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    27 VOL 19 No1 JUN/JUL/AGO 2010

    Carisma e prestgio: a diplomacia do

    perodo Lula de 2003 a 2010Rubens Ricupero

    The election of a worker for the Presidency and his extraordinary success and popularity after two consecutiveterms have so strongly marked the image of Brazil that is hard to separate what in that image is due to thepresident and what in it is more specific to the brilliant path of the country. Nevertheless, Brazils internationalprestige has not been enough to allow it to become a permanent member of UN Security Council, to concludethe Doha Round with gains in agriculture, to reform the IMF and World Bank in accordance with our interests,to revitalize Mercosur, to eliminate the constant frictions with Argentina, to pave the way for trade agreementsand so on. These examples show that prestige may not become a goal in itself, but it needs to be put at theservice of tangible objectives that could facilitate the realization of a national project for maximizing safety,peace and the well-being of Brazilians. In this respect, unfortunately it is not clear what the current foreignpolicy wishes to achieve.

    Dando vazo decepo pelos desen-tendimentos recorrentes com a Argenti-na, escrevia o baro do Rio Branco em1909: H muito a nossa interveno noPrata est terminada (...). O (...) interessepoltico (do Brasil) est em outra parte.

    para um ciclo maior que ele atrado. Desin-teressando-se das rivalidades estreis dos pa-ses sul-americanos, entretendo com esses Esta-dos uma cordial simpatia, o Brasil entrouresolutamente na esfera das grandes amizadesinternacionais, a que tem direito pela aspiraode sua cultura, pelo prestgio de sua grandezaterritorial e pela fora de sua populao.

    Cem anos depois, o texto nos desperta

    a sensao de antecipar estranhamente osentido aproximado da poltica externados ltimos oito anos: uma diplomaciaque vem tentando maximizar o prestgioextrado de oportunidades surgidas naesfera das grandes amizades internacionais

    (o grupo BRICs formado pelo Brasil com aRssia, a China e a ndia ou o IBAS, comesta ltima e a frica do Sul, o G-20), limi-tando-se no mbito sul e latino-americanoa conter os danos (Mercosul, atritos co-merciais com a Argentina) e disfarar a

    frustrao com a impossibilidade de efeti-va integrao econmico-comercial emtorno do Brasil.

    Cobrindo praticamente a primeira d-cada do sculo, entre 2003 e 2010, a atua-o internacional do governo Lula se inse-riu em contexto diferenciado do que o

    Rubens Ricupero diretor da Faculdade de Economia e

    Relaes Internacionais da Fundao Armando lvaresPenteado (FAAP). Foi embaixador nos Estados Unidose na Itlia, secretrio-geral da Conferncia das NaesUnidas sobre Comrcio e Desenvolvimento (Unctad),de 1995 a 2004, e ministro da Fazenda do governoItamar Franco, em 1994. Tambm foi ministro do MeioAmbiente e da Amaznia.

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    precedeu na dcada anterior por trs ca-ractersticas marcantes:

    1) Em termos globais pelo aparecimentode espao propcio afirmao de novopolicentrismo em reao ao unilatera-lismo da estratgia de George W.Bush, da invaso do Iraque e suas se-quelas, do relativo enfraquecimentodo poder e do prestgio americanos,do impacto da crise econmico-finan-

    ceira e, por ltimo, da aceitao pelogoverno Obama dessa mudana darealidade.

    2) No domnio econmico, de incio (2003--2008) por fase sem precedentes deexpanso da economia mundial (pre-os das commodities, liquidez finan-ceira, juros baixos), seguida por crisefinanceira aguda que desorganizou e debi-litou de preferncia as economias ociden-tais de capitalismo avanado, reforandoos efeitos da emergncia da China eprecipitando a aceitao do G-20 comoinstncia substituta do G-7 na coordena-o econmica global.

    3) Na Amrica Latina, por um vazio deliderana provocado pela acentuaodo desvio da ateno dos EUA e peloapagamento temporrio do Mxico eda Argentina, assim como pelo aumentodas divergncias e da heterogeneidade deregimesem decorrncia das experin-cias radicais de refundao encar-nadas na Venezuela de Chvez, naBolvia de Morales e no Equador deCorrea.

    As duas primeiras tendncias se refor-

    aram uma outra, abrindo possibilida-des inditas para atores intermediriosfavorecidos por condies de estabilidadepoltico-econmica e dotados de capacida-de de formulao e iniciativa diplomticascomo o Brasil no comeo de 2003. Supera-

    dos os solavancos econmicos iniciais,graas ao equilbrio com que soube resta-

    belecer a confiana abalada, o governoLula foi o afortunado herdeiro de umaNova Repblica que havia consolidado ademocracia de massas, a coeso socialinterna e a estabilidade dos horizonteseconmicos.

    Em nada lhe diminui o mrito reconhe-cer que o presidente Luiz Incio Lula daSilva desfrutou de excepcionais vantagens

    internas e internacionais para viabilizaruma poltica exterior de ambiciosa proje-o do pas. A existncia desses fatores condio indispensvel para o floresci-mento e o sucesso de qualquer polticaexterna. A diplomacia levada avante pelobaro do Rio Branco, por exemplo, s po-de se efetivar porque Prudente de Moraise Campos Salles haviam preparado o ca-minho ao superar a turbulenta fase inicialda Repblica, dando a Rodrigues Alves eseus imediatos sucessores a estabilidadeinterna e a prosperidade econmica neces-srias a uma poltica externa afirmativa.

    No extremo oposto, a Poltica ExternaIndependente de Jnio Quadros, desen-volvida sob Joo Goulart pelos chancele-res San Tiago Dantas e Arajo Castro,acabou vtima da conjuno da GuerraFria externa com a instabilidade poltica eeconmica interna que desaguaria no gol-pe militar de 1964. Apesar de conceitual-mente mais afinada com as novas realida-des mundiais, ela s seria retomada nogoverno Geisel pelo ministro Azeredo daSilveira sob as condies mais propciasda abertura do regime.

    Embora a diplomacia de Lula desperte

    considervel controvrsia, no chega a sermudana radical de paradigma comoocorreu quando a Poltica Externa Inde-pendente substituiu de forma duradourao paradigma anterior de Rio Branco, Joa-quim Nabuco e Oswaldo Aranha.

