatro pessoas, sendo duas crianças e seus respectivos responsáveis.

Inicialmente a pesquisa seria realizada com seis pessoas, porém, por motivos não

esclarecidos, duas (uma criança e seu responsável), desistiram de participar da atividade.

Sendo assim, foi dado prosseguimento com as que continuaram dispostas a colaborar.

As entrevistas aconteceram na escola, com os alunos, onde eles foram encaminhados

a uma sala isolada, por decisão dos mesmos. Desta forma, se sentiram menos constrangidos

ao responder as perguntas, o que favoreceu um diálogo aberto e sem reservas, criando um

clima de cumplicidade. E, logo após seguiu-se a entrevista com o os responsáveis dos

mesmos, em suas respectivas casas, onde foi possível observar um pouco mais da real

situação econômica e de moradia dessas famílias.

Trabalho de Conclusão de Curso

3. ANÁLISES E DISCUSSÃO

Procedendo a entrevista, ao ser questionado sobre se tinha conhecimento das

condicionalidades do Programa Bolsa Família e se, no seu entendimento, tais

condicionalidades impostas para o recebimento do benefício, ajudava ou, ao contrário,

atrapalhava no seu desenvolvimento escolar e porquê? O entrevistado 1 respondeu:

ela ajuda no seu rendimento, porque, através da frequência obrigatória, a

pessoa responsável pela casa, recebe o benefício, o que ajuda muito em

casa, já que o mesmo mora com a avó, a irmã de 6 anos e uma prima de 15

e, os únicos rendimentos que a família possui é o benefício do Bolsa família

e uma pequena pensão que a vó recebe, mensalmente. (E-01)

Já o entrevistado 2 respondeu:

“tanto faz, já que de qualquer maneira, gosta de ir para a escola e isso não

se torna uma obrigação. Um incentivo, talvez, nunca uma obrigação”. (E-

02)

Porém, considerou importante pelo fato de outras pessoas não pensarem da mesma

forma e, nestes casos, faz-se necessário essa imposição. De outra forma, talvez não

frequentariam a escola e, ao frequentar, talvez adquiram gosto pelo estudo.

Faz-se necessário, de forma urgente, que sejam repensadas como são feitas as

políticas de correção das desigualdades.

Conforme nos mostra Miguel Arroyo:

Ignorar os coletivos vítimas das desigualdades e vê-los apenas como

destinatários das políticas termina empobrecendo a visão do Estado e as

análises de suas políticas e instituições. Só vendo o Estado, os governos, os

entes federados, os poderes, suas leis e diretrizes, como atores sociais e

políticos e ignorando o conjunto de atores e de forças, inclusive os coletivos

feitos desiguais, termina por produzir análises de políticas pobres,

repetitivas. Incapacitados de captar as tensões na sociedade, tornam as

análises incapazes de captar as tensões no Estado e nas suas políticas.

Tornam-se análises e propostas de políticas lineares, de cumprimento do

dever do Estado para a solução dos problemas da sociedade. (p. 1387)

Quando perguntado sobre se não existissem as condicionalidades, continuariam

frequentando a escola e por que o fariam? O entrevistado 1 respondeu que “sim”, que

continuaria frequentando a escola porque ele pretende, no futuro, ter um bom emprego para

poder sustentar a família com dignidade. Considera o estudo a única forma de mudar a

situação de vida de sua família e, neste momento, lembrou que a prima que mora com eles, de

Trabalho de Conclusão de Curso

15 anos, está cursando o 5º ano, mesmo período que ele, com 10 anos. Disse que não

pretende seguir esse caminho de pobreza em que a família dele vive.

Da mesma forma, o entrevistado 2 também respondeu que continuaria frequentando

a escola, pois gosta muito de estudar e gosta muito dos professores. Este também lembrou

que tem um irmão de 18 anos que não demonstra nenhum interesse em estudar e que, devido

a muitas faltas na escola (do irmão), ano passado a família teve o benefício cancelado. O

mesmo não pretende seguir seus passos. Pretende fazer Educação Física, se não mudar de

ideia no decorrer dos anos.

Segundo opinião de nossos entrevistados, crescer profissionalmente significa ter

uma posição e interferir nos problemas do mundo de maneira eficiente e de forma crítica,

participando ativamente nas escolhas e soluções de problemas relacionados a sua família e ao

meio cultural, social e econômico.

