pontifÍcia universidade catÓlica de minas gerais programa de pós ... · pontifÍcia universidade...
TRANSCRIPT
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós Graduação em Letras
Rosilene Alves Ribeiro Strecker
AS CATEGORIAS TEMPO E ASPECTO:
um estudo no português brasileiro e no alemão
Belo Horizonte
2014
Rosilene Alves Ribeiro Strecker
AS CATEGORIAS TEMPO E ASPECTO:
um estudo no português brasileiro e no alemão
Tese de doutorado apresentada ao Programa de pós-
graduação em Letras e Linguística, da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de
doutora em Linguística.
Orientadora: Arabie Bezri Hermont Coorientador: João Henrique Rettore Totaro
Belo Horizonte 2014
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Strecker, Rosilene Alves Ribeiro
S914c As categorias tempo e aspecto: um estudo no português brasileiro e no
alemão / Rosilene Alves Ribeiro Strecker. Belo Horizonte, 2014.
189 f. : il.
Orientadora: Arabie Bezri Hermont
Coorientador: João Henrique Rettore Totaro
Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Letras.
1. Língua portuguesa - Gramática. 2. Língua portuguesa - Lexicografia. 3.
Língua alemã – Gramática comparada e geral. 4. Aquisição de linguagem. I.
Hermont, Arabie Bezri. II. Totaro, João Henrique Rettore. III. Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras.
IV. Título.
CDU: 801.5
Rosilene Alves Ribeiro Strecker
AS CATEGORIAS TEMPO E ASPECTO: um estudo no português brasileiro e no alemão
Tese de doutorado apresentada ao Programa de pós-graduação em Letras e Linguística, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de doutora em Linguística.
______________________________________________________________________
Profª Drª Arabie Bezri Hermont (PUC Minas –Letras) – Orientadora
______________________________________________________________________ Prof. Dr. João Henrique Rettore Totaro (PUC Minas – Letras) – Titular
______________________________________________________________________ Profª Drª Evângela Batista Rodrigues de Barros (PUC Minas - Letras) – Titular
______________________________________________________________________ Profª Drª Denise Brandão de Oliveira e Britto (PUC Minas – Fonoaudiologia –
ICBS)
______________________________________________________________________ Drª Priscilla Chantal Duarte Silva (UNIFEI)
______________________________________________________________________ Profª. Simone de Paula dos Santos Mendes (UFVJM) – Suplente
____________________________________________________________________ Profª Maria Angela Paulino Teixeira Lopes (PUC Minas – Letras) – Suplente
Belo Horizonte, 28 de agosto de 2014.
AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus. A minha família: Meu querido pai – in memória – e minha querida mãe, meus amores e apoiadores de sempre. Minhas irmãs, meu marido e minha filha. À Instituição em que estou concluindo este estudo – PUC Minas. Aos meus orientadores – na verdade grandes parceiros. À minha querida orientadora - Profª Drª Arabie Bezri Hermont, que me encaminhou nos primeiros passos em Teoria Gerativa e me estimulou a dar continuidade nesse campo de estudos. Agradeço pelos momentos que me atendeu e buscou o melhor para mim.
Ao meu querido coorientador - Prof. Dr. João Henrique Rettore Totaro – que, com a elegância de sempre, orientou-me, socorreu-me também nas horas difíceis e que também tem sido um professor com quem tenho aprendido muito.
Aos queridos coordenadores, Profª Drª Márcia Marques Morais e Prof. Dr. Hugo Mari – que fazem a PUC ter um lugar especial em nossa vida.
Aos funcionários da Secretaria – cuja gentileza, carinho e atenção foram importantes nessa caminhada.
Não posso deixar de estender meus sinceros agradecimentos aos membros da banca
examinadora que, certamente, trazem muitas contribuições para que este trabalho possa se aprimorar mais ainda Agradeço ainda a algumas pessoas muito especiais que estiveram muito presentes comigo nesse trabalho:
- A minha mãe – a que se mostrou disposta em me apoiar em qualquer momento. - Ao meu marido Kurt, que traduziu todos os dados que estavam em alemão. - À professora Uche, que prestou grande colaboração no esclarecimento de
alguns pontos muito importantes do idioma alemão. - Ao Dr. José Eugênio, meu grande amigo e apoiador e que estava do meu lado
nos momentos mais difíceis. Agradeço, enfim, a todos que colaboraram comigo nesta caminhada! Porém, recordo, com emoção, nesse momento, mais uma vez, a presença de Deus, e agradeço, de coração, pela oportunidade de ter tido todas essas pessoas maravilhosas ao meu lado, nesse percurso.
Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é virar opressor (Paulo
Freire)
RESUMO
. Partindo da hipótese de que tempo e aspecto são categorias diferentes,
especialmente no âmbito das categorias funcionais, esta pesquisa teve por objetivo
estudar como a aspectualidade e temproralidade estão representadas na gramática
mental do indivíduo, por meio da investigação dessas categorias no âmbito gramatical e
lexical. A fim de estudar o assunto, analisamos corpora com dados de fala de crianças
em fase de aquisição da língua portuguesa do Brasil (PB) e da língua alemã (LA).
Servimo-nos, para a realização dessa pesquisa, do quadro teórico apresentado por
Chomsky (1995, 1998, 1999, 2002), o qual embasou as análises que realizamos em
produções orais de duas crianças, uma alemã e outra brasileira, nas faixas etárias entre
1,5 e 4,5 anos.
Para a reflexão sobre o tema e também para a sua discussão, inspiramo-nos, na
representação do aspecto da LA, também denominado Aktionsart, que utiliza recursos
diferentes daqueles que são utilizados no PB; assim como os recursos do português
foram utilizados para a análise dos dados do alemão. Constatamos que, no idioma
alemão, a representação aspectual se dá, em sua maioria, por meio de advérbios e outros
recursos do léxico. No português, o aspecto é bastante representado tanto por meios
gramaticais, como, por exemplo, pelas desinências verbais, mas é também representado
por meios lexicais. Constatamos ainda diveresas propriedades que diferenciam a
essência das categorias temporais e aspectuais.
Palavras chave: Tempo e aspecto, o papel dos argumentos internos e dos advérbios na
aspectualidade, aspecto lexical e aspecto gramatical, aspecto no português brasileiro e
na língua alemã; aquisição de tempo e de aspecto
ABSTRACT
Assuming that tense anda aspect are different categories, especially in terms of
functional categories, this research has as its objective to study how aspect and tense are
represented in the mental grammar of the individual, by investigation of these categories
in grammatical and lexical terms. For this study, the speech of children in the language
acquisition phase of Portuguese of Brazil (PB) and german (LA) were analized.
We used for this study theory presented by Chomsky (1995, 1998, 1999, 2002), who
based the analysis on oral production of two children, one german and the other
Brazilian, of 1,5 and 4,5 years of age.
For the discussion we used the representation of the aspect of LA, also called Aktinsart,
which uses different resources of those used in PB, as the resources of Portuguese were
used for the analysis of the german data. We noted that in german the representation of
aspect is done in its majority by adverbs and other lexical resources. In Portuguese the
aspect is mainly represented by grammatical means, such as verb endings, but is also
represented by lexical means. Forthermore, we noted several properties which
diferenciates the essence of the temporal anda aspectual categories.
Keyword: Tense and aspect, the role of external arguments and adverbs in aspect,
lexical aspect and grammatical aspect, aspect in Brazilian Portuguese and German
language; language acquisition on tense and aspect.
ZUSAMMENFASSUNG
Ausgehend von der Hypothese das Zeit und Aspekt verschiedene Kategorien sind,
besonders der funktionalen Kategorien, hatte diese Untersuchung als Ziel wie Aspekt
und Zeit in der mentalen Gramatik des Individuums dargestellt warden, durch die
Untersuchung dieser Kategorien als grammatischen und lexikalischen Begriffe. Für
diese Studie wurden Daten von kinder die sich in der Lernphase der Sprache befinden,
sowohl des portugiesisch von Brasilien (PB) als auch des deutschen (LA),
herangezogen. Für diese Studie wurde der theoretische Rahmen verwendetet, vorgestellt
von Chomsky (1995, 1998, 1999, 2002),der seine Analysen an Hand der mündlichen
Produktion Zweier Kinder, eines brasilianisch und das andere deutsch, im Alter von 1,5
und 4,5 Jahren, durchführte.
Wir Wurden, für die Diskussion dieser Frage, durch die Darstellung des Aspekts der
LA, auch Aktionsart genannt, angeregt, die andere Merkmale benützt als im PB üblich;
so wie Merkmale des portugiesischen benützt wurden zur Analyse der Daten auf
deutsch.
Stichwort: Tempus und Aspekt, die Rolle der externen Argumente und Adverbien in
Aspektualität, lexikalische und grammatikalische Aspekt, Aspekt in brasilianisches
Portugiesisch und Deutsch, Spracherwerb auf Tempus und Aspekt.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Áreas do cérebro responsáveis pela linguagem: Broca e Wernicke ............... 22
Figura 2 – Faculdades da Linguagem: Faculdade da linguagem em sentido restrito está inserida na Faculdade da linguagem em sentido amplo ................................................. 25
Figura 3 – Organism Internal.......................................................................................... 27
Figura 4 – Arquitetura da linguagem .............................................................................. 30
Figura 5 - Representação espacial de um processo ........................................................ 91
Figura 6 – Subclasses dos verbos em alemão ............................................................... 102
Figura 7 - Computação de dados de Aspecto/Aktionsart ............................................. 146
Figura 8 - Representação da categoria aspecto ............................................................. 159
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Núcleos Lexicais .......................................................................................... 35
Quadro 2 - Configuração do sistema temporal, segundo Reichenbach (1947) .............. 46
Quadro 3 - Die 6 Tempora der klassischen Grammatik ( Os seis tempos gramaticais na gramática clássica) .......................................................................................................... 65
Quadro 4 - Pressupostos sobre a categoria tempo .......................................................... 70
Quadro 5- Classification of aspectual oppositions ......................................................... 81
Quadro 6 - Caracterização dos Eventos .......................................................................... 85
Quadro 7 – Completude da ação .................................................................................... 95
Quadro 8 – Traços das subclasses dos verbos em alemão ............................................ 102
Quadro 9 – Aktionsarten expressas por meios sintáticos ............................................. 104
Quadro 10 - Faixa etária dos informantes da pesquisa ................................................ 127
Quadro 11 - Exemplos de perífrases com marcação temporal nula, nos dados da criança brasileira aos 2 anos. ..................................................................................................... 141
Quadro 12 - Representações perifrásicas em formas progressivas, na LP, .................. 141
Quadro 13 - Exemplos de construção aspectual por meio do processo de formação de palavras ......................................................................................................................... 149
Quadro 14 - Influência dos argumentos internos na telicidade .................................. 1542
Quadro 15 – Influência dos adverbiais na composição aspectual ................................ 155
Quadro 16 - Perfektividade/duração ............................................................................. 156
Quadro 17 - Exemplos de Aspecto Lexical expresso por meio de recursos lexicais adcionais ....................................................................................................................... 152
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Número de sentenças por faixa etária.......................................................... 134
Tabela 2 - Realização do sujeito ................................................................................... 135
Tabela 3 – Tempo gramatical ou lexical ...................................................................... 139
Tabela 4 - Tempo gramatical: passado e presente ........................................................ 144
Tabela 5 - Aspecto Gramatical Perfectivo e Imperfectivo ........................................... 147
Tabela 6 - Aspecto Lexical: Telicidade ........................................................................ 150
Tabela 7 - Aspecto Lexical: Perfektividade/Duração ................................................... 151
LISTA DE ABREVIATURAS
AGR – Conconcordância ASP – Aspecto AUX – Auxiliar COMP – Complementizador EPP – Traços de EPP (Princípio da Projeção Extendida) FF – Forma fonética FL – Forma lógica FLg – Faculdade da linguagem FLB – Faculdade da linguagem em sentido amplo FLN – Faculdade da linguagem em sentido restrito GG – Gramática Gerativa GU –Gramática universal INFL OU I – Felxão LA – Língua alemã
LP – Língua portuguesa ME – Momento do evento MF - Momento da fala MR – Momento de referência PB – Português brasileiro PM – Programa Minimalista S – Sintagma SAsp – Sintagma aspectual SD – Sintagma determinante ST – Sintagma temporal
13
T ou Temp – Tempo V- Verbo
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 15
2 QUADRO TEÓRICO ADOTADO .......................................................................... 18
2.1 O estudo da linguagem na perspectiva gerativista .............................................. 18
2.2 O caráter biológico da linguagem ......................................................................... 23
2.2.1 Concepção de linguagem, segundo Hauser, Chomsky e Fitcher(2002) ............. 24
2.2.2 Aprofundando a investigação da linguagem humana ........................................ 28
2.3 O Programa Minimalista (PM) ............................................................................. 29
2.3.1 A teoria dos Princípios e Parâmetros (P&P) e a representação de tempo e
aspecto nessa perspectiva ..................................................................................... 32
2.3.1.1 A organização sintática das sentenças na Teoria Gerativa .......................... 32
2.3.1.2 O papel do núcleo na Teoria Gerativa ............................................................ 34
2.3.1.3 A representação da sentença na perspectiva gerativista ............................... 37
3 O TEMPO NAS LÍNGUAS NATURAIS ................................................................ 42
3.1 Noções sobre tempo e aspecto linguístico ............................................................. 43
3.2 A expressão do tempo na linguagem ..................................................................... 44
3.2.1 Breve histórico sobre os estudos da categoria linguística tempo ........................ 44
3.2.1.1 O trabalho de Comrie (1985) ........................................................................... 48
3.2.1.2 A categoria tempo do ponto de vista dos pesquisadores brasileiros ........... 49
3.2.2 O estudo da categoria linguística tempo na Língua portuguesa (LP) ................ 60
3.2.2.1 Os morfemas temporais na Língua Portuguesa ............................................ 63
3.2.3 O Estudo do Tempo na Língua Alemã ................................................................ 64
3.2.4 Resumo dos principais pontos apresentados pelos diversos autores sobre a
categoria tempo .................................................................................................... 70
4 O ASPECTO VERBAL ............................................................................................ 74
4.1 O trabalho de Vendler ............................................................................................ 76
4.2 Aspecto em Comrie ................................................................................................. 77
4.3 A evolução dos estudos sobre o aspecto ................................................................ 82
4.4 Reflexões sobre a representação sintática das classes acionais .......................... 85
4.4.1 A dimensão sintática da categoria aspecto .......................................................... 88
4.5 O estudo do aspecto sob o ponto de vista dos pesquisadores brasileiros ........... 89
4.6 O aspecto na língua alemã .................................................................................... 95
4.6.1 O estudo de Battaglia ............................................................................................ 96
4.6.2 Considerações sobre tempo e aspecto no português brasileiro (PB) e na língua
alemã (LA) ............................................................................................................ 98
4.6.3 A descrição de Aktionsarten na língua alemã ................................................... 101
4.6.5 As classes de Aktionsarten ................................................................................. 103
5 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ........................................................................... 106
5.1 Concepções gerais sobre aquisição de linguagem .............................................. 106
5.2 A aquisição das categorias funcionais ................................................................. 110
5.2.1 A fixação de parâmetros e as categorias funcionais ......................................... 110
5.2.1.1 Um breve panorama dos estudos das categorias funcionais ....................... 112
5.2.2 Duas hipóteses de aquisição das categorias funcionais .................................... 114
5.2.3 O trabalho de Wexler (1994, 1998) .................................................................... 115
5.2.4 O trabalho de Yang (2002) e Baker (2005) ....................................................... 116
5.2.5 O trabalho de Kato (1999) .................................................................................. 117
5.2.6 Aquisição de tempo e de aspecto ........................................................................ 121
6 METODOLOGIA .................................................................................................... 123
6.1 Descrição da amostragem .................................................................................... 124
6.1.1 Caracterização do Corpus .................................................................................. 125
6.1.1.1 Descrição das fontes........................................................................................ 125
6.1.1.2 Caracterização dos Informantes ................................................................... 127
6.1.1.3 Caracterização dos dados .............................................................................. 127
6.1.1.3.1 Critérios de Seleção de dados ..................................................................... 127
6.1.1.3.2 Caracterização das categorias estudadas .................................................. 128
7 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ............................................... 133
7.1 Contextualização da análise de dados ................................................................. 133
7.2 Descrição e análise das ocorrências .................................................................... 134
7.2.1 Realização do sujeito .......................................................................................... 135
7.2.2 Marcação temporal ............................................................................................. 137
7.2.2.1 Marcação gramatical e lexical de tempo ...................................................... 137
7.2.2.1.1 Representações temporais lexicais e gramaticais da criança brasileira . 140
7.2.2.1.2 Representações temporais lexicais e gramaticais da criança alemã ....... 142
7.2.2.2 Marcação gramatical de categorias temporais ............................................ 144
7.2.3 As representações da categoria aspecto/Aktionsart .......................................... 145
7.2.3.1 Marcação lexical e gramatical de Aspecto/Aktionsart ................................. 146
7.2.3.1.1 O Aspecto Gramatical ................................................................................. 147
7.2.3.1.2 O Aspecto lexical .......................................................................................... 150
7.2.4 O papel dos argumentos internos e dos adjuntos na aspectualidade ............... 154
7.2.5 O papel dos adverbiais na formação da noção de aspecto da sentença........... 155
7.2.6 Os advérbios na oposição pefektividade/duração .............................................156
7.3 Algumas possibilidades de representações mentais de tempo e de aspecto ... 158
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 167
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 177
15
1 INTRODUÇÃO
É cada vez mais expressivo o crescimento e desenvolvimento de pesquisas nas áreas
que investigam o status das categorias funcionais na gramática mental de indivíduos adultos.
Muitos desses estudos têm recebido contribuições de análises de gramáticas de crianças em
fase de aquisição de linguagem.
É dentro deste contexto que se insere esta pesquisa, a qual investigará a realização das
categorias – tempo e aspecto – por parte de crianças falantes do português e do alemão, como
primeira língua.
Adotamos o quadro teórico gerativista, cujos pressupostos nos levam a assumir que o
conhecimento linguístico é um objeto do mundo natural, conforme nos apontam Hauser,
Chomsky e Fitcher (2002).
A adoção de tal quadro teórico, nos leva ainda a realizar a pesquisa nos moldes
postulados pelos Princípios e Parâmetros, conforme indicado por Chomsky (1981) e
reafirmado em Chomsky (1995), em versão mais recente da teoria, que é o Programa
Minimalista (Chomsky, 1995).
Ao nos determos um pouco mais em estudos acerca da categoria flexional tempo,
podemos questionar se tal categoria pode ser cindida em tempo e aspecto. Tempo, de acordo
com Travaglia (1981, p.32), “situaria o momento de ocorrência da situação a que nos
referimos em relação ao momento da fala como anterior (passado), simultâneo (presente) e
posterior (futuro) a esse momento.”. Seria, de acordo com o autor, uma categoria dêitica
porque indica o momento da situação em relação à situação de enunciação. Já aspecto seria
diferenciado de tempo porque estaria ligado a diferentes formas de verificar a constituição
temporal interna da situação, ou seja, sua duração: se conclusa ou se inconclusa.
Nos estudos de Chomsky (1995) e em muitos outros feitos após a instauração do
Programa Minimalista, há a proposta de uma representação única abrigando a noção de
Tempo na gramática mental. Diante desses estudos, poderíamos nos fazer a seguinte pergunta:
caberia, neste contexto, uma representação da categoria tempo cindida em tempo e aspecto,
com base no fato de que, conforme trouxemos anteriormente, há entre eles diferença
conceitual relevante? Essa seria a nossa primeira pergunta.
Aliada a ela, podemos apresentar outros questionamentos, aos quais pretendemos
responder neste trabalho:
a) Como as categorias tempo e aspecto estão representadas na gramática mental das
crianças?
16
b) Ao analisarmos a aquisição da língua portuguesa e da língua alemã, quais são as
semelhanças e as diferenças observadas relativamente à aquisição de tempo e
aspecto?
c) Quais são as contribuições que o melhor entendimento do processo de aquisição de
tempo e de aspecto fornecem para uma teoria que visa a explicar o processo de
aquisição de linguagem e mesmo para uma teoria linguística?
Passamos, então, a explicitar os objetivos desta pesquisa. Como objetivo geral,
pretendemos estudar, na língua portuguesa e na língua alemã, a realização das categorias
tempo e aspecto, utilizando dados de crianças em fase de aquisição desses idiomas como
primeira língua.
Além disso, temos, como objetivos específicos, a verificação, nos dados de pesquisa,
do estabelecimento, para o PB e para a LA, da relação existente:
a) entre tempo e advérbio e entre aspecto e advérbio;
b) de aspecto lexical e gramatical.
Entendemos que estudos em aquisição de linguagem podem colaborar para o estado da
arte em dois principais pontos, quais sejam:
a) o melhor entendimento de como estão representadas as categorias funcionais, no
caso, tempo e aspecto, na gramática do adulto. Isto porque, se há a falta de algum
componente na produção linguística da criança que se distingue da produção
linguística do adulto, tal ausência nos diz algo sobre a representação de categorias
funcionais na gramática mental deste último indivíduo.
b) A melhor compreensão do desenvolvimento e do modo como as categorias
funcionais tempo e aspecto são representadas na gramática de crianças em fase de
aquisição de linguagem.
Após a explicitação dos objetivos e das justificativas para a implementação desta
pesquisa, apresentamos as hipóteses deste trabalho:
a) a camada flexional é dividida em pelo menos duas projeções: uma específica de
tempo e outra de natureza aspectual.
b) Para a representação do progressivo, a desinência aspectual –ndo, do português
brasileiro, tem papel semelhante ao de alguns advérbios na língua alemã.
Este trabalho foi realizado por meio de análise de dois corpus de domínio público, dos
quais buscamos gravações nas faixas etárias aproximadas às seguintes faixas de referência:
um ano e meio, dois anos, três anos e quatro anos. Desta forma, analisamos longitudinalmente
17
a produção da linguagem por parte de uma criança falante do português brasileiro e de uma
criança falante do alemão, assim organizadas:
a) Corpus com dados de crianças falantes da língua portuguesa – disponíveis na
biblioteca da UNICAMP, de propriedade do “Projeto Aquisição da Linguagem
Oral”, coordenado pela professora e pesquisadora Cláudia de Lemos no período de
1970-1980. Os dados estão disponíveis em fitas cassete e foram transcritos por
duas alunas de iniciação científica, coordenadas pela Professora Arabie Bezri
Hermont, da PUC Minas.
b) O corpus com dados de crianças falantes da língua alemã - disponíveis em meio
eletrônico, como parte do banco de metadados linguísticos OLAC.
Este trabalho está organizado da seguinte forma: Na primeira parte, temos cinco
capítulos. O capítulo I é introdutório. No segundo capítulo, apresentamos o quadro teórico no
qual este trabalho se baseia. Apresentaremos os pressupostos básicos acerca dos Princípios &
Parâmetros e do Programa Minimalista e trazemos uma abordagem acerca das categorias
funcionais sob a perspectiva gerativista. Nos capítulo III e IV, aprofundamos na abordagem
acerca das noções de tempo e de aspecto nas duas línguas que são objeto de nossa pesquisa.
Em seguida, no quinto, fazemos uma apresentação sobre a aquisição da linguagem com
alguns de seus pressupostos na linha gerativista, finalizando, com isso, a primeira parte. O
sexto capítulo inicia a segunda parte do trabalho. Nele descrevemos a metodologia utilizada
para a realização desta pesquisa e, no sétimo, trazemos nossas análises dos dados e os
resultados alcançados. No capítulo seguinte, finalizamos com algumas considerações
conclusivas.
18
2 QUADRO TEÓRICO ADOTADO
Neste capítulo, apresentamos alguns tópicos importantes dentro do quadro teórico
gerativista, adotado para esta pesquisa. Tais tópicos servem de base para a descrição e o
estudo do nosso objeto: a investigação das categorias tempo e aspecto, por parte de falantes
do português brasileiro e entre os falantes do alemão da Alemanha. Apresentamos também o
desenvolvimento dos estudos da flexão temporal dentro da Teoria dos Princípios e Parâmetros
(P&P) no âmbito do Programa Minimalista (PM).
O capítulo está organizado da seguinte forma: em 2.1, trazemos os conceitos básicos
da Teoria Gerativa, quais sejam: seu objeto de estudo, sua concepção de língua e de sua
aquisição. No tópico 2.2, trazemos uma abordagem que fundamenta o caráter biológico da
linguagem, nos moldes mais atuais da teoria gerativa. Em 2.3, apresentamos conceitos
básicos dentro do Programa Minimalista (CHOMSKY, 1995, 2000), que constituem o
arcabouço teórico básico desta tese, juntamente com a Teoria dos Princípios e Parâmetros
(CHOMSKY, 1981). Por fim, no último tópico, 2.4, fazemos uma sintética exposição do
estudo sobre as categorias funcionais, abordando a flexão verbal, na perspectiva gerativista,
segundo Chomsky (1998).
2.1 O estudo da linguagem na perspectiva gerativista
A teoria gerativa investiga fatores linguísticos estruturais das línguas naturais,
baseando-se na visão de que as línguas representam uma capacidade cognitiva com
organização específica e propriedades universais.
Essa perspectiva teórica, concebida como Gramática Gerativa (GG), é vista por muitos
estudiosos como um tipo de gramática formal que busca explicar as estruturas linguísticas.
Assim, a GG é considerada uma teoria formalista por conceber a faculdade da linguagem
como um sistema computacional que forma objetos sintáticos.
Desde sua criação, seu autor – Noam Chomsky – e outros pesquisadores vêm
buscando construir uma teoria científica da organização sintática das sentenças, como afirma
Mioto (2007). Para isso, a teoria vem passando por diversas transformações. Sem perder,
entretanto, seu objetivo de propor uma teoria que explica a natureza das gramáticas das
línguas naturais ao longo das décadas, a teoria passa por várias versões, sendo a mais recente
o Programa Minimalista, (RAPOSO, 1992, p.25).
Cyrino (2013) coloca bem os fundamentos dessa gramática internalizada:
19
A gramática gerativa baseia-se na visão de que as línguas naturais representam uma capacidade cognitiva com uma estrutura e uma organização específicas, possíveis de serem representadas. Essa estrutura cognitiva teria certas propriedades genéticas inatas, propostas como um sistema de princípios e regras, de caráter universal, que podem explicar como se adquire uma língua e também como se pode compreender frases nunca antes ouvidas. A teoria gerativa procura também formular hipóteses sobre a forma das gramáticas particulares. Esses princípios e regras, porém, segundo essa teoria, são sintáticos – a hipótese da autonomia da sintaxe – e são responsáveis pelo poder de produzir um número infinito de frases. Os componentes fonológicos e semânticos somente interpretam as sequências produzidas pela sintaxe. (CYRINO, 2013).
Conceituamos, agora, alguns tópicos específicos de importância fundamental dentro
da teoria gerativa, começando pela Faculdade da Linguagem (FLg) – propriedade da espécie
humana – vista sob uma perspectiva biológica da linguagem,que também integra uma visão
evolucionista, da qual nos ocuparemos um pouco mais adiante.
Segundo Radford (2004, p. 21-22), faculdade da linguagem é um conjunto de
princípios universais e um conjunto de parâmetros, os quais dizem respeito às variações
permitidas nas línguas naturais. A noção de princípios diz respeito às propriedades comuns a
todas as gramáticas, e a noção de parâmetros já diz respeito às propriedades que ganham
valores específicos de acordo com a língua em que são ativados. Em outras palavras,
enquanto os princípios são gerais, ou seja, padrões gerais válidos para todas as línguas
naturais, os parâmetros são propriedades que uma língua pode ou não exibir, sendo
responsáveis pela diferença entre os idiomas. Os parâmetros, por sua vez, não estão fixados
no momento em que o indivíduo nasce. Somente com a exposição da criança ao input
linguístico,eles vão sendo fixados, formando-se, assim, a gramática de uma língua, na mente
do indivíduo.
Radford (op. cit.) ressalta também que os princípios não têm que ser aprendidos, já
que são universais. A aquisição da linguagem infantil consiste apenas na fixaçãode um
conjunto de parâmetros.
Prosseguindo com a definição de outros tópicos, o gerativismo aponta-nos
propriedades essenciais que constituem a base de todas as línguas humanas, que são
determinadas pela Faculdade da Linguagem: é a chamada Gramática Universal (GU), que
concebe a teoria gramatical como regida pelo critério da universalidade, no sentido de que há
princípios gerais, capazes de explicar a organização das línguas naturais.
Outra definição que caracteriza a teoria gerativa é o conceito de gramática
internalizada, ou seja, conhecimento linguístico internalizado e tácito (não explícito). Nesse
viés, os falantes nativos teriam uma competência gramatical em sua língua nativa, assim
apontado por Hermont (2010):
20
Quando estudamos a competência gramatical de um falante nativo, nós estudamos o sistema cognitivo internalizado na mente/cérebro de um falante nativo. Esse sistema linguístico internalizado chama-se Língua-I e se opõe à língua-E, que está mais ligada ao desempenho. A competência é o conhecimento linguístico de um falante e o desempenho, o uso real que esse falante faz desse conhecimento. Dessa forma, a teoria da gramática proposta pelo gerativismo é regida pelo critério da universalidade, isto é, há princípios gerais que explicam a organização das línguas naturais. Temos, então, a Gramática Universal (GU), que corresponde às propriedades essenciais que constituem a base de todas as línguas humanas e é determinada por uma faculdade inata, codificada biologicamente. (HERMONT, 2010, p.73)
Assim sendo, a língua interna, de acordo com Chomsky (1986), é uma noção de
estrutura mental, que guia o falante na estruturação de suas próprias frases. Nessa concepção,
a gramática seria uma descrição dessa língua internalizada, que é um objeto a ser investigado
– daí a denominação gramática mental.
Chomsky (op. cit) considera como hipótese empírica inicial a língua interna como um
sistema de regras de um certo tipo; uma realização específica das opções permitidas pela GU,
fixada pela experiência.
A adoção da noção de um conhecimento linguístico inato nos leva ao conceito de
competência gramatical do falante nativo com relação à própria língua materna, ou melhor,
com relação à língua-I, que, como já foi visto, é um sistema linguístico internalizado. A
competência seria o conhecimento linguístico do indivíduo, envolvendo o conhecimento dos
princípios e regras da língua, como também a capacidade de reconhecer o que é ou não
gramatical dentro de um determinado sistema linguístico. A competência pode ser entendida,
ainda, como a possibilidade ilimitada que todos possuem de construir e compreender um
infinito número de frases (AIMARD, 1998, p. 33). Podemos dizer ainda que a competência
tem relação com o sistema linguístico ou língua que cada pessoa possui. Nessa linha de
raciocínio, o desempenho diz respeito a uma eficaz atuação do indivíduo para falar e
compreender uma determinada língua; é a capacidade que tem o indivíduo de elaborar um
número praticamente infinito de sentenças consideradas gramaticais em relação a um
determinado sistema linguístico.
Com relação ao caráter inconsciente do conhecimento linguístico, este pode ser visto
no ato de formar e interpretar expressões da língua como algo natural e automático, sem a
participação da consciência.
O caráter modular da língua é outra característica marcante no programa gerativo. A
ideia de modularidade surge da busca por entender em que consistia a estrutura da mente e
como eram organizadas as capacidades cognitivas, partindo do pressuposto de que o processo
21
de informação operava em "módulos", de forma relativamente independente uns dos outros.
Segundo Fodor (1983), ao longo de nossas vidas, haveria uma adaptação desses módulos ao
ambiente, e isso possibilitava a aprendizagem.
Para esse autor (op. cit.), a mente é modular e pressupõe uma relação entre o sistema
cognitivo central (que corresponderia a processos mentais hierarquicamente mais elevados, a
saber: pensamento, resolução de problemas, memória, raciocínio, julgamento, consciência,
humor, dentre outros) e teria acesso às informações advindas de sistemas de input (que
processam a informação, conforme veremos a seguir) e, posteriormente, verificam as
melhores hipóteses no que diz respeito ao mundo real. Para Fodor, existem seis tipos de input
– o auditivo, o visual, o paladar, o tato, o olfato (portanto, os cinco sentidos) e a linguagem.
Assim, o componente linguístico seria um sistema de input e sua principal característica, o
encapsulamento informacional.
Nesse contexto, é interessante apontarmos a concepção de Chomsky (1986, p.15, n.10)
em que há uma declaração de que é uma visão muito estreita considerar o “módulo da
linguagem” como um sistema de input da forma como faz Fodor (op. cit.). Chomsky (op. cit.)
propõe a suplementação do quadro com um sistema de output, em que tanto este quanto o
sistema de input teriam acesso a um sistema fixo de conhecimento, no qual estaria a
linguagem.
A Afasiologia Linguística1 traz argumentos bastante consistentes sobre o caráter
modular da linguagem. Fromkin (1997) defende a ideia da existência de um“módulo
linguagem”, fundamentando-se no fato de que há diversos tipos de afasia em que o paciente
que sofre um trauma cerebral e, embora tendo algum tipo de alteração em sua capacidade
linguística, permanece com outras habilidades cognitivas intactas; como pode acontecer
também de outro tipo de habilidade cognitiva sofrer alteração, ficando a capacidade
linguística intacta. Outro argumento em favor da modularidade pode ser visto nos estudos
neurolinguísticos que comprovam haver determinadas áreas do cérebro relacionadas à fala,
como a de Broca e a de Wernicke, por exemplo, como são mostradas na figura 1.
1 A Afasiologia linguística é uma área de estudos que se propõe a realizar uma análise das síndromes afásicas a
partir de um modelo do sistema linguístico do indivíduo neurologicamente intacto. Ela tem como objetivo, dentre outros, descrever quais os aspectos da linguagem e de seu processamento são afetados na gramática mental de um indivíduo depois de uma lesão cerebral. Nos últimos tempos, essa área tem ganhado destaque, uma vez que a Linguística Gerativa, na busca de comprovação de suas hipóteses, faz uso de várias fontes de dados, e muitos deles, nos últimos anos, advêm dos estudos neurolinguísticos, notadamente aqueles derivados de pesquisas empreendidas em Afasiologia Linguística.
22
Figura 1- Áreas do cérebro responsáveis pela linguagem: Broca e Wernicke
. Fonte: GOMES, 2009
Elas ilustram o caráter modular da linguagem, ao apontar haver partes do cérebro
exclusivas da linguagem. A Área de Broca é a parte do cérebro humano responsável pela
produção da linguagem. Já a Área de Wernicke é uma região do cérebro responsável pelo
conhecimento, interpretação e associação das informações.
Segundo Augusto (2013, p. 278), a seletividade em relação a comprometimentos
cognitivos ou linguísticos aponta também para a adequação de se hipotetizar um módulo
especialmente dedicado à linguagem na mente humana, sugerindo haver uma dissociação
entre domínios cognitivo e linguístico.
Augusto (2006) assinala também que o arcabouço teórico do Gerativismo assume uma
visão modular da cognição humana. “A linguagem está relacionada a um módulo
especificamente linguístico e a relação com outros domínios cognitivos é apenas indireta.”
Scarpa (2001) associa a questão da modularidade à aquisição da linguagem:
Uma outra decorrência do inatismo linguístico é a modularidade cognitiva da aquisição da linguagem: o mecanismo de aquisição da linguagem é específico dela, não exibindo interface óbvia com outros componentes cognitivos ou comportamentais. A relação entre a língua e outros sistemas cognitivos, como a percepção, a memória e a inteligência, é indireta, e a aquisição da linguagem – ou o desencadeamento da Gramática Universal junto com a fixação de parâmetros – não depende, necessariamente, de outros módulos cognitivos, muito menos de interação social. (SCARPA, 2001, p. 209-10).
23
Posto tudo isso, podemos verificar, no quadro teórico gerativista, que a língua é
também concebida dentro de uma perspectiva biológica, com sistemas específicos, como
aprofundamos a seguir.
2.2 O caráter biológico da linguagem
É importante destacar que, na concepção gerativista, a linguagem é parte do ser
humano, e, por isso, tem um caráter biológico. Dessa forma, o objeto da Linguística é a
gramática que está na mente do homem, ou melhor, na mente dos falantes de um modo geral,
e a investigação, nos moldes dessa perspectiva teórica, então é totalmente voltada para a
linguagem internalizada.
Nesse ponto de vista, podemos afirmar que o ser humano possui na mente algo que o
distingue das demais espécies: uma faculdade da linguagem (FLg), em seu aparato genético, à
qual já nos referimos anteriormente e que é entendida como um componente específico da
mente humana. O estado inicial da FLg é determinado biologicamente, e o seu estado final
estável é a gramática de uma determinada língua ou Língua-I. Uma analogia de Miotto (2007)
explicita um pouco esse modelo:
[...] mesmo não sabendo exatamente como a substância física do cérebro produz a percepção de formas ou cores, por exemplo, parece claro que a mente humana lida com essas informações de maneira extremamente ágil e eficiente. O mesmo se pode dizer então sobre a linguagem: apesar de não sabermos muito sobre o funcionamento físico do cérebro e das sentenças que produzimos, é plausível supor que algo tem realidade ali, de tal modo que a mente humana é capaz de processar um sistema complexo e sofisticado, como uma língua natural. (MIOTTO, 2007, p. 23).
Na concepção chomskyana mais recente, o PM – que detalharemos mais adiante, na
seção 2.3 –, o indivíduo conta com sistemas de desempenho, dos quais fazem parte de fato
dois tipos de sistema: o de pensamento e o sensório-motor. O sistema de pensamento é o
sistema conceitual intencional (C-I), que é o nível da forma lógica (FL). Já o sistema sensório-
motor é o sistema articulatório-perceptual (A-P), que é o nível da forma fonética - FF.
Segundo Chomsky (2004),
In our terms, the expressions generated by a language must satisfy two interface conditions: those imposed by the sensorimotor system and by the conceptual-intencional system that enters into the human intellectual capacity and variety of speech acts. (CHOMSKY, 2004, p. 10)2.
2 Em nossos termos, as expressões geradas por uma linguagem devem satisfazer duas condições de interface:
aquelas impostas pelo sistema sensório-motor e pelo sistema conceptual-intencional que entra na capacidade intelectual humana e na variedade de atos de fala.(Tradução nossa).
24
O indivíduo também conta com um sistema computacional, do qual fazem parte
princípios sintáticos, responsáveis pela geração de estruturas da língua, em um número
infinito de frases. Os componentes fonológico e semântico somente interpretam as sequências
produzidas pela sintaxe. O trabalho de Hauser, Chomsky & Fitch (2002) tem sido um marco
nos estudos do caráter biológico da linguagem, revolucionando a concepção de linguagem. Os
referidos autores têm se referido ao sistema computacional como FLN (Faculty of Language
in the narrow sense) e ao conjunto dos sistemas cognitivos com os quais FLN faz interface
como FLB (Faculty of language in the broad sense),
Devido à importância desse trabalho no cenário do gerativismo, dedicaremos a
próxima seção ao detalhamento dessa concepção.
2.2.1 Concepção de linguagem, segundo Hauser, Chomsky e Fitcher (2002)
Uma vez que o nosso trabalho compartilha da visão de linguagem como componente
da mente, sendo estudada em sua perspectiva internalizada, trazemos, nesta seção, o aparato
téorico no qual essa visão se apoia, assinalando como a linguagem é cientificamente
concebida no âmbito do mundo natural. Devido à importância do assunto, que retrata uma
mudança de foco na concepção de linguagem, fazemos, nesta seção, um resumo dessa nova
perspectiva, ou melhor, um apanhado dos fundamentos, com suas explicações sobre os
argumentos que sustentam a concepção da chamada biolinguística.3
Hauser, Chomsky e Fitcher (2002) tratam da concepção de linguagem dentro de uma
abordagem evolucionista, buscando criar um fortalecimento entre a Linguística e a Biologia.
Nessa perspectiva, fazem uma distinção entre Faculdade da Linguagem em Sentido Amplo
(FLB) e em Sentido Restrito (FLN)4, como vemos a seguir.
Faculty of language broad sense (FLB) includes an internal computational system
(FLN, below) combined with at least two other organism-internal systems, which we
call “sensory-motor” and “conceptual-intentional.” Despite debate on the precise
nature of these systems, and about whether they are substantially shared with other
vertebrates or uniquely adapted to the exigencies of language, we take as
uncontroversial the existence of some biological capacity of humans that allows us
(and not, for example, chimpanzees) to readily master any human language without
explicit instruction. FLB includes this capacity, but excludes other organism internal
3 Biolinguística - Campo de estudo interdisciplinar, que se insere nas ciências naturais, a Biolinguística pode ser
definida como o estudo da biologia da evolução da língua. Busca representar uma estrutura pela qual se pode compreender os fundamentos da faculdade da linguagem. (CHOMSKY, 2004)
4 FLN e FLB vêm do inglês Faculty of language - Narrow sense e Faculty of language – broad sense, respectivamente.
25
systems that are necessary but not sufficient for language (e.g., memory, respiration,
digestion, circulation, etc.).Faculty of language narrow sense (FLN) is the abstract
linguistic computational system alone, independent of the other systems with which
it interacts and interfaces. FLN is a component of FLB, and the mechanisms
underlying it are some subset of those underlying FLB.(HAUSER, CHOMSKY E FITCH, 2002, p.2)5.
A figura 2 mostra a relação das duas faculdades da linguagem na mente humana.
Figura 2 – Faculdades da Linguagem: Faculdade da linguagem em sentido restrito está inserida na Faculdade da linguagem em sentido amplo
Fonte: autora da tese
É importante ressaltar que, nessa proposta de investigação, o problema da evolução da
linguagem é abordado a partir de um método comparativo, que os autores consideravam uma
poderosa abordagem para esse estudo, uma vez que são usados dados empíricos a partir de
espécies vivas, para desenhar detalhadas influências ancestrais. Esse método foi a ferramenta
primeira usada por Darwin e, segundo os autores, continua a ter um papel central na Biologia
evolucionária.
Hauser et al. (op. cit.) chamam a atenção para o fato de que, quando se estuda sobre a
função do processamento da linguagem unicamente em humanos, é necessário também
verificar dados que indiquem que o traço em estudo não esteja presente em nenhum outro
animal. Os autores salientam ainda que, embora isso pareça óbvio, é comum de se verem
afirmações sobre traços presentes somente em humanos, sem a presença de qualquer dado
comparativo com outras espécies. Como exemplo, os pesquisadores citam a percepção
5 Faculdade de linguagem de sentido amplo (FLB) inclui um sistema computacional interno (FLN, abaixo)
combinado com pelo menos dois outros sistemas de organismo-internos, que chamamos de "sensório-motor" e "conceitual-intencional." Apesar de o debate sobre a natureza exata desses sistemas e sobre se são substancialmente compartilhados com outros vertebrados ou adaptados exclusivamente para as exigências da linguagem, tomamos como incontroversa a existência de alguma capacidade biológica dos seres humanos que nos permite (e não, por exemplo, os chimpanzés) para facilmente dominar qualquer linguagem humana, sem instrução explícita. FLB inclui esta capacidade, mas exclui outros sistemas internos do organismo que são necessários, porém não suficientes para a linguagem (por exemplo, memória, respiração, digestão, circulação, etc.) Faculdade da linguagem de sentido estreito (FLN) é o resumo do sistema computacional linguístico sozinho, independente dos outros sistemas com os quais interage e interfaces. FLN é um componente da FLB, e os mecanismos subjacentes a ela são também um subconjunto subjacente à FLB.
FLB
FLN
26
categorial, que não é um traço só humano, mas que aparece também em macacos, pássaros,
sendo, enfim, uma característica primitiva dos vertebrados.
Voltando à FLN, os autores adotam uma concepção particular de sua arquitetura,
segundo a qual há um componente-chave da faculdade da linguagem (FLg) no sentido
restrito, que é o sistema computacional (sintaxe restrita). Esse sistema gera representações e
mapas internos dentro das interfaces sensório-motoras, pelo sistema fonológico e, dentro da
interface conceitual-intencional, pelo sistema semântico (formal). Cada uma das expressões
discretas do conjunto infinito de expressões produzidas pela FLN é passada aos sistemas
sensório-motor e conceitual-intencional, que processam e elaboram essa informação no uso da
linguagem.
Segundo os autores, a Faculdade da Linguagem em Sentido Restrito, FLN, inclui, no
mínimo, a capacidade de recursão6, com sua propriedade de poder encaixar, de forma infinita,
novos elementos a uma sentença, fazendo da linguagem análoga aos números naturais. Hauser
et al. (2002) também atentam para o fato de muitos aspectos da Faculdade da Linguagem em
Sentido Amplo, FLB, serem compartilhados com outros vertebrados. Nesse caso, porém, falta
na comunicação animal algo como o aspecto recursivo nuclear da FLN ou Faculdade da
linguagem em sentido restrito. Baseado nessa ideia, os pesquisadores levantam a hipótese de
que a FLB estaria fundamentada em mecanismos compartilhados com animais não humanos,
e de que a FLN seria única na espécie humana, sendo o mecanismo computacional da
recursão o único de nossa espécie.
A figura 3 mostra a configuração das duas faculdades da linguagem no ser humano. A
FLB, ou FLSA no português, englobando a FLN ou FLSR, responsável pela recursão -
propriedade da linguagem.
6 A recursão é o processo em que um dos passos de seu procedimento envolve a repetição completa do mesmo
procedimento. Em outras palavras, uma língua teria capacidade gerar categorias que apresentariam a mesma categoria dentro de si. (Cf. Golçalves, 2007)
27
Figura 3 – Organism Internal A schematic representation of organism-external and -internal factors related to the faculty of
language. FLB includes sensory-motor, conceptual-intentional, and other possible systems
(which we leave open); FLN includes the core grammatical computations that we suggest are
limited to recursion.
Fonte: HAUSER, CHOMSKY; FITCH, 2002, p.15707
Aprofundando um pouco mais na linguagem caracterizada como objeto do mundo
natural, descrevemos alguns pontos que levaram Hauser et al.(op. cit.) a formularem essa
hipótese e apontamos que muito da complexidade manifestada na linguagem é derivada da
complexidade nos componentes periféricos da FLB, especialmente os que delineiam as
interfaces sensório-motora e conceptual-intencional, combinado com as contingências do
aspecto sociocultural e comunicativo.
Segundo Hauser et al. (2002), para se compreender o complexo sistema da FL, são
necessárias análises comparativas e, na hipótese que apresentam, a FLB contém um campo de
variedades de mecanismos cognitivos e perceptuais compartilhados com outras espécies.
Entretanto, somente aqueles mecanismos delineados na FLN, particularmente a capacidade
para a recursão, são unicamente humanos. Isso inclui operações internas e a interface com
outros sistemas do organismo interno da FLB.
Quando os autores fazem uma descrição mais profunda da evidência comparativa da
Faculdade da Linguagem, falam de uma habilidade humana que tem recebido pouca atenção:
a capacidade humana para a imitação vocal. Segundo os pesquisadores, a imitação é,
7 Representação esquemática dos fatores externos e internos ao organismo relacionados com a faculdade de
linguagem. A FLSA engloba os sistemas sensório-motor, conceptual-intencional e outros sistemas alternativos, que deixamos em aberto; A FLSR engloba as computações gramaticais centrais que, sugerimos, são limitadas à recursividade. (tradução nossa).
28
obviamente, um componente necessário da capacidade humana para adquirir um léxico
compartilhado e arbitrário, sendo a capacidade de imitar um pré-requisito crucial para a
Faculdade da Linguagem no Sentido Amplo, FLB, como um sistema comunicativo.
Porém, em suas observações comparativas, notaram que a imitação vocal e a
aprendizagem não eram unicamente humanas. Ricas capacidades imitativas multimodais
havia em outros mamíferos e outras espécies, por exemplo, nos golfinhos e em alguns
pássaros. Notam também mais dois aspectos: não havia essa capacidade em primatas e só os
golfinhos e os seres humanos são capazes de imitar em múltiplas modalidades. Por outro lado,
apenas os seres humanos são capazes de perder uma modalidade, como, por exemplo, a
audição, e compensar essa deficiência pela comunicação com competência em uma
modalidade diferente.
Merece destaque o fato de que estudos como esses mostram quão diferentes devem ser
os mecanismos da produção de sons e de gestos, por exemplo. Nessa perspectiva, os
pesquisadores chamam a atenção sobre a necessidade de haver uma correlação neural para
cada habilidade existente, uma vez que a simples presença de uma habilidade determinada,
como a imitação, por exemplo, não é capaz de presumi-la.
2.2.2 Aprofundando a investigação da linguagem humana
Como o objeto de nosso estudo se encontra também no âmbito da sintaxe, gostaríamos
de salientar alguns aspectos da linguagem como objeto do mundo natural, que se encaminham
para as computações do sistema, as quais dizem respeito às regras.
