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PODER JUDICIÁRIO
VARA ÚNICA DA COMARCA DE ENCRUZILHADA Rua Arlindo Marques, s/n - Fórum Sinfrônio Martins - CEP 45.150-000
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CONCLUSÃO Nesta data, faço os autos conclusos à M.M. Juíza, Drª. Janine Soares de Matos Ferraz. Encruzilhada/BA, ____ de _________ de _____.
____________________ Servidor
S E N T E N Ç A
1. RELATÓRIO
Vistos os presentes autos referentes à AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE COM
PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E PERDAS E DANOS movida por ÁLVARO HERMANO
REGIS DE ANDRADE em face de CETA – MOVIMENTO DE TRABALHADORES ASSENTADOS,
ACAMPADOS E QUILOMBOLAS, com a finalidade de obter provimento jurisdicional que determine
a sua reintegração na posse da Fazenda Tambury, através da efetiva desocupação do imóvel, e a
condenação do Réu ao dever de indenizar o Autor os prejuízos causados à propriedade, além de
perdas e danos, feito tombado neste Juízo da Comarca de Encruzilhada sob o n.º 0000211-
15.2008.805.0075.
Alegou, em síntese, que adquiriu o imóvel aos 22 (vinte e dois) dias do mês de fevereiro de
1996 para fins de produção agrícola e agropecuária, tendo o mesmo permanecido na posse e uso
da propriedade rural ininterrupta e indistintamente até novembro de 2006, ocasião em que teve
notícia da invasão da propriedade Tambury pelo movimento social CETA.
Aduziu ainda que foi tomado de surpresa quando, em 16/05/2005, fora notificado acerca da
realização pelo INCRA, durante o período de 06/06/2005 a 20/06/2005, de vistoria para fins de
reforma agrária.
Informou que, uma vez realizada a vistoria e emitido o Laudo Técnico opinando
equivocadamente em favor da desapropriação do Imóvel Rural Fazenda Tambury, apresentou o
Autor as defesas administrativas pertinentes, o que não surtiu o efeito justo almejado tendo
culminado com a publicação do Decreto Presidencial autorizando a desapropriação do imóvel
Tambury para fins de reforma agrária em 16/11/2006.
Imediatamente à publicação do referido Decreto, precisamente em 26/11/2006, a Fazenda
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 Tambury foi invadida pelo CETA. Afirmou que referida invasão se deu na surdina, à noite, de forma
clandestina, precária e violenta, mediante a destruição de pastos, plantações e cercas.
Narrou ainda que temendo pela integridade física de seus moradores, colaboradores,
funcionários e sobretudo de suas respectivas famílias, e, vendo-se sob a ameaça de novas invasões
caso fosse promovida a ação reintegratória, buscou o Autor firmar negociação amigável junto ao
movimento promovido no sentido destes procederem ao “levantamento do acampamento” de
imediato, tendo sido informado que tão logo fosse possível o assentamento das famílias em área
diversa assim estaria procedendo, o que ocorreria em prazo breve. Contudo, em que pese a sua
confiança depositada nesta promessa, não obteve êxito na desocupação voluntária.
Não obstante estar a propriedade Tambury ocupada e sendo objeto de conflito agrário, disse
o Autor que o INCRA procedeu à vistoria e avaliação do imóvel em maio de 2007, dando
continuidade ao procedimento administrativo de desapropriação, contrariando o quanto disposto no
artigo 2º, §6º da Lei n.º 8.629/93.
Diante da iminência do INCRA ajuizar ação expropriatória do bem com a consequente
desvalorização patrimonial, requereu a concessão de tutela antecipada para obter a reintegração
da posse esbulhada e, no mérito, a procedência do pedido.
Às fls. 143, a então MM Juíza determinou ao Sr. Oficial de Justiça a realização de vistoria
no imóvel supostamente esbulhado.
Às fls.147, a parte autora atravessou petição nos autos informando sobre a existência de
ação de desapropriação relativa ao imóvel em litígio, ajuizada pelo INCRA perante à 7ª Vara Federal,
Seção Judiciária de Salvador – Bahia, sob o n.º 2008.33.00.014582-2.
Às fls.149, consta mandado de vistoria realizada no imóvel em 02 de fevereiro de 2009.
Às fls. 151, consta decisão datada de 20 de março de 2009 em que a então MM Juíza se
declarou incompetente para processar e julgar o presente feito, determinando a sua remessa para
a 7ª Vara da Justiça Federal – Salvador, providência cumprida em 04 de junho de 2009 (fls. 154 –
v).
Às fls.189/190, o Juiz Federal admitiu o INCRA como assistente litisconsorcial, indeferiu a
tutela antecipada, designou audiência de justificação prévia e determinou a citação da parte Ré.
Às fls.193, foi expedida carta precatória para a Comarca de Itaberaba / BA, com a finalidade
de citação do Réu, bem como de indivíduos que porventura estivessem ocupando o imóvel rural
objeto desta lide. Tal carta precatória foi devolvida ao Juízo Federal sem cumprimento.
Às fls. 197, consta termo de audiência de justificação que restou frustrada ante a ausência
dos réus e de testemunhas arroladas pelo Autor.
Às fls. 217/219, consta cópia de sentença proferida nos autos dos processos n.
2009.33.00.001267-1 e 2008.33.00.014582-2, julgados na Justiça Federal em 24 de setembro de
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 2010, declarando o imóvel FAZENDA TAMBURY insusceptível de desapropriação para fins de
reforma agrária, nos prazos descritos no artigo 2º, §6º, da Lei n.º 8.629/93, prazos estes a contar
da efetiva desocupação do imóvel, e por consequência, julgando improcedente a ação de
desapropriação.
Às fls. 221/222, petição da parte Autora informa a ausência de citação das partes, requer a
exclusão do polo passivo da lide do movimento CETA e inclusão do movimento social MPA
PARANÁ, pugnando ainda pela citação deste.
