política monetária e ciclo económico: uma tentativa de explicação da crise financeira de...
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8/3/2019 Poltica Monetria e Ciclo Econmico: Uma Tentativa de Explicao da Crise Financeira de 1891, por Lus Aguiar Sa
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Poltica Monetria e Ciclo EconmicoUma Tentativa de Explicao da Crise Financeira de
1891Lus Aguiar Santos
Poltica Monetria e Ciclo Econmico
Uma Tentativa de Explicao da Crise financeira de 1891#
1. Introduo
2. As crises financeiras, o ciclo econmico e a pertinncia da teoria austraca
3. Os antecedentes da crise de 1891
4. O precipitar da crise e a substituio de uma inflao por outra5. Os efeitos da crise e o arrastar da depresso
6. Concluso
7. Referncias bibliogrficas
1. Introduo
A crise financeira de 1891 um assunto obrigatrio da histria portuguesa do sculo XIX. A
ela est ligado o fim de um perodo de grande estabilidade monetria e cambial e de relativo
crescimento econmico. O longo perodo de estagnao que vai afectar a economiaportuguesa desde ento e at ao ps II Guerra Mundial acompanhado por uma situao
monetria muito diferente daquela que vigorou entre 1854 e 1891.
A crise de 1891 foi uma crise financeira porque as finanas do Estado e o sistema bancrio
entraram ento em colapso. Depois, esta crise financeira tornou-se imediatamente uma crise
econmica, porque provocou uma estagnao do crescimento da riqueza. A relao entre
estes dois aspectos tem sido mais sugerida que explicada. Os dados abundam, os
argumentos so, em geral, coincidentes entre os vrios autores mas o nexo causal que liga
a crise financeira do Estado crise econmica vago e, na melhor das hipteses, est
apenas implcito.
Os pressupostos tericos de que partem os autores que tm escrito, desde h mais de cem
anos, sobre a crise de 1891 no so claros e muitas vezes desdenham a prpria teoria,
como se esta fosse mais um embarao do que a via correcta de ler os acontecimentos e os
dados estatsticos. Este estudo pretende propor mais uma leitura desta crise, mas luz de
um teorema explicativo das crises financeiras e do ciclo econmico.
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Este texto est publicado emAnlise Social
vol. XXXVI n. 158/159 (Primavera-Vero 2001), pp.185207, com o ttulo de A crise financeira de 1891: uma tentat iva de explicao e uma verso
aumentada da seco 5.1. de Santos (2004).
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2. As crises financeiras, o ciclo econmico e a
pertinncia da teoria austraca
O aperfeioamento, no sculo XIX, das instituies bancrias especializadas nofinanciamento de grandes investimentos, facilitou a mobilidade e embarateceu o acesso ao
capital . O processo permitia que a poupana, isto , a acumulao de bens com valor
transaccionvel, fosse canalizada para o processo produtivo por outrem que no o agente
dessa poupana. O sistema bancrio permitiu sempre, deste modo, a quebra da rigidez que
resultaria da permanncia da poupana nas mos dos seus agentes: ao tornar-se
depositrio desses bens com valor transaccionvel, o banco canaliza-os para outros
agentes, gerindo uma teia de informaes respeitantes s disponibilidades dos depositantes
(credores) e capacidade de reembolso dos devedores. O banco , assim, uma agncia
que realiza economias de escala relativamente aos custos de informao e transaco,
sendo simultaneamente um agente racionalizador da alocao de capitais .
A gesto desta teia de informaes complica-se quando os bancos introduzem incentivos
sob a forma de taxas de juro, as mais altas possvel sobre os depsitos e as mais baixas
possvel sobre os emprstimos. Complica-se tambm quando, ao abrigo de um sistema de
reserva fraccional, os bancos emprestam em maior quantidade do que aquela totalizada
pelas suas reservas e pelos depsitos . Neste caso, verifica-se uma inflao do crdito
bancrio: o dinheiro fresco penetra no mercado de emprstimos e baixa a taxa de juro de
emprstimo como se a oferta de poupanas para investimento tivesse crescido . Para uma
tradio de anlise econmica, esta inflao do crdito bancrio a responsvel pela
gestao do chamado ciclo econmico, com um boom de investimento seguido de umadepresso . A inflao do crdito funciona aqui como uma distoro da informao contida,
2 A grande afluncia de ouro Europa na dcada de cinquenta do sculo XIX aumentou a oferta
monetria e impulsionou a expanso do crdito. Atravs do sistema de reserva fraccional, este
aumento de metal em circulao permitiu um crescimento ainda maior da emisso de notas de banco,
que sustentaram trs booms de crdito, em 18527 (Gr-Bretanha, Alemanha, Frana), 18616
(sobretudo Gr-Bretanha) e 186973 (sobretudo Alemanha). Foi neste contexto que se desenvolveu o
mercado europeu de capitais com casas de desconto e grandes bancos comerciais e de investimento,
que disponibilizavam emprstimos para grandes investimentos em capital produtivo (minas, indstrias,
caminhos de ferro). A imobilizao de fundos em emprstimos de longo prazo desta natureza, feita ao
arrepio da prudente gesto bancria tradicional, conduziu ao colapso de muitas destas instituies (cf.
Landes, 1993, pp. 204210).3 A concepo do capital como um bem ou conjunto de bens com valor transaccionvel conduz s
reflexes de Hayek (1990, p. 56) sobre a definio de dinheiro: I have always found it useful to explain
to students that it has been rather a misfortune that we describe money by a noun, and it would be
more helpful for the explanation of monetary phenomena ifmoney were an adjective describing a
property which different things could possess to varying degrees. Deste modo, a aceitao geral das
moedas metlicas como dinheiro resultou, antes de mais, da aceitao do metal amoedado como um
bem com valor transaccionvel.4 Neste caso, os emprstimos fazem-se por meio de papis de crdito representando os bens com
valor transaccionvel supostamente depositados no banco (os papeis de crdito per se no tm valor
transaccionvel).5 Rothbard (1983, p. 18).6 Esta explicao foi avanada primeiro, no contexto dos debates monetrios das primeiras dcadas do
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para os investidores, no volume da oferta de poupanas para investimento: o crdito barato
conduz ao investimento em alargamentos da estrutura de capital produtivo (boom) cujo
output, uma vez oferecido no mercado, revela no ter procura suficiente para rentabilizar os
investimentos feitos. A liquidao destes erros de investimento requer ento uma depresso
que reestabelea o servio efic iente (em qualidade e quantidade) dos desejos dos
consumidores .
Para a teoria Austraca, ao contrrio das outras , o ciclo gerado por causas exgenas
ao funcionamento do mercado, ou seja, pela inflao do crdito introduzida pelo sistema
bancrio (intervencionado ou no pelo Estado). Esta inflao interfere na complexa troca de
informaes entre os agentes econmicos contidas na estrutura de preos do mercado,
induzindo em erro os investidores. Quando este processo de gerar inflao foi aproveitado
pelo Estado como uma forma dissimulada de imposto, as depresses podiam tornar-se
politicamente insuportveis. De facto, em troca da permisso legal do sistema de reserva
fraccional, os Estados obtinham geralmente emprstimos dos bancos, tornando-se
interessados neste processo, mas nem tanto nas liquidaes trazidas pelas depresses. No
caso portugus na segunda metade de Oitocentos, tanto o Banco de Portugal como os
outros bancos emissores concediam emprstimos directos ao Estado ou indirectos,
investindo em ttulos da dvida pblica .
sculo XIX na Gr-Bretanha, pela chamada currency school (v. Screpant i e Zamagni, 1995, pp.
