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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
THAIS MATALLO CORDEIRO GOMES
AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA
VINCULANTE E PERSUASIVA
MESTRADO EM DIREITO
SUBÁREA DIREITO PROCESSUAL CIVIL
São Paulo
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
THAIS MATALLO CORDEIRO GOMES
AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA
VINCULANTE E PERSUASIVA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo como exigência
parcial à obtenção do título de Mestre em
Direito Processual Civil, sob a orientação
da Professora Doutora e Livre-Docente
Teresa Arruda Alvim Wambier.
São Paulo
2014
THAIS MATALLO CORDEIRO GOMES
AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DE SÚMULA
VINCULANTE E PERSUASIVA
Banca Examinadora
Dedico este trabalho aos meus exemplos
de vida: meus pais, que jamais pouparam
esforços em prol da minha educação e da
minha irmã, Sabrina.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, que desde o meu
primeiro dia no mestrado, tornou-se uma referência de profissional, cuja
determinação, conhecimento e energia inspira não somente a mim como diversos
novos processualistas. Antes de ser uma excelente professora (e quanto a isso não
há dúvidas) é um exemplo de pessoa que não mede esforços para conceder
oportunidades incríveis aos novos estudiosos do direito.
Não poderia deixar de agradecer aos mestres que efetivamente fizeram a
diferença ao longo dos quatorze anos que frequentei a PUC. Na graduação já pude
ter exemplos primorosos: Antonio Carlos Malheiros, Carlos Alberto Ferriani e Marcus
Vinícius de Abreu Sampaio. A vocês o meu agradecimento pelo exemplo, em
momento tão incerto como é o início do curso de direito. Aos professores João
Batista Lopes, Sergio Shimura e Francisco Cahali, que sempre me apoiaram e
acreditaram no meu potencial para, um dia, tornar-me aluna mestranda. Por fim, mas
nem por isso menos importante, o ilustre professor Cassio Scarpinella Bueno,
profissional que somente tive oportunidade de conhecer quando ingressei no
mestrado, mas que desde a graduação me apoiou e me ensinou demasiadamente,
por meio de suas irretocáveis obras. É um professor digno de muitos aplausos, que
transmite em seus olhos a paixão e o gosto em transmitir, sem qualquer receio, o
seu amplo conhecimento.
A todos os amigos que fiz ao longo desses anos na PUC. A começar pela
“NE”. Turma de amigos que estudavam a noite e que, depois de um dia inteiro de
estágio pesado, eram responsáveis pelas risadas e conversas agradáveis que
duram até os dias de hoje. São amigos que levarei para o resto da minha vida, com
muito orgulho, carinho e dedicação. Após, os amigos de mestrado, que contribuíram
efetivamente para a realização de um sonho que é, justamente, a elaboração deste
estudo. Agradeço a todo esse grupo, na pessoa do meu padrinho de casamento,
Paulo Nasser, as intermináveis discussões, debates e valorosos conselhos.
Ao Escritório Siqueira Castro, nas pessoas dos Doutores Siqueira Castro,
Carlos Fernando e Heitor, por todo apoio que me é fornecido desde o início da
nossa parceria, em abril de 2002. A minha dedicação incansável é o mínimo que
posso fazer para retribuir tudo o que sempre me foi concedido nesta casa. Tenho
orgulho imenso de fazer parte da história da Siqueira Castro Advogados.
Na pessoa da Aline Tomasi, gostaria de agradecer a toda a minha equipe
de trabalho, que me deu absoluto apoio para que a elaboração deste trabalho fosse
possível. Sem esse time, certamente, o resultado aqui apresentado não seria
possível. A vocês, muito obrigada!.
A minha família, na pessoa do meu avô Lauro de Lucca Matallo, por todo
o suporte e formação, que, certamente, são os diferenciais que tenho para enfrentar
os desafios da vida, independentemente do tamanho que se apresentam.
Por fim, ao meu marido Gustavo Gomes (GGG), um exemplo para mim.
Tenho muito orgulho de poder construir uma família ao seu lado, um homem íntegro,
justo, inteligente, companheiro que, diariamente, busca fazer os nossos dias mais
felizes e sólidos. A sua palavra certa e o seu olhar carinhoso sempre me ajudam a
caminhar e seguir em frente, lutando para conquistar nossos sonhos.
“A vitória do autor de ação rescisória é menos provável do que as outras vitórias, mas de si só supõe a luta que se travou, para se desconstituir a res iudicata. A própria Justiça condena e corrige o seu erro. Corrigindo-o, eleva-se a si mesma.”
Pontes de Miranda
RESUMO
GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. 177f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2014. O objeto deste trabalho é o estudo da possibilidade de ajuizamento de ação rescisória com fundamento na violação de súmula, seja ela vinculante ou persuasiva. O atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça é o de que as súmulas não podem ser equiparadas à lei e, portanto, não podem ser base de ação rescisória, com fundamento no inciso V do art. 485 do CPC. Neste trabalho, que terá como suporte metodológico a técnica de pesquisa bibliográfica, será feita uma análise acerca desse entendimento para, ao final, concluir, de lege lata, se é ou não possível o ajuizamento de ação rescisória por violação de súmula vinculante e/ou persuasiva, tendo como fundamento justamente o inciso V do art. 485 do CPC. Para tanto, optou-se por iniciar a presente dissertação a partir de um breve estudo acerca das principais características da ação rescisória. Como se pretende analisar a possibilidade do ajuizamento de referida ação por violação de súmula vinculante e/ou persuasiva tendo como fundamento legal o inciso V do art. 485 do CPC, no primeiro capítulo será dado um enfoque mais detalhado de referido inciso. Estudos como, por exemplo, envolvendo o sentido de “violação a literal dispositivo de lei” (entre outros) serão amplamente abordados nesta parte do trabalho. Em seguida, as súmulas (tanto as vinculantes como as persuasivas) também serão objeto de análise. Inicialmente, serão estudados aspectos gerais de cada uma das súmulas para, posteriormente, enfrentar temas polêmicos que apresentam relação com o assunto tratado. É o caso, por exemplo, da eficácia e do alcance das súmulas, bem como a polêmica envolvendo eventual usurpação, pelo Poder Judiciário, de poderes que, a princípio, seriam restritos ao Poder Legislativo. Neste ponto do trabalho também será analisada a natureza jurídica das súmulas e a eventual possibilidade de sua equiparação à lei, tudo com base na teoria geral do Direito. Ao final, com esteio em toda a linha argumentativa realizada nos capítulos anteriores, será abordada a possibilidade de ação rescisória por violação de súmula vinculante e persuasiva, e analisados alguns aspectos procedimentais (por exemplo: prazo e termo a quo para o ajuizamento da ação rescisória), necessários à plena compreensão do assunto. Findo o estudo, justamente com fundamento no art. 485, inc. V, do CPC, conclui-se pela possibilidade de ajuizamento de ação rescisória quando constatada violação de súmula vinculante e persuasiva.