Às fls. 230, o Juiz Federal proferiu decisão indeferindo a citação do movimento social MPA
PARANÁ e determinando a citação contra réus desconhecidos, por edital, nos termos do artigo 231,
inciso I, do CPC.
Às fls. 237 consta certidão de expedição de edital de citação.
Às fls. 242/247, constam documentos referentes à publicação do edital de citação em Jornais
de Circulação Estadual e no Diário da Justiça.
Às fls.255, foi certificado o transcurso in albis do prazo do edital e da resposta dos réus
ocupantes do imóvel.
Às fls. 277, os autos foram entregues com vista ao INCRA, o qual, em manifestação de fls.
278/279, aduziu que os ocupantes permaneciam em local conhecido, arguiu que por tal razão a
citação ficta não poderia prevalecer, sob pena de nulidade insanável, e requereu a citação dos réus
ocupantes que permanecem no imóvel.
Às fls. 280, nova certidão informa que os Réus citados por edital (fls. 239) não contestaram
a presente ação.
Às fls. 281, tendo em conta o quanto certificado, foi nomeado curador aos réus o qual
apresentou CONTESTAÇÃO às fls. 290/291, aduzindo, em síntese, que os réus desconhecidos
adentraram na Fazenda, de forma aberta e sem subterfúgios, ficando tranquilamente lá de 26/11/06
até 18/12/2008, data em que foi distribuída esta ação; que se a propriedade estivesse produzindo
e atingindo a sua função social, a insurgência contra a entrada do réu se daria de forma imediata,
o que não ocorreu; que as fotos e documentos trazidos aos autos, ao contrário do alegado pelo
autor, não demonstram nenhuma “extrema transformação” na propriedade, como alegado; que a
propriedade não apresenta quaisquer indícios de atividade agropecuária, contendo as mesmas
benfeitorias desde 1996, data em que foi adquirida pelo autor, fato que reforça a tese de que estava
abandonada e não tinha qualquer função social; que o INCRA não teria iniciado o processo de
desapropriação levianamente; que os réus, mesmo sem muitas condições financeiras, vem
tentando dá uma utilidade às terras, o que de fato só se realizaria com a decretação da
desapropriação e o apoio técnico e financeiro do programa governamental que, infelizmente, foi
interrompido, requerendo a improcedência da ação diante de indícios que a propriedade estava
abandonada e não foi alvo de esbulho, como alegado.
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 Às fls. 304/307, decisão do Juiz Federal declina a competência para a Subseção Judiciária
de Feira de Santana. Tal decisão foi retificada às fls. 309 determinando o encaminhamento dos
autos à Subseção Judiciária de Vitória da Conquista / BA.
Às fls.326/327, consta manifestação do Ministério Público Federal o qual externou o seu
entendimento pela incompetência da Justiça Federal em julgar o feito e, no mérito, opinou pela
procedência do pedido inicial a fim de que seja determinada a desocupação imediata da área
invadida, posto que decisão judicial anterior declarou a Fazenda Tambury insusceptível de
desapropriação para fins de reforma agrária, cuja decisão fora confirmada em grau de recurso pelo
TRF.
Às fls. 335/337, nova decisão da Justiça Federal, datada de 04 de abril de 2013, excluiu da
lide o INCRA e, por conseguinte, determinou o retorno dos autos a este Juízo, firmando que o motivo
ensejador da intervenção do INCRA não mais subsiste, vez que aludida ação de desapropriação
(proc. Nº 2008.14582-2) foi julgada improcedente, ao passo que a citada ação a ela conexa teve
resultado favorável à parte autora, declarando-se o imóvel sub judice “insusceptível de
desapropriação, para fins de reforma agrária”, o que veio a ser confirmado pelo E. TRF da 1ª Região,
em julgamento de apelação e de reexame necessário; que muito embora o Acórdão proferido pela
Instância ad quem ainda não tenha transitado em julgado – pendendo de julgamento, ainda,
embargos de declaração interpostos pela UNIÃO FEDERAL, e de exame de admissibilidade de
recurso especial aviado pelo INCRA -, para fins de se aferir a existência de interesse justificador da
intervenção de ente federal no presente feito, há que prevalecer o que foi decidido, após cognição
exauriente, pelo Juízo da 7ª Vara e já confirmado em grau de recurso pela 2ª instância; que sendo
o imóvel insuscetível de desapropriação, e sendo a pretensão expropriatória o único motivo
ensejador da intervenção do INCRA no presente feito, não há mais razão para que tal autarquia
continue a figurar na relação processual, como assistente litisconsorcial da parte Ré.
Sobre referida decisão o INCRA, em petição de fls. 340, expressamente declarou a
inviabilidade de interposição de qualquer recurso e requereu o prosseguimento do feito, fazendo
com a referida decisão fosse atingida pela preclusão.
Às fls. 374/376, foi proferido despacho por este Juízo, circunstanciando a marcha processual
e determinando vista dos autos ao Ministério Público Estadual, a fim de evitar nulidade, o qual se
manifestou às fls. 378/379, opinando pela procedência do pedido.
Às fls. 381, foi determinada inspeção judicial no imóvel denominado FAZENDA TAMBURY e
nomeado novo curador de Réu ausente para acompanhar a diligência.
Realizada a inspeção judicial, foi juntado aos autos o Auto Circunstanciado de Inspeção
Judicial às fls. 383/414 e dada vista às partes para eventual impugnação.