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    CARISMA E PRESTGIO: A DIPLOMACIA DO PERODO LULA DE 2003 A 2010

    Eixos da diplomacia

    Movida pela aspirao de aproveitaras oportunidades surgidas sobretudo emmbito global, a poltica externa do gover-no Lula se desdobrou desde o incio aolongo de quatro eixos principais:

    1o) a obteno do reconhecimento doBrasil como ator poltico global deprimeira ordem no sistema interna-cional policntrico em formao, oque normalmente se vem traduzindopela busca de um posto permanenteno Conselho de Segurana da ONU,mas pode assumir eventualmente ou-tras modalidades de realizao comoos recm-criados agrupamentos doG-20, BRICs e IBAS;

    2o) a consolidao de condies econmi-cas internacionais que favoream odesenvolvimento a partir das vanta-gens comparativas brasileiras concen-tradas na agricultura, objetivo que seexpressa primordialmente na conclu-so da Rodada Doha da OMC, mas seestende tambm aos temas financeirossob a gide do G-20;

    3o) a dimenso reforada emprestada srelaes Sul-Sul, ensejada naturalmen-

    te pela forte e visvel emergncia daChina, ndia, frica do Sul, pela re-tomada do crescimento africano e ex-pressa na proliferao de foros decontatos, alguns superpostos aos ge-rais (IBAS, BRICs em parte), outrosoriginais, (AFRAS, ASPA, BRASIL-CARICOM, etc.);

    4o) a edificao de espao poltico-es-

    tratgico e econmico-comercial decomposio exclusiva sul-americana(implicitamente de prepondernciabrasileira no resultado, se no na in-teno), a partir da expanso gradualdo Mercosul.

    Presentes como objetivos gerais, quasepermanentes, ainda que sob forma diversa

    no passado, os eixos da diplomacia adqui-riram nfase maior ou enfoque diferenteno governo atual, seja em razo de inova-es doutrinrias da poltica de Lula, sejaem funo da alterao das circunstnciasou do aparecimento de oportunidades. Aprioridade dada candidatura ao Conse-lho de Segurana seria inconcebvel se atentativa de reforma ambiciosa da ONU

    empreendida por Kofi Annan em 2005 notivesse antes colocado a questo na agendainternacional. De forma similar, a centrali-dade que se conferiu Rodada Doha sedeveu, em parte, ao calendrio: sua con-cluso, se tudo corresse bem, teria ocorri-do dentro do mandato deste governo.

    O balano provisrio dos resultadosalcanados pela diplomacia mostra que,dependendo do tema, os avanos variam,da mesma forma que varia a distnciaentre as pretenses brasileiras e a realida-de. Em nenhum dos casos se atingiramplenamente os objetivos, mas a frustraono se deve sempre a culpas ou deficin-cias de nossa parte. De modo simplificadono seria exagero dizer que, nos dois pri-meiros eixos, o governo brasileiro quer,mas no pode; no da Amrica do Sul, po-de, mas no quer.

    Trocando em midos, na Organizaodas Naes Unidas e na OrganizaoMundial de Comrcio, ainda que o Brasilfaa tudo certo, sua capacidade de in-fluenciar os acontecimentos no sufi-ciente para resolver os impasses da ma-neira que desejamos. Por mais que nosesforcemos, no se logrou at agora pro-

    duzir consenso para reformar o Conselhode Segurana, nem para concluir a Roda-da Doha, quanto mais para faz-lo deacordo com os interesses do Brasil. Querdizer: mais um problema de insuficin-cia de poder ou vontade poltica, no s

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    do Brasil, mas dos demais, que de falta depoltica apropriada de nossa parte.

    No quer isso dizer que no se hajafeito nada. Ao contrrio, em ambos os fo-ros a atuao brasileira, at equvocos re-centes como a guinada na poltica em rela-o ao Ir (no caso do Conselho), havia-nosposicionado de forma favorvel a tirarbom partido de eventual retorno de condi-es propcias a um avano.

    Em termos do Conselho de Segurana,

    a poltica do atual governo claramente sedemarca da do anterior, cuja tendncia erade no valorizar tanto a questo ou deconceber a eventual candidatura brasileiranuma espcie de condomnio com a Ar-gentina a fim de no prejudicar o relacio-namento com o vizinho. inegvel que oBrasil conquistou neste momento uma si-tuao diferenciada em relao a outrosaspirantes latino-americanos como o M-xico e a Argentina, distanciando-se comoo favorito para ocupar uma cadeira quevier acaso a ser destinada Amrica Lati-na. Reflexo principalmente do prpriocrescimento econmico e estabilidade bra-sileiras, a percepo diferenciada deve sertambm creditada ao ativismo e senso deoportunidade da atual poltica externa.

    Os esforos de articular agrupamentosdiplomticos inditos com a Rssia, a n-dia e a China (BRICs) ou com a ndia e africa do Sul (IBAS) oferecem a vantagemdo fato consumado: pelo prprio peso es-pecfico, sem qualquer necessidade de de-legao dos outros, o Brasil tornou-se efe-tivamente o representante da AmricaLatina nesses grupos. No por acaso, elesrenem os membros permanentes do Con-

    selho de Segurana (China e Rssia) e osaspirantes a essa posio que tm em co-mum a circunstncia de no serem aliadosdos Estados Unidos na Organizao doTratado do Atlntico Norte (OTAN). Seriauma espcie de clube dos candidatosnaturais ao reconhecimento de um status

    internacional mais elevado em cada umdos trs continentes: ndia (sia, a candi-

    datura do Japo ficando por conta dosnorte-americanos), frica do Sul (frica) eBrasil (Amrica Latina). Os foros Sul-Sulservem para realar que o Brasil o atormais global entre os latino-americanos,muitos dos quais confinados a uma diplo-macia meramente regional.

    O desafio ainda no superado, tantopara o Brasil quanto para os demais, con-

    siste em formular uma plataforma de aoconjunta que signifique na prtica um va-lor adicional em relao ao G-20 e que,para isso, unifique o comportamento in-ternacional de pases com interesses toheterogneos como os dos dois gruposmencionados. Ambos so como o G-20expresso do mesmo fenmeno: a procurapor instituies e mecanismos de coorde-nao e de governana global. Diante dobloqueio da possibilidade de criar estrutu-ras globais novas ou de reformar as exis-tentes dentro do processo legitimador porexcelncia da Carta da ONU, como seriaideal e desejvel, a emergncia de gruposde geometria varivel como esses demons-tra que existe espao para a inventividadediplomtica de pases como o Brasil, frus-trados pelo impasse onusiano. At o pre-sente, no entanto, esses agrupamentos nose mostraram capazes de ir alm de docu-mentos declaratrios genricos, sem im-pacto perceptvel naquilo que seria sua fi-nalidade natural: conseguir que os quatroBRICs atuem em unssono no aprimora-mento da governana global.

    Essa tarefa tem ficado virtualmente porconta do G-20, cuja transformao de foro

    de ministros da Fazenda e presidentes debancos centrais no mbito tcnico do FMI-Banco Mundial em instncia poltica su-prema de coordenao macroeconmicaresultou do alastramento mundial da crisefinanceira e foi impulsionada pelo gover-no de George W. Bush, confirmado pelo

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    seu sucessor. No seio do grupo, o Brasiltem sido ativo no esforo de promover

    reformas nas instituies de Bretton Woo-ds e na regulamentao financeira quemelhor reflitam os interesses de pases emdesenvolvimento.