Palavras-chaves: Ação rescisória. Sentença de mérito. Trânsito em julgado. Violação
de súmula vinculante e persuasiva. Cabimento.
ABSTRACT
GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Action to reverse res judicata based on binding and persuasive precedents 2014. 177p. Dissertation (Master in Law)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2014. This dissertation has as its aim the study of the possibility of filing an action for the reversal of res judicata based on a Brazilian Superior Court of Justice (STJ) precedent, which may be binding or merely persuasive. The current position of the STJ is in the sense that precedents are not equivalent to legal statutes and, therefore, may not serve as grounds for the action to reverse res judicata, based on article 485, V, of the Brazilian Procedural Law Code (CPC). This paper analyses the aforementioned court position, in order to reach a conclusion (de lege lata) on whether there are grounds for an action to reverse res judicata based on the violation of a binding and/or persuasive precedents. For this purpose, the author opted to initiate the dissertation with a brief study of the main features of the action to reverse res judicata. Emphasis will be given to article 485, V, of CPC, specially to the definition and interpretation of the said "literal violation of the Law" (among others). Subsequently, the precedents (binding and persuasive) will be analysed. The author starts from general aspects towards polemical and practical questions related to the matter under study, e.g., the effects and reach of the precedents, as well as the possible and questionable interference of the Judiciary in the constitutional competence of the Legislature. At this time, the legal nature of the precedents and its possible equivalence to statutory law will be also evaluated under the light of the general law principles. Finally, as a result of the argumentative line developed on the previous chapters, the dissertation will state whether the Brazilian legal system allows an action to reverse res judicata based on binding and persuasive precedents. Procedural aspects of the action will be also tackled (e.g. time limitation and first day of the term to file the action). After the study, precisely on the basis of art. 485, inc. V, of the CPC code, the conclusion is by the possibility of filing a rescission action when observed violation of binding and persuasive precedents.
Keywords: Action to reverse res judicata. Decision on the merits. Res Judicata.
Violation of binding and persuasive precedents. Grounds.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 – AÇÃO RESCISÓRIA ....................................................................... 18
1.1 BREVE HISTÓRICO ........................................................................................... 18
1.2 CONCEITO DE AÇÃO RESCISÓRIA NA DOUTRINA BRASILEIRA .................. 22
1.3 SENTENÇA DE MÉRITO .................................................................................... 24
1.4 TRÂNSITO EM JULGADO E COISA JULGADA ................................................. 34
1.5 DO PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA ............................. 39
1.6 SOBRE A EXPRESSÃO “VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO DE LEI” ......... 53
CAPÍTULO 2 – SÚMULAS ....................................................................................... 68
2.1 BREVE HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO ............................................... 68
2.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DAS SÚMULAS ......................................... 71
2.2.1 Súmulas vinculantes ...................................................................................... 79
2.2.2 Súmulas persuasivas ..................................................................................... 85
2.3 CLASSIFICAÇÃO DAS SÚMULAS ..................................................................... 97
2.4 SÚMULA: NATUREZA JURÍDICA ....................................................................... 99
2.4.1 Súmula: norma jurídica geral e abstrata .................................................... 100
2.4.2 Súmulas como norma jurídica: violação à tripartição de poderes? ....... 106
2.5 EFEITO VINCULANTE DAS DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO NO
BRASIL ................................................................................................................... 111
2.6 RECLAMAÇÃO ................................................................................................. 113
2.6.1 Cabimento ..................................................................................................... 113
2.6.2 Natureza jurídica .......................................................................................... 118
2.7 COMMON LAW ................................................................................................. 121
2.7.1 Precedentes vinculantes no Brasil: uma aproximação do common
law? ....................................................................................................................... 121
2.7.2 Precedentes vinculantes no sistema de common law .............................. 124
CAPÍTULO 3 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO DE SÚMULA
VINCULANTE E PERSUASIVA: QUESTÕES (POLÊMICAS)
RELACIONADAS ................................................................................................... 131
3.1 CABIMENTO ..................................................................................................... 131
3.1.1 Desconstituição da coisa julgada constituída anteriormente e
contrariamente à publicação da súmula ............................................................. 137
3.1.2 A eficácia imediata da súmula e o direito material: análise necessária
para solução de problemas intertemporais ........................................................ 148
3.2 PRAZO PARA AJUIZAMENTO ......................................................................... 150
3.3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA SÚMULA ............................... 151
3.3.1 Ação rescisória fundamentada em súmula inconstitucional ou
cancelada ............................................................................................................... 156
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 160
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 163
INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro é pautado principalmente na lei, que,
por sua vez, é editada por seres humanos integrantes do Poder Legislativo. Trata-se
de pessoas que, não sendo necessariamente nem operadores nem conhecedores
do direito, algumas vezes, podem cometer excessos no que tange à não
observância do nosso ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional.
Da mesma forma, podem ser editadas leis (e, de fato, são editadas) que,
na medida em que são aplicadas ao caso concreto geram dúvidas com relação a
sua “correta” interpretação1.
A análise das leis – seja para dar a elas a correta interpretação, seja para
verificar a sua harmonia com o ordenamento jurídico existente – é tarefa dos
tribunais superiores2.
É com muito pesar que assistimos, a cada dia, a deturpação da efetiva
função dos tribunais superiores. Hoje, infelizmente, os referidos tribunais são mais
utilizados como “terceira instância” de julgamento de um caso específico do que,
efetivamente, como órgão responsável por guardar a Constituição Federal e as leis
federais, com vistas a lhes garantir a correta interpretação e utilização.