Hauser, Chomsky e Fitcher (2002) pensam a linguagem humana, considerando as
palavras e os procedimentos computacionais como construtos para expressões que se
estruturam a partir delas, tendo, nesse panorama, o sistema computacional uma propriedade
recursiva, a qual já foi delineada anteriormente.
O caráter científico do trabalho de Hauser et al. (2002) ganha seu realce quando os
autores chamam a atenção para o fato da diferença de como surge a fala nas crianças e nos
animais. No ser humano, a forma de construção do léxico é tão diferente de outro primata que
se coloca a possibilidade da existência de um mecanismo evoluído independente. É nesse
momento da investigação que os pesquisadores apontam para o fato de não se ter dado muita
atenção ainda ao que eles chamam de 'núcleo da linguagem': a capacidade para um poder
expressivo sem limites. Segundo eles, uma astronômica variedade de sentenças que qualquer
usuário de linguagem natural pode produzir e entender tem uma implicação para a aquisição
29
da linguagem, uma vez que a criança é exposta a somente uma porção de possíveis sentenças
na sua língua. Para os autores, esse ponto tem implicações lógicas para qualquer sistema que
tenta adquirir uma linguagem natural na base de dados naturais. Por outro lado, é importante
notar também que, ao contrário dos seres humanos, os animais não apresentam a capacidade
de criar sistemas gerativos.
Hauser et al. (2002) apontam recentes trabalhos em Linguística Computacional que
sugerem que podemos pensar a linguagem como um sistema de regras colocadas dentro de
uma hierarquia de complexidade crescente. No mais baixo nível da hierarquia, estão os
sistemas de regras limitadas às dependências locais, à subcategoria da chamada 'gramática dos
estados finitos'. Por outro lado, as línguas naturais, segundo os autores, vão além disso.
As línguas naturais vão além da estrutura local, incluindo uma capacidade para um
recursivo encaixamento de frases dentro de frases, o qual podemos conduzir para
regularidades estatísticas, que são separadas por um número arbitrário de palavras ou frases.
Tais relações hierárquicas de longa distância são encontradas em todas as línguas naturais,
para as quais, no mínimo, uma gramática de estrutura de frase é necessária. Segundo os
autores, essa é uma observação “fundamental” da moderna Linguística Gerativa que prevê
que uma gramática deve incluir tais capacidades.
Dentro da perspectiva da hipótese apresentada por Hauser et al., as interfaces entre os
sistemas conceitual-intencional e sensório-motor seriam a evolução de um sistema
computacional que os liga. Nota-se que aqui é aberta a abordagem evolucionista para o estudo
da faculdade da linguagem e, segundo os pesquisadores, é necessário ainda muito estudo
interdisciplinar para o esclarecimento desse problema.
Desde essa publicação, muitos pesquisadores vêm se servindo desse estudo para o
avanço em suas pesquisas.
Para finalizar, retomamos a concepção assinalada no artigo sobre a FLB ser, em sua
maior parte, senão toda, compartilhada com outras espécies, enquanto que a FLN é única para
os humanos. E é nesse ponto de vista que fundamentamos o nosso estudo nesta tese.
2.3 O Programa Minimalista (PM)
O Minimalismo é um programa proposto mais recentemente por Chomsky (1988b,
1991, 1992, 1995, 1998 e 1999), conforme verifica-se a seguir:
Podemos dizer que o PM possui duas vertentes: uma vertente teórica, assente numa filosofia particular da mente e das suas relações com a linguagem, e uma vertente metodológica, assente numa disciplina conceptual estrita. Nos dois casos, a ideia-
30
chave é a mesma: remover do modelo aquilo que não é estritamente necessário [...] Na vertente teórica, o PM pergunta até que ponto é que existem bases empíricas para uma concepção <<mínima>> da linguagem, isto é, reduzida àquelas propriedades que são conceptualmente necessárias, e sem as quais o objeto estudado não poderia ser uma linguagem humana. Na sua vertente metodológica, o PM procura simplificar análises, eliminar estipulações descritivas e outras soluções de <<engenharia linguística>>, e abordar problemas perenes de frente, sem rodeios. (CHOMSKY, 1995, p. 23 e 24).
O PM assume, basicamente, o quadro teórico da abordagem de Princípios e
Parâmetros - P & P (Chomsky, 1981, 1982, 1986) -, mas introduz princípios de economia que
têm como consequência uma reestruturação do modelo da gramática. Seguindo o modelo
P&P, o Programa Minimalista continua a estipular condições sobre as representações, só que
agora estas são restritas somente aos dois níveis de interface conceitualmente necessários: a
Forma Fonética (FF) e a Forma Lógica (FL), conforme já sinalizamos ao final da última
seção. A forma da gramática passa, então, a ser a seguinte: o léxico especifica os itens, com
suas propriedades idiossincráticas, que entram no sistema computacional, conforme diagrama
a seguir.
Figura 4 – Arquitetura da linguagem
LÉXICO
SISTEMA COMPUTACIONAL
SPELLOUT
FORMA FONÉTICA FORMA LÓGICA
REPRESENTAÇÃO FONOLÓGICA REPRESENTAÇÃO SEMÂNTICA
INTERFACE SENSÓRIO-MOTOR INTERFACE CONCEPTUAL INTENCIONAL
Fonte: elaborado pela orientadora da tese
Assim, são assumidos dois níveis de representação para uma sentença da língua:
Forma Fonológica (FF) e Forma Lógica (LF), que fazem interface com os sistemas de
desempenho: respectivamente, o sistema sensório-motor e sistemas conceituais-intencionais.
31
Chomsky (1992, 1994) adota os já referidos níveis de interface de representação
linguística, propondo também que forneçam "instruções" para os sistemas articulatório-perceptual
(nível da Forma Fonética, FF) e conceptual-intencional (nível da Forma Lógica, FL, doravante). A
língua estaria encaixada nesses sistemas de "performance", que permitem que sua expressão seja
usada para articulação, interpretação, referência, inquisição, reflexão etc. (CHOMSKY, 1992,
p.2).
Na perspectiva minimalista, cada língua tem em seu léxico todas as informações
referentes aos seus parâmetros, as quais estão codificadas como conjuntos de traços que
apresentam as propriedades fonológicas, semânticas e gramaticais. Essas propriedades são
representadas por traços formais como gênero, número, pessoa, caso, entre outras. Haveria,
ainda, o sistema computacional, ao qual já nos referimos, composto por uma série de
operações do tipo: Select, Merge, Agree, Move8. Essas operações atuariam sobre um conjunto
de itens lexicais selecionados (os traços formais gramaticais dos itens lexicais que entram na
sentença), denominado Numeração.
A seleção dos itens lexicais e de seus respectivos traços para a formação da
Numeração é que determina a atuação do sistema computacional. Por outro lado, é a operação
de Merge que realiza a combinação dos elementos, concatenando-os de dois a dois. A
operação Agree, por sua vez, organiza a associação de traços tanto interpretáveis quanto não
interpretáveis. Rodrigues e Augusto (2009) assinalam acerca dessa operação que
a imposição de interpretabilidade dos traços, advinda dos sistemas de interface, impõe ao sistema computacional o acionamento da operação Agree. Traços interpretáveis e não interpretáveis de mesmo tipo podem ser associados a categorias que serão relacionadas no decorrer da derivação sintática por meio dessa operação. (RODRIGUES E AUGUSTO, 2009, p. 137).
Outra operação que entra em cena é a operação Copy + Merge. Essas duas, associadas,
fazem com que as cópias dos elementos deslocados sejam geradas, porém não pronunciadas
no output fonético, embora suas interpretações possam ser relevantes para o componente
semântico, no local em que foram originadas.
Prosseguindo com as definições que vão embasar o programa gerativista, descrevemos
sinteticamente alguns pontos importantes da teoria P&P, assumida pelo PM. Além disso,
daremos ênfase às categorias tempo e aspecto – objeto de nosso trabalho.
8 Segundo Echo (2007), Move é denominado “merge interno”.
32
2.3.1 A teoria dos Princípios e Parâmetros (P&P) e a representação de tempo e aspecto
nessa perspectiva
A teoria P&P, modelo teórico do gerativismo, é uma evolução dentro da teoria gerativa9
que se destaca pela noção de princípios (entidades que visam a explicar as propriedades
comuns a todas as línguas) e de parâmetros (que são também entidades abstratas e que
ganhariam valores específicos dependendo da língua em que são ativados). Chomsky (1995)
assinala:
A Teoria dos Princípios e Parâmetros (P&P) não é um sistema teórico articulado de modo preciso, mas uma abordagem particular de problemas clássicos do estudo da linguagem, guiada por determinadas ideias-chave que vêm tomando forma desde as origens da Gramática Gerativa moderna, há cerca de 40 anos. (CHOMSKY, 1995, p. 51).
A Teoria dos Princípios e Parâmetros, segundo Cyrino (2013, p.9), pesquisa princípios
que sejam universais e parâmetros relacionados a esses princípios. De acordo com Hermont &
Lima (2010):
Os princípios seriam propriedades universais, inatas, codificadas biologicamente. Portanto, tais princípios especificariam as formas de gramáticas humanas possíveis. Para cada princípio haveria um parâmetro, com valores binários (positivo e negativo), a ser fixado. A criança, por exemplo, ao adquirir a sua língua materna, fixaria o valor desse parâmetro, ligando-o a um princípio da faculdade da linguagem. A título de exemplo: um dos princípios da Gramática Universal seria o que especifica que toda sentença das línguas humanas tem um SN sujeito e um SV predicado. Entretanto, haveria possibilidade de fazer-se uma escolha: ou fixar positivamente o parâmetro do sujeito nulo (tal como ocorre em línguas como o italiano) ou fixá-lo negativamente (como na língua inglesa, em que não se admite uma sentença sem o sujeito). (HERMONT & LIMA, 2010, p.33).
Esse estudo enfoca a investigação da sintaxe das línguas, buscando estabelecer como
as línguas particulares refletem a Gramática Universal.
Já dissemos que a Teoria Gerativa busca construir um arcabouço teórico sobre a
organização sintática das sentenças, assunto sobre o qual discorreremos a seguir.
2.3.1.1 A organização sintática das sentenças na Teoria Gerativa
As propostas que visam a compreender a representação da sentença na Teoria
Gerativa, vêm sofrendo alterações, uma vez que o gerativismo não é uma teoria finalizada,
9A Teoria Gerativa passa por diversas fases. É inaugurada em 1957, com a obra Syntactic Structure (Estruturas
Sintáticas), e mais desenvolvida, em 1965, com a chamada Standard Theory (Teoria Padrão). Em 1970, o modelo é evoluído para a Extended Standard Theory (Teoria Padrão Estendida) e, novamente modificado, no período de 1981 a 1986, na chamada Teoria da Regência e Ligação (TRL). Em 1989, como evolução natural desta última teoria, surge o Modelo de Princípios e Parâmetros, e, por último, em 1995, surge a versão mais recente da teoria: o Programa Minimalista.
33
estando ainda em construção. Nesta tese, adotamos uma notação que, mesmo muitas vezes
não correspondendo ao modelo mais atual, é também bastante utilizada por grandes
estudiosos e pesquisadores da área. Tal escolha obedece a questões didáticas, para mantermos
a clareza conceitual do modelo, como veremos mais adiante.
O gerativismo concebe as sentenças sendo construídas por operações de “merge” – em
português, concatenar – combinando pares de constituintes, que formam um constituinte
maior. Cada um desses pares é encabeçado por um núcleo, que determina as propriedades
gramaticais e semânticas do constituinte. Esse núcleo tem ainda um complemento e pode ser
regido por um especificador, conforme verificamos abaixo:
(1) SX
Esp10 X’
X(núcleo) Complemento
do núcleo
Representações arbóreas como em (1) são utilizadas pela concepção gerativista para
análise de sentenças (ou “phrases”, do inglês). A árvore acima ilustra um importante princípio
da teoria gerativa: o de que todo sintagma tem um núcleo X (projeção mínima), que determina
as relações internas de um constituinte. O núcleo une-se, por merge, ao complemento,
formando a projeção X’ (projeção intermediária). Um especificador se junta a uma projeção
em que já estão unidos “núcleo” e “complemento”, o X’, formando a projeção máxima (XP).
Em Chomsky (1994), a teoria X' é questionada e, portanto, é eliminada a projeção
intermediária. Apenas as projeções máximas e núcleos seriam necessários ao sistema
computacional. De acordo com essa perspectiva, as categorias sintáticas, por sua vez, seriam
conjuntos de traços, propriedades substantivas com algum valor dado. Embora o PM tenha
eliminado a notação X’, a maioria dos autores ainda a mantém, e nós também a manteremos,
por questões didáticas e também por concordarmos com a visão de Cyrino (2013):
O programa é "minimalista" porque pretende propor mecanismos que sejam necessários conceptualmente. Por exemplo, a teoria X' é ainda necessária, pois é quase incontroverso que há categorias sintagmáticas nas línguas, e também é necessário que se distinga, num sintagma, o núcleo de seu complemento, e algum "resíduo", por suas propriedades intrínsecas. Assim, no sintagma:
10 Esp vem da tradução de Spec, referindo-se ao especificador (specifying, do inglês)
34
(2) a fotografia de Maria não há controvérsia de que há um núcleo ("fotografia"), um complemento ("Maria") e "resíduos" (o artigo "a", a preposição "de") [...]. A teoria X' nos diz sobre a relação núcleo-complemento, assim como sobre a relação resíduo-núcleo (especificador-núcleo) e sobre a relação núcleo-núcleo. O objetivo do programa é procurar mostrar que isso é só o que se precisa. (CYRINO, 2013, p. 10).
Em (2) exemplificamos pelo diagrama arbóreo a representação da sentença o menino
bonito.
(2) SN
Spec N’
N Complemento
O menino bonito
Desenvolvemos, a seguir, a ideia de núcleo, que nós entendemos servir de base às
noções que a Teoria Gerativa sustenta sobre as categorias tempo e aspecto.
2.3.1.2 O papel do núcleo na Teoria Gerativa
Nessa teoria, todas as relações são estabelecidas a partir do núcleo, que normalmente é
representado pela variável X. Por isso, para a realização do estudo de um constituinte, é
importante identificar seu núcleo, as relações que se estabelecem a partir dele, bem como os
outros constituintes que desempenham algum papel nessas relações.
É importante salientar que os núcleos podem ser foneticamente pronunciados ou não
(núcleo vazios) e podem ser de natureza lexical ou funcional, como veremos a seguir.
Núcleos Lexicais
Os núcleos lexicais são definidos por palavras de conteúdo descritivo. São definidos
pela combinação de apenas dois traços distintivos fundamentais: traços nominais [N] e
verbais [V], aos quais são associados valores + ou -, fornecendo-nos a combinação a seguir:
35
Quadro 1 - Núcleos Lexicais [+N] [-N]
[+V] Adjetivo Verbo
[-V] Nome Preposição
Nome Verbo Preposição Adjetivo
Amor
[+N, -V]
Amar
[+V, -N]
Sobre
[-V, -N]
É amada – adj.
Tem amado – partic.
[+N, +V]
Fonte: Elaborado pela autora da tese
As línguas têm como núcleos lexicais as categorias nome (N), adjetivo (A), verbo (V)
e preposição (P), que compõem as projeções máximas: sintagma nominal (SD), sintagma
adjetival (SA), sintagma verbal (SV) e sintagma preposicional (SP). As projeções
intermediárias podem ou não selecionar argumentos, enquanto que as projeções máximas
podem ou não selecionar especificadores (que só pode haver um por projeção).
Núcleos Funcionais
Os núcleos funcionais, ao contrário dos núcleos lexicais, não selecionam argumentos,
embora encabecem constituintes, tenham também um complemento e possam dispor de um
especificador. Tanto as posições de núcleo quanto a de especificadores são posições a serem
ocupadas por constituintes dotados de traços compatíveis com o núcleo.
Em se tratando da representação dessas categorias na sentença, faremos um breve
relato das diferentes representações que foram assumidas no percurso gerativista.
Inicialmente, no modelo P&P, são consideradas categorias funcionais o Complementizador
(Comp) e a Flexão (Infl, do inglês Inflection). A categoria funcional Infl marca propriedades
do verbo (V) que definem:
A) se a sentença é finita ou não [+/- finito] e [+/- tempo].
Se a oração é finita, então
A1) Infl terá o elemento Agr (de Agreement, concordância)
36
e, portanto, terá
A1.1) Conjunto de traços de pessoa, número e gênero (traços-phi).
Segundo Mioto et al. (1999, p. 63), a projeção IP, referente ao sintagma flexional, dá
ao constituinte verbal o estatuto de sentença. Já Radford (2004) sinaliza-nos que é a categoria
Comp (Complementizer, Complementizador) - outra categoria funcional que abriga os
elementos que introduzem as sentenças encaixadas - que daria um estatuto de sentença.
Assim, tanto uma sentença encaixada quanto uma sentença principal teriam um COMP. Neste
último caso, o COMP seria foneticamente nulo.
Pollock (1989) propõe Cisão de IP em Sintagma de Tempo(TP) e em Sintagma de
Concordância (AgrP), isso porque seriam consideradas categorias funcionais distintas.
A divisão de IP em TP e AgrP gera uma discussão sobre sua representação estrutural.
Pollock (op. cit.) propõe que TP domine AgrP. Belletti (1990) já defende a ideia de que é
AgrP que domina TP. Chomsky (1995), então, propõe um núcleo Agr referente à
concordância com o sujeito (Agr-S) e um núcleo Agr referente à concordância com o objeto
(Agr-O).
Em Chomsky (1995), abole-se o sintagma de concordância por haver um
entendimento de que as informações aí contidas não seriam necessárias para a interface
semântica. Sendo assim, tais informações teriam que ser apagadas no sistema computacional e
não há necessidade de terem um status na árvore sintática. As noções de concordância verbal
estariam, de algum modo, alojadas em TP. A notação IP, embora ainda utilizada por alguns
estudiosos, vem sendo substituída na literatura da área por TP, em português ST.
As categorias funcionais correspondem às categorias gramaticais. São elas C (também
denominada Comp – de complementizador), T (Tempo) e D (Determinante)11. No caso, em
particular, da categoria funcional T, o papel reservado à sua projeção, ou seja, a posição de ST
é o de complemento de C, assim como o papel reservado à projeção da categoria lexical V, o
VP, é o de complemento de v.
Nesta seção vimos que, na teoria gerativa, o núcleo exerce um papel importante na
estruturação da sentença e que há dois tipos de núcleos: os funcionais e os lexicais. Estes
11Abney (1987) propõe que o Sintagma Nominal (NP) seja inserido na estrutura da oração como um
complemento de uma projeção funcional que ele vai chamar de Sintagma Determinante (DeterminerPhrase, DP). Com relação às notações utilizadas aqui e também no decorrer desta tese, é importante lembrar que, estando grande parte da literatura gerativista em língua inglesa, é comum, ao invés da notação S, de sintagma em português, encontremos P, que de Phrase em inglês. Sendo assim, CP, TP, NP, VP, DP, correspondem, respectivamente a SC, ST, SN, SV, SD.
37
últimos selecionam os argumentos, enquanto que os núcleos funcionais encabeçam
constituintes, têm complemento e podem ter ou não especificadores. Na próxima seção,
aprofundamos um pouco na composição das estruturas sintagmáticas na teoria gerativa.
2.3.1.3 A representação da sentença na perspectiva gerativista
A sentença, sob o enfoque do gerativismo, apresenta uma configuração sintática de
seus constituintes, colocada dentro de uma relação hierárquica, que, como já vimos, é
constituída a partir de um núcleo – lexical ou funcional.
Em (3),é mostrada a representação completa das diferentes categorias, que são
exemplificadas em (4) por meio da sentença “a criança sorriu”.
(3) SC
C ST
Spec T’
T Sv
Spec v’
v SV
Spec V’
V SD
Spec Ø
Esta é a base de formação de sentenças na Teoria Gerativa, e nela está a categoria
tempo, que, como vimos, pode funcionar como núcleo de um constituinte. Nessa concepção,
na representação de uma sentença temos o sintagma complementizador; abaixo dele o
38
sintagma temporal, onde é realizada a flexão do verbo. Há no ST também as posições de:
especificador do sintagma, a posição de núcleo de ST, que, no caso do exemplo citado, é onde
estão os traços de tempo e de concordância, ou seja, é o local em que está codificada sua
desinência, trazendo as informações de tempo, de pessoa, de número. O complemento do
sintagma de tempo é sempre o sintagma verbal (Sv) e, nessa estrutura, há ainda uma posição
para o especificador do Sv, onde nasce o sujeito, uma posição para o núcleo (v) e ainda uma
posição para o complemento (SV). A estrutura SV é composta ainda do sintagma verbal (V),
que tem seu núcleo (V) e um complemento, que pode ser um sintagma determinante SD, onde
nasce Sv, que tem também um núcleo, (D).
Para exemplificar o que foi exposto acima, apresentamos a árvore (4), que representa a
sentença “A criança sorriu”.
Diagrama (4) ST
Spec T’
T(-iu) Sv
[+ pas],[+3a p. sing] v’
SD (A criança) v SV Spec V’ V(sorrir) Ø
Operações sintáticas também atuam na estruturação da sentença, na teoria gerativa12.
Já vimos a operação de merge, que une os sintagmas. Agora, em (5), mostramos que a
ordenação sintática de uma sentença pode se dar através de movimentos (move). A operação
Agree também é outra operação atuante no componente sintático, que é responsável por
eliminar traços os traços não-interpretáveis. O constituinte que tem essa característica de
possuir traço não-interpretável funciona como sonda, procurando, na sentença, um alvo para
estabelecer com ele uma relação, em que seu traço não-interpretável possa ser valorado e
12 Segundo Cyrino 2013, o programa minimalista propõe a ocorrência de processos operantes (operações) no
nível sintático de representação da sentença, que é também chamado de forma lógica (FL).
39
eliminado antes de atingir as interfaces. Essa operação explica o movimento do verbo
(operação move) para buscar a flexão no núcleo do sintagma flexional, e, dessa forma, temos
“sorriu” em (5).
Seguindo com o exemplo que estamos apresentando para o desenvolvimento deste
raciocínio, SD (sintagma determinante) precisa receber caso. No exemplo, caso nominativo,
relacionado à função de sujeito da sentença. Então, SD, que é o sujeito, move-se para a
posição de especificador de ST (sintagma flexional), atraído por um traço que se denomina
EPP (princípio da projeção extentida).
Após os movimentos mostrados em (4), temos, então, em (5) a configuração sintática
da sentença “A criança sorriu”, na gramática mental, na perspectiva gerativista:
(5) ST
Spec T’
Sv
Sonda (+ pas;+3ª p.); T(-iu)
SD (A criança) v’
v (sorrir + Ø) SV
Spec
V’
Alvo V (Sorrir) Ø
40
(6) ST
A criançaj T’
T(sorriu)i Sv
spec v’
v SV
Spectj V’
Vti Ø
Citando como exemplo o sintagma de tempo, é interessante observar, por exemplo,
que, na concepção gerativista, as partículas de infinitivo (tempo infinito), como também as de
auxiliares (auxiliares de tempo) podem ser representadas na sintaxe como núcleos (partículas
T), tendo ainda complementos.
Uma retomada a estudos anteriores a Chomsky (1995), em que as categorias
funcionais de tempo e de concordância tinham a possibilidade de ocupar nódulos diferentes da
gramática mental, sendo separadamente representados e tendo hierarquias distintas,13 tem
servido de base para explicar outras categorias funcionais. Com base no mesmo tipo de
representação, é proposta também a possibilidade de representações mentais diferentes para
outros elementos flexionais, tais como o tempo e o aspecto.Vários estudos em teoria gerativa
adotam a concepção de aspecto incorporado à categoria tempo. Porém, alguns outros,
incluindo o estudo realizado nesta pesquisa, apontam para a representação em separado de
cada categoria funcional, dentre elas a categoria tempo e a categoria aspecto. Esse é o tema
de nosso estudo.
Alguns autores, de forma explícita ou não, já adotam a noção de divisão do ST em T e
ASP, como é o caso de Solà (1996), dentre outros.
13 Cabe lembrar que, embora esta divisão tenha sido muito importante para o encaminhamento das pesquisas em
Teoria Gerativa, estudos posteriores excluem a categoria AGR (concordância) da árvore sintática.
41
Reafirmamos, novamente, que o objetivo desta pesquisa é verificar, nas análises de
nossos dados, a dissociação dos nódulos tempo e aspecto, em LP e LA, por meio dos
marcadores de aspecto.
Neste capítulo, foi apresentado o quadro teórico que dá suporte a esta pesquisa,
mostrando como a flexão temporal, marcadora do tempo e aspecto, é concebida na teoria
gerativa. Para isso, trouxemos a concepção de língua, como objeto do mundo natural;
traçamos alguns princípios básicos da Teoria dos Princípios e Parâmetros, bem como do
Programa Minimalista.
42
3 O TEMPO NAS LÍNGUAS NATURAIS
Introdução
Como nosso objetivo é o estudo do tempo e do aspecto para verificação da dissociação
entre essas duas categorias, depois de trazermos algumas definições esclarecedoras sobre
esses dois conceitos, faremos neste capítulo um estudo das abordagens que envolvem a
categoria tempo e, no capítulo seguinte, as que envolvem o aspecto.
O capítulo 3 está organizado da seguinte forma: inicialmente discutimos as noções de
tempo e de aspecto e, em seguida, traçamos um histórico sobre o estudo do tempo linguístico,
apoiando-nos especialmente em Reichenbach (1947) – um dos filósofos que penetrou mais
profundamente nesse estudo – Vendler (1967) e Comrie (1985), os quais trouxeram também
contribuições especiais para o estudo das categorias tempo e aspecto. Abordamos ainda, na
sequência, a contribuição de Castilho (1968; 2002), Travaglia (1991 e 2006), Oliveira (2003)
e Azevedo Filho (1969 e 2013) para a caracterização do tempo na Língua Portuguesa, como
também abordamos a representação dessas categorias na Língua Alemã, de acordo com
Thieroff (1992), Eisenberg (1999), Brunner (2003) e Reimann (2004).14
É importante esclarecer, que, muitas vezes, as noções de tempo e de aspecto costumam
aparecer de forma entrelaçada, ou seja, como se o aspecto fizesse parte do tempo, uma vez
que é comum não haver um tratamento do aspecto como categoria distinta. Ultimamente, essa
distinção tem sido estudada, baseando-se no fato de que, embora haja uma relação forte entre
essas duas categorias, elas apresentam características próprias e são duas noções diferentes
uma da outra, dentro do chamado conjunto da temporalidade.
Visando a caracterizar as propriedades que estão presentes em cada uma dessas
categorias, trazemos alguns estudos que refletem a distinção entre tempo e aspecto, tentando
realçar, na medida do possível, a noção de aspecto separadamente da noção de tempo, já que
essa divisão está diretamente relacionada ao problema que estamos investigando.
14 Sem abandonarmos a concepção gerativista que guia esta tese, esclarecemos que, apenas no sentido de
ampliarmos a abordagem conceitual de tempo, nem sempre os autores que aprofundam o estudo dessa concepção são da linha gerativista.
43
3.1 Noções sobre tempo e aspecto linguístico
A marcação de tempo nas línguas apoia-se em dois eixos: ora essa marcação é
gramatical, feita por meio de desinências, ora ela está no léxico – tempo lexical. No que se
refere ao âmbito gramatical, o tempo muitas vezes é denominado tempus, tempora, tense15,
sendo uma representação gramatical da localização de um processo no tempo físico. Por
outro lado, o tempo costuma estar relacionado também à marcação gramatical da duração
desse processo – o que tem sido denominado aspecto, o qual, da mesma forma, apoia-se em
dois pólos: um lexical e outro gramatical.
Entretanto, há, além disso, na visão de alguns pesquisadores, outra marcação lexical da
categoria aspecto que costuma ser denominada aktionsart – a qual tem sido entendida como
representante das classes aspectuais ou acionais. Estas estariam relacionadas às propriedades
do item lexical e à sua composição com outros itens lexicais, representando a duração,
pontualidade, dinamicidade, dentre outros. (Cf. Cançado, 2013). Há ainda quem defenda,
porém, o ponto de vista de que o aspecto lexical é formado pelo predicado verbal, incluindo
as contribuições semânticas dos argumentos internos, externos e dos adjuntos – concepção
com que estaremos trabalhando também nesta pesquisa. (Cf. Verkuyl, 1972, 1999; Dowty
1979 e Smith 1991).
Nesta tese, um dos autores em que nos baseamos para tratar das noções de tempo, de
aspecto, de processo e de estado é Comrie (1976), para quem o tempo linguístico seria uma
categoria dêitica, uma vez que localiza as situações com referência ao presente ou com
referência à ocorrência de outras situações. Por outro lado, no que diz respeito à noção de
aspecto, com base em Holt (1943), citado por Comrie (op. cit.), assumimos, em nossa
pesquisa, que este se refere ao fluxo do processo, concebido de diferentes formas. Nesse
ponto de vista, a ideia de processo refere-se à constituição temporal interna da situação,
concepção que também se estende a estado, compondo, mais tarde, juntamente com o evento,
o que Comrie (1976) chama de situação16. Detalharemos melhor essas noções à medida que
elas forem sendo construídas em seu percurso histórico, conforme retratamos nas seções
seguintes.
15 Termos utilizados para se referir à marcação do tempo gramatical em contraste com a noção semântica de
tempo. 16 Situação, na concepção de Comrie (1976), pode ser o estado, o processo ou o evento.
44
3.2 A expressão do tempo na linguagem
A categoria tempo é uma categoria que não foi inicialmente pensada com relação à
linguagem. As primeiras concepções de tempo deram-se na física e, à medida que essa
categoria foi sendo desvendada, foi surgindo também a necessidade dela ser pensada
linguisticamente e hoje a temos bastante entranhada nas línguas, de um modo geral.
Nosso propósito, neste capítulo, é apresentar abordagens sobre como o tempo é
concebido nas línguas naturais. Através de um pequeno histórico, faremos essa reconstrução,
buscando retratar a evolução dos estudos sobre esse tema, até chegar às concepções
gerativistas sobre o assunto, dentro das quais desenvolvemos nossa investigação nesta tese.
Intentamos fazer ainda uma breve descrição sobre o estudo do tempo em duas línguas
diferentes: a língua portuguesa do Brasil (PB) e a língua alemã da Alemanha (LA), uma vez
que nossa pesquisa abrange os dois idiomas.
3.2.1 Breve histórico sobre os estudos da categoria linguística tempo
Este pequeno histórico tem como objetivo tentar resgatar um pouco a ideia de como o
tempo foi sendo representado linguisticamente e de como tal abordagem no plano linguístico
foi sendo aprofundada. Desta maneira, podemos refletir melhor o alcance da concepção
gerativista sobre a categoria tempo.
Começamos com a ideia Aristotélica sobre o tempo nas línguas. É um tempo pensado
com relação ao movimento (Cf. Motta, 1987)17. De acordo com a visão de Aristóteles, não
haveria tempo sem a existência de mudanças nem sem o movimento (Kínesis), pois, quando
percebemos o movimento, é que percebemos o tempo, o qual pode ser medido com relação ao
17 Segundo Neves (2005, p. 72), Aristóleles trata deste assunto em sua Metafísica (IX, 1048), onde ele concebe
que um pensamento está baseado na verdade ou na falsidade, ao se produzir na alma, também se produz na linguagem, já que as palavras são símbolos dos estados de alma. Estes, por sua vez, permeiam toda a obra de Aristoteles, tendo uma relação direta com o movimento, que, por sua vez, na visão Aristotélica, é que determina o tempo.
“Estar no tempo, com efeito, não é simplesmente «coexistir com ele», ser-lhe paralelo, sem qualquer interferência mútua, mas, ao contrário, há um autêntico cruzamento, as coisas contribuem com o seu acontecer, e o tempo com a formalidade, o que implica que a alma, ao numerar, só pode numerar o próprio movimento, na efectividade do seu acontecer, e não qualquer outra coisa. Não pode numerar os seres eternos, porque neles não há nenhum acontecer, e nem mesmo o simples repouso enquanto tal, mas só enquanto é movimento em potência, porque nele, enquanto justamente repouso, também nada acontece. E assim o tempo, longe de determinar por si próprio o antes e o depois, de modo a possibilitar o próprio movimento, é antes e em primeiro lugar determinado por este mesmo movimento. Como diz Dubois: «O encontro entre o movimento que, numerado, dá lugar ao tempo, e o acto do espírito que o numera, efectua-se no kineisthai [isto é, no acontecer efectivo do movimento] (...) que fornece sem cessar um ponto de apoio à actividade numerante do intelecto (...)». E um pouco mais abaixo: «Segundo a realidade do movimento, o espírito é relativo ao movimento» e só «do ponto de vista formal do tempo é o inverso (...)”(Reis, 1996, p. 152)
45
que é anterior e posterior. O filósofo aponta ainda, nessa relação, o movimento dos astros e
indica a expressão do tempo na Física como uma grandeza, já que é um processo quantitativo
(Cf. Fiorin, 1999, p. 129/1º ).
Posteriormente surge a ideia do tempo como elemento usado para estruturar nossa
experiência, comparando-se quantitativamente o intervalo entre os eventos ou comparando-se
a sua duração (Hamilton, 1870). De acordo com Fiorin (1999, p. 129) é em Agostinho
(1989), porém, que se encontra um método-embrião de uma teoria linguística sobre o tempo.
Apontamos ainda o florescer de um pensar em uma lógica do tempo18 que abrange a
proposição: Strawson (1959), Findlay (1977), McTaggart (1908) e temos, assim, as primeiras
tentativas de concepção do tempo nas línguas.
A partir desses primeiros ensaios nesta área de estudos, houve diversos outros
esforços, porém destacamos o filósofo alemão Reichenbach (1947), que realizou um trabalho
bastante significativo de interpretação temporal das línguas naturais, baseando-se na lógica.
Em seu livro “Elements of Simbolic Logic”, desenvolveu um sistema temporal aplicado ao
inglês, mas que serve de base até hoje para muitos estudos. O seu trabalho sobre o tempo nas
línguas surge de outros trabalhos que Reichenbach (op. cit) realizava a respeito da filosofia do
tempo e de suas leis científicas, dentro dos quais já emergia um destaque para os tempos dos
verbos. Inspirado em tais ideias, ele propõe um modelo no qual a temporalidade é descrita a
partir da interação de três pontos: momento da fala (MF), momento do evento (ME) e o
momento de referência (MR), que trazemos nas palavras do próprio autor:
The tenses determine time with reference to the time point of speech, i.e., of the token uttered. A closer analysis reveals that the time indication given by the tenses is of a rather complex structure. Let us call the time point of the token the point of speech. Then the tree indications, ‘before the point of speech’, simultaneous with the point of speech’, furnish only three tenses; since the number of verb tenses is obviously greater, we need a more complex interpretation. From a sentence like ‘Peter had gone’ we see that the time order expressed in the tense does not concern one event, but two events, whose positions are determined with respect to the point of speech. We shall call these time points the
point of the event and the point of reference. In the example the point of the event is the time when Peter went; the point of reference is a time between this pint and the point of speech. In an individual sentence like the one given I is not clear which time point is used as the point of reference. This determination is rather given by the context of speech.19 (REICHENBACH,1947, p. 287).
18 A ideia aristotélica de proposição está mais dentro de uma visão de predicados como algo que pertence às
coisas (visão ontológica). Já a visão de Strawson (1959) e outros a respeito da proposição (visão lógica) têm o predicado como algo lógico, algo que se diz das coisas. (cf. Mesquita, 2005 consultado em 30/12/12).
19 Os tempos gramaticais determinam o tempo com referência ao tempo de fala, ou seja, da pronúncia. Uma análise mais minuciosa revela que a indicação do tempo dado pelos tempos gramaticais é de uma estrutura bastante complexa.
46
O pesquisador constrói um sistema temporal em que o tempo é definido a partir das
diferentes combinações dos três pontos já citados: da fala (S de speech), do evento (E de
event) e do ponto de referência (R de reference).
De acordo com o autor, a língua inglesa teria as configurações específicas (quadro 2),
que são apresentadas a seguir. Para melhor compreensão desse esquema, deve-se levar em
conta que o traço significa anterioridade, e a vírgula, simultaneidade. Leva-se em conta
também que o ponto S, momento da fala, é fixo, e que é a partir dele que se ordenam os
demais. O ponto R, de referência, por sua vez, segundo Reichenbach (1947), é crucial para a
caracterização da relação entre os três pontos e, recordando o que já foi colocado acima, o
ponto E é o ponto do evento. Então, a combinação dos três pontos do tempo (S, R e E), na
língua inglesa, segundo Reichenbach (op. cit), seria a que se segue, devendo-se lembrar que
são apenas apresentadas as combinações possíveis para a referida língua (Cf.
REICHENBACH, 1947, p. 290, 291 e 297).
Quadro 2 - Configuração do sistema temporal, segundo Reichenbach (1947)
E-R-S I had made it past perfect
Eu tinha feito
E,R-S I made it simple past
Eu fiz
R-E-S
R-S,E I would make it conditional
Eu gostaria de fazer
R-S-E
E-S,R I have made it present perfect
Vamos chamar o ponto do tempo de pronúncia de ponto da fala. Em seguida, as indicações de diagramas de
árvores, ‘antes do ponto de fala’, ‘simultâneo com o ponto de fala’, fornecem apenas três tempos verbais; uma vez que o número de tempos verbais é obviamente maior, precisamos de uma interpretação mais complexa. De uma frase como 'Peter tinha ido', vemos que a ordem de tempo, expresso no tempo gramatical não diz respeito a um evento, mas a dois eventos, cujas posições são determinadas em relação ao ponto de fala. Vamos chamar esses pontos do tempo de ponto do evento e ponto de referência. No exemplo, o ponto do evento é o momento em que Peter foi; o ponto de referência é um tempo entre este ponto e do ponto de fala. Em uma sentença individual como ‘alguém me deu’ não é claro qual ponto de tempo é utilizado como o ponto de referência. É o contexto da fala que dá melhor essa referência. (Tradução nossa.)
47
Eu fiz isso
S,R,E I make it present
Eu faço isso
S-E-R
S,E-R I will have made it future perfect
Eu vou ter feito isso
E-S-R
S,R-E
S-R,E I will make it future
Eu vou fazer isso
S-R-E
Fonte: elaborado pela autora da tese
É importante ressaltar que, enquanto os tempos de referência são essenciais para
Reichenbach (op. cit), para Comrie (1985), os significados dos tempos presente, passado e
futuro (tempos absolutos) do inglês advêm do contexto20, sendo isso suficiente para sua
caracterização. Daí ele não utilizar um ponto de referência (R). Outro aspecto a se destacar é
que o sistema reichenbachiano, como é feito para língua inglesa, não dá conta, é claro, de
outros tempos existentes em outras línguas. Por exemplo, as línguas românicas, que têm uma
estruturação bem diferente do inglês no que tange às flexões da classe dos verbos, não se
enquadrariam bem a esse esquema, sem diversas adaptações.
Mesmo assim, é importante reconhecer que o trabalho de Reichenbach (1947) se
destaca por representar um grande passo no estudo dos tempos verbais das línguas naturais –
motivo pelo qual serve de base para diversos trabalhos da linguística.
Posteriores a Reichenbach (1947), dois teóricos são também fundamentais para
construção de uma análise sobre tempo: Vendler (1967) e Comrie (1976).
Embora o trabalho de Vendler (op. cit) esteja mais centrado na caracterização da
categoria aspecto21, nesta parte de nossa exposição, que versa mais sobre o tempo, iremos
apenas situá-lo na linha histórica dessa classe de estudos, para mostrar seu posicionamento na
marcação explícita da diferenciação entre essas duas categorias.
20 A noção de contexto não é explicitada nem exemplificada na obra de Comrie (1985). 21
Para ficarmos fiéis ao histórico que estamos construindo sobre o tempo, não enfatizaremos agora adistinção entre tempo e aspecto. Estamos apenas citando aqui o marco que o trabalho de Vendler (1967) representa para a percepção da diferenciação entre as referidas categorias.
48
Neste momento, é importante ressaltar apenas que Vendler (1967) vê no conceito de
verbo algo além da discriminação entre passado, presente e futuro, chamando atenção para
outros conceitos subjacentes a estas noções de tempo:
“The fact that verbs have tenses indicates that considerations involving the concept of time are relevant to their use. These considerations are not limited merely to the obvious discrimination between past, present, and future; there is another a more subtle dependence on that concept: the use of a verb may also sugest the particular way in which that verb presupposes and involves the notion of time.” (VENDLER, 1967, p. 143).22
Seguindo essa linha de raciocínio, Vendler (op. cit) propôs um modelo que introduzia
pela primeira vez uma distinção entre os verbos, baseada exclusivamente no caráter aspectual,
que detalharemos, mais adiante, na parte que versa sobre o aspecto verbal. Mas voltamos a
lembrar que o posicionamento deste autor em enfatizar bem claramente a divisão entre tempo
e aspecto marca bastante o seu trabalho, cujo destaque principal é a profundidade com que
tratou a cisão dessas duas categorias.
Contrastando em alguns pontos com Reichenbach (1947), está o linguista britânico
Bernard Comrie, em cujo trabalho nos aprofundamos a seguir.
3.2.1.1 O trabalho de Comrie (1985)
Comrie (1985) realiza um profundo estudo sobre o tempo linguístico, caracterizando
diversas instâncias dessa categoria. Nessa obra, ele se propõe a estudar a natureza do tempo
na linguagem e, para isso, em primeiro lugar, tenta definir essa categoria linguisticamente,
buscando explicar simultaneamente as variações encontradas no sistema temporal das línguas
do mundo.
O pesquisador define tempo gramatical como as formas em que a localização no
tempo pode ser expressa na linguagem:
1) por itens lexicais: agora, hoje, ontem etc;
22 O fato de os verbos terem tempo gramatical indica que as considerações que envolvem o conceito de tempo
são relevantes para a sua utilização. Essas considerações não estão limitadas meramente à discriminação evidente entre o passado, o presente e o futuro; há uma outra dependência sutil naquele conceito: a utilização de um verbo pode também sugerir o particular caminho no qual aquele verbo pressupõe e envolve a noção de tempo. (Tradução nossa.)
49
2) por categorias gramaticais: flexões verbais de presente, passado, futuro,
que variam de língua para língua.
3) por expressões gramaticais lexicalmente compostas e expressões
sintáticas: cinco minutos antes de João chegar;
Neste último exemplo, fica clara a definição de evento, o qual, muitas vezes, define o
tempo. Podemos citar ainda outro exemplo no evento da Segunda Guerra Mundial, definindo
o tempo passado, uma vez que é conhecido na história como ocorrido entre 1939 e 1945.
Mais uma definição importante caracterizada por Comrie (1985, p.14) é a do tempo
como um sistema dêitico, que, segundo ele, é um sistema que relata entidades para um ponto
de referência. Por exemplo, o presente costuma ser um ponto de referência típico: ou o tempo
de referência é ele (tempo presente) ou é o que o antecede ou que o sucede. Porém, é possível
indicar outras localizações como centros dêiticos, que não o tempo presente – o que Comrie
(1985) chama de tempo relativo – aquele em que o ponto de referência para a localização de
uma situação (como no exemplo acima sobre a Segunda Guerra Mundial) é algum ponto do
tempo, dado pelo contexto. Cabe, entretanto, lembrar que essas distinções são de base
semântica.
A possibilidade de ocorrência de um evento durante algum outro processo é outro
tópico ressaltado pelo estudioso. Segundo Comrie (op. cit.), é necessário, neste caso, que a
representação do evento ocorra dentro do período de tempo atribuído para o processo. Nesse
ponto, costuma-se esbarrar na fronteira entre tempo e aspecto, o que veremos mais adiante.
Comrie propõe uma teoria de tempo diferente da de Reichenbach, uma vez que são
necessários, segundo sua proposta, apenas dois pontos temporais: o que marca a fala (S) e o
de evento (E). Por outro lado, esses pontos marcam também as relações de simultaneidade,
anterioridade e posterioridade para representar os três tempos absolutos – presente, passado e
futuro.
Na língua portuguesa, entretanto, o estudo do tempo traz algumas particularidades que
são tratadas mais adiante em Corôa (1985). A seguir, abordamos a importante contribuição
que lingüistas brasileiros também trouxeram ao estudo dessa categoria.
3.2.1.2 A categoria tempo do ponto de vista dos pesquisadores brasileiros
O tempo linguístico tem sido objeto de estudo também por parte de autores que, além
de se colocarem ao lado de outros linguistas na reflexão dessa categoria, trazem ainda suas
50
observações e estudo sobre o tempo na língua portuguesa. A visão de Castilho (1968) e
Travaglia (1991) e as diversas pesquisas que tomam por base esses dois pesquisadores trazem
pontos importantes sobre o tempo linguístico no português brasileiro, conforme delinearemos
a seguir.
Com base em Castilho (1968), afirmamos que a categoria tempo localiza a situação em
um determinado momento, servindo-se, para tal localização, dos pontos de referência que
estão centrados, geralmente, no falante, no momento de ocorrência de outra situação e no
momento em que, no plano das ideias, situa-se o falante – isso quer dizer um situar-se física
ou psicologicamente no momento passado ou futuro. Argumentando sobre a característica
abstrata que encerra a noção de tempo, o pesquisador entende que, ao ser desviado o ponto de
referência, todo o sistema temporal sofre uma oscilação. O mesmo prossegue, tratando dos
diferentes tipos de tempo:
(...) temos assim os tempos absolutos (primeira hipótese: presente, passado, futuro), os tempos relativos (segunda hipótese: imperfeito, mais-que-perfeito, futuro e perfeito do subjuntivo, futuro perfeito) e os tempos históricos (terceira hipótese), em que o sujeito se inclui na história, assumindo o papel de "dramatis persona" ("Napoleão desembainha a espada") ou então adotando um tom profético de quem não duvida da veracidade de suas palavras ("Esta foi a decisão que mudará o curso da história.”) (Cf. Georges Galichet, p. 91; Vendreyes p. 114 e R. Lenz, parágrafo 311. Apud CASTILHO, 1968, p. 16)
No dizer de Castilho (1968), o que marca a categoria tempo é a sua vinculação com
um dado momento. Porém, sua obra, apesar de esclarecer bastante sobre a caracterização do
tempo e do aspecto como categorias autônomas, argumenta sobre a dificuldade na construção
dessa distinção. Ressaltando ser “relativamente fácil opor aspecto a tempo no plano teórico”,
cita (Guilhaume, 1933), quando afirma que tempo e aspecto são duas realidades de uma só
face. Por outro lado, no próprio Castilho (1968), encontramos muitos elementos que podem
apontar que tempo e aspecto são categorias distintas. Destacamos um desses elementos, por
ser ele um forte argumento de que essas duas categorias não são exclusivas, ou seja, as duas
podem existir juntas, podendo até coexistirem na mesma forma, o que, segundo Castilho
(1968), levou alguns autores a confundirem com o aspecto certas noções marcadamente
temporais.
Ressaltamos ainda do autor outras propriedades importantes atribuídas ao tempo
linguístico: o fato de as possibilidades de expressão do aspecto serem maiores entre os tempos
do passado; a tendência aspectual estar entranhada em certos verbos, como pode ser melhor
esclarecido nos trechos que seguem.
51
(...) o presente e o imperfeito (e uma forma nominal, o gerúndio) exprimem em geral a duração; (...) os verbos manifestam uma tendência aspectual. Não aceitamos, por isso, a afirmação de Garey, entre outros, para quem os verbos são imperfectivos e perfectivos (CASTILHO, 1968, p. 109 e 110).
Castilho (1968) destaca ainda a importância da flexão temporal para a expressão do
aspecto nos casos em que a noção desta categoria não decorra da natureza semântica do
verbo, nem de adjuntos adverbiais, nem do tipo oracional, parecendo concentrar-se mesmo na
flexão. Nesse sentido, fala-se na marcação de os tempos do passado concorrerem para a
alteração da tendência aspectual do verbo, assunto também que é bastante desenvolvido em
nossa pesquisa.
As discussões trazidas pelo autor têm sido, porém, objeto de muitos estudos de 1968
para cá, e novos entendimentos têm sido demostrados, como veremos no decorrer desta tese.
Mas as reflexões apresentadas por Castilho (op. cit.), mesmo assim, podem ser ainda alvo de
investigações no que diz respeito às relações entre os traços de perfectividade e telicidade, que
são também pontos de estudo, pesquisa e reflexão em nossa tese.