Neste contexto, Paulo Freire acredita em:

Uma educação que possibilitasse ao homem a discussão corajosa de sua

problemática. De sua inserção nesta problemática. Que o advertisse dos

perigos de seu tempo, para que, consciente deles, ganhasse a força e a

coragem de lutar, ao invés de ser levado e arrastado à perdição de seu

próprio “eu”, submetido às prescrições alheias. Educação que o colocasse

em diálogo constante com o outro. Que o predispusesse a constantes

revisões. À análise crítica de seus “achados”. A uma certa rebeldia, no

sentido mais humano da expressão. Que o identificasse com métodos e

processos científicos. (1967, p.97)

Ao ser questionado sobre o que estaria fazendo, se não existisse a condicionalidade

de frequentar a escola, o entrevistado 1 respondeu que “estaria em casa, ajudando nos

afazeres domésticos, assistindo televisão”. Como última opção, citou que, talvez, estivesse

lendo um livro.

Já o entrevistado 2 respondeu que, apesar de gostar muito de estudar, provavelmente

estaria em casa, assistindo televisão ou brincando com amigos, dando a entender que a

condicionalidade transforma, sim, a frequência escolar em uma obrigação.

Vale ressaltar aqui, a necessidade de escolarização para que o indivíduo possa se

sentir valorizado, entender dos seus direitos, saber dos seus deveres, fugindo, dessa forma, de

possíveis constrangimentos. A educação formal ajuda o ser humano a conseguir uma

autonomia que não seria possível de outra forma.

Como bem nos diz Pierre Bourdieu, em Meditações Pascalianas, referindo-se a

pessoa:

Trabalho de Conclusão de Curso

ela somente se realiza por inteiro com a inclusão num campo erudito e,

sobretudo, num desses campos quase integralmente circunscritos ao

universo escolar, como por exemplo o campo filosófico e inúmeros campos

científicos, capazes de oferecer condições favoráveis a seu pleno

desenvolvimento. (p. 25)

A última pergunta realizada aos alunos foi se eles acham importante frequentar a

escola, se consideram que o estudo possa lhes trazer algum benefício, no sentido de melhores

condições de vida, no futuro e, se desejam continuar estudando, indicando planos para os

próximos anos. Neste ponto, o entrevistado 1, que já havia dito que pretende continuar

estudando para dar uma vida melhor a sua família, através de um bom emprego que o estudo

possa lhe conceder, respondeu novamente que considera muito importante o estudo e

pretende sim continuar estudando, até se formar em algo que ainda não pensou, devido a

pouca idade. Mas, que, só com o estudo vai conseguir atingir seus objetivos.

O entrevistado 2 respondeu que acha muito importante o estudo, considera que vai

ser bom para, no futuro ter uma profissão. Reforçou a convicção de se formar em educação

física e que, se possível, pretende dar aulas em alguma escola, como hoje faz seu professor de

educação física.

Segundo escreveu Anderson Barboza Otaviano, “Nas salas de aula ampliamos o

nosso mundo através de livros e conhecimentos adquiridos, através dos professores, viajamos

sem sair do lugar com as leituras e a internet, viajamos também na nossa imaginação”. Desta

forma, é possível afirmar que o estudo nos dá a possibilidade de adquirirmos conhecimento,

cultura e, com isso, traçarmos um caminho diferente para nossas vidas, podendo assim,

melhorar as condições financeiras e ajudar a melhorar a vida de nossas famílias.

Fazendo uma análise dos entrevistados, constatou-se, no caso do entrevistado 1, ser

uma pessoa extremamente educada, com uma postura e um equilíbrio emocional acima do

esperado para uma criança da sua idade. Demonstrou que, apesar da pouca idade e das

limitações financeiras vividas pela família, tem uma visão de vida completamente oposta a da

maioria das crianças da sua idade. Chamou a atenção o fato de vincular o estudo com um

possível “bom emprego”, no futuro, demonstrando, com isso, que realmente quer levar o

estudo a sério.

