poema do aviso final. torquato neto

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POEMA DO AVISO FINAL Torquato Neto* É preciso que haja alguma coisa alimentando o meu povo; uma vontade um certeza uma qualquer esperança. É preciso que alguma coisa atraia a vida ou tudo será posto de lado e na procura da vida a morte virá na frente e abrirá caminhos. É preciso que haja algum respeito, ao menos um esboço ou a dignidade humana se afirmará a machadadas." A RUA Torquato Neto* toda rua tem seu curso tem seu leito de água clara por onde passa a memória lembrando histórias de um tempo que não acaba de uma rua de uma rua eu lembro agora que o tempo ninguém mais ninguém mais canta muito embora de cirandas

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Page 1: Poema Do Aviso Final. Torquato Neto

POEMA DO AVISO FINAL

Torquato Neto*

É preciso que haja alguma coisa alimentando o meu povo; uma vontade um certeza uma qualquer esperança. É preciso que alguma coisa atraia a vida ou tudo será posto de lado e na procura da vida a morte virá na frente e abrirá caminhos. É preciso que haja algum respeito, ao menos um esboço ou a dignidade humana se afirmará a machadadas."

A RUA

Torquato Neto*

toda rua tem seu curso tem seu leito de água clara por onde passa a memória lembrando histórias de um tempo que não acaba de uma rua de uma rua eu lembro agora que o tempo ninguém mais ninguém mais canta muito embora de cirandas

Page 2: Poema Do Aviso Final. Torquato Neto

(oi de cirandas) e de meninos correndo atrás de bandas atrás de bandas que passavam como o rio parnaíba rio manso passava no fim da rua e molhava seu lajedos onde a noite refletia o brilho manso o tempo claro da lua ê são joão ê pacatuba ê rua do barrocão ê parnaíba passando separando a minha rua das outras, do maranhão de longe pensando nela meu coração de menino bate forte como um sino que anuncia procissão ê minha rua meu povo ê gente que mal nasceu das dores que morreu cedo luzia que se perdeu macapreto zé velhinho esse menino crescido que tem o peito ferido anda vivo, não morreu ê pacatuba meu tempo de brincar já foi-se embora ê parnaíba passando pela rua até agora agora por aqui estou com vontade e eu vou volto pra matar essa saudade ê são joão ê pacatuba ê rua do barrocão.

Page 3: Poema Do Aviso Final. Torquato Neto

*Torquato Pereira de Araújo Neto (Teresina PI, 1944 - Rio de Janeiro RJ, 1972). Cursou Jornalismo no Rio de Janeiro, por volta de 1966, mas não chegou a concluir a faculdade. Nos anos seguintes compôs letras musicadas por Gilberto Gil ("Geléia Geral", "Louvação"), Caetano Veloso ("Deus Vos Salve a Casa Santa", "Ai de Mim", "Copacabana", "Mamãe, Coragem") e Edu Lobo ("Lua Nova", "Pra Dizer Adeus"). Entre 1970 e 1972 atuou nos filmes Nosferatu no Brasil e A Múmia Volta a Atacar, de Ivan Cardoso, e Helô e Dirce, de Luiz Otávio Pimentel. No período também criou e redigiu a coluna Geléia Geral no jornal carioca Última Hora. Em 1973 ocorreu a publicação póstuma de seu livro de poesia Os Últimos Dias de Paupéria, organizado por Ana Maria S. de Coraújo Duarte e Waly Salomão. Três anos depois, foram incluídos alguns de seus poemas na antologia 26 Poetas Hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda em 1976. Em 1997 foram publicados quatro de seus poemas na antologia bilíngüe Nothing the Sun Could Not Explain, organizada por Michael Palmer, Régis Bonvicino e Nelson Ascher. Torquato Neto foi um dos compositores mais inovadores da canção popular dos anos de 1970.(www.antoniomiranda.com.br)

Torquato Neto é certamente o mais famoso dos poetas trágicos do Piauí. O anjo torto deu fim à própria vida depois de comemorar seus 28 anos em uma festa com amigos no Rio de Janeiro. Nas semanas anteriores ao suicídio, Torquato doou sua coleção de literatura de cordel, queimou vários de seus textos e destruiu a máquina de escrever. Na madrugada fatídica, se despediu dos amigos com abraços e beijos. Em seu “Poema do aviso final”, pediu esperança. “É preciso que alguma coisa atraia a vida ou a morte: ou tudo será posto de lado e na procura da vida a morte virá na frente e abrirá caminho”. (www.overmundo.com.br)