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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO E SEMITICA
Adriana de Arajo GUZZI
Participao Pblica, Comunicao e Incluso Digital
So Paulo 2006
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
Adriana de Arajo GUZZI
Participao Pblica, Comunicao e Incluso Digital
So Paulo 2006
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Comunicao e Semitica, para
obteno do grau de Mestre em Comunicao e
Semitica
rea de concentrao: Signo e
Significao nas Mdias.
Orientador: Prof. Dr. Rogrio da Costa
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REGISTRO BIBLIOGRFICO
G993p Guzzi, Adriana Arajo Partic ipa o pb lic a , c omunic a o e inc luso d ig ita l. So
Paulo / Adriana Arajo Guzzi. -- 2006. 126f.; 30 cm.
Orientao Rogrio da Costa. Disserta o (Mestrado em Comunic a o Semitic a )
Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Semitica da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, 2006.
Inclui anexos e bibliografia.
1. Comunic a o 2. Inc luso d ig ita l 3. Partic ipa o pblica I. Guzzi, Adriana Arajo II. Costa, Rogrio da.
CDD: 303.4833
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Folha de Aprovao
Autor: Adriana de Arajo Guzzi
Ttulo: Participao Pblica, Comunicao e Incluso Digital
Conceito:
Banca Examinadora
Prof. (a)
Assinatura
Prof. (a)
Assinatura
Data de Aprovao:
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Nina
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Agradecimentos
Muitas pessoas me ajudaram ao longo do processo desta pesquisa. Arrisco nome-
las, em ordem alfabtica, mesmo sabendo do risco de esquecer algum que tenha
participado e colaborada nessas etapas:
Adilson Virno, Akira Shigemori, Alda Ribeiro, Alessandra Pio, Alexandre Geraldi,
Anamelea Pinto, ngela Tijiwa, Antonio Celso, Avelino Guedes, Beatriz Rizek, Bernardo
Diament, Carla Diament, Carlos Seabra, Carolina Borges, Carolina Santoro, Cludio
Franken, Daisy Grislia, Dani Matielo, Denise Oliveira, Diego, Edna Maciel, Everson,
Evanda Verri Paulino, Fabiana Krepel, Favalea, Geruza Hasler, Fabrcio Ferraresi,
Fernando Guarnieri, Fernando Guzzi, Flavio Guzzi, Fredric Litto, Gus Morais, Gustavo
Diament, Hubert Alqueres, Hernani Dimantas, Jatir Eir, Jayme Diament, Joo Fonseca,
Joseane Silva, Julio Boaro, Key Farias, Leandro Benetti, Lo Prieto, Lia Lobo, Luiz
Arakaki, Lydia Guzzi, Marcelo Ribeiral, Marcelo Silveira, Maria Amlia Fernandes,
Mariella Diament, Mary, Maurcio Diament, Mauricio Kanno, Michele Damasco, Naira
Morgado, Neide Novaes, Neyde Bittencourt de Arajo, Nice Ribeiral, Renata Santos,
Ricardo Kobashi, Roberto Agune, Rogrio da Costa, Silvana Maieski, Silvia Fichman,
Soledad Duarte, Sonia Camargo, Sonia Claudino e a super Vernica Costa.
Agradeo ao meu orientador Rogrio da Costa, pelas aulas, indicaes de textos que
abordamos juntos e a participao no projeto 450, alm de sua afetividade, leveza e calma
na orientao de meu projeto de pesquisa.
Agradeo especialmente ao prof. Fredric M. Litto, que sempre me incentivou na
pesquisa sobre participao pblica e me abriu as portas e oportunidades para o mundo
digital.
Agradeo minha equipe do Lidec, pelo incentivo, garra e compreenso durante
todo este processo.
Agradeo a todos da Escola do Futuro da USP pela oportunidade do convvio e
aprendizagem.
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Agradeo a todos do Programa Acessa So Paulo, que fazem desta iniciativa, uma
diferena.
Agradeo minha famlia pela pacincia, fora e solidariedade.
Agradeo ao meu pai, que mesmo partindo de maneira to repentina, teceu
lentamente afeto e nobreza em minha vida.
Agradeo ao Gu, meu querido companheiro de tantas jornadas por ter me
acompanhado em mais uma aventura.
Agradeo minha me, por sua generosidade e acolhimento, atendendo minhas
solicitaes mesmo sendo s trs da manh para discutir a Ao Comunicativa de
Habermas...
Agradeo Dani Matielo que com muita bravura e ternura manteve o projeto Fala
So Paulo funcionando, mesmo nas mais difceis situaes.
Agradeo ao Julio Costa, por sua clareza, objetividade e dedicao.
Agradeo muito a ajuda decisiva de minha querida ngela Tijiwa, pela sintonia,
esforo, solidariedade, dedicao e afeto.
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Resumo
O termo participao pblica utilizado em programas, projetos e iniciativas de
governos de Estado democrticos.
O debate em torno do que seja a participao no novo, mas com o advento e a
propagao das tecnologias de comunicao, sobretudo a Internet, novas possibilidades
democrticas foram criadas, j que os mecanismos inaugurados tm a capacidade de mudar
a maneira pela qual as consultas opinio pblica, e conseqentemente a escuta a essas
consultas, podem ser tratadas.
Minhas investigaes partem da necessidade de se verificar como ocorre a
participao pblica na sociedade da informao, considerando-se em princpio a questo:
como e em que extenso as prticas democrticas so influenciadas pelo uso das novas
tecnologias de informao e comunicao? Para esclarecer alguns processos histricos que
desembocaram no fenmeno da globalizao, utilizei, como referncia, pensadores
como Manuel Castells, Antonio Negri e Michael Hardt, Gilles Deleuze, Flix Guattari e
Pierre Lvy, entre outros; profissionais da rea de mediao do construcionismo social,
alm de uma literatura recente sobre a teoria da formao de coletivos inteligentes das redes
de comunicao, abordada segundo aspectos dos conceitos sociais de Mark Granovetter e
Barry Wellman e tambm sob a tica do swarm intelligence (Kerckhove).
Atuando no campo da Incluso Digital, nos ltimos cinco anos, a partir de minha
experincia profissional, sobretudo por meio do trabalho que est sendo desenvolvido junto
ao Programa Acessa SP, do Governo do Estado de So Paulo, que decidi realizar esse
estudo. Nos processos de elaborao e implantao do Programa Acessa SP, variadas
experincias foram-se somando, dentre elas o Fala SP, um projeto de consulta ao pblico
que teve a durao de trs anos, tema escolhido para o estudo de caso desta dissertao.
Palavras-chave: Redes. Comunicao. Incluso Digital. Participao Pblica. E-
Democracia.
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Abstract
The term public participation is used in programs, projects and initiatives of
democratic State governments.
The debate around what is participation is not new, but with the advent and the
propagation of the communication technologies, especially Internet, new democratic
possibilities have been created, since the mechanisms are able to change the way by which
the public opinion consulting, and consequently listening to these consultations, can be
treated.
My inquiries come from the need of verifying how the public participation in
information society occurs, considering at first the question: how and in what extent is
democratic participation influenced by the use of new information and communication
technologies? To clarify some historical processes which led to globalization phenomenon,
I used, as reference, authors as Manuel Castells, Antonio Negri and Michael Hardt, Gilles
Deleuze, Flix Guattari and Pierre Lvy, among others; professionals who work in
mediation of the social constructionism, and also a recent literature on the theory of
formation of intelligent collectives of the communication networks, approached according
to aspects of the social concepts of Mark Granovetter and Barry Wellman and also under
swarm intelligence (Kerckhove).
Working in the field of Digital Inclusion in the last five years, it is from my
professional experience, especially through Program Acessa SP, of So Paulo State
Government, that I decided to carry this study through. In the processes of elaboration and
implantation of the Program Acessa SP, varied experiences had been adding, amongst them
Fala SP, a consulting project to the public which lasted three years, subject chosen for the
study of case of this dissertation.
Keywords: Networks. Communication. Digital Inclusion. Public Participation. E-
Democracy.