Em síntese, Castilho (1968) já se orienta bastante, na época, em favor da
independência entre tempo e aspecto e não podemos negar a grande contribuição que sua obra
traz para a Linguística Geral e para o estudo deste tema na língua portuguesa, que, até aquela
época, apresentava ainda poucos trabalhos sobre este assunto. Destacamos, portanto, do autor
a noção de tempo e aspecto como duas noções distintas, mesmo estando relacionadas. Seu
trabalho sinaliza também as facetas semânticas, lexicais e gramaticais da categoria – pontos
que, no decorrer da história deste estudo, só são aprofundados posteriormente, mas que já
foram na época observados e destacados pelo lingüista.
Outro pesquisador brasileiro que aprofunda bastante o estudo sobre o tempo
linguístico, caracterizando diversas estruturas do sistema temporal das línguas, surge bem
mais adiante no curso dos estudos aspectuais do português brasileiro: Travaglia (1991). O
pesquisador ordena a categoria temporal em três dimensões: a do tempo referencial, a do
tempo no texto e a do tempo da enunciação.
O tempo referencial é para ele o tempo cronológico ou o tempo como as situações se
sucedem no mundo real. O tempo no texto o autor apresenta como sendo a relação temporal
entre os elementos textuais dentro de um plano linear, a qual diz respeito à ordem desses
elementos no texto: orações, frases, etc. Já o tempo de enunciação seria o tempo em que se
fala. Porém, segundo Travaglia (1991), na verdade, esse é o tempo da formulação de palavras,
52
frases, etc. Este tempo relaciona-se com o tempo de referência, o que quer dizer que as
situações podem ser passadas, presentes ou futuras ao momento da enunciação.
O pesquisador prossegue, salientando que as situações é que são ordenadas, sendo essa
representação expressa pelos verbos ou por nomes (verbos de ligação, nomes que indicam
situações e que estão na função de sujeito ou objeto). Sobre esse ponto, merece destaque o
que Travaglia (1991) denomina de “Princípio geral de ordenação referencial de situações”,
segundo o qual, dada uma sequência de eventos em um texto, duas situações contíguas na
linearidade textual serão:
a) Sequentes – se for perfectivo o aspecto do verbo das sentenças que as
expressam.
b) Simultâneas – se for imperfectivo o aspecto do verbo de pelo menos
uma das orações ou frases que as expressam.
É importante notar que as referidas sequências dizem respeito a noções temporais.
Outros princípios da natureza temporal linguística são também apontados pelo autor,
dentre eles:
- O tempo verbal absoluto, que ordena as situações no passado vistas como
anteriores a situações do presente e do futuro; as do presente são vistas como
posteriores a situações no passado e anteriores a situações do futuro. Porém, estas, as
do futuro, são vistas como posteriores a situações no passado e no presente.
- O tempo relativo também faz ordenações. Representado pelo pretérito mais-
que-perfeito do indicativo e pelos tempos compostos, em conjunto com o aspecto
acabado, marca uma situação como anterior a um momento indicado por adjunto
adverbial ou uma situação ou grupo de situações no perfectivo.
O autor adverte ainda sobre vários outros elementos linguísticos de valor ou
implicações temporais que funcionam como ordenadores referenciais, como é o caso das
expressões adverbiais; as orações adverbiais; as datas; as preposições (após, antes de, depois
de etc.); as conjunções (enquanto, depois que, antes que, logo que etc.); os verbos (iniciar,
começar, terminar etc.) e outros elementos ordenadores que implicam ordem (primeiro,
53
segundo, último, penúltimo, aí, daí etc.). Segundo Travaglia (1991), esses elementos podem
marcar anterioridade, posterioridade e simultaneidade. O pesquisador adverte ainda que
esses elementos estabelecem a ordenação, reforçam ordenações estabelecidas por outros, contrariam ou anulam o efeito ordenador de outro, permitem recuperar a ordenação referencial (cronológica) quando ela foi rompida pela ordenação do texto. (TRAVAGLIA 1991, p. 177)
O trabalho do autor com relação à categorização dos elementos indicativos de tempo
do PB é notável, embora observamos que muitos deles podem também funcionar como
marcadores do desenvolvimento da ação – o que estaria no âmbito aspectual.
Para finalizar, apontamos ainda mais um grupo de palavras que, na visão de Travaglia
(1991), atuam como ordenadoras. São aquelas palavras que representam conhecimento de
mundo, de esquemas do tipo “scripts”, que assim descreve o pesquisador:
O conhecimento de mundo atua como ordenador através,
a) Do conhecimento de esquemas, planos e “scripts” que trazem em si ordens já estabelecidas de ocorrência de situações, que, em seu conjunto, constituem uma outra globalizante;
b) De relações semânticas entre orações e períodos, que expressam situações, tais como causa, conseqüência ou efeito, meio e fim, condição e condicionado, ação e resultado, possibilidade e realização etc., que têm implicações ordenativas cronológicas;
c) Ordenações de tipos de situações. d) Do próprio valor do semantema de certos verbos como proceder(se),
acompanhar etc, quase sempre com situações indicadas por nomes. (...) (TRAVAGLIA, 1991 p.178).
Os trabalhos de Travaglia sobre tempo têm sido referência para muitos outros
pesquisadores porque, além de o autor oferecer uma rica abordagem sobre o assunto, as
pesquisas nesse campo de estudo ainda são bastante precárias, especialmente no Brasil.
Resumindo o que foi trazido pelo autor, destacamos as três dimensões do tempo
linguístico. Uma que salienta o principio de ordenação referencial de situações, que trata dos
acontecimentos em sequência e dos simultâneos. Os apontamentos sobre o tempo absoluto e
referencial são pontos também importantes para a nossa perspectiva de estudo, não deixando
de lado os diversos elementos linguísticos que apresentam valor ou implicações temporais.
Além de Castilho e Travaglia, outro trabalho que, embora esteja bastante embasado
nesses autores, merece destaque pela amplitude e profundidade com que a pesquisadora se
debruça sobre este assunto é o trabalho de Corôa (2005). Com base em alguns filósofos que
versavam sobre o tempo e apoiando-se também em Reichenbach (1947), Corôa (2005) realiza
54
um estudo específico sobre o tempo na língua portuguesa, sob o ponto de vista denominado
por ela de discursivo-semântico.
A referida autora, da mesma forma que Fiorin (1999) e outros estudiosos da linha
discursiva, destaca o discurso como se permitindo reinventar o tempo, ou seja, como se
permitindo estabelecer um marco a partir do qual se define um antes e um depois. Com base
em Lyons (1977, p. 677) a pesquisadora salienta o fato do falante/ouvinte controlar a
categoria tempo: “o falante, pelo seu próprio papel de enunciador, relaciona tudo ao seu ponto
de vista.” (Corôa, 2005, p. 43)
A autora faz um rico trabalho de caracterização do tempo linguístico, do qual
destacamos a abordagem que é trazida sobre o tempo psicológico e a importância que é
atribuída aos advérbios. Destacamos também suas concepções sobre as formas de presente, de
pretérito e de futuro.
Sobre o tempo psicológico, Corôa (op. cit.) afirma que é aquele que é visto como não
tendo uma duração constante e uniforme, já que existe somente em função do mundo interno
do indivíduo. A autora assinala ainda sobre a possibilidade de o tempo linguístico do
português retratar o tempo não só pelo verbo, mas também pelo advérbio: ontem, agora etc.
Mas, embora enfatize essa grande importância dos advérbios, Corôa (2005) não aprofunda
este estudo em sua obra, deixando uma grande lacuna para o leitor.
Com relação aos verbos, a estudiosa apresenta em seu trabalho uma abordagem que vê
a interpretação temporal de uma oração sendo também a interpretação temporal do verbo
dessa mesma oração, e, desta forma, sua obra mostra a primazia do verbo nessa relação, o
que pode ser visto observando-se o papel do verbo na definição do tempo de sentenças do tipo
- Ele assina o contrato.
- Ele assinou o contrato.
- Ele assinará o contrato.
Embora sendo uma obra relativamente recente, o trabalho de Corôa (2005) deixa outra
grande lacuna ao não abordar trabalhos que vão além da visão limitadora da primazia dada ao
verbo para a noção da temporalidade.
A pesquisa realizada por Corôa (2005), por outro lado, apresenta reflexões teóricas de
grande importância para a construção do significado do tempo nas línguas naturais.
Mostramos aqui algumas dessas reflexões que têm como base a tentativa de responder o que é
o tempo. Nelas, a autora busca sintetizar os construtos teóricos que caracterizam a noção
55
dessa categoria, remetendo-se a um estudo pormenorizado dos tempos absoluto, relacional e
relativo, que destacamos aqui, porque, mesmo que tais noções façam parte do plano
semântico da categoria, ampliam a noção temporal com suas complexidades.
Tempo absoluto - O tempo que existiria fora dos eventos, sem relação com qualquer
coisa externa a ele. Nessa perspectiva, haveria dois tipos de entidades: momento e eventos. A
primeira diz respeito às posições temporais (que corresponderiam ao presente, passado e
futuro) e não dependem dos eventos para existir. Já os eventos são separados do momento,
mas se dão neles, ou seja, se dão em uma determinada posição do tempo (um evento no
presente, no passado ou no futuro). As relações temporais entre eventos seriam derivadas,
portanto, dos momentos em que ocorrem. Em suma, em uma teoria absoluta, o momento em
que o evento ocorre é suficiente para individualizá-lo, de acordo com Corôa (1995, p. 28).
Tempo relacional - o tempo seria constituído a partir dos eventos e suas relações. O
tempo é visto como a ordem das coisas não contemporâneas, e todos os elementos podem ser
ordenados pela relação de contemporaneidade (coexistência) ou anterioridade/posterioridade
temporal (sucessão). As relações de momentos, sendo constituídas a partir das relações entre
eventos, é que seriam secundárias. Em uma teoria relacional, como não existem momentos
distintos, não se pode individualizar o evento segundo o momento. (Cf. Corôa, 1995, p. 28).
Nessa perspectiva, segundo a visão de Kant (1987, apud Corôa 1995), a coexistência e
a sucessão nunca chegariam à nossa percepção se a representação do tempo não estivesse
pressuposta e subjacente a elas.
O tempo relativo – Ideia em que se parte de uma perspectiva mais ampla na qual o
tempo pode ser definido com respeito a um observador. A simultaneidade ou a sucessividade
dos eventos e o rígido caráter unidirecional do tempo – caminhando sempre para frente –
dependem da posição deste observador. Isso faz com que se saia de uma perspectiva de um
tempo determinado, jogando por terra distinções como tempo cronológico e psicológico.
Corôa (2005) aprofunda também o trabalho de Reichenbach (1947), trazendo reflexões
importantes. Segundo a pesquisadora, o momento do evento, processo ou ação descritos (ME)
seria o momento da predicação; o momento da fala (MF) seria o momento da enunciação do
evento, processo ou ação, ao qual ela chama de momento da comunicação. Por fim, o
56
momento de referência (MR), de acordo com a autora seria o tempo em que são definidas a
anterioridade e simultaneidade.
Com esta definição de tempo de MR, podemos perceber, por exemplo, que o tempus chamado de presente histórico ou dramático não representa nenhuma exceção ano emprego dos tempora: o falante leva o ouvinte a contemplar os eventos narrados de uma perspectiva que vai além do tempo gasto na enunciação. Podemos perceber, também, que é o MR que mais se aproxima do tempo psicológico de quem falam os estudiosos da língua, aquele tempo que pode retroceder, parar, acelerar e “violar” a ordem cronológica das coisas e dos fatos. Na realidade, embora o MR possa se identificar com alguma indicação mais concreta que apareça no texto – como datas, por exemplo – sua caracterização está próxima deste tempo psicológico, maleável e livre, que o falante e ouvinte reconhecem como o sistema de referência temporal em que ocorrem tanto o MF quanto o ME. (CORÔA, 2005, p. 41)
A respeito das formas de presente, de passado e de futuro, Corôa (op. cit.) traz
reflexões que merecem destaque.
Os tempos presente, pretérito e futuro
Começando pelo tempo presente, Corôa (2005) aprofunda a ideia de Reichenbach
(1947) que o define como o tempo em que o ME, MF e MR são simultâneos, entendendo-a
como um modo de interpretar todos os usos do presente. A pesquisadora, por outro lado, vê
essa coincidência entre os momentos (do evento, da fala e de referência) como discutível na
prática, já que o presente pode se estender mais para um tempo que passou ou mais para um
tempo que virá. Isso torna evidente, segundo a pesquisadora, a necessidade do MR –
perspectiva temporal relevante para localização dos dois momentos, o da fala e o do evento,
no dizer de (Corôa, 2005, p. 45).
Assim como diversos estudiosos (Cf. Castilho, 68; Lyons, 1977; Ilari, 83; Fiorin, 96),
Corôa (op. cit.) destaca algumas formas de presente que parecem atemporais: o tempo dos
provérbios, que, embora ocorra no momento da fala, sabe-se que se trata de uma proposição
verdadeira independente do momento em que é enunciada. No mesmo plano estão as verdades
universais como “a terra é redonda”, cujo momento de referência é infinito. Outra forma
atemporal estaria no presente habitual: “ele trabalha no mercado.”
Sobre o tempo presente a autora adverte ainda que não é a forma presente do verbo
que localiza a ação no que tange ao tempo de referência. Essa localização é feita por
elementos como “agora”, hoje, dentre outros – fato explicado no contínuo que se constitui o
sistema temporal, que pode ser hipoteticamente dividido pela ‘qualidade de presente’ entre
aquilo que veio e aquilo que virá em relação ao falante. Com base em Admoni (1966) explica
57
o uso generalizado que se faz do presente como o ponto temporal do momento, porém, como
a maioria das ações não são pontuais, ao contrário, ocorrem em um espaço de tempo maior ou
menor no contínuo temporal, fala-se em presente apenas com relação ao passado e ao futuro
(Cf. Admoni 1966, Bartsh, 1969, Jespersen, 1956 e Prior, 1967).
Nessa linha de pensamento, Corôa (2005) salienta:
Também não é o caso de se basearem os tempora na distinção entre passado e presente, pois o que geralmente se define como presente, em inglês e em muitas outras línguas, seria muito mais adequadamente descrito como não-passado: enquanto o uso de sentenças nas formas de passado localizam o evento referido num tempo de passado com respeito ao momento da enunciação, o uso do chamado presente não implica necessariamente contemporaneidade com o momento da enunciação. Apenas em alguns contextos de relato ou comentário imediato, a forma de não-passado situa o evento no presente. (CORÔA, 2005, p. 44 e 45)
Para finalizarmos nossa exposição sobre o presente, trazemos a observação de Ilari
&Mantoanelli (1983) sobre uma forma verbal presente que conota hábito. Nela, os autores
assinalam uma característica curiosa: a de não haver, na verdade, um limite temporal. Essa
propriedade pode ser notada ao analisarmos uma forma de presente habital e outra de presente
não habitual.
Com relação ao pretérito, de acordo com Corôa (2005), é no ME que ele está mais
bem definido e localizado, uma vez que ele ocorre sempre antes do momento da fala (MF).
Na língua portuguesa, o pretérito é tradicionalmente dividido em perfeito, imperfeito e mais
que perfeito, para os quais, tanto Corôa (op. cit.) quanto Ilari (1981), seguindo a notação
reichenbariana, apresentam uma forma de representação. Porém, não vamos aprofundar
nessas representações, uma vez que nossa pesquisa está no âmbito da língua falada, a qual não
utiliza a forma de pretérito mais que perfeito. Contudo, vamos aprofundar no que traz Corôa
(2005) sobre os pretéritos perfeito e imperfeitos enquanto tempo.
Comparando o pretérito imperfeito com o presente, no que diz respeito a não
colocação de limites posteriores ao evento, a autora entende que neles não se “força” a
finalização do evento antes do momento da fala (MF). Outro ponto destacado é o de que um
evento no pretérito imperfeito não implica seu cessamento, enquanto que no pretérito perfeito
a finalização do evento estaria implicada:
- Maria estudava em BH quando se divorciou.
58
No exemplo, o evento de divorciar está contido no evento de estudar, além de que este
último não tem limites, ou seja, a Maria pode estar estudando em BH até hoje. O que marca o
verbo estudar no passado, no exemplo citado, é sua relação como outro evento, o de se
divorciar. O segundo evento, por outro lado, ou seja, o evento de um pretérito perfeito, não
começa antes do evento do pretérito imperfeito e precede totalmente o momento da fala.
Outro ponto de comparação entre presente e pretérito imperfeito é o fato de que é neste
último que a habitualidade no tempo passado é indicada. Em síntese, no pretérito imperfeito,
a ótica do evento é colocada a partir do próprio momento do evento, sendo, portanto, o MR e
o ME simultâneos.
O pretérito perfeito, por sua vez, traz consigo a noção de um limite posterior ao
evento, expresso no resultado ou completude do mesmo. Por outro lado, a força da
significação desta noção, afasta o perfectivo meramente dessas noções temporais unicamente.
Essa foi uma síntese do trabalho sobre o tempo linguístico de Corôa (1995) cujos
pontos de destaque versam sobre os tipos de tempo e sobre o papel dos verbos e dos advérbios
na interpretação do tempo de uma sentença como um todo.
Com relação ao tempo futuro, destacamos o fato da aproximação que se pode
estabelecer entre passado e futuro, no que diz respeito a uma lógica temporal, segundo a qual:
“o presente é o tempo implícito de toda proposição e que há um operador correspondente ao
passado e outro ao futuro” (Corôa, 2005, p. 55). Agregamos ainda ao tempo futuro o fato dele
fazer parte de um mundo possível, motivo pelo qual não o incluímos em nossa investigação,
nesta tese.
O papel dos advérbios na expressão temporal
A Língua Portuguesa apresenta, além do verbo, outro recurso gramatical relevante
para a representação linguística do tempo. Ilari (1981), baseando-se nos pontos de
Reichenbach (1947), salienta o papel de alguns advérbios para a expressão dessa
temporalidade.
a) Os advérbios que retratam um processo lexical dêitico, tomando, para
isso, uma palavra ou fato lexical conhecido. Como exemplo são apontados os
advérbios do tipo “hoje, ontem, em 2001”, que se baseiam no momento da fala,
interagindo com morfemas verbais [- durativos] e [ - reiterativos]. Em outras palavras,
os advérbios que estão nos exemplos concordam com morfemas não durativos e não
repetitivos, devido a sua natureza de advérbios pontuais.
59
b) São os advérbios que, por meio de suas posições, podem solucionar a
ambiguidade que costuma ocorrer entre o MR e o ME, nas orações. Quando estão na
posição de tópico – no início da oração – dizem respeito ao MR. Em posição de
comentário – no final da oração – referem-se ao ME.23
c) A temporalidade se expressa também em advérbios que, junto a
determinados tempos verbais, podem mudar o seu valor, como é o caso do presente
histórico, em (1), e do presente do futuro, em (2).
(1) Em 1989, inicia-se o sistema republicano no Brasil.
(2) Amanhã vence o prazo para a entrega do imposto de renda.
Se retomarmos a conceituação de tempo no âmbito linguístico, podemos ver a ação
dos adverbiais na localização dos eventos no tempo, como também na localização de eventos,
uns com com relação a outros, como é o caso dos advérbios como “depois”, “então”,
indicativos de seqüencialidade, e também de adverbiais do tipo “durante”, “ao mesmo
tempo”, que retratam a simultaneidade dos eventos. Por outro lado, o papel desses
constituintes amplia-se bastante quando podemos interpretá-los como contribuindo para a
marcação da temporalidade, no caso do tempo verbal ser neutro – ideia com a qual fechamos
nossas considerações sobre os advérbios de valor temporal.
Para finalizarmos sobre os pontos que definem a categoria tempo, abordamos ainda
como sendo relevante para o nosso estudo a distinção das diferentes visões existentes sobre o
tempo. Há uma noção que caracteriza um tempo físico; outra, um cronológico, que registra os
acontecimentos um após o outro, e a noção de tempo linguístico, que é construída em torno da
enunciação (Cf. Benveniste, 1989, p. 78). Ressaltamos, contudo, que é possível também o
tempo linguístico registrar a cronologia, ou seja, a sequencialidade dos acontecimentos.
Voltando ao tempo da enunciação, segundo Fiorin (1999), é a partir dele que são
estabelecidos três momentos de referência: um que ocorre ao mesmo tempo em que ocorre a
enunciação e dois outros momentos que ocorrem em outro momento diferente ao da
enunciação – um anterior a ela, e outro posterior. Esses são momentos de referência dentro
dos quais é possível estabelecerem também outros momentos de referência internos ao
acontecimento, também anteriores e posteriores. É importante para nós termos em conta que
23 O referido autora apresenta esta possibilidade de estrutura, porém não a exemplifica.
60
esses momentos necessitam estar em concordância, porque é nessa concordância que muitas
vezes se expressa o aspecto.
Travaglia (2006), esclarece sobre a existência de três sentidos básicos sobre o tempo:
1) Tempo 1: categoria vebal (correspondente às épocas: passado, presente, futuro). Falaremos então em tempo;
2) Tempo 2: flexão temporal. Estamos nos referindo então aos agrupamentos de flexões da conjugação verbal: presente do indicativo, pretérito imperfeito do indicativo, futuro do presente, futuro do subjuntivo etc. Falaremos então em tempos flexionais;
3) Tempo3: a ideia geral e abstrata de tempo sem consideração de sua indicação pelo verbo ou qualquer outro elemento da frase. Falaremos então de TEMPO (com letras maiúsculas).
Dois exemplos bastam para deixar explícita a distinção entre tempo flexional que nos parece ser bastante clara:
- Amanhã irei a Santos Tempo futuro Tempo flexional: futuro do presente
- Amanhã vou a Santos. Tempo futuro Tempo flexional: presente do indicativo (TRAVAGLIA, 2006, p. 38).
Apesar das denominações dos exemplos usados na citação acima alinharem-se com a
nomeclatura da gramática normativa tradicional, podemos dizer que, mesmo assim, após toda
a explanação que foi feita acerca do tempo, nossa pesquisa vai trabalhar bastante afinada ao
enfoque do tempo 2 de Travaglia (op. cit), uma vez que estamos estudando a derivação da
sentença, à luz da Teoria Gerativa. Em outras palavras, após a apresentação de várias
concepções de tempo, buscamos refleti-las à luz do objetivo de nosso estudo: compreender
tempo (e aspecto) no ponto de vista da Teoria Gerativa. Como esse quadro teórico centra seus
esforços nas operações ocorridas no sistema computacional, em que, como vimos, tempo é
um nódulo funcional que atrai verbos, possibilitando a derivação de uma sentença, afirmamos
neste momento que o foco é compreender a flexão de tempo, pois é nela que estão guardados
os traços temporais que fazem parte de um dos focos de nosso estudo.
3.2.2 O estudo da categoria linguística tempo na Língua portuguesa (LP)
Iniciamos esta exposição enfatizando a associação entre as categorias tempo, modo e
aspecto em sua representação na LP:
“No que tange ao tempo, a própria definição da categoria –aquela que diz respeito às relações que se estabelecem entre o transcorrer do processo e o momento em que é enunciado – é complexa, pois “a sua aplicação temporal ultrapassa essa definição rígida”, já que abriga, de um lado, intersecções como a de modo e, de
61
outro, com a de aspecto e “os tempos verbais podem ser empregados, sem focalização temporal, para traduzir o modo” (MATTOSO CÂMARA JR, 1985, p. 231-232).
O tempo verbal na LP é representado por desinências específicas. Entretanto, como os
morfemas marcadores de tempo, de modo e de aspecto nem sempre são distintos, acumulam a
marcação de mais de uma categoria, e os estudos dentro deste campo trazem, normalmente, a
noção dessas três categorias, ou de duas delas, entrelaçadas.
A análise dos processos de referência temporal na LP, como também em outras
línguas, envolve não apenas a localização temporal, mas também outras questões que muitas
vezes se confundem, esbarram-se e associam-se a outras categorias ou mesmo a estudos de
diversos campos dentro da Linguística. Nesta seção, trataremos das formas de representação
do tempo presente, passado e futuro na língua portuguesa (LP), abordando também o ponto de
vista da gramática tradicional normativa, para, na seção seguinte, podermos contrastar com
estudo semelhante feito para a língua alemã.
Existem, no português, três tempos e diversos aspectos, a saber:
- Presente, que exprime ações frequentes ou corriqueiras.
- Pretérito, exprimindo ações terminadas ou inacabadas no passado, sendo divididos
em:
• Pretérito imperfeito, ações inacabadas;
• Pretérito perfeito, ações acabadas;
• Pretérito mais-que-perfeito, ação anterior a uma já acabada.
- Futuro, que exprime ações pontuais que ocorrerão no futuro, sendo divididas em
• Futuro do presente, ações que serão executadas;
• Futuro do pretérito, ação a ser executada posteriormente a um tempo já
enunciado.
O tempo presente
Oliveira (2013), estudando a categoria tempo na língua portuguesa, salienta que o
presente do indicativo revela um acontecimento que começa em um passado mais ou menos
distante e perdura ainda no momento em que se fala. Esse tempo pode representar também um
acontecimento expresso pelo verbo, que é simultâneo ao momento, motivo pelo qual o
presente tem sido classificado por alguns linguistas como de caráter imperfectivo.
62
O pretérito e o futuro
Com relação ao pretérito, a mesma autora, servindo-se das ideias de Reichenbach
(1947), aponta que
As diferenças de valor temporal entre os pretéritos perfeito e imperfeito, portanto, podem ser explicadas pela diferença de ancoragem temporal: no caso do pretérito perfeito é o ME, o qual estabelece relações temporais diretamente com o MF24 e considera-se a indicação temporal absoluta, interpretável como passado; no caso do pretérito imperfeito, a ancoragem temporal é o tempo de outro acontecimento já enunciado em relação a MF e fala-se da indicação de tempo relativa, traduzida em termos de simultaneidade a outro evento passado. (OLIVEIRA, 2003, p.5)
Concordamos com a autora quando traz ainda um argumento, para nós muito
importante, sobre o pretérito imperfeito:
Observa-se que entre o presente do indicativo e o pretérito imperfeito há um paralelismo aspectual. Essa semelhança deve-se ao fato de que o imperfeito é um “presente do passado”, pois é o tempo usado quando nos referimos a uma época passada e descrevemos o que então era presente. (OLIVEIRA, 2003, p. 5)
Quanto ao tempo futuro, vamos apenas assinalar sua definição de acordo com Oliveira
(2003), segundo a qual seu valor temporal seria o de posteridade em relação a MF. Sendo
assim, entendemos o que muitos estudiosos explicam a respeito do futuro, dentre eles Corôa
(2005), em quem estamos nos baseando neste ponto, sobre o fato do futuro ser um tempo
hipotético. Isso se explica na ideia de que o vir a ser não é possível de ser constatado como
realidade. Logo, salientamos que, por esse motivo, que esse tempo verbal não é objeto de
estudo nesta tese.
Essas foram as perspectivas temporais com relação ao verbo. Porém, além dos verbos,
a língua portuguesa utiliza, para a localização temporal, os adverbiais e conectivos:
(1) Ontem estudei para a prova de inglês.
(2) Ontem à noite, com muita festa, termina o Festival de Inverno de São João del-
Rei.
(3) - Amanhã, nossa cidade comemora o dia da Padroeira do Brasil.
24 ME e MF são respectivamente momento do evento e momento da fala.
63
(4) - Meu filho faz, neste momento, o exame de qualificação.
(5) Desde que eu me entendo por gente, eu falo português.
(6) Quando eu estava na faculdade, eu estudava muito menos do que hoje em dia.
Entre as expressões adverbiais temporais, incluem-se elementos com configurações
sintáticas diversas. Além dos adverbiais de tempo, ilustrados nos exemplos (1) a (4), também
é possível representar o tempo por meio de frases introduzidas por conectores com valor
temporal, como nos exemplos (5) e (6).
Quando tratamos da localização no tempo, pensamos geralmente no tempo
cronológico. Mas, em se tratando do tempo linguístico, este estaria mais ligado ao momento
em que o sujeito do discurso fala.
3.2.2.1 Os morfemas temporais na Língua Portuguesa
Na língua portuguesa, a categoria gramatical de tempo geralmente situa o processo
verbal em relação ao momento em que se fala. Associando-se a expressão do tempo à
expressão do aspecto verbal, como é representado na língua portuguesa, temos:
1º) Presente: Eu estudo;
2º) Passado ou pretérito perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito, respectivamente: Eu
estudei, eu estudava, eu estudara;
3º) Futuro do presente e do pretérito, respectivamente: Eu estudarei, eu estudaria.
Agora, relacionando os morfemas modo-temporais, em relação aos verbos regulares:
1º) Presente do indicativo: Ø (zero);
2º) Presente do subjuntivo ou conjuntivo: e (primeira conjugação); a (segunda e
terceira conjugações);
3º) Imperfeito do indicativo: -va / -ve (primeira conjugação); -a /-e (segunda e terceira
conjugações);
4º) Imperfeito do conjuntivo: -sse;
64
5º) Perfeito do indicativo: Ø (zero). No caso, o morfema será indicado por um
processo de acumulação de funções por parte dos morfemas desinenciais de pessoa;
6º) Mais-que-perfeito: -ra / -re (átonos);
7º) Futuro do presente: -ra / -re (tônicos);
8º) Futuro do pretérito: -ria / -rie;
9º) Futuro do conjuntivo: -r.
Segundo Amarante de Azevedo Filho (2013), além de uma expressão modo-temporal
específica, o processo verbal pode ser encarado em si mesmo (infinitivo); participar de uma
função adjetiva (particípio); ou participar de uma função adverbial (gerúndio). São as
chamadas formas nominais do verbo, apresentando os seguintes morfemas desinenciais:
1º) Infinitivo: -r;
2º) Gerúndio: -ndo;
3º) Particípio: -d(o).
3.2.3 O Estudo do Tempo na Língua Alemã
As primeiras gramáticas alemãs, segundo Brunner (2003), tiveram influência das
escolas latinas, de onde foram adotados os conceitos e categorias, dentre as quais a de tempo.
Seis formas verbais25 resultam da busca de equivalentes alemães para a categoria tempo:
Präsens (presente), Perfekt (perfeito), Imperfekt ou Präteritum (imperfeito ou pretérito),
Plusquamperfekt (mais-que-perfeito), Futur I und Futur II (futuro I e futuro II)26.
25 Esclarecemos que essas formas verbais do alemão, embora, quando traduzidas, seus nomes
correspondam a nomes também existentes no PB, não há nenhuma correspondência entre elas, de um idioma para o outro. Em outras palavras, o pretérito, o perfeito, dentre outras denominações da língua alemã não correspondem às formas que têm esse mesmo nome no português.
26 Futuro I é o futuro próximo, e o Futuro II, aquele que estará executado em um momento futuro determinado.
65
Quadro 3 - Die 6 Tempora der klassischen Grammatik ( Os seis tempos gramaticais na gramática clássica)
Bezeichnung (denominação)
Latein (Latim) Deutsch (alemão)27
Präsens (Presente) Scribo Ich schreibe
(escrevo)
Perfekt (Perfeito) Scripsi Ich habe geschrieben (eu escrevi ou escrevia)
Imperfekt
(Imperfeito) Scribebam Ich schrieb
(escrevi ou escrevia)
Plusquamperfekt (Mais-que-perfeito)
Scripseram Ich hatte geschrieben (eu tinha escrito)
Futur I (Futuro I) Scribam Ich werde schreiben
(eu vou escrever)
Futur II (Futuro II) Scripsero Ich werde geschrieben haben (eu vou ter escrito).
Fonte: Brunner (2003)28
As seis formas gramaticais da tabela 1 são base e ponto de partida para considerações
sobre o sistema temporal dos verbos em alemão. As gramáticas normativas deste idioma
seguem essa formalística e costumam definir os usos do tempo mais ou menos como se segue.
O presente (Präsens)
Tomando por base o modelo de Reimann (2004), de onde extraímos a maioria dos
exemplos, o presente (Präsens) teria os seguintes usos29:
27 Traduções aproximadas, já que não há um correspondente exato dessas formas na LP. (Tradução nossa). 28 Reiteramos que algumas formas em alemão, embora, ao serem traduzidas, tenham os mesmos nomes de
formas vebais existentes em português – como “perfeito”, “imperfeito” – elas não correspondem às mesmas formas em português . Somente a denominação fica a mesma ao ser traduzida.
29 No original, segundo Reimann (2004), p.24, os usos do presente no alemão são: unmittelbare Gegenwart, zeitlos gültige Aussage, der Zustand dauert bis jetzt. (presente imediato; fato válido, independente do tempo; estado que dura até o momento).
66
Declaração imediata:
Sie ist im Esszimmer. – Ela está na sala de jantar.
Sie sieht Fernsehen. – Ela assiste televisão.
Presente atemporal:
Köln liegt in der Region des Rheins. - A cidade de Colônia fica na região do Reno.
Paris hat viele Museen. - Paris tem muitos museus.
Estado que continua até hoje:
Ich wohne schon drei Jahre Lang in München und arbeite dort. – Eu moro em
Munique há três anos e trabalho lá.
O Passado – (Vergangenheit)
Para o pretérito, em alemão, usam-se especialmente duas formas: o Perfekt e
Präteritum (perfeito e pretérito). O Perfekt é usado principalmente na linguagem cotidiana, e
o Präteritum, na linguagem escrita.
O Perfekt
É formado pelo auxiliar haben (ter) ou sein (ser), que é conjugado no presente, mais a
forma fixa do particípio II30:
Was hast Du gemacht? (o que você fez?)
O que Você
Aux Particípio do verbo fazer
30 Particípio II é uma das formas de particípio do alemão.
67
Usa-se o Perfekt para algo já executado (Ich habe geschrieben – Eu escrevi) e,
segundo Reimann (2004, p.26), seus usos consistiriam principalmente nas falas dos diálogos:
- Was hast du gestern gemacht? - O que você fez ontem?
- Ich bin ins Kino gegangen. - Eu fui ao cinema.
- Was hast du den angeschaut? – O que você assistiu?
- Den neuen Film von Wim Wenders. - O novo filme de Wim Wenders.
O Präteritum
É o tempo usado principalmente em narrativas escritas, relatos. É formado por um
verbo principal, acrescido de desinências próprias do Präteritum, que estão abaixo
exemplificadas em negrito, com o verbo fragen (perguntar):
fragte, fragtest, fragte, fragten, fragtet, fragten
Als sie gestern Abend nach Hause Kam, erschrak sie fürchterlich. Ihre Wohnungstür
war offen und Jemand fragte...
Quando ela chegou em casa na noite passada, ela assustou-se terrivelmente. A porta
estava aberta e alguém perguntou ....
O Plusquamperfekt
Usa-se para expressar algo que se sucedeu antes do que outro fato já mencionado em
Perfekt ou em Präteritum.
É formado pelo auxiliar hatte ou war (auxiliar do verbo ter ou ser, conjugado no
passado), seguido do verbo principal na forma de particípio II.
68
Der Regen hatte schon aufgehört, als ich ankam. – A chuva já tinha parado quando eu
cheguei.
Der Zug war leider schon abgefahren, als ich am Bahnhof ankam. – Infelizmente o
trem já havia partido quando cheguei à estação.
O Futuro (zukunft)
Expressa um acontecimento de ocorrência incerta, como uma promessa ou uma
intenção, por exemplo.
O Futuro I retrata um futuro próximo: Ich werde schreiben. (Eu escreverei). Ele é
formado pelo auxiliar werden + a forma infinitiva do verbo, os quais colocamos em negrito,
nos exemplos que se seguem:
Ich werde dich in deiner neuen Wohnung besuchen. - Eu visitarei você em seu novo
apartamento.
Ich werde nach London fliegen, heute abends. - Eu voarei para Londres hoje à noite.
O futuro II é formado pelo auxiliar werden + infinitivo + auxiliar haben ou sein. Ele
expressa incerteza acerca de acontecimentos e estados do passado, mas também indica algo
que estará executado em um momento futuro determinado:
Ich werde morgen geschrieben haben. – Eu terei escrito amanhã.
Der Weg wird inzwischen gesperrt worden sein. – A estrada terá sido fechada por
agora.
Eisenberg (2001) traz uma descrição temporal do sistema clássico dos seis tempus do
alemão, baseados na gramática latina, com uma inovação. Ele divide o sistema clássico em
dois grupos: o primeiro, tendo o tempo presente como centro entre o pretérito e o futuro I. O
segundo grupo, tendo o perfekt entre o plusquamperfekt e o futuro II. Já Thieroff (1992)
sugere, juntamente com as categorias Tempus – Modo, uma categoria denominada “distância”
(Distanz), que categoriza afastamento e não afastamento.
69
Alguns estudiosos da língua alemã (LA) chamam atenção para as diversas
possibilidades de se categorizar gramaticalmente o tempo. A uma categoria temporal, como o
presente, por exemplo, é atribuída uma forma de palavra, mas esta é apenas uma dentre várias
formas possíveis de categogrização do tempus. Cf. Eisenberg (2001), Thieroff (1992),
Brunner (2003).
Vimos nesta seção a influência das escolas latinas na categoria tempo que, unida aos
equivalentes alemães, resultou em seis formas verbais. Fizemos uma breve descrição dessas
seis formas, de acordo com as gramáticas normativas da língua alemã, chamando a atenção
para o fato de que as formas mais respresentadas na fala são o presente e, no passado, o
Perfekt. Assinalamos ainda que o Präteritum é mais usado nas narrações escritas e que as
formas Plusquamperfekt e Futur II são mais formais e estão mais presentes em obras
literárias, praticamente não sendo usadas na fala do dia a dia. Para os nossos objetivos, vamos
nos concentrar então nas formas que representam mais a fala.
Neste capítulo 3 realizamos um esquema sobre o tempo. Abordamos inicialmente as
noções sobre tempo e aspecto, buscando diferenciar essas duas categorias. Apresentamos
então um histórico sobre o tempo, tentando mostrar como este vai sendo representado
linguisticamente. Fizemos referência a estudos de destaque sobre este tema, apontando os
trabalhos de Reichenbach (1947), que apresenta um sistema temporal definido a partir da
combinação de três pontos: de fala, de evento e de referência. Trouxemos também vários
pontos do estudo de Comrie (1976) sobre o tempo, dentre eles as diversas formas de sua
marcação, as características do tempo linguístico e o trabalho com as relações de
simultaneidade, anterioridade e posterioridade. Trouxemos a contribuição de pesquisadores
brasileiros – Castilho (1968), Travaglia (1981, 2006), dentre outros, para a caracterização da
categoria tempo no português brasileiro. Caracterizamos ainda a partir de Brunner (2003),
Eisenberg (2001) e outros o tempo na língua alemã.
Fizemos um resumo dos assuntos que foram aboradados neste capítulo. Agora, para
finalizar nossa exposição sobre a categoria tempo, trazemos, no quadro a seguir, um resumo
dos principais pressupostos que nortearam o estudo sobre a referida categoria.
70
3.2.4 Resumo dos principais pontos apresentados pelos diversos autores sobre a categoria
tempo
Quadro 4 - Pressupostos sobre a categoria tempo
Autores
Pressupostos
Aristóteles, Relação do tempo ao movimento e a mudanças: não haveria tempo sem a existência de mudanças nem sem o movimento (Kínesis), pois, quando percebemos o movimento, é que percebemos o tempo, o qual pode ser medido com relação ao que é anterior e posterior.
Reichenbach (1947)
Propõe um modelo no qual a temporalidade é descrita a partir da interação de três pontos: momento da fala (MF), momento do evento (ME) e o momento de referência (MR).
Vendler (1967) Vê no conceito de verbo algo além da discriminação entre passado, presente e futuro, chamando atenção para outros conceitos subjacentes a estas noções de tempo
Comrie (1985) Define tempo como uma categoria dêitica, cuja referência é o tempo presente, mas que pode ter referência a um tempo que o antecede ou o sucede.
Assinala o tempo gramatical como as formas em que a localização no tempo pode ser expressa na linguagem da seguinte forma: por itens lexicais; por expressões gramaticais lexicalmente compostas e expressões sintáticas;por categorias gramaticais, como as flexões verbais, que variam de língua para língua.
Castilho (1968)
Define a categoria tempo como aquela que localiza a situação em um determinado momento, servindo-se, para tal localização, dos pontos de referência que estão centrados, geralmente, no falante, no momento de ocorrência de outra situação e no momento em que, no plano das ideias, situa-se o falante – isso quer dizer um situar-se física ou psicologicamente no momento passado ou futuro.
71
- Argumentando sobre a característica abstrata que encerra a noção de tempo, o pesquisador entende que, ao ser desviado o ponto de referência, todo o sistema temporal sofre uma oscilação. - Dificuldade na construção da oposição tempo/aspecto, fora do plano teórico, porque se trata de duas realidades de uma só face.
Travaglia (1991, 2006)
Ordena a categoria temporal em três dimensões: a do tempo referencial ou cronológico (situações se sucedem no mundo real), a do tempo no texto (ordem dos elementos no texto, em um plano linear: orações, frases, etc) e a do tempo da enunciação. (tempo em que se fala; tempo da formulação de palavras, frases, etc.). O tempo de enunciação relaciona-se com o de referência: situações podem ser passadas, presentes ou futuras ao momento da enunciação. - Assinada que as situações é que são ordenadas, sendo essa representação expressa pelos verbos ou por nomes (verbos de ligação, nomes que indicam situações e que estão na função de sujeito ou objeto). - Adverte ainda sobre vários outros elementos linguísticos de valor ou implicações temporais que funcionam como ordenadores referenciais, como é o caso das expressões adverbiais; as orações adverbiais; as datas; as preposições (após, antes de, depois de etc.); as conjunções (enquanto, depois que, antes que, logo que etc.); os verbos (iniciar, começar, terminar etc.) e outros elementos ordenadores que implicam ordem \(primeiro, segundo, último, penúltimo, aí, daí etc.). - Trabalha três sentidos básicos para o tempo:
1) categoria vebal;
2) flexão temporal;
3) a ideia geral e abstrata de tempo sem consideração de sua indicação pelo verbo ou qualquer outro elemento da frase.
Corôa (2005)
- Destaca que o discurso permite estabelecer um marco a partir do qual se define um antes e um depois. - Sobre o tempo psicológico, a autora afirma que é aquele que é visto como não tendo uma duração constante e uniforme, já que existe
72
somente em função do mundo interno do indivíduo. A autora assinala ainda sobre a possibilidade de o tempo linguístico do português retratar o tempo não só pelo verbo, mas também pelo advérbio. - Aprofunda o trabalho de Reichenbach (1947), trazendo reflexões importantes. Segundo a pesquisadora, o momento do evento, processo ou ação (ME) seriam o momento da predicação; o momento da fala (MF), por outro lado, seria o momento da enunciação do evento, processo ou ação, ao qual ela chama de momento da comunicação. Por fim, o momento de referência (MR), de acordo com a autora, seria o tempo em que são definidas a anterioridade e a sitmultaneidade.
Quanto às formas de presente, passado e de futuro:
Presente Vê como discutível a definição de Reichenbach (1947) que define tempo presente como o tempus em que o ME, MF e MR são simultâneos. - Destaca algumas formas de presente que parecem atemporais: o tempo dos provérbios, que, embora ocorra no momento da fala, sabe-se que se trata de uma proposição verdadeira, independente do momento em que é enunciada. No mesmo plano estão as verdades universais e o presente habitual. - Explica o uso generalizado que se faz do presente como o ponto temporal do momento, porém, como a maioria das ações não são pontuais, ao contrário, ocorrem em um espaço de tempo maior ou menor no contínuo temporal, falando-se em presente apenas com relação ao passado e ao futuro (Cf. Admoni (1966, Bartsh, 1969, Jespersen, 1958 e Prior, 1967).
O pretérito - O pretérito está mais bem definido e localizado no ME, porque ocorre sempre antes do momento da fala (MF). -O imperfeito, como o presente, não expressa uma limitação temporal do evento. No perfeito, por outro lado, o evento sempre ocorre antes do momento da fala. - Destaca também, no imperfeito, a propriedade da habitualidade que ocorre no tempo passado e, no perfeito, a noção de resultado que é carregada com ele.
73
O futuro
- É um tempo gira dentro de um mundo possível, tendo, portanto, uma base temporal que se apoia em um mundo hipotético.
Fonte: elaborado pela autora da tese
Seguiremos, agora, com um estudo sobre aspecto, o qual buscamos apresentar como
uma categoria independente da categoria tempo. Buscamos neste trabalho traçar o ponto de
vista que assinala tempo e aspecto como categorias que se completam, sendo, porém,
diferentes: cada uma com sua especificidade.
74
4 O ASPECTO VERBAL
Introdução
Neste capítulo trataremos especificamente da estrutura interna da situação com seus
contornos e particularidades que caracterizam, sobretudo, a duração e a culminância da
situação, o que tem sido denominado aspecto – que, nesta tese, é estudado em comparação
com o tempo.
O capítulo está organizado da seguinte forma: inicialmente apresentamos uma
definição de aspecto a partir de suas propriedades. Em seguida, trazemos alguns autores que
aprofundaram o estudo sobre o tema, dissociando-o da categoria tempo. Entendemos que o
objeto de estudo apresentado dessa forma, dissociando tempo de aspecto, pode nos oferecer
um campo de estudos mais claro dentro da teoria gerativa.
Iniciamos com Vendler (1967), que, partindo de uma reflexão de conceitos
aristotélicos, dá encaminhamento a estudos específicos sobre a categoria. Na sequência,
retomamos alguns estudiosos já mencionados no capítulo anterior, ao tratarmos do estudo da
categoria tempo, porém, agora, estes são retomados, na busca de extrairmos o ponto de vista
mais específico desses mesmos autores sobre a categoria aspecto. A visão de outros
pesquisadores, como Verkuy (1993), Bertinetto (2001), Rothstein (2004) e outros também
será apresentada, para compor um apanhado que pretendemos fazer sobre o aspecto. Traremos
ainda a visão de autores brasileiros como Castilho (1968) e Ilari (1992; 2004)31.
Para conceituarmos o que vem a ser aspecto, trazemos aqui algumas de suas
propriedades. Começamos por afirmar que aspecto é uma categoria que se relaciona ao verbo
(mesmo quando não é expresso diretamente através dele) e que uma das primeiras
classificações que poderíamos fazer acerca dela apresentaria uma subdivisão entre as
sentenças que expressam eventos e aquelas que expressam estados (cf. Tenny & Pustejovsky,
2000, apud Corôa, 2005). Os eventos, de um modo geral, descrevem situações dinâmicas, e
os estados, situações não dinâmicas. Outra propriedade importante é a de ser uma categoria
que expressa o início, o desenrolar ou o terminar de uma ação. Uma mesma situação pode ser
representada como estando em curso, em desenvolvimento ou como um todo completo. Pode
retratar também os seus estágios dinâmicos ou seus períodos estáticos.
31 Sem perder de vista a perspectiva gerativista que norteia esta tese, da mesma forma como fizemos no capítulo
II para o conceito de tempo, também neste capítulo III, para ampliarmos o nosso estudo, trazemos autores que aprofundam o tema aspecto, mesmo sendo esses autores da linha discursiva ou de outra linha diferente da nossa.
75
Dessa forma, o significado temporal pode contribuir para a informação, no sentido de
como uma situação se desdobra – característica que se refere ao aspecto – podendo essa
relação entre tempo e aspecto ser exemplificada em (1):
(1) Quando ela estava trocando os dentinhos, teve febres muito intensas.
Na sentença, o pretérito imperfeito em negrito – cuja marcação aspectual está em seu
caráter de impefectividade - é empregado como referência temporal para a sentença seguinte
“teve febres intensas”. Dito de outra forma, a sentença “teve febres muito intensas” está
apoiada em uma referência termporal que é dada na sentença anterior. Se perguntarmos:
Quando ela teve febres intermitentes? A resposta, que tem uma noção temporal, dá a
referência desse quando ela teve as febres intermitentes: quando estava trocando os dentinhos.
Disso podemos entender que, apesar de o aspecto ser uma categoria autônoma, ela tem uma
relação com o tempo.
Outros valores ainda compõem a definição e expressão do conceito de aspecto. Para
tal, contribuem tanto os valores lexicais quanto os valores gramaticais dessa categoria.
(2) Ele leva a bola aos poucos até o campo do adversário.
(3) Ele vai levando a bola até o campo do adversário.
Em (2), exemplificamos os valores lexicais com a expressão adverbial “aos poucos”.
Quanto aos valores gramaticais, são exemplificados com a perífrase verbal, na forma
progressiva, em (3).