104116) e, depois, desenvolvida, entre outros, por Ludwig von Mises e Friedrich A. Hayek: uma
exposio desta teoria do ciclo, dita austraca, encontra-se em Rothbard (1983, pp. 1177).7 Rothbard (1983, pp. 1721). Este autor considera que a depresso ser tanto mais rpida quanto
menor se tornar a elasticidade do crdito disponvel no mercado de emprstimos: o contrrio protelar a
liquidao. Is to no significa que, na ausncia de crdito inflac ionado, no ocorram erros de
investimento; estes ocorrem continuamente, mas numa escala que no deprime a economia em geral:
"Entrepreneurs are in the business of forecasting changes in the market, both for conditions of demand
and of supply. (...) Yet, the forecasting can never be perfect, and entrepreneurs will continue to differ in
the success of their judgements. If this were not so, no profits or losses would ever be made in
business." (Rothbard, 1983, p. 12). O que distingue o ciclo o modo como afecta toda a economia,
razo pela qual a teoria austraca liga a sua gestao ao dinheiro, o elemento que relaciona todas as
actividades econmicas.
8 Karl Marx e Joseph A. Schumpeter propuseram outras teorias: ambas reconhecem o papel
impulsionador do crdito no boom mas atribuem as depresses a outras causas que no os erros de
investimento mot ivados pelo crdito inf lacionado (cf. Screpant i e Zamagni, 1995, pp. 138143 e
243247). Porm, s no caso de Schumpeter avanada uma explicao do ciclo integrada numa
teoria econmica geral: para uma crtica desta teoria, da perspectiva austraca, ver Rothbard (1983,
pp. 6971). Para uma crtica da contribuio de John M. Keynes relativamente ao ciclo, v. Leijonhufvud
(1981), que no entanto conclui que by pursuing Keynes' analysis we have ended up with an essentially
monetaryview of great depressions.
9 Ver Mata (1993:193ss). Sobre o caso anlogo em Espanha, v. em Sanz (1987, p. 125) o acordo de
1891 entre o Estado espanhol e o Banco de Espanha: dos 1.500 milhes de pesetas que o Banco era
autorizado a emitir, 150 milhes eram emprestados ao Estado (at 1921). Alm destes acordos, as
interferncias polticas no sistema bancrio podiam advir de situaes como a descrita por Cordeiro
(1896, pp. 9596) sobre a chamada salamancada: Se as direces dos bancos ainda hesitam,
escrupulisando meter-se em to altas cavalarias que no se amoldam ndole de tais instituies e a
letra dos estatutos claramente probe rustic idade provinciana! o ministrio arreda-lhes do caminhotodas as pedrinhas e, em conferncia especial do seu delegado no distrito com o presidente da
Associao Comercial [do Porto], manda-lhes dizer que [...] contem com o governo e avante! No era,
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O comportamento do Estado perante este papel inflacionista do crdito bancrio, bem comoperante as depresses, torna esta teoria numa interessante perspectiva de anlise histrica.Uma vez que as tentativas de explicao da realidade no emergem dos conjuntos de dadosestatsticos coligidos, mas requerem o recurso teoria (neste caso, econmica) que
conduza a sua leitura, o que aqui se pretende meramente fazer uma tentativa deaproximao realidade nesses moldes . As crises bancrias em Portugal, no sculo XIX,indiciam a presena destes fenmenos ligados inflao do crdito. Uma destas crises, ade 1891, cai dentro do perodo aqui estudado e a sua importncia tanto maior quanto a elaest ligada uma crise geral do regime monetrio que vigorara no Pas nas quatro dcadasanteriores.
3. Os antecedentes da crise de 1891
O regime monetrio consagrado pela carta de lei de 29 de Julho de 1854 era o do padroouro, j ento adoptado pela Gr-Bretanha: o trnsito de metais com o exterior eraliberalizado, assim como a amoedao de ouro pelos particulares (a da prata sujeita aautorizao oficial) . Este regime, sobretudo atravs destes direitos de amoedao,colocava a emisso da moeda padro sob o controlo do mercado e, com a liberalizao dotrnsito de metais com o exterior, dava ao mercado o controlo do volume de moeda emcirculao. A principal razo da adopo deste regime monetrio, mesmo que noexplicitada pelos contemporneos e pelos historiadores, ter sido a necessidade de criar umambiente de confiana para o investimento estrangeiro (sobretudo da praa de Londres, omaior centro financeiro do mundo), que viabilizasse os projectos de obras pblicas lanadosna dcada de 50 . O novo regime monetrio concedia aos credores do Estado a garantia de
afinal, o interesse deles e [... ] do pas? O interesse pblico, a razo de Estado, eis o talism quecobrir sempre este conbio mstico do banqueiro com o poltico!.
10 Note-se no que diz Rothbard (1983, p. 4): These historical facts are complex and cannot, as thecontrolled and isolable physical facts of the scientif ic laboratory, be used to test theory. There arealways many causal factors impinging on each other to form historical facts. Only causal theories apriorito these facts can be used to isolate and identify the causal strands.11 V. Reis (1992, pp. 911). Este autor no deixa de considerar como condio para o estabelecimentodo padro ouro o afluxo a Portugal, em 18521853, de cerca de 5 milhes de libras em ouro.12 O Estado portugus no oferecera, na primeira metade do sculo, essa confiana: o curso forado de
papel-moeda em 1837 e 1848 para o pagamento de dvidas a particulares impedira que ela seinstalasse. curioso notar a doutrina explicitada no ofcio da direco da Associao de 1837-09-06 Cmara dos Deputados acerca desta questo: axioma que a moeda uma mercadoria decirculao permanente, um produto da indstria humana, cujo consumo insensvel, e que constituiuma parte do capital de um Pas, sem que a actividade da sua circulao aumente cousa alguma o seuvalor. essencial que a moeda, para que o seja, oferea convenincia a todos; porque sem dvida docostume, do mercado, e no da Lei, que ela obtm valor e autoridade; sendo o seu preo derivado davontade geral, e no do rigor da Lei: porquanto da persuaso, da probabilidade da realizao doembolso, da satisfao fiel das condies, da solidez das garantias que nasce exclusivamente ocrdito./ Da falta de concorrncia destas circunstncias provm, e se origina a depreciao, que alongos passos aumenta, e a final se completa, arrastando a Nao inteira aos funestos resultados, a
que seria levada a Inglaterra, se no suspendesse o curso forado das suas notas de banco;calamidade que a Frana ainda lamenta a respeito dos seus assignados, e que por bastantes anos onosso Portugal sofreu com o papel-moeda; sentindo ainda hoje as consequncias de uma
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que este no faria reembolsos atravs de dinheiro fictcio nem impediria os valoresrespectivos de sarem do Pas. Nestas novas condies, a dvida pblica assumiu o papelde suporte financeiro dos dfices do Estado, sem recurso ao curso forado de papel-moeda.
O que, porm, modelou toda esta nova conjuntura ps-Regenerao foi a assuno pelo
Estado portugus do papel de alocador de recursos e investimentos: os chamadosmelhoramentos materiais (construo de redes telegrficas, ferrovirias, rodovirias)foram assumidos pelo Estado como investimentos por si geridos com recurso aoendividamento interno e externo. Tratava-se de um tpico conjunto de investimentos de longoprazo e grande risco possibilitado pelo crdito fcil das dcadas de 50 e 60 e que jamaisseria assumido voluntariamente em Portugal pelos particulares, embora estes viessem a seros seus grandes financiadores atravs dos ttulos da dvida pblica . O Estado era o nicoagente com capacidade de agregar e gerir tais montantes de capital e, ao mesmo tempo,garantir facilidades e custos reduzidos na implementao dos projectos no terreno .
