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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC SP
Marco Alexandre Nonato Cavalcanti
Educação Patrimonial e EJA: Instrumento para a Discussão
Sobre Memória e Patrimônio Cultural
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
São Paulo
2015
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC SP
Marco Alexandre Nonato Cavalcanti
Educação Patrimonial e EJA: Instrumento para a Discussão
Sobre Memória e Patrimônio Cultural.
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
Dissertação de mestrado apresentada à Banca
examinadora da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, para obtenção do título de mestre
em História, no Programa de Estudos Pós
Graduados em História Social, sob a orientação
do Prof. Dr. Luiz Antônio Dias.
São Paulo
2015
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Banca Examinadora
_________________________________
_________________________________
_________________________________
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Agradecimentos
São muitos os agradecimentos, pois reconheço cada uma das pessoas que me
ajudaram a chegar à essa conquista.
Agradeço às minhas filhas. Muito obrigado Sofia e muito obrigado Sarah. A
minha força maior vem de vocês.
Ao meu pai Amaro Cavalcanti Neto e aos meus irmãos e que sempre
acreditaram e me apoiaram nos estudos e sempre torceram por mim.
Agradeço à minha mãe, Minerva Nonato e minha avó Francisca Nonato, que de
forma invisível me ajudaram a escrever cada uma dessas linhas.
Aos amigos da PUC-SP por estarmos numa constante reflexão da organização
dos nossos trabalhos e nesse processo colaborávamos uns com outros nas nossas
produções.
Aos professores da PUC-SP que me desafiaram a expandir conhecimento,
sempre com a responsabilidade de práxis e diálogo. Mais ainda, agradeço ao Professor
Luiz Antônio Dias por estimular, me auxiliar e me encorajaram e nessa trajetória de
busca do conhecimento.
Às pessoas que se dedicam à defesa da memória e do patrimônio de São
Bernardo do Campo, do ABC Paulista e de todo o país.
Aos companheiros educadores da Educação de Jovens e Adultos. Tenho muito
orgulho de fazer da Educação Popular e da luta por uma educação para a libertação.
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Dedicatória
Dedico este trabalho aos Jovens e Adultos desse país que tiveram seu direito à
educação negado e, mesmo assim, com todas as adversidades possíveis, não
desistiram de aprender ao longo da vida, encontrando na Educação de Jovens e
Adultos o espaço para o compartilhamento de saberes.
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Poema: Memória Consentida
Neste lugar sem tempo nem
memória,
nesta luz absoluta ou absurda,
ou só escuridão total, relances há
em que creio, ou se me afigura,
ter tido, alguma vez, passado
com biografia, onde se misturam
datas, nomes, caras, paisagens
que, de tão rápidas, me deixam
apenas a lembrança agoniada
de não mais poder lembrá-las.
Sobra, por vezes, um estilhaço
ou fragmento, como o latido
de um cão na tarde dolente
e comprida de uma remota
infância.
Ou o indistinto murmúrio de vozes
junto de um rio que, como as
vozes,
não existe já quando para ele
volvo, surpreso, o olhar cansado.
Insidiosas, rangem tábuas no
soalho,
ou é o sussurro brando do vento
no zinco ondulado, na fronde
umbrosa
dos eucaliptos de perfil no
horizonte,
com o mar ao fundo. Que soalho,
de que casa, que vento em que
paragens,
onde o mar ao longe que,
entrevistos,
os não vejo já ou, sequer, recordo
na brevidade do instante cruel?
De que sonho, ou vida, ou espaço
de outrem
provêm tais sombras melancólicas,
ferindo de indecifráveis avisos
este lugar em que, não sendo
consentido
o coração, se não consentem tempo
e memória?
Pausa ou pena, a seu oculto
propósito há-de
sempre opor-se, lenta, a inexorável
asfixia
desta luz absurda, ou só escuridão
total.
Rui Knopfli
Resumo
O presente trabalho se refere a uma pesquisa de mestrado que abordou a análise de
patrimônio como representação cultural, uma construção simbólica de evocação de
memórias coletivas e sociais para afirmação de identidades de povos, num estudo de
matriz crítica, analisando as disputas de classes na interlocução da história. Para isso
houve uma pesquisa bibliográfica sobre patrimônio cultural e memória em que
ocorreu uma reflexão sobre o conceito significativo e contextualizado de patrimônio e
as disputas de memórias, observadas como conflitos e embates sociais. Em
continuidade ao estudo teórico, foi realizada uma aproximação a um território, com
uma abordagem social, cultural e econômica do local, observando as evidências da
história - memória desse espaço, resignificando o conceito de disputas de memórias e
como consequência a ausência de reconhecimento de determinados grupos em bens
tombados. Nesse eixo da pesquisa houve análise documental sobre os patrimônios
culturais do território em estudo, numa reflexão alinhada aos documentos de
abrangência nacional e com a temática em observação. Como condição de elucidar
possibilidades de superação dessa situação, a pesquisa aborda um conceito de
Educação Patrimonial e enquanto estudo documental se aproxima da proposta
curricular de história da modalidade EJA de São Bernardo do Campo - SP, observando
os limites e as possibilidades do estudo de história na perspectiva da memória
individual e coletiva. Com essa contextualização o estudo objetiva analisar as disputas
de organização e tratamento das memórias coletivas num território, por meio da
análise dos patrimônios culturais, observando as forças de poder, além disso, propõe
uma reflexão sobre Educação Patrimonial, como possibilidade de resistências às
forças hegemônicas de afirmação de memória de grupos, numa perspectiva de
provocar reflexão para lutas e afirmação de identidades coletivas.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural, Memória, Educação Patrimonial.
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Abstract
This paper refers to a master's research which approached the heritage analysis as a
cultural representation, a symbolic construction that evoke collective and social
memories to assert peoples identities, a study of critical matrix analyzing the dispute
among social classes throughout history. To accomplish this, there was a
bibliographical research on cultural heritage and memory in which there was a
reflection on the significant concept in context of heritage and disputes memories,
observed as conflicts and social struggles. Continuing the theoretical study, an
approach to a territory was carried out, touching upon the social, cultural and
economy of the site, noting the evidence of history - memory of that space, redefining
the concept of dispute memories and consequently the lack of recognition of certain
groups in heritage goods. In this axis of the research, a document analysis was carried
out about the cultural heritage of the territory under study, in a reflection aligned to
nationwide documents and the subject under observation. As a condition to elucidate
possibilities of overcoming this situation, a research approaches a concept of heritage
education and while documentary study approaches the proposed curriculum EJA
history mode of São Bernardo do Campo - SP, observing the limits and the
possibilities of history study in the perspective of individual and collective memory.
In this context, the study aims to analyze the organizational disputes and treatment of
collective memories in a territory through the analysis of cultural heritage, observing
the forces of power, moreover, it proposes a reflection on Heritage Education, as the
possibility of resistance to hegemonic forces of group´s memory statement, in the
perspective of provoking thought for fights and affirmation of collective identities.
Keywords: Cultural Heritage, Memory, Heritage Education.
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Lista de abreviaturas
ABC – Conjunto de sete cidades da Região Metropolitana de São Paulo
ACISA – Associação Comercial de Santo André
COMPACH – Conselho Municipal Patrimônio Artístico Histórico e Cultural
EJA – Educação de Jovens e Adultos
ENEP – Plano Nacional de Educação Patrimonial
GIPEM – Grupo Independente de Pesquisadores da Memória
IPHAN – Instituto Patrimônio Histórico Artístico Nacional
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
PAC – Programa de Alfabetização e Cidadania
PAMJA – Programa Municipal de Jovens e Adultos de São Bernardo do Campo
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PEC – Projeto de Emenda Constitucional
PPP – Projeto Político Pedagógico
PROMAC – Programa Municipal de Alfabetização e Cidadania
OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
SBC – São Bernardo do Campo
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
CAPÍTULO I ........................................................................................................... 24
1.1 PATRIMÔNIO CULTURAL ................................................................... 25
1.2 MEMÓRIAS E DISPUTAS ...................................................................... 34
1.3 MEMÓRIA DO TRABALHADOR ......................................................... 46
CAPÍTULO II .......................................................................................................... 54
2.1 SÃO BERNARDO DO CAMPO - UMA CIDADE INDUSTRIAL E
OPERÁRIA ................................................................................................ 55
2.2 ORGÃOS DE PRESERVAÇÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES ........ 61
2.3 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E EDUCAÇÃO .................................... 71
CAPÍTULO III ........................................................................................................ 84
3.1 PLANO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM SÃO BERNARDO
DO CAMPO ................................................................................................ 86
3.2 EDUCAÇÃO DE JOVES E ADULTOS EM SÃO BERNARDO DO
CAMPO ...................................................................................................... 95
3.3 CURRÍCULO E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL PARA A CLASSE
TRABALHADORA ................................................................................. 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 113
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INTRODUÇÃO
Esse trabalho faz uma análise sobre patrimônio cultural, em que se observa a
negação da história-memória de determinados coletivos de sujeitos, como estuda
instrumentos que podem ser utilizados para garantir uma participação popular na
apropriação de participação na construção da identidade de uma comunidade.
Inicialmente, o objetivo de pesquisa que foi apresentado seria a realização de
uma análise das visões distintas sobre a identidade nacional no Brasil dos anos de
1930 fazendo um estudo sobre o Anteprojeto de Proteção do Patrimônio Artístico
Nacional, produzido por Mario de Andrade a pedido do então Ministro da Educação e
Saúde, Gustavo Capanema, que propunha a criação de um órgão específico para a
área que se tornaria o embrião do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – IPHAN, frente à ideologia do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Analisar o projeto estatal de identidade nacional na Era Vargas, nos permite
reconhecer a força de um Estado que concebia a necessidade de edificação de seu
projeto a partir da divulgação de uma cultura política, que legitimasse uma ordem
nacional coesa, unitária, pacífica e ordeira.
Porém, com o desenvolvimento da pesquisa, pode-se constatar as mais diversas
perspectivas que se relacionassem com o Patrimônio Cultural, e o trabalho foi se
transformando em uma análise mais específica da relação entre o Patrimônio, a
memória e a educação.
As primeiras reflexões sobre essa situação se apresentam em tempos em que se
é observado a ausência das histórias da classe trabalhadora em patrimônios culturais e
mais seriamente, ausentes no reconhecimento das identidades dos educandos para
quem leciono.
Essa observação ultrapassou o limite da sala de aula e atingiu diferentes
contextos de circulação e nessa condição, acabo por observar que as cidades ocultam
12
determinadas memórias e por interesses expressam outras, representadas por
patrimônios que muitas vezes se quer são enxergados pelas comunidades.
Com essa reflexão que se constrói a cada dia, observando constantemente essa
realidade, é possível constatar um problema de ordem social que aproximo da pós-
graduação com a prerrogativa de analisar de forma mais ampla, a temática sobre
patrimônio cultural e uma ação educativa voltada para esse tema.
A ampliação desta reflexão se consolidou nas participações das aulas do
Programa de História Social, da PUC-SP, em que, junto com meus colegas de sala,
ampliei o pensamento sobre a formação da identidade com base no patrimônio
cultural, com leitura das disputas de memórias em decorrência das lutas de classe.
Esse caminhar permitiu a constituição da presente pesquisa que tem como
objetivo geral, evidenciar as disputas de memórias pelas representações de patrimônio
cultural e estabelecer uma análise sobre as contribuições da educação patrimonial para
construção de identidades coletivas, pela recuperação da memória representativa.
Com o aprimoramento desse pensamento o problema da pesquisa se concretiza
enquanto estudo, e para materializar a análise no questionamento: Quais os motivos
da ausência de memórias e de reconhecimentos dos sujeitos em contextos de
representações na história e nas memórias?
Nessa questão, a pesquisa se evidencia num movimento que vem como uma
contribuição importante para um tema mais crítico e se faz numa ligação direta com a
minha experiência de vida e dos problemas que enfrento em minha rotina de
trabalhador que não somente envolve a história, mas também a educação.
Assim, a dissertação se transforma e passa a ser apresentada como um debate
sobre a Educação Patrimonial com o título: “EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E EJA:
INSTRUMENTO PARA A DISCUSSÃO SOBRE MEMÓRIA E PATRIMÔNIO
CULTURAL”. A pesquisa então se consolida no enfoque tanto na história, como no
Patrimônio Cultural e na Educação Patrimonial, observando-os como questões que
podem provocar a sensibilização das comunidades quanto à preservação de seu
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patrimônio e de sua memória através da adoção de posturas preservacionistas, sendo
que um dos principais fatores de dano ao patrimônio histórico e cultural e sua
desqualificação como fonte de referência para a identidade local, na maioria das vezes
é derivada do desconhecimento de sua importância e consolidada pela invasão de
culturas estranhas. É nessa realidade que a Educação Patrimonial se apresenta como
um instrumento para aproximar a população do conceito de apropriação e
reconhecimento de patrimônio cultural brasileiro.
Para isso, há diálogo com diversos autores que possibilitem uma compreensão
maior sobre as principais questões levantadas durante esse estudo. Primeiramente ao
fazer um conceito sobre Patrimônio Cultural, foi feito estudos em análise do
pensamento. Para sustentação dessa abordagem, teve-se uma aproximação com as
ideias de Françoise Choay, ao conceituar patrimônio histórico e artístico; Sandra
Pesavento, que trata do sentimento de pertencimento; Maria Cecília Londres Fonseca
ao tratar de políticas de preservação. Com Michael Pollak pode-se fazer uma
observação sobre a memória. Canclini fala sobre a teoria social do patrimônio e J. Le
Goff, uma referência à definição de monumento, entre outros autores que tratam de
questões recorrentes ao tema.
Depois, com os debates ligados às disputas de memória e à memória da classe
trabalhadora, observada enquanto disputa de classes, a análise se centrou no
tratamento de memória como produção de E. P. Thompson, quando descreve a
questão sobre consciência de classe. Também é feita referência a Bourdieu quando
trata de mobilidade social.
Outra parte, quando é tratada a Educação e a Educação Patrimonial, há
observação com o processo de formação de sujeitos, compreendido numa reflexão de
que educação não é um ato neutro e que numa organização curricular,
intencionalidades de Currículo se apresentam. Assim, o estudo foi sustentado num
pensamento crítico e libertador, pautando a Educação Patrimonial como uma das
possibilidades de reconhecimento das memórias e de identidades de classes que vivem
processos de opressão social. Para esse pensamento de Currículo crítico houve uma
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reflexão sobre Currículo e educação embasada em Michael Apple, Paulo Freire entre
outros.
No primeiro capítulo, discute-se a noção e definição de Patrimônio Cultural.
Para entender como se define e como se desenvolveu a ideia de patrimonialização,
busca uma visão das motivações e necessidades de preservação do patrimônio
cultural, como também reconhece e sua longa trajetória histórica, percorrida desde
seus primórdios até sua consagração como de expressiva importância para a
comunidade brasileira.
Com o processo de conceituação de patrimônio cultural trilhando para
dimensões mais amplas, surge a importância de se preservar, além de monumentos
tidos como de valor histórico, também a diversidade de manifestações culturais que se
encontram presentes nos mais diversos espaços, uma nova forma de pensar a
preservação do patrimônio cultural que possa ter uma maior abrangência em sua
esfera de atuação, e que permita ampliar a valorização e a preservação das mais
variadas manifestações do patrimônio imaterial tão relevante para nossa sociedade.
E na observação das ações de construção de nossa identidade por meio do
patrimônio cultural, é possível confirmar, em grande parte dos casos, pouca ou quase
nenhuma participação de determinadas classes sociais nesse processo, levando a uma
consequente falta de valorização desses indivíduos se reconhecerem nessas memórias
preservadas, sendo isso um grande desafio nas ações de preservação.
Com essa definição em sistematização, é possível compreender que a cultura
compõe-se de significados, ideias e concepções, acompanhando o dinamismo da
própria vida. Esses significados se expressam através de práticas sociais, através do
discurso e das manifestações artísticas de um povo, levanto essas questões em uma
aproximação com um contexto territorial.
Com a leitura de que essa situação não é algo natural, mas fruto da organização
social desigual do país, pois enquanto contexto territorial que se estrutura
economicamente em condições de disputas de classes, os embates se afirmam, e
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nesses contextos, algumas histórias são mais fortes do que outras, a ponto de marcar
ausência de determinadas história-memórias.
Dessa forma, visualiza-se a possibilidade de percepção da comunidade dessa
situação, num processo coletivo e organizado por trabalhadores e pelos que pretendem
reconhecer e reivindicar a memória na construção do processo histórico da cidade.
Uma ação complexa de afirmação, pautado por conflitos para levantar a possibilidade
para a preservação e representação da memória operária.
A questão norteadora desta ação se pauta no distanciamento dos trabalhadores
de elementos de identidade cultural, levando em consideração a ausência de
conhecimento crítico e apropriação consciente dos bens culturais essenciais no
processo de preservação e reafirmação da identidade local.
No segundo capítulo, é lançada uma análise sobre a realidade encontrada na
cidade de São Bernardo do Campo, situada na Grande São Paulo, na região do ABC
Paulista, que é considerada o principal polo industrial e automotivo do Brasil e uma
referencia internacional no setor.
Nessa parte da pesquisa tem uma necessidade de fazer um referencial histórico
e de descrição dessa realidade para que se entenda como foi esse processo e para que
se evidencie a força industrial e trabalhadora nessa cidade. Nesse ponto do estudo há
uma análise da história, observando as relações econômicas e sociais entre os sujeitos
e suas interferências em toda a organização territorial da cidade, território esse,
observado como local que favorecia uma logística proveitosa, pela ligação entre São
Paulo e Santos, e favorecido com incentivos fiscais oferecidos pela administração
local, entre outras questões, aspectos fundamentais para vinda de muitas empresas
multinacionais que usufruíram dessas vantagens e criaram suas sedes em São
Bernardo do Campo.
Um contexto que ocasionou a atração de um imenso contingente migratório
para a cidade que passa a servir de mão-de-obra para essas indústrias. Há um
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acelerado processo de crescimento urbano que transforma essa localidade que antes
era uma pequena e bucólica cidade no início do século XX para uma metrópole.
Junto com essa imensa transformação do cenário da cidade, resultado da ação
direta desse crescimento do poder industrial, surge um sindicalismo, que se mostra
extremamente organizado e com imensa força de ação pela reivindicação, que
transforma a cidade em um referencial nacional, para em meio a momentos de crises
econômicas, servir de cenário para um dos mais belos exemplos de movimento
grevista que já ocorreu.
São Bernardo do Campo, na década de 1990, sofreu as consequências das
políticas neoliberais do mercado internacional. Em consequência disso, o setor
industrial, tão importante para a economia local, passou por transformações relevantes
tanto em sua organização, como em seus processos produtivos, além da reestruturação
do próprio mercado de trabalho. Esse setor perdeu um importante espaço abrindo a
economia da cidade a alternativas setoriais, como o de serviços, além da crescente
realidade do mercado informal.
E as heranças culturais que são guardadas do período de força industrial e da
ação ativa dos metalúrgicos, são representadas por meio de ações específicas e de
bens materiais nos tempos atuais, do que sobrou desse período distinto de crescimento
e ápice da indústria, e a necessidade de sua valorização é também a necessidade de
sua preservação como material e imaterial.
Em continuidade ao desenvolvimento da pesquisa, é indispensável conhecer a
história e o trabalho realizado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e
Cultural de São Bernardo do Campo (COMPAHC-SBC) que é um órgão que presta
uma assessoria aos mais diversos assuntos que venha a se relacionar com a
valorização do patrimônio cultural, sua proteção e sua preservação. Teve sua criação
em 1984 e tem seu vínculo à Secretaria de Cultura.
Dentre os assuntos tratados pelos conselheiros municipais para o Patrimônio
Cultural estão sugestões e realizações de tombamentos, consultoria de possibilidades
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de ações de tombamento, emissões de pareceres no que se refere à demolição e
construção, entre outras ações que trate de interesses diante de bens em potencial,
materiais e imateriais, de interesse da cidade. Esse conselho é composto por um
colegiado de vinte representantes, sendo metade pertencente à administração pública
municipal, representada por várias secretarias e a outra metade composta por
integrantes da sociedade civil. Um trabalho de extrema importância, que consiste na
identificação de construções e bens que representem, que transcrevam momentos e
características históricas da cidade.
Porém, nessa questão, cabe a observação, tendo em vista que, os locais
legitimados como patrimônios culturais pelo Conselho de Patrimônio de São Bernardo
não refletem a formação industrial da cidade e todo o desenvolvimento do município
nessa questão, sendo que apenas dois bens representam esse patrimônio industrial:
Torre da Elni e a Chaminé da Avenida Pery Ronchetti1.
O cenário econômico e a consideráveis transformações do setor industrial da
cidade são refletidas nos números de evasão desse setor e em consequência disso, uma
significativa mudança em sua paisagem e em seu modo de convívio social. Uma
situação que exige uma reflexão no que se refere a memória e seus espações, tanto do
setor industrial como do trabalhador e suas ações, muito importantes para escrever a
construção da cidade, e dessa forma também, torna-se necessário até para se figurar
possíveis possibilidades para o futuro econômico e social de São Bernardo do Campo.
Debater Educação Patrimonial nos faz observar o quanto o assunto está
ausente ou distante da sociedade, em particular do cotidiano escolar. Torna-se
necessário compreender sua intenção e abordagem educacional no trato com as
noções e práticas patrimoniais
Mais do que isso, a permanência dos resultados do processo educativo se dá a
partir da construção do conhecimento, concebido como resultado de uma interação
1A Chaminé da Avenida Pery Ronchetti é uma chaminé com 27m de altura foi construída na década de 1950,
por uma indústria siderúrgica chamada Usina Metalúrgica Itaetê S/A. A Torre da Elni é uma torre de
sustentação da caixa d’água da Empresa Sociedade Elni de Produtos Manufaturados Ltda., construída nos anos
1940.
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entre os diversos sujeitos sociais que compõem a comunidade: escola, família,
instituições, educandos, entre outros, na qual o sujeito-aprendiz é sempre um elemento
ativo, que procura compreender o mundo que o cerca e que busca resolver as
interrogações que esse mundo provoca.
E diante da importância da ação educativa que envolve a Educação Patrimonial
como instrumento fundamental, que essa relação que se deve estabelecer entre os
lugares de trabalho, a memória do trabalhador, a educação e o processo de
patrimonialização sejam articulados para que se objetive para São Bernardo do
Campo, o que deve ser preservado e como isso deverá ocorrer. Para isso evidencia-se
a necessidade de se refletir a cidade como um todo, considerando o processo histórico
que representa por formação, seu processo de industrialização e sua transformação
para a realidade atual.
A imensa contribuição que é possível ter por meio da Educação Patrimonial se
vê através de um contato direto e uma sistematizada observação (registro, exploração
e apropriação) entre sujeito e objeto para que possa conjurar com sua comunidade, no
acesso aos mais diferentes equipamentos culturais e na reflexão com vistas para a
apreciação e enriquecer do espaço que o rodeia.
A Educação Patrimonial é um instrumento efetivador desse movimento, que se
atenta para dois aspectos relevantes com que considera o potencial do conhecimento
relativo ao objeto e o valor afetivo que leva um bem a ser tombado e que vem, em
contra partida, valorizar aspectos de identificação comum a todos da comunidade. A
apropriação do patrimônio cultural só ocorre com o se identificar nele.
Deve-se entender que a Educação Patrimonial é importante instrumento de
ensino, que possibilitará uma participação de forma ativa de cidadãos que não se
identificam com o Patrimônio Cultural de suas comunidades, sendo também uma
forma de intervirem e se mostrarem como pessoas, que também possuem suas
memórias e a necessidade de igualmente construírem a identidade da sociedade em
que vivem. Um processo de troca em que se aprende e também transforma os bens
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que serão fontes de estudo. Uma forma de valorizar uma ação cidadã, servindo de
forma efetiva pela inclusão de todos os sujeitos.
Nessa perspectiva, a educação é vista como processo. Processo de apreensão de
conhecimentos através da reflexão constante, do pensamento crítico, criativo e da
ação transformadora do sujeito, constituindo-se uma atividade condicionada histórica
e socialmente.
Seguindo esse pensamento, concebe-se a educação patrimonial como os
processos educativos baseados na construção do conhecimento que envolva a
coletividade, pelo processo de diálogo que envolve diferentes atores sociais, que
possam deter referências da cultura e convivam com as diversas noções de patrimônio
cultural e a efetiva participação das diversas comunidades.
É de extrema importância trabalhar a questão do Patrimônio Cultural nas
escolas como uma ação de fortalecimento de toda a coletividade envolvida com a
comunidade escolar, por meio das heranças culturais, com a afirmação de uma relação
desse sujeito com os bens históricos e artísticos, construindo em si o papel de agente
ativo pela preservação e valorização dos bens tombados em uma ação de
fortalecimento de sua participação cidadã, num processo de considerável importância
de inclusão social.