    Se houve, portanto, diferenas ineg-veis em relao ao governo anterior nanfase dada ao Conselho de Segurana,bem como nas oportunidades antes ine-xistentes sobre agrupamentos inditos,

    existe nas negociaes da OMC muitomais continuidade do que mudana na li-nha negociadora seguida pelos governosbrasileiros ao longo de muitos anos, pri-meiro no GATT, mais tarde na sua suces-sora, a Organizao Mundial do Comr-cio. Mesmo as eventuais alteraes seafiguram quase sempre desdobramentosnaturais impostos por novas fases da Ro-dada Doha, originando-se nos governospassados muitas das posies e alianasutilizadas na OMC.

    O recurso abertura de contenciososexemplares como o dos subsdios ao algo-do contra os Estados Unidos (posterior-mente contra os subsdios da Unio Euro-peia ao acar) uma boa ilustrao dacontinuidade de poltica de Estado, poishavia sido iniciado pelo governo do presi-dente Fernando Henrique Cardoso. tambm raro exemplo entre ns de coor-denao com rgos competentes na subs-tncia como o Ministrio da Agricultura eentidades privadas representativas dosprodutores, cuja colaborao, inclusive nofinanciamento da causa, se revelou decisi-va. Ademais, data igualmente da adminis-trao do ministro Celso Lafer a deciso

    de estabelecer na estrutura do Itamaratyum setor especializado em contenciosoprovido dos recursos humanos capazes deempreender uma ao de extraordinriacomplexidade tcnica e jurdica como foi adessa indiscutvel vitria da diplomaciacomercial brasileira.

    Outro exemplo da continuidade bsicana poltica do Brasil nas negociaes co-

    merciais multilaterais o da criao doGrupo dos Vinte da OMC, inovao tticaque se deveu iniciativa, acolhida pelochanceler Celso Amorim, do ento embai-xador do Brasil na OMC, Luiz Felipe deSeixas Corra, que havia sido justamenteo secretrio-geral do Itamaraty na gestoanterior, do ministro Lafer.

    Na Amrica do Sul, o Brasil no pode

    tudo, mas pode algo. Em tese, a diploma-cia brasileira teria tido condies de agirmais ou de agir de modo diferente. Porexemplo, entre o Uruguai e a Argentina,para ajudar, como facilitador, dois vizi-nhos prioritrios e membros do mesmoacordo de integrao a superarem o confli-to em torno da instalao de empresas depapel em solo uruguaio. Antes da senten-a da Corte Internacional de Justia, naHaia, os dois governos atravessaram anosde tenses e desentendimentos, com im-plicaes negativas para outras reas (porexemplo, o veto uruguaio a Nestor Kirch-ner que paralisou por meses a escolha dosecretrio-geral da UNASUL).

    O Uruguai e a regio do Rio da Prataso, incontestavelmente, as reas do mun-do onde o Brasil possui mais longa tradi-o de envolvimento, melhor conhecimen-to direto das situaes e mais numerosas elegtimas razes para desejar um desen-volvimento pacfico. no mnimo incon-sistente que um governo de vocao ativis-ta a ponto de se oferecer como facilitadorem zonas como a do Oriente Mdio, ondeso muito mais tnues nossos laos e capa-cidade de influncia, no tenha sequer

    tentado desempenhar papel construtivode aproximao entre os mais ntimos deseus dois vizinhos (desinteressando-se dasrivalidades estreis dos pases sul-americanos).

    Dir-se- que o governo se absteve justa-mente por conhecer bem os protagonistas,em especial a personalidade imprevisvel

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    e inabordvel do presidente argentino.Teria, assim, agido por prudncia, como

    talvez houvesse feito a chancelaria brasi-leira num passado em que s vezes o prin-cpio de no ingerncia servia de pretextopara esconder o medo de errar e de agra-var o problema. Nessa poca, a interpreta-o talvez exagerada da no ingerncia emassuntos internos e externos de terceirostinha no mnimo o mrito de ser coerentee invarivel.

    Tivesse sido essa nossa poltica per-manente no atual governo, teramos o di-reito de nos congratularmos agora que oproblema foi resolvido sem envolvimentonem desgaste nosso. No caso concreto,comparando-se com a omisso em relaoaos conflitos sul-americanos, no se enten-de que cautela semelhante no nos tenhaaconselhado a evitar mergulhar de formatemerria em reas onde, como reza a sen-tena inglesa, at os anjos tm medo depousar os ps. No tentamos ou no fo-mos capazes de levar a paz a venezuela-nos e colombianos ou reconciliar estescom os equatorianos, todos vizinhos pr-ximos, alguns de evidentes afinidadesideolgicas com o presidente e seu parti-do (outra vez o desinteresse das rivalidadesestreis). No entanto, em situaes infinita-mente mais intratveis, desafiadoras hdcadas dos mais influentes poderes mun-diais a elusiva busca da paz entre israe-lenses e palestinos, os intrincados pro-blemas nucleares do Ir nos oferecemoscomo mediadores (a atrao por um ciclomaior), sem que se perceba bem o motivoque justifique, em tais casos, uma auto-confiana talvez excessiva.

    Essas contradies ilustram bem o con-traste entre resultados de prestgio colhi-dos pela diplomacia brasileira nos doisprimeiros eixos, em comparao com de-sempenho sensivelmente mais mitigadono eixo de direta influncia brasileira, oimediato entorno da Amrica Latina e do

    Sul. Aqui tambm no faltou espao paraafirmar o prestgio e o talento de criar

    foros novos (o Conselho de Defesa) ourebatizar com nomes novos grupos pre-existentes (como a Comunidade de Na-es Sul-Americanas ou CASA, transfigu-rada em Unio de Naes Sul-Americanasou UNASUL). No se deixou at de esta-belecer uma OEA sem Estados Unidosou Canad, curiosamente iniciativa doMxico, o primeiro pas latino a se asso-

    ciar no Nafta, aos dois gigantes desenvol-vidos do hemisfrio norte num acordo delivre comrcio e, talvez por isso, preocu-pado em atenuar seu isolamento em rela-o aos ibero-americanos.

    Esse tipo de diplomacia (no s doBrasil) merece talvez o qualificativo degestual, no sentido de que a ausncia decondies objetivas ou de resultados pal-pveis menos importante do que o gesto.s vezes se assemelha a umafuite en avant:o aumento da dose de remdio que noest dando certo, um pouco como a anota-o feita por clebre orador peruano margem de pargrafo de um discurso argumento dbil, reforzar el nfasis.

    At pouco tempo atrs, a diferena deestilos e resultados entre os eixos globaise regionais chegava a alimentar a verso daexistncia de uma suposta dualidade decomandos diplomticos, correspondendoa uma espcie de diviso de reas de in-fluncia entre a chancelaria e a assessoriainternacional da presidncia, se no deforma sistemtica e permanente, ao menosem alguns assuntos ou determinados mo-mentos. Todavia, nesses ltimos dez a dozemeses, o padro de tentar ignorar ou supe-

    rar a realidade por meio do voluntarismo eda retrica miditica tende a se disseminardo continente para reas mais distantescomo sugere a busca de cenrios improv-veis para o exerccio do protagonismo di-plomtico entre israelenses e palestinos ouna explosiva questo nuclear do Ir.

