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Dinâmica do processo de ensino 1

6.3 Comunicação e negociação1

O ensino-aprendizagem da Matemática envolve, como vimos, interacções dos alunos entre si e com o professor. Nessas interacções assumem um papel fundamental, a comunicação e a negociação de significados. A comunicação refere-se à produção de mensagens pelos diversos intervenientes na sala de aula, utilizando uma linguagem própria, que é um misto de linguagem corrente e de linguagem matemática. A negociação de significados respeita ao modo como alunos e professores expõem uns aos outros o seu modo de encarar os conceitos e processos matemáticos, os aperfeiçoam e ajustam ao conhecimento matemático indicado pelo currículo.

6.3.1 Comunicação na aula de Matemática

A comunicação na sala de aula é um aspecto fundamental do processo de ensino-aprendizagem da Matemática. Ela é, ao mesmo tempo, um indicador sobre a natureza desse processo e uma condição necessária para o seu desenvolvimento. A comunicação é regulada pelo professor, a quem cabe encorajar os alunos a assumir nele uma participação activa.

Nas aulas de Matemática, a comunicação desenvolve-se sobretudo pela linguagem oral, naturalmente complementada pela linguagem gestual. Recorre, também, à linguagem escrita, à linguagem icónica (desenhos e ilustrações) e, por vezes, a dramatizações.

A comunicação através da linguagem oral tem um papel fundamental na aula de Matemática. Ela é imprescindível para que os alunos possam ouvir o que o professor tem a dizer, exprimir as suas ideias e confrontá-las com as ideias dos seus colegas. Esta comunicação é determinante no que os alunos aprendem acerca da disciplina, quer sobre os conteúdos e processos, quer sobre a própria natureza da Matemática.

A regulação da comunicação oral na sala de aula é parte importante do papel do professor. Ele precisa de saber ouvir com atenção as ideias dos alunos e pedir-lhes que as clarifiquem e justifiquem. Ele tem de gerir a participação dos alunos e decidir quando e como encorajar cada aluno a participar. A condução da comunicação impõe ao professor constantes decisões — o que deve ser aprofundado, quando se devem introduzir convenções matemáticas e linguagem matemática, quando deve fornecer informação, quando deve deixar os alunos lutarem com uma dada dificuldade, etc.

A comunicação através da linguagem escrita proporciona uma oportunidade também importante de expressão das ideias matemáticas. Os registos efectuados no quadro e no caderno do aluno desempenham um papel estruturante, que assume uma importância significativa na aprendizagem. Mas, de um modo geral, a produção escrita dos alunos tende a ser muito limitada, reduzindo-se com frequência à simples realização de

1 Extracto do Capítulo 6 do livro: Ponte, J. P., & Serrazina, L. (2000). Didáctica da Matemática para o

1.º ciclo do ensino básico. Lisboa: Universidade Aberta.

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cálculos necessários para obter a solução dos exercícios e problemas. No entanto, reconhece-se cada vez mais que a produção escrita pode ter um papel importante no ensino da Matemática. Daí o pedir-se aos alunos para redigirem composições desenvolvendo as suas ideias e fazerem relatórios explicando como resolveram um problema ou realizaram uma investigação2.

Existem três modos fundamentais de comunicação entre dois ou mais intervenientes:

• Exposição, em que um dos intervenientes narra uma história ou expõe uma ideia;

• Questionamento, em que um dos intervenientes faz perguntas aos outros;

• Discussão, em que os diversos intervenientes interagem expondo ideias e fazendo perguntas uns aos outros.

Todos estes tipos de comunicação ocorrem numa aula de Matemática. Nos dois primeiros, o controlo da comunicação é essencialmente realizado por um interveniente e, no terceiro, é partilhado por diversos intervenientes. A diferença fundamental entre o primeiro e o segundo está no predomínio do registo afirmativo ou interrogativo. Vejamos mais em pormenor cada um destes tipos de comunicação.

A exposição de uma história, de uma experiência, de uma ideia pode ser feita pelo professor ou pelos alunos. Os ouvintes podem participar, fazendo perguntas de esclarecimento. A realização de exposições pelo professor é uma prática bastante comum no ensino, servindo para introduzir informação, para explicar um procedimento ou para sistematizar um certo trabalho. No entanto, os próprios alunos devem ser também encorajados a realizar exposições previamente preparadas, organizando os seus pensamentos e desenvolvendo a sua argumentação de acordo com a reacção da audiência.