No terceiro capítulo, ocorre uma discussão do Plano Municipal de Cultura,
sobre Educação Patrimonial da cidade de São Bernardo do Campo. Nessa leitura há
uma análise da intencionalidade de proposições sobre preservação e memória de
patrimônios públicos coletivos. Essa leitura foi significativa para indicar uma
reflexão, de como a temática em pesquisa é evidenciada na Diretriz Curricular de EJA
do município citado e assim, tem–se um tratamento sobre a matriz curricular, que
permite o acolhimento de Educação Patrimonial como uma ação contra hegemônica,
para reflexão da identidade e memória de coletivos, formação histórica e cultural da
cidade de São Bernardo do Campo, observando como a Educação Patrimonial pode
contribuir para essa formação histórica e cultural. Ainda tem-se uma leitura das
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intencionalidades curriculares da Secretaria Municipal de Educação na formação de
educandos da EJA.
É certo afirmar que lugares de memória2 passam a ser considerados a partir do
momento em que percebe o esvaziamento de suas referencia. Na questão que envolve
especificamente o patrimônio industrial, isso vem a ocorrer no momento em que os
modos de trabalho, considerados tradicionais ou até obsoletos são, em um processo
natural, de evolução dos processos de produção, substituídos por novas tecnologias,
levando ao questionamento da utilidade e funcionalidade das antes fundamentais
máquinas para a produção, as edificações e espaços de trabalho, e os atos de produção
que existiam e que deixam de ser dinâmicos em comparação com as novas realidades.
Vale também ressaltar, como forma de aproximação diante do que se é
questionado no caso específico de São Bernardo do Campo, um olhar sobre o
patrimônio industrial no qual os bens materiais e imateriais que provenham desses
setores econômicos, depois de servirem em suas épocas como ferramentas e modos de
trabalho, possam servir de espaço de memórias específico de processos de produção,
tecnologias, relações sociais e de trabalho.
E ao se falar do patrimônio industrial deve-se atentar ao processo de constante
substituição dos modos de produção e suas tecnologias, que são um reflexo de
constantes mudanças que caracterizam o modelo econômico, sendo isso percebido por
meio de espaços que são transformados por suas características ultrapassadas para dar
lugar a algo mais moderno e funcional. O que já foi moderno passa a ser inutilizado e
perde o que representa de uma época. Uma chaminé que deixa de simbolizar o
2 “lugar de memória”, um conceito histórico posto em evidência do texto “Entre História e Memória. A
problemática dos lugares”, de Pierre Nora. Seriam eles espaços como monumentos, instituições, entre outros ou
manifestações, “criados com o intuito de preservar uma memória oficial, diferente do que acontecia em
sociedades nas quais a memória era algo vivido no cotidiano e a sua preservação, realizada pelos próprios
grupos sociais” (NORA, 1993). Esses lugares de memória surgem a partir do momento em que a memória se
torna o resultado de uma organização voluntária, intencional e seletiva. “Menos a memória é vivida do interior,
mais ela tem necessidade de suportes exteriores e de referências tangíveis, de uma existência que só vive através
delas” (NORA, 1993, p. 14). Eles surgem a partir do sentimento de que não há memória espontânea. Surge
desta forma a necessidade do acúmulo de testemunhos, vestígios, documentos que serão provas e registros
daquilo que já se foi. Museus, arquivos e bibliotecas possuem a finalidade de salvaguardar uma memória que
deixou de ser múltipla e coletiva, para se tornar única e sagrada. Nora ressalta que a memória produzida por
esses lugares é voluntária e seletiva.
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trabalho e o processo de produção e passa a ser apenas o sinal de que aquele lugar já
foi tomado por uma movimentação de pessoas e espaço de diálogos e conflitos.
Como pode uma cidade com essa memória industrial não ser representada por
meio de seus bens tombados? Como é possível sua grande população metalúrgica não
se identificar com seus espaços de memória? De que forma, o Conselho Municipal
que trata do Patrimônio Cultural se posiciona e age diante dessa tímida representação?
A metodologia da Educação Patrimonial é um instrumento que possibilita ao
indivíduo fazer a leitura de sua realidade, levando-o à compreensão do universo
sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido.
Todavia, mais do que isso, fica a pergunta principal dessa pesquisa: como a
Educação Patrimonial pode aproximar a população dos seus espaços e se fazer
pertencente a esses bens? O espírito crítico é trabalhado na Educação Patrimonial a
partir do momento que começa a investigar o Patrimônio Cultural, pois
contextualizando, analisando e apropriando, chega-se ao conhecimento das diversas
produções artísticas.
É a intenção, por meio da Educação Patrimonial, sendo ela mesma uma
proposta educacional, a apropriação dos bens e das manifestações, como uma ação
conscientizadora para o conhecimento. O educador passa a se utilizar desta prática
como forma de fazer, não somente o conhecimento do patrimônio cultural local, mas
também sua aproximação e reconhecimento em processo educativo, numa ação que
envolve uma atitude crítica diante da história e da realidade atual da cidade. Uma
relação que envolve não somente a memória e patrimônio, mas também os modos de
enfrentamento, atitudes e movimentos que possam sugerir a importância de preservar,
de se sentir pertencente e de se fazer representar. Questões fundamentais na
construção desse trabalho para a educação que vai além da fábrica ou da memória do
trabalhador, e sim as representações feitas a partir delas.
Desta forma, esta pesquisa apresenta uma reflexão sobre educação, Currículo e
as concepções voltadas para uma ação educativa que atenda trabalhadores e que se
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efetive de um modo a criar uma consciência de classe em busca de uma identidade
como categoria.
A necessidade de rever coletivamente a produção da memória de uma
comunidade é algo de extrema necessidade e isso pode acontecer com a colaboração
de uma política curricular que reconheça a organização social desigual do país,
representada em territórios, conforme os contornos culturais e sociais, organizados
historicamente pelos povos.
Essa perspectiva nos remete pensar um Currículo para Educação Patrimonial,
por meio de uma reflexão que evidencie a memória dos povos, objetivando os
diferentes grupos que compõem o contexto social.
Essa proposta se alinha a uma concepção crítica de Currículo, pois marca uma
indignação com as condições de opressão. Por estarmos em uma sociedade marcada por
disputas de poder, ao tratamos da formação de sujeitos é necessário ter claro que a escola
pode ter uma função de transformação social, rompendo com a ordem de reprodução do
modelo social e econômico desigual. Com essa abordagem o papel da escola para a
potencialização do modelo hegemônico se fragiliza e nesse sentido, permite a
democratização da construção de conhecimentos que venham diminuir o controle social
do saber social e histórico de determinados grupos.
A criticidade é um fator que se pretende desenvolver com as possibilidades de
tratamento da Educação Patrimonial. Porém essa proposta pauta-se por uma
concepção de educação libertadora que forma para a consciência histórica, em um
processo de apropriação e identificação da cultura local, servindo fundamentalmente
para que se possa também, compreender e transformar a sua realidade comunitária. E
para que isso ocorra, vai além da educação formal e fixado exclusivamente dentro da
unidade escolar. Deve-se considerar a amplitude desse trabalho educativo para um
ambiente que envolva a comunidade local e que possa dialogar com suas identidades,
valores, memórias e preservação.
23
Nessa análise pretende-se ao final desse desafiador e gratificante trabalho de
pesquisa, marcar contribuições da Educação Patrimonial para a formação crítica da
classe trabalhadora, observando-a como uma realização coletiva para fortalecer o
exercício da cidadania.
Esse trabalho servirá para a observação de experiências desenvolvidas nos seus
diferentes contextos e demonstrará a importância de se investir na formação continuada
com foco no patrimônio histórico e artístico, bem como possibilidade de iniciar o trabalho
de educação patrimonial junto à classe trabalhadora, por meio de elaboração de atividades
voltadas ao tema e propostas para o desenvolvimento de ações que auxiliem e contribuam
para o reconhecimento das pessoas referente às questões do Patrimônio histórico e
artístico. Sempre que os sujeitos se juntam objetivando criar e compartilhar
conhecimentos novos e significantes, investigam para ampliar conhecimentos, na busca
pela compreensão de sua realidade e agindo com o compromisso para transformações na
comunidade em que vivem, por uma ação voltada para a educação e pela educação.
24
CAPÍTULO I
É relevante considerar o quanto é importante o papel dos patrimônios culturais
na construção dos estados modernos como sendo fatores determinantes na concepção
de identidade de uma nação.
Uma análise do conceito de Patrimônio Cultural é importante para se entender
que abrange um campo maior do que já se descreveu anteriormente sendo Patrimônio
Histórico e Artístico. Isso ocorre pelo aumento da abrangência diante do tema que
acaba envolvendo outras questões relevantes, ligadas a características de uma
comunidade e que envolvam questões de sua cultura.
Um lugar é caracterizado por fatores que representam seu modo de viver,
modos de fazer, o valor que ele representa para suas pessoas pela sua valorização por
meio de uma identidade. Vai além do caráter físico a preservação da memória de um
lugar e envolve a subjetividade de itens muito específicos e particulares, que sirvam
de elementos que remetam essa comunidade a um passado constituído no coletivo. É
em um diálogo com o passado que um sujeito pode se reconhecer, se formar como um
cidadão consciente no presente.
É nessa ação que existe a criação de uma identidade, sendo o Patrimônio um
elemento de extrema importância nesse processo. O que é possível se questionar é, se
existe uma representatividade de determinadas classes sociais nesse processo de
representação de suas memórias. Uma parcela da população que não se reconhece nos
bens tombados, é o grande desafio em busca de valorização de um patrimônio cultural
tombado mas que não tem significado para certos grupos. Não existe um sentimento
de pertencimento ou um olhar de referência sobre esses bens, sendo muitas vezes
encarada como a preservação de uma cultura distante ou até estranha à realidade dessa
população.
Potencialmente há uma nítida divisão de grupos sociais, tendo de um lado
determinado grupo, possuidor de formação técnica e conhecimento legislativo, que
promove as ações de preservação conforme critérios distantes do outro grupo social,
25
formado pela grande parte da população que não se vê representada e não cria seu
vínculo de identidade com a memória estabelecida como oficial, e não tendo espaço
para a formação e a definição de sua própria memória.
Por isso é importante descrever essa questão de um patrimônio cultural que não
reproduz significado para a coletividade de um determinado lugar e quais fatores
levaram à essa situação.
1.1 PATRIMÔNIO CULTURAL
A ideia de patrimônio constitui-se no contexto da construção dos estados
nacionais, período em que os Estados, após a revolução francesa, propuseram-se a
conservar os bens potencialmente capazes de firmá-los enquanto instância suprema:
A noção de patrimônio é, portanto, datada, produzida, assim como a ideia de
nação, no final do século XVIII, durante a Revolução Francesa, e foi precedida,
na civilização ocidental, pela autonomização das noções de arte e de história.
O histórico e o artístico assumem, nesse caso, uma dimensão instrumental,
e passam a ser utilizados na construção de uma representação de nação.
(CHOAY, 2003, p.128).
O patrimônio cultural, de acordo com Canclini, pode ser definido com um
“conjunto de bens e práticas tradicionais que nos identificam como nação ou como
povo é apreciado como um dom, algo que recebemos do passado com tal prestígio
simbólico que não cabe discuti-lo” (2003, p. 160).
A busca para se reforçar uma identidade nacional passa pelas políticas voltadas
ao patrimônio em uma ação de “mediação simbólica” (ORTIZ, 1998). Uma posição
que contou com o papel fundamental dos intelectuais nas políticas culturais e de
patrimônio. E o que ressalta Fonseca “prática característica dos estados modernos que,
através de determinados agentes, recrutados entre os intelectuais, e com base em
26
instrumentos jurídicos específicos, delimitam um conjunto de bens no espaço público”
(FONSECA, 2005, p. 21).
Importante salientar que nos séculos XIX e XX, conforme Choay (2003, p.128-
142) afirma, o patrimônio histórico se tratava de monumentos apontados conforme
seus valores estéticos ou históricos.
O termo patrimônio histórico, cujo conceito foca a materialidade, o documento,
os monumentos e edificações, com o desenvolvimento dos debates acerca do tema,
vem incorporando um conceito mais abrangente, o que passa a ser chamado de
patrimônio cultural, que amplia o entendimento da preservação aos bens culturais,
referente às identidades coletivas de uma comunidade. Isso vem fortalecendo a noção
de patrimônio, no qual passam a fazer parte do mesmo valor as múltiplas paisagens,
arquiteturas, tradições, particularidades gastronômicas, expressões de arte,
documentos e sítios arqueológicos, que com isso, também passam a ter significação
por suas comunidades e a abrangência de sua conservação.
Nesse sentido, a reflexão estabelecida nesse estudo, aborda conceitos
relacionados aos espaços e sua importância como lugares de memória, por assumirem
significância à identidade de um grupo social. Um passado comum, que passa a
definir uma identidade social, proporcionando a esse grupo o sentimento de
pertencimento a esse lugar. Para Sandra J. Pesavento, a memória é a “presentificação
de uma ausência no tempo, que só se dá pela força do pensamento – capaz de trazer de
volta aquilo que teve lugar no passado” (PESAVENTO, 2004, p.26).
Dessa forma, quando os sujeitos históricos se contemplam em certos locais de
importância histórica, fazem referências a um passado que, mesmo distante, produz
sentimentos que fazem reviver fatos, momentos vividos e construídos.
Um processo de reencontro entre passado e presente, condição indispensável
para explicação e fundamentação da vida na atualidade. Essa necessidade humana
solidifica-se por intermédio de lembrar o modo de vida daqueles fizeram parte desses
27
espaços no passado. Assim, edificações, monumentos entre outros itens, trazem algo
que vai além do material de que é constituído.
Uma construção que marca referências coletivas e individuais, Michael Pollak
descreve que a memória coletiva serve para “manter a coesão dos grupos e das
instituições que compõe uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua
complementaridade” (POLLAK, 1989).
Pelo sentimento de pertencimento, tendo como base um passado comum, o
lugar pode também reescrever seu passado inúmeras vezes, remontando e se
apresentando de outra forma. Como afirma Sandra Pesavento, “cada geração
reconstrói aquele passado e o sistematiza em uma narrativa”. Isso é observado por
todos nós, independente de idade ou de lugar. Todos vivemos de construções e
reconstruções do nosso passado em um processo constante de criação de significados
para nossas compreensões, nossas histórias e nossa gente.
[...] uma cidade inventa seu passado, construindo um mito das origens, descobre
pais ancestrais, elege seus heróis fundadores, identifica um patrimônio, cataloga
monumentos, transforma espaços em lugares com significados. Mais do que
isso, tal processo imaginário de invenção da cidade é capaz de construir utopias,
regressivas ou progressivas, através das quais a urbs sonha a si mesma.
(PESAVENTO, 2004, p.25).
Essa história comum passa a pertencer a cada uma das gerações que se seguem,
que em subsequência também a reconstroem. É importante ressaltar que a memória
parte de um presente, de uma realidade, para então produzir uma relação direta com as
novas formas de elaboração de outras realidades, marcando processos históricos de
formação de gerações.
Nesse sentido, importante retomar o já apresentado sobre a importância dos
lugares de memória, observando os contextos e as representações culturais marcadas
em determinados espaços de tempos e em locais que se materializam e contribuem
para uma memória coletiva em territórios. A autora Ecléa Bosi faz essa observação:
“[...] cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que são pontos
28
de amarração de sua história” e acrescenta: “As lembranças se apoiam nas pedras da
cidade” (BOSI, 1994, p. 199).
Porém, os debates ligados ao patrimônio histórico e artístico e seus conceitos
relacionados aos espaços e sua importância como lugares de memória conforme sua
construção por gerações, não podem se desresponsabilizar das leituras de organização
social, pautada por disputas de classes.
Essa análise sustenta – se na interpretação de que a significação da memória,
muitas vezes, pauta – se por um determinado grupo social, esse, por sua vez,
conforme condições de poder valoriza o que é relevante em um determinado espaço e
em um determinado tempo.
Tal análise não se distancia do conceito de patrimônio como produção e
usufruto de uma comunidade que afirma memórias, o que reafirma patrimônio como
construções para além dos espaços físicos e concretos, sem significações, assim, como
tratou Françoise Choay ao se referir a patrimônio histórico:
Patrimônio histórico. A expressão que designa um bem destinado ao usufruto
de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela
acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam
por seu passado comum: obras e obras-primas das belas artes e das artes
aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes dos seres humanos.
(CHOAY, 2003, p.117).
Conforme a autora, torna-se importante levantar essa questão diante do
desenvolvimento desse debate, onde a noção de patrimônio tem que ir além de uma
simples coleção de objetos, edificações e documentos, já que se apoia em processos
sociais mais abrangentes, envolvendo outras áreas do conhecimento como a
Antropologia, Sociologia. Não se fala aqui em Patrimônio Cultural simplesmente
parte estática de padrões artísticos ou históricos, até mesmo porque, é dessa forma que
corremos o risco de uma limitação de sua representação.
Com um olhar distante dessa abordagem, alguns homens dos tempos atuais,
observam as antigas construções, como objetos desatualizados e ultrapassados. Um
29
olhar de grande distancia de sua representação, que devem ser demolidos para dar
lugar a novas edificações mais modernas e mais funcionais para o bem do progresso
de seu lugar. Essa ideia entra em choque com a perspectiva da preservação, pois ao
preservar a memória é necessário resguardar espaços historicamente constituídos,
representações artísticas e conhecimentos que evidenciam o modo de viver de uma
sociedade, com o passar do tempo.
Dessa forma, a noção crítica de patrimônio histórico, marca uma contraposição
ao pensamento macro econômica de superação do velho pelo novo. Em
fundamentação, recupero o que ressalta Maria Célia Paoli (1992, p. 25), discorrendo
sobre a possiblidade de evocar pelo patrimônio as diversas dimensões da cultura como
imagens de um passado vivo, de acontecimentos e coisas que merecem ser mantidos
na memória e preservados porque são coletivamente significativos para retomar
memórias e afirmar novas histórias.
Ao refletir nessa complexidade sobre patrimônio, coloca-se em evidência que
em condição massificadora não é exatamente isso que acontece, já que ao se falar em
patrimônio histórico, ele é relacionado à imagem congelada do passado, como um
museu de objetos antigos que estão nos contextos de vida, simplesmente, para atestar
uma herança de um tempo remoto que se esvaziou.
O tratamento que se contrapõe a esse pensamento compreende que a memória
está além de conservar coisas ou edificações antigas, mas a preservação de toda uma
história, pautada por um caminho percorrido por uma sociedade, desde seus tempos
mais remotos até os dias atuais.
Em observação, é importante ressaltar que a causa para desconsiderações aos
processos históricos vivenciados provém da organização estrutural do capital, no
contexto social e político, em que os interesses financeiros sobrepõe ao cultural.
No tratamento específico ao patrimônio isso se concretiza com a demolição do
que é considerado velho e impróprio, para dar lugar ao novo, com maior
funcionalidade e maior valor de mercado, para suprir, dessa forma, necessidades da
30
contemporaneidade. Diante dessa realidade, cabe ao historiador o trabalho de
preservação desses lugares de memória por meio de uma ação crítica que
problematize, em condição contra hegemônica, a resistência para permanência da
memória de um coletivo.
As políticas para a preservação não devem apenas objetivar a preservação em
si. É importante a resistência às pressões dos interesses econômicos e especulativos ou
dos proprietários, deve também viabilizar a prevenção e os cuidados com a
deterioração desses bens que são causados tanto pela ação do homem como também
causas naturais.
Essa política de preservação merece ser mais abrangente, de acordo com Maria
Cecília Londres Fonseca, com o objetivo de não apenas proteger, mas ter uma visão
do todo que envolva essa preservação, como as justificativas para a proteção, critérios
de seleção e o compromisso dos principais envolvidos no processo de preservação de
um determinado bem, como a sociedade e os representantes do Estado:
[...] uma política de preservação do patrimônio abrange necessariamente um
âmbito maior que o de um conjunto de atividades visando à proteção de bens.
É imprescindível ir além e questionar o processo de produção desse universo
que constitui um patrimônio, os critérios que regem a seleção de bens e
justificam sua proteção; identificar os atores envolvidos nesse processo e os
objetivos que alegam para legitimar o seu trabalho; definir a posição do Estado
relativamente a essa prática social e investigar o grau de envolvimento da
sociedade. Trata-se de uma dimensão menos visível, mas nem por isso menos
significativa. (FONSECA, 2005, p. 36).
Com essa prévia definição de patrimônio, com entendimento das lutas de classe
nas questões de preservação de memória e com apontamentos de responsabilidades
sociais e políticas, tem-se nesse estudo, a evidência das construções que podem ser
tratadas como patrimônio, como os monumentos, os documentos, as produções
artísticas culturais, ambas observadas em condições eruditas e populares.
31
No que se refere ao termo monumento, consta lembrar que seu significado vem
do verbo latino monere, que significa fazer lembrar, e que remete ainda a mausoléu.
Jacques Le Goff, ao referir-se ao termo monumento em latim, explica que:
[...] o monumentum é um sinal do passado. Atendendo suas origens filosóficas,
o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação,
por exemplo, os atos escritos. [...] O monumento tem como características o
ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades
históricas “é um legado a memória coletiva” e o reenviar a testemunhos que só
numa parcela mínima são testemunhos escritos. (LE GOFF, 1994, p. 95).
A definição de monumentos tem como significado um conceito diretamente
ligado aos documentos, que são os testemunhos de uma época, mas testemunhos que
perpetuam uma visão, com base em uma interpretação.
A história oficial tende a preservar e cultuar a memória ligada aos vencedores e
uma classe dominante, produzindo documentos e valorizando edificações e
monumentos relacionados a uma história única, e nas homenagens às personalidades
de grande prestígio, sendo desta forma a memória de um lugar a preservação das
ações do dominador. Assim, é trabalho do historiador dar visibilidade àqueles que na
história oficial passam como anônimos, não devendo aceitar que essa inestimável
contribuição para a memória e para a preservação seja esquecidas e silenciadas.
A conservação dos patrimônios históricos deve possuir um significado para a
coletividade de um determinado lugar e não de um pequeno grupo, pois é um
instrumento de perpetuação da memória de toda uma sociedade, por meio dos espaços
utilizados por ela mesma na construção de sua história.
A preservação do patrimônio histórico, em condição contra hegemônica, vem
com a importância de relacionar a vida de grupos sociais com o seu passado, com suas
interações sociais, suas vivências e transformações ocorridas durante o tempo. É de
extrema importância fazer a relação dos indivíduos e de sua comunidade com as
edificações que passam a ser preservadas, em um reflexo de suas identidades sendo
representadas nesses espaços, sobrevivendo então em condições de existências
sociais. A preservação é criar a interação entre os indivíduos e a construção histórica
32
de seus lugares de vivência. É atribuir sentidos ou significados a esse bem preservado
pelo grupo a que pertence e desta forma justificar a sua preservação. O trabalho pela
preservação deve incorporar os mais diversos significados e contextos em que esse
bem se insere. Significados esses que variam conforme os diversos grupos de
interesse, sendo econômico, cultural ou social, porém podendo em várias questões,
esses contextos se fundirem, pois, como descreve Roger Chartier (1990, p.24), todo
receptor é, na verdade, um produtor de sentido, e toda leitura é um ato de apropriação.
A partir disso, uma questão que deve ser tratada é a avaliação do alcance desses
bens dentro da sociedade. Percebe-se uma divisão de grupos, sendo um formado por
uma classe de intelectuais, que toma decisões referentes às ações sobre patrimônio,
amparado em critérios técnicos e legislações sobre o tema (GIDDENS, 1991, p.10), e
por outro, grupo formado pela grande maioria dos indivíduos da sociedade que não
fazem parte das construções dos processos simbólicos constitutivos, ligados ao
patrimônio, em uma realidade que mostra uma falta de diálogo entre o Estado e a
Sociedade.
E ao analisar o processo de construção do patrimônio nacional brasileiro, deve-
se fazer uma observação de que, em nossa história não existe uma participação
popular no trabalho de preservação, com exceções de alguns grupos sociais, sendo,
desta forma, um fator de impasses para as práticas de preservação (FONSECA, 2005).
A maioria dos indivíduos que compõem nossa sociedade não teve qualquer
participação no processo de construção da identidade nacional oficial, o que acarreta o
seu não reconhecimento no patrimônio (JEUDY, 2005).
Isso cria um afastamento de grande parte da população da cultura do
patrimônio e preservação, levando a uma sensação de estranhamento das pessoas em
relação aos bens patrimoniais.
E mesmo depois de muitas experiências do Estado diante das políticas públicas
para a área, investindo no patrimônio cultural, desenvolvendo legislações sobre o
tema e tendo como objetivo construir uma definição de identidade nacional, os bens
33
tombados possuem significados específicos e restritos a uma parcela elitizada da
população, ficando a maioria do povo brasileiro à margem do processo de construção
do patrimônio nacional.
Essa omissão das camadas sociais populares no processo de criação de uma
identidade do coletivo, fez existir, em suas representações, uma ideia de um passado
muito distante, longe da realidade dessas pessoas. (GIDDENS, 1991).