Inúmeros institutos foram criados pelo nosso legislador para que a função
precípua dos tribunais superiores voltasse a ser seguida. É o caso, por exemplo, do
instituto da repercussão geral dos recursos extraordinários, interpostos perante o
1 “A rigidez que poderia se esperar encontrar nos sistemas de civil law, como uma de suas principais
características, tem um contrapeso, que pode gerar um imenso desequilíbrio (como ocorre no Brasil): juízes podem decidir de acordo com suas próprias opiniões a respeito do sentido da lei.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, RT, ano 34, n. 172, jun. 2009. p. 137. 2 “Há, agora, preocupação em fixar, através do próprio Judiciário, a unidade do direito, ou, mais
precisamente para aquela época, a uniformidade da interpretação da lei no país e nos vários tribunais inferiores. Basicamente, isso se tornou possível por dois motivos. Primeiramente, adquiriu-se consciência de que a leitura do texto da norma implica um ato de compreensão que, assim, abre oportunidade para várias definições e, portanto, interpretações. Outrossim, tornou-se inquestionável que o ato de compreender a lei era incumbência do judiciário e não do legislativo. O que passou a importar, em verdade, foi tão somente se seria conveniente admitir que o judiciário exprimisse, em um mesmo momento histórico, várias interpretações para a mesma lei.” MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 59.
12
Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse particular, a preocupação do STF está
relacionada com situações em que a solução jurídica irá alcançar toda a coletividade
e não apenas particulares, como ocorre em uma lide.
Com o mesmo objetivo, verificou-se a criação das súmulas vinculantes.
Assim, a partir do momento em que o STF, analisando determinada divergência
sobre o entendimento de uma lei, fixa um entendimento e edita um enunciado
resultante desta interpretação, é natural que todos os demais órgãos do Poder
Judiciário (subordinados a ele), respeitem e sigam esta orientação.
Independentemente de previsão legal neste sentido, como ocorre no caso
do art. 103-A da Constituição Federal (CF), o ideal seria que os órgãos
hierarquicamente inferiores às cortes superiores observassem a orientação fixada e
sedimentada, curvando-se a ela. Bem aqui, surge a primeira indagação: isso
engessaria o Poder Judiciário? Não. Há situações em que será conferida ao juiz a
ampla possibilidade de julgar determinado caso de acordo com o seu livre
convencimento.
Da forma como o Poder Judiciário está sobrecarregado, existirão
inúmeros casos complexos que o juiz poderá julgar de acordo com a sua convicção3,
desde que mediante decisão fundamentada e nos limites dos preceitos
constitucionais. E não é demais observar que:
A utilização de súmula não diminui juiz nenhum, isso libera o juiz para estudar questões que ainda não foram estudadas. Em vez de o
3 “Continuamos a viver uma ilusão: a de tratar os processos de massa como se fossem processos
individuais de conflitos inter partes, como se fosse o desquite de João com Maria ou o homicídio de Antonio, que matou Joaquim. [...] tem-se que questões decididas pelo Tribunal há três, quatro, cinco anos continuam a congestionar suas pautas, em homenagem à independência do juiz das instâncias inferiores, que não se vincula à decisão e pode, então, por amor à sua própria convicção, permanecer anos, anos e anos a decidir contrariamente à decisão absolutamente tranquilizada no Supremo Tribunal. Isso é o que chamo de uma ‘visão romântica’ que se recusa a ver os mecanismos do processo e da jurisdição para as questões individuais. Pode haver acerto, consenso sobre essa ou aquela questão jurídica, mas a questão de fato é necessariamente única. Não se pode transportar para essa litigiosidade de massa, sobretudo na área previdenciária, que tem trazido, a cada ano, centenas de milhares de processos que nenhuma máquina judiciária comporta. O que chega ao Supremo – nesses números absolutamente astronômicos, indecentes – é uma parcela do que congestiona a Justiça Federal.” PERTENCE, Sepúlveda. Efeito vinculante das decisões do STF: uma solução para o Judiciário. [Parte de palestra transcrita por Fernando da Costa Tourinho Neto]. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 128, out.-dez. 1995. p. 187.
13
juiz continuar examinando questões sobre as quais o Supremos já se debruçou, vai estudar o que ainda não foi estudado.4
Não é sempre que os tribunais superiores fixam entendimento em um ou
em outro sentido. Ao contrário disso, infelizmente, há inúmeros casos que a
divergência de opiniões se mantém dentro do mesmo tribunal. Há, ainda, situações
fáticas novas que aos tribunais ainda não foi dada oportunidade de manifestação.
Em casos como estes, o juiz terá liberdade para proferir julgamento de acordo com o
seu livre convencimento.
Não se defende, aqui, o fim de qualquer tipo de discussão (e até mesmo
divergência) entre os operadores do direito, mas há situações em que o
entendimento consolidado dos tribunais superiores deve necessariamente ser
seguido por todos e esta afirmação, infelizmente, parece trazer grande desconforto.
Possivelmente por resquícios de um período de ditadura vivenciado no
Brasil, e não faz muito tempo, a outorga dessa autoridade a um dos três poderes
brasileiros (no caso, ao Judiciário) gera desconfiança e preocupação com a proteção
da democracia conquistada a “duras penas”.
Ocorre que tanto a Corte Suprema do país como o Superior Tribunal de
Justiça (STF) são órgãos máximos do nosso Poder Judiciário e, como tais, devem,
sim, ter certos poderes, sem que isso signifique desrespeito ao nosso Estado
Democrático de Direito. Aliás, ao contrário disso, aceitar que existam decisões
judiciais opostas em casos idênticos, isso, sim, é deveras desrespeitoso com os
jurisdicionados. É desrespeito com o cidadão deixá-lo sem uma orientação de
conduta5 , uma vez que a interpretação de determinada lei, ora é dada em um
sentido, ora em outro.
4 VILLELA, João Guilherme. Efeito vinculante das decisões do STF: uma solução para o Judiciário.
Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 128, out.-dez. 1995. p. 187. 5 “Efetivamente, o nosso País, após ter conquistado a estabilidade monetária, precisa agora também
da segurança jurídica para que as empresas possam planejar o seu futuro e fazer os investimentos necessários e imprescindíveis para a sua sobrevivência numa economia globalizada, dinâmica e cada vez mais competitiva.” WALD, Arnold. Eficiência judiciária e segurança jurídica: a racionalização da legislação brasileira e reforma do Poder Judiciário. In: MACHADO, Fábio Cardoso; MACHADO, Rafael Bicca (Coord.). A Reforma do Poder Judiciário. São Paulo: Quatier Latin, 2006. p. 56.