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    Falhas e equvocos naAmrica Latina

    O ingresso da Venezuela no Mercosul um dos exemplos de decises de gravesimplicaes na Amrica Latina sobre oqual at hoje a opinio pblica tem dificul-dade em compreender a motivao brasi-leira e o prprio desenrolar do processodecisrio. A impresso que se colheu nomomento do convite formulado por Nes-

    tor Kirchner, quando a Argentina exercia apresidncia do bloco, foi de que ele nohavia sido precedido de consultas entretodos os membros, nem de avaliao cui-dadosa das implicaes. Uma anlise cri-teriosa teria provavelmente demonstradoa falta de sentido em promover a entradade pas que s poderia aumentar os pro-blemas agudos de que sofre o grupo, entre

    eles, a ausncia de compatibilidade entreorientaes macroeconmicas, adicionan-do um complicador ideolgico, o socialis-mo do sculo XXI, economia de mercadodos demais. Se j existe impacincia cres-cente com a pesada mquina decisria daunio aduaneira e as dificuldades, supos-tas ou reais, que ela cria para a negociaode acordos comerciais com terceiros, aadio de governo atritado com inmerosoutros como o venezuelano apenas difi-cultaria ainda mais os impasses.

    Detentor do maior peso especfico nogrupo, teria sido normal que o Brasil pon-derasse que as adeses a acordos comer-ciais de extrema ambio como as uniesaduaneiras demandam longo processoprvio de negociao tcnico-comercial,como ocorre na Organizao Mundial doComrcio at para o simples ingresso naOrganizao. No seria necessrio antago-nizar o regime de Chvez, nem invocarargumentos de ordem ideolgica, massimplesmente lembrar e fazer respeitarum princpio elementar de negociao co-

    mercial. O governo poderia ter feito algonessa linha, mas preferiu no fazer.

    A questo aqui no seria tanto de faltade poder, mas da falta de vontade paraexercer tal poder da forma mais adequadapara defender os direitos e promover osinteresses do Brasil, utilizando o diferen-cial em nosso favor. Sendo essa a regio domundo onde a influncia brasileira, nopassado e no presente, sempre se fez sen-tir de modo mais forte e imediato, o natu-

    ral que nela se concentrassem as maioresrealizaes da diplomacia ou se refletissecapacidade superior para superar obst-culos, persuadir recalcitrncias, edificarobra concreta. Paradoxalmente, entretan-to, a maioria das divergncias sobre falhase equvocos da poltica exterior se refere aassuntos sul ou latino-americanos.

    Os contornos da controvrsia sobre aorientao diplomtica atual coincidemem larga medida com esse domnio, in-cluindo: a persistente incapacidade de re-solver os contnuos atritos e contenciososcom a Argentina em matria comercial; apassividade e falta de iniciativa corretivafrente ao descrdito do Mercosul; a incom-preensvel renncia aos meios pacficos dodireito internacional em defesa de direitosbrasileiros atropelados no incidente daviolao boliviana de tratados e contratossobre o gs; a imprudente ingerncia naseleies bolivianas e paraguaias por moti-vo de simpatias ideolgicas; a parcialida-de na campanha contra o acordo militarentre a Colmbia e os Estados Unidos, emcontraste com a omisso diante de iniciati-vas de compra de armamentos de Chvezou de suas frequentes provocaes aos

    colombianos; a falta de senso de medida eequilbrio em relao ao golpe hondure-nho, ao mesmo tempo em que se manti-nha incoerente complacncia frente a regi-me controvertido como o cubano, semfalar no iraniano.

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    Muitas dessas dificuldades nos foramimpostas por uma adversa evoluo na

    regio nestes ltimos anos, que se proces-sou em direo oposta convergncia devalores e modelos de organizao polti-co-econmicos registrada na Europa e nomundo aps o fim do comunismo. NaAmrica do Sul, ao contrrio, a integraoe at o bom convvio normal tm sido di-ficultados por processos radicalizados derefundao e lideranas polarizadoras de

    tenses e conflitos, internos e externos.Uma leitura realista da situao exigiriareconhecer os limites do que possvelfazer com esses governos. Abriria espao,por outro lado, a uma diplomacia alter-nativa mais sintonizada com os pasesque adotam posturas econmicas e polti-cas centristas mais prximas s nossas.No por acaso, esses pases so aquelesque, pelo tamanho ou desempenho eco-nmico, ofereceriam oportunidades maispromissoras: Mxico, Chile, Colmbia,Peru, Uruguai.

    No obstante a evidente ausncia dosrequisitos objetivos mnimos, a diploma-cia do governo atual insistiu em edificarum espao poltico-econmico que utili-zasse no o conceito de Amrica Latina,mas apenas o da Amrica do Sul. Em pro-jetos de carter territorial justifica-se optarpor esse gnero de integrao exclusiva,como sucedia com a Iniciativa para a Inte-grao da Infraestrutura Regional Sul-Americana ou IIRSA do governo passado. muito mais difcil estender o critrio areas mais amplas e complexas como asdo comrcio e da defesa, que dependemno da contiguidade territorial, mas da

    compatibilidade de vises polticas e eco-nmicas. Em contexto regional de aumen-to da divergncia de modelos, de descon-fianas e animosidades, projetos como oda UNASUL ou do Conselho de Defesacorrem risco considervel de passarem histria como meras expresses de uma

    diplomacia gestual cujo potencial se esgo-ta em reunies que constituem um fim em

    si mesmo, sem maiores consequncias.O mnimo que se deveria exigir de taisgrupos que lograssem o que a Argentina,o Brasil e o Chile tinham consolidado noAcordo do ABC, j no comeo do sculoXX, a saber, a reafirmao da mais estritaobservncia do princpio de no ingern-cia nos assuntos internos dos vizinhos e ocompromisso de no permitir a presena

    ou aes de movimentos armados nas zo-nas fronteirias.Objetivo como esse teria de constituir a

    precondio bsica de qualquer unio depases, parecendo, entretanto, fora do al-cance de uma organizao que se intitulacom alguma pretenso de Unio de Na-es Sul-Americanas. Sem esse mnimodos mnimos, no se concebe que a Co-lmbia, pas que luta h meio sculo con-tra guerrilhas e narcotraficantes, aceitasseabrir mo da assistncia militar dos Esta-dos Unidos. Por desejvel que seja evitar apresena militar americana no continente,no se v bem qual alternativa existiriapara que Bogot obtivesse os recursos e oknow-how de que necessita. O Brasil, impo-tente diante do controle exercido pelo nar-cotrfico em morros do Rio de Janeiro elonge de poder oferecer assistncia militare policial a quem quer que seja, dispe deescassa autoridade para censurar os co-lombianos por buscarem quem os ajude.