Assim, a construção de uma identidade, ligada ao patrimônio cultural necessita
de um importante cuidado “ao modo como esse objeto tem sido construído e
ideologicamente elaborado por determinados sujeitos sociais, que têm tido, no Brasil,
o monopólio dessa construção” (FONSECA, 2005, p. 28). Monopólio esse que se
restringe a um pequeno grupo e que socialmente está muito distante de grande parte
da população do país.
Fonseca ainda considera o valor do patrimônio nacional, mas tem se tornado
pesado e mudo:
Pesado, não só por sua monumentalidade, pela solidez dos materiais e pelo
lugar que ocupa no espaço público. Pesado porque mudo, na medida em que, ao
funcionar apenas como símbolo abstrato e distante da nacionalidade, em que
um grupo muito reduzido se reconhece, e referido a valores estranhos ao
imaginário da grande maioria da população brasileira, o ônus de sua proteção e
conservação acaba sendo considerado como um fardo por mentes mais
pragmáticas. (FONSECA, 2005, p. 26-27).
Além disso, a autora faz diversos questionamentos sobre o tema, até mesmo
sobre os recursos públicos gastos com o patrimônio, sendo que apenas uma pequena
parcela da população se vê identificada e representada por esses patrimônios.
Patrimônios culturais que existem como elementos da construção de uma
identidade nacional, mas que nos mais diversos aspectos divergem e não consideram
as memórias coletivas e aspectos populares, havendo nessa questão um
distanciamento das tradições populares e a identidade oficial preservada pelo Estado.
34
Mas também esse distanciamento do povo diante ao patrimônio cultural, em
grande parte se deve a constituição de todo um processo histórico, sendo a
participação popular secundária, como também não foi diferente nos períodos de
nossa história em que ocorreram debates sobre o tema e quando foi se consolidando o
pensamento preservacionista brasileiro, desde as primeiras décadas do século XX.
Canclini aponta para uma possível teoria social do patrimônio, no sentido de se
repensarem os usos sociais contraditórios do patrimônio cultural, que para este autor
é:
[...] dissimulado sob o idealismo que o vê como expressão o gênio criador
coletivo, o humanismo que lhe atribui à missão de reconciliar as divisões “em
um plano superior”, os ritos que o protegem em recintos sagrados? As
evidências de que o patrimônio é um dos cenários fundamentais para a
produção do valor, da identidade e da distinção dos setores hegemônicos
modernos sugerem recorrer a teorias sociais que pensaram essas questões de um
modo menos complacente (CANCLINI, 2003, p. 193-194).
Diante da questão que se aponta nesse texto, fica evidente o distanciamento da
grande maioria da população das políticas preservacionistas nacionais ao não
considerar expressões e a cultura popular na construção de uma identidade nacional
para todos, e o patrimônio cultural que acaba se restringindo a camadas minoritárias
de nossa sociedade.
1.2 MEMÓRIAS E DISPUTAS
Ao compreender que a memória é um elemento estruturante do universo
humano, pois expressa e conduz a constituição de representações mentais do real que
influi nas condutas sociais, construímos uma memória de sociedade pela inter-relação
singular e coletiva, por um processo que leva à construção das memórias no plural.
35
Esse processo não se faz numa interlocução linear, em que os dispositivos
pautam-se pela interface entre o passado e o presente. A condição é muito complexa e
se compõe num percurso no qual se revelam múltiplas e diversas subjetividades, o que
a torna relativa. Nessa condição, há a compreensão que há um movimento de
interferência e reorganização mútua que interferem e reorganizam a memória
individual como a coletiva, ambas envolvidas, influenciadas e alimentadas pelas
experiências vividas.
Com o entendimento que essas ações são pautadas por interpelações, propomos
a reflexão que a memória é uma construção dinâmica, se movimenta e transforma na
dimensão espacial, concreta ou simbólica dos lugares e na dimensão temporal, se
volta para o presente. Uma memória que em uma constante tensão, transforma a
lembrança em atualização do passado conduzindo a percepção do atual e a ação que
transforma e projeta para o futuro.
Paul Ricoeur classifica como o dever de memória e a define como “dever de
fazer justiça pela lembrança a um outro que não o si” (RICOEUR, 2007, p. 101).
Dessa forma, devemos pensar que se cria uma relação com a ideia de dever a uma
dívida e herança, já que aquilo que somos, devemos ao que nos preservou. Porém,
como o autor complementa, devemos pagar a dívida e submeter à herança a um
inventário. O que sugere, que nem tudo que se refere ao passado, deva integrar a
história social. Mas quais seriam os reais sentidos dessa submissão? Em que medida
ele condiciona escolhas ou orientaria as ações de construção de memória coletiva?
Na memória histórica reside a possibilidade de construção de uma parcela de
substantivado conhecimento sobre as sociedades. Nas bibliotecas, arquivos, museus, e
nos mais diversos suportes físicos, a memória histórica está esticada não como objeto,
mas como informação. E se realiza socialmente quando transformado em
conhecimento, quando se transforma em suporte para a compreensão das coisas da
sociedade, por meio de processos de análise e de crítica.
No campo da História, esse processo, metodologicamente produzido, visa
transformar a informação em narrativa e por meio dessa forma de linguagem, levar a
36
conhecer aspectos de um tempo que precedeu ao nosso. É como narrativa que se
constrói o passado da história. E foi como narrativa que se estabeleceu também a
memória desde tempos mais antigos.
Essa história pode dar suporte à construção da memória social. Assim, a
construção da memória da sociedade inclui acessibilidade a informações organizadas
e disponíveis para consulta, bem como a capacidade de produção do conhecimento
(nesse caso, historiográfico), além das memórias individuais e coletivas, que como
experiências vividas, permanecem no imaginário social e nos indivíduos.
Nos últimos anos, em condução de crescimento lento, a utilização da memória,
como fonte documental da História está sendo revista. Os depoimentos, sendo
testemunhais ou de narrativas de vida, todas repletas de subjetividades por razões
particulares têm apoiado essa abordagem da história em memória. Entre outros
fatores, isso se tornou possível, como mencionado, no dever da memória com a
valorização da subjetividade humana pela produção historiográfica, que então
ampliava seus objetos, propiciando a capacitação de veracidades contidas nas
memórias individuais e coletivas.
Isso é decorrente de um posicionamento que marca a significância da
promoção da rememoração como um campo diferenciado dos efeitos sociais dessas
experiências, acumuladas individual ou coletivamente. Uma leitura ao conhecimento
que se contrapõe a racionalidade do saber historicamente organizado.
Como esse tratamento à memória não se apresenta em condição hegemônica,
os registros, em sua grande maioria não vem atendendo essa finalidade de construção
da memória, o que estabelece uma confusão entre o compartilhamento de lembranças
e parte da memória histórica. As justificativas para essa condição são várias, mas o
imperativo de construção da história por uma narrativa racional e absoluta é a
determinante.
A compreensão que sustenta que se pode trazer a memória nessa interlocução,
singular e coletiva, configurada por processos dinâmicos, marcados pelas
37
interferências culturais que também são reconstruídas, não desconsidera que pode esse
processo sofrer inferências com imperfeições, mas esse reconhecimento da
aproximação entre história e experiências vividas e registradas em forma de memória
é, extremamente positiva para reconhecimento de interpretações de realidades de
diferentes grupos.
Essa análise reconhece que a memória e história guardam lembranças e
semelhanças entre si, mas é importante salientar o cuidado de reconhecer que história
e memória são distintas e cada uma possui sua definição e função.
Ainda que ambas não possam ser tomadas como verdades sobre o passado, mas
como narrativas e construções parciais dele, motivadas por razões do presente, as
tramas e narrativas da memória e da história são diferentes. As tramas da memória são
descontínuas e muitas vezes tecidas involuntariamente, enquanto as da história se
fundamentam em fatos e buscam uma lógica racional em continuidades e rupturas que
representam as mudanças que vivemos constantemente.
Confiando à memória o destino das coisas passadas e à espera das coisas
futuras, pode-se incluir memória e espera num presente ampliado e dialetizado
que não é nenhum dos termos anteriormente rejeitados: nem o passado, nem o
futuro, nem o presente pontual, nem mesmo a passagem do presente.
(RICOEUR, 1994, P.28)
Ao contrário do apontado nos estudos realizados na primeira metade do século
XX, a memória e a história hoje não são percebidas como opostas, mas como
elementos de estudo que se complementam como vias de aproximação entre a
sociedade e seu passado. E subsidiam a criação das relações entre essa sociedade e o
tempo.
De qualquer modo, a memória tem uma função cognitiva e se tornou uma das
matrizes da história. Daí a importância de aliar a construção de memória da sociedade
à possibilidade de produção historiográfica, uma vez que, de acordo com Ricoeur
(2007, p. 108), a história pode esclarecer, reanimar ou ajustar memória a uma
38
perspectiva mais equilibrada sobre o passado por meio de uma instância crítica
contribuindo assim para a estruturação de políticas de memórias mais justas.
Essa análise de ações justas, para Ricoeur (2007, p.99) se faz por priorizarem
os que reivindicam o reconhecimento das suas identidades e papel na construção da
sociedade. Um tratamento de mais justas, por incluírem memórias que foram
silenciadas em razão de seu caráter traumático. Em ressalva a categoria de mais justas,
se apresenta por várias razões, entre elas: por marcarem a contenção da passagem do
tempo por meio da atualização do passado no presente; por preservarem a
espacialização da memória e por preservarem o dever da memória em forma de
futuro. E ainda mais justas por incorporarem o caráter ético e político contido na
memória como ação, e através dela propiciar mudanças na conduta de grupos sociais.
Em condição de vida pautada pela ordem do capital, a vida não é única a todos,
visto que temos organizações de classes que disputam poderes, a história em
interlocução com a memória tem viés diferenciado de produções. Nesse sentido, a
ampliação da história passa por tratar as diferentes memórias, inclusive, algumas, que
outrora foram silenciadas.
O tratamento estendido a essa análise se pauta por evidenciar os embates que
envolvem enfrentar, hoje, o desafio do reconhecimento de experiências entre
gerações, em uma época em que vivemos uma crise das formas clássicas de
narrativas, uma narrativa que transmite a memória. Vivemos também uma limitação
da disposição de ouvir o outro.
A rememoração dolorosa de perseguições políticas, exclusões e de diversas
outras práticas de violência, nem sempre podem ser totalmente reparadas via
memória, e nisso residem inúmeros embates. Embates que também envolvem
enfrentar a manipulação da memória. Que pode se dar por intermédio de fenômenos
ideológicos e de ações simbólicas, que distorcem a realidade, legitimam a ordem
existente, o sistema de poder e promovem uma integração artificial ao mundo externo.
39
Essa a abordagem admite os conflitos e os reconhece em condições de embates,
que não são marcados por uma única relação. Isso implica então, compreender que há
embates múltiplos, que possivelmente iluminem o sentido atribuído por Ricoeur
(2007, p.101) ao recomendar a submissão da herança ao inventário para a efetivação
do qual a história, desde que não oficial, pode ser uma importante aliada na
construção da memória de uma sociedade. Processo no qual é indispensável a
participação de seus sujeitos, uma vez que não se trata de uma celebração do passado,
mas de sua retomada reflexiva, com a finalidade de transformar o presente e traçar
uma nova história.
Nesse sentido, cabe tomar como exemplo enfrentar o esquecimento não como o
avesso da memória, pois como prática social, ele não é. Interpretando a construção da
memória, o esquecimento, é como ela, um percurso temporal e especial que atua nas
relações de poder por meio de imagens e narrativas diversas, incluídas as da própria
história. “Pode-se sempre narrar de outro modo, suprimindo, deslocando as ênfases,
refigurando diferentemente os protagonistas da ação assim como os contornos dela”
(RICOEUR, 2007, p. 455). E essa escolha: qual será a história? Essa é uma escolha
indesejável, sendo essa história que exclui e acarreta a continuidade de antigas linhas
historiográficas que resulte no impedimento de atores sociais narrarem a si próprios.
Isso é o que Michel Pollak (1992, p.200) aponta como um trabalho constante
de enquadramento da memória. Existe uma constante escolha entre o que se deve ser
lembrado e o que se deve ser esquecido. Ele ainda complementa essa ideia apontando
que “as preocupações do momento constituem um elemento de estruturação da
memória” (1992, p.204). É, segundo Pollak que a construção da memória é uma
estratégia para o ancoramento de identidades como uma estratégia de agentes sociais,
pois conforme ele, existe uma “ligação fenomenológica muito estreita entre a
memória e o sentimento de identidade” (1992, p. 204).
Conforme esse pensamento é destacado por Pollak, a disputa diante da
memória e a concepção dela diante da construção da identidade de grupos,
“disputadas em conflitos sociais e intergrupais, e particularmente com conflitos que
40
opõem grupos políticos diversos” (1992, p. 205). A ação de lembrar e esquecer são
formas estratégicas que grupos utilizam em campos de disputas, conforme Ecléia Bosi
(1994) aponta.
Desta forma, a construção da memória ocorre no presente, conforme os
interesses que se pautam nele e não necessariamente pelo passado. Uma construção
que é determinante na consolidação de um sentimento de pertencimento social.
Assim, a disputa pelo controle diante da construção da memória é o retrato dos atores
que com ela se envolvem e determinam o que será efetivamente preservado, em um
processo especificamente pautado pelos fluxos e circularidades. Esses atores então,
que participam desse processo de construção da memória, são agentes de um processo
de comunicação, pois é conferidos à eles o papel de emissores de informações e
mensagens dentro de uma rede, sendo conferidos uma identidade aos participantes
dessa rede. A memória é um processo construído na coletividade, por demandas e
necessidades do presente e por disputas no campo do controle da memória.
As ações do poder público e dos órgãos responsáveis pelo patrimônio, no
sentido de preservar a memória de uma sociedade, abrange um universo amplo e
diversificado tão quanto também são as próprias ações e relações humanas, já que são
a partir destas que emanam essas representações, porém, tem-se o entendimento que
as estruturas de poder estão num modelo de Estado.
Nessa condição a construção da memória passará por esse universo amplo, mas
em condições de resistência, passa por reconhecer registro de práticas sociais,
principalmente no segmento da população menos favorecida, ou mesmo medidas que
possibilitem a esse segmento tornarem-se sujeitos de suas próprias memórias.
E ao tratarmos desses atores sociais como, também, seres produtores de
memórias, deve-se ampliar a reflexão a uma leitura histórica, marcada por processos
históricos que em condições estruturais e superestruturais organizam arranjos que
configuraram sistemas sociais, políticos e econômicos em que as memórias de alguns
permaneceram mais de que outros grupos sociais.
41
Para evidenciar esse pensamento, recuperamos a abordagem de análise de Karl
Marx, pensando o desenvolvimento histórico e econômico a partir do materialismo
(ou da cultura material), que trata de um conjunto de processos, procedimentos e
tecnologias que usamos em uma determinada organização social. Marx vai pensar o
escravismo clássico da Grécia e Roma, o feudalismo medieval e o capitalismo mais
contemporâneo a partir do que ele chama de “a revolução burguesa”, que é a
Revolução Francesa e a Revolução Industrial, que é a revolução tecnológica por
excelência. E o que difere a classe dos outros modos de organização social anteriores
é a mobilidade. Teoricamente, nos moldes do capitalismo, pode-se migrar de uma
classe social para outra. Existe uma mobilidade porque o conceito de classes está
ligado às relações econômicas
A classe social em Marx é uma constatação do próprio processo de organização
do trabalho. Ela começa a desenvolver, não apenas essa dicotomia entre burguesia e
proletariado, mas as diversas frações de classe que permeia esse relacionamento.
Porque não existe uma burguesia, existe sim, meios sociais burgueses (burguesia
industrial, financeira, além também de profissionais liberais que adotam um modo de
vida burguês). Marx trabalha também com frações dentro do próprio proletariado,
pois existe o proletariado da classe operária, que ele considera a classe revolucionária,
como também existe um item, que são aquelas frações sem profissão que orbitam, são
o excedente que permitem que o capitalista manipule as relações de trabalho. Existem
os camponeses e existem os pequenos burgueses que são aqueles agrupamentos de
funcionários públicos da pequena e média burocracia, que não têm estofo financeiro
para serem burgueses, mas conseguem, por uma série de rituais, se descolarem das
frações de classes proletárias.
Desta forma, Marx vai pensando as transformações tecnológicas e o modo
como impactam a economia de uma maneira que retrata o século XIX, bem
determinista, tem uma relação causa e efeito que é bastante previsível. Em um
determinado momento, em contraposição a aristocracia e a nobreza e ao clero
medieval, que eram profundamente conservadores e, uma série de comportamentos
arraigados e nocivos ao bem popular, Marx considera a burguesia revolucionária. É a
42
burguesia que irá implantar o capitalismo superando aquele modo de produção feudal,
que estava muito ligado na terra e na prisão do trabalhador à terra. Em um primeiro
momento, essa burguesia é revolucionária. Uma burguesia que defende a liberdade, a
igualdade e a fraternidade e que tenta remodelar esse mundo à sua imagem, inclusive
ampliando os conceitos de família, cidadania e todos esses modelos que
acompanhamos socialmente até hoje.
Mas em um determinado momento, defende essa questão de que uma vez
realizada a sua vocação como classe, a burguesia se torna obsoleta do ponto de vista
em que ela se torna conservadora. Em que ela passa a querer conservar essa realização
de classe em detrimento do proletariado. E aí, a classe operária é que se tornaria a
classe revolucionária. Se a luta de classes é o motor da história, a classe, em Marx, é o
sujeito histórico, pois é ela que promove a mudança. E a consciência é o ponto mais
importante para identificar a classe.
Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre
vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias
imediatamente encontradas, dadas e transmitidas. (MARX, 1980, p. 417).
A classe social, do ponto de vista histórico depende de dois fatores: identidade
e consciência. A identidade é o estofo cultural que nós dividimos com aqueles com
quem convivemos em nossa formação. Ela está em nossas origens, está no modo em
que fomos socializados e como é que vivemos com essa identidade. Já a consciência
de classe é o momento em que o integrante dessa classe passa a perceber seu papel
histórico e passa a batalhar politicamente por seus direitos. Esse é também o
argumento de Thompson:
Evidentemente, a questão é como o indivíduo veio a ocupar esse “papel social”
e como a organização social específica (com seus direitos de propriedade e
estrutura de autoridade) aí chegou. Estas são questões históricas. Se detemos a
história num determinado ponto, não há classes, mas simplesmente uma
multidão de indivíduos com um amontoado de experiências. Mas se
examinarmos esses homens durante um período adequado de mudanças sociais,
observaremos padrões em suas relações, suas ideias e instituições. A classe é
43
definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é a
sua única definição. (THOMPSON, 1987, p.11).
No momento em que a classe operária inglesa toma a consciência de si e se
reconhece como classe, que possui uma identidade, que tem uma história em comum e
princípios a defender, ela passa a ter uma ação política, até com a formação de um
partido político. E para Thompson, no momento em que a classe se consolida dessa
maneira, sua história está feita, pronta. Abrindo um novo capítulo a partir daí.
Para Thompson, identidade é ligada a cultura e consciência é ligada a luta
revolucionária ou política. Mas, além disso, é também importante ressaltar a noção
das lutas de classes e seu importante papel no desenvolvimento da consciência de
classe.
As classes não existem como entidades separadas que olham ao redor, acham
um inimigo de classe e partem para a batalha. Ao contrário, para mim, as
pessoas se vêem numa sociedade estruturada de um certo modo (por meio de
relações de produção fundamentalmente), suportam a exploração (ou buscam
manter poder sobre os explorados), identificam os nós dos interesses
antagônicos, debatem-se em torno desses mesmos nós e, no curso de tal
processo de luta, descobrem a si mesmas como uma classe, vindo, pois, a fazer
a descoberta da sua consciência de classe. Classe e consciência de classe são
sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico real.
(THOMPSON, 2001, p.274).
Mas como se passa de identidade para consciência? Bourdieu (2001), com a
noção de poder simbólico, trata da mobilidade social que depois de tão defendida no
século XX, passa por um desgaste nos anos de 1970, principalmente graças a fatores
da economia mundial, a partir da crise do petróleo e a ascensão do neoliberalismo no
final dessa década. Cada vez mais os direitos trabalhistas são cerceados. Desta forma,
quando o operário não pode ascender socialmente, todo o princípio fundador do
capitalismo passa a ser revisto. Assim, Bourdieu ao estudar essa questão começa a
detectar uma série de capitais, em um sentido de bônus que a pessoa vai recebendo
socialmente, que é o capital cultural. A luta pela memória e, portanto, pela
44
configuração das identidades, é uma disputa pela narrativa e pelo discurso, em suma,
pela posse da palavra.
Nesse sentido, Bourdieu define um campo de disputas entre os detentores de
um saber. Ele aponta como a autoridade sobre o mesmo designa uma identidade com
um valor determinado por certo grupo, que virá a ser como a determinante da
distinção social. Assim, “a distinção – no sentido corrente do termo – é a diferença
inscrita na própria estrutura do espaço social percebida segundo as categorias
apropriadas a essa estrutura” (Bourdieu, 2001, p.144).
O acesso ao capital cultural é visível por meio das diferenças socioculturais
como também diante das questões que envolvem as disputas de classe, servindo como
forma de distanciar os indivíduos de não seguem as orientações de padrões
determinados pela classe dominante burguesa.
Desta forma, Bourdieu percebe é que a classe não se reconhece mais porque a
mobilidade passou a ser necessária para atingir patamares de consumo e uma vida
melhor. O operário não quer sua melhoria de vida enquanto operário. Isso é aplicado
aos filhos dos operários para que esse ascendam socialmente buscando oportunidades
de estudo.
A ideia de que o estudo é importante como forma de emancipar e que
proporcionará uma vida melhor, nem sempre será o suficiente. E da forma que o
capitalismo se articula, a mobilidade social é cada vez menor. A identidade é
esmagada pela cultura massificada. A partir de uma padronização do modo de ser e de
viver, essas pautas são definidas por uma elite e não há uma identidade de classe em
que se produza uma cultura diferenciada.
Em arena de luta por afirmação de identidade para sobrevivência cultural, há a
reafirmação da memória como elemento indispensável nessa interlocução dinâmica
temporal, singular e coletiva.
45
Um “outro nome da distinção” (Bourdieu, 2001, p.145), associado ao que é o
capital simbólico, se mostra em disputas pela autoridade, sendo feita aí uma ligação
direta entre a identidade que se estabelece e a hierarquia que se mantém dominante.
Na luta simbólica pela produção do senso comum ou, mais precisamente, pelo
monopólio da nomeação legítima como imposição oficial – isto é, explícita e
pública – da visão legítima do mundo social, os agentes investem o capital
simbólico que adquiriram nas lutas anteriores e, sobretudo todo o poder que
detêm sobre as taxionomias instituídas, como os títulos. (Bourdieu, 2001, p.
146).
Bourdieu faz referência às formas que tomam os discursos para a formação de
identidades, sendo elas uma ação de institucionalização, que busca uma objetivação
da realidade, necessitando, primordialmente de uma força de autoridade para legitimar
que o faz, sendo que é nesse mecanismo que “nas lutas pela identidade – esse ser
percebido que existe fundamentalmente pelo reconhecimento dos outros” – seria a
“imposição de percepções e de categorias de percepção” (Bourdieu,2001, p. 116-117).
E desta forma, é no campo das disputas das identidades que o discurso passa a
ocupar um espaço significativo, sendo nesse caso, descrita por Foucault uma
“genealogia dos saberes, dos discursos, dos domínios de objeto” (Foucault, 1986, p.7),
já que é nas disputas pelo poder por meio do discurso, que ocorrem as disputas pelo
controle da verdade.
O patrimônio, observado nessa interlocução com a vida passa por essas
disputas e, portanto, pode ser numa perspectiva crítica, um recurso de afirmação de
identidade de classes. Essa condição não é natural, passa por um processo de
conscientização, é construído por uma trama de ações de resgates históricos em
processos educativos, investigativos e problematizadores.
Ao entender esse órgão como condição de concretude, é importante salientar a
participação e a representação de diferentes sujeitos na afirmação das diferentes
memórias.
46
Essa evocação é uma característica de cidadania, diferente da ideia de
promoção. Segundo Fonseca, existe uma contradição na promoção da cidadania3, na
qual se verifica compromissos políticos e intelectualizados para a construção de uma
identidade nacional, e a grande parte da população se encontra excluída do desejo da
promoção dos direitos e da cidadania pelas políticas culturais e dos patrimônios. Uma
política que em sua história vem mantendo distância da participação social.
E diante da questão de cidadania, diretamente ligada com a relação entre o
povo e o direito de participação nas decisões administrativas do Estado. Sendo
inquestionável o estabelecimento de vínculo com os direitos, sejam eles políticos,
econômicos ou sociais. Desta forma, a sua representação também como parte da
identidade deve ser respeitada, mas não é essa a realidade.