14
Não se pode ignorar que atualmente a população pode estar descrente
com a atuação desses tribunais. Isso se deve, principalmente, ao fato de que, com
certa frequência, verifica-se alteração de entendimentos na Corte, em um mesmo
momento histórico. Bom exemplo disso foi o julgamento proferido no início do ano de
20136 perante o STJ, no sentido de que não era cabível o ajuizamento de ação
rescisória com fundamento em violação de súmula. Meses depois, o mesmo tribunal
entendeu que é, sim, cabível o ajuizamento de referida ação quando à época da
decisão determinada súmula deixou de ser observada.7
A situação jurídica apresentada, embora apresente certo grau de
profundidade teórica, não justifica entendimentos divergentes (na verdade, opostos)
em tão pouco tempo, dentro de um mesmo tribunal.
Se as cortes superiores não são completamente confiáveis (pelas razões
aqui apresentadas), trata-se de outro problema que merece reflexão (como por
exemplo, a forma de indicação dos nossos ministros ou mesmo a maior
transparência no momento de editar uma súmula8), mas é certo que deturpar a
função destes tribunais para corrigir tal fragilidade não parece ser a solução mais
adequada.
Sabe-se que, no presente, o Poder Judiciário vive em estado de colapso.
Também é cediço que não se trata de um problema atual. Em 2004, ou seja, há
quase dez anos, houve a reforma conhecida como “A reforma do Poder Judiciário”,
em que as preocupações eram praticamente as mesmas que afloram nos dias de
hoje, ou seja, conferir aos jurisdicionados maior efetividade na prestação
jurisdicional estribada no pilar da celeridade.
De forma alguma se aponta, aqui, um eventual “fracasso” da mencionada
reforma, mas é fato que o caminho de uma justiça mais efetiva, mais célere, com
6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Rescisória 4112-SC (2008/0248523-4), Terceira Seção.
Relator Min. Marco Aurélio Bellizze. Brasília, DF. Julgamento 28.11. 2012. Publicação 26.04.2013. 7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1163267 – RS (2009/0206097-0), Quarta
Turma. Relator Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. Julgamento 19.09.2013, aguardando publicação de acórdão. 8 “Cada vez mais e mais transparentes devem ser os critérios de escolha dos ministros do STF, se a
eles agora cabe editar súmulas, que só devem prestar a gerar mais segurança e previsibilidade, nunca ‘engessar’ ou ‘congelar’ o direito.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, Recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 239.
15
maior respeito a princípios como isonomia, igualdade, segurança jurídica, ainda não
foi encontrado.
A conscientização da verdadeira função dos tribunais superiores, em
especial do STF, parece ser o primeiro passo para alcançar tal ideal e isso por
diversos motivos.
A fixação de uma tese jurídica pelas cortes superiores faz com que os
jurisdicionados não necessitem bater à porta do Poder Judiciário para definir, por
exemplo, se devem ou não recolher determinado tributo em certa operação. Da
mesma forma, eventuais ações ajuizadas serão julgadas em um único sentido,
respeitando a isonomia entre os jurisdicionados. As consequências dessas teses
são, inegavelmente, positivas.
Em sentido oposto, hoje, ainda é possível notar decisões proferidas em
total dissonância com entendimentos consolidados e fixados pelos tribunais
superiores em súmulas que, conforme será verificado no presente estudo,
estratificam o entendimento fixado pela Corte acerca de determinada tese jurídica.
Em contrapartida, conforme mencionado linhas atrás, há entendimentos
no sentido de que tais decisões não poderiam ser rescindidas, na medida em que
apenas eventual “violação de lei” autorizaria a utilização do instituto.
Visto o problema por esse ângulo, decisões de mérito transitadas em
julgado proferidas sem a devida observância de súmulas, portanto, ficariam
imutáveis. É justamente sobre esta problemática que se debruça o presente
trabalho.
Sem deixar de lado as raízes romano-germânicas do direito pátrio nem a
tradição de civil law, o objetivo precípuo deste estudo é analisar, de lega lata, a
possibilidade de rescisão de decisões de mérito que violem súmulas vinculantes e
persuasivas.
De acordo com o inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil (CPC),
somente as decisões que violarem “literal dispositivo de lei” poderão ser rescindidas.
Então, pode-se dizer que é possível estender este dispositivo às sentenças (lato
16
sensu) que violarem as súmulas? Há alguma diferença, neste aspecto, para o caso
de a violação ter sido a sumula vinculante ou persuasiva? Essas são, pois, algumas
das perguntas que terão suas respostas apresentadas ao longo deste estudo, na
tentativa de alinhavar a sua solução.
No que tange ao desenho da metodologia, o trabalho monográfico terá
como base a abordagem de raciocínio dedutivo – assim entendido aquele que parte
de proposições mais gerais sobre determinado assunto para, então, vislumbrar uma
explicação para a problemática definida – e como técnica de procedimento a
pesquisa bibliográfica, necessária para arregimentar um referencial teórico
consistente sobre o tema abordado. Os dados, de natureza secundária, serão
extraídos da doutrina especializada, principalmente livros, revistas, artigos e sites
afins, e jurisprudências emanadas das cortes pretorianas pátrias.
Tendo em vista que o tema proposto é a possibilidade de ajuizamento
desta ação e o fundamento de que a violação de súmula vinculante e persuasiva,
não se mostra pertinente nem mesmo possível 9 tratar de todos os aspectos
relacionados à “ação rescisória”, de modo que a abordagem se voltará para
assuntos efetivamente relevantes ao entendimento do tema aqui proposto como é o
caso, por exemplo, do conceito de ação rescisória e respectivo prazo para
ajuizamento. Também extrapola o contorno deste trabalho abordar com
profundidade, por exemplo, cada um dos incisos elencados no art. 485 do CPC, uma
vez que não se relacionam com a presente temática, tampouco se pretende, aqui,
elaborar um manual sobre a ação rescisória.
Assim, para demonstrar e comprovar a possibilidade do ajuizamento de
ação rescisória com fundamento na violação de súmula, a presente dissertação foi
estruturada em três capítulos.
No primeiro capítulo, a análise do tema será iniciada com o estudo dos
aspectos relacionados à ação rescisória. Aqui, a atenção se voltará para a hipótese
específica do inciso V, que trata do ajuizamento da ação rescisória por “violação a
literal dispositivo de lei”, absolutamente importante para o estudo em pauta.
9 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda escreveu um Tratado de quase oitocentas páginas para
abordar dos aspectos relevantes relacionados à ação rescisória.