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Lista de Figuras
Figura 1: Continuum da Participao .................................................................................. 31
Figura 2: Voz e Voto ........................................................................................................... 63
Figura 3: Fluxo Operacional ................................................................................................ 87
Figura 4: Fala SP localizado no mapa de participao Voz/Voto ......................................109
Lista de Tabelas
Tabela 1: Ferramentas para o engajamento online em cada estgio do ciclo do
desenvolvimento de uma poltica: ....................................................................................... 59
Tabela 2: Modelo Ampliado de Engajamento Pblico ........................................................ 60
Tabela 3: Acesso Mundial s TICs .......................................................................................68
Tabela 4: Disparidades da distribuio de usurios de Internet no Mundo ......................... 69
Tabela 5: Classificao do contedo das mensagens do Fale Conosco do site do Fala So
Paulo: ..................................................................................................................................102
Tabela 6: Mtodo de Escolha e Opinio Pblica ...............................................................106
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Lista de Grficos
Grfico 1: Evoluo dos Cadastros Acessa SP................................................................ 82
Grfico 2: Evoluo dos Atendimentos Acessa SP .......................................................... 83
Grfico 3: Infogrfico de desenvolvimento do Projeto Fala So Paulo, predominantemente
em 2003................................................................................................................................ 89
Grfico 4: Enquete Sade .................................................................................................... 90
Grfico 5: Enquete Comportamento .................................................................................... 91
Grfico 6: Enquete Cultura e Lazer ..................................................................................... 92
Grfico 7: Infogrfico de desenvolvimento do Projeto Fala So Paulo, predominantemente
em 2004................................................................................................................................ 93
Grfico 8: Acesso a Servios do Governo ........................................................................... 94
Grfico 9: Cidadania ............................................................................................................ 94
Grfico 10: Entretenimento e Lazer..................................................................................... 95
Grfico 11: Infogrfico de desenvolvimento do Projeto Fala So Paulo, predominantemente
em 2005................................................................................................................................ 96
Grfico 12: Cultura e Lazer - Esporte.................................................................................. 96
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SUMRIO
INTRODUO ......................................................................................................................1
OBJETIVOS ...........................................................................................................................4
Objetivo Geral.....................................................................................................................4
Objetivos Especficos..........................................................................................................4
ABORDAGEM METODOLOGICA .....................................................................................5
CONTEXTO HISTRICO.....................................................................................................6
1 POSSIBILIDADES DEMOCRTICAS VIRTUAIS .......................................................10
1.1 Transformaes na Sociedade em Rede Aspectos Tericos..............................11
1.2 A comunidade antes e depois da Internet .............................................................12
1.3 Comunidade virtual e esfera pblica.....................................................................15
1.4 Noes de autonomia e auto-organizao nas comunidades vivas e a produo
molecular...........................................................................................................................20
1.5 Corpo coletivo o comum e a esfera pblica....................................................24
1.6 Ns na esfera pblica do ciberespao................................................................26
2 PARTICIPAO PBLICA E INCLUSO DIGITAL NA E-DEMOCRACIA............30
2.1 Desafios: como processar e como conduzir a participao pblica em processos
democrticos na era digital?..............................................................................................30
2.2 As TICs e os cenrios de uma nova democracia: a e-democracia ..............................33
2.2.1 As TICs e o complexo de contedos da rede.......................................................36
2.3 E-gov: o governo pode corresponder s expectativas pblicas?.................................38
2.3.1 A questo da escuta: opinio pblica e representao popular............................39
2.4 Abordagens de dilogos interativos para a boa governana .......................................43
2.4.1 Mediao de Conflitos e Perspectiva Geradora...................................................46
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2.5 Em que medida o e-gov est preparado para o engajamento pblico: algumas formas
de avaliao.......................................................................................................................49
2.5.1 Dois exemplos de processos de participao pblica ..........................................51
2.6 Processos da e-democracia e a Incluso Digital .........................................................65
2.6.1 Incluso Digital Conceito amplo ......................................................................65
2.6.2 Promessa Digital ..................................................................................................66
2.6.3 Contexto Ampliado alguns nmeros globais e regionais..................................67
2.6.4 Alguns nmeros Brasil.........................................................................................69
2.6.5 Programas de Incluso Digital e os Diferentes Setores da Sociedade.................70
3 O PROGRAMA DE INCLUSO DIGITAL ACESSA SP ESTUDO DE CASO FALA
SP.. ........................................................................................................................................72
3.1 Programa Acessa SP. Principais diretrizes e projetos do programa de incluso digital
do governo paulista ...........................................................................................................72
3.1.1. Dados atualizados do Acessa SP ........................................................................77
3.2 O Estudo de Caso Fala SP
Um canal de comunicao entre a populao e o
governo num programa de Incluso Digital......................................................................78
3.3 Dinmica de desenvolvimento do Projeto. Desenvolvimento do projeto ao longo do
tempo e as decises tomadas durante o percurso..............................................................88
3.4 Situao Final. Contexto no qual o projeto foi suspenso..........................................104
3.5 Analise e Concluses ................................................................................................105
3.5.1. Objetivos e tipos de opinio pblica.................................................................105
3.5.2. Tecnologias online para a participao.............................................................108
CONCLUSES E CONSIDERAES FINAIS...............................................................114
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................117
ANEXOS ..........................................................................................................................127
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INTRODUO
O poder da multido em criar relaes sociais em comum coloca-se entre a soberania e a anarquia,
com isto apresentando uma nova possibilidade de fazer poltica.
(Hardt e Negri)
O principal tema dessa dissertao a relao entre a participao pblica e o
contexto da sociedade em rede. A origem das indagaes que se apresentam ao longo dessa
dissertao de mestrado pode ser localizada por volta de 2000, quando comecei a participar
de um projeto de inteligncia coletiva, orientado por Pierre Lvy1. Nessa ocasio, as
respostas a essas indagaes foram se intensificando, na medida em que comecei a
trabalhar na Escola do Futuro da USP, mais precisamente no Programa de Incluso Digital
do Governo do Estado de So Paulo, o Acessa SP.
Naquele momento, minha ateno estava mais voltada para o entendimento da
populao que o programa que estava sendo implantado iria atender, para o desenho e a
implementao de processos e intervenes para o uso mais qualificado das TICs e para o
fomento da participao comunitria.
Nesse sentido, fui ao encontro do programa de ps-graduao de Comunicao e
Semitica da PUCSP, buscando a orientao do professor Rogrio da Costa, com o intuito
de desenvolver esta dissertao, por meio da investigao do modo como as prticas sociais
da sociedade em rede esto diagramadas, a exemplo das comunidades virtuais
conjuntamente ao desenvolvimento do contexto de governana eletrnica e a necessidade,
cada vez mais emergente, de iniciativas e acontecimentos participativos no
encaminhamento de solues de problemas que se apresentam no espao compartilhado.
Nessas condies, ao desenvolvermos nossa pesquisa, priorizamos, no Captulo 1,
Possibilidades Democrticas Virtuais, uma sntese de nossa investigao terica sobre
1O projeto era coordenado por Paolo Carpignano
M.A.
New School Univesity-NY. O trabalho se desenvolveu em torno de 5 eixos: Network Politics, Cybermedias, Institutional Politics, Global Politics and Identity Politcs e foi formado por 5 grupos internacionais oriundos de So Paulo, Nova York, Budapeste, Roma e Quebec. Pierre Lvy orientou todos os grupos e a dinmica do coletivo. The Collective Intelligence in the Cyberspace foi feito on-line.
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2
prticas sociais coletivas que s se tornaram possveis nas ltimas duas dcadas com o
surgimento da chamada sociedade da informao. Partindo-se do pressuposto de que as
novas tecnologias de informao e comunicao promovem uma nova perspectiva de
relaes sociais interligadas em redes de cooperao, tentamos responder a pergunta: por
que, devido s novas tecnologias de informao e comunicao, as sociedades passam por
transformaes capazes de tornarem as pessoas mais permeveis participao coletiva na
esfera pblica?
No Captulo 2, Participao Pblica e Incluso Digital na E-democracia, partimos
do pressuposto de que os requisitos como processar e como conduzir um processo de
participao pblica do incio ao fim so os principais desafios que se apresentam hoje para
aqueles que querem analisar as intervenes nos processos democrticos na era digital.
Assim, buscamos demonstrar, com o suporte de obras de vrios autores, bem como de
relatrios bem recentes de organizaes internacionais, como o das Naes Unidas e da
OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development, fundada em 1961),
inclusive com exemplos, at que nveis a participao pblica eletrnica
ou e-
participao podem ser medidos.
O Captulo 3, O Programa de Incluso Digital Acessa SP e o Estudo de Caso Fala
SP, foi dividido em duas partes. Primeiramente, descreveram-se os aspectos institucionais
do Programa Acessa SP, do qual vimos participando desde maro de 2001. O acesso
gratuito aos computadores conectados Internet alm de propiciar a obteno de
informaes sobre servios, troca de e-mails e outros servios que um programa como o
AcessaSP2 implica, podem criar mecanismos de participao, colocando em pauta agendas
para discusses, propostas encaminhadas aos governos, resultados finais e feedback.
No segundo momento, selecionamos o projeto Fala SP, enquetes semanais nas quais
a populao falava para o governo seus problemas e preferncias, para desenvolver um
estudo de caso, parte de nossa pesquisa de mestrado.
2 Acessa SP. Programa de Incluso Digital do Governo do Estado de SP. A experincia profissional desta pesquisadora junto ao Acessa-SP, no incio de sua implantao, vem a ser o ponto de partida para as proposies deste projeto
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3
Com este estudo, buscamos fazer as conexes de pontos que podem fazer avanar a
discusso do tema Incluso Digital na confluncia com a participao pblica, por meio de
modos de comunicao e envolvimento com a comunidade; fazer uma avaliao dos
caminhos percorridos e dos resultados obtidos em relao aos nveis de participao em
projetos pblicos e tomadas de deciso num contexto mundial.
O estudo, do modo como o realizamos, permite que ele seja de interesse no s para
aqueles que j se dedicam aos estudos ou ao gerenciamento de projetos relacionadas
incluso digital em geral, como tambm para os que desejarem aprofundar investigaes,
anlises ou estudos de participao pblica e os processos de engajamento online no
cenrio atual do Brasil em relao ao mundo todo, como o nosso caso.
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OBJETIVOS
Objetivo Geral
Investigar como ocorre a participao pblica na sociedade da informao,
considerando-se a questo: como e em que extenso as prticas democrticas so
influenciadas pelas novas tecnologias de informao e comunicao?
Objetivos Especficos
So trs os objetivos especficos:
1. Na hiptese de que as novas tecnologias de informao e comunicao,
principalmente a Internet, sejam capazes de ser usadas pela maioria das pessoas do mundo,
isso implicar que as prticas sociais sero mais democratizadas, que as discusses sero
mais aprofundadas e as decises polticas de um pas sejam influenciadas pelas
conversaes na rede?
2. Investigar se, do ponto de vista dos objetivos dos programas de incluso digital e
dos tipos de opinio pblica que se conhecem, alm das tecnologias online utilizadas para a
participao e os processos de gesto, pode-se dizer que houve incentivo participao
pblica como um canal de comunicao em duas vias entre governo e cidado.
3. Se j existem modelos de medio da participao pblica atravs de mecanismos
de consulta opinio pblica online - em pases como os Estados Unidos, Inglaterra, Itlia,
entre outros nos propusemos investigar qual o nvel de participao pblica que atingimos
com o programa de enquetes semanais Fala SP, que at fevereiro de 2006 encontrava-se no
Portal do Acessa SP, o qual selecionamos como estudo de caso para esta dissertao.