Os réus, por intermédio do curador, manifestaram-se às fls. 415/417, arguindo que:
1. A presente ação discute pedido de reintegração de posse contra agricultores que contam mais
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 de ano e dia de posse sobre um “latifúndio por dimensão” declarado “improdutivo” em processo
administrativo federal;
2. Esta declaração consta do Laudo de Vistoria e Avaliação (fls. 61-71) produzido por engenheiros
agrônomos, servidores públicos federais, e concluído antes de consumada a ocupação que deu
origem à posse de “força velha” dos réus;
3. No curso da ação de Desapropriação por Interesse Social para fins de Reforma Agrária, a União
chegou a disponibilizar o valor apurado pela Avaliação para fins de Indenização do proprietário, o
que pode ser confirmado junto a procuradoria do Incra na Bahia;
4. O autor, porém, questiona judicialmente tal avaliação, pretendendo reverter a desapropriação por
interesse social para fins de reforma agrária do imóvel, Faz. Tambory, decretada pela Presidência
da República (fl. 61);
5. Em que pese a 7ª Vara da Justiça Federal, Seção da Bahia, ter prolatado sentença favorável às
pretensões do Autor, confirmada pela 2ª Turma do TRF-01, ainda tramita no mesmo TRF, Recurso
Especial, interposto pela União e pelo Instituto Nacionalização de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA, visando dar continuidade ao processo de desapropriação da referida fazenda.
6. Importante ressaltar que a sentença da Justiça Federal não adentra no mérito da causa, qual
seja a (im)produtividade da referida fazenda. A discussão reside tão somente no fato de ter ocorrido
ocupação da área durante o processo de desapropriação. Contudo, há robusta jurisprudência no
sentido de que a ocupação de pequena parcela da propriedade não obsta o prosseguimento do
procedimento de desapropriação, razão pela qual o ref. Recurso Especial não
assume caráter meramente protelatório.
7. Por outro lado, o processamento tumultuado desta ação apresenta uma série de vícios que
tornam os atos nela praticados nulos ab initio, como se pode perceber numa análise dos autos.
8. Nesse sentido, às fls. 193 consta a expedição de carta precatória para a Comarca de Itaberaba,
com o fito de citação do Réu. A mesma, porém retornou sem cumprir o seu objetivo.
9. Não obstante este fato, às fls. 197 consta ata da frustrada audiência de Justificação Prévia, que,
sem a devida citação do Réu, está em contradição com a regra do artigo 928 do CPC, que determina
a obrigatoriedade de citação do demandado, “sob pena de nulidade” processual (Ver Notas de
Theotonio NEGRÃO, Código de Processo Civil e Legislação Complementar em Vigor).
10. Em que pese os posseiros serem famílias de agricultores estabelecidas no imóvel há mais de
dois anos quando da propositura desta ação, o autor preferiu indicar no pólo passivo da ação um
movimento social, para depois pedir a sua substituição por outro (fl. 221-222).
11. Mais inapropriado, no entanto, foi a 7ª Vara da Justiça Federal “indeferir” o pedido de citação
feito pelo Autor, determinando, extra petita, a citação editalícia dos Réus. Neste caso, restaram
fulminadas as regras dos artigos 232, I, e 231, I e II do CPC. Isto porque, sem que o Autor afirmasse
desconhecer o réu (requisito do art. 232), e que ignorasse onde encontrá-lo (art. 231), não cabia ao
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 insigne juiz extrapolar ao pedido formulado, determinando providências que só ao Autor caberia
requerer.
Em seguida, salientou: o fato do imóvel objeto da presente ação abrigar um elevado número
de famílias, que nele residem e dele retiram há vários anos os vossos sustentos, cumprindo com a
função social da posse; - que a inspeção judicial conduzida por esta Magistrada, não confirmou uma
série de assertivas do Autor quanto a natureza da posse (“precária”, “rotativa”...), ao contrário,
evidenciou uma comunidade camponesa dedicada ao labor; - que pende sobre essa ação, um
Recurso Especial em trâmite no TRF-01, que pode retomar a desapropriação definitiva do imóvel
para fins de reforma agrária, dada a sua improdutividade constatada administrativamente por uma
autarquia federal; - que existe possibilidade do imóvel vir a ser desapropriado após julgamento do
Recurso Especial pelo pleno do TRF-01.
Por fim requereu: que fossem requisitadas informações circunstanciadas ao INCRA a
respeito do andamento do referido Recurso e da matéria nele apreciada, antes que fosse prolatada
qualquer decisão de mérito nestes autos; na hipótese de não acatar o requerimento acima, que
fosse decretada a nulidade ab initio do processo, em virtude dos vícios processuais indicados e
fundamentados entre os itens de 7 a 11 da petição, obedecendo, na retomada dos atos processuais,
aos critérios estabelecidos no rito ordinário.
O Autor, por sua vez, em petição de fls. 418/424, se manifestou sobre as arguições acima,
bem como sobre o Auto Circunstanciado de Inspeção Judicial, aduzindo em síntese que:
1. Inexiste controvérsia a respeito da natureza da presente ação: Reintegração de Posse;
2. Inexistem provas nos autos que a ocupação da Fazenda Tambury tenha se dado a mais de
“ano e dia”, ante a inexistência de identificação dos ocupantes da propriedade quando da
diligência realizada por meirinho desta Comarca quando da primeira inspeção judicial
(fevereiro de 2009) não sendo possível assim concluir serem as mesmas pessoas ou
famílias arroladas na inspeção ocorrida em Janeiro do corrente ano; que a constituição da
Associação de Trabalhadores Rurais, denominada Lindaura Lacerda, deu-se recentemente
e não quando da ocupação; que no Auto Circunstanciado de Inspeção Judicial relativo à
inspeção realizada em janeiro do corrente ano, não há qualquer relato ou conclusão no
sentido de estar a “terra invadida” em estado compatível com a alegada posse de mais de
09 (nove) anos pelas 23 (vinte e três) famílias que “apresentaram-se” no dia da inspeção.
Ao contrário, “a estrutura física erigida pelos ocupantes é de certa forma precária”.