inconsiderao, ou de uma ignorncia total de todas as ideias de crdito pblico, a ponto de ter s idodestrudo de facto por v ia daquele pssimo invento o princpio axiomtico de ser a moeda umamercadoria, que se importa, e exporta em todos os mercados da grande nao comercial, que ocupatoda a face da terra (cit. Fonseca, 1934, pp. 142143). A direco, nesta poca, claramenteinfluenciada pela teoria monetria da currency schoole de David Ricardo, percepcionava como umaprtica de contrafaco a emisso de "moeda" inconvertvel em bens com valor transaccionvel (comoo ouro). Dez anos mais tarde, esta doutrina foi reafirmada quando um novo curso forado foi criticadopelo ofcio de 1849-04-07: As notas do Banco no se devem emitir seno em troca de outros papisque representem produtos. Se outra coisa se f izer, se as notas forem entregues por valores, cujarealizao se no possa ter por segura em prazos curtos, a soma das notas h de exceder mui poucoas existncias metlicas, ou haver sempre o perigo iminente da supresso do pagamento por falta de
metais./ As notas dos bancos tm a vantagem de pr em circulao os produtos; mas preciso noperder de vista que esta vantagem se restringe s ao excedente das notas sobre os metais em caixa;porquanto estes metais ficam mortos e retirados do campo ocupado pelas notas. uma iluso suporque as notas so capitais novos oferecidos produo: elas servem unicamente e isso mesmo muito para pr em circulao o valor dos produtos que representam (cit. Fonseca, 1934, pp.241242).13 Landes (1993, pp. 209210) caracteriza o investidor francs tpico de um modo que muito o aproximado portugus na mesma poca: tinha preferncia por investimentos com taxas de juro fixas,especialmente ttulos emitidos ou garantidos pelo Estado, fugindo de investimentos arriscados comoos emprstimos indstria; as firmas, em geral, preferiam financiar a sua expanso a partir de lucrosrealizados (e poupados), recorrendo ao crdito bancrio s in extremis.14 Sobre o impacto das ferrovias na economia portuguesa, v. Justino (1989, pp. 176190); sobre a
falncia das vrias companhias privadas e a sua compra pelo Estado, implicando o endividamentodeste para suportar ou suplementar a construo desta nova rede de comunicaes, v. Mata e Valrio(1994, pp. 149151). No era qualquer particular, por exemplo, que podia legislar no sentido de criarmecanismos discricionrios que subtrassem a sua aco a processos imediatos dejudicial reviewemcasos de conflitos sobre direitos de propriedade e processos de expropriaes. Esta prtica o queest em causa num texto de Alexandre Herculano de Setembro de 1863, criticando uma portaria entorecente: O ministrio das Obras Pblicas e os seus agentes no sabem ou no podem evitar colisesentre o servio pblico e o direito dos cidados: delineiam-se e executam-se os trabalhos de viaosem se prever que ao lado da pessoa moral, o Estado h-de encontrar a pessoa fsica, o proprietrioterritorial; (... ) pede-lhe [o ministro das Obras Pblicas ao da Justia]em nome da ptria que lhe faaum pequeno desaterro no direito comum; que repreenda juizes, que no pode repreender; que interprete
as leis, que no pode interpretar; que declare invaso todo e qualquer acto do poder judicial, em que,tratando-se do meu e teu, o Estado for considerado como aquilo que nessa relao, como pessoaprivada (Herculano, 1984, pp. 493494).
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O regime monetrio do padro ouro mostrou-se capaz de atrair investidores estrangeiros
aos ttulos da dvida pblica vrias vezes emitidos; para os nacionais, o ambiente de lento
crescimento econmico do Pas sob o regime proteccionista, no incentivando
investimentos substanciais em estruturas de capital produtivo, fazia esses ttulos
aparecerem tambm como uma boa alternativa.
Durante cerca de quarenta anos, os vrios governos tentaram atrair o ouro dos particulares
(portugueses residentes no Reino e no Brasil) e dos financeiros estrangeiros aos ttulos da
dvida pblica, de modo a que os juros devidos aos credores, as despesas extraordinrias e
os custos em operaes de colocao e resgate da dvida pudessem ser saldados todos os
anos . A interrupo destas transferncias logo conduziam a atrasos nos pagamentos pelo
Estado e a dificuldades polticas para os governos. A longo prazo, foi-se tornando patente
que o crescimento da riqueza (que, em parte, confiscada por via fiscal, supostamente
ajudaria o Estado a reembolsar os seus credores) no se estava a processar com a rapidez
esperada pelos arquitectos da poltica de melhoramentos materiais. Na verdade, as novas
redes de transportes e comunicaes estavam a ser implementadas num mercado protegido
com capacidade de crescimento limitado por uma estrutura fundiria pouco propcia
explorao comercial da terra com maiores potencialidades naturais e por um parque
industrial inteiramente dependente da fraca procura interna. A diminuio dos custos dos
transportes dentro do Pas poderia baixar os preos ao consumidor e estimular o consumo e
a produo mas numa escala sempre limitada, como aconteceu nas dcadas seguintes ao
incio dos melhoramentos materiais. Esta poltica pode, pois, ser considerada em termos
econmicos, como tendo-se saldado num erro de investimento induzido pelo crdito fcil:
o output, uma vez oferecido no mercado, revelou no ter procura suficiente para rentabilizar
os investimentos feitos. A liquidao deste erro de investimento esteve prestes a fazer-se
sempre que o afluxo regular de capital fresco aos ttulos da dvida pblica parecia
esgotar-se. O Estado, claro est, tentou em todas as situaes evitar uma liquidao que
ningum saberia muito bem de que consequncias polticas (portanto, de sobrevivncia do
prprio Estado) se revestiria.
A dvida pblica efectiva foi, assim, crescendo, mobilizando cada vez mais recursos para o
simples pagamento dos juros anuais aos credores.
Dvida efectiva e massa monetria em circulao (em contos de ris)Anos
Dvida efectiva
( )y%
Oferta monetria
(M1)%
1854 92 287 49 118
1869 245 779 +166,32 61 199 +19,74
1870 261 176 63 318
15 Espregueira (1896, p. 13) diz que nos servios prprios dos ministrios, e no pagamento dos juros
da dvida pblica, consumiu-se grande parte dos recursos extraordinrios obt idos por meio de
emprstimos durante muitos anos. Mata (1993, pp. 253
254) chama ateno para as perdas nasoperaes de colocao da dvida quando a receita da venda era inferior ao valor nominal dos ttulos
colocados.
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1879 405 678 +55,32 86 587 +26,87
1880 420 818 90 191
1889 525 779 +24,94 157 462 +42,72
1890 539 212 156 408
1899 614 621 +13,98 167 041 +6,36
Fonte: Mata (1993, p. 255) e Reis (1992, p. 31).
O valor total da dvida pblica foi sempre muito superior ao valor total da massa monetria
em circulao, mostrando este quadro a desproporo entre a riqueza canalizada para
suportar as despesas pblicas excedentrias e a riqueza em circulao representada na
massa monetria. Apesar da desacelerao do ritmo de crescimento da dvida ao longo da
segunda metade do sculo, essa desproporo permanece sempre acentuada. De que
modo esta evoluo da dvida, que absorvia muita da riqueza criada, se relacionou com a
expanso da oferta monetria e o sistema bancrio portugus? Os dados disponveis sobrea oferta monetria em Portugal, nesta segunda metade de Oitocentos mostram, sem dvida,
uma expanso do crdito bancrio.
Oferta monetria desagregada em Portugal (em contos de ris)
AnosMoedas
metlicas( )a
%Notas de
banco( )b
%Depsitos
( )c%
Caixa( )d
%
1854 47 423 1 071 1 420 796
1869 55 950 +17,98 2 434 +127,26 6 208 +337,18 3 393 +326,25
1870 57 151 2 599 6 847 3 280
1879 74 220 +29,86 5 573 +114,42 13 588 +98,45 6 794 +107,13
1880 77 220 6 003 14 298 7 301
1889 123 132 +59,45 12 110 +101,73 36 691 +156,61 14 471 +98,20
1890 127 812 10 504 30 577 12 485
1899 93 667 -26,71 68 568 +552,77 17 948 -41,30 13 141 +5,25
18541889 +159,64 +1 030,71 +2 483,87 +1 717,96
18541899 +97,51 +5 402,24 +1 163,94 +1 550,87
Fonte: Reis (1992, pp. 301).