Nosso estudo procura ressaltar, porém, os pontos de autonomia que são capazes de
individualizar o aspecto como categoria, por exemplo, a informação sobre a classificação da
situação como sendo um evento pode informar também sobre suas partes: se ele é completo
ou se está em progresso. No plano da individualização da categoria aspectual os estudos têm
centrado bastante em uma importante dimensão: a imperfectividade, entendida como
pertencente ao plano gramatical do aspecto, que detalharemos mais adiante. Por ora,
pretendemos apresentar a evolução dos conceitos dessa categoria e, para tal, trataremos do
aspecto semântico, com Vendler, Comrie e outros, e só depois abordaremos o aspecto
gramatical.
Iniciamos com o trabalho de Vendler (1967), que se aprofundou bastante no estudo do
aspecto verbal, trazendo contribuições significativas da natureza semântica dessa categoria.
76
4.1 O trabalho de Vendler
Baseada principalmente nas classificações feitas por esse autor, a Linguística
Descritiva assinala as características do chamado aspecto lexical. Nessa perspectiva, a raiz
verbal expressa o aspecto, podendo-se considerar um evento como pontual ou durativo, por
exemplo, a partir do significado do verbo.
A abordagem de Vendler (1967) tem motivado até hoje muitos estudos, devido à
grande influência que provocou sobre as teorias do aspecto . No modelo apresentado pelo
autor, as classes aspectuais dividem-se em estados, processos, processos culminados (também
chamados accomplishments) e culminações (denominados também achievements), as quais se
diferenciam a partir dos traços distintivos [+/- dinâmico], [+/- télico] e [+/- durativo].
Segundo Vendler (1967), a organização dos eventos seria a seguinte:
Estados - indicam processos que não se desenvolvem no tempo, aqueles do tipo não
agentivos e que dizem respeito à predicação de uma propriedade sobre um indivíduo ou um
grupo de indivíduos. Os verbos de estado, porém, expressam ainda qualidade e são
homogêneos, ou seja, em qualquer intervalo de tempo o estado permanece.
Atividades – Envolvem também processos que se desenvolvem no tempo; sendo
agentivos, dinâmicos e homogêneos, como por exemplo, correr, dirigir. Nos verbos deste tipo,
é possível identificar diferenças nos intervalos de tempo que compõem a ação – uma espécie
de fases diversas dentro do processo.
Accomplishments – ou processos culminados – também são classes compostas por
verbos que indicam realizações, mas no sentido de execução, consumação. Por outro lado,
tal qual as atividades, os accomplishments também se desenvolvem no tempo, porém
diferenciando-se delas, porque estes encaminham-se para um ponto determinado: resolver
uma equação, escrever um texto, caminhar 200 metros.
Achievements – diz respeito a verbos pontuais não durativos, que se referem apenas ao
ponto final de um evento, não se desenvolvendo, portanto, no tempo. Nesse tipo de aspecto
insere-se ainda a conquista, o feito: pintar um quadro, construir uma casa. São eventos que
têm término definido: achar acidentalmente um retrato, nascer, morrer. Diferenciam-se dos
77
accomplishments no traço que caracteriza a pontualidade, pois os achievements são pontuais,
instantâneos; e os accomplishments, durativos.
É interessante salientar que os processos culminados (accomplishments) e os verbos de
atividades trazem consigo um caráter durativo, por se desenvolverem no tempo, porém os
primeiros se diferenciam por se encaminharem para um ponto de culminação do processo. As
realizações (achievements) já não possuem essa continuidade temporal; passam de um estado
a outro sem duração interna.32
As categorias vendlerianas que apresentamos têm sido também retomadas por outros
autores cujos estudos vêm sendo ampliados ou apresentados em outras perspectivas, como
detalhamos nas seções a seguir.
4.2 Aspecto em Comrie
Um dos trabalhos que retoma Vendler (1967) e que merece destaque é o de Comrie
(1976), cujo estudo sobre as noções aspectuais é bastante divulgado na Linguística. Além de
tratar da oposição entre as classes aspectuais, neste trabalho o autor discute tanto o conceito
de aspecto como outros conceitos a eles relacionados, realizando um estudo aprofundado
sobre o perfeito e imperfeito.
Baseando-se no estudo de Vendler (1967), Comrie (1976, p. 41 a 51) apresenta o
aspecto semântico a partir dos seguintes opostos:
a) Estatividade X Dinamicidade – possibilidade de um predicado
descrever ou não a alteração de um evento, em um período de tempo (estado) versus
uma alteração no que diz respeito a uma sucessão de estados ou estágios de um
processo (ou evento) que ocorre no tempo (processo).
b) Telicidade X atelicidade – possibilidade de um predicado apresentar
um fim determinado (télico) versus um fim não determinado (atélico).
c) Pontualidade X Duratividade – a possibilidade de um predicado
apresentar um evento que não se prolonga no tempo (pontual, instantâneo) versus um
evento que se prolonga no tempo (durativo).
32 No português, essa concepção de falta de duração interna nos achievements não se aplica muito bem.
78
Em sua obra de 1976, Comrie assinala distinções fundamentais entre tempo e aspecto
Gramatical. Recordamos aqui um pouco a noção de tempo, para contrapô-la à de aspecto, uma
vez que essas duas noções costumam se confundir. Nesse intento, retomamos a ideia do
chamado tempo gramatical, localizando o evento no tempo. Segundo Comrie (op. cit. p. 2), o
presente se refere ao momento da fala; o passado, ao momento anterior à fala, e o futuro, ao
tempo subsequente à fala. O aspecto, por outro lado, estaria relacionado aos diferentes modos
de ver a constituição temporal interna de uma situação, o que significa assinalar como esta
ocorreu, independentemente de quando ocorreu. O autor mostra duas possibilidades de se
relatar uma situação: em relação a algum outro tempo específico – tempo externo à situação –
ou com relação ao tempo interno da situação descrita, o qual é base da noção de aspecto. O
autor vê ainda o aspecto como o contorno da situação33 - ponto ou trecho na linha do tempo.
Outro destaque em Comrie (1976) é a caracterização da perfectividade. Segundo o
autor, o aspecto é uma categoria não dêitica, porque se refere à situação em si, marcando
assim sua possibilidade de ser perfectiva ou imperfectiva. Essa seria a constituição da situação
que estaria centrada nesses dois aspectos básicos: o perfectivo, como sendo aquele que
oferece uma visão de um evento como um todo, que exemplificamos por meio da sentença
Bebi um suco de uva.
O imperfectivo, por sua vez, diz respeito à estrutura interna da situação:
Bebia um suco de uva.
A esse respeito, Comrie (1976) assinala que
The perfect is rather different from these aspects, since it tells us nothing directly about the situation in itself, but rather relates some state to a preceding situation. (…) it expresses a relation between two time-points, on the one hand the time of the state resulting from a prior situation, and on the other the time of that prior situation.34 Comrie (1976, p. 52)
Baseado em Comrie (op. cit.), Rodrigues (2013) enfatiza:
33 Comrie (1976) define situação como sendo processo, evento ou estado. 34 O perfeito é bem diferente desses aspectos, uma vez que ele não nos diz nada diretamente sobre a situação
mesma, mas relata alguns estados precedentes à situação. (...) Ele expressa a relação entre dois pontos do tempo, de um lado, o tempo do estado resultante a partir da situação primeira, e de outro, o tempo daquela situação primeira. (Tradução nossa.)
79
(...) eventos télicos apresentam uma mudanaça de estado que é um resultado ou objetivo do evento; enquanto eventos atélicos podem ser interrompidos em qualquer momento sem prejuízo de sua efetividade, pois seu ponto final é arbitrário. (...) situações durativas estendem-se em tempo, enquanto situações instantâneas dão-se num átimo.
De acordo com a caracterização do perfeito de (Comrie,1976, p. 56), costuma-se
colocar em dúvida se este pertenceria de fato à categoria aspecto, já que aponta apenas a
relevância de uma situação passada, ao invés de, como os demais aspectos, relacionar-se à
estrutura temporal interna da situação. O perfeito, na verdade, expressa a relação entre dois
pontos no tempo, um referente a uma situação anterior e outro tempo referente ao estado
resultante dessa situação anterior. Os exemplos que se seguem mostram essas características
do perfeito, os quais parecem se ajustar mais à língua inglesa. Na perspectiva deste idioma, o
perfeito distingue apenas manifestações de situações que ocorrem no passado, porém, por
outro lado, todas elas parecem possuir, características de duração, o que em nossa pesquisa
tem sido visto como uma propriedade aspectual.
Comrie (op. cit), ressalvando que nem todas as formas que a gramática denomina
como perfeito expressam o sentido do perfeito, traz algumas classificações para a referida
categoria. Embora esta caracterização não seja exatamente a mesma nas diferentes línguas – o
que dificulta sua exemplificação, na língua portuguesa, por exemplo – o estudo dos exemplos
que o pesquisador traz é importante para a reflexão da noção de perfectividade:
Perfeito de resultado - um estado presente é referido como sendo resultado de uma
situação passada: esta é a mais clara manifestação da presente relevância de uma situação no
pretérito, que pode ser exemplificada com a frase “he has had a bath”35, indicando que o
resultado do banho dele ainda se mantém, uma vez que ele está limpo ainda.
Perfeito experiencial - indica que uma dada situação ocorreu pelo menos uma vez em
algum momento no passado, sendo conduzida até o presente. Segundo Comrie, há línguas,
como o mandarim, que marcam essa distinção com um sufixo, enquanto em outras essa
distinção é irrelevante.
35 Não traduziremos os exemplos sobre os tipos de perfectividade, porque isso levaria a perda de sua essência
dentro da própria noção que o autor está trazendo.
80
Perfeito de uma situação persistente - forma em que se descreve uma situação que se
iniciou no passado, mas que continua até o presente. É bastante utilizada no inglês: I´ve
studied here for five years.
Perfeito de um passado recente - o perfeito pode ser usado nos casos em que a
relevância presente da situação passada é simplesmente de proximidade temporal, ou seja,
quando a situação passada é bem recente. A utilização ou não do perfeito nesse tipo de
situação varia de língua para língua, assunto em que não pretendemos nos aprofundar nesta
tese.
Como já salientamos, embora a visão de perfectividade que foi expressa aqui não
abranja todas as línguas, ela mostra as variações da situação relatada no passado, com
duração. Em português, em alemão e em algumas outras línguas, o que se denomina
perfectivo não tem relação com a visão trazida aqui por Comrie (1976), como será
evidenciado no decorrer de nossa pesquisa.
O que nos interessa nesta tese é a caracterização geral de perfectividade trazida pelo
autor, segundo a qual o aspecto perfeito é visto em contraste com o aspecto imperfeito.
Enquanto o primeiro trata de um evento como concluído, o imperfeito aborda a situação com
relação a um ponto de referência (presente, passado, ou com relação a outro evento e em
andamento) – dado que traz semelhança com a imperfectivade da língua portuguesa. Na
verdade, Comrie (op. cit.) vê o imperfectivo como a caracterização de um período de tempo –
ao que ele, diversas vezes, se refere como a situação sendo vista de dentro. Por outro lado,
explica o autor que, em algumas línguas, há uma categoria para representar o aspecto
imperfectivo; em outras línguas, esse aspecto imperfeito é subdividido em diferentes
categorias. Há ainda línguas em que o aspecto imperfeito corresponde somente a uma parte
do significado da imperfectividade. Mas, apesar disso, o pesquisador apresenta uma
subdivisão típica dessa propriedade – que, a nosso ver, traz uma relação com a língua
portuguesa – que é ilustrada no diagrama a seguir, extraído de Comrie (1976, p.24):
81
Quadro 5- Classification of aspectual oppositions
Aspecto
Perfectivo imperfectivo
Habitual contínuo
Não progressivo progressivo
Fonte: Comrie (1976, p.24)
No diagrama, o autor distingue as noções de habitualidade, continuidade e
progressividade como subdivisões do imperfectivo. Para ele, o progressivo seria o sentido
mais específico da forma imperfectiva, que é a forma mais genérica, como mostra o diagrama.
Uma ação imperfectiva, vista de maneirba mais ampla, seria uma ação em andamento com
relação a um ponto de referência tanto do presente quanto do passado. O imperfectivo
caracterizaria ainda um ponto de referência habitual: o brasileiro come arroz com feijão todos
os dias; Eu me interesso por história antiga.
Outra particularidade do aspecto imperfectivo apontada no diagrama é o traço de
continuidade que diz respeito ao fato de a situação36 estar ou não em andamento com relação
a um ponto de referência. Porém, a continuidade trazida pelo autor tem um caráter negativo,
uma vez que é vista como “uma imperfectividade que não é habitual.”
Trouxemos até aqui a visão de dois estudiosos que embasaram grande parte dos
estudos sobre a categoria aspecto, desvinculando-a da categoria tempo, para melhor estudá-la
e caracterizá-la. A partir deles, outras pesquisas dentro desta linha tomaram forma, e uma série
de trabalhos merece ser abordada, dado a contribuição que tem oferecido para o estudo da
língua.
36 Situação, para Comrie (1976), é definida por evento, estado ou ação.
82
4.3 A evolução dos estudos sobre o aspecto
Pesquisas que aprofundam o estudo da categoria aspecto têm crescido
consideravelmente nos últimos tempos, e grande parte delas abrange, como veremos, outros
componentes além do verbo.
Alguns desses outros fatores que interferem nas classes acionais são analisados por
Mourelatos (1981), que considera as informações lexicais expressas pelo verbo; a natureza de
certos argumentos e de certas expressões adverbiais de tempo; a classificação perfectiva e
imperfectiva e, finalmente, o tempo gramatical – tudo isso – como fatores determinantes do
aspecto.
Smith (1983) denomina aspecto de situação o correspondente ao aspecto semântico e o
vê como um fenômeno cognitivo, ao passo que caracteriza o aspecto que corresponde ao
gramatical – denominado por ela aspecto de ponto de vista – como um fenômeno gramatical.
Já a construção de classes aspectuais pelos predicados foi o objeto de investigação de
Verkuy (1993, p. 52), que traz grande contribuição sobre o assunto quando assinala que tanto
as atividades como os processos culminados (accomplishments) e as realizações
(achievements) são construídos a partir de predicados. Em outras palavras, o autor considera
que os predicados pertencem a classes aspectuais. Nessa linha de raciocínio, que será mais
aprofundada na próxima seção, têm sido encaminhados muitos estudos, os quais atribuem à
predicação a possibilidade de incluir alguns verbos numa ou noutra categoria aspectual,
levando-se em conta também outros processos sintáticos, como o dos argumentos e adjuntos,
por exemplo. Nesse sentido, pode-se observar a relação sintático-semântica que guarda a
noção aspectual dentro da predicação.
Mas analisemos agora a noção aspectual no que diz respeito à demarcação de dois
domínios que se referem a fatos linguísticos diferentes: o aspecto lexical, que abrange o nível
do léxico, e o aspecto gramatical, que tem sido descrito com uma manifestação morfológica
flexional, a qual pode se caracterizar pela distinção perfectivo versus imperfectivo. Existem
autores ainda que tratam de outra categoria aspectual denominada Aktionsart (Verkuyl, 1968,
Corôa, 2005, Salles, 2010 etc.) – assunto que será aprofundado na próxima seção. Contudo,
no momento, abordamos apenas o fato de essa denominação ser encarada como controversa.
Para alguns estudiosos, aspecto lexical é sinônimo de Aktionsart – concepção muito divulgada
na literatura sobre aspecto. Porém, há os que concebem Aktionsart como uma categoria
diferente de aspecto lexical (Cf. Castilho, 1968; Buscha 1999; Serina 2007).
83
Um enfoque que merece destaque no estudo deste tema trazem Wachowicz e Fortran
(2006), retomando o estudo de Vendler (1967), sobre o qual chamam a atenção para dois
eixos por que perpassam os eventos. Um desses eixos é o que elas denominam ponto télico, e
o outro eixo chamam-no análise da progressão ou desenvolvimento do evento, conforme
descrevemos mais detalhadamente na sequência.
O ponto télico - chamado também de ponto final determinado ou de culminação,
refere-se à subdivisão das classes acionais em dois grupos:
• O grupo dos accomplishments e dos achievements, que forma
o grupo [+télico], no qual as propriedades são determinadas pela descrição do
evento. Entretanto, há um ponto final natural determinado por essa descrição
da eventualidade, mesmo que seja um tanto vago, tal qual há nos verbos do
tipo nadar, correr.
• O grupo das atividades e dos estados – que forma o grupo [-télico],
o qual traz a noção de que, uma vez iniciadas as atividades, estas podem se
desenrolar indefinidamente, porque sua natureza não determina um ponto
final.
Sintetizando a perspectiva de Wachowicz e Fortran (2006), nas classes acionais do
primeiro grupo apresentado, que chamaremos grupo 1, é necessário que se chegue a um ponto
de culminação para que os eventos sejam verdadeiros e, nas classes do segundo grupo, não se
indica que os eventos sejam realizadas a partir de um ponto e se encaminhem para um ponto
final.
A proposta das autoras é ainda ampliada com a associação da noção de cumulatividade
e quantização aos referidos grupos, como propriedades determinantes para a telicidade ou
atelicidade de um predicado. A cumulatividade diz respeito a um fenômeno em que a soma
das noções expressas pelo verbo (como correr, nadar) são cumulativas, ao passo que a soma
dos eventos em predicados como “comeu quatro maçãs” traz uma noção quantitativa, por
exemplo. Somando-se dois eventos como este, teríamos “comeu oito maçãs” (Cf. Krifka,
1998). Prosseguindo, as autoras associam a propriedade da homogeneidade à não quantização,
seguindo o que aponta Rothstein (2004), que pode ser assim resumidos: os predicados
homogêneos tendem a ser cumulativos, e os não homogêneos, quantificados.
84
Até agora vimos uma relação entre atélicos, cumulativos, homogêneos, por um lado, e
télicos, quantitativos, não homogêneos, por outro lado.
O eixo da análise da progressão ou desenvolvimento do evento
Os eventos ou classes acionais são caracterizados ainda por um segundo eixo: +/-
progressivo. Este diz respeito também a dois agrupamentos que separam as atividades e
accomplishments, de um lado, e os estados e achievements, de outro. Detalhando essa
proposta, temos a presença da forma progressiva revelando uma separação entre dois tipos de
valores:
Grupo 1 – atividades e accomplishments – representado pelas eventualidades que
progridem no tempo, em pequenos estágios:
(1) Eles estão correndo no jardim.
(2) Ela está construindo uma casa.
Grupo 2 - estados e achievements – representado pelas eventualidades que não se
caracterizam por progredirem no tempo e que não apresentam estágios:
(3) Ela está amando.
(4) Eles estão chegando.
(Cf. Rothstein, 2004; Bartinetto, 2001, apud Wachowicz e Fortran 2006).
Resumindo a visão desses estudiosos no que se refere às características das
eventuadalidades do tipo estágio, telicidade, duração e dinamicidade, teríamos:
85
Quadro 6 - Caracterização dos Eventos
[+/- estágio] [+/- télico] [+/-durativo] [+/- dinâmico] [+/- homogêneo]
Estados
- - + - +
Atividades
+ - + + +
Achievements
- + - + -
Accomplisments
+ + + + -
Fonte: elaborado pela autora da tese O estudo sobre os fatores que interferem nas classes gramaticais, contudo, ganha mais
força com a ideia de que as classes acionais podem ser estudadas ainda sob um enfoque mais
sintático, como veremos a seguir.
4.4 Reflexões sobre a representação sintática das classes acionais
De acordo com Vendler (1967), os verbos carregariam as classes acionais, embora ele
oponha um verbo de atividade como “correr” e um accomplishment como “correr uma
milha” – o que já sugere, segundo Wachowicz e Fortran (2006), que algo além do verbo
estaria colaborando na representação do aspecto.
Verkyl (1972) vê que os VPs carregariam a representação das classes acionais, sendo
esta uma propriedade do sintagma verbal. A telicidade, segundo a autora, seria determinada
pelo objeto direto, por meio da presença de um determinante definido, quantificado ou
genérico. Em síntese, a distinção aspectual para Verkyl (1972) estaria, no âmbito do VP, na
interação do verbo com seu argumento.
Analisando-se o estudo de Bertinetto (2001), encontramos a proposta de se entender o
predicado como um bloco, o que envolve também o sistema argumental: o predicado junto
com seus argumentos. Nessa perspectiva, “desenhar,” quando ocorre sozinho, seria uma
atividade, enquanto que, se se apresentasse juntamente com um argumento do tipo “um
círculo” em “desenhar um círculo”, estaríamos diante de um verbo do tipo accomplishment.
Isso é devido à natureza do sintagma que tem a função de complemento:
86
Desenhar um círculo
Um círculo [+ determinado] e [+ singular]
Desenhar dez círculos
Dez círculos [+ determinante] e [- singular]
Já a proposta de Rothstein (2004) avança um pouco mais no sentido de pressupor na
classificação das ações (classes acionais), um conjunto de restrições sobre que tipos de
significados o verbo pode ter, juntamente com os tipos de eventos, associados a eles. Dessa
forma, as classes aspectuais transcenderiam o sentido lexical do verbo.
Para a pesquisadora, há uma diferenciação entre propriedades dos verbos (estados,
atividades, achievements e accomplishments) e propriedade dos VPs (telicidade, atelicidade).
Porém, as propriedades dos VPs seriam características de uma classe de verbos. Por exemplo,
“construir uma casa” e “construir casas” são VPs télicos e atélicos, respectivamente,
nucleados por um verbo de atividade. De acordo com essa perspectiva, somente um verbo do
tipo accomplishment pode ter sua telicidade alterada em decorrência do objeto direto –
propriedade, segundo a pesquisadora, exclusiva dessa classe de verbos.
Em resumo, apoiando-se na ideia de ser o léxico um fenômeno estrutural que traz uma
contribuição relevante para se determinar a acionalidade, é da combinação do verbo com
outros elementos da sentença que são estabelecidas as propriedades acionais. “A informação
aspectual de natureza lexical toma dimensões para além do item verbal isoladamente e
envolve informações semânticas do objeto.” O traço de telicidade seria atribuído ao VP,
enquanto que as classes acionais seriam atribuídas ao verbo.
Verbo – Classe acionais
VP – Traços de telicidade.
Neste ponto, entra em jogo o aspecto lexical e o gramatical. Há estudos assinalando
para uma relação entre léxico e flexão pela associação de VPs atélicos a aspecto imperfectivo
e de VPs télicos com aspecto perfectivo.
Outro ponto que merece ser destacado no estudo do aspecto diz respeito à
denominação Aktionsart – acerca da qual há uma controvérsia, uma vez que este termo tem
sido tomado como sinônimo de aspecto lexical. Muitos autores, porém, entendem haver uma
separação entre essas duas noções. Segundo Bache (1982), pode-se entender o aspecto em
87
termos de oposição perfectividade/imperfectividade, enquanto que Aktionsart é uma categoria
mais complexa, consistindo em um conjunto de oposições inter-relacionadas que representa
contrastes. Aktionsart seria a qualidade lexical objetiva que se refere ao verbo em si; o
aspecto, por outro lado, marcaria o ponto de vista subjetivo do falante, portanto externo à
própria situação. Diversos autores, dentre eles Verkuyl (1999), propõem o aspecto gramatical
como sendo uma propriedade de caráter morfológico e/ou sintático, com caráter também
subjetivo. Por outro lado, o aspecto lexical coincidiria com a Aktionsart.
Mas nem todos os linguistas compartilham desse ponto de vista. Autores como
Castilho (1968) e outros vêm a Aktionsart como uma categoria que não se justifica na língua
portuguesa. Seguindo essa visão de Castilho (op. cit.), Serina (2007) problematiza a inserção
desta categoria no estudo do aspecto lexical não só pelo fato de ela ser encarada como parte
do aspecto lexical, mas por ver também que esta é uma categoria que não tem razão de ser na
LP.
Aktionsart, segundo a autora, é definida a partir das características da raiz verbal, em
sua essência semântica, o que não corresponde exatamente à classificação do aspecto lexical
que caracteriza os diferentes estágios relativos à culminação da ação ou evento. Implica
também um conjunto de distinções que caracterizariam, segundo suas propriedades
semânticas, a estrutura interna do que é descrito pelo verbo.
Por outro lado, é importante ter em conta que a categoria Aktionsart é considerada na
língua alemã, podendo, nesse idioma, ser definida a partir das características da raiz do verbo,
no ponto de vista semântico, como também de outras formas específicas – o que pode ser
verificado na seção 3.6.5, que trata da gramática da língua alemã. Um ponto bastante
importante neste estudo é que, embora haja muitas propostas sobre a universalidade do
aspecto lexical, não se pode negar que há variações entre as línguas no que se refere à sua
representação, como também de que nem todos os eventos e estados encontrados nas línguas
estão inseridos nas categorias que a literatura geralmente apresenta para o aspecto lexical. (Cf.
Serina, 2007)
Já com relação ao aspecto gramatical, ele manifesta-se através de elementos
linguísticos tais como morfemas derivacionais (rever), morfemas flexionais (brincava) ou
verbos auxiliares (estava cantando). Trata-se de um elemento morfológico de natureza
gramatical. (Cf. Serina op. cit).
(4) Estava reescrevendo a carta.
88
Na sentença (3), o aspecto lexical informa que o verbo se refere a um processo
culminado, e o aspecto gramatical, por sua vez, expressa a noção de tempo, por meio dos
morfemas derivacionais (reescrever), dos morfemas flexionais (-va e –ndo) e por meio do
auxiliar (estava). Por outro lado, a noção de culminância é dada também pelo argumento
interno, no exemplo, “uma carta”.
Na seção seguinte, abordamos relações que apontam para a uma investigação deste
tema também no plano sintático.
4.4.1 A dimensão sintática da categoria aspecto
Vários estudos têm demonstrado que a interpretação aspectual está representada
sintaticamente. Salles (2011) postula que há o estabelecimento de um requisito, na sintaxe,
para o cálculo da interpretação aspectual, a partir do sentido que se dá na configuração
verbo/complemento, o que permite que se fale na expressão do aspecto no domínio da
projeção do verbo (VP), a qual a autora denomina de Aktionsart.
Sobre a interpretação aspectual e a sintaxe, esta é uma questão formulada também em
Verkuyl (1972, 1993), desenvolvida por Tenny (1994), Dowty (1979), Krifka (1989) e
outros. Nesse ponto de vista, a interpretação télica surge com a presença de um argumento
marcado positivamente para a propriedade semântica definida com quantidade específica
[+SQA], que é sintaticamente reconhecida como objeto direto (OD). A posição canônica de
OD, nessa perspectiva, licenciaria traços formais de aspecto na projeção do sintagma verbal.
Segundo Salles (2011), da perspectiva adotada por esses autores
Resulta o estabelecimento de uma tipologia de eventos, em que se distinguem, por um lado, predicados marcados como télicos (culminações/achievevements e processos culminados/ accomplishments) e, por outro, predicados atélicos (processos), os quais, por sua vez, distinguem-se dos estados. Com base nesses pressupostos, são analisados os predicados de comportamento variável (variable-behaviour predicates), ilustrados em (13) e (14)37, do italiano, em que o mesmo verbo está associado, respectivamente, à interpretação atélica e télica, com implicações para a seleção do auxiliar (SALES, 2011, pág. 197, parágrafo 2).
Fundamentando-se na definição do mapeamento sintático dos argumentos de um
determinado predicado, isso pode ser feito na atribuição de papel temático no âmbito sintático
37 Referem-se ao exemplos ilustrados por Sales (2011) p. 198: (13) Gianni a corso G. há corrido ‘Gianni correu’ (14) Gianni e corso a casa G. é corrido para casa ‘Gianni correu para casa’
89
ou pela projeção dos argumentos, na interpretação de seus papéis argumentais, o que se
determina composicionalmente em termos das categorias sintáticas envolvidas. Tais
categorias, por sua vez, são determinadas pelas propriedades aspectuais do predicado ou
propriedades ontologias das categorias envolvidas38, que definem o evento que as determina.
“Nessa abordagem, papéis argumentais são interpretados na projeção dos núcleos funcionais
marcados por traços aspectuais, a qual é definida pela estrutura do evento, sendo o argumento
interno realizado em uma posição associada à semântica de qualidade.” (SALES, 2011, pág.
199, parágrafo 4).
Os papéis argumentais sintaticamente relevantes, nessa proposta, são também
relevantes para a interpretação aspectual. As propriedades da projeção sintática são
independentes das propriedades lexicais definidas pelo predicado, embora possa haver
compatibilidade entre o lexical e a noção de composicionalidade. Segundo Borer (2005, p.
46), o verbo seria um modificador do evento e não o determinante de sua interpretação.
Tudo isso indica que o aspecto gramatical completa as informações oferecidas pelo
significado do verbo no que diz respeito à sua culminância e também à sua duração. Vejamos
o exemplo do morfema “-ndo” do verbo escrever. Este traz uma contribuição ao significado
do verbo, salientando sua duração. Outra forma de expressão da duração se dá pela própria
natureza do verbo escrever, que se encaminha para culminância. Por fim, a duração pode ser
marcada pelo argumento interno em uma frase como “Ele escreve uma carta”, em que o
objeto “uma carta” traduz a culminância da ação de escrever.
Concluindo, os estudos recentes têm apontado o aspecto lexical e o gramatical como
independentes, mas relacionados, o que leva à constituição de um quadro geral que compõe a
expressão das eventualidades.
4.5 O estudo do aspecto sob o ponto de vista dos pesquisadores brasileiros
O aspecto como categoria independente tem sido objeto de estudo também por parte
de pesquisadores brasileiros. A relação da noção aspectual atrelada a vários elementos da
sentença é uma ideia compartilhada por Castilho (1968), Travaglia (1991) e por Ilari (2001),
embora estes estudiosos apresentem também pontos divergentes na concepção da categoria
que estamos estudando, como detalharemos a seguir.
38 Ontologia – “Tratado dos seres em geral; teoria ou ciência do ser enquanto ser, considerado em si mesmo,
independentemente do modo pelo qual se manifesta.” (Bueno, 2000, pág. 555)
90
Castilho (1968) realizou um profundo trabalho de pesquisa sobre o aspecto, no qual
buscou retratar o surgimento da categoria, sua conceituação e suas classificações. De acordo
com a definição do pesquisador, aspecto expressa, uma ideia, concreta e objetiva, relacionada
aos diversos pontos do tempo, os quais consistem na duração de um determinado processo.
O aspecto é a visão objetiva da relação entre o processo e o estado expressos pelo verbo e a idéia de duração ou desenvolvimento. É, pois, a representação espacial do processo. Esta definição, baseada na observação dos fatos, atende à realidade etimológica da palavra "aspecto" (que encerra a raiz * spek = "ver") e insiste na objetividade característica da noção aspectual, a que contrapomos a subjetividade da noção temporal . Obviamente não afastamos a hipótese de que ela venha a ser aperfeiçoada no momento em que dispusermos de uma quantidade razoável de estudos sobre a matéria (CASTILHO, 1968, p. 14).
Já para Câmara Júnior (1969, p. 140), a duração do processo, representada pela
categoria aspecto pode ser vista sob diferentes perspectivas: como um ponto instantâneo;
como uma linha contínua ou repetitiva, dentro da noção de duração; como um evento
iniciado; como concluso ou ainda como permanecendo com seus efeitos depois de realizado.
Embora o estudo do aspecto tenha várias facetas, nesta tese vamos nos concentrar apenas no
ponto de vista da duração e da completude ou conclusão da ação e compartilhamos a visão de
que o aspecto não está concentrado apenas no verbo.
Voltando a Castilho (1968), embora o aspecto se relacione com a categoria tempo, a
diferenciação entre essas duas categorias está no fato de que o tempo estaria mais vinculado a
um dado momento do processo, enquanto que o aspecto estaria centrado na referência à
atualização espacial, quantitativa do processo verbal.
É com esse olhar que Castilho (1968) analisa as duas categorias no português
brasileiro (PB), apontando que, neste idioma, o aspecto não dispõe de morfologia própria e
que, por esse motivo, o falante precisa fazer uso de diversos recursos linguísticos para
codificar os valores aspectuais. Com base nesses pontos, Castilho (2002) assinala alguns
momentos do estudo da categoria aspecto, que sintetizamos a seguir.
A 1ª fase, denominada léxico-semântica ou Aktionsarten, é a fase em que se atribuem
noções aspectuais ao radical do verbo. Estão inseridos nessa fase Diez (1876), Bellos, (1978),
Jersppersen (1924) e Bull (1960).
2ª fase, semântico-sintática composicional, é a fase em que o aspecto passa a ser
concebido como uma propriedade da predicação. É representada por Castilho (1968, 2002) e
por Travaglia (1991, 1994).
91
A 3ª fase é denominada discursiva, sendo representada por Hopper e Thompson
(1980). Nela, é avaliada a significação contextual.
Vou fundamentar-me nessas fases para descrever as opções do falante ao codificar o aspecto: (1) a primeira opção é escolher um item no léxico marcado pela Aktionsart requerida por sua necessidade expressiva; (2) a segunda opção é confirmar tal Aktionsart, ou alterá-la, por meio de recursos morfológicos e sintáticos; (3) a terceira opção é acomodar o aspecto assim configurado na articulação discursiva. (CASTILHO, 2002, p. 85).
Citando Guillaume (1929), o autor conclui a definição de aspecto apresentando-o
como sendo a fase do desenvolvimento do processo, ao passo que o tempo estaria ligado ao
momento em que se encontra o desenvolvimento dessa ação, tomando como referência o
momento da enunciação.
Castilho também faz referência em seus estudos ao fenômeno da perfectividade:
Se ação verbal indica uma duração, temos o aspecto imperfectivo;se é uma ação cumprida, contrária à noção de duração, o aspecto perfectivo; se uma ação repetida, o aspecto iterativo; se nada disso, vestindo-se o verbo de um tom virtual, indiferente à atualização por qualquer categoria (e no caso interessa-nos a ausência da categoria aspectual), teremos o aspecto indeterminado (CASTILHO, 1968, p. 14).
Não é apenas Castilho que chama atenção para essa relação de aspecto com espaço de
tempo. Travaglia (1994) define aspecto como o tempo gasto na realização de uma
determinada ação, ou seja, como o espaço temporal ocupado pela situação em curso,
salientando também o pesquisador que a diferença entre tempo e aspecto é que a referência
apontada pelo aspecto não diz respeito ao momento da enunciação, como acontece com a
categoria dêitica tempo.
Trazemos, a seguir, a representação do processo, entendida por Travaglia (1994) como
sendo uma representação espacial:
Figura 5 - Representação espacial de um processo A A’ B B’
a---- -- ---β
Fonte: TRAVAGLIA, 1994
92
A figura representa a duração de um processo. Nela, “a” representa a situação ainda
não começada; “β”, a situação já completa, acabada. Em “A”, há a representação do início da
situação e, em “B”, o ponto que determina o seu término. Portanto, o segmento de reta AB diz
respeito à representação da duração ou, como denomina o autor, ao tempo de
desenvolvimento da situação. Seguindo a mesma linha de raciocínio, AA’ é o segmento que
diz respeito aos momentos iniciais da situação e BB’, a seus momentos finais.
O aspecto, para Travaglia (1991), relaciona-se a uma propriedade da sentença, que traz
as marcas de duração da situação. Na verdade, o referido autor faz uma reformulação do
quadro teórico proposto por Castilho (1968), enfatizando a noção de fases, consideradas sob
diferentes pontos de vista, como o do desenvolvimento e o da completude da ação.
Para melhor exemplificar essa visão, tomemos as seguintes produções de fala:
(1) - Ontem eu estudei para a prova de inglês.
No exemplo, o falante faz referência ao tempo em que a ação ocorreu com relação ao
momento da fala.
(2) - Ontem eu não fui ao cinema porque estava estudando para a prova .
Embora em (2) a ação também tenha ocorrido antes da fala do emissor, a ênfase do
falante aqui já se encontra no desenvolvimento da ação.
Travaglia (1991) salienta ainda a respeito dos limites temporais não delimitados,
denominados também ações atemporais, que podemos exemplificar abaixo:
(3) - A Terra é redonda.
(4) - A BR 040 liga BH ao RJ.
(5) - A Justiça é uma virtude divina.
(6) - Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Dentro desse quadro estão as chamadas “verdades eternas”, que são frases de cunho
filosófico, e as sentenças de cunho científico que encerram também, de certa forma, verdades
admitidas. A esse conjunto de frases podemos acrescentar os provérbios, admitidos
popularmente.
93
No estudo do aspecto na língua portuguesa, merecem destaque os diversos trabalhos
de Ilari, que traz contribuições principalmente acerca das noções de perfectividade e também
sobre o papel dos advérbios no estudo do aspecto no idioma brasileiro.
Segundo Ilari (2004), para as definições de cada uma das fases do desenvolvimento de
uma determinada ação, é importante estabelecer a concepção aspectual de perfectivo e
imperfectivo, as quais se encontram no ponto de vista com que se observam os
acontecimentos. Um fato é visto de forma perfectiva quando é visto apenas do ponto de vista
global, como um todo, sem consideração de suas etapas de desenvolvimento. O imperfectivo,
para o autor, apresenta o acontecimento em seu desenvolvimento. Nele, a ação é observada
em sua constituição temporal interna, ou seja, a situação é apresentada como estando ainda
incompleta, aparecendo as noções aspectuais na representação das fases de desenvolvimento
da ação.
Como a forma perfectiva não dá possibilidades de divisão da ação em fases de
desenvolvimento, mas apenas com começo e fim, há estudiosos, como Costa (2002), que
veem a ação imperfectiva apenas em ações que apresentem traços de duração.
Ilari (1992) salienta que a diferença entre perfectivo e imperfectivo é aspectual e que,
em português, pode-se expressar a duração de diferentes maneiras, assinalando outros
elementos da sentença que apresentam informações aspectuais. Nessa perspectiva, seu
trabalho traz uma contribuição valiosa sobre os advérbios aspectualizadores, que se
correlacionam, segundo o pesquisador, com o tempo interno da ação, em uma relação de
compatibilidade.
O estudo de Ilari (1992) salienta restrições importantes quanto à ocorrência desses
advérbios, porém seu ponto básico está na definição que o autor faz de três tipos fundamentais
de processo do verbo, com os quais os advérbios devem concordar:
- Processos pontuais;
- Processos duráveis que evocam a ideia de tempo gasto ou empregado;
- Processos duráveis que evocam a ideia de tempo escoado.
Os processos pontuais não admitem a aplicação de noções de fase. Essa restrição faz
com que as sentenças que possuem esse tipo de verbo não possam ser marcadas com
advérbios que indiquem duração.
(7) A menina caiu do cavalo por alguns minutos.
94
No exemplo, como o verbo é télico, não admite advérbios com noções de
imperfectividade.
Como exemplos de processos duráveis que evocam a ideia de tempo gasto, temos:
(8) - Li o romance em quatro tardes.
(9) - Em um mês de trabalho já havia aprendido tudo que podia sobre a nova função.
Embora em expressões adverbiais como “em quatro tardes” e “em um mês de
trabalho” que estão em (8) e (9) tragam a ideia de tempo empregado para a realização da
oração, Ilari (1992) adverte também que há restrições a esses usos, relacionadas ao contexto.
Isso é exemplificado mostrando exemplos em que esses advérbios podem indicar ações
durativas como em
(10) - Estou lendo este livro há dois anos.
Exemplos dessa natureza confirmam a tese apresentada em Ilari (1989) – estudo
bastante aprofundado sobre a polissemia dos advérbios, no qual o autor aponta uma mesma
expressão adverbial em vários contextos diferentes, onde os advérbios assumem as funções
desse contexto, como no exemplo (10), em que a expressão adverbial “há dois anos” assume a
ideia de duração presente na forma progressiva “lendo”.
Com relação aos processos que trazem a noção de tempo escoado, o pesquisador
apresenta uma restrição: não podem ser aplicados a eles adjuntos que contenham a palavra
“agora”, como nos exemplos a seguir:
(11) - Agora no Carnaval, ele está morando no sítio do pai.
(12) - Agora à tarde vou corrigir umas provas.
Seguindo essa linha de pesquisa, baseada nas restrições ao uso de certos advérbios, o
autor apresenta, em (13), o advérbio “recentemente” como sendo só compatível com
predicados pontuais. O adjunto “naquele instante” também é apresentado em (14) como
associado a ações durativas, expressando uma ideia de início da ação.
(13) - (*) Recentemente ele morava no sítio do pai.
(14) - Naquele instante ele correu para casa (traz a ideia de início da ação de correr).
95
De acordo com Ilari (1992), os advérbios aspectualizadores fazem parte de um
conjunto maior de expressões adverbiais que expressam tempo, as quais são formadas pelo
que ele chama de “adverbiais de localização temporal”, que situam o evento em um dado
momento.
Estudamos nesta seção, de acordo com os autores que formam apresentados, o aspecto
com suas influências advindas de outros elementos da sentença. Porém, demos ênfase especial
à influência dos adverbiais, determinando o desenvolvimento da situação, mostrada em Ilari
(1989, 1992, 2004).
4.6 O aspecto na língua alemã
Além da indicação de tempo, na LA, o verbo também dá indicações quanto ao aspecto.
Estas não se dão por meio gramatical, mas sob a forma lexical, segundo Dr. Heinz Wendt,
autor de dezenas de livros sobre a gramática alemã, editados pela famosa editora
Langenscheidt, que apresenta a seguinte afirmação:
Além da indicação dos tempos, o verbo dá também, através de outros meios, indicações quanto ao aspecto. Esses meios não foram até agora apresentados num sistema gramatical, mas devem ser aprendidos sob a forma lexical. (WENDT, 1994, p.66)
O mesmo autor define aspecto como a categoria que determina se a ação está
ocorrendo no momento ou se já terminou (Cf. Wendet,1994, p.67). Nos exemplos, a seguir,
segundo o estudioso, o prefixo indica apenas o bom resultado, o esforço por: construir,
aprender, registrar, trazendo apenas, na verdade, uma certa ideia de completude39.
Quadro 7 – Completude da ação Incompleto Bauen
(construir)
Lernen
(aprender)
Buchen
(registrar)
Completo Erbauen Erlernen Verbuchen
Fonte: Wendt, 1994, p.67 39 TheFreeDictionary.com Deutsches Wörterbuch. © 2009 Farlex, Inc. and partners, assim define: “er·bau·en <erbaust, erbaute, hat erbaut> (Mit OBJ) jmd. erbaut etwas (geh., meist im Passiv ≈ bauen) errichten Die Kirche wurde im 18. Jahrhundert
erbaut. “Dicionário livre das palavras alemãs” assim define: Construir <constrói, construiu> (Com OBJ) alguém constroi algo (geh, construir principalmente em passiva ≈) A igreja foi construída no Século
18.
96
Porém, notamos que o uso desses verbos com os referidos prefixos acontecem mais,
na prática, em contextos de impessoalidade, sem que haja um sujeito da ação; daí também
esse uso colaborar com o contexto de completude, já levantado por outros estudiosos, como
Corôa (2005), quando associa a ideia de completude do perfeito com os particípios (ver seção
2.2.1.2).
Com base nessa conceituação de aspecto, Wendet (op. cit.) classifica os tipos de ação
de acordo com o seguinte critério, conforme os exemplos a seguir, cujos verbos foram por nós
grifados:
- Ação contínua: The Kerze brennt.
(A vela arde.)
- Ação concluída: Das Haus brennt ab. / Das Kind isst alles.
(A casa fica queimada. / A criança come tudo.)
- Ação que se inicia pouco a pouco: Die Blume erbluht.
(A flor desabrocha.)
- Ação que se inicia de repente : Der Junge rennt los.
(O rapaz parte correndo.)
As definições desse autor também enfrentam sérios problemas quando não
aprofundam a questão em que o aspecto formado por prefixos é apresentado como lexical,
indicando apenas que esta questão ainda não foi apresentada num sistema gramatical.
4.6.1 O estudo de Battaglia
De acordo com Battaglia (1999), em alemão, o aspecto é tido como uma categoria
lexical denominada Aktionsart. Outros estudiosos preferem ver a Aktionsart como sendo uma
parte da expressão do aspecto, como Klein (1974) e Costa (1990) que entendem que
Aktionsart e aspecto são categorias diferentes, mas que podem se complementar. Com base
nesses estudiosos, é importante, porém, deixar claro que a noção de aspecto em alemão não é
97
feita pela distinção entre perfeito e imperfeito, como no português, já que não existem as
mesmas formas na língua alemã. Além disso, em alemão, não é a posição ligada ao tempo
verbal que determina o aspecto, mas o próprio verbo e, para tal, é preciso então, neste idioma,
considerar seu significado. Daí Aktionsart ser definida como uma categoria léxico-semântica,
ou seja, inerente ao verbo, podendo ser expressa por seu radical, pela formação da palavra ou
por meios lexicais semânticos.
Há ainda estudiosos que negam a existência da categoria aspecto40 na língua alemã, o
que, para nós que assumimos um caráter universal das línguas, não encontra fundamento.
Prosseguindo com Battaglia (1999), ela traz a visão de três pesquisadores para
fundamentar seu estudo sobre Aktionsart. Segundo Helbig & Buscha (1990 apud Battaglia
1999), são destacados dois grupos básicos para a classificação da Aktionsart: os verbos
durativos e os perfectivos. Para Engel (1988, p.417, apud Battaglia, 1999), baseado na
Aktionsart, são estabelecidos três grupos: um, em que o significado lexical abrange os verbos
de característica perfectiva, citando os exemplos “erwachen” (acordar), “zerbrechen”
(quebrar). Um segundo grupo, que envolveria o significado lexical dos verbos imperfetivos:
“schlafen” (dormir) . Um terceiro grupo seria representado pelos verbos neutros em relação às
características dos dois grupos citados anteriormente. O exemplo apresentado pela autora é
dos verbos “gehen” (ir) e “singen” (cantar).
Battaglia (1999) traz a visão de Klein e Costa (1974, 1990 apud Battaglia, 1999), da
qual ela parece compartilhar. Nessa perspectiva, a Aktionsart pode se expressar pelo radical
do verbo ou pela formação da palavra.
Com relação à manifestação da Aktionsart pelo radical do verbo, a autora apresenta o
verbo “blühen” (florescer); schlafen (dormir), que são verbos durativos e imperfectivos, uma
vez que não está implícito o limite do evento.
Embora a pesquisadora não identifique exatamente quais seriam os morfemas nos
exemplos, ela afirma que a Aktionsart se manifesta pela formação da palavra através da
prefixação ou da sufixação. “Verblüen” (murchar) e “einschlafen” (adormecer) são exemplos
de prefixos adicionados aos verbos já exemplificados acima. Sobre a sufixação, “streichen”
(passar sobre) e “streicheln” (acariciar) exemplificam a adição de um sufixo ao radical do
verbo.
A autora salienta também sobre a possibilidade de Aktionsart se expressar por meios
lexicais e sintáticos, através de palavras que trazem um significado que revela algo sobre a
40 Queremos dizer o aspecto tal como é concebido na língua portuguesa, ou seja, uma categoria que expressa o
tempo interno – o qual é retratado pelo desenvolvimento da ação.
98
ação, tendo importância também a disposição desses elementos na sentença. Como exemplo,
ela cita: Er arbeit Immer/ unaufhörlich (ele trabalha sempre/continuamente) – em que os
advérbios immer e unaufhörlich trazem uma ideia de duração da ação do verbo – o que está de
acordo com as nossas observações de que o idioma alemão manifesta a aspectualidade por
meio de advérbios.
4.6.2 Considerações sobre tempo e aspecto no português brasileiro (PB) e na língua alemã
(LA)
Antes de penetrar no estudo dessas categorias no PB e na LA, retomamos uma das
hipóteses desta tese e retomamos também algumas considerações importantes acerca do
tempo e do aspecto.
Nossa tese coloca a hipótese da existência de uma separação entre tempo e aspecto,
devido a uma série de fatores que vêm sendo argumentados até aqui e que são aprofundados
no capítulo que trabalha os dados desta pesquisa. Porém, embora estejamos defendendo a
separação de tempo e de aspecto na gramática mental do indivíduo, é preciso esclarecer que
há uma ligação conceitual entre essas duas categorias. Diríamos até que, muitas vezes, a
estrutura linguística aponta para uma necessidade de concordância entre elas. Entendemos ser
isso ressaltado, de certa forma, por Comrie (1976), quando trata da importância da relação
entre tempo e aspecto, destacando a respeito de situações em que necessitamos de ambas as
categorias, a fim de darmos uma interpretação precisa do tempo. O autor refere-se a certos
morfemas que indicam em que parte do dia uma situação ocorre. Ele quer dizer que
dependemos do tempo e do aspecto do verbo, por exemplo, para interpretarmos: esta manhã,
alguma manhã do passado ou cada manhã.