1.3 MEMÓRIA DO TRABALHADOR
É importante realizar um levantamento do que foi feito para se registrar um
posicionamento do trabalhador e a preservação de sua memória. Existem publicações
produzidas no início do século XX, material que retrata principalmente a militância da
classe operária brasileira. Mas deve-se considerar que esses primeiros trabalhos de
registro são frutos de pesquisas realizados prioritariamente não por estudiosos e
intelectuais, mas por pessoas que estavam diretamente ligadas a classe operária ou a
figuras da militância política. São registros caracterizados por apresentarem um olhar
mais ideológico, em grande parte, descrições sobre a realidade operária do período, a
influência e ensinamentos de trabalhadores imigrantes nas lutas operárias, estudos
sobre o anarquismo e sua participação ativa na estrutura sindical no Brasil Primeira
República. É possível afirmar que esses registros se apresentam sem uma preocupação
3 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. TÍTULO I Dos Princípios
Fundamentais Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II - a
cidadania.
47
de ter uma forma normativa, de caráter de estudo científico ou vinculação com
instituições de pesquisa.
Importante consideração é que esses textos surgiram e ainda são utilizados
como forma de comunicação dentro das categorias, o que serve de fonte primária
importante para entender as relações sociais e condições de trabalho, além dos
movimentos de lutas dos trabalhadores, mas agregando também abordagem mais
ampla diante de diversos assuntos que fazem parte do cotidiano dos trabalhadores.
Vale citar algumas produções do início do século diante da causa operária
como “Voz do Trabalhador”, “A Lanterna”, “La Battaglia”, entre outros jornais.
Outro importante material é um conjunto de artigos produzidos por Evaristo de
Moraes e publicados pelo Correio da Manhã, intitulado “Apontamentos de direito
operário” de 1905.
Também é rica a produção de materiais de cunho anarquista, valioso
instrumento de mobilização popular e de ação de luta. Exemplo disso é “I paesi nei
quali non si deve emigrare: la questione sociale nel Brasile (1920) de Gigi Damiani”.
Por outro lado, a partir dos anos 1920, passa-se a se consolidar no Brasil a área
acadêmica, principalmente com a instituição da Universidade do Rio de Janeiro em
1920 e posteriormente com a criação da Universidade de São Paulo em 1934. São os
espaços que inicialmente se colocam na posição de elite cultural e formadora de um
conhecimento dominante diante do restante da sociedade nacional, sendo por meio
dela, que o Estado brasileiro seria auxiliado na construção de seu conhecimento.
Um grupo que estaria apropriado ao saber das questões e problemas do país,
nos mais diversos campos de atuação e do conhecimento, produzindo um saber que
seria legítimo de ser utilizado e entendido somente por eles mesmos. Sendo assim, a
visão da classe trabalhadora para esses intelectuais, de formação positivista, como
indivíduos inconscientes ou sem uma cultura devidamente necessária para fazer
qualquer tipo de posicionamento diante da influência teórica gabaritada aos
48
acadêmicos. Da classe trabalhadora só restava a condição de serem estudados para o
entendimento da realidade social do país da primeira metade do século XX.
É possível destacar, a fala de Plínio Salgado:
Não podemos de maneira nenhuma cortejar a massa popular. Ela é o monstro
inconsciente e estúpido [...] O povo já se escravizou, de há muito, aos seus
exploradores. Não devemos bajular o escravo e sim salvá-lo do cativeiro, não
com agrados, mas com a imposição de novas formas de mentalidade.
(SALGADO, 1930 apud PÉCAUT, 1990 p. 48.).
Seria a partir da elite que se construiria um ideal de nação e não por meio da
grande massa de trabalhadores.
E tendo essa formação de conceito sobre os trabalhadores é que não se
estabelece um estudo mais concreto sobre o modo de vida dessa classe social, muito
menos se registra pelos acadêmicos as movimentações ou movimentos populares que
não tinham qualquer valor para um país que precisava se formar como nação na
Primeira República, sendo essa realidade da classe operária desconsiderada. Mais
ainda por uma omissão completa dos movimentos anarquistas por parte dos
intelectuais, sendo esse modo de agir dos trabalhadores algo que chega a ser mais que
desconsiderável como condenável para a estrutura social.
Pode-se dizer que, por serem provenientes em grande parte da classe
dominante, esses intelectuais se colocavam em uma posição além do restante da
sociedade, sendo por excelência os detentores de um saber, responsáveis por
transformar a classe trabalhadora, que não tinha uma consciência, em parte de uma
classe social mais organizada e funcional para os interesses de toda a sociedade.
E de certa forma, esse conceito de uma intelectualidade, que se posicionava em
um patamar de superioridade do saber, juntamente com um Estado de caráter
organizador e autoritário que após 1930, passa a firmar o papel desses trabalhadores
como o papel de apenas os braços da nação.
49
O olhar acadêmico diante da classe trabalhadora começa a ganhar mais atenção
e ser apresentado de forma mais sistêmica a partir dos anos de 1950, sendo fruto de
um trabalho de intelectuais da área de sociologia, que passaram a se preocupar em
construir grandes sínteses no campo da sociologia – chamadas “sínteses sociológicas”
– em que teorizavam as escolhas ideológicas a partir dos movimentos operários.
Foi na década de 1950, com um grande e acelerado desenvolvimento industrial
do país, também se observa um desenvolvimento na participação dos trabalhadores
com relação a sua participação social. São os operários, mesmo com sindicatos
atrelados ao poder do Estado, que começam a questionar condições de trabalho e de
vida por meio de um direcionamento mais a esquerda. Também se deve destacar que
as Ligas camponesas começam a surgir nesse período.
O próprio país passa por relevantes transformações estruturais. A população,
nos anos 1950, passa a ter uma população mais urbana. A Petrobras é inaugurada, a
indústria ganha força, mais ainda a indústria automobilística. Cresce
significativamente o consumo de eletrodomésticos e outros bens duráveis. Também é
importante lembrar que é nesse período que a mulher ganha mais espaço no mercado
de trabalho.
Essas questões foram bem observadas pelos intelectuais que passaram a
analisar e tentar compreender as causas e consequências dessas importantes e rápidas
mudanças que o Brasil passou nesse período. Foi nesse momento que se constitui uma
corrente teórica que estuda essa dinâmica social do Brasil, tendo um olhar sobre a
modernização como ponto de partida para entender a passagem de um país rural para
um outro urbano e industrial. Era um país que ficava no passado e o futuro industrial
parecia algo de se esperar e possivelmente acreditar. Paoli descreve esse momento:
Nos anos 50, constituiu-se uma corrente teórica que aborda a dinâmica da
sociedade brasileira vista com um processo de modernização, como passagem
do mundo rural tradicional para o urbano-industrial. Tratava-se da formulação
acadêmica de um momento vivido como transição. A sociologia dava forma à
percepção de um Brasil que havia ficado para trás após o reinado getulista, onde
a industrialização e a urbanização aceleradas já eram visíveis e a mudança
50
social aparecia como inevitável. [...] A evidência de um Brasil moderno
conduzia este esforço de pensar as condições de implantação desta modernidade
e o conjunto de processo que adaptariam as populações a elas. (PAOLI;
SADER; TELLES, 1984: 133).
De acordo com o que diz Maria Célia Paoli (1987, p.55), o modo em que os
intelectuais fazem o estudo social dos operários mostra uma fala irritada dos
empresários brasileiros, que colocam a culpa tanto no Estado como nos teóricos por
serem os responsáveis pela formação da classe operária e a partir disso, o início da
luta de classes no país. Mais do que isso, para a autora, esse mesmo discurso proferido
pela classe de empregadores, coloca-os no papel de realizadores de favores para os
operários e surpresos com as atitudes de “caráter amoral” dos trabalhadores e também
da ação do Estado ser um criador dessa condição de lutas de classes.
Além disso, para a classe empresarial, fica clara a posição em que se colocam
de que quem tinha conhecimento de causa referente aos seus operários, deixando claro
que “eram os empresários que conheciam a realidade das fábricas, e não teóricos e
sonhadores que vivem à margem do próprio trabalho” (PAOLI, 1987, p.72), diante da
perda de competências por parte dos empresários, diante das relações de trabalho
industrial, por meio do Ministério do Trabalho, sendo esse tipo de discurso proferido e
com texto publicado em 1935 pela Associação Têxtil Empresarial de São Paulo.
Como também se pode destacar:
Não existem outros problemas de relevância a não ser estes, malgrado
afirmativas em contrário de certa imprensa e de teóricos impenitentes que não
conhecem a nossa vida fabril. "Para o operário nacional, o grande problema é o
salário. Para o patrão, o problema capital é a abundância de braços, a
estabilidade e o adestramento desses braços... Não existem outros problemas
relevantes a não ser estes." (NOGUEIRA,1935 apud PAOLI, 1987, p.72).
É nesse momento que passa a existir um novo olhar, mais cuidadoso, dos
intelectuais diante da força de mobilização e as movimentações da classe
trabalhadora, que se mostram capazes de transformar toda a sociedade do país. É
nesse rápido processo em que a indústria ganha força, que também passar a fervilhar
movimentos sociais ligados as questões operárias como de todos os demais
51
trabalhadores. Uma força inegavelmente transformadora que passa a se reconhecer
como classe, mesmo que de uma forma ainda inicial.
E ganha força também o braço político ligado as causas operárias,
principalmente ligadas ao Partido Comunista. Entra-se nos anos de 1960 com
publicações importantes relacionadas ao tema e que merecem ser mencionadas como
“A Formação do PCB” de 1962 de Astrojildo Pereira, “O movimento sindical no
Brasil”, do mesmo ano e escrito por Jover Telles e a “Libertação Social” de Edgard
Leuenroth lançado em 1963. Mostra uma ligação direta das ideias marxistas e a lutas
de classes com a formação desses trabalhadores nesses novos tempos do país.
Foi a partir dos anos de 1970 que a História passou a se dedicar com mais
detalhe nos estudos da causa operária, que já era estudada pela Sociologia e pelas
Ciências Políticas. Podem-se destacar os estudos realizados por Boris Fausto e
também pelo cientista político Francisco Weffort no que tratou de um conceito por ele
formulado de “sindicalismo populista”.
Por meio dos estudos realizados por Weffort que pode se observar uma
transição, no que se refere aos estudos sobre a classe trabalhadora, entre o modo de
interpretá-lo por um olhar sociológico, para uma análise mais aprofundada de uma
interpretação política da questão. Isso é fundamental para entender que possíveis
questões de uma possível prostração das ações da classe trabalhadora, foram
originadas não de sua origem ou forma em que se estrutura, mas de questões ligadas a
possíveis orientações e ações das lideranças estabelecidas.
Foi nesse momento que foi aberto um amplo campo de estudo referente à
classe trabalhadora, sendo esse tema um atrativo para debates diante da realidade e
dos movimentos operários. A partir das greves dos trabalhadores de São Bernardo do
Campo e na região do ABC Paulista, nos anos finais da década de 1970 que se passou
a discutir as formas de organização operária e desenvolver teorias e novas
nomenclaturas para a nova realidade para época, considerada do “novo sindicalismo”.
Uma forma de romper com um histórico de lutas ultrapassado e que vinha carregado
de velhos hábitos e erros nos movimentos de luta.
52
Deve-se registrar que os estudos sobre a classe trabalhadora e os registros de
sua realidade, começam a produzir vários trabalhos acadêmicos sobre o tema e
passam a se levantar a necessidade de formar e valorizar centros de documentação e
memória dedicados à história de trabalho e de lutas.
Em consequência, na década de 1980, surgiram novas ideias e trabalhos
acadêmicos referentes aos movimentos de luta dos trabalhadores, não somente diante
da nova realidade na qual o país descobria, por meio do “novo sindicalismo” ou pelo
impacto das greves dos metalúrgicos do Sindicato de São Bernardo do Campo, mas
também por uma leitura mais dedicada a uma produção de estudos de origem
estrangeira que foi fundamental ao enriquecer os debates pelos estudiosos brasileiros.
Foram importantes os estudos, baseados na historiografia marxista inglesa, de autores
como E. P. Thompson e Eric Hobsbawn. Mas, além disso, também foram muito
importantes os estudos e análises realizadas referentes às relações de poder de Michel
Foucault.
É com essa historiografia, sob a influência de pensadores da classe operária que
passasse a discutir questões significativas das realidades dos trabalhadores e das lutas
de classes, que passam a ser estudadas e refletidas as condições de vida, as relações de
trabalho, as leis trabalhistas, a cultura operária, as mulheres trabalhadoras, os modos
de organização sindical, as lutas, movimentos e revoltas trabalhadoras e populares,
entre outros temas.
É também nesse momento que ganha força a apropriação de outras diversas
fontes de pesquisa que vem a enriquecer o que já era trabalhado como, por exemplo, a
história oral.
Esses estudos sobre a classe operária ganham um novo fôlego nos anos de
1990, com o fortalecimento das políticas neoliberais, que comprometeram mais ainda
as condições de vida dos trabalhadores, com a releitura e revisão dos trabalhos até
então realizados diante do tema. São levantadas nesse momento novas preocupações e
também novas perspectivas diante do cenário de incertezas, o que fez esse tema se
atrelar anda mais ao campo das Ciências Sociais e da História. É o momento em que o
53
trabalhador vem se questionar de forma mais crítica sobre seu papel histórico e sua
participação efetiva nessa nova realidade econômica. Os estudiosos necessitam dessa
forma, debater as fontes e analisar as novas condições impostas pelo poder
hegemônico.
54
CAPÍTULO II
A proposta nesse capítulo é levantar a questão sobre qual é o papel da memória
na sociedade, observando um território e os contextos de disputas expressos nas
representações patrimoniais materiais ou não, abordando o tratamento de patrimônio
como produção histórica e social.
Esse tratamento esboça uma reflexão ao patrimônio na perspectiva de um bem
cultural de um povo que evoca memórias, porém observa em que medida o patrimônio
como conjunto de bens, produções e manifestações trazem a afirmação da identidade
dos diferentes grupos existentes nesse território. Assim, tem-se a problematização do
sentido simbólico de patrimônio, com quem e para quem.
Essa abordagem não desconsidera patrimônio enquanto uma condição de
preservação de recortes da história da humanidade, não como ideia de conservar o
passado, mas como condição que permite, através dos símbolos, o evocar das
memórias singulares e coletivas um pensamento de vida.
Ao refletir nessa complexidade sobre patrimônio, haverá uma abordagem do
perfil das políticas públicas na sistematização de memórias patrimoniais, observando
as forças das representações sociais nessa organização.
A análise expressa das políticas está além da ideia de preservação do bem
histórico, enquanto leitura de contextos, pela análise de patrimônio, o estudo
observará a resistência às pressões dos interesses econômicos e especulativos de
grupos que buscam afirmar uma única história.
Nesse sentido, tem-se uma abordagem das ações, a criação de instituições,
principalmente as que incluem eventos considerados de cultura, compreendida como
fruto da memória. Uma abordagem que observa as contribuições das políticas
patrimoniais para favorecer ações de abstração, projetação de pensamentos e
linguagens para expandir ideias e promover mudanças.
55
Além disso, e diante da realidade específica, é feita uma descrição conceitual
da educação, e mais especificamente da educação patrimonial, no processo de
aproximação de determinadas camadas da sociedade dos patrimônios tombados como
também em um sentido inverso, como a população pode se representar em suas
memórias e por meio dos patrimônios como forma de criar uma consciência de suas
realidades, de seus espaços e condições de vida. Uma importante ação que tem como
objetivo fazer o educando/cidadão fazer-se perceber como um sujeito histórico, em
uma constante construção coletiva.
2.1 SÃO BERNARDO DO CAMPO - UMA CIDADE INDUSTRIAL E
OPERÁRIA
Ao trazer um contexto em análise como um território em estudo, o conceito que
fundamenta a reflexão está marcado na ideia de territorialidade, em que há o
reconhecimento de vidas numa relação social, política e histórica, na qual se tem o
desenvolvimento por parte dos sujeitos do sentimento de pertencimento, assim, como
apresentou Milton Santos que “por território entende-se geralmente a extensão
apropriada e usada. Mas o sentido da palavra territorialidade como sinônimo de
pertencer àquilo que nos pertence”. (SANTOS, 2011, p.17).
Com essa compreensão de território em convivência humana, a análise de
patrimônio nesse trabalho, se faz sob o ângulo histórico-sócio-político.
(WANDERLEY, 2010, p.26). Nesse sentido tem-se uma observação de um contexto
urbano na região do ABC, um local que tem um percurso histórico e nos tempos
atuais passa por grandes reorganizações políticas e produtivas, evidenciando rápidas
transformações.
Essa realidade não é um fato isolado, mas reflete um processo de organização
de vida urbana, que em análise cosmopolitana, passou por contextos históricos onde
grupos sociais, com forte poder político, marcaram um perfil cultural hegemônico que
56
deixou marcos para evidenciar suas memórias, afirmando suas representações por
patrimônios históricos.
O modelo de desenvolvimento de São Bernardo do Campo não recua da
contextualização internacional, em referência ao pensamento cientifico, político,
histórico de patrimônio cultural, visto que nesse território teve uma construção de vida
e de memória pautada por um perfil de desenvolvimento, diferenciando espaço central
de produção e contexto periférico. Essa organização produtiva pautou a organização
de vida das pessoas e conforme a acumulação de riqueza tem-se as representações de
grupos em patrimônio material e imaterial.
Uma cultura compõe-se de significados, ideias e concepções, acompanhando o
dinamismo da própria vida. Esses significados se expressam através de práticas sociais,
através do discurso e das manifestações artísticas de um povo, levanto essas questões em
um estudo de caso. Desta forma, é lançada uma análise sobre o caso específico da cidade
de São Bernardo do Campo, situada na Grande São Paulo, na região do ABC Paulista,
que é considerada o principal polo industrial e automotivo do Brasil e uma referência
internacional no setor.
Nessa parte da pesquisa tem-se a necessidade de fazer um referencial histórico
e de descrição dessa realidade, para que se entenda como foi esse processo e para que
se entenda a força industrial nessa cidade. E dentre os fatores, é possível citar alguns
que envolvem a presença de mão-de-obra no local, a logística proveitosa da
localização da cidade proporcionada pela via de ligação entre São Paulo e Santos,
incentivos fiscais oferecidos pela administração local, entre outras questões. Muitas
empresas multinacionais se favoreceram dessas vantagens e criaram suas sedes em
São Bernardo do Campo. E dentre tantas empresas, se concentraram na cidade as
principais indústrias de automóvel do mundo, além de tantas outras que se relacionam
com a indústria automobilística, como as fábricas de autopeças, transformando a
57
cidade, entre as décadas de 1950 e 1970, além de um dos principais polos industriais
do país também a capital nacional do automóvel4.
Ocorre a atração de um imenso contingente migratório para a cidade, que passa
a servir de mão-de-obra para essas indústrias. Há um acelerado processo de
crescimento urbano que transforma essa localidade que antes era uma pequena e
bucólica cidade no início do século XX para uma metrópole, visível em seu
crescimento populacional, que passa de 29 mil habitantes em 1950, para 425 mil em
1980, sendo mais da metade (292 mil) imigrantes.
Novos aglomerados são criados em lugares que antes eram pacatos núcleos
coloniais. Sítios, chácaras e um cenário de uma cidade rural vão sendo transformados
por uma ocupação urbana, tanto de forma regulamentada ou não, por casas e
ocupações Como resultado da expansão populacional, as chácaras e a paisagem
bucólica passou a dar lugar a novos loteamentos urbanos, regulares ou irregulares, e o
crescimento populacional é rápido e irreversível.
Junto com essa imensa transformação de cenário da cidade, resultado da ação
direta desse crescimento de poder industrial, surge um novo sindicalismo, que se
mostra extremamente organizado e com imensa força de ação pela reivindicação, que
transforma a cidade em um referencial nacional, para, em meio a momentos de crises
econômicas, servir de cenário a um dos mais belos exemplos de movimento grevista
que já ocorreu.
Foi em uma manhã de maio de 1978, que mais de 2.500 trabalhadores da Saab-
Scania do Brasil entraram para trabalhar, bateram seus cartões de ponto, vestiram seus
habituais macacões, ocuparam seus postos de trabalho e diante das máquinas que
permaneceram desligadas, cruzaram seus braços dando início a uma greve branca que
veio como uma afronta, tanto à indústria metalúrgica como também ao governo
4 No final da década de 1970, a Região do ABC representava cerca de 80% da produção nacional de veículos.
Além da General Motors, que já estava no ABC desde o final da década de 1920 (montando veículos que
chegavam desmontados pelo porto), dez montadoras instalaram fábricas na Região do ABC entre meados da
década de 1950 e final da década de 1960: Willys Overland (1954, sendo em 1969 adquirida pela Ford),
Mercedes-Benz (1956), Volkswagen (1957), Simca (1958), depois adquirida em 1969 pela Chrysler que, por sua
vez, foi comprada pela Volkswagem em 1981, International Harvester (1959), vendida à Chrysler em 1966,
Karmann-Guia (1960), Scania Vabis (1962) e Toyota (1962). (CONCEIÇÃO, 2008, p.72)
58
militar vigente. Uma atitude que deu início a uma história de lutas, com vitórias e
derrotas, mas com o reconhecimento de todo um país e do mundo.
Foi uma greve que ocorreu de forma a surpreender, comparada com o histórico
de lutas trabalhistas até então, já que, de forma inesperada, os trabalhadores ocuparam
as dependências internas da fábrica, inabilitando os instrumentos de repressão, que
não puderam agir para conter as ações grevistas. A própria diretoria da fábrica não
soube como reagir ao ato de luta. A greve branca veio como uma elaborada
engenharia de ações para que pudesse concretizar de forma eficaz as ações de
mobilização.
Essa elaboração é fruto do “novo sindicalismo”, que passa a dar uma maior
representação e autonomia aos líderes operários, agrega aos movimentos lideranças de
movimentos sociais, sendo muitas ligadas aos movimentos operários católicos.
Também é característica dessa nova forma de organização sindical, discursos e
manifestações que faziam um atrelamento entre as condições vividas pelos operários
em suas realidades na fábrica, com a situação econômica e social que o país vivia.
Essa formação para a realidade e que contestava as situações limites vividas pelos
trabalhadores, servia como forma de criar uma maior consciência crítica diante da
causa grevista. Isso foi possível graças à reestruturação das comissões de fábrica e da
organização de um sistema de comunicação próprio.
Emir Sader (1988) destaca a autonomia com uma das mais importantes
características desse novo modo de sindicalismo, surgido ao final da década de 1970.
Novo sindicalismo, que se pretendeu independente do Estado e dos partidos,
eram os “novos movimentos de bairro”, que se constituíram num processo de
auto-organização, reivindicando direitos e não trocando favores como os do
passado; era o surgimento de uma nova sociabilidade em ações comunitárias
onde a sociabilidade e autoajuda se contrapunham aos valores da sociedade,
inclusive, eram os novos movimentos sociais que politizavam espaços antes
silenciados na esfera privada. (SADER, 1988, p.35-36).
Era uma nova forma de agir de um sindicato, que se pauta em um modelo
sindical livre e não mais mantida uma estrutura sindical atrelada. Como ressalta Sader
59
(1988, p. 167) “organizações partidárias foram debilitando cada grupo e deixando
sempre resíduos de militantes que não aderiam a nenhuma das facções”; uma forma
de organização que se desliga e cria uma maior independência com relação ao Estado
e um movimento de lutas desvinculado aos partidos políticos, principalmente o PCB
(Partido Comunista Brasileiro), que tradicionalmente sempre esteve envolvido com as
lutas dos trabalhadores.
A partir dessa primeira greve, que lutava com o objetivo de negociar melhores
condições salariais, da necessidade de serem reconhecidas as comissões de fábrica,
pela garantia na manutenção dos empregos, e também, ou até mais ainda, pelo direito
a liberdade de expressão, negociação e reinvindicação, sucederam-se outras nos anos
seguintes que sempre tiveram uma repercussão nacional por meio dos órgãos de
imprensa, das forças do governo e da opinião pública. Elas influenciaram ações
também em outros setores produtivos, fazendo com que trabalhadores de outras
categorias também se organizassem nesse novo modelo de luta.
No ano de 1980, muitos sindicalistas e representantes da sociedade civil, de
movimentos populares e intelectuais foram responsáveis pela fundação do Partido dos
Trabalhadores, com a vontade de fazer chegar ao poder um governo representativo da
classe trabalhadora.
Não ousaria afirmar que o país São Bernardo possa anexar o país Brasil. Mas
cabem dúvidas de que o tempo tende a tornar o Brasil mais parecido com São
Bernardo. (CARTA, 1981).
São Bernardo do Campo, com a década de 1990, sofreu com as consequências
das políticas neoliberais do mercado internacional. Em consequência disso, o setor
industrial, tão importante para a economia local, passou por transformações relevantes
tanto em sua organização, como em seus processos produtivos, além da reestruturação
do próprio mercado de trabalho. Esse setor veio a perder um importante espaço
abrindo a economia da cidade a alternativas setoriais, como o de serviços, além da
crescente realidade do mercado informal.