Já o entrevistado 2, apresentou-se um tanto nervoso, mascando chiclete. O tempo

todo mudava de posição na cadeira, mostrando um certo desconforto, apesar de ser alertado

Trabalho de Conclusão de Curso

que, se quisesse poderia deixar de responder ás perguntas. Mas, no decorrer da conversa, foi

se soltando e a entrevista pode fluir de forma satisfatória.

A próxima etapa do trabalho foi entrevistar os responsáveis por esses alunos. As

entrevistas foram realizadas nas casas dos mesmos, por opção deles, pelo fato de não se

sentirem expostos e ficarem mais à vontade.

A primeira pergunta feita foi se o Programa Bolsa Família está ajudando a família a

ter melhores condições de vida e como isso está acontecendo?

O entrevistado 1, respondeu que ajuda, apesar de pouco. Considera que o valor

poderia ser melhorado e disse que, sempre conseguem comprar um chinelo, uma fruta,

quando falta outro recurso.

Já o entrevistado 2 respondeu que esse dinheiro possibilitou a instalação da internet

na casa já que, de outra forma, seria impossível. Também pontuou que acha o valor muito

baixo, que poderia melhorar, já que, como separada e responsável por dois filhos, um de 18

anos que ainda não trabalha e não tem interesse em estudar, a situação fica bastante

comprometida. E vai ficar mais difícil pois o filho que acabou de completar 18 anos, já não

terá direito ao benefício.

Ao serem questionados sobre se a família recebe periodicamente a visita de agentes

comunitários de saúde, para acompanhamento e prevenção de doenças e cada quanto tempo

isso ocorre, ambos os entrevistados responderam que não recebem esse acompanhamento.

O entrevistado 1 disse que não recebem a visita dos agentes comunitários para

acompanhamento, recebendo somente os convites para comparecerem ao local indicado, nos

dias que acontecem reuniões. Também disse que, a pesagem, que era mensal, agora é

realizada a cada três meses.

Já o entrevistado 2 disse que, até janeiro, esporadicamente recebia a visita de um

agente de saúde. Em janeiro mudou de casa e de bairro e, até a presente data (14/09/16), não

recebeu mais nenhuma visita. A pesagem, que antes era realizada mensalmente, passou a ser

semestral. O que recebe de vez em quando, é o convite para a reunião mensal, mas,

normalmente, precisa ir até lá (CRAS) para se informar da data da mesma.

Ao ser perguntado sobre se existe algum técnico da área da saúde que acompanha

para que as condicionalidades nesta área sejam cumpridas, ambos foram unânimes em

afirmar que não recebem nenhum técnico para este acompanhamento.

Trabalho de Conclusão de Curso

O entrevistado 1 disse que nunca tomou conhecimento de deveria receber este tipo

de acompanhamento e acha bastante estranho o fato de pessoas beneficiárias do Bolsa

Família que perdem o benefício, pelo simples fato de terem conseguido levantar quatro

paredes para morar dentro. “Se ninguém acompanha, como sabem que não precisam mais do

benefício? ”, disse o entrevistado, indignado.

Por outro lado, o entrevistado 2 também disse desconhecer esse fato e acha

superimportante que alguém esteja fiscalizando pois, muitos não deveriam continuar

recebendo e recebem enquanto que outros, que tem grande necessidade, não recebem.

Referente ao questionamento sobre como é feito o acompanhamento da

condicionalidade, na área da educação, se, como responsável é chamado a escola para saber

sobre a vida escolar da criança ou adolescente periodicamente e a cada quanto tempo isso

acontece? E também foi perguntado se existe um técnico ou professor da escola que

acompanham para essas condicionalidades sejam cumpridas e de que forma, o entrevistado 1

respondeu que, cada poucos dias a coordenação solicita a presença dos responsáveis na

escola, para falar sobre a vida escolar da criança. Não existe uma pessoa específica que faça

esse trabalho, porém, sempre está a par dos acontecimentos, da vida escolar da criança.

Também informou que existe uma ficha de acompanhamento, onde, diariamente, é anotado o

que acontece com o aluno. Se faltar à escola, por exemplo, fica registrado nesta ficha a data e

o motivo da falta. Considera esse acompanhamento extremamente importante.