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ABORDAGEM METODOLOGICA
Para a realizao de nossas investigaes tericas desta dissertao de mestrado,
utilizamos basicamente de:
a) Pesquisa bibliogrfica em obras correspondentes de autores consagrados,
para a contextualizao da sociedade em rede e suas transformaes; em obras de
literatura mais recente, que nos deram suporte para o entendimento das novas relaes
possveis com o advento das novas tecnologias; e em teses de dissertao, artigos e
outras publicaes que relacionamos ao longo de nossa pesquisa.
b) Pesquisas em sites onde localizamos websites de governos e rgos
pblicos nacionais e internacionais, agncias de pesquisas, artigos e outras
publicaes teis ao nosso projeto.
c) Coleta de Informaes, documentos, relatrios e arquivos constituintes
do Programa de Incluso Digital Acessa SP, para descrev-lo, assim como para a
elaborao do estudo de caso que nos propusemos desenvolver.
No captulo 3, especificamente na descrio do projeto Fala SP, utilizamos para
analis-lo a metodologia estudo de caso, por consider-la adequada do ponto de vista da
explicao de processos que ocorrem ao longo de um determinado perodo de tempo. Nesse
sentido, as questes e as respostas servem de anlise para uma pesquisa j realizada que,
ainda que predominantemente descritiva, no priorizam freqncias ou incidncias em sua
durao.
Por esse motivo, consideramos procedente deixar a explicao desta metodologia de
estudo de caso no momento em que ela for se realizando, ou seja, no Captulo 3, nas
circunstncias em que se inserem nossas observaes junto experincia vivenciada no
Programa de Incluso Digital Acessa SP.
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CONTEXTO HISTRICO
Estamos vivendo o processo da mundializao, de implantao de uma nova forma
de comunicao baseada em uma rede digital de dados extremamente complexa e
descentralizada: a Internet. O conjunto das atividades que ocorrem na rede, ou em
decorrncia dela, apontam para formas cada vez mais importantes em relao atividade
econmica, interaes sociais, educacionais, culturais e polticas, enfim a era da sociedade
em rede que tambm vem sendo chamada de sociedade do conhecimento ou sociedade da
informao.
As sucessivas invenes nas tcnicas de comunicao e linguagem sempre
mantiveram estreitas ligaes com as formas de organizao econmica e poltica. O
nascimento da escrita est ligado aos primeiros Estados burocrticos de hierarquia
piramidal e s primeiras formas de administrao econmica centralizadas (impostos,
gesto de terras agrcolas etc). O surgimento do alfabeto na Grcia antiga contemporneo
ao aparecimento da moeda; nasce a democracia com a inveno do alfabeto, quando a
leitura torna-se acessvel maioria dos habitantes da polis. Redigida em caracteres
alfabticos a partir do sc VI a.C., a lei das cidades gregas torna-se legvel por todos, de
onde o surgimento do conceito e da prtica de cidadania (embora possamos sempre objetar
que a cidade grega exclua as mulheres, os metecos e os escravos). Nesse contexto,
tambm, ocorriam as conversaes que ligavam os membros da comunidade poltica nos
concretssimos dispositivos que eram as cidades na Antigidade. O gora, isto , o
mercado, o porto, os cruzamentos, o teatro, os lugares de reunio pblica em que oradores
mais ou menos entendidos na nascente cincia da retrica dirigiam aos seus concidados,
foram outros tantos dispositivos de comunicao que contribuam para a construo da
comunidade cvica e do exerccio da palavra pblica.
Mais adiante, com a prensa houve a possibilidade da difuso mais ampla de idias e
notcias, atravs de livros e de jornais impressos que foram formando a base da opinio
pblica, origem das democracias modernas. E, assim, sucessivamente, a fotografia, o
cinema, o telefone, a rdio e a televiso, o todo acompanhado pelo desenvolvimento da
instruo pblica e da facilidade de transportes deste dois ltimos sculos, corroboraram,
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em tese, para que o mundo inteiro se tornasse mais visvel, mais audvel, mais acessvel e
mais transparente. Mas, simultaneamente ao desenvolvimento do espao pblico, isto , de
um espao partilhado de visibilidade e comunicao coletiva, diz Lvy:
[...] definiu-se o seu complementar: a esfera privada, reservada, do indivduo e
da famlia. E, assim, podemos, de igual modo, falar de opacidade, [...] com o
segredo dos negcios, o de Estado, o militar-confidencial, o profissional, o de
alcova ou o de gabinete mdico se mantm lugares fechados, opacos, refratrios
comunicao. (LVY, 2002, p. 36).
Se, como vemos, o desenvolvimento das tecnologias tm o poder de provocar
profundas mudanas sociais, econmicas e polticas, nesses tempos de globalizao, cuja
maior inovao caracterizada por espao e tempo compartilhados simultaneamente em
redes de alta densidade de indivduos, certamente os desafios nas respostas ao
gerenciamento do espao pblico no so poucos.
Podemos dizer que hoje quase todos os grandes jornais, e tambm emissoras de
rdio e a televiso, noticiam na rede. Alguns meios de comunicao (webzines, webtv,
rdios online) s passam informaes pela rede, sem usar o canal impresso.
No contexto geral, os meios de comunicao interativos, as comunidades virtuais
sem territrio e a imensa possibilidade de expresso permitida pela Internet abrem um novo
espao para a comunicao transparente, tanto no nvel local quanto global, levando,
potencialmente, a profundas renovaes das condies da vida pblica no sentido de maior
liberdade e responsabilidade de um indivduo enquanto cidado.
provvel que o ciberespao seja um meio de explorao dos problemas, de
discusso pluralista, de evidncia de processos complexos, de tomada de deciso coletiva e
de avaliao dos resultados mais prximo das comunidades envolvidas.
Considerando os vrios mecanismos democrticos que podem ser implementados
atravs da Internet, o analista poltico Fishkin (2002), destaca duas perguntas bsicas: que
formas de opinio pblica esto sendo expressas e avaliadas e de quem a opinio? Em
suas anlises, destaca que a formulao dos processos democrticos atuais vem enfrentado
uma escolha constante e repetitiva entre dois tipos de instituies. Por um lado as que
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expressam o que a opinio pblica de fato pensa na hora de votar, considerando que essa
opinio pblica possa estar sujeita a condies desfavorveis de reflexo sobre as questes.
Por outro lado, existem instituies que expressam uma opinio pblica mais ponderada,
aquilo que uma opinio pblica pensaria sobre uma questo se estivesse mais bem
informada. A dificuldade escolher entre, por um lado, uma opinio pblica debilitada,
mas real, e por outro, uma opinio ponderada, mas projetada. A sada, talvez, para Fishkin,
seria a criao de uma opinio pblica mais engajada e atenta e que ao mesmo tempo fosse
compartilhada pelo pblico como um todo.
Neste contexto, a Internet mostra-se como um importante lugar , uma arena
conversacional, no qual o espao se desdobra e novas discusses polticas podem seguir o
seu curso, como ressalta Maia (2002, p. 47) A Internet reduz os custos da participao
poltica e pode proporcionar um meio de interao, atravs do qual o pblico e os polticos
podem trocar informaes, consultar e debater, de maneira direta, contextualizada, rpida e
sem obstculos burocrticos .
No toa que o mundo gere expectativas em relao a esse meio privilegiado de
discusso, se considerarmos todo o potencial das novas tecnologias de informao e
comunicao como instrumentos de fortalecimento dos processos democrticos. Contudo,
se associarmos necessariamente tais recursos propiciados pela Internet revitalizao das
prticas e instituies democrticas podemos ser levados a grandes equvocos. Entre outros
motivos, so necessrias no apenas estruturas comunicacionais eficientes e instituies
propcias para a participao, mas tambm devem estar presentes o desejo, a motivao, o
interesse e a disponibilidade dos governos e dos cidados para se engajarem no debate. A
participao poltica na rede depende mais de motivao do que de liberdade.
Nesse sentido, preciso entender um pouco de uma lgica coletiva, dos
comportamentos de grupos para tambm poder interagir de forma a potencializar a ao
desses grupos. Essa discusso no deixa de envolver aspectos que hoje mobilizam os
tericos do ciberespao como, por exemplo, o problema da captao da ateno dos
usurios em rede, a tcnica de sugestes dos chamados agentes inteligentes ou das
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comunidades virtuais, o problema da deciso e da escolha, e os riscos que isso muitas vezes
implica. So negociaes de preferncias individuais e a sua posio no coletivo.
O desenvolvimento de uma e-democracia no ciberespao nos fornece a ocasio para
experimentarmos novos modos de organizao e de regulao no espao pblico exaltando
a singularidade e a multiplicidade. Em que condies se pode justificar dizermos ns ? E
o que esse ns pode enunciar legitimamente enquanto coletivo, sem usurpao ou
reduo do singular no espao comum? O que se perde ao dizer ns ?
No obstante o potencial da Internet para a expanso de fruns de conversaes,
vemos emergir inevitavelmente o problema do acesso s tecnologias da comunicao.
Wilhelm (2000) busca evidenciar naquilo que chama de modo centro-periferia de acesso e
uso tecnolgico, as barreiras digitais tendem a reforar os eixos da excluso
socioeconmicos e culturais quando as instituies polticas decidem utilizar as novas
tecnologias para implementar as polticas pblicas. As instncias de aparato estatal-
administrativo, nas iniciativas que visam democratizar os processos de tomada de deciso
(voto eletrnico, atividades de lobby e campanha via e-mails) ou prestar servios pblicos
baseados na escolha dos cidados, atravs da Internet, acabam paradoxalmente, reforando
assimetrias socioculturais e ampliando as excluses, num mecanismo retroalimentador.
No final dos anos 90, surgem, nesse contexto, os primeiros programas de incluso
digital nos Estados Unidos e no Canad, que vo se irradiando para o restante do mundo, a
partir de vrias definies, que sintetizamos como sendo uma denominao dada,
genericamente, aos esforos de fazer com que as populaes das sociedades
contemporneas, cujas estruturas e funcionamento esto sendo significativamente alteradas,
possam obter condies necessrias para o acesso facilitado ao mundo digital, tanto no
mbito tcnico/fsico quanto aos contedos, gerao de conhecimento, participao em
comunidades virtuais e em rede.