60
As heranças culturais que são guardadas do período de força industrial e da
ação ativa dos metalúrgicos são representadas por meio de ações específicas e de bens
materiais nos tempos atuais do que sobrou desse período específico de crescimento e
ápice da indústria, e a necessidade de sua valorização é também a necessidade de sua
preservação como material e imaterial.
Nessa condição histórica, em que as diferentes classes sociais estiveram
presentes, São Bernardo do Campo ainda sente a necessidade de dar visibilidade a
uma classe operária por meio de suas histórias de luta e de construção de suas
conquistas, o que é constatado por seu orgulho de fazer parte dessa categoria de
trabalhadores.
Uma cidade em que as expressões dessa classe de trabalhadores que se
apresenta em todo o território, não há de ordem oficial o reconhecimento das suas
forças de lutas e resistências. Isso não significa que as comunidades não guardam seus
patrimônios culturais, em que por forças de expressões, sem reconhecimentos oficiais,
não determinam suas produções como patrimônios culturais comunitários.
Em trajetos de grande circulação, os patrimônios comunitários vão cedendo
seus espaços às grandes construções e chamadas dos interesses econômicos. Essa
situação é fruto da ausência de mais espaços de reflexões sobre a importância das
memórias de diferentes povos. Em análise geral, essa leitura de poucos espaços com
representações sociais diversas é fruto de uma história que tentou preservar um
processo imigratório de italianos, negando assim, a memórias dos diferentes povos
que vem constituindo essa cidade.
Com a leitura de contextualização, São Bernardo do Campo passa por tempos
diferenciados, em que por condição de resistências existem diálogos, perspectivas e
indicativos para evocar as memórias de uma cidade de muitos sujeitos e uma
identidade que se sente necessária a se consolidar.
Com esse breve histórico é inegável a relação direta da formação da cidade e
do que ela é na contemporaneidade com seus trabalhadores. São Bernardo do Campo
61
é uma cidade operária. É nela que, nos tempos mais sombrios da história recente do
Brasil, se fez ecoar a voz de milhões de trabalhadores que questionavam suas
condições de trabalho e de vida.
Como pode uma cidade com uma relevante memória industrial não ser
representada por meio de seus bens tombados? Como é possível sua grande população
metalúrgica não se identificar com seus espaços de memória? De que forma, o
Conselho Municipal que trata do Patrimônio Cultural, se posiciona e age diante dessa
fatia pequena de representação?
2.2 ORGÃOS DE PRESERVAÇÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES
COMPAHC – SÃO BERNARDO DO CAMPO
Na cidade de São Bernardo do Campo, é indispensável conhecer a história e o
trabalho realizado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de São
Bernardo do Campo (COMPAHC-SBC), órgão que presta assessoria aos mais
diversos assuntos que venham a se relacionar com a valorização do patrimônio
cultural, sua proteção e sua preservação.
Por resultados de uma série de debates que se realizavam no ABC Paulista
diante do tema Patrimônio Histórico Cultural, e após diversos estudos e debates, esse
conselho é então criado em 1984 por meio da Lei Municipal 2.608, com seu vínculo à
Secretaria de Cultura.. Seu primeiro presidente do Conselho foi Enrique Ricardo
Lewandowski, que teve participação ativa em todo o projeto de instauração.
Dentre os assuntos tratados pelos conselheiros municipais para o Patrimônio
Cultural, estão sugestões e realizações de tombamentos, consultoria de possibilidades
de ações de tombamento, emissões de pareceres no que se refere à demolição e
construção, entre outras ações que tratem de interesses diante de bens em potencial,
materiais e imateriais da cidade.
62
Esse conselho é composto por um colegiado de vinte representantes, sendo
metade pertencente à administração pública municipal, representada por várias
Secretarias e a outra metade composta por integrantes da sociedade civil5.
Voltado ao Patrimônio Cultural da cidade de São Bernardo do Campo, esse
Conselho vem em um constante trabalho de debates baseados em diversas questões
ligadas à preservação e conservação. Para que isso se efetive, ele instituiu sua
subdivisão em grupos técnicos com o objetivo de focar em estudos e pesquisas, além
de dinamizar questões de pareceres técnicos, tendo em vista uma forma de valorizar e
fortalecer os trabalhos do grupo de conselheiros que formam esses eixos. Eles são os
seguintes:
a) Grupo Técnico de Vistoria;
b) Grupo Técnico de Assuntos Jurídicos;
c) Grupo Técnico de Arquitetura;
d) Grupo Técnico de História;
e) Grupo Técnico de Educação;
f) Grupo Técnico de Área Envoltória;
g) Grupo Técnico de Meio Ambiente;
De forma efetiva, essa ação é muito significativa para que os estudos para a
preservação sejam dinamizados, já que serve de parâmetros de identificação, estudos e
procedimentos para que se realize os tombamentos de lugares importantes para
descrever a história da cidade.
5 Representantes da Prefeitura: Secretaria de Educação; Secretaria de Assuntos Jurídicos; Secretaria de Obras;
Secretaria de Planejamento e Tecnologia da Informação; Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo;
Secretaria de Habitação e Meio Ambiente; Secretaria de Esportes; Secretaria de Serviços Urbanos; Secretaria de
Cultura - Seção de Memória e Patrimônio Histórico e Cultural; Representantes da Sociedade Civil: Ordem dos
Advogados do Brasil - 39ª Subsecção de São Bernardo do Campo; Universidade Metodista de São Paulo -
UMESP; Diretoria de Ensino - Região de São Bernardo do Campo; Associação dos Engenheiros e Arquitetos de
São Bernardo do Campo; Instituto do Patrimônio do ABC; Núcleo de Estudos, Desenvolvimento e Pesquisa
Científica e Jurídica sobre Meio Ambiente; Associação dos Artistas e Artesãos de São Bernardo do Campo;
GIPEM - Grupo Independente de Pesquisadores da Memória do Grande ABC; Terra Viva - Movimento de
Resistência Ecológica de São Bernardo do Campo; Instituto Histórico e Geográfico São Paulo; Historiador;
63
Mas é importante se ressaltar que não é somente por meio de leis e ações dos
órgãos públicos que se faz a construção da memória de uma comunidade. Isso só se
concretiza por meio de uma apropriação de seus sujeitos desses bens, quando esses
lugares passam a fazer parte da vida social de forma relevante e efetiva. O que
também não deixa de ser uma preocupação do COMPAHC-SBC nesse sentido, sendo
que o próprio Conselho debate essa questão, chegando a produzir um documento com
as premissas essenciais para a sua atuação:
a) ampliar o conceito de patrimônio para além dos bens de caráter monumental,
englobando também, aqueles que são significativos e representativos da
memória dos diversos grupos sociais;
b) considerar que a visão contemporânea de patrimônio cultural engloba,
também, os bens naturais, entendidos como objeto de ação cultural;
c) levar em conta a relação afetiva da comunidade com os bens, o que implica
em reconhecer valor naquilo que se apresenta como o típico dentro dos diversos
grupos sociais;
d) reconhecer a pluralidade existente na memória coletiva, composta por
diferentes manifestações e relações dos grupos sociais;
e) considerar a importância das manifestações culturais, das técnicas e saberes
que compõem o chamado patrimônio imaterial, para o qual cabe uma atuação
diferenciada de tombamento;
f) garantir maior representatividade da sociedade civil nas decisões relativas à
proteção do patrimônio, através da ampliação de sua participação nas
discussões;
g) considerar o patrimônio como um direito social fundamental, definido pela
Constituição Brasileira, artigo 216, e que, portanto, implica em interesses
coletivos superiores aos interesses individuais e na garantia destes por parte do
Poder Público;
h) permitir a continuidade no trabalho de preservação, independente de
mudanças político-administrativas que possam inviabilizar a garantia desse
direito social fundamental;
i) promover a realização dos mais diversos meios e estratégias para a
preservação, sejam eles: a identificação dos bens e manifestações de valor
cultural, a proteção física destes bens através de fiscalização e obras de restauro
e conservação, a proteção legal através da implementação de instrumentos
legais de proteção destes bens e a divulgação para a garantia efetiva de inserção
do patrimônio na vida da cidade. (SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2006).
64
Partindo dessas premissas e retomada a leitura dos bens preservados e
tombados, observa-se que São Bernardo do Campo possui uma lista de 21 bens6 que
atualmente, são estimados como patrimônios da cidade. Cada um desses bens traz
características relevantes conforme a sua relação com a cidade, como os pavilhões e
estúdios da antiga Companhia Cinematográfica Vera Cruz, Cidade da Criança,
Chácara Silvestre, 6 igrejas (sendo 5 católicas e 1 presbiteriana), Edifício Alfa da
Universidade Metodista de São Paulo, entre outros.
Nessa questão cabe uma observação que nos leva ao questionamento, tendo em
vista que os locais tombados como patrimônios culturais pelo Conselho de Patrimônio
de São Bernardo não representam a formação da cidade, com base na sua
industrialização e na memória operária, sendo que são apenas dois bens que
representam esse patrimônio industrial: Torre da Elni e a Chaminé da Avenida Pery
Ronchetti.
Enquanto caracterização desses bens patrimoniais ressalva-se o perfil de cada
um:
Torre da Elni – Uma torre de sustentação da caixa d’água
da Sociedade Elni de Produtos Manufaturados Ltda., foi construída na
década de 1940. Naquele período, a Elni representou para a cidade, com
seus equipamento e instalações avançadas, uma inovação no setor têxtil,
sendo essa uma atividade muito importante para a cidade, juntamente
com o setor moveleiro. Essa torre é parte de uma estação de tratamento
de água, possuindo ela galerias por onde circulava a água que era
6 São os 21 bens tombados pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de São Bernardo do
Campo: Pavilhões e estúdios da antiga Companhia Cinematográfica Vera Cruz; A antiga Escola Municipal
Santa Terezinha; Câmara de Cultura Antonino Assumpção; Torre da Elni; Árvore dos Carvoeiros; Edifício Alfa
da Universidade Metodista de São Paulo; Cidade da Criança; Obelisco do Soldado Constitucionalista; Painel da
Fonte de Água no Bairro Baeta Neves; Chácara Silvestre; Casa do Comissário do Café; Chaminé da Avenida
Pery Ronchetti; Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem; Capela Santo Antonio; Capela São Bartolomeu;
Igreja Santa Maria; Capela Santa Filomena; Igreja Presbiteriana Independente; Chácara Lauro Gomes; Jatobá
da Vergueiro; Painel Memórias de uma Cidade, do artista plástico Adélio Sarro.
65
acrescida de sulfato de alumínio, para que servisse como forma de
tratamento no alvejamento dos fios utilizado na produção dos tecidos.
Chaminé da Avenida Pery Ronchetti – Uma construção da
década de 1950, por uma indústria siderúrgica - Usina Metalúrgica
Itaetê S.A. -, que nem chegou a iniciar suas atividades. Mas sua
construção se utilizou de uma técnica de obriga que os tijolos se
disponham no formato trapezoidal. É esse bem uma edificação singular
a todo o processo de industrialização da cidade, sendo que ele é também
um referencial a paisagem urbana da cidade.
O cenário econômico e as consideráveis transformações do setor industrial na
cidade são refletidas nos números de evasão desse setor na cidade e em consequência
disso uma significativa mudança em sua paisagem e em seu modo de convívio social.
Uma situação que exige uma reflexão no que se refere à memória e seus
espações, tanto do setor industrial como do trabalhador e suas ações, muito
importantes para escrever a construção da cidade, e dessa forma também, torna-se
necessário até para se figurar possíveis possibilidades para o futuro econômico e
social de São Bernardo do Campo. O patrimônio cultural e mais especificamente o
Patrimônio Industrial e a memória do trabalhador e do trabalho são fundamentais para
se refletir a formação histórica e cultural da cidade.
Mas é necessário definirmos o que vem a ser Patrimônio Industrial. Foi em
julho de 2003, em Nizhny Tagil, Rússia, realizada a XII Conferência Internacional do
TICCIH (The International Committee for the Conservation of the Industrial
Heritage). Nela foi elaborada e aprovada a Carta de Nizhny Tagil Sobre Patrimônio
Industrial, que se refere e passa a definir a arqueologia industrial, o patrimônio
industrial, bem como os valores, a proteção legal, os meios de manutenção e a
conservação desse patrimônio. Deste modo, ficou definido da seguinte forma o
patrimônio industrial:
O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que
possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Estes
66
vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de
tratamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção,
transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas
estruturas e infraestruturas, assim como os locais onde se desenvolveram
atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de
culto ou de educação. (Carta de Nizhny Tagil, 2003, p.3)
Um questionamento referente ao patrimônio industrial, sendo até mesmo um
debate muito recente no Brasil, faz menção à responsabilidade diante de um dever de
memória, diante de processo constante de transformações ou destruição de vestígios
desses bens que potencialmente deveriam ser preservados como lugares de memória,
no âmbito de seus espaços, como também de seus equipamentos e ferramentas que
trazem as informações sobre o processo de mudanças que ocorreram em um processo
histórico.
Por mais que, em muitos casos, possa parecer menos importante e não havendo
reconhecimento por parte da sociedade, os espaços urbanos ainda trazem vestígios de
locais que com o tempo foram tomados por mudanças constantes ou até mesmo o seu
desaparecimento, e nesse caso, se refere aos locais de trabalho e de produção, como
fábricas com galpões e prédios abandonados, vias e instalações do setor ferroviário,
embarcações ou até mesmo somente muros ou fachadas do que um dia já foi um
imponente espaço fabril.
Há nisso, conforme concepção já em desuso referente a patrimônio, pouca ou
nenhuma beleza ou referencial artístico, sendo apenas resquícios de processos de
produção, arte de fazer que já não se efetiva ou até mesmo espaços de encontros e
conflitos das relações humanas. Lugares que são referencias importantes para a
memória de uma sociedade e carregada de história e representações que vão muito
além do que já foi funcional.
Ter uma noção de que um espaço passa a ser um lugar de memória o que antes
tinha como finalidade apenas a ação de trabalho de um grupo social e uma
determinada categoria. E a busca por transformar esse lugar em seus sentidos tão
ambíguo, que causa estranhamento nessa possibilidade, diante de interesses
67
comerciais e financeiros que consideram esses espaços mais lucrativos diante da
especulação imobiliária. Pode-se apresentar diversos casos de indústrias ou regiões
industriais que depois de abandonadas passaram por um processo de
patrimonialização e tiverem seus cenários revitalizados, e o retorno de ordem
financeira foi considerável, tanto para o proprietários desses espaços como para a
comunidade local ou para o Governo. Não sendo apenas, um espaço que se destine
apenas a espaços culturais.
Transformar esses espaços de trabalho em espaço de memória, dando a eles um
caráter de funcionalidade que vai além do abandono em que se encontram, é um
desafio de extrema importância para garantir uma significação e uma aproximação
pela identidade que cerca toda uma comunidade, que um dia já teve nesse ambiente
um lugar de trabalho grande agitação e produção.
Ao tratar de patrimônio industrial, importante relaciona-los aos vestígios do
processo produtivo, material ou imaterial, de atividades que nesses lugares, um dia
ocorreram em um processo de transformação e que venha a explicar a evolução das
técnicas, das máquinas e das relações de trabalho, das edificações. Também se pode
citar que faz parte do objetivo de proteção os modelos empresariais, e formas de
produção ou até mesmo as matrizes de caráter tecnológico que em um ciclo de
existência, vieram para auxiliar na forma de trabalhar, mas caíram em desuso
conforme foram surgindo novas formas.
São os testemunhos de uma ação para o trabalho que necessita de um
tratamento mais cuidadoso de preservação de sua memória E patrimônio, por
assumirem significância à identidade de um grupo social, ao assumir uma reflexão
sobre esse tema, deve se atentar à rápida necessidade de ações a fim de que não se
perca cada vez mais sinais do que já foi um modo de trabalho, seus espaços e suas
relações.
68
GIPEM – GRUPO INDEPENDENTE DE PESQUISADORES DA
MEMÓRIA
A partir de uma inciativa da Sociedade Civil da região do ABC Paulista em
prol do Patrimônio Histórico e Artístico, surge em 1987 o GIPEM (Grupo
Independente de Pesquisadores da Memória). Diversos moradores da região e não
necessariamente profissionais ligados à área de memória e patrimônio, após cursos e
debates oferecidos pela prefeitura de Santo André para a área de Patrimônio Cultural,
uniram-se para concretizarem ações efetivas voltadas ao tema.
Dentre os integrantes que participaram de sua formação, estão acadêmicos
como Luiz Roberto Alves, Alexandre Takara e José de Souza Martins, trabalhadores
metalúrgicos como Philadelpho Braz, Paschoalino Assumpção e José Duda Costa, o
jornalista Ademir Médici e figuras políticas como Enrique Ricardo Lewandowski e
Celso Daniel, além de outros tão importantes ativistas, que já nos primeiros encontros
compunham um grupo de mais de 50 pessoas.
Eles tinham reuniões periódicas, onde traçavam ações de preservacionismo na
região das sete cidades do ABC Paulista, incluindo São Bernardo do Campo. Era um
modo de exigir do poder público, atitudes referentes à preservação de pontos
significativos da memória local.
Já no ano seguinte, o grupo passa a adotar a atual nomenclatura em que se
deixa claro que o grupo tem uma ação independente das ações de qualquer entidade,
empresa ou órgão público. E não somente isso, esse grupo independente de memória
não é registrado de forma oficial em nenhum registro de pessoa jurídica. Não possui
sede, seus encontros se realizam nos mais diversos espaços culturais da região. Nem
possui uma diretoria fixa e eleita por seus integrantes.
Seus encontros ocorrem com definição de ações e pautas para a realização de
cursos, seminários, pesquisas, mas de forma que a iniciativa e decisões se
fundamentam na coletividade e pelo interesse mútuo pela preservação da memória.
69
Tanto é que, por iniciativa do GIPEM, e com o apoio de órgãos públicos e
entidades, que efetivaram a realização na região dos “Congressos de História do
Grande ABC”. O primeiro congresso ocorreu em Santo André em 1990 e ele ocorre a
cada dois anos de forma que as sedes são as sete cidades da região, determinadas de
forma rotativa. São Bernardo do Campo já organizou e realizou esse evento em duas
oportunidades7.
Nesses congressos, são debatidas ideias, apresentadas estudos e pesquisas e
tornaram-se espaço de reflexão sobre a história e a memória da região, sob os mais
diversos temas. São nesses congressos também que partem ações práticas como já
ocorreu, por iniciativa do próprio GIPEM, que em 1992 fez o levantamento de verbas,
por meio de pedágio, para a realização de restauro do prédio que foi a primeira sede
da Prefeitura e da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo e que é um bem
tombado pelo COMPAHC- SBC.
Esse grupo de pessoas é um exemplo de luta pela memória e pelo patrimônio,
chegando com suas iniciativas, a ocupar espaços dentro de órgãos oficiais para levar
suas ideias e anseios para as agendas das políticas municipais, inclusive em São
Bernardo do Campo, quando a partir de 1993 passou a compor o COMPAHC-SBC,
como um significativo representante da sociedade civil.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO DO ABC
O IPABC é uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP)
de direito privado, no qual suas ações englobam além de São Bernardo do Campo,
toda a região do ABC.
Ele surgiu, até com a participação de alguns integrantes do GIPEM, dos
constantes debates realizados nos Congressos de História do ABC, sobre questões e
7 São Bernardo do Campo realizou por duas vezes o Congresso de História do Grande ABC, sendo em 1992 o
segundo congresso com o tema “Caminhos e Rumos: índios, escravos e operários” e em 2007 o nono congresso
com o tema “A classe operária depois do paraíso”.
70
problemas que envolviam tombamento, restauro e manutenção dos bens
patrimonializados da região.
Sua fundação ocorreu em 2002, na sede da Associação Comercial de Santo
André (ACISA) e tem como objetivo conciliar desenvolvimento, através de atividades
produtivas em conjunto com a preservação dos patrimônios culturais do ABC
Paulista. Uma iniciativa que visa à sustentabilidade com o desenvolvimento da
ciência, tecnologia e desenvolvimento econômico em função das questões sociais e
ambientais.
Suas principais atividades são a preservação e conservação dos bens tombados
e também de bens que ainda não tiveram seus tombamentos efetivados. Também a
qualificação de mão de obra especializada para a realização desses trabalhos, que
nesse caso pode-se citar o projeto “Reviver o Patrimônio” que teve início em 2008 e
que proporciona a formação de jovens trabalhadores para o trabalho com o restauro e
manutenção do patrimônio cultural.
Esse instituto realizou um trabalho ativo em São Bernardo do Campo,
juntamente com outros representantes da sociedade civil e o próprio COMPAHC-
SBC, para que o poder público pudesse tomar providências emergenciais para a
preservação da Chácara Silvestre. E desta forma, também integra o Conselho
Municipal de Patrimônio como um representante da Sociedade Civil.
Não se pode deixar de fazer a relação importante e fundamental entre
patrimônio Cultural e Educação. Problematizar a distância entre a população e os
Patrimônios preservados pede também que sejam refletidos os instrumentos e métodos
para se resolver, mesmo que não entendendo ser um processo lento, essa questão.
Dessa forma, é necessário ver a ação prática em que se deve agir sobre esse debate. E
isso ocorre dentro da escola e por meio dela.
71
2.3 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E EDUCAÇÃO
O trabalho com o Patrimônio Cultural dentro das escolas é extremamente
necessário para o fortalecimento das relações dos cidadãos com suas heranças
culturais, e assim estabelecer um vínculo com estes bens, com a responsabilidade pela
valorização e preservação do Patrimônio, e desta forma também fortalecer sua prática
para a cidadania.
Desta forma, fica a pergunta principal desse trabalho: como a Educação
Patrimonial pode aproximar a população dos seus espaços e se fazer pertencente a
esses bens? O espírito crítico é trabalhado na Educação Patrimonial a partir do
momento que começa a investigar o Patrimônio Cultural?
No Brasil é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)
que cuida do Patrimônio Cultural, tendo ele surgido como secretaria durante o
governo Vargas, é um órgão que tem uma atuação em concretizar o reconhecimento
pela sociedade de seu Patrimônio Cultural e tem como instrumento para esse fim as
ações educacionais. Desta forma, elaboraram um Guia Básico de Educação
Patrimonial, contendo diversas propostas para o desenvolvimento de ações que
auxiliem e contribuam para o reconhecimento das pessoas referente às questões do
Patrimônio Cultural.
Assim, é necessário discutir o conceito de Educação Patrimonial e observar
subsídios para a implementação de ações de reconhecimento do Patrimônio Cultural
nos anos iniciais da Educação Básica. Só em 1983 que se iniciam de forma concreta
ações de Educação Patrimonial, no qual podemos citar, como uma das primeiras ações
no Brasil, o I Seminário de Educação Patrimonial, em que se desenvolveu uma
metodologia para o trabalho educacional em museus e monumentos históricos,
podendo ser encontrada no “Guia Básico de Educação Patrimonial”. (HORTA;
GRUNBERG; MONTEIRO, 2006). A Educação Patrimonial é:
72
(...) um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no
Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento
individual e coletivo. A partir da experiência e do contato com as evidências e
manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e
significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar crianças e adultos
a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança
cultural, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a
geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de
criação cultural. (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO,2006, p. 6).
Desta forma, a Educação Patrimonial sendo um elemento mediador, possibilita
a interpretação dos bens culturais, tornando-se um instrumento importante de
promoção e vivência para a cidadania e como consequência a ideia pautada na busca,
na valorização e preservação do Patrimônio. A importância da ação educativa que
envolve a Educação Patrimonial como instrumento fundamental, que faz estabelecer
entre os lugares de trabalho, a memória do trabalhador, a educação e o processo de
patrimonialização, seja articulada para que não se perca o objetivo para São Bernardo
do Campo, a função e seus interesses de serem preservados e como devem ser
preservados, devendo se refletir a cidade como um todo e todo o processo histórico
que é representado por sua formação, seu processo de industrialização e sua
transformação para a realidade atual.
A metodologia observada sobre Educação Patrimonial aplica-se nos mais
diversos âmbitos, mas neste trabalho o enfoque será em escolas, já que este tema tem
como característica a interdisciplinaridade, com o objetivo de dar o valor à inserção
deste nos Currículos escolares como um tema transversal.
Com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)8, podem-se analisar
suas propostas para o trabalho com os temas transversais e as variadas formas de se
desenvolver a interdisciplinaridade.
8 Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN - são as referências de qualidade para os Ensinos Fundamental e
Médio do Brasil, sendo eles elaborados pela Federação e instituídos no parecer da Câmara de Educação Básica
do Conselho Nacional de Educação número 04/98 de 29 de janeiro de 1998. Serve como subsídios para a
elaboração dos Currículos, com base em um projeto pedagógico na busca da cidadania dos educandos em uma
escola em que se aprende mais e melhor. São eles que criam novos laços entre ensino e sociedade e apresentam
ideias do "que se quer ensinar", "como se quer ensinar" e "para que ensinar". Não são regras, mas referências
para a transformação de objetivos, conteúdo e didática do ensino.