3. Inexiste competência ou mesmo dependência de julgamento entre a presente demanda e
aquelas a serem apreciadas pelo TRF ou STJ; que esta ação não comporta a discussão
acerca da produtividade ou não da propriedade, bem como aquela sobre se a “pequena”
parcela ocupada da propriedade impede ou não a desapropriação.
4. A citação foi efetivamente concluída, de forma válida, via Edital. Foi nomeado Curador
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 Especial, na ocasião Defensor Público Federal, que apresentou defesa tempestiva e
oportunamente, não sendo possível identificar nos autos quaisquer prejuízos em desfavor
dos Réus.
5. Os requisitos legais para a concessão de reintegração da propriedade em favor do
Proprietário Legal apresentam-se incontroversos. Não há vício material ou processual que
possa trazer à presente ação a condição de nulidade.
6. Tem o proprietário conhecimento acerca da existência de benfeitorias não necessárias
realizadas pelos invasores em sua propriedade avaliadas no importe de R$ 25.000,00.
Tendo por objetivo único ver-se finalmente na posse de sua propriedade, rogou o Autor o
julgamento do mérito da presente ação, a fim de determinar este Douto Juízo a imediata
reintegração de posse da propriedade em favor do Autor, condenando os réus em custas
processuais e honorários advocatícios a serem arbitrados por este Douto Juízo, devendo os
mesmos serem intimados para deixar a propriedade em caráter de urgência.
Acostou aos autos comprovante de depósito judicial da quantia de R$ 25.000,00 (vinte e
cinco mil reais) a título de caução do Juízo, em favor dos ocupantes identificados, valor este que
deverá ser liberado tão somente após o trânsito em julgado da Decisão de Mérito ora requerida.
Solicitou reforço policial para garantir o cumprimento da decisão judicial, a fim de garantir a
integridade física e moral de todos os envolvidos, principalmente os menores residentes de forma
precária na referida propriedade, bem como, idosos se assim houver, devendo a referida decisão
ser cumprida com o acompanhamento de autoridades da polícia civil, militar, conselho tutelar e
autoridades que este Juízo em sua experiência julgar necessário.
Às fls. 427/436 foi juntado o Ofício 064/2014, oriundo da Secretaria Municipal de Assistência
Social do Município de Encruzilhada, encaminhando documentação referente ao Assentamento
Tambury.
Vieram os autos conclusos.
Sendo o que me cumpria relatar. DECIDO.
2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
2.1 DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA PRESENTE LIDE E DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL PARA JULGAR O FEITO
Observa-se de tudo quanto foi relatado até aqui que o objeto desta lide se resume à
discussão sobre a possibilidade de reintegrar o Autor na posse do imóvel denominado Fazenda
Tambury.
Todas as demais discussões acerca da produtividade ou não do imóvel, da possibilidade ou
não de desapropriação ante a ocupação de pequena extensão da área total do imóvel, da pendência
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 de Recurso Especial sobre as decisões proferidas pela Justiça Federal, em que pese tangenciarem
a presente causa, não impedem o seu julgamento.
A uma porque o objeto desta lide, como afirmado, se limita a uma demanda sobre
reintegração de posse.
A duas, porque as razões que atraíram a competência da Justiça Federal para julgar este
feito, quais sejam os ajuizamentos de ação de ordinária de produtividade e de ação expropriatória
perante à 7ª Vara da Justiça Federal, bem como a intervenção do INCRA, não mais subsistem, fato
este reconhecido por decisão já atingida pela preclusão, inclusive com manifestação expressa do
INCRA no sentido de não mais possuir interesse da União neste feito.
Com efeito, depreende-se da decisão de fls. 335/337, que o motivo ensejador da intervenção
do INCRA não mais subsiste, vez que aludida ação de desapropriação (proc. Nº 2008.14582-2) foi
julgada improcedente, ao passo que a citada ação a ela conexa teve resultado favorável à parte
autora, declarando-se o imóvel sub judice “insusceptível de desapropriação, para fins de reforma
agrária”, o que veio a ser confirmado pelo E. TRF da 1ª Região, em julgamento de apelação e de
reexame necessário.
Como afirmado na referida decisão, muito embora o Acórdão proferido pela Instância ad
quem ainda não tenha transitado em julgado – pendendo de julgamento, ainda, embargos de
declaração interpostos pela UNIÃO FEDERAL, e de exame de admissibilidade de recurso especial
aviado pelo INCRA -, para fins de se aferir a existência de interesse justificador da intervenção de
ente federal no presente feito, há que prevalecer o que foi decidido, após cognição exauriente, pelo
Juízo da 7ª Vara e já confirmado em grau de recurso pela 2ª instância; que sendo o imóvel
insuscetível de desapropriação, e sendo a pretensão expropriatória o único motivo ensejador da
intervenção do INCRA no presente feito, não há mais razão para que tal autarquia continue a figurar
na relação processual, como assistente litisconsorcial da parte Ré. Ainda mais quando, sobre
referida decisão o INCRA, em petição de fls. 340, expressamente declarou a inviabilidade de
interposição de qualquer recurso e requereu o prosseguimento do feito.
Deve-se considerar também que, adiar a solução da presente lide, antes de tudo, significa
militar contra os interesses dos próprios ocupantes do imóvel, vez que se mantida a conjuntura
jurídica estabelecida até então pela Justiça Federal, o imóvel rural Fazenda Tambury, objeto de
invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não será vistoriado, avaliado
ou desapropriado senão somente após os dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro
desse prazo, em caso de reincidência, além de ser apurada a responsabilidade civil e administrativa
de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas
vedações.
Por outro lado, obtida eventual vitória e retomado o processo de desapropriação, os atuais
ocupantes do imóvel, que já se encontram identificados conforme laudo de vistoria de fls. 383,
como os integrantes da Associação de Trabalhadores Rurais denominada Lindaura Lacerda,
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 poderão retornar ao imóvel e se beneficiar do processo expropriatório.