    presumir demais da prpria impor-tncia querer exigir de um vizinho amea-ado por problemas de guerrilha e denarcotrfico que escolha entre ns e osEstados Unidos em matria de defesa con-

    tra tais flagelos. Situao idntica prevale-ce no mbito econmico e comercial nocaso daqueles pases latinos e sul-america-nos e no so poucos para os quais omercado norte-americano representa 50%ou mais do destino de suas exportaes. OBrasil no tem evidentemente condies

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    CARISMA E PRESTGIO: A DIPLOMACIA DO PERODO LULA DE 2003 A 2010

    de rivalizar com os EUA como mercadoimportador ou fonte de investimento, uma

    vez que h dcadas acumulamos com qua-se todos os sul-americanos saldos comer-ciais crescentes. Nem mesmo dentro doMercosul o pas conseguiu desempenhar opapel de mercado impulsionador do cres-cimento do Uruguai e do Paraguai.

    No surpreende, assim, que at no m-bito restrito da Amrica do Sul, trs pasesmdios e talvez no por acaso os de me-

    lhores fundamentos e desempenho econ-mico, o Chile, o Peru e a Colmbia, tenhamoptado pela frmula dos acordos de livrecomrcio com os EUA. Inviabilizou-seassim a possibilidade de uma zona comer-cial puramente sul-americana, gerando aomesmo tempo para as exportaes brasi-leiras o perigo de tratamento discriminat-rio frente s de procedncia americana.

    As negociaes da ALCA no conse-guiram infelizmente produzir um terrenode equilbrio e entendimento entre asexpectativas demasiado ambiciosas de Wa-shington e concesses norte-americanas,especialmente em agricultura, que aten-dessem aos interesses do Brasil e do Mer-cosul, proporcionando-nos no mercadoamericano tratamento preferencial equi-valente ao dos outros. Na ausncia doacordo de livre comrcio deveria ter-seimposto a prioridade de negociar algumarranjo alternativo que preenchesse o v-cuo desvantajoso da falta de prefernciaspara os produtos brasileiros nos mercadosdos Estados Unidos e dos latinos signat-rios de acordos do tipo da ALCA.

    Esse vazio ilustra a persistente incapa-cidade de alcanar com os Estados Unidos

    uma relao madura e construtiva da qualum elemento indispensvel teria de seruma base de crescentes vantagens mtuasno comrcio e na complementao de ca-deias produtivas e exportadoras. Tentou-se durante a administrao de George W.Bush revitalizar essas relaes, superando

    o impasse da ALCA com uma colaboraoem torno do etanol. Alm de obviamente

    estreito demais para fundamentar umarelao mais vasta, o esforo no foi capazde sobrepujar o protecionismo em relaoao etanol de milho americano, cujas not-rias insuficincias ambientais at contami-naram por associao a reputao do eta-nol brasileiro.

    Desencontros com osEstados Unidos

    paradoxal que no governo Obama orelacionamento com Washington principiea denunciar sinais de um alargamento dasdivergncias em torno de uma agendanegativa em expanso: o manejo do golpede Honduras e agora da situao ps-elei-toral naquele pas; o acordo de cooperaomilitar da Colmbia com os Estados Uni-dos; as responsabilidades americanas peloimpasse da Rodada Doha e, ultimamente,o complexo de questes relativas ao Ir, aseu programa nuclear e maneira de tra-tar com o regime iraniano.

    Independentemente do mrito das po-sies que o governo brasileiro sustenta

    nesses assuntos, inegvel que os ameri-canos tm mantido comportamento maisprofissional e sbrio que o dos nossos di-rigentes, que no se privaram de externarcrticas gratuitas e pouco construtivasposto que feitas de pblico e pela impren-sa, fora do contexto do dilogo diplomti-co ou dos foros competentes. A tensooriunda da multiplicao de tais desen-

    contros comea a encontrar expresso naimprensa e no Congresso dos EUA, e stem sido disfarada na rea oficial peloreconhecimento do papel moderador doBrasil num contexto sul-americano con-turbado por personalidades mais abrasivase provocadoras que as dos nossos lderes.

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    Pondo de lado o aplauso dos setores hos-tis aos americanos, vale indagar: o que

    ganha o Brasil com essas atitudes poucoconducentes soluo serena dos espi-nhosos pomos de discrdia evocados?

    No faltam, por conseguinte, questesde contedo na diplomacia atual capazesde alimentar diferenas honestas de ava-liao e julgamento, dissolvendo o relati-vo consenso multipartidrio que prevale-ceria na vspera de fundao da Nova

    Repblica, a julgar pelo discurso de finsde 1984, no qual Tancredo Neves declara-va: (...) se h um ponto na poltica brasi-leira que encontrou consenso em todas ascorrentes de pensamento, esse ponto apoltica externa levada a efeito pelo Itama-raty. Transcorridos 25 anos dessas pala-vras, a simples leitura dos jornais ou oacompanhamento dos debates no Con-gresso so suficientes para indicar que es-se consenso deixou de existir.

    Crise do consenso brasileiro

    A crise do consenso brasileiro pro-duto no s das questes substantivas dapoltica externa propriamente dita, mastambm da poltica interna da diplo-macia, isto , a maneira como ela formu-lada e apresentada opinio pblica, aseus formadores, aos polticos e o modocomo percebida por esses ltimos. Dessaperspectiva, a responsabilidade maior ca-be a comportamentos concentrados nosseguintes fatores que afetam a possibilida-de de edificar consensos em poltica exte-rior: a nfase na ruptura, em lugar da

    continuidade; o excesso de protagonismoe glorificao da liderana pessoal de Lu-la; a autossuficincia na formulao e con-duo; a politizao partidria e ideologi-zao da poltica externa.

    Os dirigentes atuais, destacando-senisso o presidente, no souberam em geral

    resistir tentao de se atribuir o crditototal pelos eventuais xitos que tiveram.

    Buscaram fazer crer que era novo e semprecedentes tudo o que empreendiam. Demaneira geral, Lula e seus colaboradoresno Itamaraty tiveram a possibilidade deadmitir e valorizar, nos assuntos que apre-sentavam autntica continuidade com opassado, a parcela maior ou menor, queteriam acaso herdado de governos ante-riores, mas preferiram apropriar-se de to-

    do o mrito em nome do governo atual ede seu partido.Naturalmente opo sem surpresa,

    mas seguramente no ser a melhor emtermos de construo de consensos. H,com efeito, nessa matria uma espcie detrade off: no possvel monopolizar ocrdito para o governo e seu partido e es-perar, ao mesmo tempo, que os injusta-mente excludos do reconhecimento sesintam partes integrantes dessa poltica.