O montante dos depsitos bancrios cresceu continuamente (com ligeiras quebras em 1861,
1866, 1868) at 1876: os anos de 1868 at crise bancria de 1876 registaram uma
subida de cerca de 5 000 contos para 24 000 contos. Seguiu-se uma longa depresso at
que esse montante voltasse a ser atingido em 1886: na segunda metade da dcada de
oitenta os depsitos cresceram de cerca de 17 000 contos em 1885 para cerca de 36 000
contos em 1889. As notas em circulao cresceram sobretudo nas dcadas de 70 e 80: de
valores na casa dos 2 000 contos em 1870 para os 12 000 em 1889; a nica quebra, ligeira,
neste crescimento foi tambm a crise bancria de 1876. O modo como estas expanses e
retraces do crdito bancrio se relacionavam com o aumento do ouro em circulao
claro: de 1854 a 1864 h um aumento do ouro amoedado no valor de cerca de 28 000 contos
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para cerca de 48 000, ocorrendo depois uma estagnao entre 1865 e 1870; desde ento e
at 1876 este valor cresceu de cerca de 46 000 para cerca de 63 000, ocorrendo ento outra
estagnao. Entre 1880 e 1890, entretanto, o valor do ouro amoedado cresceu de cerca de
66 000 contos para cerca de 112 000 .
O padro que daqui emerge o de que o aumento do valor do ouro em circulao conduzia,
ou suportava, aumentos de valores dos depsitos e das notas em circulao; a
desacelerao do crescimento da circulao de ouro amoedado (18651870) reflectiu-se no
ritmo de crescimento dos depsitos (as quebras de 1861, 1866 e 1868) e das notas (1861,
1863, 1864, 1866, 1867). O reincio do crescimento do ouro conduzia tambm ao reincio do
crescimento dos depsitos e notas, que sofreram quebras quando o crescimento do ouro
desacelerou em 1876. Quando o crescimento do ouro retomou, durante toda a dcada de
oitenta, a expanso de depsitos e notas foi contnua (com uma quebra ligeira em 1882).
Mas o crescimento do ouro e do crdito, embora paralelo, no proporcional. De facto, o
ritmo de crescimento de depsitos e notas foi sempre superior ao da base metlica em
circulao, como revela este quadro:
Inflao do crdito bancrio em Portugal (em contos de ris)
AnosInflao
( )x[( ) : M1]x
Percentagem inflacionadado stockmonetrio
1854 1 695 3,45 %
1869 5 249 +209,67 % 8,57 %
1870 6 166 9,73 %
1879 12 367 +100,56 % 14,28 %
1880 13 000 14,41 %
1889 34 330 +164,07 % 21,80 %
1890 28 596 18,28 %
1899 73 375 +156,59 % 43,92 %
18541889 +1 925,36 %
18541899 +4 228,36 %
A quantidade de moeda inflacionada no stockmonetrio foi-se acumulando, chegando, no
final da dcada de 80, a representar mais de um quinto desse stock. Da que o sistema
16 Estes dados baseiam-se todos em Reis (1992, pp. 3031). O ouro representava a parte esmagadora
da moeda metlica em circulao.17 O conceito de inflao (x)aqui usado o de Rothbard (1983, p. 87): (...) inflation is not precisely the
increase in the money supply; it is the increase in money supply not consisting in, i.e., not covered by,
an increase in gold, the standard commodity money. Porm, considerou-se aqui como standard
commodity money toda a moeda metlica, incluindo, alm do ouro, as moedas subsidirias (prata,
cobre, bronze e nquel) em circulao em Portugal; para calcular o valor da inflao, descontou-se ao
valor somado das notas e dos depsitos bancrios o valor das reservas em caixa dos bancos, de
modo que, relativamente aos valores do quadro da oferta monetria desagregada, x = (b + c) -d.
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bancrio ficasse vulnervel em conjunturas de quebra de confiana do pblico, como em1876: a emisso de moeda fiduciria e emprstimos, excedendo em muito as reservas emcaixa, impediam os bancos de fazer a converso em ouro das notas e o reembolso dosdepositantes em caso de corrida. As quebras de confiana, num sistema com tendnciasinflacionistas, estavam ligadas desacelerao do crescimento do valor do ouro em
circulao.
Num Pas onde o valor do ouro em circulao crescera substancialmente nas dcadasseguintes Regenerao e onde o recurso ao mercado de emprstimos era limitado , estecrescimento do crdito bancrio e da percentagem inflacionada do stock monetrio podeexplicar-se pelo peso da procura de crdito pelo Estado e pela dvida pblica. As dvidasamortizvel interna especial e flutuante interna eram, na segunda metade do sculo XIX,grandes clientes do crdito bancrio em Portugal.
Valores da dvida interna no-consolidada (em contos de ris)
Anos Amortizvel especial Flutuante
1854 3 745 598
1869 935 12 966
1870 1 137 9 444
1879 4 436 13 197
1880 4 588 1 193
1889 7 157 0
1890 8 106 645
1899 29 184 65
Fonte: Mata (1993, p. 258) .
18 As operaes a curto prazo, como o desconto de letras, eram as que predominavam nas actividadesdos bancos portugueses; movimentavam, assim, sobretudo pequenas quantias, que, de qualquermodo, tambm financiavam empresas industriais. Os emprstimos sobre penhores, cujos principaisclientes eram as juntas gerais dos distritos e as cmaras municipais, eram tambm importantes,embora no possam ser contabilizados como crdito bancrio (cf. Justino, 1989, pp. 212215 e Reis,1987, p. 216).19 Veja-se o que diz Mata (1993, p. 235): Vale a pena notar que, com a excepo fugaz equantitativamente quase insignificante da Companhia Vianense, todas as entidades credoras da dvida
amortizvel interna especial centravam a sua actividade nas praas de Lisboa e Porto. aindainteressante observar que a praa de Lisboa, sobretudo atravs do Banco de Portugal, semprepredominou como fornecedora de fundos, e que o papel da praa do Porto se concentrou nos anos de1853 a 1876. O processo inflacionista que conduziu crise bancria de 1876 aparece, assim, comoresponsvel pelo esgotamento da capacidade financeira do Porto. Sobre o peso do crdito concedidoao Estado no conjunto das actividades dos bancos, registe-se a opinio do visconde de Vaz Preto nospares, aquando da discusso do acordo de 1887 entre o Estado e o Banco de Portugal: este par considerou a generalidade das instituies bancrias dependentes do Governo, j que todos os capitaispor elas apurados seriam colocados na dvida pblica; mesmo salvaguardado algum exagero, estetestemunho refora a ideia do peso do crdito concedido ao Estado sobre o sistema bancrio (cf. DCP,1887-07-15, pp. 673674). Neste sentido vai tambm Cordeiro (1896, pp. 7374): A capitalizao [dos
bancos] em fundos pblicos calculava-a Oliveira Mart ins em doze mil contos, sete para fundosportugueses, cinco para fundos estrangeiros (espanhis, mexicanos, argentinos, etc.), aces debancos e companhias. Na realidade, esses cinco mil contos eram constitudos, na mxima parte, por
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Outra causa da expanso do crdito e da percentagem inflacionada do stock monetrio
seriam os sectores da economia mais sujeitos a variaes da procura: uma expanso
repentina desta, incentivando um rpido aumento da produo, conduziria ao recurso a
emprstimos que possibilitassem investimentos com grandes probabilidades de virem a ser
compensadores. Estava neste caso a produo vincola, sendo curioso notar-se a
coincidncia entre o grande crescimento das exportaes de vinhos e do crdito na segunda
metade da dcada de oitenta . Os comerciantes exportadores de vinhos teriam aqui um
protagonismo particular na forma como o crdito bancrio penetrava na produo vincola,
financiando o aproveitamento da sua elasticidade em perodos de maior procura no mercado
internacional.