A importância da relação entre essas duas categorias é estudada também por Smith
(1997), retratando que a abordagem do tempo da sentença envolve a relação entre o que esta
pesquisadora chama de tipo de situação (evento ou estado) e o ponto de vista (perfectivo e
imperfectivo). Nessa perspectiva, acreditamos que se pode dizer que o domínio do tempo
diversifica-se em vários subdomínios, que permitem que ele possa ser analisado com base
nessas diversificações, as quais se interagem, mas que não têm fronteiras bem delimitadas.
Esses subdomínios são: intervalos e quantidades de tempo, situações localizáveis no tempo,
duração e/ou frequência e expressões ou elementos com valores temporais, tais como nomes,
preposições, conjunções, advérbios, verbos e expressões complexas constituídas a partir deles.
99
O estudo de Smith (1997) explora bem a relação da categoria tempo e aspecto,
salientando que os subdomínios linguísticos denotadores de tempo encontram-se divididos em
a) estrutura temporal, b) referência temporal, c) localização temporal, d) duração, entre
outros, aos quais se aplicam os tipos de situações de Aktionsart como:
pontualidade/impontualidade, telicidade/atelicidade e homogeneidade/heterogeneidade. (Cf.
Vendler (1967) e Moens (1987) apud Smith, 1997). A importância dessas considerações se
fazem presentes quando analisamos dois idiomas como o PB e a LA.
Uma marcante diferença entre o aspecto na língua portuguesa e na língua alemã está
na própria caracterização desta categoria, cujas propriedades têm tido também interpretações
diversas.
Corseriu (1976, p.52, apud Battaglia 1999) define Aktionsart como uma subcategoria
do aspecto, ressaltando que ambas especificam o verbo, e que o aspecto, por outro lado, seria
uma maneira de se observar a ação no tempo.
Para Sacker (1977, p.24), o aspecto é uma categoria subjetiva, e Aktionsart,
uma categoria objetiva. Entretanto, atribui ao aspecto o caráter gramatical, centrado na
propriedade da imperfectividade, e atribui à Aktionsart o caráter lexical, inerente ao lexema e,
portanto, ao significado do verbo.
Battaglia (1999), estudando os tempos verbais no português e no alemão, aborda suas
diferenças e semelhanças. Seu trabalho aponta para a ideia de que o Perfekt (perf) e o
Präteritum (Prät) do alemão não correspondem ao Pretérito Perfeito (PP) e ao Pretérito
Imperfeito (PI) do português. Ela também salienta que o Perfekt e o Präteritum não estão em
oposição, como estão o PP e o PI no português.
A pesquisadora aponta ainda uma diferença, a qual nós entendemos que poderia ser
enriquecedora caso a autora conseguisse demonstrar seu fundamento. Estamos falando do que
Battaglia (1999) aponta quando diz que, por um lado, no português, o PP e o PI se
diferenciam pelo aspecto e, por outro lado, no alemão, o Perf e o Prät se diferenciam é pela
Aktionsart. Apesar de apontada uma diferença que, se fosse demonstrado o como a
pesquisadora chega a essa conclusão, a explicitação desse raciocínio poderia ser importante
para a comparação da categoria aspecto na LP e LA. Sendo assim, a falta dessa demostração
deixa uma grande lacuna no trabalho de Battaglia (op. cit.).
Outro ponto que merece destaque em Battaglia (1999) diz respeito à visão da
pesquisadora de que aspecto é apenas uma característica inerente ao tempo verbal e que nem
sempre é marcada com a noção temporal. Por outro lado, o aspecto em alemão, segundo a
autora, não tem o mesmo tratamento que é dado nas línguas românicas. Daí, ser a descrição
100
do aspecto, segundo Battaglia (op. cit.) uma das partes mais complexas de uma análise
contrastiva entre o português e o alemão. A diferença de expressão dessa categoria nas
referidas línguas, segundo a autora, acontece no âmbito gramatical, semântico e também
lexical. No português, ora o aspecto é tratado como uma categoria gramatical, ora como
semântica. Já no alemão, o aspecto é tratado como uma categoria lexical: a Aktionsart. –
ponto com o qual não concordamos e que será discutido mais adiante, na seção 4.6.5.
Como o objetivo de Battaglia (1999) é fazer uma comparação entre o alemão e o
português, ela levanta a seguinte questão:
Se a Aktionsart faz parte do significado do verbo, também não poderia estar presente nos verbos do português? É claro que sim. Em geral, no português, os aspectos perfectivo e imperfectivo são intensificados pelo significado do verbo, a Aktionssart. Mas isso não impede que, em determinadas situações, um evento durativo quanto à Aktionsart pode ser expresso por PP (o aspecto perfectivo), prevalecendo o aspecto. O patrulheiro pensou. (durativo) O verbo “pensar” indica uma ação durativa ou até mesmo um estado que se estende no tempo. Descrito em pretérito perfeito, “pensar” torna-se mais pontual. (BATTAGLIA, 1999, p.267)
O exemplo trazido mostra como na LA o significado do verbo tem papel determinante
na Aktionsarten Da citação que foi feita pode-se inferir que a autora é partidária da ideia de as
Aktionsarten fazerem parte também dos estudos aspectuais dos verbos na língua portuguesa.
Outro ponto também curioso pode-se inferir do trecho acima. Trata-se do fato de o aspecto,
concebido aqui em suas formas gramaticais perfectiva e imperfectiva, prevalecer à Aktionsart.
Em outras palavras, o aspecto gramatical, quando diante de um aspecto semântico, prevalece
sobre este – fato interessante que pode ser melhor investigado nas diversas pesquisas sobre o
tema.
Voltando ao trabalho de Battaglia (1999), estudando agora sua análise do aspecto na
língua portuguesa, observamos que a autora se apoia em Corseriu (1972), Corôa (1985), Costa
(1990) e Sacker (1977). Corseriu (1976, p.52, apud Battaglia (1999) entende aspecto e
Aktionsart como categorias que especificam o verbo. Contudo, a pesquisadora entende
também Aktionsart como sendo uma subcategoria do aspecto, o qual é entendido, por sua vez,
como uma maneira de se observar a ação no tempo. Battaglia (op. cit.) salienta, de Corôa
(2005), a definição de que aspecto é o modo de ser da ação – tradução que Corôa dá ao termo
alemão, como vimos anteriormente.
101
Com base em Costa (1985), a autora aponta uma reflexão mais aprofundada desses
termos, salientando que a língua portuguesa possui, em seu sistema semântico, “a categoria
aspecto, que pode ser atualizada através de lexemas (caso em que outros preferem chamar
Modo de ação (Aktionsart), através de morfemas flexionais ou derivacionais, e de perífrases
(...).” (Costa, 1990, p. 24 apud Battaglia 99). A pesquisadora cita Sacker (1977) quando trata
de uma proposta de três características que distinguem aspecto de Aktionsart:
O aspecto é uma categoria subjetiva, gramatical e sintática, expressa pela forma verbal através da oposição binária perfectiva e imperfectiva. A Aktionsart é uma categoria objetiva, lexical, expressa pelo verbo. É inerente ao lexema, ou melhor, ao significado do verbo (BATTAGLIA, 1999, p. 269).
Mas esta visão parece ser limitadora, uma vez que a gramática normativa alemã trata
de outras formas de expressão da Aktionsart, além daquela expressa pelo verbo, como
veremos na próxima seção. O trabalho do próprio Helbig und Buscha (1999), citado por
Battaglia, aponta várias outras formas de expressão dessa categoria.
Mesmo assim, não podemos deixar de considerar a contribuição que o trabalho da
autora traz para o esclarecimento dos diferentes pontos que envolvem a Aktionsart. Contudo,
notamos ainda que falta também nessa discussão a inclusão da categoria dos advérbios, que,
pelo papel determinante que exercem na caracterização dos modos de ação da língua alemã,
merecem ser estudados.
4.6.3 A descrição de Aktionsarten na língua alemã
Nesta seção, finalmente, entramos no estudo das Aktionsarten, no ponto de vista de
suas origens: o próprio idioma alemão. As gramáticas da língua alemã analisam Aktionsarten
como uma classificação dos verbos dentro de um critério semântico, que envolve três
subclasses – importantes de serem conhecidas para que possamos compreender o assunto em
questão. São elas: a subclasse dos verbos de ação, a dos verbos de processo e a dos verbos de
estado. Auxiliam essa classificação os traços que marcam o caráter estático e de agente dessas
subclasses, a saber: os verbos de ação e de processo são menos estáticos, entretanto os
primeiros apresentam agente, enquanto que os últimos, não. Por outro lado, os verbos de
estado são estáticos e não apresentam agente. Essas propriedades podem ser resumidas na
tabela e na figura a seguir.
102
Quadro 8 – Traços das subclasses dos verbos em alemão
Verbos Estático Agente De ação
- +
De processo
- -
De estado
+ -
Elaborado pelo autor da tese
Helbig und Buscha (1999) apresentam também o seguinte diagrama representando as
subclasses do verbo em alemão:
Figura 6 – Subclasses dos verbos em alemão
Verben (verbos)
Zustandsverben (statisch) Nicht- Zustandsverben (dynamisch) (verbos de estado) (verbos de não estado) (dinâmico) Tätigkeitsverben (aktional) Vorgangsverben (nicht-aktional) Verbos de ação verbos de processo (não acional)
Fonte: HELBIG e BUSCHA, 1999, p. 69)
Os autores assinalam:
Unter der Aktionsart eines Verbs versteht man die Verlaufsweise und Abstufung des Geschehens, das vom Verb bezeichnet wird. Die Differenzierung des Geschehens erfolgt nach dem zeitlichen Verlauf (Ablauf, Vollendung; Anfang, Übergang, Ende) und nach dem inhaltlichen Verlauf (Veranlassen, Intensität, Wiederholung, Verkleinerung). Der zeitliche und inhaltliche Verlauf greifen oft ineinander (HELBIG UND BUSCHA, 1999 p. 69).41
A seguir, aprofundamos as classes que envolvem os tipos de ação.
41 Sob a Aktionsart de um verbo encontra-se a forma do processo e a gradação da ação que é referida pelo verbo.
A diferenciação da ação acontece de acordo com o curso do tempo (expiração, conclusão, início, transição, fim) e depois, de acordo com o teor do processo (causa, intensidade, repetição, redução). O curso e o teor do processo, muitas vezes, entrelaçam-se.
103
4.6.5 As classes de Aktionsarten
Depois de mencionar as subclasses semânticas do verbo alemão, é possível fazer uma
distinção dos tipos de ação, que são as denominadas Aktionsarten, em duas classes: a dos
verbos durativos e a dos perfectivos.
Verbos durativos - segundo Helbig und Buscha (op. cit.), os imperfectivos fazem
parte dos verbos durativos. Estes verbos denotam o fluxo puro da ação sem que haja fatores
limitadores entre o início e o fim do evento. Inserem-se neste tipo:
a) Iterativos – que imprimem a repetição do acontecimento: flattern
(cacarejar), gackern (bater) etc.
b) Intensivos – que apresentam uma duração de maior intensidade: brüllen
(rugir), saufen (beber sem limites) etc.
c) Diminuitivos – que apresentam duração de baixa intensidade: husteln
(tossir), lacheln (sorrir).
Verbos Perfectivos - são definidos como aqueles que confinam o curso dos
acontecimentos no tempo ou que imprimem a transição de um evento para outro em forma
gradativa, em suas fases, que podem ser assim registradas:
a) Verbos incoativos – que indicam o início do processo: einschlafen
(começar a pegar no sono); loslaufen (começar a correr).
b) Verbos Egressivos – que enfatizam a parte final de um evento: plazen
(estourar), zerschneiden (retirar-se).
c) Verbos Mutativos – que indicam a transição de um estado para o outro:
reifen (amadurecer), rosten (enferrujar).
d) Verbos Causativos ou factivos – que efetuam um deslocamento para
outro estado: offen (abrir), schwarzen (enegrecer, pintar de preto).
104
Vimos que os tipos de ação (Aktionsart) são do tipo durativo ou perfectivo.
Abordaremos agora como eles se manifestam na língua alemã, ou seja, de que meios
linguísticos se vale o idioma alemão para a representação das Aktionsarten.
A gramática de Helbig und Buscha (1999) agrupa a manifestação dos tipos de ação em
quatro diferentes meios: 1) pelo próprio significado do verbo; 2) por meio do processo de
formação de palavras; 3) por recursos lexicais adicionais; 4) pelo meio sintático. Vejamos
alguns exemplos.
1) A) Arbeiten, schlafen, lesen – trabalhar, dormir, ler (Aktionsart de duração expressa pelo significado do verbo).
B) finden, treffen, kommen (Aktionsart de perfectividade expressa pelo
significado do verbo).
2) - Bluhen - florir, erbluhen – começar a florir (ingressivo); verbluhen – terminar o período da floração (egressivo); öffnen – abrir (causativo); betteln – pedir sem parar (iterativo); husteln – tossir uma tosse pequena (diminuitivo) – [Aktionsarten expressas por meio de formação de palavras: prefixos, sufixos, composição etc.]
3) Exemplos de Aktionsarten expressas por meios lexicais: - Er arbeitet immer. (Durativo) – Ele trabalha sempre. - Er arbeitet und arbeitet. (Durativo) – Ele trabalha e trabalha. - Er begann zu regnen. (Ingressivo) – Ele começa a trabalhar. - Er horte auf zu arbeiten. (Egressivo) – Ele parou de trabalhar. - Er pflegte abends spazierenzugehen. (Iterativo) – Ele costumava ir para um passeio à
noite.
4) Quanto à Aktionsart expressa por meios sintáticos:
Quadro 9 – Aktionsarten expressas por meios sintáticos Der Schuler bleibt sitze., (Durativ) X (versus) Der Schuler sitzt. O aluno permanence sentado. (Durativo) X O aluno senta-se. Er ist beim Arbeite., (Durativ) X Er arbeitet.(Durativ)_ Ele está trabalhando. (Durativo) X Ele trabalha. (Durativo) Er ist im Begriff zu verreisen. (Ingressiv) X Er verreist.
105
Ele está pronto para viajar. (Ingressivo) X Ele viaja. Das Mädchen wird rot. (Mutativ)
A garota enrubrece. (Mutativo) Er setzt die Maschine in Betrieb. (Ingressiv)
Ele liga a máquina. (Ingressivo) Er bringt die Arbeit zum Abschluss. (Egressiv)
Ele termina o trabalho. (Egressivo) Er setzt die Maschine ausser Betrieb. (Egressiv)
Ele desliga a máquina , coloca a máquina fora de funcionamento. (Egressivo) Fonte: baseado nos exemplos trazidos por Helbig und Buscha (1999, p. 74)
Vimos então o quadro teórico apontado pela gramática normativa da Língua Alemã
sobre o termo Aktionsart, fechando, assim, nosso estudo sobre o aspecto na LA. Podemos
notar que tal classificação não acontece na LP e que, salientamos que, em nossa pesquisa,
esses referenciais serão importantes para tentarmos pensar o PB também dentro dessa
perspectiva de classificação.
Finalizamos aqui no nosso estudo sobre o aspecto, retomando os pontos que foram
tratados neste capítulo. Definimos aspecto, abordando a divisão das sentenças dinâmicas, que
expressam os eventos, e das não dinâmicas, que expressam os estados. Abordamos ainda a
propriedade da duração e dos diversos estágios temporais, capazes de serem expressos
também pela noção aspectual.
Além disso, trouxemos neste capítulo o estudo de autores que concebem aspecto como
categoria diferente da categoria tempo. Vendler (1967) – que organizou os eventos nas
seguintes classes aspectuais: estados, atividades, accomplishments, achievements. Comrie
(1976), que apresentou o aspecto semântico, a partir dos opostos: estatividade e duratividade,
telicidade e atelicidade, pontualidade e duratividade. Em seguida, trouxemos estudos
posteriores que trataram das classes acionais no âmbito dos predicados. Na sequência,
trouxemos a visão do aspecto por partes dos pesquisadores brasileiros, com destaque para os
trabalhos de Castilho (1968), Ilari (1981, 2001) e Travaglia (1991). Fizemos percurso
semelhante para o tratamento do aspecto na língua alemã, especialmente a partir dos trabalhos
de Vendet (1994), Battaglia (1999) e Helbig und Busca (1999). Dessa forma pudemos realizar
um estudo da categoria aspecto, como também aprofundar essa noção na língua portuguesa e
na língua alemã.
106
5 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
Neste capítulo, inicialmente trazemos algumas das concepções gerais sobre aquisição
da linguagem. Em seguida, recordamos o papel das categorias funcionais, na concepção
gerativista, tratando, depois, das duas principais hipóteses que norteiam a aquisição dessas
categorias. Dando sequência, trazemos algumas abordagens em que nos baseamos para o
estudo da aquisição de tempo e de aspecto: Wexler (1994, 1998), Kato (1999), dentre outros.
Para finalizar, apresentaremos um breve resumo de concepções gerativistas sobre aquisição de
tempo e de aspecto com base em Rizzi (1994) e Wexler (1994), situando, desta forma, o
nosso objeto de estudo na área da aquisição de linguagem, que é o instrumento utilizado para
a análise de nossos dados.
Iniciamos fazendo uma breve introdução sobre os pressupostos básicos que norteiam a
o campo de estudos da aquisição.
5.1 Concepções gerais sobre aquisição de linguagem
A história da aquisição da linguagem, segundo Augusto (1995), centra-se em três
focos principais: o behaviorismo, de Skinner (1953); o inatismo, de Chomsky (1967); e o
interacionismo, de Vygotsky (1978), tendo o ponto e contraponto central das pesquisas da
área entre os inatistas e os interacionistas. Porém, agregamos o papel expressivo que tem o
trabalho de Piaget neste campo de estudos.
Os trabalhos realizados pela corrente de pensamento vygotskiana, conhecidos como
interacionismo social, entendem que a criança é o sujeito no processo de aquisição da
linguagem, construindo seu conhecimento de mundo com a ajuda do outro. A aquisição, nessa
perspectiva, ocorre devido à interação social que a criança realiza com o ambiente que a
rodeia e o convívio com outros da mesma espécie.
Ao contrário, de acordo com a visão inatista, nós, seres humanos, estamos
biologicamente pré-configurados para adquirir a linguagem, tendo, conforme assinala
Chomsky (1965, 1972), um dispositivo de aquisição da linguagem (DAL) – mecanismo
biologicamente inato que facilita a sua aquisição.
107
Realizando-se um pequeno traçado histórico dos estudos de aquisição, vemos que, a
partir do século XX, a visão behaviorista42 domina os estudos da área. Nessa concepção, a
língua é aprendida, e essa aprendizagem se dá pela exposição ao meio e em decorrência da
imitação e do reforço, que é também advinda de mecanismos comportamentais como reforço,
estímulo e resposta. (SILVA, 2013).
Os estudos sobre aquisição da linguagem, conforme detalharemos mais adiante,
tomaram um novo rumo a partir dos trabalhos do linguista Noam Chomsky – fim da década
de 1950 – em reação à referida corrente behaviorista. Chomsky (1959, 1967) salienta que a
teoria de Skinner não dá conta de explicar fenômenos da linguagem e da aprendizagem.
Assumindo uma postura inatista, conforme foi visto no capítulo I, Chomsky (2002) considera
a linguagem como específica da espécie humana, sendo codificada geneticamente na mente
dos indivíduos. Segundo o pesquisador, o cérebro humano teria um módulo específico,
responsável pela linguagem. Além disso, a criança aprenderia e desenvolveria uma língua, por
meio de um processo em que todo ser humano considerado normal seria capaz de desenvolver
qualquer língua natural.
Por volta de 1970, as obras de Vygotsky começam a exercer influência sobre os
estudos de aquisição da língua materna. Essas obras tentaram explicar o desenvolvimento da
linguagem e do pensamento como tendo origens sociais externas (SCARPA, 2001). Dentro
dessa visão, a aquisição da linguagem se dá na interação da criança com o ambiente.
Embora para Vygotsky (1978) pensamento e linguagem tenham origens diferentes, a
linguagem não é vista apenas como uma expressão do conhecimento adquirido pela criança,
mas tendo um papel essencial na formação do pensamento e viabilizando, dessa forma, a
comunicação e a vida em sociedade.
Outra figura de destaque nos estudos sobre aquisição da linguagem é Piaget (1977,
1987), cuja teoria epistemológica desenvolve-se em uma abordagem conhecida como
cognitivismo construtivista. O ponto de destaque do trabalho piagetiano é o estudo da
psicogênese, o qual evidencia a existência de estágios que obedecem a uma construção
contínua de novidades no desenvolvimento da criança. O aparecimento da linguagem, nesse
desenvolvimento, se dá na superação do estágio sensório-motor - fase em que surge na criança
a possibilidade de adotar símbolos.
O processo psicológico piagetiano do desenvolvimento da linguagem com base na
ação motora é assim sintetizado por Augusto(1995):
42 Behaviorismo: o ponto de vista teórico behaviorista defendia que o ser humano aprende por condicionamento,
assim como qualquer outro animal – sendo a linguagem aprendida dessa forma.
108
Para ele, o desenvolvimento se estabelece por meio de estágios que são patamares sucessivos de equilíbrio. Cada estágio é uma forma de equilíbrio específico que apresenta uma estrutura de conjunto. As estruturas de conjunto formam os diferentes estágios que são o resultado de uma gênese. Essa obedece às leis probabilísticas de uma atividade bipolar assimilatória e acomodatória, que põe a criança em contato com o meio físico. Essa atividade bipolar tende em direção ao equilíbrio, e o processo evolutivo do desenvolvimento intelectual se apresenta como uma equilibração progressiva e incessante. Ou seja, para Piaget a ação precede o pensamento e a inteligência se define por essa relação sujeito-objeto (criança-meio físico). (AUGUSTO, 1995, p. 118).
Estas ideias de Piaget, denominadas cognitivismo construtivista, juntamente com as
ideias de Vigotsky, denominadas interacionismo social43 foram as duas principais vertentes
teóricas que criticaram e apontaram fortes contraposições aos estudos teóricos de Chomsky.
Adepto ao caráter universalista da linguagem – caráter também adotado na linha
chomiskyana - está também Pinker (2002), do qual cabe destacarmos o denominado por ele
mesmo “modelo mentalês universal”. Esse modelo se apoia no pressuposto de que a aquisição
é a primeira razão para suspeitar que a linguagem não é apenas uma invenção cultural, mas o
produto de um instinto humano específico. De acordo com tal instinto, independentemente do
idioma, todos os falantes pensam a linguagem de forma universal.
Em primeiro lugar, cada frase que uma pessoa enuncia ou compreende é virtualmente uma nova combinação de palavras, que aparece pela primeira vez na história do universo. Por isso, uma língua não pode ser um repertório de respostas; o cérebro deve conter uma receita ou programa que consegue construir um conjunto ilimitado de frases a partir de uma lista finita de palavras. Esse programa pode ser denominado gramática mental (que não deve ser confundida com “gramáticas" pedagógicas ou estilísticas, que são apenas guias para a elegância da prosa escrita). O segundo fato fundamental é que as crianças desenvolvem as gramáticas complexas rapidamente e sem qualquer instrução formal e, à medida que crescem, dão interpretações coerentes a novas construções de frases que elas nunca escutaram antes. Portanto, afirmava ele, as crianças têm de estar equipadas, de modo inato, com um plano comum às gramáticas de todas as línguas, uma gramática universal, que lhes diz como extrair os padrões sintáticos da fala de seus pais. (PINKER, 2002, p.14-15).
Tecemos até aqui um breve panorama das principais correntes que representam as
bases do estudo sobre aquisição da linguagem, porém assumimos nesta tese a perspectiva
chomskyana, dentro da qual encaminharemos a nossa investigação nesta tese, de cunho
gerativista, explicitando, no decorrer da exposição, os argumentos que sustentam a nossa
opção.
43Interacionismo é uma teoria de Vygotsky, na qual ele apresenta uma argumentação, demonstrando que a
linguagem é um processo pessoal ao mesmo tempo em que é um processo social.
109
Segundo Augusto (2013), a aquisição da linguagem, no âmbito das teorias linguísticas,
tem se afirmado nos pressupostos gerativistas, os quais tratam de como acontece no ser
humano a aquisição linguística, defendendo a visão de que há na mente humana um
componente especificamente ligado à linguagem.
A fim de penetrarmos um pouco mais neste estudo sob o ponto de vista chomskyano,
voltamos a alguns pontos já vistos nos pressupostos teóricos, na parte que versa sobre a
gramática gerativa, porém nossa retomada é feita, agora, do ponto de vista da aquisição da
linguagem.
Segundo Scarpa (2001),
O argumento básico de Chomsky é: num tempo bastante curto (mais ou menos dos 18 aos 24 meses), a criança, que é exposta normalmente a uma fala precária, fragmentada, cheia de frases truncadas ou incompletas, é capaz de dominar um conjunto complexo de regras ou princípios básicos que constituema gramática internalizada do falante. Esse argumento, constantemente reafirmado, é chamado de "pobreza do estímulo". Um mecanismo ou dispositivo inato de aquisição da linguagem (em inglês, LAD, language acquisition device), que elabora hipóteses linguísticas sobre dados linguísticos primários (isto é, a língua a que a criança está exposta), gera uma gramática específica, que é a gramática da língua nativa da criança, de maneira relativamente fácil e com um certo grau de instantaneidade. Isto é, esse mecanismo inato faz "desabrochar" o que "já está lá", através da projeção, nos dados do ambiente, de um conhecimento linguístico prévio, sintático por natureza. (SCARPA, 2001, p.23)
O chamado “problema de Platão” é então um forte argumento para o inatismo, no qual
é questionado o fato de o conhecimento adquirido sobre a língua ser maior do que a sua
manifestação. Nessa visão, coloca-se a linguagem no domínio biológico, ao se admitir que o
ser humano vem equipado com uma gramática universal, em um estado inicial. Por outro
lado, o ser humano também dispõe de parâmetros, fixados pelo contato com a língua materna,
capaz de captar a variação existente entre as línguas.
Outros fatos fundamentais sobre a linguagem são evidenciados nessa concepção. Um
deles é o de que cada frase dita ou ouvida é uma nova combinação de palavras, que aparece
pela primeira vez no universo. Por isso, uma língua não pode ser um repertório de respostas, e
o cérebro deve conter alguma lógica que consiga construir um número infinito de frases a
partir de uma lista finita de palavras. A essa lógica damos o nome de Gramática Universal
(GU). Dessa forma, na perspectiva chomskyana, a linguagem é vista como uma dotação
genética do ser humano, nascendo a criança pré-programada para adquirir a linguagem e
sendo capaz de, a partir da exposição à fala, construir suas hipóteses sobre a língua em que
110
está imersa. Em outras palavras, a linguagem é atrelada a características inerentes à espécie
humana, o que reafirma seu caráter universal, tomando-a como fator biológico e cognitivo.
Em síntese, ao assumirmos essa postura, estamos admitindo que o ser humano, por
natureza, é um detentor de uma GU que possui princípios universais que fazem parte da
faculdade da linguagem, e parâmetros que serão definidos pela influência do meio e/ou da
língua nativa. Nessa concepção teórica, postula-se que a criança já nasce com princípios
universais e com um conjunto de parâmetros que deverão ser marcados de acordo com os
dados da exposição linguística a que a criança será exposta.
5.2 A aquisição das categorias funcionais
Faremos uma síntese sobre a fixação dos parâmetros e as categorias funcionais, tendo
em vista sua importância no processo de aquisição da linguagem, dentro da perspectiva que
estamos abordando nesta tese.
5.2.1 A fixação de parâmetros e as categorias funcionais
No quadro teórico que estamos abordando, a gramática é entendida como um órgão
mental desenvolvido naturalmente na criança no processo de aquisição da linguagem. A esse
respeito França (2013) ilustra o processo de parametrização que ocorre na faculdade da
linguagem:
Ao nascermos temos um aparato neurológico ricamente predisposto para tal tarefa específica de adquirir uma língua, seja ela qual for. Chomsky propõe um modelo que, além de estabelecer princípios universais que governariam todas as línguas naturais, investiga a possibilidade de o falante portar um conjunto de parâmetros que dê acesso a um número de opções a partir das quais ele possa desenvolver os parâmetros de sua língua como tecido nervoso e involua a capacidade neurológica para a maturação de outras opções paramétricas que seriam perfeitas para uma outra língua. A parametrização ocorre no momento em que a recepção de evidência positiva do meio externo faz com que o indivíduo amadureça circuitos neuronais que melhor se coadunem com a evidência positiva que recebeu. (FRANÇA, 2013, p. 2).
A mesma autora cita Chomsky, dando continuidade a seu raciocínio:
Podemos comparar o estado inicial da faculdade de linguagem com uma fiação fixa conectada a uma caixa de interruptores; a fiação são os princípios da linguagem, e os interruptores são as opções (parâmetros) a serem determinadas pela experiência. Quando os interruptores estão posicionados de um modo, temos o bantu; quando estão posicionados de outro modo, temos o japonês. Cada uma das línguas humanas possíveis é identificada como uma colocação particular das tomadas - uma fixação de parâmetros, em terminologia técnica. Se esta abordagem de pesquisa der certo,
111
deveríamos poder literalmente deduzir o bantu de uma escolha dos posicionamentos, o japonês de outra e assim por diante por todas as línguas que os seres humanos podem adquirir. As condições empíricas em que se dá a aquisição de língua requerem que os interruptores sejam posicionados com base na informação muito limitada que está disponível para a criança. Notem que pequenas mudanças em posicionamento de interruptores podem conduzir a uma grande variedade aparente em termos de output, pela proliferação dos efeitos pelo sistema. Estas são as propriedades gerais da linguagem que qualquer teoria genuína precisa captar de algum modo. (CHOMSKY, 1998, p. 23, apud FRANÇA, p. 2).
Concebendo a ideia de um período crítico do desenvolvimento da criança44, Galvez
(2010) salienta que, por esse período, na concepção gerativista, a Língua-Interna é fixada uma
vez por todas, e os valores atribuídos aos parâmetros são de natureza categórica.
No que diz respeito às categorias funcionais, Costa (2007) argumenta que a tarefa da
criança é aparentemente mais simples, de acordo com as alterações introduzidas no Programa
Minimalista. O autor segue seu raciocínio salientando que a criança terá que aprender o
léxico, aprender a aplicar as operações Merge e Move de forma eficiente e, finalmente,
descobrir os valores associados a categorias funcionais.
Galvez (2010) aborda o fato de a teoria dos parâmetros ter se tornado mais abstrata no
bojo do PM, pelo motivo de que, cada vez mais, procura-se apreender as diferenças entre
línguas em termos de propriedades formais de categorias funcionais. A pesquisadora aborda
também que, ao mesmo tempo, tem-se afirmado a ideia de que a diferença entre as línguas é
de natureza essencialmente superficial, o que significa que essas diferenças estão associadas a
diferenças na realização morfológica dos traços abstratos. Galvez (op. cit.) salienta ainda que
vem se elaborando uma diferenciação entre macro e microparâmetros.
Trouxemos até aqui uma amostra dos estudos sobre a questão dos parâmetros e das
categorias funcionais, os quais vêm sendo amplamente estudadas e pesquisadas. Entendemos
que, à medida que as diversas pesquisas que estão sendo encaminhadas em todo o mundo
forem sendo divulgadas, a teoria gerativista vá consolidando mais seus pressupostos a
respeito desse assunto.
Segundo Hermont (2013), a visão de parâmetro passou a ter ligação exclusiva com a
categoria a partir de Borer (1984). No modelo de Princípios e Parâmetros, as categorias
44 O período crítico, do desenvolvimento da criança diz respeito aoprazoespecíficoparaque os
parâmetrosrelativos à cognição linguística possam fazerespocar a linguagempelocontatocom os dadosprimários: é o chamado Período Crítico, momento em que o cérebro infantil está dotado de uma extraordinária plasticidade especificamente para uma dada cognição e pode mediar, sem nenhum esforço consciente, o desenvolvimento concreto de circuitos neuronais próprios para o perfeito comando de uma ou mais línguas naturais. Apesar de,em uma criançanormal, a linguagemestar praticamente formada entre os 24 e 30 meses de idade, esteperíodo crítico pode ser estendido atéporvolta dos 7 anos de idade. (LENEMBERG, 1967, apud França).
112
funcionais passam a ser mais observadas, já que, cada vez mais, vai sendo atribuído um papel
central aos elementos funcionais dentro da estrutura frasal.
Um breve histórico dos estudos sobre os marcos importantes da Teoria dos Principios
e Parâmetros, sob a ótica da aquisição das categorias funcionais é mostrado na seção seguinte.
5.2.1.1 Um breve panorama dos estudos das categorias funcionais
Tendo em vista a importância dos estudos das categorias funcionais na Teoria
Gerativista, para a aquisição da linguagem, faremos um apanhado suscinto dos principais
pontos deste estudo ao longo do tempo.
Cabe lembrar que, no modelo P&P, nas primeiras marcações dessas categorias na
sentença, eram consideradas categorias funcionais o Complementizador (Comp) e a Flexão
(Infl, do inglês Inflection). Infl marcava propriedades do verbo (V) que definiam sua finitude
(finito ou infinito). Nas sentenças finitas, Infl. era composto por Agr (de Agreement,
concordância), apresentando, portanto, os traços de pessoa, número e gênero (traços-phi).
Estes conceitos são fundamentais no estudo de aquisição, para percebermos o que, na
verdade, a criança vai adquirindo, ao adquirir cada uma dessas categorias.
Prosseguindo com a evolução dos estudos gerativistas e suas implicações na pesquisa
sobre aquisição, Abney (1987) propõe que o Sintagma Nominal (NP) seja inserido na
estrutura da oração como um complemento de uma projeção funcional que ele vai chamar de
Sintagma Determinante (Determiner Phrase, DP).
Segundo Abney (1987, p. 42), “In psychology, children acquire functional elements
later than the matic elements. Also in certain aphasias the ability to process functional
elements is lost while the ability to use and understand thematic elements survives.”45
Pollock(1989) propõe Cisão de Tempo e Agr (concordância): IP, porque são
categorias funcionais distintas.
Prosseguindo com a evolução desses estudos ao longo do tempo, a divisão de IP em
TP e AgrP gera uma discussão sobre sua representação estrutural. Pollock propõe que TP
domine AgrP. Belletti já defende a ideia de que é Agrp que domina TP. Chomsky, então,
propõe um núcleo Agr referente à concordância com o sujeito (Agr-S) e um núcleo Agr
referente à concordância com o objeto (Agr-O). 45 Em psicologia, crianças adquirem elementos funcionais mais tarde do que os elementos temáticos. Também
em certas afasias a habilidade para processar elementos funcionais é perdida enquanto a habilidade para usar e entender elementos temáticos sobrevive. (tradução nossa).
113
No que diz respeito aos princípios e parâmetros, segundo Kato (2002), os primeiros
trabalhos que procuram dissociar parâmetros de princípios são o de Sportiche (1986) e o de
Wexler e Manzini (1987), os quais levantam a questão do ponto de vista da aquisição. Kato
(op. cit.) salienta que o conceito de parâmetro foi introduzido para responder ao problema
lógico da aquisição, sendo um retrocesso considerar que a variação entre as línguas se dê em
função do léxico. Além disso, estudos matemáticos têm mostrado que os parâmetros têm que
ser em número bastante pequeno, do contrário a criança levaria a vida inteira aprendendo a
sua língua (Clark & Roberts, 1992; Gibson e Wexler, 1994). Surge, então, uma proposta de
que a variação paramétrica estaria limitada aos núcleos funcionais – proposta que aparece
depois que a teoria sintática passa a desenvolver estudos sobre as categorias funcionais como
núcleos de projeções X-barra. Dessa forma, o modelo tem elementos funcionais c-
comandando elementos lexicais.
Já salientamos anteriormente que a proposta de Pollock (1989) de cisão de tempo e
concordância inspirou pesquisadores a investigarem a possibilidade de cisão de outras
categorias funcionais. Nossa pesquisa parte desse pressuposto para investigar a cisão de
tempo em tempo e aspecto. É possível refletirmos também sobre o fato de a aquisição do
aspecto ter algo a nos revelar sobre a representação das referidas categorias.
Para se poder refletir sobre as categorias funcionais, no campo da aquisição da
linguagem, já que essas categorias se relacionam entre si, precisamos entender como a criança
as concebe com suas relações. Ressaltamos que, atualmente, as categorias funcionais mais
divulgadas são: C(complementizer), I(inflection) e D(determiner), mas que há também, como
já dissemos, propostas de categorias como Asp(aspect), Agr (agreement), Neg(negation),
dentre outras.
É interessante notar que, na representação gerativista, o Spec (especificador) de cada
nível codifica funções diferentes. Servimo-nos dos apontamentos de Souza e Cardoso-Martins
(2010) como ponto de reflexão para a função que o especificador possa assumir no sintagma
temporal e aspectual. Os pesquisadores assinalam os diversos trabalhos nessa linha.
Segundo os referidos autores, Souza e Cardoso-Martins (2010), em VP, o Spec pode
ser o agente, se o verbo é transitivo; em IP, o Spec é nominativo e concorda com o T. É
comum dizer que, em CP, o Spec tem funções semântico-discursivas. Assim, em muitas
línguas, o elemento-wh, que é um quantificador, sobe para essa posição interpretada como a
de foco sentencial. Em outras línguas, o núcleo permite tanto foco quanto tópico (por
exemplo, línguas V2). As outras categorias lexicais N, A e P também determinam estruturas
temáticas. Esses estudos sobre as possibilidades funcionais do spec nos leva a refletir: que
114
função codificaria um Spec relativo à projeção aspectual? Esse é um ponto de interesse em
nossa investigação.
Até aqui construímos o contexto em que a Teoria Gerativa concebe as categorias
funcionais. Apresentaremos, a seguir, o contexto mais específico dos estudos de aquisição
dessas categorias, já que o nosso tema de estudo nesta tese tem uma ligação fundamental com
os núcleos funcionais, como foi trazido no capítulo 1.
5.2.2 Duas hipóteses de aquisição das categorias funcionais
Como já foi visto, o problema psicológico da aquisição da linguagem é tratado na
concepção gerativista com a noção de parâmetro, cujos valores a criança deve fixar. Porém,
há hipóteses diferentes para tratar esse processo. As duas principais são a hipótese da
maturação e a da continuidade. A primeira prevê um processo de maturação progressivo,
associado à aquisição das categorias, à medida que a criança vai amadurecendo. A outra
hipótese, a da continuidade, admite que as categorias funcionais estão com a criança desde o
nascimento, não precisando ser, portanto, aprendidas.
Adeptos da hipótese da maturação, Guilfoylle e Noanan (1988) e Tsimpli (1991)
admitem que, inicialmente, na gramática mental das crianças, estão somente as categorias
lexicais e as relações de constituintes com seus papéis temáticos (de agente, paciente etc.). As
categorias funcionais vão sendo adquiridas posteriormente uma a uma.
Radford (1990 e 1992) tem proposta semelhante, diferindo apenas no fato de que as
categorias funcionais para ele emergem todas juntas.
Cabe destacar ainda que Rizzi (1994; 2000) é também adepto da hipótese
maturacional, propondo, dentro dessa perspectiva, que não pode haver representação de
categorias funcionais, acima de uma categoria que ainda não esteja presente na gramática da
criança. Ele desenvolve uma hipótese de truncamento que assinala a separação entre a
gramática de crianças e a gramática de adultos. Nesta última, a projeção CP é a raiz de todas
as orações. Já na gramática das crianças, há a possibilidade de truncamento dessa estrutura, o
que tornaria um dos nós (hoje mais conhecidos como projeções), abaixo de CP, raiz das
orações, ou seja, os nós TP ou VP como raiz.
Segundo Hermont (2013),
Vários autores se opõem à corrente maturacional, apontando que há problemas conceituais. Argumentações indicam que a corrente maturacional parece ir contra a teoria dos princípios propostos pela Teoria Gerativa, em que há adoção do ponto de
115
vista que todas as categorias funcionais já estariam disponíveis para as crianças antes mesmo da experiência linguística. (HERMONT, 2013 no prelo).
Na corrente que se opõe à maturacional, denominada continuísta, as crianças já
nasceriam com as categorias funcionais. Dos representantes dessa linha de pensamento,
destacam-se Pinker (1995 e 1999) e Yang(2002), que defendem a ideia de haver uma
reestruturação na gramática mental das crianças a cada entrada nova de dados.
Segundo Hyams(1986 a 1992) e Clahsen (1989), a hipótese da continuidade postula
que a criança apresenta, desde o início, uma estrutura que está de acordo com os princípios
que regem a gramática do adulto. Dentro da linha de pesquisa que concebe que as construções
infantis são produto de possibilidades autorizadas pela GU, Hyams (1996) aponta a ideia de
que a aquisição da criança, no início, tem os parâmetros marcados na GU, com um valor
defaut.
Destacamos aqui, já na linha do programa minimalista, o trabalho de Kato (1999b),
que segue também a ideia de Hyams (1996) sobre a marcação de parâmetros ser defaut, no
início do período de aquisição. Segundo Kato, a criança é guiada pelos princípios de
economia, como resumiremos mais adiante.
5.2.3 O trabalho de Wexler
Wexler (1994, 1998), apesar de se colocar dentre os que concebem as categorias
funcionais como sendo um processo de maturação, difere de outros representantes da corrente
maturacional, ao ser defensor da ideia de que as crianças, desde muito cedo, não apresentam
total ausência das categorias funcionais. Fundamentado em dados experimentais, Wexler
(1996) anuncia que as crianças bem cedo já conhecem relação de itens flexionais com traços
morfológicos e sintáticos; têm conhecimento da possibilidade de movimento para verbos
finitos e de não movimento para os verbos no infinitivo (isso para o alemão, língua V2)46.
Segundo Borer e Wexler (1987), a criança que adquire a língua começa dispondo de
certos aspectos de competência gramatical e, com o passar do tempo, vai acrescentando outros
pontos. As novas habilidades linguísticas adquiridas em combinação com os princípios que a
criança já tem permitem uma reinterpretação dos dados anteriores, fazendo com que a criança
passe de uma forma de gramática a outra. Os autores defendem a ideia de que a criança já tem
46O efeito V2, de acordo com (ROBERTS, 2007, p.49),diz respeito a uma restrição que determina que o verbo
finito apareça em segunda posição nas orações declarativas matrizes. Nesse caso, o verbo finito é precedido por um XP de qualquer natureza sintática. Esse fenômeno é observado no alemão e em todas as línguas germânicas modernas, com exceção do inglês.
116
todos os princípios da GU à disposição, mas que a produção infantil não se restringe só a GU,
já que há o uso também de estruturas não autorizadas pela GU, dando a ideia de ser este um
processo de maturação biológica.
Resumindo as concepções apresentadas até o momento, vimos que em Wexler (1996)
que as crianças já nasceriam com as categorias funcionais, embora o autor também assinale
que essas categorias se desenvolvam em um processo de maturação. Vimos também duas
correntes antagônicas dentro da teoria que concebe as categorias funcionais no processo de
aquisição da linguagem: a teoria da maturação, representada por Guilfoylle e Noanan (1988),
Tsimpli (1991) e Radford (1990 e 1992), com propostas semelhantes. A outra corrente é a da
teoria da continuidade, representada por Pinker (1995 e 1999), Hyams (1996), Kato (1999b) e
Yang (2002).
5.2.4 O trabalho de Yang (2002) e Baker (2005)
Faremos apenas um breve resumo dos modelos desses dois autores que, pela sua
importância, merecem destaque nos estudos de aquisição de linguagem.
Representante da Teoria da Continuidade, Yang (2002) admite que a formação da
gramática mental aconteça gradualmente estando as categorias funcionais disponíveis para a
criança desde muito cedo. Para o autor, os valores paramétricos estão na gramática universal,
e estão em competição na mente infantil, sendo os parâmetros com mais inputs primeiramente
configurados.
Outro representante da Teoria da continuidade, cujos trabalhos têm importância
relevante é Baker (2005), para quem os valores dos parâmetros estão também na gramática
universal, sendo, porém, independentes. Segundo o pesquisador, o processo começa com um
único valor, que pode ser modificado com a seleção de outros valores. Na visão de Baker (op.
cit.), alguns valores precisam ser adquiridos antes do que outros, constituindo esse ponto a
característica que marca o modelo do pesquisador como sendo de aquisição hierárquica. De
acordo com esse modelo, como a criança pode adotar valores diferentes para um determinado
parâmetro, isso pode ocasionar diferenças no tempo de configuração desses valores.
Para ilustrar o que foi dito, servimo-nos das palavras de Morato (2014), referindo-se
ao trabalho de Thrntorn e Tesan (2007), ao tentar enquadrá-lo, pelas características que
apresenta, a um dos modelos:
Referente ao ponto de partida, os dados coletados sugeririam que as crianças inicialmente começariam apenas com um valor para os parâmetros, o qual
117
seria posteriormente alterado para valores da língua das crianças (inglês), caso tivessem iniciado com um valor diferente. Quanto ao valor de flexão, algumas crianças começariam com um valor de traço e outras com o valor afixal. ( MORATO, 2004, p. 69)
Trouxemos essa citação para chamar atenção sobre o fato de as crianças terem pontos
de partida distintos, quanto aos valores paramétricos e ainda sobre a possibilidade deles serem
alterados.
Apesar dos estudos desses autores assumirem uma importância fundamental,
gostaríamos de fundamentar nossa pesquisa numa visão bem entranhada no gerativismo.
Nessa perspectiva, vale citar uma linguista brasileira, que, assinalando uma proposta de
aquisição, dentro do Programa Minimalista, traz uma contribuição especial, que será assumida
nesta tese.
Kato (1999, 2000 e 2002) desenvolve uma proposta baseada no princípio da economia,
que detalharemos ao apresentarmos seu trabalho na próxima seção. Sua pesquisa assinala a
evolução dos estudos de aquisição de linguagem na perspectiva gerativista, a partir da Teoria
P&P até chegar ao PM.
5.2.5 O trabalho de Kato (1999)
No referido artigo, a autora descreve as tendências gerais sobre aquisição da
linguagem e discute a influência que as modificações que vêm sofrendo a teoria Princípios e
Parâmetros têm se feito sentir nos estudos sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem.
Kato (op. cit.), experiente pesquisadora na área de aquisição da linguagem, adepta
também da linha continuísta, compartilha com o leitor suas perplexidades e inseguranças
diante da proposta minimalista e também dos estudos psicolinguísticos.
A única coisa que sabemos seguramente é que a criança aprende a falar rapidamente e sem dificuldades e que, nesse aspecto, a aquisição de uma primeira língua não depende dos mesmos mecanismos de aprendizagem de uma língua estrangeira em adulto [...]. Não parece haver dúvidas, hoje, quanto a língua ser uma propriedade geneticamente programada e parte da arquitetura da mente ser determinada por essa propriedade inata. Todo o resto é um ponto de interrogação. (KATO, 1999, p. 1).
A autora faz apontamentos importantes sobre o modelo lógico da aquisição - o
chamado problema de Platão – lembrando que é aquele que envolve a rapidez e a facilidade
com que a criança aprende a língua, apesar de os dados a que ela tem acesso no ambiente
118
serem entremeados de ruídos e de imperfeições. A esse respeito, Kato (op. cit.) aponta as
mudanças por que vem passando a teoria, para dar conta desse problema lógico.
Inicialmente, no modelo-padrão, uma gramática de regras buscava dar conta dessa
questão. Em 1987, o próprio Chomsky anuncia a língua como não sendo mais um conjunto de
regras: “There are no rules at all, hence no necessity to learn rules” (CHOMSKY, 1987, p. 15
apud KATO, 1999).
No desenvolvimento da teoria gramatical, busca-se, agora, extrair os princípios mais
gerais e a eliminação das redundâncias. No passo seguinte, são considerados os próprios
princípios como epifenômenos de algum princípio ou lei mais geral.
Chomsky (1991, 1993 e 1995) propõe o Princípio da Economia, no qual as operações
ocorrem de forma visível só quando necessário e, mesmo assim, devem se restringir a
movimentos mínimos. As operações mais de acordo com o Princípio da Economia são as que
têm movimentos encobertos, que estão sempre só em Forma Lógica (FL) e que têm uma saída
fonética precoce.
O que numa língua ocorre dentro da sintaxe visível, isto é, antes da saída fonética, em outra língua pode ocorrer só em FL. Logo, a variação linguística é uma função de onde se dá a saída fonética (o “spell-out”). A diferença é atribuída à morfologia, cujos itens podem ter traços fortes, atratores de movimento, ou não. No primeiro caso, o movimento é visível em sintaxe e, no segundo, não, postulando-se movimento só em FL. (KATO, 1999, p. 12).