    Abuso do protagonismo,glorificao personalista

    So traos indiscutveis desta fase pol-tica brasileira o abuso do protagonismo e

    o excesso de glorificao personalista,criando a impresso de que se dependecada vez mais das qualidades de desem-penho do lder supremo. Alis, a polticaexterna no constitui exceo no panora-ma geral de um governo, cujos ministrosso quase annimos. Da maioria deles seignora at o nome, quanto mais o que fa-zem ou deixam de fazer.

    Nenhum desses defeitos costuma faci-litar o consenso interno ou externo em di-plomacia. Basta pensar num exemplo con-trrio, o do presidente Truman, ao lanar omacio programa de ajuda aos europeusno sob seu nome, mas debaixo da tutelado ex-chefe do Estado-Maior durante a

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    guerra, o general Marshall, consideradoento o maior americano vivo.

    Quanto autossuficincia, perceptvelna excluso de muitos dos mais talentosose experientes diplomatas brasileiros, mar-ginalizados das decises importantes e desua execuo, ela se manifesta tambm noisolamento em relao a setores influentesda sociedade brasileira. O dilogo com li-deranas empresariais e econmicas, noque se refere ao comrcio exterior, tem se

    revelado insuficiente. Na questo crucialdo aquecimento climtico, tema onde adiplomacia brasileira teria tudo para de-sempenhar papel decisivo, caso deixassede insistir em discurso defensivo obsoleto, flagrante a falta de sintonia com a comu-nidade cientfica e ambientalista nacional.

    Em democracias maduras sempre seprocurou imprimir diplomacia um car-ter aberto participao efetiva mesmo daoposio. Nos Estados Unidos, por exem-plo, o modelo ideal de que se tem nostal-gia at nossos dias o do consenso bipar-tidrio com os republicanos no incio daGuerra Fria. Na Frana de Sarkozy, qual-quer que tenha sido sua motivao, o pre-sidente foi buscar no Partido Socialista seuministro de Assuntos Estrangeiros e nume-rosas personalidades convidadas a cum-prirem misses internacionais de relevo.No Brasil de hoje, seria difcil encontraralgum exemplo dessa tendncia salutar.

    O discurso de Tancredo deixava clarono ser uma poltica externa qualquer aque mereceria consenso, mas apenas alevada a efeito pelo Itamaraty. No setratava da poltica dos militares no poder,de um determinado governo ou faco,

    mas de uma poltica de Estado, acima dasdisputas internas e a servio da nao.Convm recordar que a etimologia da pa-lavra partido significa fragmentado,rompido, quebrado, parte do todo que anao. Quem faz diplomacia de partidomostra indiferena pelo esforo de con-

    verter tais aes em causas autenticamen-te nacionais.

    incompatvel com esse objetivo aexistncia de uma diplomacia paralelado Partido dos Trabalhadores junto a go-vernos ou movimentos ideologicamenteafins, exercida por meio de contatos forados canais diplomticos e emissrios co-mo o assessor de poltica externa da presi-dncia da Repblica. Tal diviso de esfe-ras de influncia converteu-se em causa

    de complicaes, de, que foram exemplosas incurses na poltica interna da Vene-zuela, em momentos de tenses naquelepas; a falta de iseno ideolgica com quese tem acompanhado a campanha eleito-ral em pases vizinhos; a parcialidade cita-da antes em relao ao acordo militar daColmbia com os EUA; o contraste entreas reaes ao golpe hondurenho e a com-placncia diante de Cuba ou do Ir e nu-merosos outros episdios.

    No h evidncias de que essas afini-dades ou simpatias tenham demonstradoeficcia ou utilidade perceptvel para en-caminhar solues satisfatrias quandosurgem questes espinhosas como as queopuseram o Brasil Bolvia. A diplomaciaparalela do PT parece, assim, servir maispara contaminar desnecessariamente apoltica exterior com suspeitas ideolgicasde que para qualquer propsito prtico.

    Tm-se multiplicado tambm, da partede alguns dos diplomatas de carreira empostos de comando, tendncia a engajar apoltica externa no desgnio poltico dogoverno, mediante a tentao de se com-portarem no como servidores imparciaisdo Estado, mas como militantes partid-

    rios. De novo ressalta aqui o contrastemarcante com situaes anteriores. O lti-mo chanceler de Goulart, por exemplo,embaixador Joo Augusto de Arajo Cas-tro, recusava invariavelmente participarde qualquer ato com sentido ou aparnciade poltica interna.

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    Mais do que um valor perfeito e abso-luto, inatingvel na prtica, o consenso

    sobre diplomacia objetivo desejvel sem-pre que possvel de edificar mediantecompromissos razoveis com a oposio,sem sacrifcio de valores mais altos. Umgrau maior ou menor de honesta diver-gncia pode ser at saudvel desde queno derive de uma subordinao instru-mental da poltica externa a ganhos parti-drios ou ideolgicos internos. Nesse caso,

    renuncia-se possibilidade de assegurar acontinuidade de polticas de Estado quedevem, em princpio, fazer apelo no afaces, mas ao conjunto dos cidados.

    Nesse particular, seria difcil encontrarmelhor explicao das vantagens poten-ciais da busca do consenso do que as pala-vras com que o baro do Rio Branco expli-cava por que se afastara em definitivo dapoltica interna e no tinha querido apro-veitar sua imensa popularidade para lan-ar-se candidato a presidente: (...) seriadiscutido, atacado, diminudo, desautori-zado (...) e no teria como presidente afora que hoje tenho (...) para dirigir asrelaes exteriores. Ocupando-me de assun-tos ou causas incontestavelmente nacionais,sentir-me-ia mais forte e poderia habilitar-me amerecer o concurso da animao de todos osmeus concidados (grifado por mim).

    A polarizao e radicalizao do deba-te sobre a poltica exterior vm se acen-tuando nos ltimos 12 meses, em paralelos mudanas perceptveis na diplomacia.Quase todas as questes que mais dividi-ram a opinio pblica se concentram nes-se perodo: a gesticulao exagerada emrelao ao golpe hondurenho, agravada

    atualmente pela inflexvel recusa em reco-nhecer o governo eleito; o desequilbrio nadenncia do acordo colombiano-america-no; as frequentes e gratuitas alfinetadasem Obama, inclusive a curiosa tentativade faz-lo comparecer reunio de Barilo-che da UNASUL para dar explicaes so-

    bre o acordo; a exacerbao do protagonis-mo no auto-oferecimento dos prstimos

    brasileiros entre Israel e os palestinos; aschocantes declaraes sobre direitos hu-manos durante a visita a Cuba e, numaespcie de smbolo e somatrio de todasessas tendncias, a aproximao com o Irem atitude que objetivamente serve paraajudar a legitimar regime violatrio dedireitos humanos, negacionista do Holo-causto e desafiador do objetivo de no

    proliferao nuclear.