O que se faz necessário é respeitar as instituições democráticas e as decisões judiciais,
ainda mais quando já atingidas pela preclusão.
Desta forma, fixo o objeto desta lide como a pretensão à proteção possessória por parte do
autor ALVARO HERMANO REGIS DE ANDRADE em face dos ocupantes da Fazenda Tambury, em
razão de alegado esbulho possessório supostamente ocorrido em novembro de 2006 e declaro a
competência desta Justiça Estadual para processar e julgar o presente feito.
2.2 DO PÓLO PASSIVO, DA CITAÇÃO VÁLIDA, DA MATURIDADE DA CAUSA PARA
JULGAMENTO
A presente ação foi ajuizada em face do CETA – MOVIMENTO DE TRABALHADORES
ASSENTADOS, ACAMPADOS E QUILOMBOLAS (fls. 03).
Antes de determinada a citação, a então MM Juíza Estadual houve por bem determinar que
fosse “procedida vistoria no 'imóvel esbulhado' devendo relatar, de forma circunstanciada, quantas
famílias estão ocupando o bem, há quanto tempo (...)” (fls. 143-v).
No que interessa a este item, a certidão de fls. 150-v afirma os seguintes fatos, in verbis:
“(...) em cumprimento ao referido mandado, procedi VISTORIA no local indicado retro onde,
constatei que há 08 (oito) famílias ocupando o referido imóvel há cerca de 02 (dois) anos (mas
há reversamento de famílias ocupando o local, pois, além de informações prestadas por
moradores daquelas proximidades, eu mesmo presenciei um caminhão de mudanças retirando
os bens de ocupantes)”.
Declinada a competência para a Justiça Federal, o MM Juiz Federal designou audiência de
justificação e determinou a intimação das partes (fls. 189/190). Expedida carta precatória visando a
citação do CETA – Movimento dos Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilombolas, bem
como dos indivíduos que estivessem porventura ocupando o imóvel rural denominado FAZENDA
TAMBURY, situado na Zona do Tambury, município de Encruzilhada, esta foi devolvida sem
cumprimento.
Observa-se que tal fato se deu em razão de decisão proferida às fls. 230/230v, na qual
entendeu-se que “movimento social sem qualificação jurídica não pode ser réu nesse tipo de
processo nem é o caso de citá-lo por meio dos ocupantes do imóvel. O caso é de demanda contra
réus desconhecidos, a exigir citação com procedimento edital, nos termos do art. 231, I, do CPC”.
A parte autora, em atenção à decisão judicial, promoveu a citação por edital, observando
todas as formalidades exigidas pela legislação em vigor (fls. 237, fls. 242/247, fls. 255).
O argumento do INCRA de fls. 278/279, no sentido de que tendo os ocupantes permanecido
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insanável, não tem como prosperar.
O fato conhecido era o de que a Fazenda Tambury se encontrava ocupada desde o ano de
2006. No entanto, não houve como identificar quem eram os reais ocupantes e a sua perenidade
quando do auto circunstanciado de inspeção realizado no ano de 2009, bem como naquele
realizado no ano de 2013. Ao contrário, o Sr. Oficial, em 2009, afirmou haver revezamento de
famílias e, em 2013, se constatou apenas que, no momento da inspeção estavam presentes os
representantes do movimento que também fazem parte das Associação de Trabalhadores Rurais
denominada Lindaura Lacerda.
Nada há nos autos que prove que as mesmas famílias que iniciaram a ocupação sejam as
mesmas que ali permaneceram. Ao contrário, as estruturas, plantações, residências ali encontradas
são precárias e não condizentes com uma ocupação de mais de 08 (oito) anos.
Desta forma, a realidade fática, que demonstrava incerteza quanto aos réus, deu supedâneo
suficiente à decisão que determinou a citação por edital, indo ao encontro da norma jurídica
esposada pelo MM Juiz Federal, não havendo que se falar em nulidade.
Neste sentido, inclusive, aponta a doutrina1. Vejamos:
“O art. 231, I, do CPC aponta para a citação por edital quando o réu for desconhecido ou incerto.
Quando não se sabe quem deve compor o pólo passivo da demanda, o réu será desconhecido,
como ocorre quando o autor não sabe quem sucedeu o de cujos. Quando não for possível a
individualização de quem deve compor o pólo passivo, ter-se-á réu incerto, como acontece nas
ações possessórias derivadas de invasões de terra promovidas por grupos organizados e sem
personalidade jurídica.”
Por outro lado, também não há a nulidade arguida pelo Defensor dativo às fls. 415/417
quando aduziu que “a frustrada audiência de Justificação Prévia, sem a devida citação do Réu, está
em contradição com a regra do artigo 928 do CPC, que determina a obrigatoriedade de citação do
demandado, “sob pena de nulidade” processual (Ver Notas de Theotonio NEGRÃO, Código de
Processo Civil e Legislação Complementar em Vigor)”.
É que a norma do artigo 928, do CPC, deve ser lida em consonância com aquela prevista
no artigo 930, do mesmo diploma legal, segundo a qual, “concedido ou não o mandado liminar de
manutenção ou reintegração, o autor promoverá, nos 5(cinco) dias subsequentes, a citação do réu
para contestar a ação.” Complementa o seu parágrafo único que “quando for ordenada a justificação
prévia (art. 928), o prazo para contestar contar-se-á da intimação do despacho que deferir ou não
a medida liminar.”
São duas situações distintas: uma, a ciência que se dá ao Réu para comparecer à audiência
de justificação prévia (artigo 928, CPC); outra, a citação que deve ser promovida nos 05 (cinco) dias
subsequentes à concessão ou não do mandado liminar de manutenção ou reintegração de posse,
para contestar a ação.