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1 POSSIBILIDADES DEMOCRTICAS VIRTUAIS
Este captulo pretende apresentar um resumo de nossa investigao terica sobre
prticas sociais coletivas que s se tornaram possveis nas ltimas duas dcadas com a
emergncia da chamada sociedade da informao. Partindo-se do pressuposto de que as
novas tecnologias de informao e comunicao promovem uma nova perspectiva de
relaes sociais interligadas em redes de cooperao, vamos tentar responder pergunta:
por que, devido s novas tecnologias de informao e comunicao, as sociedades passam
por transformaes capazes de tornarem as pessoas mais permeveis participao coletiva
na esfera pblica?
Para caminhar nessa direo, consideramos importante esclarecer de antemo
algumas referncias que nortearam a realizao deste Captulo inicial:
a) Inicialmente tomamos como base uma anlise contextual realizada pelo cientista
social Manuel Castells, na qual discorre sobre o surgimento da era da informao e da
revoluo tecnolgica na comunicao. Nesse sentido, a sociedade em rede, devido a sua
penetrabilidade em todas as esferas da atividade humana, o ponto inicial de uma
metodologia deste autor que, como ele afirma, pretende analisar a complexidade de uma
nova economia, sociedade e cultura em formao, principalmente desde a ltima dcada do
sculo XX.
b) Ao longo do percurso, foram consultados vrios autores contemporneos, que
nos propiciaram investigar noes da formao da sociedade contempornea antes e depois
da Internet, de modo a que pudssemos investigar como surgiram grupos e comunidades no
espao virtual. Consideramos bastante oportuno realizar tambm uma busca em revistas
especializadas, revistas eletrnicas e diversos sites, a fim de acompanhar o debate de uma
literatura bem recente, sendo que nos quais descobrimos textos que permitiram que
diagramssemos esse estudo na rea de semitica e comunicao, por meio de interseces
de algumas das condies de emergncia e/ou disseminao de novas prticas de produo
coletiva nesse novo espao que se baseia numa geografia bem diversa dos territrios fixos.
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c) importante salientar que as selees tericas e explicaes presentes neste
captulo estaro sempre nos direcionando para o tema central de nossa dissertao que
consiste na participao pblica e no estudo de caso selecionado na experincia de incluso
digital no programa Acessa SP, o Fala SP, como sero abordados nos captulos seguintes.
1.1 Transformaes na Sociedade em Rede Aspectos Tericos
O pensador da era da informao, Castells (1999) afirma que a revoluo
concentrada nas tecnologias da informao foi remodelando a base material da sociedade:
a economia das naes passou a manter rapidamente interdependncia global, desenhando
uma nova forma de relao entre a economia, o Estado e a sociedade . Fundamentalmente,
a flexibilidade no gerenciamento de produo dos sistemas aumentou, devido
descentralizao e organizao de produo, e, ao mesmo tempo, houve individualizao
e diversificao cada vez maior das relaes de trabalho, entre muitos outros fatores
positivos que o autor enumera em seu livro. O processo de trabalho, uma das
transformaes mais positivas consideradas pelo autor, e que est relacionado com a
transformao do mercado de trabalho ativo e das relaes produtivas na rede, situa-se no
cerne da estrutura social contempornea. Tratando-se do impacto especfico das tecnologias
nesse campo, sua viso de que o tipo de rede de visualizao mais fcil para representar o
espao de fluxos a rede constituda pelos sistemas de processos decisrios da economia
global . E, nesse caso, explicita, desenha-se a cidade global enquanto um processo em
vez de um lugar definido.Acolhemos o conceito Castells de que o espao a expresso da
sociedade. Baseados nessa afirmao, as sociedades, ao verem inauguradas novas formas e
processos espaciais, s possveis graas s revolucionrias tecnologias de informao e
comunicao, se transformaram estruturalmente. Para ele, entender a lgica de tais
transformaes no uma tarefa fcil,
[...] porque o conhecimento, aparentemente simples, de uma relao significativa
entre sociedade e espao esconde uma complexidade fundamental, uma vez que
o espao no reflexo da sociedade, sua expresso. Em outras palavras: o
espao no uma fotocpia da sociedade, a sociedade. As formas e os
processos espaciais so constitudos pela dinmica de toda a estrutura social. H
incluso de tendncias contraditrias derivadas de conflitos e estratgias entre
atores sociais que representam interesses e valores opostos. Ademais, os
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processos sociais exercem influncia no espao, atuando no ambiente
construdo, herdado das estruturas socioespaciais anteriores. Na verdade, espao
tempo cristalizado. (CASTELLS, 1999, p. 435).
Para este socilogo, se, do ponto de vista da fsica, o espao no pode ser definido
fora da dinmica da matria, em teoria social, espao no pode ser definido sem referncia
s prticas sociais, as quais envolvem produtos que, por sua vez, envolvem relaes sociais
e histricas que do ao espao uma forma, uma funo e um sentido social. Castells
prossegue sua anlise afirmando que, do ponto de vista da teoria social, o espao o
suporte material de prticas sociais de tempo compartilhado. Por prticas sociais de tempo
compartilhado, o autor faz referncia ao fato de o espao reunir essas prticas que so
simultneas no tempo. Para ele, essencial a separao do conceito bsico de suporte
material de prticas simultneas da noo tradicional de contigidade. S assim possvel a
existncia de suportes materiais de simultaneidade que no dependam de contigidade
fsica, visto que este o caso das prticas sociais predominantes na era da
informao.Assim, com o advento do novo espao como meio de comunicao
privilegiado, o ciberespao, como mais conhecido pelos internautas desde os anos 90 do
sculo XX, a rede informatizada surge sob a forma de associaes complexas de
informaes, que considerada por muitos agentes como uma espcie de agenda social
comum, onde um grande nmero de dados informatizados pode ser disponibilizado e, com
isso, democratizado. Esse espao novo, no concreto, mas igualmente real e virtual,
podemos dizer que reconfigura os modos de relao entre as pessoas em comunidade e,
com isso, a prpria estrutura de poder centralizado. A facilidade e a velocidade do uso e da
troca de informaes pela Internet passa a ter um papel central na nova sociedade, tanto em
termos de circulao de capital quanto de formao de novos diagramas sociais e culturais,
novas subjetividades e, com isso, novas concepes de comunidades que passam a ser, ao
mesmo tempo, reais e virtuais.
1.2 A comunidade antes e depois da Internet
Como vimos at agora, no ambiente do ciberespao, cuja caracterstica mais visvel
a comunicao em redes de alta densidade, os indivduos podem se conectar com outros e
tambm viver em comunidade. Pode no ser a mesma comunidade de outrora, concreta,
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caracterizada num primeiro momento pela relao de parentesco e depois pela noo de
aproximao ou vizinhana, mas igualmente real. Nesse sentido, tambm, muitos tericos
do fenmeno da globalizao estudam hoje o fenmeno da transmutao do sentido do
termo comunidade para redes sociais, ou seja, pode-se dizer que se dedicam a investigar as
noes de comunidade antes e depois da Internet, em relao a sua participao na esfera
pblica. Entretanto, antes de enveredar por esse caminho e trabalhar algumas dessas
noes, gostaramos de fazer um breve parntese para lembrar que este tambm o caso da
Escola do Futuro da USP, da qual esta investigadora faz parte, por consider-las parte
essencial dos trabalhos desenvolvidos desde o incio do programa de incluso digital
ACESSA SP, do Governo do Estado de So Paulo, motivo pelo qual houve a possibilidade
de desenvolvimento desta dissertao.Do mesmo modo, preciso esclarecer ainda que, em
relao a este momento de nossa dissertao, nos baseamos fundamentalmente em textos e
ensinamentos de nosso orientador professor Rogrio da Costa, e de seu estudos na rea de
sistemas de Informao e Inteligncia Coletiva, como um texto de 2005, disponvel na
internet.Neste texto, Costa nos relata que o socilogo e analista dos fenmenos da
globalizao Zygmunt Bauman, em 2003, no livro Comunidade: a busca por segurana no
mundo atual, ao analisar os fenmenos da globalizao, afirma que
[...] a comunidade implica uma "obrigao fraterna de partilhar as vantagens
entre seus membros, independente do talento ou importncia deles", indivduos
egostas, que percebem o mundo pela tica do mrito (os cosmopolitas), no
teriam nada a "ganhar com a bem-tecida rede de obrigaes comunitrias, e
muito que perder se forem capturados por ela" (BAUMAN, 2003, p. 59 apud
COSTA, 2005).
Para este autor, comunidade e liberdade seriam conceitos que estariam em conflito,
pois o sentido de comunidade tecido de compromissos de longo prazo, de direitos
inalienveis e obrigaes inabalveis:
[...] e os compromissos que tornariam tica a comunidade seriam do tipo do
'compartilhamento fraterno , reafirmando o direito de todos a um seguro
comunitrio contra os erros e desventuras que so os riscos inseparveis da vida
individual. (BAUMAN, 2003, p. 57 apud COSTA, 2005).
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J os pesquisadores Barry Wellman & Stephen Berkowitz, tendo como ponto de
partida o fato de nos encontrarmos associados em rede, realizam uma anlise mais
complexa, dando outro sentido ao conceito de comunidade:
Enquanto a maioria das pessoas sabe que elas prprias possuem laos
comunitrios abundantes e teis, elas com freqncia acreditam que muitas
outras no os tm. Como evidncia, invocam imagens comuns de massas de
indivduos se empurrando e se acotovelando no caminho em ruas abarrotadas,
pessoas solitrias sentadas diante da televiso, hordas caminhando nas ruas em
manifestaes ou fileiras de empregados diante de suas mquinas ou
computadores. (WELLMAN; BERKOWITZ, 1988, p. 123)
Ou seja, os autores caminham na direo de se pensar as relaes de comunidade na
rede mais como comunidades pessoais e, a esse respeito, Rogrio da Costa comenta:
Isto significa que cada um de ns possui uma viso clara da rede de
relacionamentos qual pertence, mas no possvel perceber facilmente a rede
qual os outros pertencem. Isso inclui no apenas aqueles que no conhecemos,
mas tambm os que fazem parte de nossas relaes. Pessoas que conhecemos e
com quem temos laos fracos, como afirma Granovetter (1974), possuem muito
provavelmente laos fortes com uma rede outra que desconhecemos (COSTA,
2005, p. 4).