73
O processo educativo, em qualquer área de ensino/aprendizagem, tem como
objetivo levar os alunos a utilizarem suas capacidades intelectuais para a aquisição e o
uso de conceitos e habilidades, na prática, em sua vida diária e no próprio processo
educacional. Esse instrumento de educação se utiliza de processos de cultura para
causar uma provocação no educando no que permeia sua realidade e situações limites,
tanto individual como coletivamente. Em seu entorno, e por meio de um olhar mais
crítico de seu espaço em que se trabalha um olhar de descobertas e de
questionamentos como forma de ele se refletir nessas questões como um agente ativo
de sua realidade.
Desta forma, a Educação Patrimonial em suas formas de mediação, possibilita
a interpretação dos bens culturais, tornando-se um instrumento importante de que a
participação popular diante do patrimônio cultural se efetive, promovendo a
cidadania.
A Educação Patrimonial possui grande importância na aproximação das
camadas populares do debate sobre patrimônio e identidade, ao propor ações de
aprendizado para o tema, gerando um maior interesse no debate de questões
significativas tanto para o indivíduo como para sua comunidade. O patrimônio
artístico, histórico e ambiental, material ou imaterial são fontes de observação e
debate em que o aluno começa a identificar nesses elementos seus significados.
Deve-se, desta forma, utilizar a educação patrimonial como forma de construir
os significados dos bens diante do que eles representam para a sociedade. Mais do que
algo imposto por uma elite, é no patrimônio observado que se deve investir um novo
trabalho cultural, pelo qual esse bem adquire novo uso e novas significações.
Ao se pensar em preservação do patrimônio cultural é necessário,
primeiramente, conhecer e se identificar com esse patrimônio, sendo importantes as
ações educativas para esse fim. Serão os alunos criando e recriando esses significados
e será o educador um elemento de grande importância no debate da importância da
preservação, tentando aproximar a população dessa questão e sendo uma forma de
rever a atuação social dos que sempre estiveram distante do tema.
74
Em busca dessa educação, com o objetivo de se repensar a participação na
sociedade, que Duarte escreve:
Repensar as formas de obtenção do conhecimento sensível e mesmo o
entendimento do que seja ele, constitui um desafio da contemporaneidade,
imersa nessa crise e cujo substrato parece ser mesmo o ato humano de conhecer
o mundo e, a partir daí nele atuar. (DUARTE, 2001, p57).
As escolas podem e devem participar deste processo de apropriação, através de
visitas a museus, arquivos e bibliotecas públicas. Em muitos casos, estas práticas
podem se tornar difíceis, mesmo que a cidade possua importância histórica, pela
existência de um rico acervo, mas conta com um precário estado de conservação. Isso
decorrente a falta de políticas públicas efetivas de preservação. Além disso, também
ocorrem situações de cidades que não contam com nenhum museu, um arquivo
público ou uma biblioteca.
Ou então, Secretarias de Educação que não desenvolvem ações efetivas
educacionais que envolvam toda a comunidade escolar. Mas existem, no caso da falta
de ferramentas para esse fim, outras possibilidades importantes que podem ser
trabalhadas, como, por exemplo, utilizar objetos que potencialmente contribuam para
o debate sobre patrimônio em sala de aula, ou nos locais onde estão localizados, como
forma de debate ou desenvolvimento dos Currículos, muito além de uma simples
ilustração das aulas. Na maioria das ações, são trabalhados com objetos culturais da
própria comunidade com o objetivo do patrimônio continuar vivo, tanto na criação de
identidade como nas transformações mentais e expressivas. Mas também até mesmo
dentro da própria casa que carrega toda uma história familiar. Ou seja, pretende-se
trabalhar com os legados deixados no presente, que se referem a uma história,
costumes e culturas de uma região.
A partir da identificação desses bens que compõem esse patrimônio, tanto
individual como coletivo dos cidadãos envolvidos e ligados à comunidade escolar,
ainda de importância local, tombados ou em estudo de tombamento, muitas atividades
deverão ser empreendidas, com o objetivo de descrever, registrar, difundir os valores,
tomar medidas para manter, conservar e restaurar esses tais bens culturais.
75
Para a consecução desses objetivos, adota-se a metodologia apresentada pelo
Guia de Educação Patrimonial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), prevendo quatro etapas:
1. Observação: Identificação do objeto, sua função e significado;
desenvolvimento da percepção visual e simbólica. Exercícios de
percepção visual e sensorial por meio de perguntas,
experimentações, medições, anotações, jogos, etc.
2. Registro: Fixação do conhecimento percebido, aprofundamento da
observação e análise crítica; desenvolvimento da memória e do
pensamento lógico, intuitivo e operacional. Desenhos; descrição
verbal ou escrita; gráfico; fotografias; maquetes; mapas e plantas
baixas.
3. Exploração: Desenvolvimento da capacidade de análise e julgamento
crítico; interpretação das evidências e significados. Análise do
problema; levantamento de hipóteses; discussão; avaliação;
pesquisa em outras fontes como bibliotecas, arquivos, cartórios,
jornais e revistas.
4. Apropriação: Envolvimento afetivo; internalização; desenvolvimento da
capacidade de auto expressão; apropriação; participação criativa;
valorização do bem cultural. Recriação, releitura, dramatização;
interpretação por meio de diferentes formas de expressão como
pintura, escultura, drama, dança, música, poesia, texto, filme e
vídeo.
Esse trabalho é algo complexo numa ação educativa, pois envolve diagnóstico
de perfil dos sujeitos, observando suas relações com as memórias locais, seu
reconhecimento e pertencimento às memórias e territórios e a relação dos patrimônios,
observados como objetos concretos com essa comunidade educativa. Com esse
levantamento que marca sentido e o significado do estudo, tem-se a relação de
76
reaproximação do educando com o patrimônio e isso não se faz sem pesquisa, análise
e tratamento de informação em contextualização.
A contextualização em ação de construção favorecerá a aproximação em novas
releituras de vida e significado. Como o processo é educativo as estratégias devem ser
pensadas em diferentes linguagens de leitura e releitura.
Entretanto o trabalho com o Patrimônio Histórico é mais facilmente
compreendido no âmbito da disciplina que mais tem relação com o tema, que é a
História. Trabalhar o Patrimônio, por meio de qualquer outra área do conhecimento,
muitas vezes não é percebido, pelos professores:
A educação patrimonial nada mais é do que uma proposta interdisciplinar de
ensino voltada para questões atinentes ao patrimônio cultural. Compreende
desde a inclusão, nos Currículos escolares de todos os níveis de ensino, de
temáticas ou de conteúdos programáticos que versem sobre o conhecimento e a
conservação do patrimônio histórico, até a realização de cursos de
aperfeiçoamento e extensão para os educadores e a comunidade em geral, a fim
de lhes propiciar informações acerca do acervo cultural, de forma a habilitá-los
a despertar, nos educandos e na sociedade, o senso de preservação da memória
histórica e o consequente interesse pelo tema. (ORIÁ, 2005).
Outra dificuldade encontrada frequentemente pelos professores é a de pensar
interdisciplinarmente, porque sua aprendizagem ocorreu por meio de um Currículo
extremamente fragmentado. Eles não se sentem aptos ou não tem o hábito de
desenvolverem projetos temáticos, que demandam um complexo trabalho coletivo e
que podem levar a perda da predominância de tarefas e avaliações individualizadas.
Também se deve destacar que os Currículos escolares são consideravelmente
sobrecarregados, com disciplinas que sofrem pela limitação do tempo em sala de aula
e pelas normas oficiais estabelecidas. Os objetos patrimoniais, os monumentos, sítios
e centros históricos, ou o Patrimônio imaterial e natural, devem ser considerados
como recursos educacionais importantes, pois permitem a ultrapassagem dos limites
de cada área do conhecimento, e o aprendizado de habilidades e temas que
constantemente serão tratados na vida dos educandos. Desta forma, podem ser usados
77
como motivadores para qualquer área do Currículo ou para reunir áreas aparentemente
distantes no processo ensino/aprendizagem (HORTA, 2004, p. 3).
Maneiras de se trabalhar o conhecimento buscando uma reintegração de
aspectos que ficaram isolados uns dos outros pelo tratamento disciplinar, em uma
relação mantida e importante entre a transversalidade e a interdisciplinaridade. “Com
isso, busca-se conseguir uma visão mais ampla e adequada da realidade, que tantas
vezes aparece fragmentada pelos meios de que dispomos para conhecê-la e não
porque o seja em si mesma” (GARCIA, 2001).
Segundo os PCNs, interdisciplinaridade e transversalidade são:
A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre os diferentes campos de
conhecimento produzido por uma abordagem que não leva em conta a inter-
relação e a influência entre eles – questiona a visão compartimentada
(disciplinar) da realidade sobre qual a escola, tal como é conhecida,
historicamente se constitui. Refere-se, portanto, a uma relação entre disciplinas.
A transversalidade diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática
educativa, uma relação entre aprender na realidade e da realidade de
conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as
questões da vida real (aprender na realidade e da realidade). (MEC/SEF, 1998,
p. 40).
Uma relação importante na prática pedagógica, pois os temas transversais
promovem diante dos vários objetos de conhecimento um modo mais abrangente de
compreensão, como também a percepção na produção de um sujeito e de seu
envolvimento significativo em sua ação. “Por essa mesma via, a transversalidade abre
o espaço para a inclusão de saberes extraescolares, possibilitando a referência a
sistemas de significado construídos na realidade dos alunos” (MEC/SEF, 1998, p. 40).
Acreditamos que alguns assuntos são transversais às diversas disciplinas e o
debate em torno do patrimônio histórico-cultural constitui um deles. Interessa tanto
aos profissionais da educação, das áreas de história, e de geografia e por que não, da
literatura. A química e a biologia não podem ficar de fora. (FIGUEIREDO, 2002, p.
52).
78
É importante salientar que os PCNs inovaram ao trazer modos de trabalhar a
transversalidade e a interdisciplinaridade nos Currículos escolares, ressaltando que a
temática da Educação Patrimonial está prevista nos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o ensino de História.
Com o estabelecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, por meio da
Lei Federal número 9394/96, os professores tiveram que repensar suas práticas
pedagógicas. Por isto ressalta-se a importância deste trabalho nas escolas, propondo a
todos os educadores grande importância da temática Educação Patrimonial nos
Currículos escolares como forma de motivação da comunidade escolar nas práticas de
valorização e preservação do Patrimônio Cultural. E deste modo, faz surgir uma
reflexão no que refere à escola, sobre modos e utilidades sobre como e para que
ensinar e aprender.
E deve-se considerar que tão importante quanto às medidas a serem tomas para
a inserção desta temática nos Currículos, prestar atenção na formação dos futuros
educadores, para todas as áreas do conhecimento. Reconhece-se que os professores
formados nas universidades sejam elas públicas ou particulares, têm um preparo
limitado e, em muitos casos, nenhuma formação específica sobre as temáticas
referentes às discussões e reflexões relativas ao Patrimônio (FIGUEIREDO, 2002, p.
52). Desta forma todo um esquema de ações necessita ser posto em prática. Uma delas
é fornecida por Paulo Freire:
(...) a educação ou ação cultural para a libertação, em lugar de ser aquela
alienante transferência de conhecimento, é autentico ato de conhecer, em que os
educandos – também educadores – como consciências ‘intencionadas’ ao
mundo, ou como corpos conscientes, se inserem com os educadores –
educandos também – na busca de novos conhecimentos, como consequência do
ato de reconhecer o conhecimento existente. (FREIRE , 1984, p. 99).
Nesse sentido, o trabalho transversal e interdisciplinar deve ser muito mais
difundido nas práticas pedagógicas. Para se desenvolver um trabalho referente à
Educação Patrimonial é imprescindível que estes dois temas sejam aproveitados,
resultando assim em um debate enriquecedor, numa ação integradora das mais diversas
79
áreas do conhecimento, e também de permitir o desenvolvimento de ações tanto na
escola como na comunidade em que se insere. A Educação Patrimonial pode ser
explorada pelo seu potencial em diversas áreas possibilitando aliar a História, as Artes,
a Matemática, a Geografia, a Educação Física, as Ciências, enfim, as mais diversas
áreas do conhecimento. Os professores podem utilizar como peças-chave nas suas aulas
os objetos culturais da comunidade e dos seus vizinhos: as próprias edificações da
escola, as celebrações, as criações artísticas, as crenças, as músicas entre outras formas
de expressão. É fundamental em todas as áreas do ensino a utilização dos objetos
culturais, podendo cada qual explorar e investigar conforme a especificidade de cada
área.
Os professores do século XXI, diferente das gerações anteriores, não podem
mais repetir um programa já pré-estabelecido, reproduzir um Currículo oficial para
todas as escolas do país, sem se preocupar com a realidade de cada lugar. Os
professores desses novos tempos devem selecionar saberes e fazeres que sejam
significativos para suas comunidades.
Desta forma, cada planejamento de ensino é particular, uma reflexão e prática
que deve articular especificidades de um grupo de educandos aos objetivos traçados
pelo professor. E essa prática pode se utilizar de algumas metodologias. José Carlos
Libâneo diz que “em resumo, podemos dizer que os métodos de ensino são as ações
do professor pelas quais se organizam as atividades de ensino e dos alunos para atingir
objetivos do trabalho docente em relação a um conteúdo específico”. (LIBÂNEO,
1990, p.152).
As metodologias de ensino são esquemas de ações que propõem a sequência de
determinadas etapas na execução de uma determinada tarefa. Utilizar uma
metodologia para o planejamento e execução de uma atividade pedagógica não pode
ser entendido como a anulação da criatividade do professor. Antes, significa traduzir
para o campo prático uma sequência lógica de ações previamente pensada e testada.
Desta forma, a Didática também tem seus métodos para atingir seus objetivos, como
qualquer outra ciência.
80
Já quando tratado a metodologia para o ensino de História, pode-se discutir a
Educação Patrimonial como possibilidade para esse fim, servindo como proposta de
ensino, enfatizando aspectos que privilegiam a história local. A Educação Patrimonial
pode ser como propõe Paulo Freire, um instrumento-chave para a leitura do mundo e
para a comunicação com o outro.
O ensino de História baseado simplesmente no livro didático serve para
contribuir com o empobrecimento, limitação dessa área do conhecimento e restrição
do conhecimento. Os conteúdos apresentados pelos manuais didáticos não levando em
consideração as particularidades regionais e as especificidades locais. Bittencourt
(2008) adverte que o livro didático é:
(...) um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma
ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstram como textos e
ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos
dominantes, generalizando temas, como família, criança, etnia, de acordo com
os preceitos da sociedade branca burguesa. (BITTENCOURT, 2008, p 72).
A Educação Patrimonial surge como um complemento ou até uma alternativa
ao uso do livro didático, no qual nos permite aprofundar questões da prática do ensino
de história nas salas de aula da Educação Básica.
O educador passa a se utilizar desta prática como forma de fazer, não somente
o reconhecimento do patrimônio cultural local, mas também sua transmissão, além de
uma ação que envolve uma atitude crítica diante da história e da realidade atual da
cidade. A Educação Patrimonial sendo um instrumento que desperta o senso crítico e
a tomada de consciência para a importância da valorização do patrimônio cultural pela
sociedade, como também possibilita contribuir para a construção de uma identidade e
da cidadania. Ao trabalhar com os bens culturais tangíveis aos educandos possibilita a
ampliação das noções de valorização, resgate e preservação dos patrimônios
histórico/culturais locais, de toda comunidade envolvida. (MACHADO; HAIGERT;
POSSEL, 2003, p. 48). Uma educação libertadora que forma para a consciência
histórica, em um processo de apropriação e identificação de sua cultura local servindo,
81
fundamentalmente, para que se possa também compreender e transformar a sua
realidade comunitária.
Conforme Machado; Haigert; Possel (ibid., p. 52) é “por meio da valorização e
promoção da cultura local e regional” que a história se torna mais próxima da
realidade dos alunos e nesse contexto o professor deve fazer a ligação entre o saber
escolar e o saber da comunidade. Dessa forma é fundamental que os professores se
utilizem da realidade dos alunos ao trabalharem os conhecimentos de História. E em
consequência tornar o ensino dinâmico e mais interessante, na busca por novas
possibilidades pedagógicas de construção de conhecimentos e de transformação das
condições de vida dos alunos.
Os manuais didáticos padronizam uma transmissão de saberes e pressupõem a
cultura como homogenia, em um processo de aprendizagem que reserva aos alunos
apenas a função de memorizar informações. O aluno não se torna sujeito no processo
ensino e aprendizagem e a escola reforça a ideia que Freire (1987) denominou de
Educação Bancária9, ou seja, a de depositar conteúdos, não tornando a aprendizagem
significativa. Nesse modelo educacional o papel do educador se restringe ao de um
narrador, e o papel dos educandos consiste em memorizar o que está sendo narrado e
reproduzir, repetir. “Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que
os educandos são os depositários e o educador o depositante.” (FREIRE, 1987, p. 33).
Nessa situação, o conhecimento deixa de ser um processo de busca, indagações e
questionamentos.
Daí a importância da Educação Patrimonial que se mostra como uma
possibilidade para a mudança dessa prática, ao fazer o aluno se perceber como sujeito
histórico, em um processo coletivo de constante construção. E ela pode se desenvolver
no ambiente formal de ensino ou informal, e também se adequar a qualquer
9 A concepção bancária distingue a ação do educador em dois momentos, o primeiro o educador em sua
biblioteca adquire os conhecimentos, e no segundo em frente aos educandos narra o resultado de suas pesquisas,
cabendo a estes apenas arquivar o que ouviram ou copiaram. Nesse caso não há conhecimento, os educandos
não são chamados a conhecer, apenas memorizam mecanicamente, recebem de outro algo pronto. Assim, de
forma vertical e antidialógica, a concepção bancária de ensino "educa" para a passividade, para a acriticidade, e
por isso é oposta à educação que pretenda educar para a autonomia. Freire denuncia que a narração e a
dissertação são características marcantes da educação bancária. "Narração ou dissertação que implica num
sujeito - o narrador - e em objetos pacientes, ouvintes - os educandos" (ibid, p. 65).
82
patrimônio cultural, “qualquer evidência material ou manifestação da cultura”.
(HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 2006, p.06).
Ao oferecer ao aluno o acesso a métodos, técnicas e práticas concretas que
contribuam para estabelecer relação significativa entre os conceitos abordados e a
realidade, tendo em vista a complexidade de assimilação por meio do abstrato, o
professor que estimula o contato com objetos concretos na construção do
conhecimento permite uma melhor compreensão do tema pelos alunos, que passam a
construir conhecimento em lugar de memorizá-lo, sendo “incentivados na sala de aula
a serem sujeitos da História, portanto efetivos cidadãos”. (MACHADO; HAIGERT;
POSSEL, 2003, p. 87).
Ainda conforme Machado; Haigert; Possel (2003):
Despertar a curiosidade dos educandos e fazer com que eles procurem novas
informações é incentivar que formulem e identifiquem, em conjunto com os
educadores, novos conhecimentos e também que tomem contato com os
patrimônios de suas localidades, no intuito de fundamentar uma identidade
cultural. (MACHADO; HAIGERT; POSSEL, 2003, p. 89).
A participação dos alunos como agentes ativos no processo de construção do
conhecimento, resulta na valorização de sua herança cultural que ocorre com a ação
do estudo dos objetos pertencentes ao cotidiano das comunidades, no qual os
indivíduos passam a se apropriar de seu patrimônio cultural, produzindo e adquirindo
conhecimento, pois os objetos passam a ter significado. Segundo Machado; Haigert;
Possel (2003, p. 88), além de despertar a curiosidade dos educandos, a Educação
Patrimonial também deve “fazer com que observem um objeto concreto da cultura
material e, a partir dele, recolham informações para construir um conhecimento
elaborado”. Um simples objeto do cotidiano, uma paisagem, uma cidade, uma
manifestação festiva ou religiosa, contém um complexo sistema de relações que
devemos interpretar a fim de ampliar nossa capacidade de compreensão do mundo.
(HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 2006, p. 09). O objeto real é fonte de
informação sobre o contexto histórico em que foi produzido e utilizado.
83
Tornar o ambiente de ensino mais propício ao questionamento, reflexão,
descobertas, a troca de experiências e construção de conhecimento, são elementos
essenciais para a aplicação dos Currículos para o ensino de História, devendo se
aproveitar dos diversos aspectos e significados presentes nos objetos culturais por
meio da Educação Patrimonial.
A Educação Patrimonial deve provocar situações de aprendizado sobre o
processo cultural e seus produtos e manifestações, que despertem nos alunos o
interesse em resolver questões significativas para sua própria vida, pessoal e coletiva.
(HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 2006, p. 08).
A Educação Patrimonial se torna uma importante ação na construção de uma
identidade cultural na medida em que promovem o diálogo entre professores, alunos e
toda a comunidade por meio de uma ação da coletividade. Acreditando que na troca de
experiências se constrói aprendizado almejamos, que essas reflexões possam de algum
modo, contribuir para o exercício de uma prática pedagógica efetivamente construtora de
saberes em um processo continuo de criação cultural. É viável propor um processo de
ensino e aprendizagem em História mais atrativa e significativa para os alunos através da
ligação entre essa área do conhecimento e a Educação Patrimonial. Na busca de novas
formas de se ensinar e aprender História, é que todos os indivíduos passam a ser sujeitos
ativos no processo de construção histórica e que, partindo de suas vivências e
experiências cotidianas, possam ampliar as descobertas da sala de aula abrangendo a
comunidade local e, assim, construir, valorizar e preservar a memória coletiva.
84
CAPÍTULO III
Esse capítulo se destina a observar as linhas indicadoras das políticas públicas
para Educação Patrimonial no município de São Bernardo do Campo, entendendo-a
dentro de um contexto curricular.
Para isso há uma análise das intencionalidades políticas de formação histórica e
cultural, como linha de planejamento no Plano Municipal de Cultura, um documento
que observa o papel regulador do Estado para fortalecimento da identidade cultural e
memória coletiva dos grupos sociais.
Essa abordagem se atentou a compreender as linhas elementares de política
pública de Educação Patrimonial, tendo como referência a análise para
reconhecimento da história dos trabalhadores da cidade. Uma proposição difícil de ser
realizada numa sociedade marcada pelas desigualdades de classes.
Em linha da práxis, o estudo se adentra nas orientações curriculares da
modalidade Educação de Jovens e Adultos, um tempo de formação de trabalhadores
que não terminaram seus estudos no tempo que lhes era oportuno e portanto, uma
modalidade de ensino que se marca pelo retorno à escola na fase jovem ou adulta.
Nesse contexto é necessária uma análise do perfil da política pública,
observada pelas intencionalidades de Educação ao longo da vida, em que a
diversidade, as ações intersetoriais e o compromisso do Estado para Educação de
todos são observados. Com essa leitura, se teve uma reflexão mais aprofundada para
observar se a Educação Patrimonial estava como linha de preocupação da Diretriz
Curricular dessa modalidade de Ensino.
Ao entender que Educação Patrimonial, na perspectiva de reconhecimento das
identidades e memórias de todos os coletivos em um território cultural, é alvo de
resistência, tem-se uma abordagem de matriz curricular que pode ser a linha de
fortalecimento para que essa temática venha ser tratada nos Currículos escolares.
85
Ao se pensar em uma ação educativa, que se volte com um olhar cuidadoso ao
Patrimônio Cultural, torna-se necessário uma análise do contexto teórico e prático,
numa metodologia curricular que permite a práxis. O ponto de referência, tanto para
as práticas de preservação, como também para olhares e identificação é o contexto
escolar e comunitário, reconhecido pelas vivências dos educandos e da comunidade.
Esse reconhecimento observa os sujeitos como agentes ativos que intervirão na
constituição de diálogo, metodologia intrínseca na Educação Popular, na qual a
Educação Patrimonial torna se um instrumento para construção do conhecimento com
significância.
Essa abordagem de estudo cria um panorama em que é possível visualizar a
importância do papel social dos espaços de memória, na construção e na afirmação
das identidades coletivas dos movimentos sociais, dos trabalhadores e da vida de uma
comunidade.
Além disso, é importante destacar que nessa concepção de educação haverá
oportunidades de troca e construção do conhecimento para todos os envolvidos em
uma relação constante de diálogos e questionamentos. Nesse sentido, é
necessário mostrar a possibilidade de se trabalhar de outra forma as temáticas já
presentes no cotidiano escolar, de modo a romper com o modo tradicional do fazer
educativo, que ainda é uma forte realidade dentro de várias realidades escolares.
Essa perspectiva está baseada em Paulo Freire, no pensamento crítico e
libertador, onde reconhece que os sujeitos humanos vivem condições de opressão e o
processo educativo observa as diversas realidades de vida dos sujeitos, na busca de
leitura de contexto histórico limitador. Isso ocorre por um processo de
problematização temática, visto que os sujeitos vivem contextos sociais temáticos.
Esse tratamento do saber não se resume a uma abordagem didática com conteúdo pré-
definido, mas demanda uma ação de criticidade e de um trabalho interdisciplinar com
o conhecimento.