17
Em seguida, no segundo capítulo, é a vez de discorrer sobre a súmula
vinculante e, também, persuasiva. Com base no seu histórico no direito brasileiro,
conceito, características e natureza jurídica, será avaliada a possibilidade de
equiparação da súmula à lei, momento em que se enfrentará, por exemplo, a
problemática envolvendo a tripartição de poderes e a possibilidade de o Poder
Judiciário editar normas jurídicas. Neste ponto do estudo também será analisada a
possibilidade de precedentes vinculantes (como no caso da súmula vinculante) no
Brasil, país de tradição romano-germânica, tendo a lei como fonte de direito.
Com base em todos os conceitos estudados e revisitados nos capítulos
anteriores, será, finalmente, analisada a possibilidade de ajuizamento de ação
rescisória para rescindir decisão transitada em julgado que viole súmula vinculante
ou persuasiva e todos os aspectos que advêm desse entendimento. É o caso, por
exemplo, do aspecto temporal relacionado ao assunto e que invocam importantes
questões: decisões de mérito transitadas em julgado antes da edição da súmula,
podem ser rescindidas? A edição das súmulas alcança fatos pretéritos? É possível
haver controle de constitucionalidade das súmulas? Estas e outras perguntas
polêmicas serão respondidas no terceiro e último capítulo do presente estudo, na
esperança de trazer mais luz a tão importante tema do cotidiano da justiça brasileira.
18
CAPÍTULO 1 – AÇÃO RESCISÓRIA
1.1 BREVE HISTÓRICO
No direito romano encontramos as raízes da ação rescisória. Naquela
época, os romanos já conviviam com um instituto denominado restitutio in
integrum10.
Nas palavras de José Carlos Moreira Alves, restitutio in integrum significa
reposição à situação anterior11, ou seja, o magistrado (pretor) poderia considerar
como não realizada determinada formalidade processual ou negócio jurídico,
restituindo as partes ao estado anterior. E completa a lição:
A restituição in integrum era o ato do magistrado pelo qual ele considerava não realizado o negócio jurídico ou formalidade processual, aos quais o ius civile reconhecia efeitos jurídicos, por considerar que esses efeitos eram contrários à equidade. Assim sendo, a restituição in integrum era, dos meios complementares do processo formulário, o mais radical, pois tinha como não realizados negócios jurídicos legalmente celebrados, ou formalidade processuais regularmente observadas. Em virtude dela, retornava-se ao estado anterior ao da celebração do negócio jurídico ou do cumprimento da formalidade processual. Por isso o magistrado denegava as ações civis que surgiam desses negócios jurídicos, bem como concedia aquelas que, em virtude deles, tinham deixado de existir para o ius civile. [...] No direito clássico, na parte inicial do Edito, uma lista das causas que davam margem à concessão do restitutio in integrum, eram as seguintes: ob aetatem (por causa de idade), ob absentiam (por causa da ausência), ob capitis deminutionem (por causa do capitis deminutio), ob errorem (por causa de erro), ob metum (por causa de coação), ob dolum (por causa de dolo) e ob fraudem creditorum (por causa de fraude contra credores). Mas o magistrado podia conceder a restitutio in integrum mesmo quando ocorressem causas não previstas no Edito. Por outro lado, a restitutio in integrum era concedida se solicitada dentro do prazo de um ano útil, a contar, porém, não da data da
10
“Em certos casos previstos no Edito, o descontente com o julgamento podia pedir ao pretor que lhe concedesse contra a sentença uma restitutio in integrum, a qual, uma vez concedida, fazia com que se considerasse como não tendo havido julgamento algum, dando margem, então, a que se promovesse novo processo.” ALVES, José Carlos Moreira. História do direito romano. Instituições de direito romano. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971. v. I. p. 250. 11
ALVES, José Carlos Moreira. História do direito romano. Instituições de direito romano, v. I. p. 262.
19
celebração do negócio jurídico ou do cumprimento da formalidade processual, mas daquela em que fosse possível a solicitação da medida (assim, por exemplo, quando o menor se tornasse maior; quando o ausente regressasse; quando o dolo fosse descoberto).12
Identifica-se, portanto, instituto similar ao da atual ação rescisória, na
medida em que certa decisão poderia ser considerada como “não realizada”, dando
margem, em seu lugar, à elaboração de um novo decisum.
À mesma conclusão chegou Ronaldo Cramer, apoiado em estudos
desenvolvidos por Moacyr Lobo da Costa e José Rogério Cruz e Tucci:
A restitutio in integrum tinha contornos bastante parecidos com a nossa ação rescisória. O pedido podia ser julgado em duas fases. Na primeira, chamada de iudicium rescindens, o pretor apreciava se rescindia o julgado, e na segunda, denominada iudicium rescissorium, que nem sempre ocorria, o pretor decidia novamente o conflito ou determinava que o magistrado privado decidisse conforme determinadas regras. Esses dois juízos perduram até hoje como as fases de julgamento da ação rescisória.13
Com relação à restitutio in integrum, contudo, duas peculiaridades
merecem ser observadas. A primeira alude ao fato de que poderia ser concedida a
restitutio in integrum, mesmo quando a hipótese não estivesse prevista no Edito, ou
seja, caso o pretor considerasse como não realizada certa decisão, poderia assim
fazê-lo, independentemente de qualquer previsão para tanto. A segunda refere-se
ao caráter excepcional do instituto14.
Além da restitutio in integrum, existiam outras formas de impugnação da
sentença no direito romano, como, por exemplo, a infiatio, a appellatio e a querela.
Estudos demonstram, entretanto, que, em razão das coincidentes características, foi
a restitutio in integrum que efetivamente serviu de base para a nossa ação
rescisória.
12
ALVES, José Carlos Moreira. História do direito romano. Instituições de direito romano, v. I. p. 266-267. 13
CRAMER, Ronaldo; Ação rescisória por violação de norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2012. p. 129. 14
“O magistrado, porém, por via de regra, só concedia a restitutio in integrum quando não havia meio normal para a reparação do meio normal para a reparação do prejuízo decorrente do negócio jurídico ou da formalidade processual”. ALVES, José Carlos Moreira. História do direito romano. Instituições de direito romano, v. I. p. 266.
20
Há quem sustente, contudo, que a origem da ação rescisória no Brasil
seria a querela nullitatis, prevista no direito italiano.