O incentivo que os bancos tinham para criar moeda inflacionada, era poderem oferecer
crdito mais barato, sobretudo num contexto em que os juros fixos da dvida consolidada
eram um poderoso concorrente na atraco do ouro dos particulares. Este crdito barato
no deixava de tambm interessar ao prprio Estado como cliente que era do sistema
bancrio. A crise de 1876, ocorrida quando a desacelerao do crescimento do valor do
ouro amoedado em circulao conduziu perda de confiana do pblico num esquema
percepcionado como inflacionista (e, portanto, de difcil solvabilidade se o impulso de
crescimento da base metlica se interrompe), demonstrou as fraquezas deste sistema
bancrio e a sua propenso a gerar crises .
A evoluo tendente concesso do monoplio de emisso de moeda, sendo esta
apenas uma das formas de criar inflao, tomou forma no contrato de 1887 entre o Estado e
o Banco de Portugal. Esta evoluo estava intimamente ligada ao recurso do Estado ao
crdito bancrio, sendo que, em 1887, a dvida pblica junto do Banco de Portugal ascendia
a 3 464 640$140rs . O esquema de inflao e emprstimos desenvolvido com os bancos
em regime de concorrncia transformava-se em regime de exclusividade: o Estado concedia
o monoplio de emisso de moeda fiduciria a uma entidade (o seu principal credor interno)
que passaria a estar em condies privilegiadas de inflacionar o stockmonetrio e conceder
crdito barato ao Estado . Este novo regime tinha a vantagem aparente de disciplinar as
aces dos prprios bancos (exemplo, o Comercial, do Porto), que traduziam em fundos pblicos todo
o seu capital.20 O paralelismo entre a expanso e retraco do crdito e da produo industrial foi tambm j notado,
embora, neste caso, a elasticidade da procura e da produo fosse menor (Reis, 1987, p. 216). Para as
exportaes de vinho, v. Lains (1995, p. 106): tratou-se de um crescimento sustentado pelos vinhos
comuns (i.e., excluindo o Porto e o Madeira) de quantidades na ordem dos 490 000 hectolitros em
18751879 e 750 000 em 18801884 para cerca de 1 627 000 em 18851889. A regresso das
exportaes foi, em 18901894, para os cerca de 825 000 hectolit ros.21 Esta propenso no era causada por se tratar de um sistema concorrencial, mas antes por esse
sistema funcionar com base em reservas fraccionais; um banco, funcionando nestas circunstncias,
uma empresa tecnicamente falida permitida por lei: s obrigada a liquidar se a isso for forada pelos
seus clientes credores.
22 Santos (1900, p. 107).23
O rcio da reserva metlica sobre as notas em circulao seria, de acordo com o 1. do artigo 13.da Lei de 1887-07-29, um tero. Mas o 2. no deixava de dizer: A reserva metlica s muito
excepcionalmente poder descer do limite designado no pargrafo antecedente, quando, em vista da
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tendncias inflacionistas das entidades emissoras em situao de concorrncia e, assim,
tornar menos provveis crises de liquidao, como a de 1876. Mas para tal acontecer seria
foroso manter-se o padro ouro e no dar curso forado s notas do Banco de Portugal, ou
seja, era necessrio que o mercado pudesse continuar a recusar moeda em que no tinha
confiana. Numa situao destas, manter-se-ia um limite de facto s tendncias
inflacionistas do banco emissor; estas tendncias eram tanto maiores quanto as
concesses feitas ao Estado no contrato de 1887 o deixavam quase paralisado se tivesse
de operar apenas com base na sua reserva metlica .
4. O precipitar da crise e a substituio de uma
inflao por outra
A partir de 1889, a crise poltica no Brasil e a queda das exportaes de vinhos conduziram
a uma diminuio do afluxo de capital fresco (ouro) aos bancos e aos ttulos da dvida
pblica. Logo ento o crdito retraiu-se: notas em circulao e depsitos bancrios registamquedas de 1889 para 1890. O Banco de Portugal, j ento tesoureiro do Estado, deveria
obter na praa papel cambial suficiente para atender ao pagamento dos juros da dvida
consolidada, o que no conseguiu: faltava o ouro dos investidores nacionais e residentes no
Brasil para acorrerem aos novos emprstimos que, dentro e fora do Pas, o Governo tentara
realizar . Esta situao no se vai resolver porque a agitao poltica subsequente crise
do ultimatum, que deflagra em Janeiro de 1890, impedir a instalao de um mnimo de
confiana que levasse aos ttulos da dvida mais algum ouro e permitisse ao Estado honrar
os compromissos regulares com os seus credores. A seco dominical Revista comercial
e financeira do Jornal do Commercio, a 18 de Janeiro de 1890, via na consolidao da
dvida flutuante uma primeira medida necessria para aliviar o mercado: o Estado teria,doravante, de manter compromissos apenas para com ttulos consolidados, no contraindo
mais obrigaes extraordinrias ou de curto prazo. As despesas correntes (incluindo as
despesas com os juros da dvida consolidada) deveriam viver apenas das receitas fiscais
regulares, e tal disciplina exigia um reforo da presso fiscal, a qual no tardou muito, logo
que tomou posse um gabinete com condies mnimas para governar. Em todo o 1.
semestre de 1890, a Revista mostrou, semana aps semana, o retraimento dos
investidores na praa de Lisboa e julgou bastar uma diminuio da taxa de desconto do
Banco de Portugal (rgida entre 6 e 7 %) para que o investimento retomasse . Na verdade, o
exposio motivada do conselho geral do banco, o governo, por deciso tomada em conselho de
ministros, assim o autorize. Isto significava que, atravs do Banco de Portugal, o Governo podia
efectivamente decidir o aumento de emisso fiduciria no sustentada pela reserva metlica. O artigo
17. previa j a possibilidade de limites dirios ou demoras na converso vista das notas em metal
(cf. COLP, 1888, pp. 325330).24 Reorganizado o banco sob as bases da lei de 29.7.1887, tais compensaes fez ao governo pelo
seu privilgio de emisso de notas, que a sua aco ficou paralisada, tornando-se indispensvel
preparar nova reforma que o pusesse em condies de elasticidade capazes de acorrer s urgentes
necessidades do tesouro, prpria consolidao e aos efeitos da crise de 1891 (Santos, 1900, p.
107).25 Santos (1900, p. 191).26
A rigidez da taxa de desconto reflectia a percepo do banco quanto retraco de capitais (v. aqueda dos depsitos de 1889 para 1890), que tornava as operaes bancrias mais arriscadas (da a
taxa de desconto ter at tendncia para crescer).
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banco estava preocupado em proteger as suas reservas metlicas, recusando operaes
de pagamentos de clientes sobre Londres que implicassem movimentar o seu ouro em
caixa; da que os particulares tivessem de fazer estes pagamentos por sua conta,
exportando o ouro pela barra do Tejo . Perante tais dificuldades de solvabilidade, que
ameaavam fazer entrar em colapso todo o sistema bancrio, os bancos cessaram de
imediato toda a inflao do crdito. Era uma medida cautelar mnima num perodo em que
uma corrida aos bancos, que os obrigasse a liquidar o crdito inflacionado posto a circular
no antecedente, levaria a uma onda de falncias sem precedentes.