No questionamento, um dos intervenientes – normalmente o professor – faz perguntas sucessivas com determinado objectivo. Questionando os alunos, o professor pode detectar dificuldades ao nível da compreensão dos conceitos e dos processos matemáticos, ajudá-los a pensar, motivá-los para participar e saber se eles estão a acompanhar o trabalho da aula.

Na aula de Matemática, podemos considerar três tipos fundamentais de perguntas: (i) de focalização, (ii), de confirmação, (iii) de inquirição (ver Matos e Serrazina, 1996).

As perguntas de focalização, ajudam o aluno a seguir um certo percurso de raciocínio. Por exemplo, o aluno está perdido no meio de um cálculo e não sabe o que fazer. Através de uma pergunta o professor dá-lhe orientação acerca do passo seguinte a realizar. Ou, noutro caso, o aluno não consegue reconhecer uma regularidade na sequência 1, 3, 6, 10, 15… e o professor pergunta “qual a diferença entre este e este? E entre este e este?…” No fundo, trata-se de falsas perguntas, uma vez que a intenção principal do professor é proporcionar orientação ao aluno de modo a que este complete a sua tarefa.

2 A realização de composições escritas sobre tarefas matemáticas constitui uma oportunidade de interdisciplinaridade entre a Matemática e a Língua Portuguesa.

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As perguntas de confirmação servem para verificar os conhecimentos dos alunos. Por exemplo: “quanto é 5 + 5?”, “o que é um triângulo?”, “quais as unidades de medida do tempo?” Neste caso, o professor sabe de antemão a resposta, mas está a certificar-se se os alunos também a conhecem. Quando os alunos conseguem responder correctamente às perguntas do professor, interiorizam melhor as ideias e ganham confiança em si mesmos.

As perguntas de inquirição visam o esclarecimento do professor. Este procura obter informação de que não dispõe: “como chegaste a esse resultado?”, “o que pensas da afirmação da Marta?” Trata-se do único tipo de pergunta verdadeiramente genuíno, em que o professor procura saber, por exemplo, o modo como os alunos estão a pensar, o modo como resolveram um certo problema, ou qual a sua opinião sobre um dado resultado ou estratégia.

As perguntas de todos estes tipos têm o seu papel na aula da Matemática. Há boas e más perguntas de focalização, de confirmação e de inquirição. Cada um destes tipos deve ser usado de modo equilibrado e na altura própria. Na verdade, fazer boas perguntas não é tão simples como parece. Por exemplo, perguntas que suscitem resposta do tipo “sim” ou “não” ou que, na sua formulação, já incluem a própria resposta, não ajudam o aluno a raciocinar. O Quadro XVII apresenta as sugestões de um professor de Matemática sobre as perguntas mais apropriadas para promover a aprendizagem.

Quadro XVII — A arte de questionar

1. Tento fazer uma pausa depois de uma pergunta... A pausa deixa claro que a pergunta é dirigida a todos, e não apenas a um ou dois dos mais rápidos e dos que levantam a mão. Muitos alunos nem sequer tentam responder a uma pergunta a não ser que sintam seguros da resposta. Uma pausa maior dá-lhes tempo para pensar e para ganhar confiança antes de responderem.

3. Tento evitar responder às minhas próprias perguntas. Muitas vezes, costumava responder às minhas próprias perguntas quando não havia um voluntário para fazê-lo ou quando estava com pressa. Isto levava os alunos a pensar que eles não eram obrigados a responder.

4. Tento fazer, a seguir às respostas dos alunos, a pergunta “porquê?”. Isto ajudará os alunos que não sabiam responder à pergunta inicial a compreender como é que se chegou à resposta. Encorajará igualmente a discussão entre os alunos e eliminará as respostas ao acaso. Ouvir uma resposta curta raramente se torna útil. “Porquê?” deveria ser uma das perguntas mais frequentemente usadas na sala de aula.

5. Tento limitar o uso de perguntas que se baseiam quase exclusivamente na memória. Os alunos podem ser perfeitamente capazes de recitar, por exemplo, a propriedade associativa, mas isso não significa que eles reconheçam a propriedade ou a apliquem numa situação nova.

8. Tento que a seguir à resposta de um aluno haja uma reacção por parte da turma ou de um outro aluno. Esta é uma outra forma de encorajar os alunos a ouvirem-se uns aos outros.

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9. Tento insistir na atenção durante as discussões. Pretendo que todos os alunos aprendam a ouvir — a ouvir-me a mim, a ouvirem-se uns aos outros, a ouvirem toda a gente.