Alguns autores, como Barbosa Moreira, apontam a querela nullitatis do direito estatutário italiano como o ascendente da ação rescisória brasileira. O instituto comportava duas modalidades, conforme a natureza do vício da sentença: a querela nullitatis sanabilis e a querela nullitatis insanabilis. A primeira assemelhava-se a um recurso e a segunda tinha por objetivo atacar a coisa julgada. No direito intermédio é que se criou, nos estatutos italianos, a querela nullitatis, destinada a atacar as sentenças que contivessem errores in procedendo. Ensina importante estudioso deste instituto que o mesmo se desdobrava em duas modalidades: querela nullitatis sanabilis, para vícios menos graves e querela nullitatis insanabilis, para os mais graves, sendo certo que aquela primeira modalidade acabou por ser absorvida pela apelação, enquanto a segunda modalidade continuou adequada para o ataque a vícios da sentença que não se sanavam com a coisa julgada.15
Seja originário do direito romano, seja originário do direito italiano, fato é
que a preocupação com a rescisão de decisões com vícios não é recente e, na linha
do que afirmou José Carlos Barbosa Moreira16, é possível que ambos os institutos
tenham servido de base para a ação rescisória que temos hoje no ordenamento
pátrio.
No Brasil, em 1850, a ação rescisória já era prevista no Regulamento n.
737, como mecanismo capaz de “anular” a sentença17. Mesmo após a edição de
Códigos Estaduais, a ação rescisória foi mantida (ao menos na maioria dos Códigos
Estaduais) como forma de anular a sentença.
Consoante relato de Ronaldo Cramer18:
Os Códigos Estaduais também acompanharam as regras do Regulamente nº 737, sendo que alguns chegaram a ser cópias fiéis, o que trouxe pouca contribuição ao desenvolvimento da nossa ciência processual. No dizer de Moacyr Lobo da Costa ‘os legisladores estaduais acharam mais fácil copiar do que inovar’.
15
MACEDO, Alexander dos Santos. Da querela nullitatis – sua subsistência no direito brasileiro, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p. 49-50. Apud CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 2. 16
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 5. p. 103. 17
De acordo com o art. 681 do Regulamente 737 de 1850, a sentença poderia vir a ser anulada de quatro formas diferentes: (i) “appellação”; (ii) “revista”; (iii) “embargos á execução”; (iv) “acção rescisória, não sendo a sentença proferida em grau de revista”. 18
CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 134.
21
O Código de Processo Civil de 1939 também previu a ação rescisória
como forma de impugnar a coisa julgada, conforme se extrai da disciplina do seu art.
79819. Era hipótese de rescisão a sentença proferida: (i) para juiz peitado, impedido,
ou incompetente racione material; (ii) com ofensa à coisa julgada; (iii) contra literal
disposição de lei; ou (iv) quando o seu principal fundamento fosse prova declarada
falsa em juízo criminal, ou de falsidade inequivocamente apurada na própria ação
rescisória.
O artigo 80020 do referido Código, contudo, consignava a impossibilidade
de manejo da ação rescisória em caso de injustiça da sentença, má apreciação de
prova ou errônea interpretação do contrato.
O artigo seguinte (art. 801) previa o julgamento da ação rescisória em
única instância, pelas Câmaras Reunidas do Tribunal de Apelação, cujo
procedimento era assim disciplinado:
[...] estando regularmente instruída a petição inicial, esta seria distribuída a um magistrado, a quem incumbia ordenar a citação. No caso de haver necessidade de produção de prova testemunhal ou pericial, o relator delegava sua competência para dirigir a instrução probatória ao juízo de direito da comarca onde residissem as testemunhas, ou onde a perícia tivesse de ser realizada. Em seguida, permaneceriam os autos na secretaria durante dez dias, para oferecimento de razões. Após esse prazo, os autos eram encaminhados ao relator (e, se fosse o caso, ao revisor) e, em seguida, levava-se a ação rescisória a julgamento.21
Com a edição do CPC de 1973, algumas mudanças foram atribuídas ao
instituto:
[...] limitou o cabimento para sentença de mérito (caput do art. 485); aumentou as hipóteses de cabimento (incisos do art. 485), previu expressamente os legitimados ativos (art. 487); dispôs sobre a cumulação dos pedidos rescindente e rescisório (inciso I do art. 488);
19
“Art. 798. Será nula a sentença: I – quando proferida: a) para juiz peitado, impedido, ou incompetente racione material e; b) com ofensa à coisa julgada; c) contra literal disposição de lei. II – quando o seu principal fundamento for prova declarada falsa em Juízo criminal, ou de falsidade inequivocamente apurada na própria ação rescisória.” 20
“Art. 800. A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória.” 21
CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 6.
22
condicionou o ajuizamento da ação ao depósito de 5% do valor da causa (inciso II do art. 488); e estabeleceu o prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado, para a propositura da rescisória (art. 495).22
Verifica-se, portanto, que não é recente a preocupação do nosso
ordenamento com a possibilidade de rescisão de sentença com autoridade de coisa
julgada. Desde 1850, o ordenamento jurídico brasileiro já previa a possibilidade de
rescindir eventual decisão que violasse dispositivo de lei, ou seja, há muito o
legislador demonstrou que entre a proteção da coisa julgada e a exclusão de
decisões violadoras de lei do cenário jurídico brasileiro, a opção foi a segunda
alternativa.
Tal orientação permanece até hoje, na medida em que, consoante o atual
CPC, editado em 1973, a violação a literal dispositivo de lei continua como
fundamento para o ajuizamento de ação rescisória, nos termos do inciso V do seu
artigo 485.
O conceito de “literal dispositivo de lei” será oportunamente abordado.
Antes, contudo, é relevante aprofundar o conhecimento sobre o instituto da ação
rescisória no direito processual brasileiro.
1.2 CONCEITO DE AÇÃO RESCISÓRIA NA DOUTRINA BRASILEIRA
Observados alguns aspectos históricos, nada mais oportuno do que
continuarmos a exploração do tema, trazendo o conceito de ação rescisória, de
acordo com os doutrinadores brasileiros.
Para José Carlos Barbosa Moreira23, por exemplo, a ação rescisória visa
à “desconstituição da sentença transitada em julgado, com eventual rejulgamento, a
seguir, da matéria nela julgada”.
22
CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 135. 23
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Revista de Processo, ano IX, n. 34, São Paulo, RT, abr./jun. 1984. p. 279.
23
Aproveitamos a definição trazida pelo referido doutrinador para evidenciar
algumas premissas com relação a conceitos como “trânsito em julgado” e “coisa
julgada material”.
