poema - Álvaro de campos - "ali não havia electricidade"

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PORTUGUÊS 12.º Ano de Escolaridade GRUPO I A Leia, atentamente, o texto a seguir transcrito. Ali não havia electricidade. Por isso foi à luz de uma vela mortiça Que li, inserto na cama, O que estava à mão para ler — A Bíblia, em português (coisa curiosa!), feita para protestantes E reli a «Primeira Epístola aos Coríntios». Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província Fazia um grande barulho ao contrário, Dava-me uma tendência do choro para a desolação. A «Primeira Epístola aos Coríntios»... Relia-se à luz de uma vela subitamente antiquíssima, E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim... Sou nada... Sou uma ficção... Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo? «Se eu não tivesse a caridade». E a soberana luz manda, e do alto dos séculos, A grande mensagem com que a alma é livre... «Se eu não tivesse a caridade»... Página 1 de 3 Prof.ª Paula Marçal

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Page 1: Poema - Álvaro de Campos - "ali não havia electricidade"

PORTUGUÊS12.º Ano de Escolaridade

GRUPO I

A

Leia, atentamente, o texto a seguir transcrito.

Ali não havia electricidade.

Por isso foi à luz de uma vela mortiça

Que li, inserto na cama,

O que estava à mão para ler —

A Bíblia, em português (coisa curiosa!), feita para protestantes

E reli a «Primeira Epístola aos Coríntios».

Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província

Fazia um grande barulho ao contrário,

Dava-me uma tendência do choro para a desolação.

A «Primeira Epístola aos Coríntios»...

Relia-se à luz de uma vela subitamente antiquíssima,

E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim...

Sou nada...

Sou uma ficção...

Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?

«Se eu não tivesse a caridade».

E a soberana luz manda, e do alto dos séculos,

A grande mensagem com que a alma é livre...

«Se eu não tivesse a caridade»...

Meu Deus, e eu que não tenho a caridade!...

20-12-1934

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).  - 69.

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1. Identifique dois traços caracterizadores do espaço que rodeia o sujeito poético, justificando com elementos do texto.

2. Refira as sensações representadas no poema, transcrevendo os elementos do texto em que se fundamenta.

3. Comente a expressividade do advérbio “subitamente” (v. 11)

4. Indique três dos processos que contribuem para marcar o ritmo do poema, fundamentando a resposta com elementos do texto.

5. Explicite a expressividade do recurso estilístico presente em: “E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim.” (v. 12)

6. Identifique três marcas características da poesia de Álvaro de Campos neste poema, justificando.

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