Kato (op. cit.) chama atenção para a inserção dos elementos lexicais no PM. Segundo
a pesquisadora, eles são inseridos plenamente flexionados, já no início. Porém, o movimento
desses elementos lexicais para o esqueleto funcional se dá por meio de uma operação de
checagem47, em que são verificados os seus traços, ao invés de ocorrerem como uma operação
de afixação. A checagem de traços pode se dar de forma visível ou encoberta.
No caso da flexão temporal, por exemplo, se os traços antes forem fracos, como no
inglês, o verbo permanece dentro do VP, só sendo checados no núcleo funcional da FL. Se os
traços forem fortes, como na do francês, o movimento é visível.
A autora aponta uma dificuldade do PM que não ocorria anteriormente, pois as
questões concretas de estudo permitiam a avaliação do desenvolvimento infantil.
O pesquisador envolvido em questões de aquisição vê-se destituído das questões concretas anteriores (seja da passiva, na gramática padrão, seja um parâmetro como o do sujeito nulo, na teoria de P&P) que permitiam avaliar o desenvolvimento
47 Estamos nos referindo ao trabalho de Kato (1999), que usa uma terminologia da época.
119
infantil, quer experimentalmente quer em corpus natural em função de construções específicas. (KATO, 1999, p. 13).
Segundo a linguista, não há regras nem operações opcionais na gramática, a qual é
constituída de um léxico e de um sistema computacional, que relacionam a Forma Fonética
(FF) e a Forma Lógica (FL) da maneira mais econômica possível.
Os níveis de representação significativos são justamente os que constituem as interfaces com os outros módulos: FF e FL, que são os lugares de “INPUT” e “OUTPUT”. Desaparecem os conceitos tradicionais de Estrutura- P(rofunda) e Estrutura-S(uperficial), como níveis de representação. A grade temática e o critério temático, que foram tão usados como sendo os primitivos que ancorariam o desenvolvimento sintático, deixam de ter o mesmo espaço na computação. (KATO, 1999, p. 13).
Kato (op. cit.) lembra que apenas a natureza do estado inicial (So) e da língua-I (língua
internalizada) são abordadas por Chomsky em suas perguntas sobre aquisição.
Dessa forma, a visão de Kato (1999) sobre a aquisição da linguagem a partir do PM
centra-se, então, no princípio da economia. Seguindo a proposta de Watanabe (1994), a
pesquisadora assume que, quando a criança está na fase de gramática emergente, todos os
comportamentos deficitários da criança em relação ao adulto podem ser uniformemente
explicados pela escolha do valor do parâmetro que produza derivações mais econômicas e
movimentos mais curtos, quando necessários.
Lembrando Watanabe (1994), a linguista propõe o valor defaut para quem o valor não
marcado seria a gramática que requer mínimo esforço, ou seja, menos movimentos visíveis na
sintaxe.
Em sua visão sobre aquisição da linguagem, Kato (op. cit.) baseia-se em Hyams
(1993), que propõe que, ao invés de a criança avaliar o “input” e marcar o valor do parâmetro
como (+) ou (-), haveria para todo parâmetro um valor “defaut”, que seria a hipótese nula da
criança. Esta, por sua vez, continuaria com seu valor defaut, caso não houvesse dados
contraditórios a esse valor.
Merece destaque em Kato (1999) a análise feita pela pesquisadora das duas hipóteses
de aquisição da linguagem mais divulgadas:
Mas se a tese continuísta apresenta problemas para este caso específico de parâmetro do sujeito nulo, a tese maturacional não deixa de ser menos problemática. Se a gramática emergente não tem D nem I (que contém Tempo), os nominais não teriam referência e seriam meros predicados e os enunciados, sem I, não podem ser nem verdadeiros nem falsos. Sem T, não temos referência da sentença, que é o seu valor verdade. Além disso, sem C, os enunciados não podem ser interpretados como
120
asserções, perguntas etc. Logo, a sintaxe da criança não teria FL e nenhum papel na interface, o que parece um absurdo. (KATO, op. cit. p.16)
Em sua análise, a pesquisadora discute questões que não são muito apontadas pela
maioria dos pesquisadores que direcionam seus trabalhos pelas duas hipóteses mais
divulgadas de aquisição das categorias funcionais. Kato (op. cit.) mostra que a corrente
continuísta apresenta problemas com relação à explicação da aquisição do sujeito nulo, ao
passo que, na tese maturacional, a sentença nem poderia existir, se se pensasse que, no
período inicial de aquisição, não representa ainda D (determinante) e I (flexões) (hoje T
(tempo)). Porém, uma proposta é aqui lançada em analogia ao fato de se admitir que os
movimentos que são visíveis em uma determinada língua são invisíveis em outra, ocorrendo
só na Forma Lógica (FL). É a ideia de que o mesmo possa ocorrer nas gramáticas emergentes.
É proposto que as categorias funcionais necessárias para a interpretação dos enunciados – as
que têm interpretação em forma lógica – as únicas admitidas no Programa Minimalista –
estejam presentes desde o início: D, I, C e Neg (negação).
Na perspectiva do Minimalismo, a criança seria guiada pelos Princípios de Economia. Antes de aprender a natureza da morfologia, a criança iniciaria com o valor do parâmetro mais econômico, com a morfologia tanto verbal quanto nominal presumidas fracas, o que implicaria as formas reduzidas na fase que os maturacionistas como Radford, Leeaux e Guilfoyle e Noonan chamaram de Léxico-temática. Não havia nem subida de verbo e nem subida de NPs, permanecendo tudo dentro da projeção lexical do verbo. Mas o fato de não haver movimentos na sintaxe visível não exclui a possibilidade da existência do esqueleto funcional, onde os elementos poderiam ter seus traços checados em FL. O “defaut” seria, portanto, de ausência de traço forte nos diversos núcleos funcionais. (KATO, op. cit. P18)
É o Princípio de Economia, então, que guia um grupo de pesquisadores de aquisição
da linguagem dentro do programa minimalista. Nessa visão, como aponta Kato (op. cit.),
inicialmente a criança opta pelo parâmetro mais econômico, o que resultaria em tudo se
concentrar dentro da projeção lexical do verbo, porém havendo a possibilidade de serem os
elementos checados na FL, dentro de um possível esqueleto funcional, embora não haja
movimento na sintaxe visível. Parece que, na concepção apresentada pela pesquisadora,
haveria então a possibilidade de a checagem ocorrer na sintaxe invisível. Relembrando,
novamente, que as terminologias aqui usadas pela autora, referem-se as que estavam em voga
na época.
A seguir, faremos uma sintética exposição sobre aquisição de tempo e de aspecto.
121
5.2.6 Aquisição de tempo e de aspecto
Uma breve consideração sobre a aquisição de tempo e de aspecto na perspectiva
gerativista se faz necessária a fim de situarmos o instrumento que utilizamos para verificação
de nossos dados.
Representadas por Rizzi (1994) e Wexler (1994), a principais abordagens gerativistas
sobre aquisição de tempo e de aspecto não pressupõem a ausência da interpretação temporal,
mas a falta de marcas visíveis de sua representação.
Philip (1995) apresenta uma proposta de explicação para esta ausência de marcas
visíveis para a representação do sintagma temporal. Segundo o estudioso, esta ausência estaria
ancorada na falta de realização fonética para o traço de tempo. Essa ideia, porém, pode ser
explicada nas duas principais linhas de pesquisa sobre a aquisição de tempo e de aspecto na
perspectiva gerativista: a de Rizzi (1994) e a de Wexler (1994). A visão de Rizzi (op. cit.)
baseia-se na representação arbórea da sentença gerativista sem a projeção de tempo e sem as
demais projeções representadas acima do sintagma temporal (TP). Já as pesquisas produzidas
na linha de Wexler (1994) propõem a subespecificação para a categoria tempo, o que significa
que, na mente da criança, a categoria tempo não teria maturado ainda. Esse ponto de vista
explicaria o uso de formas não-finitas pela criança, que é justificado pelo autor como sendo
uma projeção mental de CP sem maturação ainda. Em síntese, as duas propostas podem
explicar a ausência da representação de tempo na árvore sintática pela não representação
fonética dessa categoria.
Com relação à aquisição de aspecto, há poucos trabalhos ainda dentro da perspectiva
gerativista. Assinalamos o trabalho de Brun et. al. (1999) sobre aquisição da língua russa.
Como nesse idioma o tempo e o aspecto não são morfologicamente fundidos, as observações
sobre as duas categorias, em separado, são mais visíveis. Realizando um estudo com crianças
que estavam adquirindo o russo, os autores constataram que elas adquirem conhecimento do
sistema aspectual, na medida em que empregam as marcas morfológicas de aspecto perfectivo
e imperfectivo corretamente.
Por meio de um corpus contendo dados de fala espontânea de crianças entre um ano e
meio e dois anos e meio, falantes da língua russa, Brun et. al. (op. cit.) salientaram que as
crianças russas tendem a usar preponderantemente verbos com marcas de perfectividade
quando eles se referiam a eventos no passado, e verbos com marcas de imperfectividade
quando se referiam a situações no presente.
122
Os dados dos pesquisadores que trouxemos aqui mostram que o comportamento dos
parâmetros de perfectividade pode variar de língua para língua, estando marcados algumas
vezes e outras não. Porém, mas que, quando não marcados, na visão dos autores, isso significa
apenas uma opção e não que estaria de acordo com o princípio da economia – conclusão que
não condiz com o que trouxemos em Kato (1999).
Para nós, o trabalho de Brun et al (1999) corrobora com a nossa hipótese de que tempo
e aspecto são categorias diferentes. Entretanto, os pesquisadores só trabalham o aspecto
gramatical.
Vimos então alguns exemplos de aquisição das categorias que estamos estudando, com
o que fechamos nossa exposição sobre a aquisição de linguagem.
Nesta tese, entendemos que o aspecto gramatical e o lexical envolvem dois tipos
diferentes de aquisição. O primeiro significa adquirir morfemas gramaticais que se referem a
diferentes aspectos. O outro tipo de aquisição é a de aspecto lexical, que se refere à aquisição
de verbos com seus traços semânticos, que envolvem a estatividade, pontualidade e telicidade,
perfektividade/continuidade, etc., tratados nesta tese.
Vimos, neste capítulo, que a aquisição, na concepção gerativista, tem base biológica e
trabalha com a hipótese de que a criança detém um estado de conhecimento anterior a
qualquer experiência linguística. Vimos também que a aquisição da linguagem é um processo
rápido. Por volta de três anos de idade, a criança já adquiriu as estruturas mais importantes,
fixando também os parâmetros de sua língua, e o estudo das categorias funcionais tem se
tornado cada vez mais relevante nesse campo de investigação. Alguns autores consideram
que, inicialmente, o parâmetro tem um valor zero, podendo, posteriormente, ser fixado o valor
positivo, ou não. Uma inovação do estudo de aquisição no Programa Minimalista, admitida
por alguns estudiosos, tem sido considerar que a criança é guiada por princípios de economia.
Por fim, fizemos uma breve exposição sobre a aquisição de tempo e de aspecto na perspectiva
gerativista, salientando que a criança não apresenta interpretação temporal, sendo a falta de
marcas visíveis dessas categorias explicada pela falta de realização fonética do traço
específico.
123
6 METODOLOGIA
Introdução
A Linguística Gerativa busca construir uma teoria científica da organização sintática
das sentenças, por meio da observação efetiva daquelas que compõem as línguas naturais. O
trabalho do linguista gerativista, por sua vez, está na elaboração de explicações com base em
um padrão abstrato das sentenças dessas línguas, fazendo, assim, uma previsão do formato
que possam ou não ter essas estruturas linguísticas. (Cf. Miotto et al, 1999). Em outras
palavras, o linguista que pesquisa dentro do arcabouço teórico da Gramática Gerativa,
segundo Miotto (op. cit.), tem a tarefa de procurar por princípios que estejam na base de todo
fenômeno sintático existente, como também a tarefa de refletir e de estudar a respeito dos
princípios já existentes. Contudo, nem sempre os fenômenos que buscamos elucidar mostram-
se observáveis e, por isso, necessitamos de uma base de dados que torne possível a sua
verificação. No caso de nossa pesquisa, buscamos apoio em dados de corpora48, coletados
longitudinalmente49 e organizados dentro de critérios específicos, no campo da Aquisição de
Linguagem.
Da observação de que a LA não possuía a representação gramatical marcadora de
aspecto progressivo surgiram nossas primeiras reflexões sobre o tempo e o aspecto no
português e no alemão. No referido idioma germânico, a frase que corresponde a “Eu estou
lendo um livro” seria expressa com uma estrutura diferente. O verbo viria no presente,
combinado com um advérbio: “Ich lese gerade ein Buch”. (Eu leio, neste exato momento, um
livro.)
A língua alemã retrata a noção que no PB é expressa pela perífrase “estou lendo” por
meio do verbo “ler” no presente (“lese”- leio) acrescido do advérbio “gerade” (neste
momento), dando a ideia de que o evento está em progresso, ou seja, de que o processo está
acontecendo no momento da fala.
Assim que observamos tal fenômeno, isso nos fez voltar o olhar para as formas de
expressão da aspectualidade, de um modo geral, na LA e no PB, sendo este o ponto de partida
48 Linguística de Corpus é uma das áreas de pesquisa de linguagem mais ativas nos últimos anos. “Ocupa-se da
coleta e exploração de corpora ou conjuntos de dados linguísticos textuais, feitas criteriosamente, com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade linguística.” (Berber Sardinha, 2000). Cabe destacar a importância primordial de um corpus como fonte de informação, pois “ele registra a linguagem natural realmente utilizada por falantes e escritores da língua em situações reais” (Berber Sardinha, op. cit).
49 Estudos longitudinais – fazem parte de um método de coleta de dados que, no caso de nossa pesquisa, objetiva a análise de variações nas características de determinados dados de um mesmo indivíduo, ao longo de um determinado período de tempo.
124
para a nossa investigação, que – relembramos – tem o objetivo de estudar como o tempo e o
aspecto se expressam nesses dois idiomas.
Nesta tese, utilizamos para tal investigação uma base de dados de aquisição de
linguagem, que foi o nosso instrumento para o estudo das categorias aspectuais e temporais.
Servindo-nos desses dados, procuramos fundamentar as fases da aquisição que pudessem nos
indicar possíveis processos que estivessem operando sobre a compartimentalização de tempo
e de aspecto, na mente infantil. Entretanto, nosso estudo se concentrou em investigar,
longitudinalmente, apenas as tendências do processo de aquisição de tempo e de aspecto,
com sua variedade de traços, nos dados de fala de língua materna de apenas duas crianças:
uma falante nativa de PB e outra de LA.
A partir dos dados de aquisição de um mesmo sujeito, coletados em momentos
diferentes, entendemos ser possível a realização de observações sobre o momento em que as
categorias vão florescendo na mente infantil, dando uma maior visibilidade ao instante de seu
surgimento e também da atualização dessas categorias.
Para esse estudo, realizamos análise de corpora, selecionados de acordo com os nossos
objetivos, como descrevemos na seção seguinte.
As falas que compõem os dados foram transcritas e traduzidas, compondo, nesse novo
formato, também um novo grupo de dados no qual cada sentença foi individualizada e
estudada, para extrair, dali, alguns dos elementos que poderiam compor o tempo e o aspecto
ou influenciar essa composição.
A análise pormenorizada de cada sentença de corpora de dois idiomas diferentes, com
um mesmo olhar, apurou a nossa percepção para pontos que talvez não teriam sido vistos na
análise de uma só língua.
Fazemos, a seguir, um detalhamento desses dados.
6.1 Descrição da amostragem
Resumindo o panorama de nossa amostragem, os dados foram extraídos de oito
corpora compostos por textos orais espontâneos, produzidos por crianças entre um ano e meio
e quatro anos e meio. Foram extraídos dos corpora quatrocentas e cinquenta e cinco (455)
sentenças para análise de categorias que compõem sua estrutura temporal e aspectual.
Nesta parte, fazemos uma descrição completa dos elementos de nossa pesquisa,
começando pelos corpora utilizados. Em seguida, trazemos as informações sobre os nossos
125
informantes, sobre as categorias de análise que foram extraídas dos dados e, por fim,
abordamos os critérios que utilizamos para analisar os dados.
6.1.1 Caracterização do Corpus
Abordamos, nesta seção, as características de nossos dois corpora: as fontes, os
informantes e os dados em si.
6.1.1.1 Descrição das fontes
Utilizamos, nesta investigação, um corpus de domínio público de língua portuguesa
(PB) e outro de (LA), selecionados por dois critérios. Para que se pudesse comparar a
aquisição de tempo e de aspecto em faixas etárias diferentes, buscou-se um corpus cujo
estudo tivesse sido de natureza longitudinal. Esse foi nosso primeiro critério. O segundo foi o
da disponibilidade dentro dos dados que tínhamos para a realização dessa pesquisa.
O estudo longitudinal permitiu que fossem feitas a observação e a descrição das
categorias ao longo do tempo, em cada sujeito. Os dados que extraímos desses corpora
consistiram em produções espontâneas de fala, os quais podem ser, assim, detalhadas:
1) Dados de Língua Potuguesa: corpus do Projeto Aquisição da Linguagem Oral,
coordenado por Cláudia Lemos.
No desenvolvimento do referido projeto foram feitas entrevistas, as quais
foram gravadas e constituídas em um corpus de domínio público, sendo a gravação
realizada no projeto acima mencionado, nos anos de 1970 - 1980, em formato de fita
cassete. De acordo com as informações que estão na pesquisa de Cláudia Lemos, as
gravações foram feitas com base na conversa entre mãe e filho, por meio das quais
foram sendo registradas, longitudinalmente, a fala espontânea, em forma de diálogo,
de uma criança brasileira, no idioma português do Brasil.
Quanto à transcrição dos dados, ela fez parte de um trabalho feito sob a
coordenação da orientadora desta tese, cujos detalhes mostramos a seguir.
Coleta de dados: esta consistiu da audição e transcrição de fitas, disponíveis em
biblioteca da UNICAMP. A organização do material foi feita pelas alunas de iniciação
126
científica do Departamento de Letras da PUC Minas, sob orientação da prof. Arabie
Hermont.
Material
O material do corpus de LP foi composto, então, pelos dados escritos extraídos
das gravações das falas espontâneas de uma mesma criança brasileira, em diferentes
fases de aquisição. Estes foram por nós estudados, organizados e classificados nas
tabelas que estão nos anexos.
2) Dados de Língua Alemã: corpus de aquisição e desenvolvimento da linguagem da
criança, intitulado “German Carolyn Corpus”, criado por Von Stutterheim (2004), o
qual faz parte do grande banco de metadados linguísticos OLAC (Open Language
Archives Community).50
Segundo consta nas informações da pesquisa, o corpus é fruto de um estudo
longitudinal de uma criança alemã, editado por Talk Bank (2004). A pesquisa é
caracterizada como sendo do tipo textual, com discurso em forma de diálogo, no
idioma alemão. O referido trabalho é caracterizado ainda como sendo do gênero
discurso interativo de fala espontânea, não eliciada, realizada em um contexto familiar,
com uma estrutura do tipo conversa face a face, ficando os dados disponíveis para
domínio público.
Material
O material resultante desse corpus foi, portanto, constituído dos dados
transcritos de fala espontânea de uma mesma criança alemã, em diferentes fases de
aquisição de sua língua materna, os quais compõem o German Carolyn Corpus. Esse
50 O Corpora OLAC, do qual extraímos os dados da criança alemã, é uma comunidade que disponibiliza um
conjunto de arquivos linguísticos abertos (de acesso público). É uma parceria internacional de instituições e indivíduos que estão criando uma biblioteca mundial virtual de recursos linguísticos, utilizando para isso: “(i) o desenvolvimento de um consenso sobre a melhor prática atual para o arquivamento digital de recursos linguísticos, e (ii) o desenvolvimento de uma rede de repositórios operáveis internacionalmente e de serviços de habitação e acesso a tais recursos.” Disponível em (Cf. http://www.language-archives.org/). (Tradução nossa).
127
material foi também organizado, traduzido e classificado por nós, em tabelas que estão
nos anexos.
6.1.1,2 Caracterização dos Informantes
Os sujeitos da pesquisa foram controlados por idade e idioma materno, porém os
dados disponíveis permitiram-nos ter apenas faixas etárias aproximadas entre os dois idiomas
que estamos estudando, conforme está indicado na correlação entre as linhas da tabela que
segue.
Quadro 10 - Faixa etária dos informantes da pesquisa Idade de
referência
Idade correspondente nos dados
de língua portuguesa
Idade correspondente nos dados
de língua alemã
1 ano e meio (1,5) Um ano e cinco meses (1,5)
Um ano e meio (1,6)
2anos (2,0) Um ano e onze meses (1,11)
Dois anos e seis meses (2,6)
3 anos e meio (3,5) Três anos e quatro meses (3,4)
Três anos e três meses. (3,3)
4 anos e meio (4,5) Quatro anos e quatro meses (4,4)
Quatro anos e três meses (4,3)
6.1.1.3 Caracterização dos dados
Nosso corpora são constituídos de diálogos infantis com um ou mais interlocutores,
dos quais extraímos as falas das crianças, analisando cada uma de suas sentenças dentro de
critérios que descrevemos, em seguida.
No corpus de língua alemã, além da individualização das falas infantis, para análise, as
sentenças foram também traduzidas.
6.1.1.3.1 Critérios de Seleção de dados
A construção da base de dados utilizada nesta pesquisa foi realizada, como já
trouxemos anteriormente, por critérios de disponibilidade de corpora mais próximos da faixa
etária de referência. Foram extraídos de cada corpus selecionado todas as sentenças,
128
excluindo-se uma ou outra que apresentava problemas de clareza do conteúdo transcrito.
Também se excluíram as frases que estavam na forma imperativa e as que estavam no tempo
futuro. Estas últimas não foram computadas porque, como são formas verbais que apresentam
muitas dúvidas com relação à temporalidade, seriam pouco reveladoras no que diz respeito ao
processo de aquisição. Houve exclusão também das poucas sentenças, que, em nossos dados,
apresentavam apoio.
Consideramos como sentença produzida com apoio aquela frase sugestiva emitida por
quem mantém um diálogo com o sujeito – pesquisador, mãe da criança ou outro participante
do diálogo. As pesquisas em aquisição costumam levar em conta se a produção infantil foi
feita com ou sem apoio, porque isso interfere na sua interpretação. De nossa parte,
entendemos que as frases de apoio costumam influenciar a resposta do sujeito, colocando em
dúvida a produção da própria criança, motivo pelo qual optamos por excluí-las.
De cada sentença, as categorias selecionadas para análise foram o sujeito, o tempo, o
aspecto, o complemento, a expressão adverbial e a completude da sentença, as quais são
descritas a seguir.
Esclarecemos ainda que a utilização, para a análise dos dados, de categorias de
naturezas distintas, quer sejam morfossintáticas, semânticas, dentre outras, acontece devido à
natureza de nosso objeto de estudo, que tem traços lexicais e gramaticais e é composto na
sentença, sobretudo em seu predicado.
6.1.1.3.2 Caracterização das categorias estudadas
Inicialmente, buscou-se verificar, na análise dos dados, como se dava a marcação de
tempo e de aspecto nas produções de fala dos informantes. Para isso, foram tabuladas todas as
sentenças extraídas das falas transcritas dos corpora de cada criança, registrando-se também,
nessas tabulações, as seguintes variáveis:
a) Sujeito – O registro desta categoria é justificado pelo papel que o sujeito exerce na
perspectiva gerativista: ele se move para o especificador de tempo, onde permanece,
mostrando a relação que tem essa categoria com o sintagma temporal. Sendo assim,
transcrevemos da fala da criança as produções do sujeito, quando expresso. Quando o
sujeito não estava expresso, nós o marcamos com o símbolo Ø e nos referimos a ele
129
como sujeito nulo51 ou não marcado. Desta forma, temos então o nosso primeiro
critério de análise.
Critério de análise 1: realização do sujeito.
b) Tempo – Para esta categoria é necessário que se faça uma diferenciação entre tempo
marcado gramaticalmente e marcado pelo léxico, daí a variável ser subdividida em
tempo gramatical ou lexical. No primeiro caso, outra subdivisão marca ainda se o
tempo é passado ou se é um tempo presente52. Esse é um conceito inerente ao estudo
da temporalidade linguística, por meio da qual se localiza as ações no tempo. Na
Língua alemã, no entanto, uma das formas de marcação do tempo passado é por meio
de uma perífrase verbal em que o tempo não está representado apenas no auxiliar, mas
também no verbo pleno – o que nos faz considerar todo o bloco da perífrase (auxiliar
mais o verbo pleno) como marcador desse tempo passado.
Temos aqui dois critérios de análise: Critério 2: tempo gramatical ou lexical. Critério 3: tempo passado ou presente.
c) Aspecto – Esta variável – foco principal de nossa pesquisa, que pretende estudar o
aspecto como uma categoria que é independente da categoria tempo – está subdividida
em várias subcategorias que englobam sua noção nos dois idiomas que estamos
estudando. Tal qual o tempo, o aspecto também está subdividido em aspecto
gramatical e lexical. Se o aspecto é gramatical, inspirados nas marcações que são
feitas para a língua portuguesa, estamos verificando a representação da perfectividade
ou imperfectividade. Inspirados também na Aktionsart da língua alemã, estamos
assinalando quando a noção é trazida no processo de formação de palavras. Quanto ao
aspecto lexical, foram registradas, em tabelas, as categorias telicidade ou atelicidade –
advindas da LP – e as categorias “recursos lexicais adicionais”,
“perfektividade/duração” – inspiradas na língua alemã.53
51
Consideramos como sujeito nulo neste trabalho todo aquele que não foi expresso foneticamente pela criança, independente dele poder ou não ser recuperado no contexto da fala da criança ou de outro interlocutor.
52 Não marcaremos o tempo futuro, já que é um tempo hipotético, que envolve outras capacidades cognitivas da criança.
53 Relembrando o que trouxemos no cap. III, a Aktionsart pode ser expressa pelo significado de palavras, estando, na maioria das vezes, esse significado no verbo; pode ser expressa ainda por recursos lexicais adicionais, como o advérbio, a repetição de palavras, etc. A noção de aktionsart pode advir também da noção de perfektividade ou de duratividade (Cf. HELBIG, G. und BUSCHA, 1999), sendo que a primeira escrevemos com “k” para diferenciar da noção de perfectividade da língua portuguesa. A noção de perfektividade da língua
130
Temos aqui vários critérios de análise:
Tal qual fizemos para a categoria tempo, também fazemos para o aspecto,
diferenciando quando a categoria é gramaticalmente marcada e quando essa marcação
é lexical, sendo esse o nosso quarto critério:
Critério 4: Aspecto Gramatical ou lexical.
O aspecto gramatical foi observado em seu traço de [+/-] perfectividade, ou
seja, de acordo com o morfema gramatical macador dessa categoria, foi observado se
o processo verbal estava em andamento ou se já havia sido concluído, estabelecendo-
se, desta forma, o quinto critério de análise:
Critério 5: Aspecto gramatical perfectivo ou imperfectivo.
A outra subdivisão do aspecto gramatical prevê a composição aspectual por
meio de um processo de formação de palavras, normalmente, formador do verbo, que
lhe imprime aspectualidade e que é o nosso sexto critério:
Critério 6: Aspecto gramatical por meio de processo de formação de palavras.
Os critérios 5 e 6 referiram-se ao aspecto gramatical.54 Porém, a aspectualidade se
manifesta também por meios lexicais. Um deles é o nosso próximo critério – o que
classifica os predicados em télicos (processo que tem culminação) e atélicos (que não
tem ponto de culminação).
Critério 7: Aspecto Lexical télico ou atélico.
Outra classificação do aspecto lexical é aquela que diferencia o processo que é
retratado em sua mudança de fase ou em seu caráter durativo. O primeiro denominado
alemã, além de ser uma noção lexical, diz respeito ao confinamento de um acontecimento no tempo, o que é marcado por diferentes fases, como início, fim, transição de fase, etc (Cf. HELBIG, G. und BUSCHA, 1999).
54 O critério de formação de palavras é um ponto controverso no que diz respeito à sua classificação como sendo
um processo gramatical ou lexical. Como estamos seguindo aqui a classificação utilizada por HELBIG, G. und BUSCHA, (1999), trataremos o critério número 6 como sendo um processo gramatical.
131
perfektivo (que – relembramos – grafamos com “k” para diferenciar do conceito de
perfectivo do PB), e o segundo vê a ação se desenvolver continuamente. Dessa forma,
temos o oitavo critério:
Critério 8: Aspecto Lexical Perfektivo ou durativo.
Além dos critérios lexicais já abordados, reunimos outros critérios lexicais em um
grupo denominado “processos lexicais adicionais”, seguindo Helgig und Buscha
(1999). Na nossa pesquisa, encontramos os seguintes recursos: a) repetição de palavras
– que é um recurso através do qual o aspecto durativo é marcado pela repetição de
uma mesma palavra, por exemplo, um mesmo verbo (voa, voa, voa), ampliando sua
noção de duração; b) outro recurso lexical, pelo qual se manifesta o aspecto é por meio
de advérbios. Dessas duas manifestações lexicais, surge o nono critério de análise:
Critério 9: Critérios lexicais adicionais.
Os critérios de 4 a 9 formam relativos à análise do aspecto. Restam ainda mais dois
grupos de critérios.
d) Complemento – Incluindo o denominado argumento interno na concepção gerativista
– esta categoria, nesta pesquisa, abriga os complementos verbais quer sejam de verbos
plenos (principais) ou mesmo de verbos de ligação, abrigando também os de natureza
oracional, os de ordem locativa etc, que são estudados aqui para avaliar sua possível
participação na construção da aspectualidade.
Critério 10: Argumento interno na composição da aspectualidade
e) Expressão adverbial de aspecto – O objetivo de analisarmos esta variável é o de
estudarmos a participação das expressões adverbiais, não apenas no âmbito lexical,
mas analisando sua função na construção da estrutura aspectual da sentença como um
todo. Cabe lembrar que expressões adverbiais de tempo, como tiveram poucas
ocorrências, foram marcadas na categoria “tempo lexical”.
Critério 11 – Adverbiais que compõem a aspectualidade.
132
Os dados de nosso corpus foram tabulados, de acordo com as variáveis acima
descritas, conforme os critérios que foram assinalados.
Observações
1) No que diz respeito à informação da existência de sujeito expresso ou não na
variável (a), esta é, para nós, importante, já que estamos trabalhando no quadro
teórico da Gerativa.
2) Quanto aos verbos, queremos investigar a respeito da marcação de tempo e de
aspecto, feitas por meio deles, e ainda da relação que essa marcação possa ter com
outras categorias da sentença – quer sejam gramaticais ou/e lexicais.
3) Com relação às expressões adverbiais, em (e), vamos analisar a ocorrência de
adverbiais aspectuais para estudar suas possíveis relações com a aspectualidade.
4) Buscamos também outras formas de representação aspectuais por meio das
categorias que foram selecionadas, assim como buscamos registrar outras
observações importantes sobre o assunto.
Neste capítulo, foi apresentada a forma como procedemos à organização de nossos
dados para fins de análise. Trouxemos informações sobre os corpora, sobre os informantes, as
categorias que foram extraídas dos dados e sobre os critérios de seleção e análise utilizados.
No próximo capítulo, faremos um tratamento das ocorrências.
133
7 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Vimos, na seção anterior, que nossos corpora eram compostos de transcrições de fala
das crianças que foram os sujeitos desta pesquisa. Essas transcrições foram analisadas e
computadas em tabelas, que registraram cada sentença desses bancos de dados e que estão em
anexo.
Neste capítulo, tratamos primeiro dos resultados referentes à análise dos dados que
computamos em nossas tabelas. Em seguida, discutimos possíveis representações mentais de
algumas categorias aqui estudadas.
7.1 Contextualização da análise de dados
Nossa análise de dados se baseou na observação das manifestações de tempo e de
aspecto em cada sentença de nossos corpora, por meio das variáveis que selecionamos.
Antes de apresentarmos o desenvolvimento de nossa análise, retomamos o objetivo
geral deste trabalho: estudar o tempo e o aspecto na língua portuguesa e na língua alemã. Para
realizá-lo, alguns pontos guiaram o nosso estudo, quais sejam: a observação das
manifestações lexical e gramatical tanto do tempo quanto do aspecto; a relação do advérbio
com essas categorias, assim como também o momento de aquisição das categorias em
questão.
Apresentamos, nas próximas seções, tabelas em que computamos os dados da nossa
pesquisa, de acordo com as categorias analisadas – dentro das quatro faixas etárias com que
trabalhamos e também para os dois idiomas em estudo.
Trazemos também, nesta introdução, alguns esclarecimentos sobre o número de
sentenças que foram utilizadas para cada faixa etária em que realizamos nossas investigações.
A tabela que segue mostra essa distribuição:
134
Tabela 1 - Número de sentenças por faixa etária
Idade de
referência
Número de sentenças
pesquisadas por faixa etária
em Língua Portuguesa (LP)
Número de sentenças
pesquisadas por faixa etária
em Língua Alemã (LA)
1 ano e meio (1,6)
5 sentenças 3 sentenças
2anos (2,0)
46 sentenças 85 sentenças
3 anos e meio
(3,6)
126 sentenças 75 sentenças
4 anos e meio
(4,6)
72 sentenças 43 sentenças
Total 249 sentenças no PB 206 sentenças na LA
Fonte: autora da tese
Foi exibido, na tabela 1, o número de sentenças completas extraídas dos corpora de
fala correspondentes a cada faixa etária que estudamos. Pode-se observar que, nos primeiros
anos de idade, as crianças estudadas produziram poucas sentenças completas, mas que esse
número aumentou depois dos dois anos de idade, como também aumentou a complexidade
das construções.
Passemos agora ao estudo dos nossos dados.
7.2 Descrição e análise das ocorrências
Nossa computação de dados procurou seguir a ordem canônica dos constituintes da
sentença na língua portuguesa: sujeito, verbo, complementos e adjuntos55. Sendo assim,
organizamos a exposição das ocorrências nessa ordem e, portanto, trazemos primeiro, na
próxima seção, a computação de dados referentes ao sujeito da sentença.
55 A ordem canônica a que estamos nos referindo é a ordem clássica de Greenberg (1963), que sugere uma
tipologia sintática, de acordo com a ordem dos constituintes da sentença, a qual se baseia na posição relativa do sujeito (S), do verbo (V) e do objeto (O), dentre seis possibilidades existentes. Para melhor organizarmos a visualização da sentença, escolhemos a ordem SVO, mais comum na LP.
135
7.2.1 Realização do sujeito
Esta variável, correspondente ao nosso primeiro critério de análise, foi registrada de
acordo com a realização fonética ou não dessa categoria, por parte da criança, nas sentenças
produzidas por ela, conforme foi esclarecido no capítulo anterior.
Tabela 2 - Realização do sujeito Idade Realizou o sujeito
(%)
LP
LA
1,6 anos
0 33,3
2 anos
15,2 62,4
3,6 anos
61,1 77,3
4,6 anos
52,8 90,7
Fonte: elaboração da autora da tese
Para o estudo dessa categoria, entendemos que a contagem, em cada faixa de idade, da
realização ou não realização do sujeito iria nos favorecer à análise de quando teve início essa
aquisição em cada idioma e se o processo teve alguma modificação significativa.
De acordo com a tabela acima, na língua portuguesa, na faixa etária de 1,6 anos, a
criança não realizou o sujeito em nenhuma das sentenças. Porém, aos 2 anos de idade, a
criança brasileira já o realiza, mas em pequena proporção – 15,2%. Os exemplos mostram as
falas da criança falante do português nas faixas etárias apontadas: sem a realização do sujeito
com um ano e meio e, aos dois anos, com e sem a realização do sujeito. Mostra também
exemplos da etapa seguinte.
PB – 1, 6 anos - S1 - (ES)tá ti [:aqui].
136
PB – 2,0 anos – S25 Babalu tá papandu.
PB – 2,0 anos – S42
Abô. (acabou)
PB – 2,0 anos – S43
é.
PB – 3,4 anos – S14
Eles não tem mais mamãe.
PB – 3,4 anos – S31
Essa tá bem sujinha # hein?
PB – 3,4 anos – S34
Cê tira um pouquinho?
De acordo com os nossos dados, a aquisição da realização do sujeito na fala da criança
brasileira apresenta um significativo avanço no período que vai de 2 a 3,6 anos, no qual passa
de 15,2% a 61,1%. No entanto, aos 4,6 anos, a realização do sujeito tem uma pequena
diminuição, acontecendo em 52,8% das sentenças produzidas.
Na LA, na primeira faixa etária de nossa pesquisa, ao contrário de uma aquisição nula
conforme apresentam os nossos dados de LP, a criança alemã mostra uma média de 33,3% de
realização do sujeito com um ano e meio de idade.
LA – 1,5 anos - S1 Ich schon ma. Eu já faço.
LA – 1,5 anos - S2 Aufgemach. Abri.
Nas faixas etárias posteriores, essa média vai crescendo, chegando a 90,7% aos 4,6
anos.
LA – 2.0 anos - S8 wo ist der Papi (.) ?
Onde está o papai ?
LA – 3,5 anos - S78 Der hat ja eine Adlernase .
Ele tem, sim, um nariz de gavião.
137
LA – 4,5 anos - S7 und da sagte der Tannenbaum (3.).
E então disse a árvore de natal.
Comparando as duas crianças, podemos ver que, com 1,5 anos, a brasileira não realiza
ainda o sujeito, ao passo que, a criança alemã já o realiza. A criança brasileira inicia o
processo de aquisição dessa categoria entre 1,5 e dois anos, em pequena percentagem, mas a
criança alemã, aos dois anos, já o realiza em mais da metade das sentenças. Nos dados do PB,
há um aumento significativo na realização do sujeito, a partir dos dois anos, porém os valores
não ultrapassam aos 62%. Na LA , por sua vez, após os dois anos, há um aumento das
marcações do sujeito, chegando os valores a 90,7%, aos 4,5 anos.
Resumindo o resultado da verificação dessa variável, podemos constatar que a
aquisição do sujeito, na criança brasileira, teve início entre um ano e meio e dois anos e sua
modificação acontece no sentido de sofrer um aumento, mas depois uma estabilidade.
Diferentemente, a aquisição do sujeito na criança alemã começa antes de um ano e meio e
modifica-se no sentido de a percentagem dessa realização ir aumentando de forma
progressiva até atingir aos 4,6 anos, mais de 90%.
A tendência que observamos nesse resultado é a de que este fenômeno é diferente nos
dois idiomas, tanto com relação à idade em que se inicia sua aquisição, quanto nas
modificações sofridas na realização do sujeito nos períodos em que a estudamos.
De acordo com a ordem dos constituintes, a qual nos propusemos a seguir (ver pág. 34
desta tese), faremos agora a exposição das representações temporais.
7.2.2 Marcação temporal
A realização da categoria tempo é apresentada nas duas tabelas que seguem. A
primeira diz respeito a essa representação por meios gramaticais ou lexicais, e a segunda, à
representação da localização temporal no presente ou no passado.
7.2.2.1 Marcação gramatical e lexical de tempo
A tabela 3 assinala, para as duas línguas em estudo, quatro status acerca do tempo: o
tempo expresso por meio das flexões verbais, denominado tempo gramatical; o tempo
marcado por meios lexicais; o tempo com dupla marcação – expresso tanto gramaticalmente
138
quanto lexicalmente e, por fim, o tempo não marcado (nulo). Os exemplos a seguir ilustram as
quatro ocorrências.
1) Tempo gramatical – expresso, nos exemplos, pelas desinências do verbo.
LP - 1,5 ANOS - S4 Caí.
LP - ANOS - S Brauch rot .
Preciso de vermelho.
2) Tempo lexical – nos exemplos, representado por meio dos adverbiais “agora” e “weiter”
LP - 3,5 ANOS - S48 Agora essa.
LA – 1, 5 anos - S3 Na weiter. Então, continuamos.
3) Tempo gramatical com reforço lexical ocorrendo, portanto, as duas marcações – uma
gramatical e outra lexical – em uma mesma sentença.
PB – 3,5 anos - S98 Agora to arrumando a casa. Agora to cuidando dos nene(zinhos).
LA – 2 anos - S50 Jetzt mache noch eins (1.).
Agora faço mais um.
4) Tempo não marcado (nulo - Ø).
PB – 2,0 anos - S31 Papandu.
No exemplo 4, o auxiliar, que marca o tempo, não é produzido.
LA – 3,5 anos - S7 Weil dis kein Esel .
Porque isso não burro – (tradução ao pé da letra).
139
A tabela 3 expõe o número de ocorrências de cada uma dessas manifestações
temporais em nossos dados de fala.
Tabela 3 – Tempo gramatical ou lexical Idade
LP
LA
Tempo Gramati-
cal (%)
Tempo Lexical
(%)
Tempo Gramati-
cal e Lexical
(%)
Não marcado
Ø (%)
Tempo
Gramati- cal (%)
Tempo Lexical
(%)
Tempo Gramati-
cal e Lexical
(%)
Não marcado
Ø (%)
1,6
anos
100
0 0 0 66,7 33,3 0 0
2
anos
84,8
0 0 15,2 82,4 4,7 3,6 9,4
3,6
anos
88,1
2,4 6,3 3,2 90,7 0 6,7 2,7
4,6
anos
97,2
0 0 2,8 93,0 0 4,6 2,3
Elaboração do autor
As quatro manifestações temporais que estavam presentes em nossos dados compõem
a tabela 3 e, por meio de seu registro numérico, notamos uma representação dominante do
tempo gramatical no PB e no AL. Porém, os dados revelaram ainda, embora em percentagens
pequenas, os outros tipos de representação, mostrando, assim, que todas as quatro formas
fazem parte da representação mental do tempo nos dois idiomas.
Lembrando que o nosso estudo se propõe ainda à verificação de quando teve início a
aquisição temporal em cada idioma e também a verificação de modificações significativas que
o processo possa ter sofrido no decorrer das etapas, detalhamos um pouco mais esses pontos
nas seções seguintes. Lembramos ainda que temos o intento de estudar como as categorias
temporais podem estar representadas na mente infantil e temos também o intento de perceber
semelhanças e diferenças entre essas manifestações no PB e no AL.
140
7.2.2.1.1 Representações temporais lexicais e gramaticais da criança brasileira
Na tabela 3, observamos, para a língua portuguesa (LP), que o tempo tendeu a ser
marcado gramaticalmente pela criança, em todas as faixas etárias, sendo sua representação
lexical praticamente inexistente. Cabe ressaltar, portanto, que o tempo não marcado
(representações temporais nulas) teve também uma percentagem pouco expressiva nos dados
da criança brasileira, inclusive na primeira fase, com um ano e meio, sua representatividade
foi zero, revelando que que a criança marcou o tempo desde bem cedo, com 1,6 anos. No
entanto, aos dois anos, a ausência da marcação temporal (Ø) sobe de zero para 15,2, voltando,
posteriormente, a ter uma percentagem baixa, inferior a 10% (assunto que será discutido na
próxima seção). Contudo, entendemos que, mesmo sendo pequena, houve uma manifestação
de representações lexicais da categoria tempo para a LP, como também houve representações
gramaticais e lexicais, ao mesmo tempo, e que ainda foram registradas ocorrências de tempo
não marcado (nulo).
Porém, destacamos a importância de nos deter um pouco na etapa em que a
representação temporal nula sobe de zero para 15,2%, como veremos a seguir.
Marcações temporais nas perífrases de gerúndio, na LP
Na seção anterior, vimos que, no período em que as crianças estão com dois anos, os
casos de ausência da marcação temporal são mais elevados, e isso nos fez observar com mais
cuidado essas produções. Na criança brasileira, a percentagem dessas ocorrências foi um
pouco maior do que na criança alemã, porém, nos dados dessa última, nada nos chamou a
atenção. As ocorrências de perífrases com ausência de representação temporal nos dados da
criança alemã são variadas e não há nenhuma regularidade entre elas. Nos dados de PB,
porém, verificamos que, em todos os casos de representação temporal nula, estávamos diante
de perífrases verbais de gerúndio, o que nos leva a pensar em uma possível relação entre esses
dois fenômenos: a não marcação da categoria tempo (Ø) e o fato de essas marcações
acontecerem nas ocorrências de perífrases verbais, como mostram as sentenças 17, 20 e 24:
141
Quadro 11 - Exemplos de perífrases com marcação temporal nula, nos dados da criança brasileira, aos 2 anos.
S17 – “Zogando bola”.
S20 – “Fazendu”.
S24 – “ Galinha bicandu!
Fonte: autora da tese
Os exemplos ilustram a ausência do verbo auxiliar, ocasionando a não marcação
temporal, já que a categoria tempo, nas perífrases de gerúndio, vem expressa no auxiliar.
Contudo, a marcação aspectual é garantida, nessas sentenças, em sua forma progressiva, que é
expressa pela flexão de gerúndio.
As observações feitas sobre a não marcação temporal nos dados da criança de dois
anos nos levaram a verificar melhor a associação desse fenômeno com as perífrases de
gerúndio e, assim, retornamos aos dados para observar todas as ocorrências das formas
progressivas no corpus de fala desta faixa etária.
Ao levarmos a cabo tais verificações, notamos, então, que nem todas as perífrases
daquele corpus apresentavam a categoria temporal não marcada. Dito de outro modo, havia,
no corpus, ocorrências de perífrases de gerúndio com marcação de tempo e também com
ausência de marcação temporal, como mostram os exemplos que seguem:
Quadro 12 - Representações perifrásicas em formas progressivas, na LP, aos 2 anos.
Perífrases com marcação temporal nula
Perífrases com marcação temporal
S17 – “Zogando bola”. S20 – “Fazendu”. S24 – “ Galinha bicandu!
S11 – “Tá mordendo.” S15 – “Tá fazendo.” S25 – “Babalu ta papandu.”
Fonte: autora da tese
142
Essas observações nos levaram a realizar uma contagem das marcações temporais, em
todas as ocorrências que estão na forma progressiva daquele corpus. Constatamos que
exatamente a metade das sentenças produzidas pela criança, ou seja, 50% delas tinham o
tempo marcado nas perífrases de gerúndio e que, nos outros 50%, não havia essa marcação.
O resultado assinalado nos leva a supor que a aquisição do tempo em perífrases de
gerúndio possa estar ocorrendo naquela idade, na qual a criança usa ora a forma marcada ora a
forma não marcada.
Esse resultado nos levou a estender a nossa investigação também a todas as faixas
etárias da criança brasileira, a fim de verificarmos a mesma relação. No entanto, os dados
demonstraram que, aos 3,6 anos, o tempo já aparece marcado em todas as perífrases,
indicando que já ocorreu para a criança que estudamos, nesta faixa de idade, a aquisição
temporal nas construções perífrásicas de gerúndio. Prosseguindo com a observação, aos 4,6
anos, essa aquisição é confirmada, aparecendo também em 100% das construções.
Em resumo, podemos dizer, então, que a criança investigada já apresenta adquirida a
marcação temporal com 1,6 anos, exceto para as perífrases. Nestas, provavelmente, a
aquisição começou um pouco depois – entre um ano e meio e dois anos – não estando ainda
totalmente adquirida aos 2 anos. Porém, os dados indicam também que, em alguma etapa
entre os 2 e 3,6 anos, essa aquisição tenha se completado. Dessa forma, podemos dizer que a
representação mental de tempo já acontece com 1,6 anos, mas, nas perífrases, ela é fixada
somente após os 2 anos.
Terminamos, aqui, nossa exposição sobre as estruturas de gerúndio e prosseguimos,
agora, com o estudo da representação da categoria tempo no idioma germânico.
7.2.2.1.2 Representações temporais lexicais e gramaticais da criança alemã
Na língua alemã, o tempo gramatical é realizado em aproximadamente dois terços das
sentenças, por volta de um ano e meio, sofrendo o percentual de aquisição gramatical dessa
categoria um aumento significativo no segundo ano de vida da criança: de 66,7% passa a
82,4%. Entretanto, o percentual continua subindo, alcançando, na idade de 4,6 anos, o valor
de 93%.
Esse resultado nos indica que, com um ano e meio, a criança já havia iniciado o
processo de aquisição temporal e que este foi aumentando gradativamente, no decorrer do
processo. Contudo, aos dois anos de idade, o processo está bastante avançado, uma vez que a
criança já marca, gramaticalmente, o tempo em 82,4% das sentenças e, lexicalmente ou com
143
dupla marcação (temporal e gramatical), em 8,3% de suas produções, o que somado resulta
em uma marcação temporal em 90, 6% das sentenças.