1
NEVES, Daniel Assumpção. FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Código de Processo Civil para concursos. 3ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2012.
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 O prazo para resposta terá início normalmente com a juntada do aviso de recebimento ou
do mandado citatório devidamente cumprido aos autos, cabendo ao autor requerer a citação do réu
no prazo de 5 (cinco) dias, contados da intimação da decisão liminar.
Neste sentido, aponta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
REINTEGRATÓRIA. POSSE. AUDIÊNCIA. JUSTIFICAÇÃO
1. A ciência que se dá ao réu da audiência de justificação, prevista no artigo 928, não corresponde a citação para os fins do artigo 213 do CPC, mas chamamento para acompanhar a assentada de justificação. 2. Realizada a audiência de justificação, concedida ou não a liminar, o autor promoverá a citação do réu para contestar, sendo que o prazo só terá início a partir da juntada aos autos do mandado de intimação da decisão que deferir ou não a liminar, nos termos dos artigo 930, parágrafo único do CPC. Precedentes citados: REsp 39.647-MG, DJ 23/5/1994; REsp 47.107-MT, DJ 8/9/1997, e AgRg no Ag 826.509-MT, DJe 11/9/2008. REsp 890.598-RJ, Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/11/2010.
No caso dos autos, nenhum prejuízo adveio ao Réu pela ausência de citação para
comparecer à audiência de justificação prévia. Como se vê pelo termo de fls. 197, a audiência restou
frustrada e não foi deferida medida liminar de reintegração de posse, conforme decisão de fls.
188/189.
Por fim, quanto ao argumento de ter sido inapropriado a 7ª Vara da Justiça Federal “indeferir”
o pedido de citação feito pelo Autor, determinando, extra petita, a citação editalícia dos Réus”,
restando fulminadas as regras dos artigos 232, I, e 231, I e II do CPC porque, sem que o Autor
afirmasse desconhecer o réu (requisito do art. 232), e que ignorasse onde encontrá-lo (art. 231),
não cabia ao insigne juiz extrapolar ao pedido formulado, determinando providências que só ao
Autor caberia requerer, também não há como prosperar.
Isso porque, mesmo se não tivesse requerido, fato é que o Autor aderiu à decisão, adotando
todas as providências necessárias para o regular andamento do feito. Ademais, atravessou diversas
petições nas quais afirmou a existência de rodízio entre os ocupantes da fazenda, levando ao Juízo
o entendimento de que se tratavam de pessoas incertas.
Ante a certidão informando que os Réus citados por edital (fls. 239) não contestaram a ação,
o MM Juiz Federal, evitando eventuais nulidades, nomeou curador aos réus incertos o qual
apresentou CONTESTAÇÃO (fls. 290/291), afastando qualquer tipo de prejuízo.
Desta forma, considerando dever ser o processo uma marcha para frente e não
vislumbrando qualquer espécie de prejuízo, declaro a validade da citação e afasto a preliminar
arguida.
Por fim, não havendo mais provas a serem produzidas, entendo estar a causa pronta para
julgamento, o que passo a fazê-lo em seguida.
3. DO MÉRITO
Sobre a ação de reintegração de posse, necessário se faz destacar importantes aspectos
legais. Vejamos.
O primeiro ponto diz respeito à (des)necessidade de formação de litisconsórcio necessário
no pólo ativo da demanda. Sobre referido tema, diz o §2º do artigo 10 do Código de Processo Civil:
§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados.
Sobre composse, institui o Código Civil em seu artigo 1.999 que “se duas ou mais pessoas
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não
excluam os dos outros compossuidores”.
A jurisprudência, sobre o tema, se firmou no sentido de dispensar a formação do
litisconsórcio ativo necessário ainda no caso de composse. Nesse sentido, colaciona-se o seguinte
julgado:
SERVIDÃO CIVIL DE PASSAGEM. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DO CÔNJUGE DO AUTOR NO PÓLO ATIVO DA DEMANDA. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE REGISTRO DO GRAVAME NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Na ação possessória, o cônjuge mesmo sendo co-possuidor, não necessita figurar no pólo ativo da demanda, pois o co-possuidor pode postular a proteção possessória independentemente de outorga uxória. 2. (...). 3. (...). 4. (...). (TJ-PR - AC: 5479985 PR 0547998-5, Relator: Lauri Caetano da Silva, Data de Julgamento: 04/11/2009, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 270).
Desta forma, no caso dos autos, embora o autor tenha se declarado casado e a lide não
tenha sido ajuizada em litisconsórcio ativo com seu cônjuge, nenhuma invalidade há a ser
reconhecida na esteira do quanto acima exposto.
Quanto aos pedidos possíveis, o artigo 921, do Código de Processo Civil, autoriza:
Art. 921. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de: I - condenação em perdas e danos; Il - cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho; III - desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento de sua posse.
Quanto à condenação em perdas e danos, é cediço que estes devem ser individualizados e
provados nos autos. Do contrário, estar-se-ia tutelando danos hipotéticos e indo de encontro à
Teoria dos Danos Efetivos albergada pelo artigo 403, do Código Civil, o qual estabelece que “ainda
que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e
os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”
(grifo nosso).
No caso dos autos, em que pese o Autor tenha requerido a indenização pelos danos sofridos,
em momento algum estes foram individualizados nos autos, não tendo o Requerente se
desincumbido de provar as alegações genéricas explicitadas nas diversas petições acostadas.
Entendimento diverso, também violaria a norma de direito processual civil que estabelece o
ônus da prova, prevista no artigo 333, inciso I, do diploma processual, a qual preconiza que “o ônus
da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito”.
Acerca da proteção possessória, diz o artigo 926, do diploma processual civil que “o
possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho”. O
artigo 927, por sua vez, impõe que “incumbe ao autor provar: I - a sua posse; Il - a turbação ou o
esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse,
embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração”.