A doutrina usualmente utiliza a expressão “trânsito em julgado” para
sentenças com autoridade de “coisa julgada material”. No presente trabalho,
utilizaremos a expressão “trânsito em julgado” tanto para sentenças com autoridade
de “coisa julgada formal” como “coisa julgada material”. Como, tecnicamente, ambas
as situações envolvem “trânsito em julgado”, ao utilizar tal expressão, havendo
necessidade, cuidar-se-á de indicar se se trata de sentença com autoridade de coisa
julgada material ou apenas formal.
Tanto as sentenças que analisam o mérito do direito pleiteado como as
terminativas transitam em julgado. Referida observação é necessária para que não
existam dúvidas acerca da terminologia adotada em determinadas situações ao
longo do presente trabalho.
A observação mostra-se relevante na medida em que, conforme
demonstraremos nos próximos capítulos, parte da doutrina sustenta a necessidade
de ajuizamento de rescisória para casos em que, a princípio, resultariam em uma
sentença terminativa. É o que ocorre, por exemplo, com a extinção da ação sem
julgamento do mérito pelo reconhecimento da “impossibilidade jurídica do pedido”.
Independentemente da discussão doutrinária acerca desse aspecto, o
caput do artigo 485 do CPC é claro ao dispor que pode ser rescindida “sentença de
mérito, transitada em julgada”, ou seja, ao menos em princípio, apenas as sentenças
(e decisões com conteúdo de sentença) de mérito poderiam ser objeto de ação
rescisória.
Retornando às definições, o processualista Ronaldo Cramer24 apresenta o
seguinte conceito de ação rescisória: “uma ação impugnativa autônoma, que tem por
finalidade a desconstituição da sentença de mérito transitada em julgado, com
eventual rejulgamento da matéria nela decidida”.
24
CRAMER, Ronaldo. Ação Rescisória por violação de norma jurídica, 2 ed. Salvador: JusPODIVM, 2012. p. 144.
24
Referida definição é bastante semelhante àquela elaborada por Alexandre
Freitas Câmara25, para quem a ação rescisória pode ser definida como “demanda
autônoma de impugnação de provimentos de mérito transitados em julgado, com
eventual rejulgamento da matéria neles apreciada”.
Nas definições trazidas pelos doutrinadores cariocas, portanto, além da
natureza de ação autônoma26, fica consignado que a rescisória tem como finalidade
a desconstituição de decisão de mérito transitada em julgado.
Assim, das lições colacionadas, pode-se concluir que para o manejo da
“ação rescisória” a decisão a ser rescindida deve: (i) versar sobre o mérito e (ii) ter
transitado em julgado.
Não obstante esses conceitos possam parecer simples, alguns aspectos
tormentosos podem surgir e serão considerados no escopo do presente estudo.
1.3 SENTENÇA DE MÉRITO
Encontra-se disposto no caput do art. 485 do CPC, que, entre outros
requisitos, são rescindíveis as “sentenças de mérito”27.
O conceito de sentença sofreu alteração em 2005, com a edição da Lei n.
11.232/2005. Antes de referida legislação, o §1º do artigo 162 do CPC definia
25
CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 19. 26
Com relação à natureza da ação rescisória – se ação autônoma ou recurso – entendemos ser ultrapassada essa discussão na doutrina. Se não a totalidade da doutrina, a maioria já consignou entendimento no sentido de que se trata de ação autônoma e não recurso. Estamos absolutamente de acordo com esse entendimento, até porque uma das exigências da rescisória é a sentença de mérito com autoridade de coisa julgada material, ou seja, não sendo passível de recurso. 27
“Consoante disposto no caput do art. 485 do CPC, o objeto do pedido de desconstituição é a ‘sentença de mérito’. Portanto, para determinar se o ato é, ou não, passível de desconstituição por ação rescisória, a primeira das questões a resolver é saber se o ato se enquadra no modelo previsto pela norma legal. Aliás, talvez aí resida uma das mais importantes projeções da distinção entre sentenças definitivas e terminativas, na medida em que estas, em tese, estão excluídas da previsão legal.” YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 157.
25
sentença como “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o
mérito da causa”.
A definição de sentença era feita com base no critério topológico,
contudo, tratava-se de um equívoco. Isso porque, proferida a sentença de primeiro
grau, as partes (ou apenas a parte vencida) poderiam interpor recurso, não havendo
que se falar em encerramento do processo (termo ao processo). Da mesma forma,
um acórdão não encerraria o processo se a parte interessada interpusesse recurso
especial e/ou extraordinário ou, ainda, a parte vencedora poderia iniciar a execução,
não havendo, igualmente, o que se cogitar em pôr fim ao processo.28
Com a Lei n. 11.232/2005, sentença passou a ser conceituada como “ato
do juiz que implica alguma das situações previstas no arts. 267 e 269 desta Lei”29. A
definição deixa de lado o critério topológico e, acertadamente, passa a se relacionar
com o conteúdo da decisão30.
Dessa maneira, independentemente do recurso cabível 31 contra a
decisão, se ela for de mérito, é possível a utilização de ação rescisória para rescindir
a sentença, desde que presentes os requisitos legais 32 . Da mesma forma,
independentemente de estarmos diante de uma sentença propriamente dita, um
28
“A antiga redação do referido §1º do art. 162 do CPC, com base no critério topológico, definia sentença como ‘o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa’. Muito embora satisfatório para o sistema recursal, o antigo conceito não correspondia à realidade processual. Sentença não é ato que põe fim ao processo, porque, se a parte vencida interpuser apelação, o processo continua no tribunal. Da mesma forma, se for prolatado um acórdão com conteúdo de sentença, esse pronunciamento não encerra o processo, porque a parte vencida pode interpor recurso especial ou extraordinário. E, ainda que não seja interposto nenhum recurso, a sentença, mesmo transitada em julgado, não constitui o último ato do processo, uma vez que a parte vencedora ainda pode executar as verbas de sucumbência.” CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 29-30. 29
Artigo 162, §1º, do CPC. 30
“O único elemento por meio do qual se pode identificar as sentenças é o seu conteúdo. Dizer poder distinguir-se a sentença das demais manifestações judiciais a partir do critério topológico significava, a nosso ver, endossar a tautologia a que se chegava pela anterior redação do texto legal: o lugar em que a sentença se encontra é o fim do procedimento em primeiro grau. [...] Sempre nos pareceu, portanto, ser esta a nota marcante das sentenças, ou seja, é o seu conteúdo, preestabelecido por lei de forma expressa e taxativa, que distingue dos demais pronunciamentos do juiz.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 32-33. 31
“Nada impede, portanto, que seja cabível ação rescisória contra pronunciamentos agraváveis.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 484. 32
Como, por exemplo, ter havido uma das hipóteses previstas no art. 485 do CPC ou, também, estar no prazo previsto no art. 495 do mesmo diploma legal.