18. Tento substituir exposições por um conjunto de perguntas apropriadas. Com alguma orientação, os alunos podem descobrir as mesmas ideias que eu tinha planeado transmitir-lhes de um modo expositivo.

19. Tento evitar que as perguntas façam apelo a respostas orais em grupo. O interesse da informação que obtenho desse tipo de respostas é duvidoso. Poderia perguntar, por exemplo, “a que é igual a soma de 7 e 5, turma?”. Ouviria a turma inteira a responder numa entoação de rotina: “12”. Mas significa isso que todos compreendem?

(adaptado de David Johnson, 1982, pp. 9-12)

Não há nenhuma razão para que os alunos não assumam, eles próprios, o papel de protagonistas no questionamento. Isso pode acontecer, em certos casos, na sequência da exposição para toda a turma de um aluno ou um grupo de alunos ou até, mais informalmente, no decurso da realização de um trabalho de grupo.

A discussão é o modo mais importante que pode assumir a interacção entre os alunos ou entre alunos e o professor. Aqui o controlo passa sucessivamente de interveniente para interveniente e o registo alterna-se entre o afirmativo e o interrogativo. Uma discussão tem sempre um objectivo, que pode ser a estratégia a seguir para a realização de uma tarefa, a avaliação de uma dada solução, o balanço do trabalho realizado ao longo de todo um período, etc.

Uma discussão pressupõe uma certa igualdade de papéis entre os diversos intervenientes. No entanto, um deles (normalmente o professor) poderá ter de assumir um papel de moderador, gerindo a sequência de intervenções e orientando, se necessário, o respectivo conteúdo. Uma discussão pode ocorrer em situações muito diversas. Pode envolver participantes que têm ideias já bem definidas em relação a um dado assunto, e que argumentam as suas posições com convicção, mas também pode envolver participantes que estão a fazer uma exploração inicial de um assunto, procurando “pensar em voz alta” em conjunto sobre ele.

Uma discussão entre alunos pode ser extremamente reveladora acerca do seu modo de pensar, como se ilustra no seguinte diálogo:

P: Quanto é 4,38 × 100?

A1: Penso que é 4,3800.

P: O que é que o resto da turma pensa?

A2: Sim, penso ser — 4,3800.

A3: Não, não é. É 438.

P: O que pensas, agora, A1?

A1: É 4,3800. Temos apenas de acrescentar dois zeros.

P: O que têm estes zeros no fim?

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A3: Porque estão aqui, então?

A1: Porque tens de acrescentar dois zeros.

A3: Mas não fazem nenhuma diferença aqui.

A1: Pode ter 4,3800 ou 4,38.

P: Então pensas que a resposta pode ser tanto 4,38 como 4,3800?

A1: Haaa... é o mesmo. Não faz diferença.

(Bishop e Goffree, 1986, p. 348)

Uma discussão como esta entre alunos numa sala de aula, seguida por todos, é algo relativamente raro. Neste caso, o professor usa o seu poder de modo positivo, sem se precipitar em corrigir os alunos que manifestam ideias erradas. É claro que deve procurar que eles cheguem à ideia correcta, mas em vez de lhes dar de imediato a solução, poderá tentar que a alcancem através do desenvolvimento do conflito cognitivo que se evidencia nas suas intervenções.

Uma outra discussão entre alunos, que ilustra o desenvolvimento da sua compreensão do papel convencional das representações matemáticas é a seguinte:

Rui: Mas é dez porque podes chamar-lhe dez?

Nuno: Sim.

David: É simplesmente um número. Tal como o meu nome é David.

Nuno: É?

David: Tal como o meu nome é David, o número é chamado dez. Tens que ter um nome.

Cristóvão: Sim porque o teu nome não pode ser chamado dez.

Nuno: O meu nome é Nuno. Suponho que é o mesmo.

Cristóvão: O teu nome podia ser dez (risos).

Nuno: Ou onze ou doze.

(Bishop e Goffree, 1986, p. 326)

Usando os diversos modos de comunicação, os alunos devem explicar o significado de conceitos, fazer conjecturas, propor estratégias e soluções para os problemas, devem discutir, testar, aplicar e verificar as suas descobertas. Ao raciocinar em voz alta, desenvolvem em cooperação as ideias e o conhecimento matemático. Na resolução de um problema, os professores devem explorar as sugestões dos alunos, ajudá-los a avaliar as sugestões dos colegas e reflectir criticamente sobre elas, levantando objecções e implicações. A participação activa dos alunos na aprendizagem proporciona constantes oportunidades para discutir, colocar questões e reforçar a compreensão da Matemática e da sua ligação à vida corrente.