    Evoluo do governo Lulanos ltimos meses

    Inseridas num quadro geral da evolu-o do governo Lula nos ltimos meses,essas peas aparentemente isoladas come-am a assumir forma coerente. De unstempos para c, 12 ou 14 meses talvez,nota-se tendncia do governo para extre-mar posies nos mais diversos campos. Afase politicamente conciliadora e econo-micamente ortodoxa que muitos, fora edentro do pas, tomaram como a opodefinitiva do governo, faz cada vez maisfigura de episdio temporrio e distante.

    Ditada, em grande parte, pela convenin-cia ttica diante da incerteza provocadapela eleio e a insegurana dos primei-ros tempos, essa fase cedeu lugar auto-confiana ocasionada pelo xito e pelapersistncia dos altos nveis de populari-dade do presidente.

    A conscincia do sucesso conflui paraum governo crescentemente afirmativo,

    que j no se resigna em viver sombra depolticas consagradas pela administraoanterior, nem encara como vlidos hojeem dia os elogios ambguos, que somenteo louvavam na medida em que teria tido amedocre docilidade de copiar o rival Fer-nando Henrique e o PSDB. A partir de

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    agora e a cada dia com mais razes nem seprecisa muito esforo para descartar as

    alegaes de continusmo, repetidas porpreguia mental e retardamento analtico,apesar de no encontrarem amparo na rea-lidade atual.

    Outro poderoso fator a impulsionar odesejo de firmar identidade prpria e in-confundvel provm da aproximao dofim do governo e da necessidade de pre-parar um programa doutrinrio para dar

    fundamento de ideias e propostas cam-panha sucessria. A consequncia lquida um conjunto de definies aparentemen-te independentes umas das outras, masque vai aos poucos desenhando a silhuetade um projeto autnomo, afastado do neo-liberalismo e do Consenso de Washington,distinto dos primeiros e incertos ensaiosdo prprio governo e de ntida diferencia-o em relao oposio PSDB-Demo-cratas-PPS.

    A caracterstica central de poltica ma-croeconmica do novo projeto, contras-tante tambm com os tempos do ministroPalocci, reside na promoo do desenvol-vimento como produto do consumo demassa e da expanso dos gastos, oportu-namente justificada pela crise e executadapor mquina governamental aumentada ereforada. Alm dessa marca distintiva, oprojeto se diferencia por inmeras e signi-ficativas mudanas, algumas em fase deformulao ou de execuo incompleta.Com inteno meramente exemplificativa,no difcil identificar as principais linhasda evoluo.

    Em contraste com a privatizao, ideia--fora do governo FHC, Lula encarna o

    retorno do Estado, tendncia reforadapela crise global. Resolveu at criar novaempresa estatal para o pr-sal, apesar daexistncia, nesse domnio, do Ministriode Minas e Energia, do Conselho Nacionaldo Petrleo e da Petrobras. Alis, o pr-sal oportunidade de ouro para anular a po-

    ltica de leiles e concesses do governopassado em matria de Petrobras e explo-

    rao de petrleo. A direo da Petrobras,os sindicatos da categoria, que nunca acei-taram as reformas privatizantes e limitati-vas do monoplio, aproveitam a ocasiofavorvel para tentar recuperar tanto quan-to podem do monoplio perdido.

    A Eletrobrs e a Telebrs so ressus-citadas do limbo. Os projetos de ParceriaPblico-Privada (PPP), estrela do comeo

    do governo, em 2003, parecem to arqui-vados e esquecidos como o Fome Zero, oPrimeiro Emprego e outros slogans queno saram do papel. At iniciativa queserviu, tempos atrs, para dar incio pro-moo da imagem da ministra-chefe daCasa Civil os leiles para concessesde rodovias federais nunca mais foramretomados.

    No faltam outros exemplos do reforodo Estado. Sem ser exaustivo, basta lem-brar alguns, tais como as interfernciasnas agncias reguladoras; a utilizao dosfundos de penso como brao auxiliar dogoverno at em leiles de hidreltricas; aexpanso do Banco do Brasil e a mobiliza-o da Caixa Econmica e dos bancos ofi-ciais para concorrer com a banca privadana oferta de crdito de modo a fazer bai-xar os custos de intermediao financeira.

    Os movimentos sociais, um tanto afas-tados e crticos at data recente, voltam arecuperar influncia conforme atesta o re-cente e polmico Plano de Direitos Huma-nos, alm do programa acentuadamenteradicalizado do PT. Aumenta igualmentea influncia das centrais sindicais. Em vezdas reformas flexibilizadoras da legislao

    trabalhista e sindical reclamadas pelos li-berais internos e externos, o presidente e oPT abandonam sua luta histrica contra aestrutura corporativa herdada do regimeVargas. Consolidam a aliana com as cen-trais sindicais, com suas expresses polti-cas o PDT, o PTB ao mesmo tempo em

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    que multiplicam e expandem os progra-mas de transferncia de renda e de conces-

    ses aos aposentados.No segundo governo, o presidencia-lismo de coalizo passa a ser dominadopela coligao PT-PMDB. Ela lembra, emmais de um aspecto, a velha aliana PTB-PSD da poca de Getulio Vargas, refern-cia consciente e explcita sempre presenteno discurso de Lula e modelo a imitar porquem deseja passar histria, segundo

    declarou, como o segundo Vargas. Meiosculo atrs, a boa fortuna de Getulio,transmitida a Juscelino Kubitschek, sedeveu aliana entre o partido dos sin-dicatos, da legislao trabalhista e dasmassas urbanas com a agremiao dos in-teresses conservadores alheios a qualquerideologia, a comear pela do liberalismo, afaco dos chefes tradicionais ligados aomeio rural e s oligarquias estaduais. Nosseus primrdios, o PT no se parecia tantoao PTB, mas medida que se torna partedo establishment,as semelhanas so cadavez mais indisfarveis, inclusive no fisio-logismo e na corrupo.

    Ao fundo herdado de Vargas no faltao aliciamento do estabelecimento militarpor meio de projetos macios de rearma-mento como os do submarino nuclear edos avies caas, que evocam alguns dosgrandiosos e malogrados desgnios da po-ltica de Brasil, Grande Potncia do regi-me militar. O culto da potncia militar no alheio a um indireto repdio da adesoao Tratado de No Proliferao Nuclearefetuada durante o governo de FernandoHenrique Cardoso, que se manifesta emdeclaraes no oficiais, mas repetidas, de

    funcionrios graduados e, acima de tudo,na resistncia cada vez mais clara a assi-nar o Protocolo Adicional do TNP e naaproximao com o Ir. A mesma tendn-cia transparece na opo preferencialpela Frana para a compra de armas, se-lando uma espcie de gaulismo Norte-Sul.

    igualmente perceptvel na exageradadimenso do programa de retomada de

    usinas nucleares e no rolo compressor queesmagou os pruridos de Marina Silva e doIBAMA na questo do licenciamento demegaprojetos na Amaznia.