Se vrios socilogos urbanos ainda dizem que o tamanho, a densidade e
heterogeneidade das cidades contemporneas tm alimentado laos superficiais,
transitrios, especializados e desconectados nas vizinhanas e ruas, Wellman e Berkowitz
(1988) afirmam que vrias anlises sofrem de uma "sndrome pastoral", que compara
nostalgicamente as comunidades contemporneas com os supostos velhos bons tempos.
Desse ponto de vista sociolgico, prticas sociais de cooperao na rede, discusses
de contedos especializados ou debates polticos pblicos, no poderiam subsistir e ser
desenvolvidos. Constatamos em nossa experincia nos infocentros comunitrios do
ACESSA SP, como vamos exemplificar mais adiante no Captulo III, os laos interpessoais
nas relaes conectadas, no apenas em termos numricos, crescem e tm o poder de se
desenvolver em termos de efetiva participao extensa e integrada com sua prpria
comunidade de origem.
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As novas tcnicas de coleta de dados e informaes, a facilidade de comunicao e
os mecanismos de seleo da opinio pblica, baseada em regies, temas afins e tantas
outras dimenses podem fazer diminuir consideravelmente a distncia entre localidades que
muitas vezes no possuem comunidade de suporte, redes sociais ou laos de parentesco
consistentes com a novas comunidades emergentes de cooperao.
Alm disso, como nos indica Costa:
Analisando-se sociedades de pases em desenvolvimento ou subdesenvolvidos,
constata-se que muitas localidades no possuem comunidades de suporte, redes
sociais ou laos de parentesco consistentes. Para Wellman & Berkowitz (1988),
esses estudos mostram que as relaes dentro dessas sociedades pr-industriais
so em geral hierrquicas, com laos de explorao especializados, com uma
profunda diviso separando faces . Alm disso, historiadores tm
sistematicamente usado fontes demogrficas e de arquivo para demonstrar que
muitas comunidades pr-revoluo industrial eram menos solidrias do que se
pensava. (COSTA, 2005, p.125).
Com essas consideraes, buscamos indicar principalmente aquilo que muitos
tericos das redes sociais vm apontando: a emergncia de uma mudana no modo de se
compreender o conceito de comunidade nas ltimas dcadas, ou perodo ps-industrial,
devido complexidade das novas relaes interpessoais, dentre elas as relaes na
comunidade virtual, cuja realidade tornou-se possvel graas Internet. .
1.3 Comunidade virtual e esfera pblica
A comunidade virtual, cujo termo foi cunhado por Howard Rheingold em 1993, no
livro The Community Virtual3 comporta um deslocamento do centro da comunidade como a
conhecamos, exatamente por causa do despreendimento do aqui e agora. Palavras-chave
para a comunidade virtual, segundo este autor, so: interativo , convergncia ,
ciberespao e futuro digital . Desse modo, ele afirma ser possvel aplicar-se a mesma
3 Este livro foi traduzido em lngua portuguesa em 1996, sob o ttulo de A Comunidade Virtual. Nossas referncias seguem esta edio.
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estratgia de fornecimento e utilizao de informao atravs da rede a um domnio infinito
de campos de aplicao, desde a crtica literria at a avaliao de softwares.
uma forma extraordinria de um grupo suficientemente grande e diversificado de
indivduos multiplicar inclusive o grau individual de conhecimento, conforme suas
palavras:
[...] penso que tal pode ser conseguido mesmo que os indivduos no estejam
envolvidos noutras comunidades para alm do local de emprego ou na rea da
especialidade, mas creio que a coisa resulta melhor quando o modelo conceitual
das prprias atividades da comunidade inclui uma quantidade saudvel de
esprito construtivo, a par do esprito prtico. (RHEINGOLD, 1996, p 52.)
As comunidades virtuais transformariam a Internet em um meio de comunicao de
todos os meios de comunicao, cujas mensagens seriam novas formas de vida comunitria
geradas pelos valores comuns construdos atravs da troca de conhecimentos, o que faria da
Internet uma mdia viva Desde 1993, quando Rheingold apresentou seu conceito de
comunidades virtuais, para caracterizar as comunidades em rede construdas atravs do
ciberespao, um grande debate teve incio em torno do tipo de realidade que estas
comunidades teriam ns sociedade contempornea e no tipo de contribuio que elas trariam
para o desenvolvimento da democracia.De acordo com essa nova orientao que implica a
mudana do conceito tradicional de virtual, tanto no nvel do conhecimento, da linguagem e
da comunicao quanto no nvel da presena fsica concreta, o deslocamento do tipo de
pensamento e comportamento linear e universal, at ento predominante no ocidente, bem
mais intenso, passando a se organizar sob a forma de associaes mais complexas,
considerando-se a multiplicidade de relaes possveis de serem criadas no ciberespao ou
reconfiguradas em espaos conhecidos.Nessa linha de raciocnio, um texto da pesquisadora
de redes sociais Raquel Recuero, disponvel na Internet, afirma que:
Alm disso, um dos grandes problemas da aplicao do conceito de comunidade
ao ciberespao, para a definio da comunidade virtual, foi logo apontado por
diversos pesquisadores: a ausncia de uma base territorial, at ento um dos
sustentculos da idia de comunidade desenvolvida pela sociologia clssica.
Com base nisso, comunidade virtual foi definida como uma comunidade sem um
locus especfico, com uma ausncia de territorialidade . Alguns autores, como
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Fernback e Thompson, utilizam em sua definio essa ausncia do elemento
territrio. No entanto, a prpria Fernback reconhece em trabalho posterior
(1999:36) a importncia do espao, citando Jones (1995) e dizendo que o
conceito de comunidade virtual deve englobar tanto o social quanto o espacial.
Outros, como Rheingold, utilizam o ciberespao como o espao onde as relaes
que formam a comunidade desenrolam-se, mas num espao comunicativo.
(RECUERO, 2000, p. 45).
Mas afinal, pergunta Recuero, no existiria um locus, ou um territrio simblico,
ao qual a comunidade virtual esteja associada? Vamos tentar responder essa pergunta,
guiando-nos por um percurso apresentado em uma das noes de desterritorializao dos
pensadores franceses Gilles Deleuze e Flix Guattari4. Ainda que tais noes contidas nas
obras desses autores sejam anteriores ao advento da Internet, consideramos que sejam
bastante teis e atuais para acompanhar as respostas dadas, ao mesmo tempo, para as
questes: quem pode ser considerado um participante de uma comunidade virtual e em que
lugar ou espao ele se encontra no mundo, em relao ao espao pblico, como veremos
mais adiante. Nesse sentido, Guattari afirma:
O ser humano contemporneo fundamentalmente desterritorializado. Com isso
quero dizer que seus territrios etolgicos originrios
corpo, cl, aldeia, culto,
corporao...
no esto mais dispostos em um ponto preciso da terra, mas se
incrustam, no essencial, em universos incorporais. A subjetividade entrou no
reino de um nomadismo generalizado. (GUATTARI, 2000, p. 169).
Ou seja, no seio dos espaos padronizados, tudo se tornou intercambivel,
equivalente: h turistas, por exemplo, que fazem viagens quase imveis,
[...] sendo depositados nos mesmos tipos de cabines de avio, de pullmann, de
quartos de hotel e vendo desfilar diante de seus olhos paisagens que j
encontraram cem vezes em suas telas de televiso, ou em prospectos tursticos.
Assim a subjetividade se encontra ameaada de paralisia. (GUATTARI, 2000, p.
169).
4 O conceito de desterritorializao foi apresentado pela primeira vez, na obra Anti-dipo. Gilles Deleuze e Flix Guattari retornaram a esse conceito, sob outras formas de explicao, em obras posteriores escritas em co-autoria ou individualmente.
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O que podemos observar em termos de territorialidade de um indivduo e
conseqentemente sua desterritorializao que o espao e o corpo, quando considerados
por categorias
turista ou morador e membro de uma comunidade
ou por disciplinas
a
arquitetura e a medicina, por exemplo
so apresentados a partir de categorias distintas,
autnomas, como o prprio Guattari afirma, e ao mesmo tempo pr-codificadas. Desse
ponto de vista, de um modo bem diferente que as prticas sociais coletivas podem ser
realizadas pela relao de um indivduo com um computador inteligado rede, tendo diante
de si mais possibilidade e capacidade de criar relaes de proximidade e de se comunicar
com o mundo. Um indivduo pode estar em mais de um lugar simultaneamente; pode ser
um turista sem estar longe de sua ptria e vice-versa; pode ser um usurio da rede e ao
mesmo tempo artista e tecnlogo.O exemplo de Guattari do turista longe de sua ptria, mas
estando no mesmo lugar, ou seja, sedentarizado, diz respeito a uma outra questo que
introduzimos nesse momento que a da construo da subjetividade. At que ponto a
tecnologia com sua redistribuio de espao, conhecimento, arte e arquitetura visuais no
esto mudando no apenas as experincias de espao, mas transformando tambm o modo
de conceb-lo?Do mesmo modo como os termos grupos, organizaes e instituies at
bem pouco tempo nos remetiam a formas de representao com funes hierarquizadas,
podemos dizer que a disposio atual de grupos e instituies nos termos de redes da
Internet, nos remete a um modo de comunicao entre indivduos de maneira bem mais
descentralizada em relao ao poder.A Internet possui algumas caractersticas que a tornam
nica como um meio de comunicao e informao. Ela funciona num sistema fundado em
redes vivas de comunicao que no possui, em princpio, limites ou barreiras. Ocupar esse
espao privilegiado para discusses, em tese, tem como ponto fundamental o que podemos
chamar de uma crtica s noes de representao, principalmente em termos da
democracia como concebida na esfera macropoltica, ganhando contornos de efetiva
participao interativa. Trata-se da possibilidade de um exerccio democrtico e de
cidadania, num espao no mais virtual, no sentido potencial, mas real, no sentido de estar
sendo produzido no ato.