Em Maio, o ministro da Fazenda, Joo Franco Castelo Branco, apresentou as propostas do
gabinete regenerador para estancar o crescimento da dvida pblica: a principal medida era o
lanamento de um adicional de 6 %. Apesar da afluncia de ouro ao Pas (os valores
importados mantm-se acima dos exportados), que desanuvia o mercado monetrio, os
bancos permanecem circunspectos, praticando prudentemente taxas de desconto entre 6 e
7 % embora fosse possvel encontrar no mercado valores de 41/4 a 5 % . O
recrudescimento da agitao poltica por ocasio da contestao do tratado anglo-luso, em
Agosto e Setembro, manteve entretanto a desconfiana dos investidores e o ouro longe do
mercado de emprstimos . Em Janeiro de 1891, a baixa da taxa de desconto do Banco de
Inglaterra para 4 % reflectiu-se na taxa de desconto do Banco de Portugal, que baixou, uma
semana depois, de 7 para 6 % porm, a continuidade da queda desta taxa, considerada
exorbitante pela Revista, no ocorreu. Os acontecimentos de 31 de Janeiro no Porto
encarregaram-se de manter o clima reinante de desconfiana, no admirando que o
dinheiro continua raro e os bancos no alargam a rea das suas transaces . A
verdadeira causa da retraco dos investidores ficou patente num brevssimo reanimar dos
negcios nos princpios de Maro de 1891, quando se ultimaram as negociaes entre o
Estado portugus e o concessionrio do monoplio dos tabacos, que, esperava-se,
permitiria a aquisio de um emprstimo por meio do qual se juntaria a dvida flutuante
dvida consolidada. No entanto, o contrato conseguido pelo Estado na concesso deste
monoplio no lhe garantiu os proventos necessrios a estas operaes de estabilizao da
dvida e, um ms aps a aprovao do contrato, o pblico acorreu aos bancos para levantar
os seus depsitos e trocar as suas notas: a confiana estava definitivamente perdida . Se a
inconvertibilidade no fosse declarada, afundava-se o Banco de Portugal e mesmo assim
27 V. JC, 1890-05-11, p. 1. Esta pol tica era seguida pelos outros bancos de Lisboa: aqueles que
haviam tido antes as suas reservas de ouro no Banco de Portugal t inham-nas j resgatado para no
perderem a confiana dos seus clientes (para tanto, em vez de notas do Banco de Portugal, passaram
a ter em caixa o seu prprio ouro); era mais uma razo para a circunspeco do Banco de Portugal.28 V. JC, 1890-05-25 e 1890-06-01, por exemplo.29 Para a Revista, era necessrio acabar com esta situao anormal que tanto afecta o comrcio e
afrouxa a expanso do mercado monetrio, pelas rarefaces que se lhe produzem (JC, 1899-09-21,
p. 1). Os jornais exaltados do Pas eram considerados culpados desta situao, amedrontando os
investidores nacionais e estrangeiros (por exemplo, JC, 1899-10-12). Em Outubro, os negcios na
nossa Bolsa estiveram mais movimentados, em consequncia de ter aparecido muito papel para ser
convertido em fundo externo, porque a sua baixa convidava a esta operao (JC, 1899-10-26, p. 1).30JC, 1891-02-15, p. 1.31 Freitas (1898, pp. 3031). As reservas de ouro do Banco de Portugal, que ascendiam a 2608 contos
de ris em 1899-12-31, eram em 1891-05-27 de 956 contos (e a 1891-12-31 de 376 contos); a pratasofrera igual eroso: de 1812 contos de ris para 881 contos nas mesmas datas (cf. Santos, 1900,
p. 49).
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no se liquidavam todas as notas em circulao. Esta situao conduziu o Estado areconhecer a sua incapacidade de sanear a situao financeira, como o exigia amanuteno do regime de convertibilidade: o decreto de 7 de Maio de 1891 concedia aoBanco de Portugal trs meses de inconvertibilidade das suas notas em ouro (a 10 outrodecreto suspendeu a convertibilidade em prata): era um curso forado de facto.
A depresso, iniciada em 1889, era, assim, impedida de ir ao ponto de liquidar todo o crditoinflacionado: o Estado no o podia permitir, pois tal liquidao poria em causa o seuinstrumento de sobrevivncia no curto prazo (as potencialidades inflacionistas do cursoforado das notas do Banco de Portugal) . A partir de 11 de Maio, considerando a moratriafacto consumado, a direco da Associao Comercial de Lisboa disps-se a colaborar como Governo, fazendo mxima propaganda para imprimir confiana geral . O presidente daAssociao mantinha contactos quase dirios com a direco do Banco de Portugal e com oministro da Fazenda, sendo a grande preocupao dos scios a falta de trocos, motivadapelo entesouramento de quase toda a moeda metlica pelos particulares, e que ameaavaparalisar as transaces comerciais na cidade. A 22 de Maio, a direco aconselhou oministro da Fazenda a lanar em circulao notas de 5000 ris para obviar a estasdificuldades, fazendo-se a respectiva troca pelas notas de maior valor (de modo a noinflacionar demasiado o stockmonetrio). A situao, entretanto, agravou-se e, em 20 deJunho, o Banco de Portugal suspendeu o fornecimento de moeda de prata para permuta pornotas, como se fazia na Bolsa desde o comeo do ms . O director, Lus Filipe da Matta,concebia uma emisso de notas que no fosse alm dos 10 % das j existentes emcirculao, o que denota uma preocupao com os efeitos inflacionistas da emisso, vistacomo necessria para substituir, nas transaces, as moedas entesouradas; alm disto, oBanco de Portugal deveria retirar anualmente de circulao 5 % das notas, trocando-as pormetal, at que estas ficassem limitadas a metade do capital do banco. Estas ideias foramaprovadas e enviadas ao ministro da Fazenda, que solicitara direco alvitres sobre acrise monetria e financeira: a emisso de outros meios de pagamento, como moedas decobre e selos de correio, foi tambm aconselhada . A amoedao de prata no resolvia a
32 Por meio desta inconvertibilidade, o Estado no salvou apenas o Banco de Portugal da liquidao; aoconceder ao pblico a troca ao pardas notas dos outros bancos emissores por notas do Banco dePortugal, o que o Estado estava a fazer era retirar a esses bancos a obrigao de reembolsarem boaparte dos seus clientes credores. curioso que Bastos (1894, p. 220) parea pensar que, na situaofinanceira de ento, a inconvertibilidade fosse evitvel (considera impensado o decreto de
1891-05-07).33 Acta 1891-05-11. Quer o novo estatuto de 1887 do Banco de Portugal, quer toda a fase de retracode capitais que antecedeu o deflagrar da crise financeira em meados de 1891, foram assuntosausentes das reunies da direco. S a crise dos trocos subsequente moratria foi alvo depreocupao.34 Actas 1891-06-06 e 1891-06-20. O governador do Banco de Portugal responsabilizava osespeculadores pela situao; o presidente da Associao, porm, considerava a especulaoinevitvel quando a moeda metlica era rara e, por isso, mais cara no mercado monetrio. Veja-se oque, sobre este assunto, disse o deputado Pinto Moreira nas Cortes: V. Exa. sabe, e a cmara sabeperfeitamente tambm, que se qualquer de ns se dirigir a uma casa comercial para obter gneros deprimeira necessidade com uma nota, e, infelizmente, quase ningum tem na actualidade seno dinheiro
dessa espcie, difcil adquirir esses gneros ou por falta de trocos, ou porque se recusam a trocar asnotas sem gio (DCD, 1891-06-12).35 Actas 1891-07-17, 1891-07-22 e 1891-07-28.
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situao, pois, logo que entrava em circulao, era entesourada : da que o papel-moeda de
pequenas quantias fosse visto pela Associao, nesta conjuntura, como a nica soluo
facilitadora das transaces no curto prazo . Por esta razo, a Associao no se ops
emisso de papel-moeda que, na situao ento vivida, seria forosamente usada pelo
Estado para pagar as suas despesas no interior do pas; atravs do Banco de Portugal foi
isto que realmente aconteceu e em poucos anos as notas (de facto inconvertveis )
invadiram o stockmonetrio.