Nessa configuração é fundamental que ocorra a ação das instituições de ensino
e a atuação dos órgãos responsáveis pelo Patrimônio Cultural. Esse modo de trabalho
86
se atenta a uma educação como forma de socialização e reconstrução do
conhecimento. Uma ação educativa que permite a democratização do conhecimento,
visto que expressa as mais diversas realidades socioculturais.
Essa abordagem da Educação Patrimonial permite que os bens e os espaços
sejam tratados tanto pela materialidade, como pela imaterialidade, em ambos os
tratamentos há no estudo atenção e respeito aos fatos, visto que trazem os indícios da
vida do convívio coletivo, a qual expressa as diferentes marcas da cultura histórica de
determinados grupos.
Nesse trabalho há uma construção dialética da memória, em que permite a
diferentes grupos recuperarem seus percursos e reconstruírem suas identidades. Isso é
uma demanda necessária à classe trabalhadora e o Patrimônio Cultural se coloca como
um instrumento importante na construção de sua memória histórica. Em observação,
apontamos que a construção dessa memória não se dá apenas, por questões que dizem
respeito aos limites dos bens tombados e definidos por um grupo de técnicos
especializados no assunto.
A intenção nesse estudo é abordar a Educação Patrimonial como uma temática
numa política curricular que valorize e passe a reconhecer as mais diversas classes e
organizações sociais representadas em territórios, de acordo com múltiplos contornos
culturais e sociais, organizados historicamente pelos povos.
Para fazer essa abordagem a Educação Patrimonial, esse capítulo retoma um
contexto territorial, observando as intenções políticas com a Educação Patrimonial e
uma discussão sobre Currículo voltada a Educação de Jovens e Adultos.
3.1 PLANO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM SÃO BERNARDO DO
CAMPO
87
O Patrimônio Cultural não pode se consolidar como algo que exista
isoladamente aos espaços em que ele se inclui. Sua existência está diretamente
relacionada a algo que o sustente ou que defina seu significado.
Por meio dos patrimônios culturais é possível conscientizar os indivíduos,
proporcionando aos mesmos a aquisição de conhecimentos para a compreensão da
memória coletiva, sendo objetos e representações que servem a eles e deve ser
construído por eles.
O Plano Municipal de Educação Patrimonial de São Bernardo do Campo é
desenvolvido com a vontade de consolidar uma política pública da cidade e é o
resultado importante de um movimento, que conta com a participação de diversos
agentes, em um processo democrático, com o objetivo de dar condições e ferramentas
para a inclusão do cidadão, em um debate amplo e significativo em razão do
Patrimônio Cultural local.
A elaboração do Plano Municipal de Educação Patrimonial ficou sobre a
responsabilidade da Secretaria de Cultura de São Bernardo do Campo juntamente com
a Sociedade Civil, cuja competência atribui-se à condução das políticas de
preservação e de cultura do município.
O debate sobre esse plano de São Bernardo do Campo propõe uma ação
específica de Educação Patrimonial, sendo ele parte importante dentro de um plano
maior, que é o Plano Municipal de Cultura, mais especificamente do setorial de
História, Memória e Patrimônio. O processo para a implementação do Sistema
Municipal de Cultura começou, em novembro de 2012, com a assinatura do termo de
adesão do município ao Sistema Nacional de Cultura10
.
A forma em que pretende desenvolver os programas ligados à Educação
Patrimonial amplia-se além do espaço escolar e envolve toda a comunidade em que
10
Aprovada na Câmara dos Deputados, em 30 de maio de 2012 o Projeto de Emenda Constitucional, PEC
416/2005, que foi conhecida como PEC da Cultura, que faz o acréscimo ao art. 216-A da Constituição Federal
da regulamentação do Sistema Nacional de Cultura. Ela prevê uma legislação específica nos estados e
municípios, que garante a criação dos Sistemas Estaduais e Municipais de Cultura e a elaboração dos Planos
Estaduais e Municipais de Cultura.
88
ela se insere, as famílias, instituições, associações e entidades que serão importantes
participantes nesse processo de desenvolvimento e ampliação das práticas voltadas à
Educação Patrimonial, nas mais diversas representações e manifestações, material ou
imaterial, sendo as fontes de um modo de ensinar e aprender, com educandos das
diversas etapas e modalidades de ensino, tendo sua clara definição dentro do
Currículo e diretamente ligada às áreas de conhecimento e à realidade dos educandos,
sendo ela uma prática dialógica e voltada para a formação para a cidadania.
Para isso, torna-se necessário a elaboração de um documento que fundamente
esse pensamento e vontade de realização, sendo que esse é a base substancial para
elaboração de estratégias com definição de diretrizes que devem ser adotadas em
eixos de ação. É também importante salientar a importância de uma ação como
política pública que pense em uma continuidade de prática.
O plano municipal marca como objetivo a efetivação de políticas de Educação
Patrimonial por um decênio, para que a partir disso, se avalie as práticas, os acertos e
o que possa a vir a ser melhorado. É um documento que tomou como base estratégias
e perspectivas que constam no Plano Nacional de Educação Patrimonial - ENEP11
.
Esse plano, de amplitude nacional, foi elaborado com a intenção de estabelecer
subsídios para que os mais diversos profissionais, comunidade, instituições e
sociedade civil organizada, juntamente com as escolas, educadores e principalmente
os educandos pudessem fazer uma união de forças e a valorização em conjunto de
Patrimônio Cultural Nacional, fazendo dele um elemento importante para a afirmação
das identidades que constroem esse país.
A intenção mencionada vai criando formas e essas se estruturam e se subsidiam
no Encontro Nacional de Educação Patrimonial, em que foram determinadas diretrizes
e metas que deveriam nortear o Plano Municipal de Educação Patrimonial. Um
documento com estruturação, prazos definidos e abordados sobre vertentes tempos. O
tempo, das ações, é avaliado pela demanda do coletivo.
11
Documento elaborado no “II Encontro Nacional de Educação Patrimonial: perspectivas e estratégias para uma
política nacional”, sediado em Ouro Preto, entre os dias 17 e 21 de julho de 2011.
89
Desse indicativo se constrói o Plano Municipal de Educação Patrimonial que
está organizado em quatro eixos temáticos, os quais marcam linhas direcionadoras da
política municipal. Assim, seguem os eixos:
1. Análises práticas e teóricas em educação, memória e patrimônio
cultural e aplicação;
2. Sustentabilidade e participação dos grupos sociais;
3. Espaços e ações educativas;
4. Avaliação e planejamento
Por meio desses eixos é possível o desenvolvimento de práticas que pretendem
se firmar como políticas de ações permanentes para um período de dez anos, visando
uma política de estado e não limitada a um governo, deixando o município, conforme
as necessidades e demandas que ocorrerão nesse período, com poder de delinear os
objetivos e os modos de ação, respeitando toda uma contextualidade e realidade tanto
dos educandos como do coletivo da cidade, levando sempre em consideração, as
condições humanas, de finanças e materiais que caberá às Secretarias envolvidas com
a Educação Patrimonial como com a Sociedade Civil envolvida.
É importante salientar que o processo de construção desse documento
dependeu diretamente da participação da Sociedade Civil com respeito a um processo
democrático de construção coletiva. Para isso, foi necessária a adoção de todo um
procedimento que, demanda o respeito a um processo que envolve a convocação de
todos os interessados para a composição de grupos de trabalhos e a participação de
audiências públicas, constantes debates e reuniões para a organização dos trabalhos e
composição das ideias para o coletivo, e mais ainda, uma ampla divulgação juntos aos
órgãos de imprensa para que todos pudessem ter a ciência da importância da
participação e que todos pudessem contribuir de alguma forma para a elaboração
desse Plano Municipal de Educação Patrimonial. Um interessante processo que
fundamenta a sua efetivação.
90
Na fundamentação do Plano Municipal, observa-se que nesse documento há
indicativos de se organizar uma Educação Patrimonial por meio do conhecimento
prévio que o educando traz consigo, suas experiências de vida e da relação direta e
significativa com as evidências, objetos e manifestações da cultura, em todos os seus
múltiplos aspectos, sentidos e significados.
Um indicativo de trabalho que pode fazer pela Educação Patrimonial um
processo de apropriação, reconstrução e valorização de conhecimento por parte dos
educandos. Uma ação educativa que permitirá o reconhecimento das representações
do coletivo da comunidade, tornando-a bens preservados.
Esse registro passa por metas de indicação ações que permitirão à Educação
Patrimonial concretizar uma ação didática na observação direta e na análise das
evidências dos fatos sociais e históricos de diferentes grupos.
A execução das metas depende de um compromisso político para que mobilize
questões essenciais a fim de chegar a esse propósito, como por exemplo, de formações
de educadores; projetos que permitam à criança ou ao adulto redescobrir e observar os
patrimônios como produção histórica.
Essa intencionalidade em condição concreta não se faz sem uma metodologia
didática que permita a experiência de construção de conhecimento de todas as etapas
de ensino por práticas pedagógicas, organizadas em referenciais aos modos e métodos
definidos previamente. É uma aprendizagem que surge de leitura e reflexão dos
elementos levantados, com a intenção de desenvolver habilidades e práticas, deduzir,
criar hipóteses, comparar as informações encontradas e levantar os possíveis
problemas com as possibilidades de soluções viáveis ao caso para a elaboração de
uma atitude voltada para o coletivo.
Um processo educativo, como consta ressaltar, visa à construção de uma visão
crítica e a uma maior conscientização, por parte das comunidades e de seus
indivíduos, de sua memória, elemento fundamental no processo de identidade e
construção de uma atitude voltada à cidadania.
91
É por meio dessa prática que busca a construção de conhecimento que se traz,
para o território de São Bernardo do Campo, um novo referencial de como ver a
história e memória pela classe trabalhadora, pois poderão os educandos reconhecer
elementos que compõem a riqueza e diversidade da identidade desse coletivo, algo
não presente nos dias atuais, conforme já expresso nos capítulos anteriores dessa
pesquisa.
Essa estratégia política pedagógica provinda da Educação Patrimonial permitirá
para esse território, o reconhecimento de diferentes grupos e culturas que formam essa
cultura da cidade, visto que contribuirá para reconhecimento às identidades para
respeito às diferentes expressões e formas de expressões culturais que por muitas
vezes, pelas forças hegemônicas, pautadas pelo conceito de cidade uniforme, algo
improvável num território que possui diferenças na linguagem, hábitos e costumes. A
percepção dessa diversidade favorecerá o desenvolvimento do espírito de tolerância,
de valorização e de respeito das diferenças.
O diálogo permanente implícito neste processo educacional que servirá de
forma efetiva ao estímulo e ao processo comunicativo direto para uma maior interação
entre os indivíduos que fazem parte da comunidade e os responsáveis técnicos e
agentes públicos ligados aos bens preservados e objetos de estudos, garantindo uma
forma de conhecimentos em torno desse tema.
A Educação Patrimonial passa a ser uma “educação para o olhar” oferecendo
possibilidades aos educandos fazerem uma leitura crítica de seu espaço e de seu
cotidiano. Um modo de fazer educação que, como propõe Paulo Freire em sua ideia
de emancipação, por meio de processo de superação das condições opressoras. Essa
ação educativa para libertação não se faz sem o diálogo.
Quando pensamos por uma perspectiva dialógica (FREIRE, 2006), recorremos
ao conjunto das representações sociais para o estabelecimento de negociações
construindo a priori a possibilidade de se optar a respeito das memórias, das
identidades que significam o patrimônio social a ser conservado e preservado. Para
observar possíveis percursos que esse território pode vir a constituir, em condição
92
contra hegemônica, ao tratar o conhecimento como possibilidade de leitura do real e
subsídio para a intervenção social.
O debate sobre a educação das classes populares e sua inserção nas políticas
educativas está profundamente vinculado às transformações sociais e as de trabalho.
Uma situação que problematizará a estrutura conservadora da política de estado.
Nesse sentido, tem-se a compreensão que a educação sozinha não fará essa grande
intervenção, mas poderá fazer em articulação com os movimentos sociais. Em estudo
recente sobre os caminhos da Educação Popular e a importância dos Movimentos
Sociais no Brasil, Reinaldo Matias Fleuri destaca que:
A primeira vertente de educação popular é a que se identifica com a ampliação
da educação escolar para todos os cidadãos. A expressão educação popular é
usada pela primeira vez por intelectuais, militantes e educadores latino-
americanos, entre fins do século passado e começo deste. Uma outra vertente
significativa de educação dirigida às camadas populares é a educação de adultos
(FLEURI, 2002, p.53).
Então se sabe que a educação não pode carregar a culpa por todas as mazelas
sociais, todavia é compreendido pela maioria dos educadores e das educadoras que
sem a educação não há processo de transformação social.
Para um processo constitutivo de conhecimento pela leitura das memórias de
diferentes grupos, interessa-nos evidenciar questões históricas, onde as sombras, os
restos, as figuras, as fotografias, as falas, os objetos sejam instigados a revelar algo
mais sobre distintos processos culturais. Testemunhos do tempo, os artefatos
apresentam com singularidade o imaginário social, apontam para as singularidades e
subjetividades da experiência humana.
Dessa forma, tratar Educação Patrimonial com condição formativa que
aproxima os sujeitos de contextos que implicam manufatura e uso, em uma
aproximação que dará aos educandos informações de base da cultura material. Mas
isso não determina que o estudo por si só dos artefatos determinará as informações
culturais suficientes para que os sujeitos acessarem sua cultura. A cultura é um
93
processo em que sujeito faz a leitura do mundo e por meio dela constrói condições
para atuar no mundo.
Logo a cultura tem a ver fundamentalmente com a maneira como a pessoa atua
e compreende o mundo. Para Lev Vygotsky (2001) no campo semântico, o significado
das coisas corresponde às relações que a palavra pode empreender apoiando-se na
dimensão de pensamento e linguagem. Na perspectiva da leitura do artefato, ou da
cultura material, como fonte indiciária, o suporte conceitual centra-se na ideia de
signo, portanto a mediação cognitiva entre a cultura material e imaterial e a linguagem
é realizada pela ação da educação. Para Bakthin (1999), as palavras são tecidas por
uma multidão de signos ideológicos servindo como trama em todas as dimensões
sociais. Através da análise dessas fontes, pode-se, contudo, acompanhar a tortuosa
articulação entre polêmicas político-ideológico e saberes constituídos, seja no sentido
da construção do passado ou por processos de apropriação desse passado no presente,
pois a imagem se transforma na lembrança e muitas vezes a lembrança se fixa na
imagem. Quanto ao olhar, o que se vê, depende de quem olha e de quem os ensinou.
A Educação em condição formal é uma linha condutora para o processo
cultural, e ainda, pode influenciar continuidade ou descontinuidade das estruturas
sociais. Neste caso, a educação é concebida como um processo sociocultural que traz
em sua gênese um conjunto de práticas, em heranças cognoscitivas e representações
ideológicas. Tal problemática, meio que na contramão da história, exige que se inclua
a cultura dos "objetos" como elementos indispensáveis para a releitura e reflexões
contextuais, onde passado e presente se mesclam na tentativa de elaborarmos
discursos de apropriação desses passados, materializados pela ação educativa.
Aparentemente, escola e o patrimônio cultural se compõem de cenários
distintos. Mas vale ressaltar que “não lemos regras e nos tornamos membros do
rebanho de alunos, na escola; são as estruturas materiais de controle, no edifício
’Escola’ que nos transforma em rebanho” (FUNARI, 1995). É através do mundo
material que a criança, na escola, e os adultos de um modo geral, tomam contato com
a ordenação social.
94
Em nosso movimento dialógico com as referências e fontes pôde se perceber a
complexidade presente nas análises sobre a memória social ou coletiva, evidenciada a
partir dos registros, vestígios e fragmentos, considerados conceitualmente como bens
culturais de uma dada sociedade. Se vivemos numa era que tende ao esquecimento, é
ainda mais imperativo expandir as fronteiras do político para incluir não apenas
práticas culturais anteriormente marginalizadas, mas também uma nova política da
representação das diferentes desigualdades sociais. As ações da vida cotidiana, o
comportamento corrente, levado a cabo em um mundo construído pelos seres
humanos está no centro dos processos de criação de consciência. Vygotsky (2001)
lembra-nos que a atividade humana é sempre significada. “No agir humano sempre
realiza uma atividade externa e uma interna”. Mas o que internalizamos não é o gesto
como materialidade do movimento, mas a sua significação, a qual tem o poder de
transformar o natural em cultural (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 14). Assim a
mediação teórico-metodológica educativa pode constituir-se em instrumento
emancipatório das referências e identidades culturais humanas em diferentes
contextos sociais, políticos.
Assim, podemos observar que com a concretização do plano municipal de
Educação Patrimonial pode ser aplicada a qualquer evidência material ou
manifestação da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento ou um
sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma área de
proteção ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural,
uma manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, um processo de produção
industrial ou artesanal, tecnologias e saberes populares, e qualquer outra expressão
resultante da relação entre os indivíduos e seu meio ambiente. Outro aspecto de
fundamental importância no trabalho da Educação Patrimonial é o seu caráter
interdisciplinar, podendo ser aplicado como método em todas as áreas do
conhecimento.
95
3.2 EDUCAÇÃO DE JOVES E ADULTOS EM SÃO BERNARDO
DO CAMPO
A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade de Ensino reconhecida pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), um tempo de ensino, em que
os sujeitos retornam ao banco escolar na fase jovem ou adulta. Uma modalidade que é
fruto da desigualdade social, pois historicamente o direito à educação foi negado à
muitas pessoas, pois essas para conseguirem sobreviver tiveram, enquanto classe que
abandonar a escola.
O objetivo de observar a EJA nessa pesquisa, que tem como ponto primordial
evidenciar a importância e possibilidades de trabalho com a Educação Patrimonial, se
faz por duas vertentes, a primeira porque toda a ação de trabalho com a EJA é uma
ação política de reparação, devido à dívida histórica que temos com as pessoas que
tiveram o direito à educação negado e segundo porque, atualmente, essa modalidade
tem sido tratada pela administração, vigente no município de estudo, como um
compromisso de Estado para Educação para todos, reconhecendo os educandos dessa
modalidade como trabalhadores e cidadãos.
Essa evidência se apresenta, pois há um estudo do percurso da política pública
nesse município, em que educação e trabalho estiveram em linha articulada. Ao tratar
essa articulação recupero um período histórico a partir da década de 1950, em que
houve, nesse território, um avanço da rápida industrialização e reorganização
demográfica.
Nesse período a cidade passava a abrigar um enorme fluxo migratório, à
procura de emprego e para determinados postos de trabalho era necessário um mínimo
de formação, sendo necessário o início do atendimento efetivo desse público na
Educação de Jovens e Adultos. Foi considerável a quantidade de educandos atendidos,
chegando aos anos da década 1970, ao atendimento de mais de sete mil educandos por
ano letivo, em mais de 180 salas de aulas espalhadas pela cidade.
96
Por meio do Governo Federal, chega a São Bernardo do Campo o Movimento
Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, que aconteceu no período de 1970 a 1985.
Muito distante de ser uma política pública, ele serviu como um movimento e uma
campanha de alfabetização, atingindo cerca de 500.000 alunos em todo o Brasil nos
seus primeiros quatro meses de funcionamento. Mas deu mostras de que precisava
aplicar uma maior profundidade ao trabalho educativo e a urgência de oferecer cursos
de continuação. Foi, em seus mais de 20 anos de ação, um movimento pobre do
sentido crítico e contextualizador. Na década de 1980, com a extinção do Programa
Federal MOBRAL, o município firmou convênio com a Fundação Educar, buscando a
continuidade do atendimento.
É nesse período, em que o país passava por um processo de redemocratização,
que a Educação de Jovens e Adultos volta a fazer parte da agenda municipal para a
educação, mesmo que de forma limitada. Ela é efetivada por meio PAMJA -
Programa Municipal de Jovens e Adultos, destinado aos funcionários municipais e o
PAC - Programa de Alfabetização e Cidadania, destinado a todos os munícipes.
Em 1993, o PAC e o PAMJA se juntam e passam a ser denominados
PROMAC - Programa Municipal de Alfabetização e Cidadania. Sendo que dois anos
mais tarde, esse programa é reconhecido pela Divisão Regional de Ensino, passando
desta forma, a ter condições de oferecer a certificação de seus educandos concluintes.
Mais especificamente o PROMAC – Programa Municipal de Alfabetização e
Cidadania - foi um Programa oferecido pela prefeitura para atender esse público. Mas
como é tratada, a EJA como um simples programa municipal, transmite a ideia da não
efetivação da garantia do direito à educação na idade que seria a ideal para muitos
jovens e adultos. Ela também se apresenta na postura de um educador que passa seus
conhecimentos de uma forma verticalizada, sem levar em consideração as
características individuais dos educandos, que chegam à escola com conhecimentos
prévios sobre suas vidas e sobre o mundo, sendo desta forma um dificultador à
apreensão do que é estudado na escola e sua relação com seu cotidiano, pois não há
97
espaço no contexto escolar para que consigam fazer a transposição de suas
experiências. (ABRANTES, 1992).
Pode-se dizer que por muito tempo (e em certos casos, até hoje) a Educação de
Jovens e Adultos teve sua política de trabalho ligada a recuperação do tempo perdido
de seus educandos, sendo desta forma um depreciador do ensinamento apresentado
tão quanto causando prejuízos na qualidade do ensino-aprendizagem.
Por meio de um simples programa municipal foi organizado aos educandos um
conhecimento distante tanto de seus perfis socioeconômicos, de suas culturas e sem
qualquer relação com suas necessidades reais. É visível uma organização do Currículo
tecnicista e disciplinador quanto como à constante fragmentação do conhecimento.
Uma deficiência diante de um maior diálogo entre as experiências vividas, os
saberes dos educandos os conhecimentos trabalhados na escola.
Uma de minhas tarefas centrais como educador progressista é apoiar o
educando para que ele mesmo vença suas dificuldades na compreensão ou na
inteligência do objeto e para que sua curiosidade, compensada, vença e
gratificada pelo êxito da compreensão alcançada, seja mantida e, assim,
estimulada a continuar a busca permanente que o processo de conhecer implica.
Que me seja perdoada a reiteração, mas é preciso enfatizar, mais uma vez:
ensinar não é transferir a inteligência do objeto ao educando, mas instigá-lo no
sentido de que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e
comunicar o inteligido. É nesse sentido que se impõe a mim escutar o educando
em suas dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória, e ao
escutá-lo, aprendo a falar com ele. (FREIRE, 2006 p.134).
Também é relevante a falta de investimento na qualificação dos educadores,
que no caso de São Bernardo do Campo eram contratados por meio de uma parceria
com a FUNDUNESP e sem relação com o quadro efetivo de funcionários da
Prefeitura.
Em 2009, a EJA passa a ser efetivada como uma modalidade sob a
responsabilidade do Poder Público Municipal. É nesse momento que é possível se
98
observar uma mudança das ações para a Educação de Jovens e Adultos, quando passa
de um programa municipal para uma política publica voltada para essa modalidade de
ensino.
As Políticas Públicas são o resultado da competição entre os diversos grupos ou
segmentos da sociedade que buscam defender seus interesses. Tais interesses podem
ser específicos ou gerais. Para se desenvolver boas Políticas Públicas, entretanto, é
necessário planejamento, envolvimento dos setores da sociedade e recursos, que
sempre serão menores que as demandas (por isso a necessidade de se estabelecer
prioridades de acordo com um plano de longo prazo).
A Educação de Jovens e Adultos deve ser tratada juntamente com outras
políticas públicas e não isoladamente.
Mesmo reconhecendo a disposição do governo em estabelecer uma política
ampla para EJA, especialistas apontam a desarticulação entre as ações de
alfabetização e de EJA, questionando o tempo destinado à alfabetização e à
questão da formação do educador. A prioridade concedida ao programa
recoloca a educação de jovens e adultos no debate da agenda das políticas
públicas, reafirmando, portanto, o direito constitucional ao ensino fundamental,
independente da idade. Todavia, o direito à educação não se reduz à
alfabetização. A experiência acumulada pela história da EJA nos permite
reafirmar que intervenções breves e pontuais não garantem um domínio
suficiente da leitura e da escrita. Além da necessária continuidade no ensino
básico, é preciso articular as políticas de EJA a outras políticas. Afinal, o mito
de que a alfabetização por si só promove o desenvolvimento social e pessoal há
muito foi desfeito. Isolado, o processo de alfabetização não gera emprego,
renda e saúde. (VIEIRA, 2004, p. 85-86).
Com a prefeitura assumindo a Educação de Jovens e Adultos, passa a existir a
necessidade da construção de todo o processo de formulação de Políticas Públicas
voltadas especificamente para a essa modalidade de ensino.
É nesse momento que se faz quebrar a estigma do educando jovem e adulto,
que o lugar que ele ocupa na sala de aula não é uma distorção de uma realidade, mas
um direito garantido que deve se efetivar. Atividades, ações educativas e
99
contextualização devem ser específicas dos Jovens e Adultos e não mais um copiado
da educação aplicada para as crianças. Agora eles deverão ser vistos como sujeitos
excluídos, por uma falha do passado de acesso a escolarização que deve ser corrigida,
seja por sua saída da educação regular, a necessidade da suplência a fim de retomar
seus estudos.