Sobre esse questionamento, o entrevistado 2, disse também ser chamado á escola

constantemente para acompanhar o desenvolvimento e aproveitamento escolar do filho,

respondendo aos questionamentos da direção e coordenação. Da mesma fora que o

entrevistado 1, também lembrou da existência da ficha de acompanhamento, onde são feitas

as anotações diárias, pertinentes a vida escolar do filho, considerando uma ferramenta

importante no apoio mútuo entre escola e família.

Algumas considerações importantes a fazer sobre a família e como vivem. No caso

do entrevistado 1, família extremamente humilde, mora em uma casa simples, de alvenaria,

porém, inacabada. A casa é própria e, segundo o entrevistado 1(responsável), o fato de ser

própria (a casa), é motivo de preocupação, pois, um conhecido próximo perdeu o benefício

quando conseguiu construir um barraco para morar. Porém, segundo o entrevistado, isso não

caracteriza que a pessoa já tenha adquirido estabilidade financeira, ele continua tendo muitas

dificuldades. Ou seja, tem receio de perder o benefício do Programa Bolsa Família, pelo fato

Trabalho de Conclusão de Curso

de morar em casa própria. Foi constatado que a mobília da casa, além de ser poucas peças, é

velha e malconservada. Na sala, possuem um sofá bastante surrado, uma mesinha velha de

madeira, que ostenta uma pequena televisão, também bastante velha. Os demais cômodos,

não foi possível observar. O que sim, foi possível constatar é que existe bastante miséria e

necessidade. Isso ficou claro no momento que a menina de 6 anos pediu a sua vó algo de

comer e a vó respondeu que teria de esperar, ver se seu tio lhe traria algo para esse dia. Vale

ressaltar que a menina havia acabado de chegar da escola, por volta das 18:00 e não ficou

claro se eles teriam uma última refeição neste dia.

Já no referente ao entrevistado 2, foi observado que esta família possui um nível de

vida mais elevado. Vivem em uma boa casa de alvenaria (casa própria), bem-acabada

(precisando uns retoques na pintura). O entrevistado disse que ambos os filhos possuem

bicicletas novas e celular. Se considerarmos que possuem internet em casa, carro de boa

marca na garagem, máquina de lavar moderna e, alguns itens mais, observados na sala,

espaçosa e bem mobiliada, é possível arriscar dizer que não existe a necessidade do benefício

ao contrário do outro entrevistado.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste estudo, foi possível entender melhor a relação existente entre pobreza,

direitos humanos, ou a ausência deles, no âmbito escolar. Foi de grande importância perceber

o olhar das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, sobre a eficácia ou não do

mesmo, onde conseguimos identificar os seus efeitos mais relevantes, avaliando os mesmos.

Identifica-se o real aumento no “poder de compra” dos beneficiários do programa, sendo que

este poder, em um dos casos mostrados, nada tem a ver com supérfluos e, sim, com as

necessidades mais básicas do ser humano, como, material escolar, água potável, entre outros.

Já no outro caso, foi constatado que o dinheiro do Programa Bolsa Família está fugindo do

seu objetivo principal, que seria o de, realmente ser utilizado para manter o aluno na escola e

não, como foi identificado, pagar a internet, que, apesar de ser importante, não deve ser a

prioridade da família.

Quando foi pensado em aprofundar os conhecimentos sobre Programa Bolsa

Família, ficou claro que estávamos nos referindo a pessoas de baixa renda. Desta forma,

parte-se do pressuposto que a essas famílias lhes falta o básico, o mínimo necessário para

uma vida digna. Conseguimos mostrar, com este estudo, que o Bolsa Família, em muitos

Trabalho de Conclusão de Curso

casos, era, senão a única renda familiar, uma pequena contribuição para o incremento da

mesma e, que, mesmo que essa renda seja imprescindível para o sustento destas famílias

beneficiárias, é preciso melhorar a forma com que é feita essa distribuição e, principalmente,

os critérios para a distribuição deste benefício já que, muitas vezes, famílias extremamente

carentes não conseguem o referido benefício.

Como foi demonstrado através da pesquisa realizada, algumas famílias precisam

muito mais que outras do auxílio financeiro do governo. Enquanto umas utilizam o benefício

para pequenos “luxos”, para outras é primordial para a compra de itens básicos para o

sustento da família.