Se as novas tecnologias de informao e comunicao constituem o meio para que
essa nova forma de atuao seja possvel, a questo das inter-relaes entre os indivduos e
a criao de redes sociais informatizadas teria sua fora devido participao e a interao
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dos sujeitos que as integram. Assim, o sentido inovador de uma rede estabelecido quando
h um modo criativo de manter as conversaes, usar as informaes e dar incio e
continuidade s chamadas discusses na rede. Para esclarecer melhor essa argumentao,
vamos nos servir de um trecho de um artigo de Costa, disponvel na Internet:
Mais profundamente, o que se observa que tanto a natureza dos novos suportes
de comunicao como as exigncias da vida econmica reclamam por uma nova
concepo do saber. O que acontece hoje que o cotidiano das inovaes
tecnolgicas acaba conduzindo a uma perspectiva na qual os conhecimentos so
cada vez mais singulares e pertinentes a este ou quele contexto. Os percursos e
perfis de conhecimentos e competncias adquiridos por uma pessoa so todos
singulares e podem cada vez menos se restringir programas ou cursos vlidos
para todos. Hoje, habitam-se espaos de conhecimentos abertos, contnuos e
no-lineares, que se reorganizam segundo o contexto de cada um. A pesquisa,
por seu lado, torna-se cada vez mais transdisciplinar, desafiando toda a
organizao hierrquica das disciplinas conhecidas. (COSTA, 2005, p. 9 )
Entendemos ento que, a partir de uma nova composio de relaes de saber ou de
foras em relao s antigas relaes sociais institudas, puderam se abrir para novas
formas de conhecimento, de percepo, de afetos, de polticas, enfim, de redes inteiramente
permeveis, capazes de fazer inaugurar novas composies, formar uma, duas ou mais
redes, que por sua vez podem se rizomatizar em outras redes mais, nas quais um mesmo
sujeito pode intervir em diferentes esferas sociais.
Essa mudana de hbitos na comunicao mudou uma nova maneira de se viver em
comunidade por meio do que Wellman e Berkowiktz denominam de laos sociais. A esse
respeito, afirmam:
Redefinindo o problema em termos estruturais, pesquisadores tm sido capazes
de demonstrar que os medos da antiga gerao de socilogos sobre a perda da
comunidade foi, se no simplesmente incorreto, ao menos incompleto. A
comunidade, argumentam os analistas estruturais, raramente desaparecem das
sociedades urbanas industriais. Ela foi transformada: novas formas de
comunidade surgiram no lugar das antigas formas. Elas podem ser vistas se os
analistas focam nos laos sociais e nos sistemas informais de troca de recursos,
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ao invs de focar nas pessoas vivendo em vizinhanas e pequenas cidades.
(WELLMAN; BERKOWIKTZ, 1988, MIMEO)
Em suma, o aumento das interconexes, da complexidade e da mudana de
linguagem digital pode acarretar a mudana dos prprios indivduos pela necessidade de se
comunicar. Trata-se no somente de se mostrar, mas tambm de mudar sua forma de
apresentao em comunidade, em funo das evolues que ocorrem no prprio grupo ao
qual se sinta pertencente por motivaes ou ligaes afetivas. Como diz Lvy: os grupos e
as pessoas possuem cada vez mais um corpo informacional constitudo por suas
preferncias: websites, agentes de software e pelo conjunto de informaes e mensagens a
ele referenciadas que circulam no ciberespao . (LEVY, 2002, p. 370).
1.4 Noes de autonomia e auto-organizao nas comunidades vivas e a produo molecular
Quando nos sentimos pertencentes a um grupo? Como avaliar o desenvolvimento
qualitativo de produes nas comunidades virtuais? Quais seriam os requisitos para uma
comunidade ser considerada convidativa nossa participao, despeito das tecnologias
visuais desenvolvidas? O que so comunidades vivas?
Para responder num nvel introdutrio a essas perguntas, nos servimos de uma
composio terica de duas obras: A rvore do Conhecimento, de Maturana e Varella e
Emergncia, de Steven Johnson. Esses autores utilizaram comparaes, que poderamos
chamar de didticas, para conceituar os sistemas de autonomia e autoproduo em
coletividade, baseados na lgica dos seres vivos. Faremos ento a seguir uma sntese de
suas principais proposies.
Johnson, pensador do ciberespao e conhecido como o pensador da emergncia
nos explica:
Imagine poder acompanhar conceitualmente um instantneo de vida em
movimento daqui a dois ou trs anos
um movimento de escala em escala,
como no fabuloso filme de Charles e Ray Earnes, Powers of Tea, que comea
com uma vista da Via Lctea e dali faz um zoom at uma pessoa em um parque
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de Chicago e depois prossegue at as partculas subatmicas na mo do
personagem.
S que em nosso longo zoom encontramos, em cada escala, o mesmo
comportamento repetindo-se inmeras vezes. Comecemos na escala da prpria
cidade, suas comunidades pulsando e prosperando como fazem h sculos,
enviando sinais para o mundo e atraindo seres humanos para dentro delas, como
enormes ims globais. O fluxo de pessoas na cidade agora regulado por uma
inteligente rede de trfego, que evolui e aprende em resposta aos padres do
movimento de automveis Voc e eu vivemos em um desses imensos sistemas,
contribuindo para seus contnuo desenvolvimento [...] e como parte de nossa
vida na cidade, nos entretemos simulando, em um jogo na tela de nosso
computador, a energia auto-organizvel da vida urbana, construindo
comunidades virtuais juntamente com milhares de outros jogadores ligados em
rede no mundo todo. Na escala da cidade e na escala da tela, nossas vidas
englobam os poderes da emergncia (JOHNSON, 2002, p. 173-174).
De acordo com uma lgica prpria, o autor faz uma srie de perguntas, antes de
tecer suas concluses relativas questo da auto-organizao das redes de computadores,
nos sistemas emergentes:
Pode essa cadeia [a emergncia] se estender em novas direes, tanto na escala
atmica da informao digital, quanto na macroescala dos movimentos
coletivos? Ser que os novos movimentos polticos vo se modelar
explicitamente a partir da inteligncia distribuda da colnia de formigas ou da
comunidade da cidade? Ser que existe um estgio na rede em desenvolvimento
da emergncia que nos leve, para alm dos leitores da mentes, para algo ainda
mais parecido com a vida? (JOHNSON, 2002).
Para este autor, certamente o mundo nunca esteve to bem preparado para que esses
desenvolvimentos se tornem realidade. Ele acredita que j existem muitas tentativas para se
entrar na que denomina a quarta fase da emergncia, ou seja, num sistema que funcione
como o de uma colnia de formigas africanas, que no tem centro de poder, a base
piramidal muito ampla e h uma lgica imanente ou inteligente de auto-organizao
prpria das formigas obreiras. Nesse caso, fazendo uma analogia pirmide tradicional do
poder e das classes sociais, constatamos que h uma inverso: o formigueiro todo ganha
visibilidade e no apenas um comandante ou uma cpula de elite no caso a formiga rainha
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que comande um processo de produo coletiva. Analogamente, este seria o sentido do
sistema de auto-organizao das comunidades virtuais de um futuro prximo.
Podemos dizer que a noo de autopoiese, que quer dizer autoproduo, caminha
paralelamente a esse tipo de pensamento de auto-organizao da vida coletiva, fundado a
partir de um ponto de vista da lgica complexa do sistema dos seres vivos.
A noo de autopoiese tornou-se conhecida na literatura internacional, em 1974, a
partir da obra A rvore do Conhecimento, de Maturana e Varela. De acordo com o sentido
expresso no livro, o termo define os seres vivos como sistemas que produzem
continuamente a si mesmos. Esses sistemas so autopoiticos por definio, porque
recompem continuamente seus componentes desgastados. So seres de produes
moleculares, onde h uma circularidade, onde as molculas reproduzem a mesma rede que
as produziram.
Assim, um sistema autopoitico ao mesmo tempo produtor e produto. Maturana
afirma que o termo traduz o que ele chamou de centro da dinmica constitutiva dos seres
vivos . Para exerc-lo, eles precisam recorrer a recursos do meio ambiente e so, por isso,
ao mesmo tempo autnomos e dependentes. Entretanto, no se est tratando aqui de um
paradoxo? Autonomia x dependncia?
Segundo Maturana, essa condio paradoxal s pode ser entendida pela lgica da
complexidade dos seres vivos, que no pode ser compreendida dentro da lgica do
pensamento linear, no qual tudo se reduz binariedade do sim/no ou do ou/ou. Em outras
palavras: funciona-se por composio de relaes e no por partes separadas ou excludentes
e h um empenho coletivo pela busca das relaes dinmicas entre essas partes5. essa
condio que confere a cada sistema vivo uma percepo do mundo que lhe peculiar. No
5 Esta dualidade indivduo-coletivo est explcita tambm na obra Mil Plats, mais especificamente no captulo Micropoltica e segmentaridade . Gilles Deleuze e Flix Guattari (1996) afirmam que o homem um animal segmentrio e definem trs figuras de segmentaridade que organizam o espao vivido e a sociedade: a segmentaridade binria, que opera a partir de grandes oposies duais; a segmentaridade circular, que delineia crculos progressivos; a segmentaridade linear, que traa linhas retas, onde os segmentos representam episdios que se sucedem. importante destacar que as trs figuras no se excluem, mas, ao contrrio, coexistem, entrecruzam-se, remetem umas s outras e transformam-se umas nas outras. nesse sentido que um mesmo indivduo pode se constituir em mltiplos indivduos, dependendo de cada segmento que o componha.