Desta forma, é em uma perspectiva de educação popular, fundamentada nos
ensinamentos de Paulo Freire que começa a se estabelecer as Políticas Públicas da
Educação de Jovens e Adultos de São Bernardo do Campo, por meio de suas
Diretrizes Curriculares que foram construídas em um processo de participação
democrática de todos os envolvidos com a EJA. Os princípios da Educação de Jovens
e Adultos e Educação Profissional na rede de São Bernardo do Campo fundamentam-
se nos princípios da Educação popular, na perspectiva de Paulo Freire.
E com base no pensamento de Freire (apud MOURA, 2006), São Bernardo do
Campo tenta compreender o pedagógico da ação política e o político da ação
pedagógica, reconhecendo que a educação é essencialmente um ato de conhecimento
e de conscientização e que, por si só, não leva uma sociedade a se libertar da opressão.
Desta forma, a EJA ofereceu uma organização e concretização do planejamento
do processo de ensino e aprendizagem, com leitura de que a ação educativa contribui
e respeita aos princípios de igualdade, justiça e inclusão.
O passo inicial para que isso fosse conquistado em São Bernardo do Campo, a
EJA é considerada como política pública, está protegida pelo direito positivado
presente na ordem o direito municipal e dever do Estado, que congrega suas ações
com base no direito de educação ao longo da vida, devendo garantir o acesso, a
permanência a gestão democrática e a qualidade social na formação integral dos
sujeitos para sua emancipação.
A política pública de Educação de Jovens e Adultos em São Bernardo do
Campo tem como diretriz o conceito de EDUCAÇÃO PARA TODOS E TODAS,
100
conforme o texto descrito nas Diretrizes Curriculares da EJA, de 2012, em que pauta o
direito e suas dimensões: social; pessoal e profissional, conforme descrição abaixo.
SOCIAL que implica em aprender com a experiência de cada um e na relação
com os outros sujeitos, para então saber conviver com as diferenças e contribuir
para melhorar a sociedade, enfim, de educarmo-nos para viver em grupo com
respeito à diversidade.
PESSOAL que nos coloca como um ser que se constrói ao longo da vida, na
busca do desenvolvimento das nossas potencialidades, no desafio maravilhoso
de crescer, de evoluir mais em todas as áreas, de tornarmo-nos pessoas mais
livres, de aprender a conviver com as dificuldades, de aprender a conviver com
as pessoas, com os animais, com o planeta e com o universo.
PROFISSIONAL que se faz na oportunidade de desenvolvimento constante em
relação ao trabalho e na lógica de uma qualificação profissional social. (SÃO
BERNARDO DO CAMPO, 2012, p.6).
Diante das políticas públicas oferecidas, o conteúdo das Diretrizes
Curriculares parte do histórico da EJA no Brasil e na cidade para reafirmar o sentido
da oferta de uma modalidade educativa, que prima por uma construção de saber que
considera as diversidades, necessidades e expectativas dos sujeitos, organizando o
conhecimento em três dimensões: ciência, cultura e trabalho.
Essas dimensões foram orientadoras para que a plataforma de organização da
ação didática se efetivasse por eixos de conhecimento em ação integradora.
Nessa fundamentação, faz-se a apresentação da concepção curricular de
construção de conhecimento em quatro eixos, sendo esses:
1. Memória e territorialidade: possibilita pensar nas dimensões da
vida articulando e relacionando diversos conhecimentos: linguagens e
códigos, ciências da sociedade e da natureza, todos trabalhados de forma
integradora e ao mesmo tempo destacando os conhecimentos específicos
das áreas da história e da geografia. A memória dos educandos narrada e
registrada revela a história do território onde vivem e de onde vieram,
condição para estudar as relações sociais e ambientais das quais participam
e que interferem na vida de cada um.
101
2. Linguagens: (escrita, oral, matemática, corporal, tecnológica): A
importância das linguagens para os seres humanos não reside somente nas
possibilidades de comunicação, porém por serem sistemas de
representações da realidade, elas dão suporte para a realização de diferentes
operações intelectuais, organizando o pensamento, possibilitando o
planejamento das ações e apoiando a memória.
3. Meio Ambiente: A questão ambiental, não só identificada como
natureza, mas também como sociedade humana inserida em meio rural ou
urbano e metropolitano em pleno século XXI, enseja ainda mais as
variações no pensamento humano e, importante, estimula a ideia força de
mudança.
4. Cultura e Trabalho: É necessário ao homem produzir sua própria
vida, como também que ele aprenda como fazê-lo, para que construa e
garanta a própria existência e a da humanidade. Assim, a educação está
ontologicamente ligada ao processo de trabalho que se realiza numa
organização cultural. O homem aprende a produzir sua existência
produzindo-a e, ao fazê-la, o homem produz conhecimento e cultura.
A Diretriz Curricular da EJA de São Bernardo do Campo não trata de
Educação Patrimonial, mas possui elementos de prioridade elementar para uma
proposta de Educação Patrimonial, visto que tem como prioridade curricular organizar
um Currículo a partir da realidade dos sujeitos, numa perspectiva crítica, nos
pressupostos da Educação Popular.
Além disso, faz um alinhamento curricular pautado por Eixos, nos quais a
Educação Patrimonial pode ser observada nas suas linhas prioritárias: recuperação da
memória de um grupo e construção de conhecimento para evidenciar e priorizar
patrimônios a partir dos indicativos de uma comunidade de patrimônios. Isso poderia
ser abordado pela linha de debate da memória e por todos os eixos, uma vez que a
reflexão de patrimônio pode ser evidenciada pela perspectiva territorial, ambiental,
sabendo que esse tratamento poderia ser construído em ação integradora.
102
A política de EJA tem como foco prioritário a cultura e o trabalho, como
dimensões de ação, reflexão e ação na vida, em processo de criticidade, dando ao
sujeito a condição de pertencimento em ação territorial e em condição cultural,
buscando suas memórias e construindo identidades.
3.3 CURRÍCULO E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL PARA A
CLASSE TRABALHADORA
A necessidade de rever coletivamente a produção da memória dos povos que
convivem em um território é algo de extrema necessidade e isso pode acontecer com a
colaboração de uma política curricular que reconheça a organização social desigual do
país, representada em territórios, conforme os contornos culturais e sociais,
organizados historicamente pelos povos.
Essa perspectiva nos remete pensar um Currículo para Educação Patrimonial,
por meio de uma reflexão que evidencie as memórias dos povos, objetivando os
diferentes grupos que compõem o contexto social.
Essa proposta se alinha a uma concepção crítica de Currículo, pois marca uma
indignação com as condições de opressão. Por estarmos em uma sociedade marcada
por disputas de poder, ao tratarmos da formação de sujeitos é necessário ter claro que
a escola pode ter uma função de transformação social, rompendo com a ordem de
reprodução do modelo social e econômico desigual.
Com essa abordagem, o papel da escola para a potencialização do modelo
hegemônico se fragiliza e nesse sentido, permite a democratização de construção de
conhecimentos que venham diminuir o controle social do saber social e histórico de
determinados grupos.
Michael Apple (2008) postula que, na sociedade de classes, os sujeitos vivem a
hegemonia do capital que faz a saturação do senso comum para que os sujeitos
103
procedam conforme valores determinados e a escola é uma instituição importante para
reafirmar esses valores. Segundo o autor:
As escolas parecem contribuir para as desigualdades por serem tacitamente
organizadas a fim de distribuir diferentemente determinados tipos de
conhecimento. Isso se relaciona em grande parte tanto ao papel da escola na
maximização da produção de “mercadorias culturais e técnicas” quanto à
função de escolha ou seleção das escolas na alocação de pessoas para a
ocupação requerida pelo setor econômico da sociedade (...) (APPLE, 2008).
Nessa reflexão de revisitar o papel da escola, que em composição secular viveu
para saturação da hegemonia, necessitará marcar a complexidade do saber e isso não
se faz sem a recuperação dos saberes prévios e as memórias de grupos. Tal
pensamento marca uma orientação política para se contrapor às condições de opressão
de uma determinada classe sobre a outra.
Para essa organização, a instituição escolar imprime um formato de Currículo
que não é neutro e se faz numa ótica de reconhecimento do contexto histórico,
material que os educandos vivem.
Assim, ao falar de Currículo para educação e com uma valorização da memória
do trabalhador, deve-se pensar o contexto histórico dos sujeitos e dos seus povos,
recuperando os conhecimentos de uma coletividade nas dimensões: filosófica,
política, pedagógica.
A discussão para essas dimensões se faz num paradigma de Currículo
dinâmico, dialógico, que tem o foco na praxiologia do conhecimento e se faz numa
orientação de matriz crítica de Currículo, além de apontar que as ações educativas
podem se organizar para a transformação social.
Para tanto, o Currículo envolve uma organização estrutural que se faz em
variáveis e essas precisam se direcionar para ter o educando como foco do processo,
ter o educador como um leitor da realidade e a partir dessa, esse mediador possa
contextualizar os conhecimentos históricos produzidos e então favorecer a
reconstrução do saber pelo educando para a transformação social.
104
Ao tratarmos sobre práticas pedagógicas de forma contextualizada, é de
fundamental importância estabelecer um debate da organização das mesmas numa
correlação curricular. Essa intenção advém da análise de que as práticas pedagógicas
revelam uma intenção formativa que está presente no Currículo, o grande organizador
dos processos educativos.
Quando estabelecemos um debate sobre Currículo, a concepção conservadora,
que o compreende como um produto social organizado numa lista de conteúdos
formatados em disciplinas de status diferenciados é a primeira ideia que nosso
pensamento evoca sobre esse percurso formativo, que se faz em todas as variáveis da
ação educativa.
A reflexão estabelecida nesse texto se distancia dessa ordem de pensamento e
dialoga sobre Currículo como a organização do processo de ensino e aprendizagem,
que tem a intenção da construção de conhecimento com dimensões epistemológicas,
filosóficas e políticas para transformação, e essas aparecem nas práticas pedagógicas.
Com a possibilidade de perceber o Currículo enquanto dimensão filosófica,
estamos por tratar o conceito de homem enquanto sujeito histórico, inacabado que vai
se constituindo pelas suas necessidades formativas éticas, que andam de mãos dadas
com a estética, à qual se relaciona com uma dimensão técnica num contexto político.
(FREIRE, 2006). Essa dimensão nos coloca a possibilidade de respeitar o educando
como pessoa capaz de refletir sobre o conhecimento que se faz nas relações sociais e
culturais.
Nessa reflexão, o sujeito é reconhecido como um ser ético, político, pensante,
crítico e transformador, o que ocasiona a organização de práticas pedagógicas, que
recuperam o que os educandos já têm enquanto necessidade, ou situações sociais e
culturais que são limites para si e precisam ser tratadas na escola para que possam ser
analisadas e sistematizadas.
Essas práticas se formatam num contexto que percebe os educandos, jovens e
adultos enquanto homens e mulheres que possuem necessidades éticas, estéticas e
105
técnicas; estas podem ser trazidas para uma ação educativa de integração do
conhecimento.
A possibilidade de integração a partir do respeito ao educando deve ser tratada
pela articulação da ciência, cultura e trabalho12
, com a possibilidade de se efetivar a
partir do reconhecimento de si, com a criação da consciência do mundo, não como um
objeto, mas como sujeitos que refletem sobre suas condições temporais e locais.
Freire, já fazia esse debate ao colocar a especificidade da humanidade:
Imersos no tempo, em seu mover-se no mundo, os animais não se assumem
como presença nele; não optam, no sentido rigoroso da expressão, nem
valoram. Seres históricos, inseridos no tempo e não imersos nele, os seres
humanos se movem no mundo, capazes de optar, de decidir, de valorar. Têm
sentido de projeto (...) (FREIRE, 1987)..
A reflexão filosófica sobre o Currículo direciona uma organização de prática
pedagógica em que o educador se observa no educando e nessa possibilidade o
respeita; isso procede com ação educativa pautada na dimensão epistemológica do
conhecimento, marcada pelo diálogo que se faz pela linguagem que, além da função
da comunicação, possibilita a decodificação dos fatos.
O diálogo, reconhecido como a condição de estabelecer a troca que se faz com
ética e respeito, prevê a possibilidade da construção do conhecimento para além do
paradigma racionalista técnico. Essa concepção orienta uma prática pedagógica, que
se organiza na efetivação da práxis e se faz na problematização dos fatos e contexto
em que os sujeitos da ação educativa estão envolvidos.
Dessa forma, as práticas pedagógicas precisam ser reorganizadas enquanto
situações problematizadoras, mas, ao pensar nessa organização, as questões precisam
estar próximas dos educandos. Nesse formato, a ação educativa deixa de ser neutra e
se contextualiza. Ao pensar em prática contextualizadora que passa a ter significância,
12 Ver Marise Ramos “Concepção de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, Seminário da
Superintendência de Ensino Médio da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, 2007”.
106
estamos por tratar da dimensão política do Currículo, em que há a organização do
conhecimento em contextos sociais com intenções de transformação.
Essas intenções políticas críticas só se constituem quando se tem leitura de
realidade pela possibilidade de retomar os fatos, entendê-los em debates com os
contextos econômico-culturais, de modo a colocar em reflexão a organização
estrutural da sociedade.
Licínio Lima (2012) já abordava que a Educação não pode reduzir o seu papel
em pensar numa formação técnico-científica que responda a uma ordem de sociedade
que prepara para situação do trabalho. A Educação precisa recuperar as raízes da
Educação Permanente, sob o viés crítico que prevê a formação integral para
transformação sob os preceitos da Educação Popular.
Esse alerta se faz principalmente no contexto atual, em que o contexto
territorial deixa de ser considerado frente aos marcos de extensão global, orientadores
para formação individual, organizados pela racionalidade estratégica para ordem do
capital com o Estado mínimo.
Um aspecto importante a mencionar é que o Estado, para se constituir, teve que
ser legitimado pelo povo, que assumiu o status da cidadania. Porém, essa cidadania,
nesse momento de globalização em que o Estado tem seus papeis reduzidos, se torna
frágil, como aponta Boaventura Sousa Santos:
A nova divisão internacional do trabalho, conjugada com a nova economia
política “pró-mercado”, trouxe também algumas importantes mudanças para o
sistema interestatal, a forma política do sistema mundial moderno. Por um lado,
os Estados hegemônicos, por eles próprios ou através das instituições
internacionais que controlam (em particular as instituições financeiras
multilaterais), comprimiram a autonomia política e a soberania efetiva dos
Estados periféricos e semiperiféricos, com uma intensidade sem precedentes
(...). (SANTOS, 2002 p. 25).
Nesse formato social, em que os aspectos econômicos inferem
significativamente sobre os políticos, de modo a pensar um Estado mínimo em que a
107
responsabilidade com a educação precisa atender as ordens do mercado, a
funcionalidade educativa se limita a oferecer conhecimentos aos educandos que
respondam aos interesses da organização de produção; é preciso uma reflexão do
papel da escola e a organização das suas práticas.
Isso, na prática da EJA, é de fundamental importância, pois o modelo
direcionador homogeneizador direciona para um Currículo que prevê a formação
utilitarista para o trabalho, por meio de práticas pedagógicas que, em vez de promover
a construção por inteiro, ocasiona o fazer educativo reducionista.
É devido a isso que, a dimensão política do Currículo se firma, pois, conforme
já dito, nenhuma ação educativa das diferentes variáveis que compõem o Currículo é
neutra, mas tem intenções formativas e tem poder de inferência social. As inferências
sociais se fazem com práticas pedagógicas, que permitam a construção do
conhecimento pela contextualização dos aspectos culturais.
No momento atual, a perspectiva hegemônica de formação para a cidadania
tem uma finalidade, que é a formação pela racionalidade para sustentar um perfil de
homens e mulheres dependentes da produção e do consumo. Porém, a sociedade não é
uniforme, ela se compõe de grupos que possuem outros objetivos, que consistem em
comprometer a educação escolar com práticas pedagógicas para desenvolver
processos educativos em que ocorra o domínio público, para o aprofundamento da
educação para cidadania e para a busca da igualdade e justiça. Licínio Lima colocava
que essa organização é possível com o exercício de reorganização escolar:
(...) a natureza política e educativa das práticas organizacionais e
administrativas escolares se alia à reflexão sobre políticas alternativas, a
construção de modelos de governação mais democráticos, comprometidos com
a emancipação e a autonomização dos sujeitos, com os pensamentos de Freire
emergem forças. Neste exercício de resistência à despolitização (e tantas vezes
à privatização) da escola pública (...). (LIMA, 2012).
O Currículo, no seu sentido oficial, expressa o interesse de grupos que têm
poder de direcionar a organização social. Essa relação de poder não é transparente no
108
Currículo, mas se efetiva pela ideologia que camufla a realidade, que é direcionada
pela visão de hegemonia.
O conceito em discussão pode ser entendido numa percepção de ação cotidiana,
em que todas as oportunidades de ensino e aprendizagem se efetivam e revelam seu
posicionamento hegemônico ou contra hegemônico.
Numa visão contra hegemônica, se tem como compreensão que a
responsabilidade da ação educativa para a produção e reconstrução de conhecimento
deve ser vista numa perspectiva cultural transformadora, pois uma das grandes
responsabilidades da escola é a possibilidade de reconstrução do saber cultural da
humanidade.
Com a ideia de que a educação não faz tudo, mas sem ela não é possível fazer
mudança de algo, estamos por salientar a importância das práticas pedagógicas a se
encharcarem de significância e de proximidade com os educandos.
Ao organizar ações de proximidade e de contextualização, não se tem a
intenção de reduzir conhecimento; pelo contrário, com essas ações, os conhecimentos
históricos ganham sentido e se articulam com as vivências sociais dos educandos ou
as denominadas, por Freire (2006), “situações-limites”.
Nesse propósito a Educação Patrimonial se fortalece com a concepção crítica,
pois é a possibilidade de se retomar memórias que configura identidades coletivas e
individuais.
Em todo o processo de gestão do patrimônio cultural há necessidade de ações
educativas. Não uma estrutura instrucionista relegada aos técnicos que dirão a uma
comunidade o que é patrimônio e como se deve preservar o patrimônio. Deve ser um
trabalho de construção coletiva.
Quando todos os indivíduos de uma comunidade passam a discutir o que é
patrimônio, existe também um campo de conflito, no qual o que é patrimônio depende
das noções diferenciadas de cada um.
109
Desta forma, deve se pensar como se discute um determinado patrimônio do
passado para que seja valorizado nos dias de hoje. Deve-se entender como se usar esse
passado, as formas de representação desse passado, a simbologia desse passado para
se discutir as questões do presente. Um caminho para entender o Patrimônio Cultural
como parte de nossa vida e com as pessoas passando a ter um sentimento de
pertencimento em relação esse patrimônio. Uma construção coletiva e compartilhada
do que é patrimônio cultural.
Isso requer um importante exercício do diálogo. E para isso, é importante se
valer do princípio de uma educação dialógica, como é referido por Paulo Freire. Não
se deve tratar os conhecimentos, e nesse caso os patrimônios culturais, produto de um
dono do saber e que deposita nos indivíduos aquilo que se deve ou não saber, o que se
deve ou não ser valorizado como patrimônio. Uma postura que já ter sido superada,
principalmente no que se refere ao Brasil, que tem em seu coletivo pessoas que sabem
o que é seu patrimônio e sabem o valor que representam para o coletivo.
O que necessita, em todo caso, são de situações de aprendizagem que sejam
geradas por uma ação educativa, que podem ter o apoio das instituições gestoras do
patrimônio. Cabe a elas serem mediadoras no fomento desses ambientes de
aprendizado, rodas de conversas, para a construção de um sentido coletivo de
patrimônio.
Não é uma metodologia impositiva já que se trabalhar a educação patrimonial
em uma postura autoritária e verticalizada. Não se faz depois dos processos de
tombamento do patrimônio material ou do registro do patrimônio imaterial, nem
depois dos processos de conservação que se deve ensinar para os educandos o que é
patrimônio. O processo vem antes, baseado na ação de identificação junto à
comunidade. Desde o início deve ter o envolvimento de todos, deixando a
comunidade definir o que é patrimônio e o que é referência cultural para ela.
Isso deve vir junto com um modelo de gestão pública compartilhada entre
parcerias, sendo um trabalho em conjunto entre o Estado e a Sociedade Civil que se
propõe a fazer essa preservação e a valorização do patrimônio cultural.
110
Os marcos legais na área de educação são fundamentais. Existe um processo de
construção coletiva, mas falta algum documento e legislação que defina o que vem a
ser educação patrimonial. Isso é um entrave considerável e torna-se importante a
criação de estratégias e diretrizes para possa ser possível mediar esses processos de
ações educativas junto à sociedade e poder colaborar com uma visão ampliada do que
é patrimônio.
Trabalhar com educação patrimonial e com o patrimônio cultural como um
todo, traz consigo um conceito de sustentabilidade e de desenvolvimento local, pois é
a partir da memória e da cultura local que os indivíduos passam a se sentir
pertencentes a essa comunidade, em um processo de construção de uma memória
coletiva, gerando um processo de reconhecimento, de autoestima e de consciência
dentro dessa comunidade. Elementos importantes para definir os caminhos de
desenvolvimento desse lugar. Assim, o processo de valorização de patrimônio cultural
por meio da educação patrimonial serve como um indutor dos processos de discussões
e reflexões sobre o desenvolvimento de toda uma comunidade. Abrir a possibilidade
de um desenvolvimento além do consumo e do capital, mas que leva em consideração
a memória local e as histórias de vida dos indivíduos que compõem esse espaço.
Só se valoriza aquilo que se conhece, mas, além disso, a valorização do que se
sente pertencendo e do que se constrói no conjunto de toda a comunidade. Se não
reconhece como sendo de todos, não haverá valorização e não vai se efetivar a
conservação. Só quem está no local entende o que é patrimônio para ele naquele
espaço.
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Educação Patrimonial, não é um pacote curricular, não pode ser observada
como coletânea de conteúdos, descrita numa única disciplina, é uma ação educativa
complexa que recupera a memória de um coletivo como possibilidade de
reconhecimento e afirmação de identidade.
É um fazer pedagógico que tem objetivos claros de formação para libertação
dos sujeitos no coletivo, os quais se encontram em condições de limitações das suas
potencialidades.
Dessa forma, a possibilidade de se organizar uma educação patrimonial passa
pela leitura de uma proposta ampla de educação, a qual se compromete com a
emancipação do sujeito, ou seja, uma formação integral, que para acontecer deve ser
vista em ação interdisciplinar.
A possibilidade de ocorrer uma proposta crítica Educação Patrimonial passa
por uma linha indicadora de Currículo, que tem intencionalidades claras em relação à
formação de professores, tratamento diversificado de material didático e de estudo;
reconhecimento da realidade do educando com linha inicial de um trabalho educativo.
Além disso, é fundamental uma ação intersetorial entre Educação e Serviço de
Patrimônio, numa estruturação que não se limite à políticas de Governo, mas que se
configure em políticas de Estado.
Essa proposta para Educação de Jovens e Adultos em São Bernardo do Campo
é algo ainda a ser construído, pois embora a proposta curricular trate da memória dos
sujeitos e dos seus coletivos ela não reconhece a produção cultural e histórica
enquanto bens patrimoniais.
Nesse sentido, como linha de indicação de trabalho em Educação Patrimonial
para essa modalidade de ensino nessa cidade, é a possibilidade da Coordenação do
Serviço junto aos professores da rede, reconhecer o papel da Educação Patrimonial
112
com instrumento de fortalecimento da memória individual e coletiva que tanto se
afirma na proposta curricular.
Esse pensamento pode ser observado na experiência política de EJA de São
Bernardo do Campo em ação intersetorial com as equipes de tratamento das políticas
públicas de patrimônio em ação conjuntiva com a comunidade, com a perspectiva
crítica, a qual é a linha direcionadora da organização curricular da EJA.
A possibilidade dessa articulação passa pela organização e alinhamento de um
planejamento intersetorial, direcionado pelo Plano Municipal de Patrimônio, com
objetivo de se concretizar intencionalidades políticas. Nessa concretização algumas
ações, em condição conjuntiva se fazem necessárias. Entre tantas, podemos citar
formação de professores; atuação em leitura de patrimônios identificáveis pela
comunidade; cuidados e publicações de patrimônios já tombados.
Para isso acontecer é fundamental organizar um plano específico atrelado ao
Plano de Coordenação de Serviços, em que se tenha claro objetivos de formação de
professores, junto com as discussões de Currículos que já acontecem na rede de
ensino, além das orientações ao Projeto Político Pedagógico da escola (PPP), o qual
vem marcando os cuidados e atenção ao território.
Em ação pedagógica essa questão estaria nos estudos de memória e território,
meio ambiente e as diferentes linguagens que são os Eixos temáticos do Currículo da
EJA.
Nesse sentido, a Educação Patrimonial se aproximaria dos sujeitos e esses a
observaria como produção cultura de afirmação de identidade.
113
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