Inflao em regime de monoplio de emisso (a partir de 1891)
AnosPercentagem de notas no stock
monetrioPercentagem reservas metlicas
sobre notas
1860 4,5 1870 4,3 1880 7,2 1890 7,5 51,31891 25,4 7,81892 33,6 13,1
1893 34,1 15,8
1894 35,2 19,1
1895 36,9 20,5
1896 38,6 21,7
1897 41,3 19,7
1898 42,9 19,0
1899 42,2 19,1
1900 42,2
1910 46,9
Fonte: Reis (1992, p. 30) e Santos (1900, p. 49).
Um dos resultados deste novo panorama monetrio foi o fenmeno do gio sobre o ouro, isto
, a subida do preo de mercado do ouro em Portugal. A razo deste fenmeno era a
invaso do stockmonetrio portugus de papel-moeda inconvertvel e com curso forado defacto: por um lado, levava os agentes econmicos a guardar os valores metlicos e a alienar
no mercado a moeda com valor fictcio (papel) e, por outro, porque o metal era raro no
36JC, 1891-07-05 e 1891-07-26.37 Estas emisses de notas de pequenos valores foram realizadas: o Banco de Portugal ps em
circulao grandes quantidades de notas de 2$500rs, 1$000rs e 500rs, e a Casa da Moeda emit iu
cdulas de 100rs e 50rs (cf. JC, 1892-01-03, p. 1).38 Aps a moratria de Maio de 1891, o decreto de 1891-07-09 deu o exclusivo de emisso fiduciria ao
Banco de Portugal e o Decreto de 1891-07-10 prorrogou indefinidamente a inconvertibilidade das notas;vrios decretos procederam a sucessivas diminuies do mnimo de proporo de reservas metlicas
relativamente s notas (cf. Santos, 1900, p. 49).
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mercado, aumentava o preo da sua aquisio em moeda corrente . Esta aquisio
necessria queles agentes que mantm relaes com outros mercados onde no tem
curso forado a moeda com valor fictcio: tm de negociar a com uma moeda que s podem
comprar mais cara que o valor que tem nesse mercado. O comrcio de importao via-se,
assim, particularmente prejudicado, j que teria de adquirir no estrangeiro os bens
comprados com despesas suplementares do gio sobre o ouro. O dfice da balana
comercial ao longo da segunda metade do sculo XIX, resultante da estrutura da procura da
economia privada, conviveu com o crescimento da riqueza geral (mesmo que lento) e da
massa de ouro em circulao : os bens eram importados pelos particulares porque a sua
qualidade e preo lhes permitia realizar poupanas em termos de input, rentabilizando o
output (e eis o que condio para o crescimento da riqueza geral, que suportava o
aumento do ouro em circulao). Entre 1854 e 1891, o valor padro no mercado portugus
era o ouro, em relao ao qual eram referidos os valores dos outros bens e dos servios:
da que o cmbio entre o mil ris-ouro e a libra-ouro fosse estvel, j que havia como base
comum o valor internacional do ouro. Esta paridade foi interrompida quando os particulares
foram obrigados, pelo curso forado, a aceitar pagamentos internamente em moeda de valor
fictcio. Ao realizar-se o cmbio, o detentor de moeda inflacionada perdia a parte do seu valor
nominal no coberta pelo valor real e este era o atribudo pelo mercado livre; ou seja, o
comprador de ouro ou libras ouro tinha de colocar essa diferena a mais em ris
relativamente aopare era a isto que se somava o gio, o preo cobrado pelo cambista ou
agiota pela operao de venda de moeda forte: ao adquirir moeda fraca, este agente incorria
em riscos que compensava com o gio (e, quanto mais depreciada estivesse a moeda
adquirida, maior seria o gio). Da poder inferir-se que esta nova situao monetria
dificultou a rentabilizao do output dos agentes econmicos atravs do acesso a
importaes e o crescimento da riqueza geral.
Aps 1891, com o regime do papel-moeda com curso forado e o monoplio de emisso
controlado pelo Estado, o cmbio entre o mil ris e a libra afastou-se mais doparsempre
que o stockmonetrio em Portugal era inflacionado: foi o que aconteceu no perodo inicial de
18911892, no qual a percentagem inflacionada desse stockpassou de 18,28 % em 1890
para 36,66 % em 1892, provocando a dcalage da libra, do par (4500rs) em 1890, para
5735rs em 1892. Como se pode ver no quadro seguinte, at 1912 o ritmo de inflao do
stockmonetrio abrandou muito e as bandas de oscilao tambm; importante notar-se,
no entanto, que sempre que o lento ritmo de inflao do stockmonetrio aps 1892 dispara
ligeiramente, a banda do cmbio reage e alarga-se: o que se observa em 1898 e 1910 :
39 Sobre a explicao deste fenmeno, nestes termos, pela currency schoolclssica, v. Screpanti e
Zamagni (1995, p. 105). O entesouramento do metal (e o correlativo desaparecimento do mercado)
perante a invaso (forada pela autoridade polt ica) de moeda com valor f ictcio aquilo a que a
chamada lei de Gresham define como tendncia para bad money expulsar good money das
transaces no mercado (cf. Hayek, 1990, pp. 4143).40 De 28 710 contos em 1854 para 112 106 em 1890, segundo Reis (1992, p. 30).41 Os clculos de Mata (1987, pp. 5254) mostram que, posteriormente, se d um novo e maior
alargamento da banda do cmbio no perodo da entrada do pas na primeira grande guerra at finais dadcada de 20; ora este foi um perodo claramente inflacionista.
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Inflao e cmbios, 18901912
Anos
Variao napercentagem
inflacionada do stockmonetrio
Cmbio (ris por libra)Sentido de variao
do cmbio
1890 4500 par
1891 +12,11 4832 +
1892 +6,27 5735 +
1893 -1,94 5600 -
1894 +1,76 5790 +
1895 +1,86 5698 -
1896 +1,76 5853 +
1897 +1,48 6575 +
1898 +2,52 7108 +1899 -0,18 6416 -
1900 +0,12 6320 -
1901 +1,36 6382 +
1902 +1,05 5722 -
1903 -0,22 5581 -
1904 +0,18 5413 -
1905 +0,04 4793 -
1906 +0,46 4582 -
1907 +1,00 4642 +
1908 +0,92 5199 +
1909 -2,01 5185 -
1910 +3,44 5895 +
1911 +1,32 4889 -
1912 +0,42 4974 +
Fonte: Reis (1992, pp. 3031) e Mata (1987, pp. 5254).
5. Os efeitos da crise e o arrastar da depressoO que aconteceu em 1891 foi que o Estado deixou de conseguir financiar-se pela captao
do ouro dos particulares (que o emprestavam atravs dos bancos ou da dvida pblica),
passando ento a recorrer emisso de papel-moeda. Pagando as suas despesas
correntes dentro do Pas com notas de valor fictcio, teve de declarar o seu curso forado,
isto , de obrigar os agentes econmicos a aceit-las como dinheiro; caso contrrio, como
sobreviveriam aqueles a quem o Estado pagava em papel? Apesar das resistncias
causadas pela conscincia do valor fictcio do papel-moeda, o entesouramento das moedas
metlicas (guardadas como reserva de riqueza pelos particulares), causando a crise dos
trocos, obrigou o comrcio de Lisboa a aceitar as notas, e a circulao destas, em regimede inconvertibilidade, iniciou-se. Aceitando-as o comrcio, natural que o pblico tenha
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ganho confiana no poder aquisitivo do papel e a tendncia ter sido para cada agente fazer
a maior quantidade possvel de despesas com o papel e, s esgotado este na sua carteira,
comeasse a despender em metal; se, porm, os rendimentos auferidos em papel fossem
regulares e em maior quantidade, tentaria no alienar os valores em metal, j que estes so
bens com valor intrnseco. Da que a presena de papel-moeda inconvertvel e com curso
forado tenda realmente a afastar o metal das transaces, no sendo de todo
surpreendente o entesouramento ocorrido. Porm, o regime de inconvertibilidade permitia ao
Estado no reduzir as despesas financiadas dentro do Pas, criando-se condies para
prosseguir a tendncia inflacionista, j no gerada atravs de um sistema bancrio
concorrencial, mas pelo prprio Estado, directamente, atravs de um banco emissor
monopolista e por si controlado. As razes deste pendor inflacionista eram as
circunstncias do tesouro e a frouxa energia dos partidos, desde que se costumaram a
resolver as suas dificuldades pelo meio fcil de expedientes ou de sucessivos aumentos de
emisses de notas . A impossibilidade de impor aos credores externos que no estavam
sujeitos autoridade discricionria do Estado portugus moeda de valor fictcio tornou
inevitveis a bancarrota parcial de 1892 e a reduo unilateral dos juros da dvida
consolidada .