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pode haver dados externos vlidos ou verdades absolutas, dado que estmulos externos
determinam reaes diferentes em estruturas diferentes. Do mesmo modo, a realidade
percebida de modos distintos por observadores distintos.
Com essa ordem de idias, analogamente, os objetivos de cada participante da rede
ou observador virtual podem ser diferentes, mas podem confluir para uma mesma produo
comum. Esses seriam basicamente os sustentculos para uma comunidade virtual em ambos
os casos descritos.
Embora Johnson advirta que, mesmo os mais otimistas defensores da auto-
organizao sentem-se cautelosos quanto falta de controle de um processo desse tipo, para
este autor,
[...] entender a emergncia sempre incluiu desistir de controle, deixar o sistema
governar por si mesmo tanto quanto possvel, deix-lo aprender a partir de
passos bsicos. J caminhamos bastante no sentido de entender a emergncia, de
forma a construir sistemas em escala pequena para nosso entretenimento e
aperfeioamento, e tambm a apreciar mais cuidadosamente o comportamento
emergente que j existe em cada escala de nossa experincia de vida.
(JOHNSON, 2002, p. 174).
O que podemos dizer, a partir dos argumentos desses autores, ao fazerem analogias
entre tipos de organizao existentes na etologia com sistemas auto-organizveis humanos,
em nossa tentativa de responder s perguntas iniciais desse tpico, que, por esse vis,
possvel avaliar se uma comunidade produtiva e autnoma dependendo de quem a estiver
produzindo e do modo como podem agenciar ou selecionar seus afetos em um modo auto-
organizativo. Desse modo, ela ser boa para aquele cujo desejo se insere em sua
autoproduo, motivado tanto pela temtica abordada quanto pelas relaes estabelecidas
com os outros participantes e em relao a sua prpria vida, durante o engajamento na
comunidade. Desse ponto de vista, caberia qualidade de produo das subjetividades
envolvidas em uma comunidade manter seu curso ou simplesmente ser interrompida.
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1.5 Corpo coletivo o comum e a esfera pblica
J no sculo XVIII, o filsofo holands Baruch de Spinoza dizia que o espao social
constitudo por encontros de corpos misturados com o que os afetam e o que afetam
outros corpos, de onde surgem novos registros de relaes e prticas sociais no
codificadas, mas num modo de expresso comum, a partir de um plano comum de
encontros de corpos e idias. Entendemos que na confluncia desse tipo de pensamento
de misturas de corpos potencialmente produtivos, que a noo do comum retorna com vigor
nas discusses sobre as redes sociais nos dias de hoje, como, por exemplo, na recente obra
Hardt e Negri,
Duas caractersticas de multido tornam particularmente clara a contribuio da
rede possibilidade de democracia hoje. A primeira poderia ser apresentada
como seu aspecto econmico , a no ser pelo fato de que a separao entre as
realidades econmicas e os outros terrenos sociais rapidamente se esfacela aqui.
Na medida em que a multido no uma identidade (como o povo) nem
uniforme (como as massas), suas diferenas internas devem descobrir o comum
[the common] que lhe permite comunicar-se e agir em conjunto (HARDT &
NEGRI, 2005, p. 14).
O comum, assim definido, seria o espao comum, constituindo condies de
reconhecimento coletivo de questes que afetam a vida das pessoas envolvidas. Costa, a
esse respeito, comenta:
[...] o indivduo, ao reconhecer suas prprias questes, suas preocupaes e seus
conflitos numa esfera pblica determinada, consegue se perceber como
pertencendo a um coletivo, a uma comunidade que compartilha de seus
interesses [...] Na medida em que no vejo minhas prprias questes e
preocupaes sendo colocado em comum por uma coletividade, no posso me
sentir como pertencendo plenamente a essa mesma comunidade. Posso vir a
participar, mas a dimenso de "pertencimento" mais complexa que a simples
participao. Do mesmo modo, para que uma coletividade consiga o
engajamento de algum em seus problemas, preciso que ela o inclua em seu
frum de discusses, que ela desenvolva, portanto, no exatamente estratgias de
"mensagens", mas estratgias de "escuta". (COSTA, 2005, p. 9).
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Nesse mesmo sentido, como afirmam Hardt e Negri, o comum que compartilhamos
no algo que descobrimos, mas algo que produzido, como podemos observar na
seguinte citao:
[...] Nossa comunicao, colaborao e cooperao no se baseiam apenas no
comum, elas tambm produzem o comum, numa espiral expansiva de relaes.
Esta produo do comum tende atualmente a ser central a todas as formas de
produo social, por mais acentuado que seja seu carter local, constituindo na
realidade a caracterstica bsica das novas formas dominantes do trabalho hoje.
(HARDT & NEGRI, 2005, p. 14).
Indo alm, esses autores dizem que a humanidade transforma a si mesma, sua
histria e sua natureza nessa nova forma de produo. Para eles, ento, o problema no
consiste mais em decidir se essas tcnicas humanas de transformao devem ser aceitas,
mas aprender o que fazer com elas e saber se funcionaro em nosso benefcio ou em nosso
detrimento.
necessrio, neste momento, novamente lembrar que esta dissertao tem como
motivao tambm nossa base emprica, que ser mais bem desenvolvida a partir do
Captulo 2, quando apresentaremos as possibilidades que as novas tecnologias de
comunicao e informao tm em trabalhar ou no em nosso benefcio, quando melhor
pudermos argumentar conjuntamente com os mecanismos de participao em polticas
pblicas.
Por ora, podemos introduzir a noo de esfera pblica, enquanto palco de nossa
presena em conversaes polticas. Nesse contexto, podemos dizer com Costa que
O que nos importa o fato de que indivduos reais se reconhecem muito pouco
no modo como as questes polticas e sociais so defendidas como relevantes
pela mdia e pela classe poltica atualmente. Essa questo provoca, muito
naturalmente, uma espcie de (des)investimento de atuao da parte de cada um
na esfera pblica, no espao comum onde nos reconheceramos como
pertencendo a um determinado grupo social. (COSTA, 2005).
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1.6 Ns na esfera pblica do ciberespao
Podemos acrescentar agora, que isso tudo nos remete a um dos problemas, como diz
Lvy (1998) mais rduos da filosofia e das prticas polticas , que consiste na constituio
de sujeitos coletivos de enunciao6 . Ou seja, em que condies se pode justificadamente
dizer ns e quem esse ns que pode enunciar legitimamente enquanto coletivo, sem
usurpao ou reduo de variedade? .
Quando os participantes de uma manifestao gritam as mesmas palavras de ordem,
sem dvida constituem um agenciamento coletivo de enunciao. Mas pagam por essa
possibilidade um preo no desprezvel: as proposies comuns so pouco numerosas e
bem simples, mascaram as divergncias e no integram as diferenas que singularizam as
pessoas. Alm disso, a palavra de ordem em geral preexistente manifestao. raro que
cada um dos participantes tenha contribudo para sua negociao ou surgimento. Seguindo
o pensamento de Lvy:
A manifestao como o voto s possibilita aos indivduos construir para si uma
subjetividade poltica por pertena a uma categoria ( os que retomam as
mesmas palavras de ordem , ou os que se reconhecem em tal partido etc.).
Quando todos os membros de um coletivo formulam as mesmas proposies, o
agenciamento de enunciao coletiva encontra-se no estgio da monodia ou do
unssono. Os ns pobres enunciam proposies montonas. Pois h vrias
maneiras de dizer ns (LVY, 2000, p. 66).
Nesse sentido, com a emergncia da Internet e da Web em 1994, foram introduzidos
elementos totalmente inditos realizando uma revoluo do espao pblico: a possibilidade
da interconexo geral, a desintermediao e a comunicao de todos com todos. Lvy
(2003, p. 367) afirma que, em primeiro lugar, em contraposio mdia anterior
imprensa, rdio e televiso
um website pode propor ao mesmo tempo e de uma maneira
complementar textos, imagens fixas ou animadas e som, ou seja, em princpio no existe
mais distino entre as mdias.
6 O conceito agenciamento coletivo de enunciao foi sendo desenvolvido por Flix Guattari e Gilles Deleuze, a partir dos postulados lingsticos de Mikhail Bakhtin. Apareceu pela primeira vez em o Anti-dipo e foi desenvolvido nas obras: Kafka por uma Literatura Menor e Mil Plats, volume 2.
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Em segundo lugar, as webmdias propem contedos organizados por temas,
eventualmente estruturados pelas preferncias dos consumidores da informao e no mais
segundo as grades de programao cronolgica impostas pelas emissoras ou rgos de
divulgao. A cronologia torna-se critrio de busca e a organizao de pesquisas de
arquivos e de informadores passa a ser temtico.
Em terceiro lugar, o internauta pode chamar tela diferentes atores sociais, porta-
vozes ou representantes de grupos de interesses, com a possibilidade de se informar,
examinar argumentos e tecer seus comentrios. O acesso esfera pblica seria franco e
aberto, oferecendo aos consumidores a mais ampla liberdade de expresso e de navegao.
tambm nesse clima de um entusiasmo por novas perspectivas, em tese, de
expresso livre e democrtica que surgem no mundo os primeiros programas de incluso
digital, implantados pelos governos dos pases em desenvolvimento, desde a dcada de
1990, como se fosse uma possibilidade de todos participarem ativamente dos benefcios das
novas tecnologias, combatendo assim parte dos problemas de excluso social, o que iremos
discutir at o final dessa dissertao.
Se antes da Web, ainda segundo o artigo citado de Lvy, a mediao clssica
organizava uma seleo institucional, a priori , a intermediao emergente no ciberespao,
ao contrrio, organiza selees personalizadas a posteriori, usando a contribuio da
inteligncia coletiva: laos, votos, citaes, discusses nos fruns eletrnicos, crticas... .