Sobre a perda da posse, estabelece o artigo 1.224, do Código Civil, que “só se considera
perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de
retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido”.
Neste ponto, as provas produzidas nos autos militam em favor das alegações autorais.
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A posse anterior do autor se encontra provada:
1. Pelo OFÍCIO/INCRA/BA/T/Nº 305/2005 (fls. 62/65), cujo assunto se reporta ao “Resultado
do Julgamento do Recurso Administrativo”, relativo à Vistoria n.º 54160.003770/2004-32, o qual
afirma em sua conclusão que “no período da vistoria foi constatado 06 (seis) funcionários
registrados e (1) um com contrato de parceria”;
2. Pelas fotografias de fls. 124/135;
3. Pela certidão emitida no Laudo de Vistoria de fls. 150, da qual se extrai a informação de que
“naquela fazenda existe, introduzidas pelo autor ALVARO HERMANO (onde o mesmo ocupa há
13 anos) cerca de 50 (cinquenta) alqueires de pastagens, 03 (três) casas, 01 (um) galpão, 01 (um)
curral equipado com um tronco, embarcador e balanção; criação de animais: cerca de 900
(novecentos) cabeças de gado bovino e 30 (trinta) animais de montaria; uma rede de energia
hidrelétrica com cerca de 7,5 quilômetros de extensão e outros bens como cercas e outros.”
O esbulho praticado pelos réus e a respectiva data, qual seja 05/12/2006, se encontram
provados também pela certidão de fls. 150, corroborada pelas fotografias de fls. 136/137, bem como
pela notícia extraída no sítio da internet, juntada às fls. 225/227, que não restou impugnada nos
autos.
A perda da posse, por sua vez, restou evidenciada, entre outros documentos, pelo auto
circunstanciado de inspeção judicial de fls. 383, o qual comprova que mesmo após o decurso do
prazo aproximado a 08 (oito) anos do esbulho, o autor se absteve de retomar a coisa por esforço
próprio, optando pela via judicial, estando o bem hoje em poder dos membros da Associação de
Trabalhadores Rurais denominada Lindaura Lacerda.
Comprovados os requisitos legais exigidos, não há alternativa a este Juízo senão o de
reconhecer o direito à reintegração do autor na posse do imóvel esbulhado.
Antes, contudo, para o deslinde da causa, importa ainda evidenciar a que título a posse foi
exercida pelos réus durante o tempo de ocupação e quais os efeitos jurídicos da respectiva proteção
possessória. Nesse sentido, cumpre apontar os seguintes dispositivos legais.
Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária. Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção. Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. (...) Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos,
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação. (...) Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa. Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
A posse dos réus se deu de maneira clandestina. Neste sentido, aponta a notícia do sítio da
internet juntada às fls. 225/227, incontroversa nos autos, a qual narra, entre outros fatos, que
“Após um ano de beira de estrada, foi que ocupamos a fazenda Tambury, ou seja, entramos para dentro da propriedade. Pois pensamos na questão de: se a gente realmente não ocuparmos vão aparecer outros que ocuparão. Na verdade o conflito não aconteceu diretamente com o latifundiário em si. Aconteceu de forma indireta impedindo a empresa comprar a terra para o plantio do eucalipto. Entramos na madrugada do dia 05/12/2006 e tudo aconteceu de forma tranquila”(sic).
Quanto ao elemento subjetivo da posse, a esta Magistrada, que esteve no local da
ocupação, conversou com as famílias que lá se encontram, bem como recebeu em seu gabinete o
autor desta demanda e com ele também teve oportunidade de conversar sobre os fatos, cumpre
destacar que existe uma peculiaridade que não pode ser olvidada, cuja conclusão também emerge
da prova dos autos. Explico.
Necessário se faz distinguir o movimento de luta pela terra e sua liderança das famílias que
efetivamente adentraram ao imóvel. Não é possível afirmar se todas ou apenas parte delas, mas o
fato é que tais famílias, ao adentrarem no imóvel, acreditavam que o estavam fazendo com
autorização e anuência do proprietário, em razão deste estar em processo de negociação com o
INCRA para a desapropriação amigável.
Esta versão dos fatos, apresentada àquelas famílias foi capaz de convencê-las porque,
primeiro, ficaram acampadas às margens da fazenda pelo período compreendido entre o dia
10/01/2006 a 05/12/2006; segundo, tiveram ciência da publicação do decreto de 14 de novembro
de 2006, que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural denominado
Tambury (fls. 61); terceiro, porque quando da ocupação, não encontraram resistência por parte do
proprietário, o qual, inclusive, só adotou medida judicial de reintegração da posse após mais de 01
(um) ano de ocupação da propriedade; quarto, porque o INCRA procedeu à vistoria e avaliação do
imóvel em maio de 2007; e, por fim, entre as famílias permaneceram trabalhadores da fazenda,
tudo isso indicando que a posse não estava se dando de forma clandestina nem precária.
Por outro lado, o elemento subjetivo boa-fé permaneceu entre os ocupantes também devido
à demora na solução da lide, vez que, após receberem a visita de um oficial de justiça no ano de
2009, as famílias que ocuparam a fazenda somente foram ter contato com algum agente estatal
que desconstituísse a versão de que a ocupação era lícita, no ano de 2014, quando esta magistrada
lhes levou o conhecimento acerca do imbróglio processual que circunda a lide.
Durante todo este tempo, fato é que as famílias que estiveram na fazenda Tambury, mesmo
em sistema de revezamento, permaneceram plantando, colhendo e acreditando que haveria a
desapropriação do imóvel e a distribuição dos lotes como resultado de um processo democrático
de reforma agrária.