Ao nos determos na observação da realização lexical do tempo na LA, notamos que
esta tem uma representação expressiva na primeira faixa etária registrada em nossa pesquisa:
33,3%. Entretanto, essa taxa diminui para 8,3%, sendo importante ressaltar que, desse valor,
4,7% representam uma marcação temporal puramente lexical e 3,6%, uma marcação dupla, ou
seja, uma marca lexical e outra gramatical, na mesma sentença, como está no exemplo que
segue, em que há uma marcação temporal na desinência verbal e outra no advérbio.
LA – 2 anos - S50 Jetzt mache noch eins .
Agora faço mais um.
No entanto, aos 3,6 anos, o tempo unicamente lexical não está sendo mais marcado,
somente o tempo de marcação dupla – lexical e gramatical coesistindo na mesma sentença.
Em nossos dados, essa marcação dupla acontece em todas as ocorrências a partir de três anos
e meio.
Em resumo, nas produções de fala da criança alemã, o tempo gramatical é o tempo
predominante em todo o processo, embora, observamos que parece haver ocorrido nos
primeiros anos uma marcação lexical significativa que foi deixando de ser, enquanto as
marcações gramaticais foram aumentando, à medida em que a idade da criança vai
avançando. Cabe destacar também a tendência observada de que as representações de tempo
exclusivamente lexicais deixarem de acontecer e de ficar o tempo com marcação no léxico
representado somente em escala pequena, mas sempre acompanhado de uma marcação
também gramatical, como mostra a tabela 3.
Passamos agora à análise da ausência de realização fonética do tempo, na língua
alemã. Observa-se que a representação nula não acontece com um ano e meio, mas que, aos
dois anos, ela ocorre em 9,4% das sentenças, diminuindo esse percentual nas faixas etárias
seguintes, mas mantendo, no entanto, um pequeno percentual até a idade de 4,6 anos.
Contudo, cabe ressaltar que a ausência da realização temporal aconteceu muitas vezes com
auxiliares que compõem perífrases, com os modais ou ainda em ocorrências em que o verbo
“sein” (ser ou estar) estaria subentendido – todas essa sendo formas em que o tempo pode ser
recuperado pelo contexto. Por outro lado, destas observações, não temos condições de tirar
outras conclusões com a amostra que foi estudada.
144
Sintetizamos o que foi exposto dizendo que foi de nosso interesse investigar, em cada
idioma, as representações que têm o tempo gramatical, o tempo lexical e também o tempo não
marcado, para que pudéssemos entender um pouco quais as tendências de representação da
categoria temporal na mente infantil. Nossos dados nos mostraram que a representação do
tempo lexical e do tempo gramatical variou um pouco nos dados de cada idioma.
Mesmo que o número de informantes não nos possibilitasse tirar maiores conclusões
sobre a característica de cada uma das línguas estudadas, entendemos que os dados
numéricos puderam nos ser úteis na comparação com os dados de outras variáveis que
apresentavam possibilidades de estabelecerem uma relação com a temporalidade no âmbito
gramatical ou no âmbito do léxico, como vai sendo mostrado no decorrer dessa exposição.
Cabe-nos salientar ainda que as representações lexicais de tempo que registramos nos
dois idiomas foram feitas por meio de advérbios ou expressões adverbiais.
Na seção seguinte, abordamos o tempo gramatical com as marcas que indicam sua
localização no presente ou no passado.
7.2.2.2 Marcação gramatical de categorias temporais
A tabela 4 mostra a representação da localização temporal referentes às ocorrências de
tempo gramatical.
Tabela 4 - Tempo gramatical: passado e presente
Idade
LP
LA
Presente
(%) Passado
(%) Presente
(%) Passado
(%) 1,5 anos
60 40 50 50
2 anos
76,9 23,1 92,9 7,1
3,6 anos
73,1 26,9 93,2 6,8
4,6 anos
61,4 38,6 70,7 29,3
Fonte: elaborada pela autora da tese
145
Nas duas línguas que estudamos, os dados numéricos nos mostraram que a produção
do tempo presente foi predominante em todo o processo. Porém, seu delineamento foi
diferente para a criança brasileira e para a criança alemã.
No PB, o tempo presente e o tempo passado já estão expressos na primeira faixa etária
que estudamos. Posteriormente, há uma leve indicação de que, enquanto as ocorrências de
tempo presente sofreram uma pequena diminuição, as ocorrências de passado sofreram um
leve aumento. Na LA, no entanto, nossa amostra nos permitiu indicar apenas que a aquisição
de presente e de passado estão representadas em todas as faixas etárias e que, com um ano e
meio, a criança já havia adquirido os dois tempos: o presente e o passado.
É interessante notar que, nos dois idiomas, tanto o tempo presente quanto o tempo
passado já tinham, na mente das crianças estudadas, uma representação gramatical, na idade
de 1,6 anos. O mesmo não podemos dizer com relação ao aspecto no tempo presente e no
tempo passado, como veremos na próxima seção.
Resumindo nossos resultados sobre a temporalidade, podemos dizer que no PB a
representação gramatical é predominante, mas que a língua também admite outras
representações. O tempo presente e o tempo passado já estão adquiridos com 1,6 anos, porém,
nas perífrases, a aquisição temporal parece acontecer somente após um ano e meio de idade.
No idioma alemão, também a representação gramatical foi predominante, mas as
outras representações ocorreram em escala maior do que no PB. Nossos dados indicaram que,
na LA, parece ser mais comum as ocorrências lexicais do que no PB, embora elas sejam
também pequenas, mas presentes em todas as faixas etárias, o que não ocorre no PB. Na LA, a
criança indicou já ter adquirido também o presente e o passado com um ano e meio, contudo
nossa amostra não permitiu verificações nas perífrases verbais – ponto com que finalizamos
nossa exposição sobre a categoria temporal, passando à análise da categoria aspectual.
7.2.3 As representações da categoria aspecto/Aktionsart
Diante das diferentes concepções que há acerca de Aktionsart, antes de iniciarmos
essa parte, sentimos a necessidade de esclarecer que, em nossa tese, estamos tomando esse
termo como sinônimo de aspecto. Diferente do que muitos estudiosos assimilam sobre o fato
da Aktionsart ser sinônimo do aspecto lexical, nossa pesquisa demonstrou que, no AL, de
onde vem o termo, a Aktionsart marca categorias tanto gramaticais quanto lexicais, embora
essas últimas sejam em maior número, e o idioma alemão tenha a aspectualidade muito
centrada nas características lexicais.
146
Dando início à nossa exposição sobre a análise da aspectualidade, ressaltamos que o
aspecto, tal como o tempo, tem representação lexical e gramatical. No entanto, o tempo tem
suas marcações lexicais mais centradas no advérbio, ao passo que o aspecto tem marcações
lexicais diversas em uma mesma sentença.
A marcação da noção aspectual é retratada nas tabelas a seguir, que mostram tanto o
aspecto gramatical quanto o lexical. Do primeiro é apresentado o estudo sobre a propriedade
da perfectividade/imperfectividade, e são colocados alguns exemplos do aspecto representado
pelo processo de formação de palavras56. O aspecto lexical, por sua vez, é estudado nos
traços de telicidade, de perfektividade ou duração, ou por meio de recursos lexicais de
repetição de palavras ou do advérbio.
7.2.3.1 Marcação lexical e gramatical de Aspecto/Aktionsart
Estudamos inicialmente as marcações que compõem a categoria tempo. Agora
passamos a analisar aquelas que compõem o aspecto, a partir de dados ilustrados na figura7:
Figura 7 - Computação de dados de Aspecto/Aktionsart
Aspecto/Aktionsart
Aspecto gramatical Aspecto lexical
(-imperf) (+imperf)
Formação de
Palavras
(+t)
Telico
(-t)
Atélico
Avérbio
Repetição de
palavras
PerfeKtivo
Durativo
Não foi computada numericamente em tabela a representação que distingue aspecto
gramatical e lexical, como foi feito para a categoria tempo, porque praticamente todas as
sentenças apresentavam uma, duas ou até mais marcações tanto gramaticais quanto lexicais.
56 Dois fundamentos nos levam a não conceber o processo de formação de palavras como sendo lexical. O primeiro é que nossas concepções ultrapassam o conceito da gramática normativa, que vê a formação de uma palavra como sendo apenas um processo pelo qual se forma uma nova palavra que compõe o léxico de um idioma. A concepção gerativista trabalha bastante com a influência de traços e propriedades gramaticais. O outro fundamento está em Franchi (2003), que concebe a formação de palavras como apresentando tanto funções gramaticais quanto semânticas, salientando também que, na estrutura x-barra, a descrição estrutural das sentenças apresenta-se, no plano lexical, nucleada pelo verbo. A isso acrescentamos um dos fundamentos de nossa tese sobre o papel dos argumentos internos como determinante de certas propriedades referentes ao aspecto – indicando com isso que o processo de formação de palavras, no âmbito aspectual, vai muito além de um simples processo lexical.
147
A computação das ocorrências de dados de aspecto gramatical e lexical foi feita
segundo as categorias da tabela, das quais analisou-se a composição do aspecto gramatical
pelos traços de (+/-) perfectividade e de processos de formação de palavras. A composição do
aspecto lexical foi analisada segundo os traços dos opostos (+/-) telicidade,
perfektividade/duração e ainda segundo os recursos da repetição de palavras e do advérbio.
7.2.3.1.1 O Aspecto Gramatical
A análise de dados do aspecto de natureza gramatical consistiu na verificação das
categorias que foram assinaladas anteriormente, as quais são detalhadas cada uma a seguir:
A Representação do aspecto gramatical perfectivo e imperfectivo
A representação gramatical da perfectividade /imperfectividade é exposta na próxima
tabela. Nela, relacionamos também, para a imperfectividade, se sua ocorrência se dava no
tempo linguístico do passado ou do presente, uma vez que notamos a ocorrência da aquisição
deste traço, no presente, manifestar-se em momento diferente de sua manifestação no passado.
A computação numérica dos dados, além de nos ajudar a visualizar a relação [+/-
perfectividade] com [+/- passado], permite-nos observar qual traço é adquirido primeiro.
Tabela 5 - Aspecto Gramatical Perfectivo e Imperfectivo Idade LP
LA
Perfectivo
(%)
Imperfectivo
Perfectivo
(%)
Imperfectivo
Pres (%)
Pass (%)
Pres (%)
Pass (%)
1,5
40
60 0 100 0 0
2,5
23,1
76,9 0 8,2 91,8 0
3,6
28
67,8 4,2 11 89 0
4,6
32,6
62,9 4,3 26,2 69,0 4,8
Fonte: elaborado pela autora da tese.
148
A tabela mostra que a distinção aspectual perfeito e imperfeito já está presente, no
idioma português brasileiro, desde a primeira faixa etária que pesquisamos, porém o traço de
imperfectividade está apenas nas formas de presente. Sendo assim, a criança brasileira ainda
não adquiriu, com um ano e meio, os traços de imperfectividade para o tempo passado. No
entanto, cabe lembrar que a imperfectividade no presente é representada pela ausência de
desinência (Ø), colocando em dúvida se houve mesmo a aquisição da imperfectividade nessa
faixa etária. No alemão, porém, na primeira faixa etária, só as formas de perfectivo estão
presentes. O exemplo mostrou que, mesmo quando acontece na fala da criança alemã que
pesquisamos a forma imperfectiva, entre 1,6 e 2 anos, ela acontece primeiro para o tempo
presente, indicando, assim, que, em algum momento entre as duas idades, iniciou-se o
processo de aquisição do traço de imperfectividade , porque, aos dois anos, as taxas de
representação do imperfectivo presente, que eram zero com um ano e meio, sobem para
91,8%. Esses dados, no entanto, não são muito reveladores, porque nossa amostra é pequena e
a complexidade que gira em torno dos casos de ausência de marcação do traço de
imperfectividade ou de perfectividade exigiria, a nosso ver, um estudo muito mais apurado,
em uma amostra bem maior e mais específica.
O Aspecto gramatical por meio do processo de formação de palavras
A literatura alemã relativa à Aktionsart em que nos baseamos para a análise dos dados
estuda o desenvolvimento da ação manifesto gramaticalmente por processo de formação de
palavras (ver nota 56, pág. 146). Embora não aprofundamos muito nesse ponto, e as
ocorrências deles tenham sido pequenas em nossos corpora, trouxemos aqui alguns exemplos
dessas manifestações em nossos dados.
LA, 2 ANOS - S49 Anknabbern (3.).
Começando a comer. (roendo)
No exemplo, o prefixo “An” traz o significado de um processo que está começando,
no caso, o de comer.
Chamamos atenção para o fato de essa formação aspectual por meio do processo de
formação de palavras ocorrer também no PB. Ela acontece em casos como dos verbos
149
“reorganizar, “desembrulhar”, cujos prefixos exercem alguma influência no significado do
desenvolvimento da ação. Contudo, os nossos dados relativos à criança brasileira não
mostraram nenhuma ocorrência desse tipo. Os dados da criança alemã, por outro lado,
apontaram essa manifestação aspectual, que ilustramos com outros exemplos, a seguir.
Quadro 13 - Exemplos de construção aspectual por meio do processo de formação de palavras
Aos dois anos
Aos 3,6 anos
Aos 4,6 anos
S2 – “Já, hab rausgenomm die alle.”
(Sim, tirei todos eles.)
S64 – Stimmt. Fahren ofters öfters äh
Ski.
(Certo, esquiamos mais vezes, mais vezes)
S12 – Blätter auf dich runterfall.
(Folhas caem em cima de você)
Elaborado pela autora da tese
Nos exemplos, as partes grifadas dos verbos imprimem um significado ao
desenvolvimento da ação. Em S2, o prefixo “raus” indica uma mudança de fase, própria da
Aktionsart perfektiva, o mesmo ocorrendo com o significado do prefixo “runter”.
No exemplo S64, o verbo “skifahren” (esquiar) é formado pela composição de Ski
(substantivo referente ao equipamento que se usa para esquiar) + fahren (ir). Afirmamos que,
na língua alemã, é muito comum a ocorrência de verbos com prefixos e estamos vendo que
alguns deles colaboram na composição da noção aspectual da sentença.
Com essa exposição, terminamos nossas análises sobre o aspecto gramatical e, na
seção que segue, abordaremos a manifestação do aspecto/Aktionsart no léxico.
150
7.2.3.1.2 O Aspecto lexical Para a abordagem do aspecto lexical, inicialmente fizemos um estudo da telicidade,
depois estudamos os traços dos opostos perfektividade/duração, que têm um papel importante
no desenvolvimento da ação e, por fim, identificamos também em nossos dados alguns
recursos lexicais adicionais que podem compor a aspectualidade. Detalhamos cada um desses
estudos nessa ordem de apresentação.
A Telicidade
A composição aspectual pelo significado da palavra é uma realidade no idioma
alemão. No português, porém, uma abordagem de aspecto lexical bastante estudada é o
fenômeno da telicidade, o qual – recordamos – diz respeito ao desenvolvimento da ação, no
sentido de caracterizá-la em sua culminação ou não.
Exemplo de telicidade LA - 3,6ANOS - S49 Wie ich dis hier gemacht hab ja. - Como eu fiz isso aqui sim.
Exemplo de atelicidade PB - 3,6 ANOS – S2
Porque brinca só de mulher. Agora.
A tabela 6 mostra a distribuição das representações lexicais de telicidade aspectual.
Tabela 6 - Aspecto Lexical: Telicidade Idade LP
LA
(+) Télico (%)
(-) Télico (%)
(+) Télico (%)
(-) Télico (%)
1,5
60 40 33,3 66,7
2,5
25
75 17,5 82,5
3,6
43,6 56,5 11,3 88,7
4,6
27,5
72,9 32,6 67,4
Fonte: elaborada pela autora da tese
151
Os resultados da tabela nos permitem observar que, no PB, há mais ocorrências de
aspecto télico do que no alemão, em todas as quatro etapas estudadas. Essa constatação nos
leva a refletir que a criança brasileira de nossa pesquisa tem em seu léxico, até a idade de 4,6
anos, uma quantidade maior de verbos que retratam processos culminados do que a criança
alemã, a qual apresenta, em seu léxico, maior número de verbos durativos. Se pensarmos que
o PB possui mais formas gramaticais que expressam duração, como o gerúndio, por exemplo,
e que o alemão não as possui, os resultados não são de se surpreender.
Na próxima seção, damos continuidade ao desenvolvimento da apresentação dos
traços aspectuais do léxico.
A Perfektividade/Duração
Vimos, na parte que versa sobre Aktionsarten que a literatura alemã classifica os
verbos em durativos ou perfektivos (relembrando que os verbos perfektivos, com “k”, são
aqueles que evidenciam uma mudança de fase). Baseado nessa classificação, analisamos os
dados de nossa pesquisa, levando em conta, porém, não apenas os itens verbais, mas também
outros elementos da sentença que poderiam ser responsáveis pela composição do aspecto
perfektivo ou durativo. Os resultados são mostrados na tabela a seguir.
Tabela 7 - Aspecto Lexical: Perfektividade/Duração
Idade LP LA
Perfektivo
(%)
Durativo
(%)
Perfektivo
(%)
Durativo
(%)
1,5 60
40 33,3 66,7
2,5 30
70 18,5 81,5
3,6 43,2
56,8 12 88
4,6 15,3
84,7 22,9 77,1
Fonte: elaborada pela autora da tese
152
Dentro do critério da oposição que está assinalada na tabela, o português apresenta
mais formas com aspecto perfektivo, e o alemão, com o aspecto durativo.
Os resultados apontaram que o fenômeno da perfektividade/duração é expresso
mesmo, em sua maioria, pelos verbos, indicando, com isso, que houve mais ocorrências de
verbos que expressam uma mudança de fase nos dados do português brasileiro, enquanto que
as ocorrências dos verbos que expressavam duração estavam mais nos dados referentes ao
idioma alemão, confirmando um resultado semelhante ao que constatamos na oposição [+/-]
telicidade e sugerindo uma relação entre a telicidade e perfektividade/duração. A seção
seguinte trata de outros recursos lexicais adicionais que entram na composição aspectual.
Os Recursos lexicais e sintáticos adicionais
Seguindo Helbig e Buscha (1999), os recursos lexicais adicionais estão na composição
aspectual por meio de itens do léxico. Em nossos dados, encontramos o recurso da repetição
de palavras e dos adverbiais. Além dos que aponta o autor, observamos também recursos de
ordem sintática: a expressão do aspecto por meio dos argumentos internos e dos adverbiais,
como é exposto na sequência.
Apresentamos a seguir alguns exemplos de outros recursos capazes de contribuir para
a composição aspectual:
Quadro 14 - Exemplos de Aspecto Lexical expresso por meio de recursos lexicais adcionais
Idades Sentenças
Recursos Lexicais utilizados
2,0 S24 (LP) – Boquendu aqui. Boquendu. Boquendu.
Boquendu. OBS. (bicando)
S50 (LA) - Jetzt, mache noch eins. (Agora, faço ainda um)
Repetição de palavras (Duração)
Advérbios (agora e ainda) imprimindo
duração à ação.
3,6 S114 (LP) – Bate o sol na cara dela S29 (LA) – Nein. So so geht dis doch nicht. (Não. Assim, assim isso não vai ( não dá, não funciona)).
“na cara dela” – advérbio dando culminação
(telicidade) à ação do sol bater.
O “So” (assim) dá
culminação (telicidade) ao que não vai, não dá, não
funciona, pois só acontece
153
de não dar certo, de não funcionar se for “assim”.
4,6 S13 (LP) – Foi desacreditando, desacreditando e não acreditou mais. S3 (LA) – Dass freute sich schon so auf Weihnachten. (Que ficou já ansiosa pelo Natal).
Repetição de palavras (Duração)
“Schon” (já) é um recurso
que imprime perfectividade ao verbo.
Fonte: elaborada pela autora da tese
Em S24, a repetição do verbo “bicando” (boquendu), pela criança, imprime duração à
ação de bicar, o mesmo ocorrendo com o verbo “desacreditar”, em S13, cuja repetição dá um
caráter de duração à ação. Este recurso de repetição de palavras é identificado no estudo das
Aktionsarten da LA, porém, em nossos dados, foram encontrados no corpus de LP,
mostrando, com isso, a possibilidade de análise de uma determinada língua com os critérios
comuns a outra língua.
Em S 50, se acompanharmos a tradução da sentença, podemos verificar que “fazer
agora” significa trazer a ação para o momento presente e, portanto, para uma ação que dura no
momento da fala, o que é ainda mais reforçado com o auxílio do advérbio “noch” (ainda):
“Agora, faço ainda um”.
Os exemplos S29 e S114 mostram que o fenômeno da telicidade pode ser formado por
meio de adverbiais, à medida que estão dando um limite à ação verbal. Em S114, o limite do
sol bater é dado pela locução adverbial “na cara dela” e, em S29, o limite de funcionamento
de algo expresso na sentença é dado pelo adverbial “assim”, que limita o não funcionamento
de algo para o modo com que é feito: de uma determinada forma (assim). Em outras palavras,
algo não funciona daquele modo (sendo o modo representado pelo “assim”), e este modo dá
limite, culminância (telicidade) ao ato de funcionar..
O fenômeno da perfectividade – um critério do PB – ocorreu, em nossos dados como
manifestação do recurso dos advérbios – critério alemão que foi analisado em uma sentença
da LA produzida aos 4,6 anos: a sentença S3. Nela, o “schon” (já) é analisado, seguindo o
estudo de Santos (2007), que vê no advérbio “já” um traço de perfectividade, como um
recurso que garante a perfectividade da frase – lembrando que a língua alemã não traz a
perfectividade expressa por meio da desinência, como o PB. Nesse exemplo, entendemos que
o advérbio “já” fez essa marcação, como prevê Santos (op. cit.).
154
Apresentamos melhor a importância desse estudo na seção seguinte, quando
demonstramos a importância que os argumentos internos57 e os adjuntos podem ter na relação
com a modificação do status de certas categorias.
7.2.4 O papel dos argumentos internos e dos adjuntos na aspectualidade
No capítulo III, colocamos alguns estudos que abordam o aspecto sob o ponto de vista,
não só dos verbos, mas de todo o predicado. Em tais estudos o complemento verbal é
apontado como um fator determinante no estabelecimento da culminação da ação – o que é
assinalado pelo caráter télico/atélico do predicado, como é exposto na seção que segue.
Os argumentos internos na composição aspectual
Extraímos dos nossos corpora alguns exemplos que ilustram essas ocorrências do
papel dos argumentos internos na aspectualidade, que mostramos no quadro, a seguir.
Quadro 15 - Influência dos argumentos internos na telicidade
Idioma – Idade
LA 2,0 anos S21 – Ø sieht ein Schwein aus. (Eu vejo um porco.)
LA 3, 5 anos S45 – So, und jetzt, zeichen wir dis da. (Bem, e
agora nós desenhamos isso aqui.)
LP 3, 5 anos S105 – Agora to arrumando a casa.
Fonte: elaborado pela autora da tese
57 “A teoria gerativa toma emprestadas essas noções da lógica e propõe que, tal como em um sistema lógico, as
expressões linguísticas podem ser analisadas em um predicado central, ou em um predicador central, e argumentos que lhe completem o sentido, convertendo o predicador em uma expressão semanticamente completa. Na estrutura da sentença, o predicador mais importante é o verbo, que será focalizado nesta proposta. Os argumentos de um predicador verbal correspondem ao sujeito e aos complementos subcategorizados por esse predicador. Entenda-se por subcategorização o fenômeno de cada verbo particular selecionar a categoria gramatical dos constituintes com os quais pode, não pode, ou deve ocorrer no interior do sintagma verbal. Portanto existe uma associação direta dos argumentos que completam o sentido de um predicador com as funções sintáticas de sujeito e complementos. Aos constituintes que não são argumentos semânticos, associa-se a função sintática de adjunto. Em Chomsky (1986), as noções de argumentos (argumento externo e interno) e adjunto são captadas formalmente
em termos de inclusão e continência: um argumento é um constituinte incluído na projeção máxima do núcleo com o qual está relacionado; um adjunto é um constituinte que está apenas contido na projeção máxima de um núcleo, uma vez que não é dominado por todos os segmentos da projeção máxima.” (CANÇADO, 2009)
155
Em S21, o verbo “ver”, à primeira vista, parece atélico. Porém, levando em conta o
papel de seu argumento interno “um porco”, na composição aspectual, podemos notar que o
complemento dá ao predicado um significado de culminação, o que provoca uma mudança na
estrutura da sentença, que passa a télica, pois o que é visto se limita a “um porco”. O mesmo
acontece com o complemento “isso aqui” diante do verbo “desenhar”, em S45, que rompe
com um ato de desenhar sem limites, impresso no significado do verbo, e, por meio do
complemento, imprime, na sentença, um limite ao que será desenhado: “isso aqui”.
No último exemplo, S105, a forma progressiva do verbo é bem característica de uma
ação que esteja em andamento no momento da fala – noção que caracteriza a progressividade
e que dá ao verbo uma propriedade atélica. Contudo, o argumento interno é capaz de
estabelecer um ponto de culminância para essa ação verbal: no exemplo S105, a ação de
arrumar tem sua culminância na casa, sendo capaz de modificar esse caráter atélico do
predicado para um caráter télico do mesmo.
Nossa pesquisa, contudo, conseguiu estender a análise do fenômeno de modificação da
telicidade de uma sentença também por meio de alguns advérbios, como veremos a seguir.
7.2.5 O papel dos adverbiais na formação da noção de aspecto da sentença
Inspiradas em Casagrande (2010), que estuda os SDs específicos como predicados
télicos, destacamos destes predicados, também inspirados pelos recursos lexicais
determinantes das Aktionsarten nos estudos do idioma alemão, os adverbiais como sendo
capazes de exercer uma influência na estrutura aspectual. Os exemplos que seguem mostram
o papel que os adverbiais podem ter na composição do aspecto.
Quadro 16 – Influência dos adverbiais na composição aspectual Idioma – Idade
LA 3,6 S22 - Nein, nein. So, so geht dis doch nicht. (Não,
não. Assim, assim isso não dá.)
LA 2,0 S15 – Zweimal, Kann man des durchbrechen. (Pode-
se quebrar isso duas vezes)
LP 3,6 S109 – Assim num bate.
Elaborado pela autora a tese
156
No exemplo S22, a referência feita à ação do verbo “dar certo” rompe seu ponto
atélico, colocando um limite ao ato de “não dar certo” – a mesma visão de Casagrande (2010),
ao estudar elementos que dão especificidade aos SDs. Alguma coisa não dá certo, mas não dá
certo dentro de um limite determinante: “assim”, daquele jeito – que traz a ideia de
culminância, telicidade, tal qual assinala Casagrande (op.cit.) Também na sentença S15, o
adverbial “zweimal (duas vezes)” dá um limite à ação, que não pode se estender além
daquelas duas vezes. Em outras palavras, o verbo “poder”, no exemplo, traz a ideia de uma
possibilidade de apenas duas vezes, sendo sua culminância limitada, determinada pelo
advérbio a uma freqüência de dois.
Outro exemplo da participação do advérbio na composição da aspectualidade está na
sentença S109, extraída da fala da criança brasileira na idade de três anos e meio. Nela, o
advérbio “assim” estabelece uma fronteira, uma determinação para o “não bater”, dando ao
predicado uma característica télica. Isso nos leva ao raciocínio de que “desta forma, a coisa
não bate”, de outra forma talvez. Em outras palavras, se não houvesse o advérbio “assim”, a
coisa não bateria – situação que aconteceria indeterminadamente. Com o advérbio, o limite da
forma de bater estaria determinado, determinando também a ação.
Prosseguindo com a participação dos advérbios na aspectualidade, detectamos também
sua influência no traço perfektividade/duração dos verbos, como abordamos a seguir.
7.2.6 Os advérbios na oposição pefektividade/duração
Os exemplos que seguem mostram a influência que podem exercer alguns advérbios
na construção da noção aspectual da sentença, no que se refere aos traços de
perfektividade/duração – voltando a lembrar que nos referimos a perfektividade com “k”.
Quadro 17 - Perfektividade/duração
Idioma – Idade LA 3,6 S16 – Du muss man hier erstmal rot. (Aqui, necessíta-
se, primeiramente, de vermelho.) LP 3,6 S90 – Essa já tá de pijaminha. LA 3,6 S17 – Dann gehört es langsam weiss. (Então tem que
ficar branco aos poucos.) LP 4,6 S24 – Ficava sempre na chuva.
157
LA 4,6 S3 – Dass freute sich schon auf Weihnachten. (Que já
ficou ansiosa pelo Natal.) LA 1,5 S1 – Ich schon ma Ø. (Eu já faço Ø).
Elaborado pelo autor da tese
Lembrando que a perfektividade (com “k”) diz respeito à marcação de uma fase ou de
sua mudança dentro de um determinado processo, os exemplos assinalam esse caráter dado a
ação, por meio dos advérbios. Em S16, entendemos que o advérbio “Erstmal –
(primeiramente)” enfatiza essa fase “primeira” da ação verbal. No exemplo S90, a criança
brasileira, aos três anos e meio, marca também, na sentença, uma fase diferente do processo,
por meio do advérbio “já” – o qual sublinha que o sujeito não estava de pijama em uma fase
anterior, mas que, agora, “já” está de pijama.
Da mesma forma, a duração da ação pode ser também marcada pelo advérbio, como
na sentença S17, produzida pela criança alemã de 3,6 anos, em que o evento de “ficar branco”
de forma gradativa é marcado pela composição “ficar branco aos poucos”, mostrando, assim,
que a locução adverbial tem papel fundamental para a caracterização da duração do evento. O
mesmo caráter durativo é dado ao verbo pelo advérbio “sempre” no exemplo S24, produzido
pela criança brasileira aos 4,6 anos, quando utiliza o referido advérbio para dar maior
duratividade à ação de ficar na chuva, na sentença “Ficava sempre na chuva”, com a qual
finalizamos aqui a nossa exposição sobre a perfektividade/duração.
Como vimos nos nossos exemplos, a telicidade pode sofrer influência do argumento
interno e dos adverbiais. Já a perfektividade, a duração e a perfectividade, por sua vez, podem
sofrer influências dos adverbiais, na composição da noção aspectual do predicado.
Se refletirmos sobre a representação mental das sentenças, de um modo geral,
percebemos que os argumentos internos, sendo complementos, são selecionados pelo verbo.
Os adverbiais, por outro lado, entendemos que também têm um papel importante, na
composição da aspectualidade, sendo um deles semelhante ao que é exercido pelo argumento
interno, no sentido de, em alguns casos, serem capazes de mudar traços aspectuais nas
sentenças em que atuam.
Essa maneira de ver o papel dos advérbios nos leva a interligar outro papel que eles
claramente ocupam na formação aspectual: a participação na composição da forma de aspecto
progressivo. Em outras palavras, queremos dizer que os adverbiais podem ter o papel
semelhante ao de uma desinência de gerúndio, podendo substituir ou reforçar desinências que
158
indicam duração, nas formas verbais progressivas, como já foi tratado em outros pontos dessa
pesquisa, mas que queremos a ele retornar, para acrescentarmos algo mais na análise desse
fenômeno.
Se lembrarmos que o que motivou a pesquisa empreendida nesta tese foi a busca do
entendimento de como se estruturava, na língua alemã, uma sentença na forma progressiva,
podemos, depois de todo esse percurso investigativo, voltar a esse tipo de estrutura,
estabelecendo, com ela, uma relação com outras estruturas que também foram estudadas nesta
tese. Esse tema que iremos desenvolver mais na próxima seção, juntamente com outras
repreentações mentais da temporalidade e da aspectualidade.
7.3 Algumas possibilidades de representações mentais de tempo e de aspecto
Nesta seção, vamos nos deter na reflexão de alguns pontos que assinalamos nos
resultados dessa pesquisa, à luz de sua representação mental.
Vamos situar inicialmente os estudos que apresentamos neste capítulo, no local exato
que eles ocupam dentro do quadro teórico adotado nesta pesquisa, para que possamos
fundamentar melhor as estruturas que estamos propondo. Para isso, voltamos a um momento
do gerativismo em que era proposta a cisão de duas categorias.
Tempo e aspecto como categorias diferentes
Uma retomada a estudos anteriores a Chomsky (1995), em que as categorias
funcionais de tempo e de concordância tinham a possibilidade de ocupar nódulos diferentes da
gramática mental, sendo separadamente representados e tendo hierarquias distintas,58 tem
servido de base para explicar outras categorias funcionais. Seguindo esse mesmo tipo de
representação, é proposta também a possibilidade de representações mentais diferentes para
outros elementos flexionais, tais como o tempo e o aspecto.
Vários estudos em teoria gerativa adotam a concepção de aspecto incorporado à
categoria tempo – melhor dizendo, não se preocupam com essa separação. Entretanto, outros
estudos, inclusive a pesquisa desta tese, apontam para a representação em separado de cada
categoria funcional, incluindo-se aí também a categoria tempo e a categoria aspecto. Em
58 Cabe lembrar que, embora esta divisão tenha sido muito importante para o encaminhamento das pesquisas em
Teoria Gerativa, estudos posteriores excluem a categoria AGR (concordância) da árvore sintática.
159
outras palavras, essas categorias estariam representadas separadamente, sendo essa uma das
hipóteses de nosso estudo.
Alguns autores, de forma explícita ou não, já adotam a noção de divisão do ST em T e
ASP, como é o caso de Solà (1996), dentre outros.
Solà (op. cit) propõe que, em inglês, os verbos lexicais sejam flexionados para aspecto
e que, portanto, um nódulo Asp (para aspecto) deve ser inserido na árvore sintática. Seguindo
essa linha de pensamento, em todas as línguas naturais, haveria um arranjo com todas as
projeções funcionais disponíveis, pois os núcleos funcionais estariam lá, com seus valores
marcados e não marcados, o que indicaria que todas as categorias funcionais estariam
presentes na estrutura sintática.
Sendo o aspecto uma categoria que representa, dentre outras noções, a de retratar o
andamento da ação, independentemente do tempo ou, dito de outro modo, o aspecto sendo
uma categoria que traz a noção de tempo interno, compartilhamos do pressuposto de que, para
o aspecto enquanto categoria funcional – expresso, a princípio, pelo traço [+,-] perfectividade
– ele esteja, na árvore sintática, representado em um nódulo específico para aspecto: o SAsp.
Figura 8 - Representação da categoria aspecto ST
T’
S Asp
Asp’
SV
Fonte: autora da tese
O diagrama mostra o aspecto representado em uma projeção específica, diferente da
projeção de tempo. Defensora também da separação entre tempo e aspecto está Barbara
Hilibowicka-Weglarz (2010), que aponta a diferença entre essas categorias, ao estudar e
analisar sobre os pontos divergentes no funcionamento do sistema aspectual em português e
160
no crioulo59. A conclusão desse estudo assinala que os Crioulos codificam as distinções
semânticas temporais e aspectuais, servindo-se de um número restrito de morfemas
associados ao verbo. No entanto, vale a pena sublinhar que o crioulo confere uma importância
primordial ao sistema aspectual, sendo o aspecto o primeiro fator que estrutura o sistema
verbal da maioria das línguas crioulas. Veiga (1995, p. 200) ressalta sobre essa diferença entre
os marcadores linguísticos de valores temporais e de valores aspectuais também no idioma
russo, o qual caminha na mesma linha em que estamos encaminhan do nossa hipótese de
trabalho, a qual prevê também marcação diferente para essas duas categorias, na árvore
sintática, como no diagrama acima, na pág. anterior.
Reafirmando, novamente, que um dos objetivos desta pesquisa é verificar, nas análises
de nossos dados, a dissociação dos nódulos tempo e aspecto, em LP e LA, por meio dos
marcadores dessas categorias, retomamos a análise da sentença sob o enfoque do gerativismo.
Esta apresenta uma configuração sintática de seus constituintes, colocada dentro de uma
relação hierárquica, que, como já vimos, é constituída a partir de um núcleo lexical ou
funcional (variável que é relativa à categoria lexical ou funcional XP). Em outras palavras,
um constituinte se constitui a partir de um núcleo. No caso de Tempo e de aspecto (T e Asp),
um sintagma temporal (ST) terá um núcleo (T), e um sintagma aspectual (SAsp) terá um
núcleo (Asp). Porém, cabe aqui uma reflexão, com base no que afirma Klenk (2003) sobre as
características que determinam toda a sentença, como as marcas de tempo, modo e aspecto
verbal serem expressas através de afixos em verbos flexionados. Como veremos mais adiante,
tempo e aspecto não se expressão somente por meios gramaticais. Podem ser expressos
também por outras categorias, incluindo as de natureza lexical.
Retornamos a um dos exemplos de nosso corpus: a sentença 105, produzida pela
criança brasileira, na faixa etária de três anos e meio.
LP 3, 5 anos S105 – Agora to arrumando a casa.
59 Língua crioula é um pidgin que foi adquirido como língua nativa, como preconiza a chamada teoria da
nativização. Pidgin, por sua vez, é uma língua de contato (BLOOMFIELD,(1933) e HALL (1996) apud COUTO, 2013) que “surge quando povos falantes de línguas mutuamente ininteligíveis entram em contato estreito, ou seja, quando têm necessidade de se comunicarem uns com os outros, como ocorreu durante a exploração do mundo pelos europeus. (...) Enfim, o pidgin é uma língua que tem uma gramática drasticamente reduzida (se é que a tem), sobretudo a morfologia, bem como um léxico bastante restrito. Por definição, ele não é língua materna de ninguém, pois entre si os povos dominados só falam suas respectivas línguas, ao passo que os dominadores nunca se dão ao trabalho de falar outra língua que não a sua própria.” (COUTO, 2013, p. 1).
161
É possível sugerirmos a representação mental dessa sentença, a partir das estruturas
que seguem - a primeira com um só verbo e a com uma perífrase:
CP
ST
T’
Sv
v’
SV
V’
SD
Eu arrum (o) (arrumar) a casa
Forma infinitiva
ST
T’
S Asp
Asp’
SV
v’
SV
V’
SD
Eu est(-ou) arruma (-ndo) (arrumar) a casa
Forma infinitiva
162
No primeiro diagrama da pág. 161, o verbo está no presente, tendo suas desinências
marcadas no núcleo da categoria tempo. No segundo, a marcação temporal continua ainda
sendo feita na posição do núcleo temporal, e a marcação do aspecto progressivo (-ndo) está no
núcleo aspectual, o Asp’.
Lembramos que um dos pontos de nosso trabalho consistiu em uma pesquisa sobre a
representação da noção de desenvolvimento da ação em dados de aquisição do PB e da LA,
buscando, nessa representação, enfocar a nossa hipótese de dissociação entre tempo e aspecto.
Para isso, buscamos discutir e analisar o nosso objeto de estudo, estendendo a nossa
observação para o como a língua alemã representa a noção que envolve a categoria.
Sendo assim, é possível se pensar em uma representação em língua alemã para a
sentença está em LP, no último diagrama da pág. 161:
Ich bringe gerade das Haus in Ordnung – Eu arrumo a casa neste momento.
ST
T’
SAsp
Asp’
Sv
Spec v’
Spec SV
V’
SD
Ich bring(e) gerade Ø (bringen) das Haus in Ordenung
Forma flexionada Forma infinitiva
Seguimos o que propõe Cinque (1999) sobre a possibilidade de representação do
advérbio no especificador (Spec) e, desta forma, apresentamos o aspecto progressivo
marcado no Spec – aqui no caso – pelo advérbio “gerade”, que está no SAsp.
Na representação arbórea acima, entendemos que o item “gerade” – (neste momento) –
poderia ser visto como fazendo às vezes da desinência (–ndo), que traz o caráter progressivo
da ação. Sendo assim, cabe a seguinte reflexão: poderíamos analisar a mesma sentença que
163
está no alemão, em português, representada também por um advérbio, ao invés da desinência,
como está representado o diagrama abaixo?
ST
T’
S Asp
Asp’
Spec SV
v’
SV
V’
SD
Eu arrum(o) neste momento Ø a casa
O fato de entendermos que o advérbio preencheria a função da desinência de
progressivo nos levou a pensar em uma representação arbórea para a sentença, na qual o
advérbio ocuparia uma posição no especificador de aspecto, já que ele parece ter função
aspectual, e o núcleo de SAsp teria marcação Ø. Abaixo comparamos as estruturas no PB e no
AL:
ST
T’
S asp
spec Asp’
v’
SV
Spec V’
SD
Ich bring(e) gerade Ø (bringen) das Haus in Ordenung Eu arrum(o) neste momento Ø (arrumar) a casa
164
É interessante, no entanto, também refletirmos na possibilidade da marcação aspectual
tanto pela desinência quanto pelo advérbio, ao mesmo tempo, ou seja, tendo as duas
marcações – como é possível ocorrer no PB e assinalamos em negrito na sentença que segue.
“Eu estou, neste momento, arrumando a casa”, que é equivalente a S105:
LP 3, 5 anos S105 – Agora to arrumando a casa.
ST
T’
S Asp
spec Asp’
SV
v’
SV
V’
SD
neste
Eu estou momento arruma a casa (agora) (-ndo)
Essas foram algumas representações para as categorias tempo e aspecto no PB e no
AL, sobre as quais temos trazido reflexões, nesta pesquisa.
Em síntese, podermos dizer que, no estudo desta tese, vimos que o aspecto pode se
manifestar de quatro formas diferentes, sendo algumas delas gramaticais e outras lexicais.
Essas quatro maneiras da expressão lexical se dão em elementos e posições diferentes da
sentença:
1) O aspecto pode se manifestar gramaticalmente pela desinência verbal, tal qual foi
mostrado em suas expressões pelas desinências que marcam a forma progressiva, a
forma perfectiva e imperfectiva, cuja representação, reproduzimos novamente, na
sentença S105, do corpus de 3,5 anos de LP, no diagrama a seguir.
2) Outra manifestação aspectual, representada também no próximo diagrama,
acontece por influência dos advérbios, que podem, como vimos, expressar,
reforçar ou modificar as expressões aspectuais de perfectividade, imperfectividade
ou de progressividade, que se manifestam pelas desinências gramaticais.
165
ST T’
Spec SAsp Asp’ Spec Sv v’ Spec SV V’ Spec SD D’ Spec
Ø to agora arrumando (arrumar) a casa. [+ pres] [+ imperf] [+ tel] [+Durativo]
O exemplo acima mostra o aspecto expresso pela desinência (-ndo), a qual representa a forma
progressiva, que é imperfectiva. Mostra também o advérbio “agora”, reforçando as
representações aspectuais da sentença.
3) Mais uma expressão do aspecto podemos ver pela influência dos argumentos
internos junto à perfektividade, a duração e a telicidade, que compõem o aspecto
lexical:
ST T’
Spec SAsp Asp’ Spec Sv v’ Spec SV V’ Spec SD D’ Spec
Ich mache [+imperf] (machen) ein Schwein. [+ pres] [+ Durativo] [+ tel] [+Q]
Eu faço (fazer) um porco
166
No exemplo, a duração é expressa pela forma verbal no presente: “mache” (faço) e a
telicidade, pelo verbo “machen” (fazer) mais seu complemento “ein Schwein” (um porco),
que traz um caráter de culminação à ação de fazer, à medida que está delimitado o que é feito.
4) Por fim, outra influência dos adverbiais, porém, desta vez, na composição do
aspecto lexical, em seus traços de telicidade, perfektividade e duração.
ST T’
Spec SAsp Asp’ Spec Sv v’ Spec SV V’ Spec SD D’ Spec
Ø bate assim bater [+ pres] [+ imperf] [+ tel] [+Durativo]
No exemplo, o verbo “bater”, que, a princípio, se visto isoladamente, poderia ser
classificado como atélico, assume, no plano sintático, um caráter télico na composição com o
advérbio “assim”, que delimita o ato de bater para um bater de determinada forma: “assim”. A
representação arbórea foi feita, de acordo com a proposta de Cinque (1999), no especificador
(Spec), no caso, no Spec de aspecto, o qual exerce uma influência na composição do traço
verbal de telicidade desta sentença, fazendo-o um traço télico. O diagrama mostra ainda os
traços de imperfectividade e de duração, que também compõem a sentença.
Nesta seção, discutimos algumas possibilidades de representação mental com base nos
resultados que tivemos no estudo do tempo e do aspecto em nossos corpora. Abordamos
ainda, com base em Cinque (1999), uma possibilidade de representação do advérbio no
especificador de aspecto. Assim, inserimos melhor nosso objeto de estudo na perspectiva
gerativista, que prevê uma representação mental para as sentenças das línguas naturais.
Finalizamos, com essa análise, a discussão de nossos resultados. Na sequência,
trazemos algumas colocações de ordem mais conclusiva sobre o trabalho que realizamos.
167
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa procurou investigar e analisar a manifestação do tempo e do aspecto em
dados de fala de crianças em fase de aquisição, em dois idiomas diferentes, buscando explicar
a estrutura linguística dessas categorias. Esse foi o nosso objetivo geral, que foi levado a cabo
por meio do estudo da realização dessas categorias, no português brasileiro e no alemão.
O fato de nossa investigação ter sido feita em dados de duas crianças, cada uma
representante de um dos idiomas em estudo, em quatro faixas etárias diferentes, teve a
intenção de identificar características sobre a manifestação de tempo e de aspecto nos dois
idiomas. Teve a intenção também de que essas características evidenciadas pudessem guiar
nossa reflexão para suas possíveis representações mentais, contribuindo, assim, para uma
ampliação do estudo da temporalidade e da aspectualidade.
Queremos esclarecer que, embora a nossa investigação não fosse propriamente de
aquisição das categorias estudadas, o encaminhamento de nosso estudo em dados de aquisição
de linguagem nos possibilitou perceber implicações sobre a não marcação e o início da
marcação de categorias que compõem a noção temporal e aspectual na fala da criança,
apontando-nos um maior entendimento sobre essas manifestações.
Entendemos que, mesmo trabalhando apenas com tendências, já que nossa
amostragem não foi volumosa, a comparação dessas manifestações em dados de crianças
falantes de idiomas diferentes, em faixas etárias diferentes, pôde nos apontar uma série de
características importantes, cujo estudo pode ser, inclusive, aprofundado em outros trabalhos.
Por outro lado, entendemos também que, embora as nossas investigações tenham sido
realizadas em um falante de PB e outro de LA, como nossa base de estudo é gerativista, essa
pequena amostra já pode nos apontar algumas tendências da representação mental de
elementos que entram na composição das categorias tempo e aspecto. Apontamentos mais
profundos, como já dissemos, certamente merecerão estudos quantitativos mais apurados.
Após a exposição e explicação, no capítulo anterior, de todos os dados obtidos,
fazemos algumas considerações sobre os resultados que tivemos.
O levantamento de dados revelou diversos pontos que podem explicar a estrutura
aspectual e temporal da sentença, com suas representações bastante diversas.
Apresentamos algumas considerações mais conclusivas sobre o estudo, seguindo a
ordem dos critérios que foram analisados, e as questões de pesquisa que guiaram o nosso
estudo, quais sejam: 1) a de buscar um maior entendimento de como as categorias tempo e
168
aspecto estão representadas na mente de duas crianças adquirindo idiomas diferentes e 2) a de
observar semelhanças e diferenças, nas duas línguas estudadas, tanto na representação das
categorias em estudo como também, quando possível, de sua aquisição.
Esclarecemos ainda que, no decorrer desta apresentação, vamos destacando o
cumprimento de nossos objetivos específicos e também a verificação ou não de nossas
hipóteses.
Com relação à realização do sujeito
O resultado que apresentamos nos acena para a possibilidade de a criança falante das
duas línguas ter já fixado os parâmetros próprios de seu idioma, o que vai ao encontro da
proposta da Teoria Gerativa. A criança, adquirindo a língua portuguesa, que é uma língua que
permite o sujeito nulo, produz, desde cedo, sentenças com o sujeito não marcado (nulo). Por
exemplo, com um ano e cinco meses, ela não produz sentenças com o sujeito expresso. Já a
criança falante do alemão – língua que não permite o sujeito nulo – “sabe” que sua língua
exige tal sujeito. O resultado da criança alemã nos acena para a possibilidade de se ter o
processo de aquisição do sujeito completo, desde cedo. Sendo assim, em relação à produção
por parte da criança falante de PB, a criança alemã produz um percentual elevado de
sentenças com o sujeito explícito, já se adaptando aos parâmetros de sua língua materna.
Os números nos possibilitaram afirmar também que o processo de aquisição e de
desenvolvimento da realização do sujeito é bastante diferente nos dois idiomas, o que nos leva
a deduzir que, mesmo não sendo nossa amostra significativa, uma diferença tão grande como
a que assinalou nossos resultados sugere uma tendência a ser levada em conta.