Nesse sentido, as mdias no tendem mais a se ligar a um pblico em geral, massa,
ao povo, mas a comunidades virtuais
temticas ou locais
e multido expressa no
comum, Hardt e Negri (2005), com vozes de enunciao locais que podem virtualmente
tornarem-se vozes globais.
O novo espao pblico, desse ponto de vista, constri um territrio de natureza
semntica, explica Lvy, no artigo citado, porque vai relativizando progressivamente o
papel da situao ou da provenincia geogrfica:
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As distncias e proximidades semnticas marcam-se atravs de senhas, de links
hipertextuais, de conexes entre comunidades virtuais, de trocas de informaes,
de densidades de inteligncia coletiva (LVY, p 373).
Nesse sentido, um dos assuntos que sempre retorna pauta de discusses entre os
tericos da comunicao nos dias de hoje relaciona-se com questes que implicam a
importncia para que as tantas vozes presentes na rede sejam ouvidas fora de suas
comunidades originais. Como ultrapassar essa barreira? Com processos de mediao, de
seleo, de filtros das conversas e mensagens?
Em seu livro lanado em 1996, Rheingold no s constatou a emergncia das
comunidades virtuais, como tambm viu nelas uma relao mais profunda, motivado em
especial pela questo do excesso de informao que j caracterizava a recm-nascida Web.
Com efeito, um dos problemas da rede era o da "oferta demasiada de informao e poucos
filtros efetivos passveis de reterem os dados essenciais, teis e do interesse de cada um"
(RHEINGOLD, 1996, p.77). Mas enquanto os programadores se esforavam para
desenvolver agentes inteligentes que realizassem a busca e filtragem de toneladas de
informaes que se acumulavam na rede, Rheingold j detectava a existncia de "contratos
sociais entre grupos humanos - imensamente mais sofisticados, embora informais - que nos
permitem agir como agentes inteligentes uns para os outros" (p.82).
Comeava a surgir a idia de mente coletiva, ou de inteligncia coletiva, que
poderia no apenas resolver problemas em conjunto, em grupo, coletivamente, mas
igualmente trabalhar em funo de um indivduo, do seu benefcio. Rheingold (1996)
lembra que as comunidades virtuais abrigam um grande nmero de profissionais, que lidam
diretamente com o conhecimento, o que faz delas um instrumento prtico potencial.
Mas em que medida a esfera pblica est dando conta dessa demanda? Os novos
usurios da esfera pblica, os ns das comunidades virtuais, a multido ou simples
indivduos que vm se habituando ao dilogo coletivo na rede, vo se integrando
progressivamente, como veremos no Captulo II, s discusses e deliberaes em
programas do governo, na medida em que vo se consolidando discusses mediadas pela
inteligncia coletiva na Internet no mundo todo. Sendo capazes de exprimir-se, so muitos
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os que agora devem ser ouvidos e participar de deliberaes num processo que, como
veremos, caminha no sentido de modelar um novo modo de pensar a democracia mundial,
com uma democracia eletrnica a seu servio, atravs de um e-engajamento, de uma e-
participao e de um e-governo na nova e-democracia, termos que j se consolidam com
seu uso corrente, no vocabulrio da Internet.
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2 PARTICIPAO PBLICA E INCLUSO DIGITAL NA E-DEMOCRACIA
Ser livre consiste no apenas em ser parte da Natureza ou de seus processos, mas em tomar parte.
(Spinoza).
2.1 Desafios: como processar e como conduzir a participao pblica em
processos democrticos na era digital?
Para comear as discusses deste captulo, vamos partir do pressuposto de que os
requisitos como processar e como conduzir um processo de participao pblica do
incio ao fim so os principais desafios que se apresentam hoje para aqueles que querem
analisar as intervenes nos processos democrticos na era digital. Assim, buscaremos
demonstrar, com o suporte de obras de vrios autores, bem como de relatrios bem recentes
de organizaes internacionais, como o das Naes Unidas e da OECD (2005), inclusive
com exemplos, at que nveis a participao pblica eletrnica ou e-participao podem
ser medidos.
Para caminhar nesse sentido, nossa investigao sobre o tema se inicia pela busca de
respostas pergunta: O que participao pblica?
Observamos que algumas pessoas dizem simplesmente que a participao uma
atitude virtuosa por si mesma; outros se servem desta palavra apenas para legitimar planos
de ao predeterminados; outros tantos para realizar campanhas publicitrias com base na
opinio pblica; e h ainda os que usam o termo para designar programas de informao ao
pblico ou descrever uma escuta pblica no sentido de ouvir comentrios acerca do que
uma instituio deveria fazer. A palavra participao tambm pode implicar um acordo
realizado com o pblico afetado (CREIGHTON, 2005).
Podemos verificar ento que vrios programas que anunciam ter o aval de uma
participao pblica (ou do pblico) so lanados no mercado de acordo com a
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interpretao que se queira aplicar a qualquer produto ou ao, seja do setor pblico, seja
do setor privado.
No nosso caso, e fazendo eco a uma afirmao de Creighton (2005), consideramos
que a participao pblica mais bem entendida como um continuum. E, se um
continuum, h de fato um nmero infinito de pontos ao longo de uma escala que preciso
levar em considerao, de acordo com o processo descrito por este autor. Ver figura 1
Figura 1: Continuum da Participao
Fonte: Creighton (2005, p. 9)
De acordo com esse modelo, programas de informao ao pblico constituem-se
essencialmente em um canal de comunicao de mo nica, se for parte integrante de um
programa paternalista decide-anuncia-defende, derivado freqentemente da literatura de
participao pblica (CREIGHTON, 2005, p. 9). Contudo, ainda que a informao ao
pblico em si no constitua participao pblica, parte essencial de um processo efetivo
de participao pblica. Em determinadas situaes de interesse geral as pessoas no
podem participar a menos que recebam informaes completas e objetivas que serviro de
base para suas avaliaes.
Com a chegada da Internet, e a conseqente disponibilizao de informaes online,
pode-se dizer que uma experincia em democracia mais abrangente, globalizada, vai sendo
compreendida. Com isso, estudiosos no mundo todo discutem o aperfeioamento dos
mecanismos democrticos. Cada vez mais a participao pblica em tomadas de deciso no
mbito governamental considerada parte de uma definio que vem sendo
necessariamente vinculada democracia. Sendo assim, possvel que a prpria democracia
esteja se aperfeioando, como tantos pesquisadores afirmam, na medida em que novas
tecnologias de informao e comunicao vo sendo criadas.
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Em termos estritamente poltico-governamentais, por exemplo, sabe-se que a
participao pblica hoje um requisito ou pr-requisito legal para determinados nveis de
tomada de decises na maioria dos pases desenvolvidos do mundo ocidental, como
destacam os relatrios da OECD (2003
Promise and Problems of E-democracy) e da
ONU (2005
Global E- Government Readiness Report).
Em relao aos pases da Europa, mais de trinta e cinco pases so signatrios da
Conveno Aarthus, formalmente conhecida como Comisses Econmicas das Naes
Unidas para a Conveno Europia de Acesso Informao, Participao Pblica nas
Tomadas de Decises e Acesso Justia em Problemas Ambientais, efetivada em 2001. O
comit de governos signatrios caminha no sentido de assegurar a participao pblica e o
acesso informao em todas as decises ligadas ao meio-ambiente. A participao pblica
tambm um pr-requisito para o projeto de desenvolvimento econmico internacional
fundado pelo Banco Mundial e vrios bancos da regio. Muitas companhias conduzem
tambm polticas de participao pblica como parte das decises sobre gerenciamento de
recursos naturais, estabelecimento de servios e limpeza ou reformas ambientais.
So muitos os tericos polticos a argumentarem que a participao uma
caracterstica da definio da democracia moderna. Dois desses tericos listados pelo
Relatrio da OECD, os ingleses Pimpert e Wakeford, recentemente afirmaram: A
democracia sem a deliberao e a participao do cidado um conceito vazio e sem
significao (OECD, 2003, p. 30). No obstante esta afirmao, verificamos em nossas
pesquisas que a participao pblica no um instrumento de cooperao recente e
caracterstico do regime democrtico que conhecemos. J na poca renascentista, em
Florena, na Itlia, h um exemplo, citado por Creighton (2005), dessa natureza, em relao
construo de galerias pluviais subterrneas na cidade, quando toda a populao foi
consultada antes da execuo da obra. O que nos parece novo o fato de a participao
pblica no mbito de tomada de decises estar crescendo consideravelmente como uma
prtica-padro dos governos. Nos Estados Unidos e no Canad, dois dos pases mais
desenvolvidos tecnologicamente do mundo, por exemplo, todas as questes relacionadas ao
meio-ambiente, devem contar, por lei, com decises tomadas com a participao pblica.
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2.2 As TICs e os cenrios de uma nova democracia: a e-democracia
Como conseqncia desse crescimento na participao pblica, tambm em pases
desenvolvidos tecnologicamente que desde a dcada de 1990 vem ocorrendo sensvel
crescimento da demanda por novas ferramentas tecnolgicas capazes de abranger maior
audincia e possibilitar melhores ambientes para o debate poltico, nos quais tais
contribuies fossem menos limitadas e mais aprofundadas.
Muitos observadores discutem o uso mais amplo da tecnologia no sentido de dar
suporte ao processo democrtico. Coleman e Gotze (2001) apresentam os possveis
cenrios onde as novas tecnologias do suporte para a democracia. Sinteticamente, esses
cenrios de e-democracia poderiam estar fundados em quatro modelos, conforme pode ser
conferido no relatrio da OECD (2003):
a) O primeiro modelo de e-democracia seria o lugar onde os suportes da tecnologia
convergiriam para a democracia direta. Tambm Becker e Slaton (2000) exploram o estado
atual e futuro das iniciativas da e-democracia que so designadas especificamente voltadas
para a democracia direta.
b) O segundo modelo baseado em comunidades online, onde a tecnologia diz
respeito a apoios a moviment