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 O auto circunstanciado de inspeção judicial de fls. 383 comprova que as culturas cultivadas
pelas referidas famílias que compõem a Associação de Trabalhadores Rurais denominada Lindaura
Lacerda foram avaliadas em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), fato incontroverso nos autos,
vez que não foi impugnado por nenhuma das partes quando tiveram oportunidade de sobre ele se
manifestarem.
Desta forma, reconhecida a boa-fé dos ocupantes durante o período em que estiveram na
posse do imóvel, impõe-se reconhecer em favor destes o direito aos frutos e benfeitorias
necessárias e úteis, determinando que o depósito de fls. 424 seja levantado em favor dos membros
da Associação que voluntariamente por eles foi criada.
Por fim, cumpre-nos abordar a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela na hipótese
dos autos.
Em primeiro lugar, a posse da fazenda Tambury, quando do ajuizamento da presente ação
já era velha, ou seja, os ocupantes, réus incertos, já se encontravam acampados na fazenda há
mais de 01 (um) ano e 01 (um) dia, como acima já reconhecido. Desta forma, não é possível deferir
a liminar na forma prevista no artigo 924 c/c artigo 928, do Código de Processo Civil.
Contudo, firme é a jurisprudência no sentido não haver impedimento na concessão da
antecipação da tutela com lastro no artigo 273, do Código de Processo Civil. Vejamos.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE (BENS IMÓVEIS) AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. POSSE VELHA. REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC NÃO POSITIVADOS. O deferimento de liminar, em ação de reintegração de posse, exige o atendimento dos requisitos dispostos no art. 927 do CPC. Entretanto, somente em hipóteses excepcionais é possível conceder a proteção possessória mediante tutela antecipada, na forma do art. 273 do CPC, ante a real possibilidade de causar dano irreparável. (…) (TJ-RS - AI: 70048000426 RS , Relator: Pedro Celso Dal Pra, Data de Julgamento: 19/04/2012, Décima Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/04/2012)
Prescreve o artigo 273, do Código de Processo Civil:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. § 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
No caso dos autos há prova inequívoca, não apenas da verossimilhança, mas do direito
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 perseguido pelo Autor, conforme toda a análise processual até aqui escandida.
O perigo na demora se encontra nos efeitos deletérios do tempo em detrimento da
produtividade do imóvel ocupado. Restou demonstrado que as famílias que ali se encontram
acampadas não conseguiram dar ao imóvel a exploração suficiente para a subsistência com
dignidade dos que ali se encontram, quiçá explorá-lo em seu potencial máximo. Neste sentido, são
os laudos de fls. 150, 383 e 427/436).
Ademais, quanto mais tempo o imóvel permanecer ocupado, mais tempo estará impedido o
processo de reforma agrária almejado pelo movimento de luta pela terra, tendo em vista a
conjuntura processual até aqui desenvolvida. Em outras palavras, o prazo de 02 (dois) anos para a
retomada do processo expropriatório imposto pela lei e reconhecido pela Justiça Federal, ficará
impedido enquanto não houver a desocupação do imóvel.
Por outro lado, o depósito de fls. 424 cauciona os valores relativos aos frutos e benfeitorias
realizados pelos ocupantes e encontrados no imóvel no mês de janeiro do corrente ano, momento
em que cessou a boa-fé na ocupação deste ante o conhecimento da conjuntura jurídica que envolve
a lide pelas famílias ocupantes.
Alfim, havendo reversão da conjuntura jurídica e eventual retomada do processo
expropriatório pelos órgão competentes, nada impede que as famílias retornem à posse do imóvel,
contudo, de maneira legítima.
4 . DISPOSITIVO
Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, julgo parcialmente procedente o
pedido para reintegrar o autor na posse do imóvel fazenda TAMBURY, objeto da lide, bem como
determinar aos réus que se abstenham de praticar qualquer ato destinado a molestar a posse do
autor, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00.
Determino que sejam os ocupantes da fazenda Tambury intimados para cumprirem voluntariamente a ordem de reintegração no prazo máximo de 05 (cinco) dias, sob pena de uso de
força policial, que, de logo, fica deferida. Antecipo os efeitos da tutela nesta sentença, com fulcro no artigo 273, do Código de
Processo Civil.
Condeno, ainda, os réus ao pagamento das custas processuais e dos honorários
advocatícios, que, com base em uma apreciação equitativa, fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais),
nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Contudo, suspendo a respectiva
exigibilidade nos termos da Lei 1.060/50, em face da assistência judiciária gratuita que ora lhes
defiro.
Intimem-se, para ciência da presente decisão e adoção de todas as providências que o caso
requer:
1. O Comando da Polícia Militar da 80ª CIPM, para acompanhar a desocupação do imóvel,
inclusive, com uso de força se necessário se fizer, mas em especial para garantir a integridade física
de todos os envolvidos;
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Telefone: (77) 3439-2130 / 2140 2. A Secretaria de Assistência Social do Município, a fim de que acompanhe o processo de
desocupação do imóvel e assista às famílias envolvidas, encaminhando-as aos programas
municipais de assistência social necessários, devendo apresentar relatório circunstanciado no
prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data da desocupação.
Após o trânsito em julgado e a desocupação do imóvel, determino o levantamento do
depósito de fls. 424 em favor da Associação de Trabalhadores Rurais denominada Lindaura
Lacerda, condicionando a expedição do alvará à apresentação a este Juízo, por escrito, da
anuência de todos os membros quanto ao levantamento e o destino da quantia depositada.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Não obstante as disposições do art. 322 do Código
de Processo Civil, intimem-se os réus pessoalmente para tomar ciência dos termos desta sentença,
entendidos estes como os representantes da Associação de Trabalhadores Rurais denominada
Lindaura Lacerda e todos os demais que se encontrarem ocupando o imóvel fazenda Tambury na
data da intimação desta sentença.
Encruzilhada/BA, 7 de março de 2016.
Janine Soares de Matos Ferraz Juíza Substituta