Sobre a categoria tempo:
Vimos que a marcação temporal, nos dois idiomas, manifestou-se de quatro maneiras:
gramaticalmente, lexicalmente, gramaticalmente e lexicalmente e, por fim, nula (Ø). Isso nos
indica que essas são representações possíveis no PB e no alemão e que a criança, desde cedo,
já é capaz de utilizar as quatro representações. Em outras palavras, nos dois idiomas, essas
quatro ocorrências são cabíveis de representação mental.
A expressão do tempo por meios gramaticais teve uma representatividade
predominante, em larga escala, nos dois idiomas. Mas ressaltamos também que, de um modo
geral, os nossos dados de LA apresentaram maiores percentagens de representações lexicais
169
do que os dados do idioma brasileiro: em todas as faixas etárias da criança alemã houve uma
pequena percentagem de representação lexical do tempo. Os dados do PB, por outro lado,
evidenciaram o tempo lexical somente para a faixa etária de três anos e meio.
Os dados apontaram ainda para a possibilidade das perífrases de gerúndio no PB
surgirem após um ano e meio e de elas ocasionarem uma influência na aquisição temporal, no
sentido de a aquisição de tempo junto a essas perífrases de gerúndio ocorrer mais tarde do que
nos verbos simples.
No alemão, por sua vez, como o tipo de passado mais usado é construído por meio de
perífrases verbais, e a criança com um ano e meio já faça a marcação de passado, isso indica
que, na representação mental da criança alemã que investigamos, o tempo nas perífrases
vebais já seja marcado desde essa idade. Porém, é importante ressaltar que é característico da
estrutura do idioma alemão o tempo, nas perífrases de passado, não ser marcado no auxiliar,
como acontece no PB. Nas perífrases de passado do alemão, o tempo é marcado no verbo
pleno, por um prefixo – o que pode favorecer a aquisição de tempo nas perífrases ocorrer mais
cedo do que na LP. Isso dificulta a comparação entre o período de aquisição de tempo nas
perífrases do PB e do AL, sem que seja feito um estudo bastante apurado as respeito do
assunto.
Sobre a categoria aspecto:
O aspecto, na pesquisa que fizemos, mostra ter mais categorias do que o tempo.
Algumas delas fazem parte da composição da maioria das sentenças, como é o caso dos
traços gramaticais de [+/-] perfectividade e os traços lexicais tanto de [+/-] telicidade como
também os traços dos opostos [perfektividade/duração]. Por outro lado, nem todas as
categorias aspectuais estão presentes em todas as sentenças. Elas podem ou não estar
presentes, como é o caso da “categoria gramatical de formação de palavras” e, no campo
lexical, a categoria que chamamos neste trabalho de “recurso lexical de repetição de
palavras”, bem como a categoria “recurso lexical do advérbio”.
No que diz respeito à análise da telicidade aspectual, a língua alemã (LA), que é um
idioma sem aspecto durativo no âmbito gramatical, apresentou mais sentenças com verbos
atélicos (que justamente indicam um caráter mais durativo) do que o PB. Este último, por sua
vez, apresentou mais verbos de culminação (ou télicos).
Uma possível relação entre perfektividade (com “k”) e telicidade também se faz
presente, já que os dados das crianças mostraram um maior número de verbos perfektivos no
170
corpus do PB e, no corpus da LA, maior número de verbos durativos. Dito de outra forma, o
PB apresenta maior número de verbos perfektivos e télicos, e o idioma alemão maior número
de verbos durativos e atélicos.
Constatamos também, nesta pesquisa, o papel que um complemento ou um adverbial
pode ter como modificador da telicidade de um verbo. Isso nos levou a refletir que, como a
perfectividade não sofre o mesmo tipo de influência sintática que sofre a telicidade, esses dois
fenômenos seriam mesmo diferentes. Esse resultado corrobora com o que foi estudado no
projeto de Hermont (2014), expresso nos trabalhos de Morato (2014) e Borges (2013), nos
quais são correlacionadas as categorias perfectividade e telicidade dos verbos, em corpora de
aquisição de linguagem, tendo como resultado também a diferenciação entre essas duas
categorias.
O estudo da aspectualidade em dados do alemão (AL) nos levou a perceber também no
português brasileiro (PB) um recurso lexical que compõe a duração: o chamado “recurso de
repetição de palavras”. Também o estudo do aspecto na língua alemã levou-nos a ampliar
nossa percepção sobre o papel dos advérbios na composição da duração.
Como vimos, este trabalho cumpriu o objetivo de estudar a temporalidade e a
aspectualidade no PB e no AL, contribuindo para a ampliação da compreensão dessas duas
categorias, como também seu papel na representação mental da sentença.
Diferença entre as categorias tempo e aspecto
Diante da problemática de a categoria aspecto ser bastante confundida com a categoria
tempo ou até mesmo entendida, muitas vezes, como sendo parte dela, retomamos o objetivo,
nesta tese, de estudar o tempo e o aspecto na gramática mental de crianças falantes de PB e de
AL.
Várias evidências apontam para o fato de que, ao invés do aspecto se constituir em um
traço temporal, ele seria, de acordo com uma de nossas hipóteses, uma categoria à parte,
sendo diferente da categoria tempo.
Mostramos que o aspecto pode compor, gramaticalmente, um sintagma: o SAsp
(sintagma temporal), o qual teria uma projeção na árvore sintática. Por outro lado, mostramos
também que o aspecto pode ser constituído por uma composição de traços lexicais que
compõem o Sintagma Verbal (SV). Os traços de SV constituem o chamado aspecto
semântico, os quais, como vimos, estão no próprio significado do verbo ou na combinação
dele com outros elementos da sentença, como os argumentos internos ou os adverbiais.
171
Trazemos alguns pontos que, de acordo com os nossos estudos, podem fundamentar a
concepção da categoria temporal como sendo diferente da aspectual:
1) O fato de a categoria tempo ser representada, nas duas línguas, em todas as faixas
etárias, quase que só gramaticalmente, e de, por outro lado, a categoria aspecto,
apesar de ter também uma representatividade gramatical, ter uma
representatividade lexical bem maior que a primeira, no sentido de envolver mais
categorias lexicais do que gramaticais compondo a aspectualidade. Esses pontos já
assinalam bastante uma diferença entre tempo e aspecto enquanto categorias.
Podemos ainda unir a isso o fato de as próprias noções de tempo e de aspecto
serem diferentes, uma vez que localizar um evento no tempo é diferente de
caracterizar o como esse evento se desenvolve na linha temporal.
2) Outra diferença marcante entre tempo e aspecto é que os traços que compõem a
categoria temporal são representados, depois de seus movimentos, no núcleo (T)
do sintagma de tempo (ST), enquanto os traços lexicais de aspecto estão no núcleo
(V) do sintagma verbal (SV). Essa diferença sintagmática que os dois elementos
podem ocupar, na mesma sentença, é outra comprovação da diferença entre as
duas categorias: cada uma delas tendo representatividade em um sintagma
diferente.
3) Diferença bastante considerável entre tempo e aspecto se dá também pelo fato de
que, estando este último mais presente na composição de categorias lexicais e,
portando, vinculado ao SV, este tenha como uma de suas funções selecionar
argumentos. A diferença reside no fato de que o mesmo não acontece com as
categorias temporais, que são também categorias funcionais quando de natureza
gramatical, não tendo, portanto, a propriedade de selecionar argumentos. Desta
forma, o tempo e o aspecto lexical no contexto gerativista têm uma diferença bem
marcante nesse sentido. O tempo não seleciona argumentos, mas o aspecto lexical
do verbo pode fazê-lo, e esta propriedade estabelece uma grande diferença entre
essas duas categorias no plano sintático.
4) Merece ainda destaque o fato de os verbos, enquanto núcleo dos sintagmas verbais,
sendo aqueles que irão selecionar os argumentos e, junto com eles, vão compor o
predicado. Nossos dados, das duas línguas, mostraram ocorrências em que os
172
argumentos internos estabeleciam a culminação da ação verbal, modificando,
muitas vezes, a telicidade inerente ao significado do item verbal quando visto
isoladamente. Contudo, essa influência é restrita à categoria aspectual: a de poder
ser modificada pelo argumento interno do verbo. A categoria tempo, por sua vez,
não se correlaciona com o argumento interno do verbo.
5) Da mesma forma que os argumentos internos mostraram a possibilidade de
interferir na formação aspectual do predicado, o advérbio também mostrou essa
possibilidade não só de atuar na telicidade do predicado, estabelecendo o ponto de
culminância da ação verbal, como também atuando na perfektividade do verbo ou
até mesmo em sua perfectividade. ‘Resumindo, temos que os advérbios também
podem influenciar o status de categorias lexicais: [+/-telicidade],
[perfektividade/duração], evidenciando que estas são propriedade de todo
predicado. Também os advérbios podem, em alguns casos, influenciar categorias
gramaticais como [+/- perfectividade]. Essas possibilidades, por outro lado, não se
relacionam com o tempo – mostrando que essas relações sintáticas exercem um
papel na aspectualidade, ao passo que não têm influência na temporalidade.
Até aqui, vimos que ser categoria lexical ou gramatical é, consequentemente, uma
forte indicação de separação das categorias tempo e aspecto enquanto categorias
independentes uma da outra, por sua própria natureza, já que há a possibilidade de,
em uma mesma sentença, uma dessas categorias ter natureza gramatical e a outra,
lexical.
6) Outro ponto que pode indicar a separação entre as categorias que estamos
estudando diz respeito a sua representação sintagmática. O aspecto enquanto
categoria gramatical, de acordo com as nossas observações, realiza-se pelas
desinências de perfectificade/imperfectividade, que, por acumular no mesmo
morfema a marcação de tempo, não torna clara a determinação do que é marca de
tempo e do que é marca de aspecto. No entanto, na forma progressiva do PB, fica
evidente o que é marcação temporal e o que é marcação aspectual. Na referida
forma verbal, o tempo é representado no auxiliar, e o aspecto, no verbo pleno.
Sendo assim, esse formato nos sugere uma representação que foi adotada para
dados de aquisição do PB, no projeto de Hermont (2014), expresso nos trabalhos
173
de Borges (2013) e Morato (2014), em que eles atribuem a representação do
aspecto por meio de uma projeção separada da projeção de tempo, como
exemplificamos na representação da sentença S25, extraída do corpus de fala da
criança brasileira, aos dois anos de idade: “Babalu tá papando”.
ST T’
Spec SAsp Asp’ Spec Sv v’ Spec SV V’ Spec SD D’
Spec D
Babalu tá papando [+ pres] [+progressivo] Tempo Aspecto
Esse diagrama assinala a diferença entre tempo e aspecto, ao demonstrar sua
representação em diferentes projeções: o tempo em T’ e o aspecto em Asp’.
7) Outra forma de determinação do aspecto gramatical como categoria que se
diferencia do tempo gramatical é o fato de, no idioma alemão, as marcações de
tempo gramatical serem feitas nos verbos, ao passo que as marcações de aspecto
gramatical [+/- perfectivo] e também as marcações de aspecto progressivo – que
são marcações gramaticais do português – no alemão, serem marcadas pelo
contexto ou por meio de outros itens lexicais, como o advérbio, por exemplo. A
esse respeito optamos por considerar, então, essas marcações, no verbo, como
nulas (Ø), e, para justificar essa realização de aspecto por meio de advérbios,
sugerimos, como já foi visto, com base em Cinque (1999), uma possibilidade de
representação em que o advérbio estaria no especificador da projeção de aspecto,
como foi representado em nossos diagramas, nesta tese.
174
Todas essas diferenças estudadas corroboram, no nosso entendimento, com a nossa hipótese
de que a camada flexional estaria dividida em uma projeção específca de tempo e outra de
natureza aspectual.
O papel dos adverbiais
Relembramos que o que motivou o estudo feito nesta tese foi a observação de que, na
língua alemã, um advérbio fazia as vezes de uma desinência de aspecto progressivo. Isso nos
levou a investigar a aspectualidade no PB e no AL, que resultou neste trabalho com tantas
facetas para análise, como as que trouxemos aqui. Contudo, em meio às inúmeras observações
que puderam ser feitas, chamou a nossa atenção os comportamentos diversos que podem ter
os adverbiais na composição da aspectualidade, alguns dos quais aqui destacamos.
1) Adverbiais como marcadores do tempo e do aspecto:
o Ele sai amanhã à noite. – marcador de tempo futuro.
o Ele escreve o relatório desde o início do expediente. – marcador de duração.
2) Adverbiais com o papel semelhante ao da desinência gramatical.
• Desinência de gerúndio (-ndo):
o Ele espera sua mãe agora, na porta da escola. – o advérbio “agora”
como marcador de uma ação em progresso, aqui no caso, a ação de
“esperar”. (Equivalente a dizer: ele está esperando a mãe na porta
da escola.)
3) Adverbiais como reforçadores das noções de tempo e de aspecto já expressas:
o Ele sairá amanhã à noite. – Reforça o tempo já expresso pela desinência
verbal.
o Ele está esperando sua mãe agora, na porta da escola. – Reforça o aspecto já
expresso pela desinência de gerúndio.
175
4) Adverbiais como modificadores de outros traços de aspecto lexical:
o Ele já come sozinho – o advérbio “já” modifica o aspecto durativo, expresso
pelo verbo “comer”, passando a evidenciar uma mudança de fase, a qual é
marcada pelo aspecto perfektivo (com “k”) – que é o aspecto marcador de
mudanças de fase.
o Ela continua o trabalho até amanhã. – O advérbial grifado modifica o caráter
atélico do verbo “continuar”, evidenciando uma telicidade que se constitui
sintagma determinante (SD), mas que se expressa no predicado como um todo.
5) Adverbial como marcador de perfectividade em AL, cujo raciocínio explicamos a
seguir.
Observamos o “já” na sentença:
o Eu já fiz a tarefa.
Podemos entendê-lo como um reforço da ideia de conclusão da ação, característica da
perfectividade, expressa pela desinência verbal.
Se pensarmos que o alemão não marca o passado perfectivo nem o imperfectivo por meio de
desinência, não é difícil imaginar uma sentença no passado com ausência de marcação
desinencial de perfectividade, mas que contenha o “já”, fazendo a marcação desse traço.
o Eu fiz o trabalho – traduzindo para o AL: Ich habe die Arbei gemacht.
Se acrescentarmos o advérbio “já” teremos:
o Eu já fiz o trabalho. – traduzindo:- Ich habe schon die Arbeit gemacht.
Se a sentença “Eu já fiz a tarefa”, no alemão, não estiver acompanhada de outra que
indique simultaneidade, poderíamos entender que o “já”, tal qual assinala Santos (2007),
como um marcador de perfectividade. Por outro lado, poderíamos ver, da mesma forma, a
176
marcação da simultaneidade expressa por outra sentença, a qual marcaria a imperfectividade
em alemão, como mostra o exemplo com o qual fechamos a nossa exposição sobre os
adverbiais.
o Er hat die Arbeit gemacht als der Chef angekommen ist. – Ele fazia o trabalho,
quando o chefe chegou.
Em síntese, quisemos orientar um raciocínio que, diante da ausência de marcação
gramatical para o aspecto [+/-] perfectivo no idioma alemão, apontasse para a possibilidade de
a forma adverbial “já” ser uma forma de marcação da perfectividade. Como indicativo da
imperfectividade, apontamos o traço de simultaneidade da ação expresso em outra sentença.
Nesta seção, formam assinalados vários pontos em que o papel dos advérbios
demonstrou ter importância fundamental dentro do tema que foi desenvolvido nesta tese. Não
fazia parte de nossos objetivos aprofundar mais nessa questão, contudo entendemos que
muitos estudos sobre esse assunto ainda necessitam ser realizados e que este campo dos
advérbios é bastante fecundo para a condução de diversas pesquisas.
Palavras Finais
Finalizamos aqui este trabalho, sublinhando sobre a importância dos estudos
comparativos entre os idiomas.
Em nossa pesquisa, a observação comparada entre o PB e o AL apurou a nossa da
percepção para a descoberta de pontos de investigação que puderam ampliar a caracterização
do nosso objeto de estudo. A inspiração que o estudo de uma determinada língua dá ao estudo
de outros idiomas mostra a importância do encaminhamento de pesquisas dentro da
Linguística Comparada – campo no qual é possível uma realização bem mais minunciosa e
aprofundada ainda entre os idiomas.
Para finalizarmos, gostaríamos de salientar que foram levantados, nesta tese, uma série
de pontos para observação da aspectualidade no idioma português brasileiro e na língua
alemã. Além do advérbio, sobre o qual já nos pronunciamos, percebemos, em vários destes
pontos, a possibilidade também de se constituírem campos para diversas pesquisas.
177
REFERÊNCIAS
ABNEY, Steven P. The english noun phrase in its sentential aspect. 1987. Tese (Doutorado) - Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, 1987.
ADMONI, V.G. Der deutsche Sprachbau. 2nd ed. Leningrad: Prosvescenie, 1966.
AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus: parte I, 11. ed. Petrópolis: Vozes, 1989.
AIMARD, P O surgimento da linguagem na criança. Trad. Claudia
Schilling. Porto Alegre: Artmed, 1998.
ALMEIDA, Leriana de. Modo e aspecto na língua kaingang. Guavira Letras, , n. 8, p. 94-114, mar. 2009. Disponível em: <http://www.pgletras.ufms.br/revistaguavira/guavira8/08-artigo-leriana.pdf>.
AL-TAROUTI, Ahmed. Dimensions of aspect. Scientific Journal of King Faisal University: Humanities & Management Sciences, v. 2, n. 1, p. 197-230, Mar. 2001.
ANTONELLI, André Luis. Posição do verbo no português clássico: evidências de um sistema V2. Alfa, São Paulo, v. 55, n. 2, p. 501-522, 2011. Disponível em: <www.museulingua portuguesa.org.br/files/mlp/texto_13.pdf>.
ARISTOTELES. Metaphysics. In: BARNES, Jonathan (Ed.). The complete works of Aristotle: the revised Oxford translation. Princeton: Princenton University Press, 1984.
AUGUSTO, Marina R.A Aquisição da linguagem na perspectiva minimalista: especificidade.
e dissociações entre domínios. In: VASCONCELLOS, Zinda de; AUGUSTO, Marina R. A.; SHEPHERD, Tania Granja (Org.). Linguagem: teoria, análise e aplicações. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2006. p. 269-283. Disponível em: <http://www.pgletras.uerj.br/linguistica/ textos/livro03/LTAA03_prof002.pdf>.
AZEVEDO FILHO, Legendário Amarante de. Algumas questões morfológicas da língua portuguesa. Cadernos da ABF, v. 2, n. 1, 2013. Disponível em: <http://www.filologia. org.br/abf/volume2/numero1/02.htm>. Acesso em: fev. 2013.
AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. Gramática básica da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1969.
BACHE, C. Aspect and aktionsart: towards a semantic distinction. Journal of Linguistics, v. 18, n. 1, p. 57-72, 1982.
BAKER, Mark. Mapping the Terrain of Language Acquisition. Language Learning and Development 1,93-129, 2005.
BAMBERG, Michael. Frogs german bamberg corpus. TalkBank, 2004. Disponível em: <http://www.language-archives.org/item/oai:childes.talkbank.org:Frogs-German-Bamberg>.
BELLOS, David M. The narrative absolute tense. Language and Style, v. 11, n. 1, p. 231-237, 1978.
178
BENTIVOGLIO, P.; SEDANO, M. Morfosintaxis. In: ALVAREZ, P. A. et al. (Ed.). El idioma español de la venezuela actual. Caracas: Lagoven, 1992.
BENVENISTE, E. A linguagem e a experiência humana. In: BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral II. Tradução de Eduardo Guimarães et al.., revisão técnica da tradução: Eduardo Guimarães. 4. ed. Campinas: Pontes, 1989. p. 68-80.
BERTINETTO, P. M. On a frequent misunderstanding in the temporal-aspectual domain: the perfective-telic confusion. In: CECHETTO, C. et al. Semantic interfaces: reference, anaphora and aspect. Stanford: CSLI Publications, 2001.
BERTINETTO, P. M.; EBERT, K.; DE GROOT, C. The progressive in Europe. In: DAHL, O. (Ed.). Tense and aspect in the languages of Europe. Berlin: Mouton de Gruyter, 2000. p. 517-558.
BORER, Hagit. The normal course of events: structuring sense II. Oxford: Oxford University Press, 2005.
BORER, Hagit. The projection of arguments. Massachussets: The University of Massachussets, 1994. (University of Massachussets Occasional Papers in Linguistics, 17).
BRUN, D.; AVRUTIN, S.; BABYONYSHEV, M. Aspect and its
temporal interpretation during the optional infinitive stage in Russian. BUCLD, Sommerville, v. 23, n. 1, p. 120-131, 1999.
BUENO, Silveira. Mini dicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2000.
CÂMARA JÚNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. Petropolis: Vozes, 1995.
CÂMARA JÚNIOR, J. M. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1985.
CAMPOS, H. C. Campos, H.C. Ambiguidade lexical e representação metalinguística. Boletim de Filologia, Lisboa, v. 30, número, p. 113-131, 1985.
CAMPOS, H. C. O pretérito perfeito composto: um tempo presente? In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA, 3, 1987, Lisboa. Actas... Lisboa: APL, 1987. p. 75 85.
CAMPOS, H.C. Le marqueur "já": étude d’un phenomene aspectuel. Boletim de Filologia, Lisboa, v. 29, p. 539-553, 1984.
CANÇADO, M. Argumentos: complementos e adjuntos. Alfa, São Paulo, v. 53, n. 1, p. 35-59, 2009.
CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. Predicados primitivos, papéis temáticos e aspecto lexical. Revel, v. 11, n. 20, p. 104-125, 2013. Disponível em: <http://www.revel. inf.br/files/225408ba46331467aee40d50386b8a90.pdf >.
179
CANDIOTTO, Kleber Bez Birolo. Epistemológicos da teoria modular da mente de Jerry A. Fodor. Trans/Form/Ação, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 119-135, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/trans/v31n2/07.pdf>.
CASTILHO, Ataliba Teixeira. Introdução ao estudo do aspecto verbal no português.
Marília: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1968. (Coleção Teses).
CASTILHO, Ataliba Texeira de. A língua falada no ensino de português. 4. ed. São Paulo: Contexto. 159 p., 2002.
CHOMSKY, Noam. Beyond explanatory adequacy. Cambridge, Massachusetts: MIT Working Papers in Linguistics, 2001. 28 p. (MIT Occasional Papers in Linguistics, 20)
CHOMSKY, Noam. Novos horizontes no estudo da linguagem e da mente. Tradução de Marco Antônio Sant’Anna. São Paulo, Editora UNESP, 2005.
CHOMSKY, Noam. O conhecimento da língua, sua natureza, origem e uso. Lisboa: Caminho, 1994.
CHOMSKY, Noam. O conhecimento da língua: sua natureza, origem e uso. Lisboa: Caminho, 1996.
CHOMSKY, Noam. O programa minimalista. Lisboa: Caminho, 1999.
CHOMSKY, Noam. Three factors in language design. Linguistic Inquiry, v. 36, n. 1, p. 1-22, 2005.
CHOMSKY, Noam. Biolinguistics and the human capacity. Delivereat MTA, Budapeste, 17 de maio. 2004. Disponível em: <http://www.chomsky.info/talks/20040517.htm>. Acesso em: 18 set. 2013.
CHOMSKY, Noan. A minimalist program for linguistic theory. In: HALE, K.; KEYSER, S.J. (Ed.). The view from building. Cambridge: MIT Press, 1993.
CHOMSKY, Noan. Aspects of theory of syntax. Cambridge: MIT Press, 1965.
CHOMSKY, Noan. Derivation by phase. Cambridge, Massachusetts: MIT Working Papers in Linguistics, 1999. 43 p. (MIT Occasional Papers in Linguistics, 18)
CHOMSKY, Noan. Knowledge of language: its nature, origin and use. Greenwood: Greenwood Publishing Group, 1986.
CHOMSKY, Noan. Language and mind. New York: Harcourt Brace Joavanovich, 1972.
CHOMSKY, Noan. Lectures on government and binding. Dordrecht: Foris Publications, 1981.
CHOMSKY, Noan. New horizons in the study of language and mind. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. 230 p.
CHOMSKY, Noan. Noam Chomsky na UFRJ. Coordenação de Luiz Pinguelli Rosa e Miriam Lemle. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 1998. 145 p.
180
CHOMSKY, Noan. The minimalist program. Cambridge: MIT Press, 1995.
CINQUE, G. Adverbs and functional heads: a cross-linguistics perspective. New York: Oxford University Press, 1999.
CINQUE, G. Restructuring and functional heads. New York: Oxford University Press, 2006.
CLAHSEN, H. M. PENKE The acquisition of agreement morphology and its syntactic consequences in J. Meisel ed. The acquisition of verb placement Dordrecht: Kluwer, 1992.
COMRIE, Bernard. Aspect: an introduction to the study of a verbal aspect and related problems. London: Cambridge University Press, 1976.
COMRIE, Bernard. Tense. 4nd ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.
CORÔA, M. L. M. S. O tempo no português: uma introdução à sua interpretação semântica. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
CORÔA, Maria Luiza. O tempo dos verbos no português: uma introdução à sua interpretação semántica. Brasília: Thesaurus, 1985.
CORÔA. Maria Luiza. O tempo nos verbos do português. São Paulo: Parábola, 2005.
COSTA, João. Teoria sintáctica e aquisição da língua materna: o que temos aprendido? In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA, 22, 2007, Lisboa. Anais... Lisboa, APL, 2007. p. 11-12.
COSTA, Sônia Bastos Braga. O aspecto em português. São Paulo: Contexto, 1990.
COSTA, Sônia Bastos Braga. O aspecto em português. São Paulo: Contexto, 2002.
CRAIN, S.; MCKEE, C. The acquisition of structural restrictions on anaphora. Proceedings of NELS, v.16, p. 94-110, 1985.
CRAIN, S.; THORNTON, R. Investigations in universal grammar. Cambridge: The MIT Press, 1999.
CULIOLI, A. Rubriques linguistiques de l´Encyclopédie Alpha. Paris: Grange-Batelière, 1971.
CUNHA, C.; CINTRA, L. F. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
CURTISS, S. Dissociations between language and cognition: cases and implications. Journal of Autism and Developmental Disorders, Dordrecht, v. 11, n.1, p. 15-29, Mar. 1981.
CURTISS, S. Genie: a psycholinguistic study of a modern-day ‘wild child’. New York: Academic Press, 1977. 288 p.
CYRINO, Sônia Maria Lazzarini. O objeto nulo no português do Brasil: um estudo sintático-diacrônico, Londrina: Editora da UEL, 1997. Cap. 1. Disponível em: < http://www. unicamp.br/iel/site/docentes/cyrino/Cyrinolivcap1.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2013.
181
DIEZ, Friedrich Christian. Grammati der romance languages. Bonn: E. Weber, 1876. Disponível em: <https://archive.org/details/grammatikderrom17diezgoog>.
DOWTY, D. R.; WALL, R. E.; PETERS, S. Introduction to montague semantics.
Dordrecht: Reidel, 1985.
DOWTY, D.R. Word meaning and montague grammar. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company, 1979.
EISENBERG, Peter. Grundriss der deutschen grammatik: Das Wort. Stuttgart/Weimar: Metzler, 1998. v.1.
EISENBERG, Peter. Grundriss der deutschen grammatik: Der Satz. Stuttgart/Weimar: Metzler, 1999. v.2.
FINDLAY, Ian. Essays in comparative literature. Arlingtyon: U of Texas at Arlington, 1977.
FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação. São Paulo, Ática, 1996.
FODOR, Jerry A. The modularity of mind. Cambridge: MIT, 1983. Disponível em: <http:// books.google.com.br/books?hl=pt-PT&lr=lang_de|lang_es|lang_en|lang_pt&id=e7nrSeib JZYC&oi=fnd&pg=PP9&dq=FODOR,+Jerry+A.+The+modularity+of+mind.+Cambridge.+MA:+MIT,+1983.&ots=onXFYzTFc-&sig=S19Mf_KrTwEIXKibcbHcGnfRhXI>. Acesso em: 03 jun. 2013.
FRANÇA, Aniela Improta. Sobre a infalibilidade da faculdade da linguagem. Rio de Janeiro: UFRJ. Disponível em: <www.letras.ufrj.br/clipsen/linguistica_1/texto1.doc >. Acesso em: 05 jun. 2013.
FROMKIN, V.A. Some thoughts about the brain/mind/language interface. Lingua, v. 100, p.3-27, 1997. Disponível em: <http://www.mml.cam.ac.uk/dtal/courses/ugrad/paper_
support/li3/fromkin-1997.pdf>. Acesso em: data do acesso.
GALVES, Charlotte Marie Chambellard. Apresentação (in) estudos de língua(gem): estudos diacrônicos da língua portuguesa. Campinas: 2010.
GENERATIVISMO. In: INFOPÉDIA. Porto: Porto Editora, 2003-2013. Disponível em: <http://www.infopedia.pt/$generativismo>. Acesso em: 18 jul. 2013.
GIBSON, Edward, and WEXLER, Kenneth. Triggers. Linguistic Inquiry 25:407–454. 1994.
GONÇALVES, Rodrigo T. Chomsky e o aspecto criativo da linguagem. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL. V. 5, n. 8, março de 2007. GORDON, P. Overarching agrammatism. In: Y. GRODZINSKY, Shapiro L.; SWINNEY, D. (Ed.). Language and the brain: representation and processing studies. San Diego: Academic Press, 2000. p. 73-86. GORDON, P. The truth-value judgment task. In: McDANIEL, D.; McKEE, C.; CAIRNS, H. (Ed.) Methods for assessing children’s syntax. Cambridge: MIT Press, 1996. p. 211-232.
182
GREENBERG, J. H. Some universais of grammar wit h particular reference to the order of meaningful elements. Cambrige: MIT Press, 1963.
GROLLA, Elaine. Metodologias experimentais em aquisição da linguagem. Estudos da Língua(gem), Vitória da Conquista, v. 7, n. 2, p. 9-42 dez. 2009.
GUILFOYLE, E.; NOONAN, M. Functional categories and language acquisition. Paper presented at the 13th Annual Boston University Conference on Language Development. 1988.
GUILLAUME, G. Inmanencia y trascendencia en la categoria dei verbo: bosquejo de una teoria psicológica dei aspecto. Psicologia dei Lenguaje, Buenos Aires, p. 193-206, 1952.
GUILLAUME, G. Tiempo y verbo, teoría de los aspectos, los modos y los tiempos [publicado anteriormente no Journal de Psychologie, p. 357-3701. 1929
HAGIWARA, H. The breakdown of functional categories and the economy of derivation. Brain and Language, v. 50, p. 92-116, 1995.
HAMILTON, W. Lectures on metaphysics and logic. London: Alexander Strahan Publisher, 1870.
HAUSER, M. D.; CHOMSKY, N.; FITCH, W. T. The faculty of language: what is it, who has it, and how does it evolve? Science, v. 298, n. 5598, p. 1569-1579, Nov. 2002. Disponível em: <http://www.sciencemag.org/content/298/5598/1569>. Acesso em: 01 fev. 2010.
HELBIG, G.; BUSCHA, J. Deutsche grammatik: ein handbuch für den ausländerunterricht. Leipzig: Langenscheidt, 1999.
HENDRIX, Randall. The morphosyntax of aspect. Língua, v. 85, n. 2-3, p. 171-210, 1991.
HERMONT, Arabie Berzri. Aquisição de tempo e aspecto no déficit especificamente linuístico. 2005. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
HERMONT, Arabie Berzri. Compreensão de sentenças com vestígios de SN e de elemento QU no agramatismo. 1999. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.
HERMONT, Arabie Berzri. Evidências de pesquisas em aquisição e perda da linguagem para a compreensão da relação linguagem e cognição. No prelo. Belo Horizonte, 2013.
HERMONT, Arabie Berzri. Evidências de pesquisas em aquisição e perda da linguagem para a compreensão da relação linguagem e cognição. Scripta, Belo Horizonte, v. 14, n. 26, p. 71-88, 1º sem. 2010
HLIBOWICKA-WEGLARZ, Barbara. O aspecto em português e nos crioulos de base lexical portuguesa: alguns pontos divergentes entre os dois sistemas. In: MARÇALO, Maria João et al. (Org.). Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas. Évora; Universidade de Évora, 2010.
HYMES, N. Language acquistion and the theory of parameters. Dordrecht: Reidel. 1986.
183
Hyams, N. The Genesis of Clausal Structure, in J. Meisel (ed.) The Acquisition of Verb
Placement; Functional Categories and V2 Phenomena in Language Development. Kluwer Academic Publishers, Dordrecht, The Netherlands. 1992.
Hoekstra, T. & Hyams, N. Missing Heads in Child Language. Proceedings of GALA II
(Groningen Assembly on Language Acquisition). 1996
HOLT, Jens. Études d'aspect. Acta Jutlandica, v. 15, p. 2, 1943.
HOPPER, Paul J.; SANDRA, A. Transitivity in grammar and discourse. Language, v. 56, p. 251–99, 1980.
HORNSTEIN Norbert. As time goes by: tense and universal grammar. Cambridge: The MIT Press, 1990.
HORNSTEIN, Norbert; NUNES, J.; GROHMANN, K. Understanding minimalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
ILARI, Rodolfo. A expressão do tempo em português. São Paulo: Contexto, 1997.
ILARI, Rodolfo. Linguística aplicada ao ensino de português. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992.
ILARI, Rodolfo. Notas para uma semântica do passado composto em português. Revista Letras, Curitiba, n. 55, p. 129-152, 2001.
ILARI, Rodolfo. O estruturalismo linguístico: alguns caminhos. In: MUSSALIN, F. BENTES, A. C. (Org.). Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2004.
ILARI, Rodolfo. Sobre advérbios focalizadores. In: ILARI, R. Gramática do português falado. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. v. 2, p . 193-212.
ILARI, Rodolfo; BASSO, R. O verbo. In: ILARI, R.; NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do português culto falado no Brasil: classes de palavras e processos de construção. Campinas: Editora da UNICAMP, 2008, v. 2, p. 163-365.
ILARI, Rodolfo; MANTOANELLI, Ivonne. As formas progressivas do português. Caderno de Estudos Linguísticos, Campinas, n. 5, p. 27-60, 1983.
JERNE N.K.. The generative grammar of the immune system. Science, Washington, v. 229, n. 4, p.1057-1059, 1985
KATO, Mary Aizawa. A evolução da noção de parâmetros. Campinas: DELTA, v. 18, n. 2, p. 309-337, 2002.
KATO, Mary Aizawa. Questões atuais da aquisição de Li na perspectiva da teoria de princípios e parâmetros. Cadernos de Estudos Linguisticos, Campinas, n. 36, p. 11-16, jan./jun. 1999
KLEIN, Wolfgang. Time in language. London: Routledge, 1994.
184
KRIFKA, Manfred. Nominal reference, temporal constitution and quantification in event semantics. In: BARTSCH, R.; VAN BENTHEM, J.; VAN EMDE BOAS, P. (Ed.). Semantics and contextual expression. Dordrecht: Foris, 1989.
KRIFKA, Manfred. The origins of telicity. In: ROTHSTEIN, Susan (Ed.). Events and grammar. Great Britain: Kluwer Academic Publishers, 1998. p. 197-235.
LEIPZIG .Verbo e estruturas frásicas: actas do IV Colóquio Internacional de Linguística Hispânica. Porto: Revista da Faculdade de Letras do Porto, 1994.
LEMOS, Cláudia. (Coord.). Projeto aquisição da linguagem oral. Campinas: UNICAMP. Instituto de Estudos da Linguagem, 1970-1980.
LENNEBERG, E. Biological foundations of language. New York: Wiley, 1967.
LIGHTFOOT, D. The child’s trigger experience: Degree-0 learnability. Behavioral and Brain Sciences, v. 12, n. 2, p.321-334, 1989.
LOBATO, L. M. P. A sintaxe gerativa do português. Belo Horizonte: Ed. Vigília, 1986.
LOUREIRO, João Carlos Magalhães. Aquisição de ordem de palavras e da flexão verbal em Português Europeu. 2008. Dissertação (Mestrado) - Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2008. Disponível em: <http://www.clunl. edu.pt/resources/docs/Grupos/Linguistica_comparada/TECAPE/jo%C3%A3o%20loureiro%20-%20tese%20-%20aquisi%C3%A7%C3%A3o%20de%20ordem%20de%20palavras %20e%20de%20flex%C3%A3o%20verbal%20em%20pe.pdf>. Acesso em: 17 out. 2013.
LÜDKE, Menga. O professor, seu saber e sua pesquisa. Educação & Sociedade, Ano 22, n. 74, p. 77-96, abr. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v22n74/a06v2274.pdf>. Acesso em: 12 out. 2011.
LÜDKE, Menga. Socialização profissional de professores: as instituições formadoras. Rio de Janeiro, PUC-Rio, 1998. (Relatório Final de Pesquisa).
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
LYONS, J. Introdução à lingüistica teórica. Tradução de Rosa Virgínia Mattos e Hélio Pimentel. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1979
LYONS, J. Semantes 2. Ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1977.
LYONS, J. Semântica. Lisboa: Presença, 1977.
MANSEL, E. L. Metaphysics: logic. London: Alexander Strahan Publisher, 1866. v.3-4.
MARTINS, A. Conhecimento linguístico de aspecto no português do Brasil. 2006. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
MCTAGGART , J. E. The unreality of time. Mind: A Quarterly Review of Psychology and Philosophy, n. 17, p. 456-473, 1908
185
MESQUITA, D. Linguagem, psicanálise, leitura e subjetividade. In: GODOY, H. (Org.). Identidades prováveis, representações possíveis. Goiânia: AGEPEL., 2005. v. 1, p.59-83. Disponível em <http://imago.letras.ufg.br/up/156/o/continuidaderuptura2705.pdf>.
MIOTO, C.; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. Manual de sintaxe. Florianópolis: Insular, 1999. MIOTTO, C. et all. 2007. Novo Manual de Sintaxe. Florianópolis: Editora Insular. MORATO, R. A. Um estudo sobre as categorias tempo e aspecto a luz da Teoria Gerativa. Dissertação (Mestrado) – PUC MINAS, Belo Horizonte, 2014.
MOTTA, Dilza Fonseca. Método relacional como nova abordagem para a construção de tesauros. Rio de Janeiro: SNAI, 1987.
MOURELATOS, A. Events, processes and states. In: TEDESCHI, P.; ZAENEN, A. (Ed). Syntax and semantics: tense and aspect. New York, Academic Press, 1981. v. 14
NEVES, M. H. M. A gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo: Ed. UNESP, 2002.
NEVES, M. H. M. A vertente grega da gramática tradicional: uma visão do pensamento grego sobre a linguagem. 2. ed. São Paulo: Ed. UNESP, 2005.
NOVAES, C. Minimalism, nature of features and neuropsychological syndrome saffecting language. Paper presented at The Annual Meeting of Theoretical and Experimental Neuropsychology. Montreal, Canada, 2004.
NOVAES, C.; BRAGA, M. Agrammatic aphasia and aspect. Brain and Language, v. 95, p. 121-122, 2005.
NOVAES, C.; BRAGA, M. Evidências, neuropsicológicas da existência de um nódulo de aspecto. Revista de Estudos da Linguagem, Belo Horizonte, v. 15, n. 1, p. 71-88, jan./jun. 2007.
OLIVEIRA, F.. Tempo e aspecto. In: MATEUS, M. H. et al. (Org.) Gramática da língua portuguesa. Lisboa: Caminho, 2003. p. 127-178.
PENNYCOOK, Alastair. Critical applied linguistics: a critical introduction. New Jersey: Lawrence E. Associates, 2001.
PETIT, Henri et al. O essencial em neurologia. São Paulo: Andrei, 1992.
PINKER, Steven. The Modern Denial of Human Nature. Penguin Books Ltd, London WC2R ORL, England 2002.
POLLOCK, J-Y. Verb movement, universal grammar and the structure of IP. Linguistic Inquiry, v. 20, n.3, p. 365-425, 1989.
186
PRATAS, Fernanda. Aquisição da estrutura funcional em Caboverdiano. Lisboa: Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, 2006. Disponível em: <http://www.apl.org. pt/docs/24-textos-seleccionados/25-Pratas.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013.
PRIOR, A. Past, present and future. Oxford: Oxford University Press, 1967.
RAPOSO, E. Teoria da gramática: a faculdade da linguagem. Lisboa, Editorial Caminho, 1992.
RADFORD, Andrew. Minimalism Sintax: Exploring the Structure of English. Cambridge: Cambridge University, 2004.
REICHENBACH, H. Elements of symbolic logic. Berkeley: University of California Press, 1947.
REIS, José. Estudo sobre o tempo. Revista Filosófica de Coimbra n. 9, p. 143-203, 1996.
RIZZI, Luigi. Remarks on early null subjects. In: FRIEDEMANN, N.; RIZZI, Luigi (Org.). The acquisition of syntax 270. Harlow: Longman, 2000.
RIZZI, Luigi. Some notes on linguistic theory and language development: the case of root infinitives. Language Acquisition, v. 3, n. 4, p. 371-393, 1994.
RIZZI, Luigi. The fine structure of the left periphery. In: HAEGEMAN, Liliane. Elements of grammar. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1997.
ROBERTS, I. Diachronic syntax. New York: Oxford University Press, 2007.
RODRIGUES, Carlos Eduardo Serrina de Lima. Um estudo exploratório do processamento de informação das interfaces na aquisição da linguagem: o aspecto verbal no português. 2007. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
RODRIGUES, Érica dos S. Aspecto verbal no português falado. In: ABAURRE, M. B; RODRIGUES, A. C. S (Org.). Gramática do português falado. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002. v. 8, p. 83-121.
RODRIGUES, Érica dos S. Modelos formais de gramática: o programa minimalista vs. gramáticas baseadas em restrições – HPSG E LFG. Matraga, Rio de Janeiro, v.16, n.24, p. 133-149, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://www.pgletras.uerj.br/matraga/matraga24/ arqs/matraga24a06.pdf>.
RODRIGUES, F. Dissociação de tempo e aspecto em indivíduos normais. 2007. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
RODRIGUES, Liliane Prestes. Do léxico à sintaxe: tópicos sobre a evolução da noção de aspecto. Linguagem & Ensino, Pelotas, v.16, n.1, p. 215-236, jan./jun. 2013.
RODRÍGUEZ, Alfredo Maceira. O aspecto verbal no português. Trabalho apresentado no III Congresso Nacional de Linguistica e Filologia, Rio de Janeiro, 2000.
187
ROTHSTEIN, S. Structuring events: a study in the semantics of lexical aspects. Oxford: Blackwell Publishing, 2004.
SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima. O aspecto e a alternância dativa. Revista Letras, Curitiba, n. 81, p. 193-211, maio/ago. 2010.
SANTOS, Campos. Perfect mismatches: ‘result’ in english and portuguese. In: ANDERMAN, Gunilla M.; ROGERS, Margaret. (Ed.) Incorporating corpora: the linguist and the translator. Ontário: Multilingual Matters, 2007. Cap. 12, p. 217-242. Disponível em: <http://www.linguateca.pt/Diana/download/SantosResultMM2007proofs.pdf>. Acesso em: 10 jul.2014.
SARDINHA, T. B. Linguística de corpus: histórico e problemática. DELTA, São Paulo, v.16, n. 2, p. 323-367, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502000000200005&script=sci_abstract&tlng=pt>.
SCARPA, Ester Mirian: Aquisição da linguagem. In.: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. p. 203-232.
SILVA, Agostinho. Agostinho da Silva. In: DIAS, Francisco Franco et al. Agostinho [da Silva]. São Paulo: Green Forest do Brasil Editora, 2000. p. 233-239.
SILVA, Samanta Demetrio da. Aquisição da linguagem. Web Artigos, 22 jul. 2010. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/aquisicao-da-linguagem/43208/>. Acesso em: 03 dez. 2012.
SINGER, Julio M.; NOBRE, Juvêncio S.; ROCHA, Francisco Marcelo M. Análise de dados longitudinais. São Paulo: USP, Departamento de Estatística, 2012. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~jmsinger/Textos/Singer&Nobre&Rocha2012mar.pdf>.
SMITH, Carlota. A theory of aspectual choice, Language, v. 59, n. 3, p. 479-501, Sep. 1983.
SMITH, Carlota. The parameter of aspect. Dordrecht: Kluwer, 1991.
SOARES, M. A semântica do aspecto verbal em russo e em português. 1987. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1987.
SOLA, Jaume. Morphology and word order in germanic languages. In: ABRAHAM, W. et al. (Ed.). Minimal ideas: syntatic studies in the minimalist framework. Amsterdam: John Benjamins, 1996.
SOUZA, André Luiz Elias de. Primeiros verbos: uma análise da produtividade de uma criança acerca da morfologia de verbos regulares em português brasileiro. 2007. Dissertação (Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Belo Horizonte, 2007.
SOUZA, André Luiz Elias de; MARTINS, Cláudia Cardoso. A aquisição da morfologia de verbos regulares no português brasileiro: uma abordagem da linguística cognitiva. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 23, n. 1, p. 131-140, 2010.
STRAWSON, P. F. Individuals. London: Methuen, 1959.
188
SZE-WING Tang. Some minimal notes on minimalism. Linguistic Society of Hong Kong Newsletter, v. 36, p. 7-10, 2000. Disponível em: <http://minimalism.linguistics.arizona.edu/ AMSA/PDF/AMSA-183-1000.PDF>. Acesso em: 08 set. 2013.
TENNY, Carol. Aspectual roles and the syntax-semantics interface. Dordrecht: Kluwer, 1994.
TENNY, Carol. Grammaticalizing aspect and affectedness. 1987. Cambridge: MIT, 1987.
THE FREE Dictionary.com Deutsches Wörterbuch. Farlex: Inc. and Partners, 2009.
THORNTON, R.; WEXLER, K. Principle B, VP-ellipsis, and interpretation in child grammar. Cambridge: The MIT Press, 1999.
THORNTON, & TESAN. Categorial acquisition: parameter-setting in Universal Grammar. Biolinguistics 1: 049-098, 2007. Disponível em http: // www.biolinguistics.eu.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. O aspecto verbal no português: a categoria e sua expressão. Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 1981.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. O aspecto verbal no português: a categoria e sua expressão. Edição revisada. Uberlândia: UFU, 1985.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. O aspecto verbal no português: a categoria e sua expressão. 4. ed. Uberlândia: EDUFU, 2006.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. O verbo e a ordenação referencial de situações em diferentes tipos de textos. Trabalho apresentado no IV Colóquio Internacional de Linguística Hispânica, 1993.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Um estudo discursivo do verbo no português do Brasil. 1991. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 1991.
TRAVIS, L. Parameters of phrase structure and verb-second phenomena. In: FREIDIN, Robert (Ed.). Principles and parameters in comparative grammar. Cambridge: MIT Press, 1991.
TSIMPLI, Ianthi-Maria. On the maturation of functional categories: early child speech. UCL Working Papers in Linguistics, v. 3, 9. 126, 1991.
VAN VALIN, R. Linguistic diversity and theoretical assumptions. Chicago Linguistic Society Parasession Papers, v. 35, p. 373-391, 2000.
VEIGA, Manuel. Introdução à gramática do crioulo. Praia: Instituto Caboverdiano do Livro e do Disco, 1995.
VENDLER, Z. Linguistics in philosophy. New York: Cornell University Press, 1967.
VERKUYL, H. J. A theory of aspectuality: the interpretation between temporal and atemporal structure. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.
189
VERKUYL, H. J. Aspectual classes and aspectual composition. Linguistics and Philosophy, n. 12, p.39-94, 1989.
VERKUYL, H.; LE LOUX-CHURINGA, J. Once upon a tense. Linguistics and philosophy, v. 8, n. 2, p. 237-61, 1988.
VERKUYL, Henk. On the compositional nature of the aspects. Dordrecht: Reidel, 1972.
WACHOWICZ, Teresa Cristina; FOLTRAN, Maria José. Sobre a noção de aspecto. Cadernos de Estudos Linguisticos, Campinas, v. 48, n. 2, p. 211-232, 2006.
WENDT, Heinz F. Gramática de alemão. Lisboa: Presença, 1994.
WESLEY, Trindade Alexandre. O estudo do aspecto verbal em grego antigo pela Linguística de Córpus. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIN, 7, 2012, Curitiba. Anais... Curitiba: ABRALIN, 2012.
YANG, Charles. D. Knowledge and Learning in natural language. New York: Oxford University Press, 2002.