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O professor deve conduzir a comunicação na aula de Matemática de modo a que os alunos oiçam, respondam, comentem e façam perguntas uns aos outros. Deve procurar que os alunos formulem questões, proponham conjecturas e apresentem soluções, explorem exemplos e contra-exemplos e utilizem argumentos matemáticos para determinar a validade de afirmações, tentando convencer-se a si próprios e aos outros. Os alunos devem aprender a aceitar ou rejeitar afirmações com base em raciocínios matemáticos. É através da comunicação que tomam consciência dos processos de construção e validação do conhecimento matemático, que aprendem a determinar se uma certa afirmação é ou não uma verdade matemática.

Em qualquer aula de Matemática existe um fluxo contínuo de comunicação. O professor deve garantir que essa comunicação se efectua em múltiplos sentidos — dele para os alunos, dos alunos para si e entre os próprios alunos. Para isso, deve fomentar interacções entre todos os intervenientes na aula, estabelecendo as regras adequadas. Da fluência e da naturalidade da comunicação entre os diversos intervenientes, bem como da diversificação dos suportes (orais, escritos, icónicos, audiovisuais, novas tecnologias e dramatizações) depende grande parte do sucesso no desenvolvimento dos conhecimentos, capacidades, atitudes e valores estabelecidos no currículo.

6.3.2 Negociação de significados

Uma negociação é uma interacção entre dois ou mais intervenientes, com pontos de partida e interesses muitas vezes diferentes, que podem ter algo a dar uns aos outros. No processo de ensino-aprendizagem, o professor e os alunos têm, à partida, experiências e conhecimentos muito diversos. Na sala de aula, o professor é o perito e o aluno é o aprendiz. Para o professor, os conceitos matemáticos têm um significado rico, pleno de ligações com outros conceitos e processos matemáticos. Para o aluno, os conceitos matemáticos começam por não ter qualquer significado. O significado dos conceitos e relações matemáticas é o que está no cerne deste processo de negociação.

Bishop e Goffree (1986), caracterizam do seguinte modo o desenvolvimento do significado matemático:

O significado matemático é obtido através do estabelecimento de conexões entre a ideia matemática particular em discussão e os outros conhecimentos pessoais do indivíduo. Uma nova ideia é significativa na medida em que cada indivíduo é capaz de a ligar com os conhecimentos que já tem. As ideias matemáticas formarão conexões de alguma maneira, não apenas com outras ideias matemáticas como também com outros aspectos do conhecimento pessoal. Professores e alunos possuirão o seu próprio conjunto de significados, únicos para cada indivíduo (...) (p. 346)

Estes autores descrevem assim o processo de negociação do significado dos conceitos matemáticos que ocorre entre professor e aluno:

Na partilha de significados o professor que deseja promover a negociação na sala de aula deve ainda ter em conta que precisa de questionar e responder a questões, dar razões e pedir razões, clarificar e pedir clarificação, dar analogias e pedir analogias, descrever e pedir descrições, explicar e pedir explicações dar e receber exemplos. A

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simetria é óbvia e, podíamos argumentar, necessária se queremos que ocorra uma genuína negociação de significados. (p. 353)

A negociação de significados matemáticos na sala de aula implica que cada um dos intervenientes, professor e alunos, tornem os seus próprios significados visíveis no processo. Através da troca de ideias realizada pela comunicação, cada um fica a conhecer melhor os referentes do outro. Neste processo, a referência a elementos significativos do contexto cultural do aluno e a reflexão sobre tarefas já previamente realizadas na classe desempenha um papel fundamental.

Cabe ao professor estabelecer condições favoráveis ao desenvolvimento normal do processo de negociação de significados matemáticos na sala de aula. Ele deve estimular os alunos a falar e contribuir com frequência. Os alunos, pelo seu lado, necessitam de desenvolver a sua confiança para intervir neste processo e interiorizar as regras adequadas de participação. Precisam de compreender que devem dar uns aos outros a possibilidade de falarem, tratar as diversas contribuições com respeito, perguntar quando não entendem as ideias dos outros, objectar se sentem que uma contribuição é de algum modo inválida, apresentar razões para as afirmações realizadas. Uma atenção especial deve ser dada em separar a ideia da pessoa que a dá. Todas estas normas de procedimento são também válidas para as intervenções dos professores.