A falncia do Estado, do ponto de vista econmico, requeria uma liquidao que obrigasse
reposio de um equilbrio entre os rendimentos (em princpio, fiscais) e os custos dos
servios por si prestados enquanto agncia especializada no fornecimento de proteco e
justia. A aparente impossibilidade, porm, dessa liquidao se fazer sem um colapso da
autoridade do Estado, conduziu os responsveis polticos a evitarem-na e a optarem, mais
ou menos conscientemente, por uma forma subtil de transferncia de riqueza que permitiria a
sua sobrevivncia econmica. Aqueles que vendiam bens, trabalho ou servios ao Estado
seriam, em grande parte, pagos por uma moeda de valor fictcio, porque sem valor
transaccionvel intrnseco: o Estado criava, assim, ex nihilo, uma parte do stockmonetrio
para saldar despesas suas e que, depois, entrava em circulao (inclusivamente,
revertendo ao Estado sob forma de impostos pagos pelos cidados). Este esquema permitia
no s manter o volume de despesas, evitando a liquidao, como elev-las atravs de
aumentos conjugados ou no da emisso de papel-moeda e dos valores absolutos de
exaco fiscal. Esta continuada alocao excessiva de recursos pelo Estado, resultante de
uma liquidao que no se fez, o que pode explicar a estagnao do crescimento
econmico em Portugal durante toda a dcada de 90 do sculo XIX esta estagnao no
foi mais que umadepresso
que se arrastou artificialmente porque, aoboom
anterior, asdecises polticas (mas tambm as preferncias de alguns agentes econmicos) impediram
que se seguisse uma liquidao do crdito inflacionado, que continuou a canalizar recursos
para investimentos inviveis em situao de concorrncia (ou, no caso do Estado,
incapazes de se autofinanciarem pela via fiscal).
42 Santos (1900, p. 92).43 V. Mata (1993).44
V., quanto ao crescimento industrial, por exemplo, os dados fornecidos em Lains (1990, pp. 39
40):passa-se de uma mdia de crescimento da produo industrial de 3,98 % em 18751890 para 1,07 %
em 18901900.
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6. Concluso
A currency schoolclssica oferecia desde o incio do sculo XIX uma explicao para as
consequncias da inconvertibilidade perfeitamente aplicvel crise portuguesa de 1891:
In fact, inconvertibility permitted the financing of an excess of State spending
and generated sharp increases in aggregate demand in monetary terms. In
real terms, however, government expenditure was not an addition to private
expenditure but a substitute for it. In fact, inflation would redistribute wealth
from creditors to debtors and also, therefore, from the private to the State
sector if its budget were in deficit. At the same time, it would create forced
savings, reducing the quantity of consumer goods produced and inflating their
prices.
A inconvertibilidade e cada aumento da emisso fiduciria era realmente uma forma de
transferir riqueza privada para o Estado e para os investimentos inviveis dele dependentes
ou a ele associados. E as despesas deste so substituto do investimento privado (e no
uma forma acrescida de investimento). O controle da emisso e circulao de moeda pelo
Estado confere-lhe, assim, um meio poderosssimo de interferncia no mercado. Essa
interferncia, por seu lado, tem efeitos no comportamento dos agentes econmicos: estes
produzem e consomem menos e o crescimento da riqueza retrai-se. Que esta tenha sido a
tendncia da economia portuguesa nas dcadas posteriores a 1891 no deve, pois,
surpreender. O que surpreende que se tenha relacionado to pouco a estagnao
econmica que se instalou desde ento com a mudana do sistema monetrio e o efeito de
transferncia de riqueza e de manuteno de investimentos inviveis por ele possibilitado.
Na segunda metade do sculo XIX at 18901891, a economia portuguesa continha dois
processos paralelos: um processo benigno de crescimento efectivo da riqueza levado a
cabo pelos agentes econmicos privados e possibilitado por um padro-ouro que estimulava
o investimento produtivo, e um processo maligno de endividamento do Estado e de inflao
do crdito bancrio (aparentemente estimulado por esse endividamento). Os dois processos
coabitaram durante quatro dcadas e continuariam a coabitar enquanto o Estado
continuasse a ter quem acorresse a financiar o seu processo econmico maligno sem ter de
interferir no funcionamento do processo benigno da economia privada. De facto, embora oEstado incentivasse o desvio voluntrio de muitos capitais nacionais de outros
investimentos potenciais para a dvida pblica, o grosso dos seus financiamentos era
externo (divisas da emigrao no Brasil e banca estrangeira). Em 18901891, o processo
maligno entrou em colapso financeiro e teve de fazer o que evitara desde 1854: interferir no
processo benigno e transferir dele o financiamento necessrio manuteno das suas
despesas. Com isto, a performance da economia privada foi decisivamente afectada: e
assim a crise financeira do Estado tornou-se uma crise econmica geral.
O Grfico permite visualizar o desenvolvimento paralelo destes dois processos e o efeito da
45 Screpanti e Zamagni (1995, p. 105).
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crise de 1891 como desenlace no qual o processo maligno passa a condicionar toda a
situao econmica:
Oferta monetria em Portugal na segunda metade do sculo XIX (em contos de ris)
Fonte: Rais (1992, pp. 3031)
No crescimento das moedas metlicas em circulao em Portugal entre 1854 e 1890 est
expresso o processo benigno de crescimento efectivo e sustentado da riqueza. Mas,
simultaneamente, crescem os depsitos-emprstimos dos bancos e o volume de notas de
banco. Repare-se na desproporo a que se chega em 1889 entre os valores em caixa e os
valores de depsitos-emprstimos e notas: tal desproporo a expresso da
vulnerabilidade do sistema bancrio. Em 1890, a crise do processo maligno est j
anunciada e os bancos retraem a sua prtica inflacionista, antevendo uma necessria
liquidao das suas actividades inviveis. Porm, o que vem a acontecer que o Estado
improvisa uma prtica de lender of last resort, declarando o curso forado do papel-moeda
do Banco de Portugal e inundando os seus credores e os dos bancos dessas notas, que,
por fora de decreto, passam a valer como dinheiroper se. Salvam-se o tesouro pblico e
os bancos com uma operao que, como se viu, consiste meramente em pagar aos
credores com recursos que so sacados aos prprios credores .
Tudo isto tem uma justificao poltica evidente, mas tem tambm consequncias
econmicas bem claras. Ao longo dos anos 90 e at ao fim do sculo, o volume de moedas
metlicas em circulao diminui e depois tende a estabilizar, mas num patamar bem mais
baixo que o de 1890. H quem chame retoma a esta travagem da regresso da economia
privada a partir de 18971898, mas o que ocorreu foi a transio entre a sangria de recursos
da economia privada operada pela vaga de emisso de papel-moeda que se seguiu crise
de 1891 e a instalao da longa estagnao por ela inaugurada.
46 E basicamente nisto que consiste a prtica dos bancos centrais como lenders of last resort: o
emprstimo de papel-moeda inconvertvel e de curso forado a bancos falidos por um banco emissormonopolista equivale a uma emisso suplementar de notas (e tem os mesmos efeitos de
desvalorizao da moeda e de transferncia de riqueza dos credores para os devedores).
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