    A base social que sustenta a coligaopartidria a do retorno da aliana tradi-cional de sindicalistas, ativos ou converti-dos em dirigentes de fundos de penso,tecnocratas da administrao direta ou de

    empresas estatais como a Petrobras, seto-res militares, industriais, heris do agro--negcio, enfim boa parte da burguesianacional, atualizada com a adeso dosquadros enriquecidos com o sistema fi-nanceiro e atrados principalmente pelobastio ortodoxo do Banco Central. pro-duto brasileiro da gema, sem parentescocom o bolivarianismo, muito menos com osocialismo do sculo 21, tampouco dandoqualquer mostra de se deixar tentar pelasexperincias traumticas das refundaesda Venezuela, da Bolvia e do Equador.

    Concluses

    A poltica externa no uma anomaliano sistema que produziu essas alianas.Nem se encontra em oposio ao espritoda poltica econmica, como se suspeitariana era Palocci. O governo Lula no foi sem-pre o mesmo, havendo diferenas subs-tantivas e de estilo entre os anos da orto-doxia econmica, da preponderncia deJos Dirceu e do mensalo, e a fase hetero-doxa de crescimento, de casamento com oPMDB e da direo de Dilma Roussef. Da

    mesma forma que o governo, a diploma-cia tem sido um work in progress, corres-pondendo fielmente evoluo do regimeLula e acompanhando suas transforma-es, dos difceis e incertos comeos doprimeiro mandato apoteose triunfalistado segundo.Mesmo as diferenas de abor-

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    dagem que se percebiam entre a ao daassessoria da presidncia, mais sintoniza-

    da com o partido e o Itamaraty foramesmaecendo com o tempo. A deciso doministro Celso Amorim de assumir a con-dio de militante do PT simblicadessa convergncia.

    O prestgio do Brasil, que j vinha emalta, alcanou seu nvel mais elevado. Acurva ascendente parte da estabilizaoda economia em 1994 e ganha fora nos

    oito anos de Fernando Henrique Cardoso.Das causas da percepo positiva do pasalgumas tendem a se tornar quase estrutu-rais, embora datem de menos de vinteanos: a estabilidade macroeconmica; aexpanso do potencial do mercado; a con-solidao democrtica; a alternncia pac-fica no poder de correntes partidrias dis-tintas, mas geralmente prximas do centro;a moderao e o pluralismo da vida pol-tico-partidria; a conscincia da necessi-dade de reformas sociais; o desapareci-mento da ameaa de golpes militares e asubordinao das Foras Armadas ao po-der civil; a ausncia de violncias ou ten-ses tnicas, religiosas, culturais.

    Outras so de natureza conjuntural oupessoal. Fernando Henrique Cardoso jera admirado por sua obra intelectual epelo relacionamento que estabeleceu comestadistas como Clinton ou Blair. Duranteo governo atual se registraram fatores po-sitivos novos ou a acentuao dos anterio-res. A descoberta do pr-sal certamenteaumentou a importncia econmica e es-tratgica do Brasil. Agiram no mesmo sen-tido a acelerao do crescimento econmi-co, o impacto relativamente limitado da

    crise financeira, a reduo da pobreza e dadesigualdade e a divulgao mundial deprogramas como o da bolsa-famlia.

    O carter inusitado da eleio de umoperrio para a presidncia e seu extraor-dinrio xito e popularidade aps doismandatos consecutivos imprimiram mar-

    ca to fortemente pessoal imagem inter-nacional do Brasil que fica rduo separar o

    que nessa imagem se deve ao presidente eo que corresponde mais irradiao espe-cfica do pas. De um lado, a biografia, ahistria de vida fascinante do pobre e ex-cludo que se fez a si mesmo, chegando aotopo do mundo. Do outro, a personalida-de carismtica, o talento para negociar, afacilidade de comunicao fizeram deLula, coadjuvado eficazmente por diplo-

    mata experiente e arrojado como o minis-tro Celso Amorim, uma figura de realcenuma atualidade caracterizada por per-sonalidades de meia tinta. O cenrio mun-dial demonstrou ser to sensvel ao caris-ma quanto os regimes populistas ou oslatino-americanos.

    O prestgio internacional decorrentedessa soma de fatores no foi suficiente, verdade, para permitir que o Brasil se con-vertesse em membro permanente do Con-selho de Segurana da ONU, para concluira Rodada Doha com ganhos em agricultu-ra, reformar o FMI e o Banco Mundial deacordo com nossos interesses, revitalizar oMercosul, pacificar as relaes entre pa-ses da Amrica do Sul e fazer retornar es-ses pases a uma convergncia de valorese aspiraes, eliminar de vez os constantesatritos com a Argentina, abrir caminhopara acordos comerciais significativos pa-ra neutralizar a falta de preferncias nocontinente e no mundo, em outras pala-vras, para se traduzir em resultados con-cretos, mensurveis, efetivos.

    Esses exemplos mostram que o prest-gio no pode se converter num objetivoem si mesmo e que se esgote na prpria

    autogratificao. Precisa ser posto a servi-o de metas tangveis que facilitem a reali-zao de projeto de nao que maximize asegurana, a paz, o bem-estar dos cida-dos, o que os autores da Declarao deIndependncia dos Estados Unidos deno-minaram de busca da felicidade.

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    nesse ponto que no se vislumbracom clareza o que deseja alcanar com a

    poltica externa o atual governo. nicodos quatro BRICs que no potncia nu-clear nem militar convencional, o Brasilno deixou por isso de acumular doseaprecivel de prestgio, elemento constitu-tivo do poder, do soft power, aquele quenasce do exemplo, da liderana moral ecultural. Ora, o governo transmite a im-presso de que comea a dar as costas ao

    que lhe valeu esse prestgio, preferindoimitar a procura do poder tradicional pe-las grandes potncias que sempre denun-ciou nos outros.

    Compromete o prestgio ao substituiros exemplos positivos pelos contraexem-plos: na insensibilidade pelos direitos hu-manos, no s em Cuba ou no Ir, mas noConselho de Direitos Humanos da ONU;no alinhamento com a postura defensiva

    da China e da ndia na questo do aqueci-mento global, desperdiando a possibili-

    dade de desempenhar papel consagradorde artfice do consenso decisivo entre pa-ses ricos e pobres; na omisso da defesa doaperfeioamento da democracia contra astendncias de retrocesso da Amrica Lati-na ao poder personalista, autoritrio e ple-biscitrio; na triste atitude de concorrerpara o enfraquecimento do regime multi-lateral de no proliferao nuclear, aumen-

    tando os riscos para a segurana mundial.Em resumo, a poltica exterior brasilei-ra sofre do defeito de sua qualidade: iden-tifica-se em excesso, ao ponto da indistin-o e de intransferibilidade, com o carismapessoal do presidente Lula, beneficia-sedo prestgio que decorre de suas inegveisvirtudes e padece igualmente de suas con-tradies e confuses em matria de valo-res ticos e democrticos.