Ao conhecer a realidade do Programa Bolsa Família no Município de Naviraí/MS,

onde ficou claro, através das entrevistas realizadas, que falta um acompanhamento mais

rigoroso, com respeito as condicionalidades do programa. Conforme citado nas entrevistas, os

beneficiários não recebem acompanhamento adequado, referente à parte da saúde da família,

já que, raramente recebem a visita de um agente de saúde, para um acompanhamento e

prevenção de doenças. Foi possível perceber, em ambos os casos, que as crianças

entrevistadas, estão com um peso abaixo do ideal, uma delas, inclusive, apresenta sinais de

desnutrição. É preciso melhorar este acompanhamento, pois, de nada adianta a criança ser

obrigada a frequentar a escola, se apresenta problemas de saúde. Seu rendimento escolar, com

certeza, ficará comprometido.

Porém, é de extrema importância ressaltar aqui o trabalho realizado em relação ao

acompanhamento, na área da educação. Ficou claro, nas entrevistas realizadas e também em

conversas com a direção e coordenação da escola visitada, que, no tocante a educação, a

escola procura dar todo o suporte para esses alunos, através das fichas de acompanhamento,

conversas frequentes com os responsáveis por essas crianças, procurando sempre manter este

contato escola/família, muito importante nesses casos. Mas, mesmo assim, além deste

acompanhamento, faz-se necessário a presença de um técnico especializado, que mantenha

um contato mais próximo com essas famílias, reforçando a importância de se respeitar a

condicionalidade da frequência escolar, porém, também, fazendo um acompanhamento

“vocacional”, incentivando essas crianças a continuarem estudando, independente da

obrigatoriedade da frequência, como meio de obtenção do benefício. O resultado vai ser

muito melhor.

Trabalho de Conclusão de Curso

Ambas as famílias entrevistadas citaram o fato de que, muitas vezes, neste

município, a obtenção do Programa Bolsa Família, foi vinculado a algum partido político,

que faz disso um programa eleitoreiro e que, na visão dos mesmos, isso não deveria

acontecer. Desta forma, é preciso mais rigidez na fiscalização para que o programa possa

atingir o seu principal objetivo, que é um programa assistencialista e não de “exploração

eleitoreira da pobreza”, como disse Reinaldo Azevedo, em seu blog, (out, 2014).

Com base nestas informações, foi possível entender um pouco mais a

mentalidade de uma grande parte da população, quando se refere ao Programa Bolsa Família

como uma fonte de votos. Os próprios beneficiários confirmam esse fato, deixando claro que

aqui, neste município, essa prática realmente existe.

Por esta perspectiva, é preciso salientar que a garantia dos direitos sociais que

deveriam ser efetivados pelo Estado, através das políticas sociais, como no caso o PBF, não

está cumprindo, na totalidade, seus objetivos, a partir do momento em que se torna moeda de

troca (compra de votos). Se, por um lado, o programa atingiu níveis de importância

significativos, servindo de exemplo inclusive, para outros países, por outro lado, ele deixa de

cumprir, em muitos casos, sua principal função, que é a de “programa assistencialista”, de

transferência de renda.

Para que o PBF atinja o ápice, cumprindo com seus objetivos, é preciso que ele seja

isento de corrupção e que atenda, única e exclusivamente, os interesses das classes mais

empobrecidas de nossa sociedade, independentemente de partido A, B ou C. Através de um

melhor acompanhamento da distribuição desses recursos, fazendo com que eles cheguem a

quem realmente necessite.

5. Referências

PNDH 3- Programa Nacional de Direitos Humanos. 2009.

Disponível em: http://familiasalesianamoz.blogspot.com.br/2011/06/luta-contra-pobreza-

intelectual.html. Acesso em 08 de nov. de 2016.

ROCHA, DAHER, SANT’ANNA. A entrevista em situação de pesquisa acadêmica:

reflexões numa perspectiva discursiva2016. Disponível em

http://www.periodicoscientificos.ufms. Acesso em 07 de nov. 2016.

Trabalho de Conclusão de Curso

DORNELLES FREITAS, DENISE YASODÃ. Percurso metodológico de análise do

Programa Bolsa Família na RMS/Bahia: estudo de caso de Camaçari, Candeias e Simões

Filho, Textos & Contextos. Porto Alegre.2010.

MANZINI, EDUARDO JOSÉ. Entrevista Semi-estruturada: Análise de Objetivos e Roteiros.

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