26
acórdão, uma decisão monocrática ou mesmo uma decisão interlocutória, tratando-
se de decisão de mérito, é possível o manejo da ação rescisória33.
Com base no conteúdo da sentença podemos, desde já, classificá-las
como processuais (terminativas) –a princípio, são aquelas previstas no art. 26734 do
CPC – e as sentenças de mérito – elencadas no art. 26935 do CPC. Ao menos em
tese, apenas as hipóteses previstas no art. 269 do diploma processual civil dão
ensejo à sentença de mérito36 e, portanto, são rescindíveis via ação rescisória37.
33
“Fala o caput do art. 485 do CPC em sentença de mérito. Ocorre que a palavra sentença esta aí empregada em sentido bastante amplo, a querer significar provimento judicial. Desse modo, é perfeitamente possível o cabimento da ação rescisória contra acórdãos (e, aliás, pode-se mesmo arriscar dizer que é mais frequente a utilização da ação rescisória contra acórdãos que contra sentenças). E também contra decisões interlocutórias é cabível a ação rescisória, desde que esse provimento verse sobre o meritum causae [Grifo do autor].” CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 37. 34
Art. 267 do CPC. “Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: I - quando o juiz indeferir a petição inicial; Il - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada; Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; Vll - pela convenção de arbitragem; Vlll - quando o autor desistir da ação; IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal; X - quando ocorrer confusão entre autor e réu; XI - nos demais casos prescritos neste Código. § 1
o O juiz ordenará, nos casos dos ns. II e Ill, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do
processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas. § 2
o No caso do parágrafo anterior, quanto ao n
o II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e,
quanto ao no III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art.
28). § 3
o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a
sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento. § 4
o Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu,
desistir da ação.” 35
Art. 269 do CPC: “Haverá resolução de mérito: I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; III - quando as partes transigirem; IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.” 36
Cabe, aqui, fazer uma breve observação acerca das sentenças de mérito típicas e atípicas. A sentença de mérito típica é aquela que se encontra prevista no inciso I do referido dispositivo legal. Isso porque, é a única em que o juiz expõe a sua própria convicção acerca do acolhimento, ou não, do pedido formulado pelo autor. Nos demais incisos o juiz irá se limitar a ‘homologar’ atos das partes,
27
No que tange às hipóteses previstas no art. 267 do CPC, tratando-se de
vício na relação processual (a princípio, sem contato efetivo com o plano substancial
da causa), entende-se não serem suscetíveis de ação rescisória. O próprio art. 268
do mesmo diploma legal institui que a extinção do processo pelas hipóteses do art.
267 do CPC – à exceção da perempção, da litispendência ou da coisa julgada –
“não obsta a que o autor intente de novo a ação”, não havendo o que se falar,
portanto, em ação rescisória.
Questão um pouco mais polêmica diz respeito à extinção do processo por
carência de ação, hipótese prevista no inciso VI do art. 267 do CPC. Em que pese
estar claro na legislação processual que referida hipótese enseja extinção do
processo sem análise de mérito, há quem sustente que a sentença, ao declarar a
carência da ação, seria equiparável à sentença de improcedência da ação38 e, como
tal, somente seria desconstituída por ação rescisória. Isso porque, diferentemente do
que ocorre com as outras hipóteses do mesmo dispositivo legal (art. 267 do CPC), a
possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual,
conforme sustentam alguns doutrinadores39, guardariam relação com o mérito da
causa.
ou irá se limitar a pronunciar a prescrição e a decadência, hipóteses em que estaremos diante de sentenças de mérito atípicas. 37
“Sabe-se que a sentença de mérito é aquela de que trata o art. 269 do CPC. No art. 269, I, tem-se o que chamamos de sentença de mérito típica, em que o juiz, por ato de sua ‘autoria’, acolhe ou rejeita o pedido do autor. Nos incisos II e III temos os atos das partes que, separadamente ou em conjunto, uma vez homologados, levam à extinção do processo COM julgamento de mérito. No inciso IV diz a lei que o juiz decidirá o mérito quando acolher a alegação de prescrição (ou decretar de ofício, em se tratando de direitos não patrimoniais) ou decretar a decadência. Sabe-se que, segundo a melhor doutrina, a prescrição e a decadência seriam preliminares que integrariam o próprio mérito. Todas as sentenças do art. 269 são rescindíveis, já que têm aptidão para fazer operar a coisa julgada material. Estes são os dois pressupostos básicos para que se admita a ação rescisória: sentença de mérito e trânsito em julgado.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? p. 261. 38
“Este problema, de identificar ou não a força de coisa julgada na sentença proferida, é o que realmente tem relevância; não fora esse crucial envolvimento, careceria de maior importância a discussão em torno da identidade ou dessemelhança entre as locuções ‘carência da ação’ e ‘improcedência da ação’ (ou do pedido, como seria de melhor terminologia). FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Extinção do processo e mérito da causa. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais,.v. 58, abril 1990. p. 23. 39
“O exame das condições da ação implica análise da relação jurídica material. Para o juiz verificar, por exemplo, se o autor é parte legítima, tem de voltar os olhos para a situação da vida apresentada na inicial e verificar quem a integra. Também em relação às demais condições da ação, imprescindível algum grau de cognição da relação substancial.” BEDAQUE, José Carlos dos Santos.
28
A doutrina, de um modo geral – e certamente firme na premissa de que, à exceção da ressalva legal (coisa julgada), todas as hipóteses de extinção sem julgamento de mérito devem ser tratadas igualmente – não parece fazer distinções ou ressalvas. Contudo, na jurisprudência encontram-se decisões restritivas à nova propositura da mesma demanda nos casos, por exemplo, de impossibilidade jurídica do pedido e de ilegitimidade ad causam; o que, mais uma vez, reforça a ideia de que assim se entende porque tais fundamentos são identificados no – ou quando menos a partir do – plano substancial.40
Diante de uma sentença que reconhece a carência da ação, tem-se o
seguinte impasse: ou o decisum não analisa o mérito e, nesta hipótese, nos termos
do art. 268 do CPC, deve ser autorizada a repropositura da ação (a princípio com
identidade, nas ações, de partes, causa de pedir e pedido) ou, se analisa o mérito da
causa, permite a sua rescisão pela utilização da ação rescisória.
A lição de Flávio Luiz Yarshell aponta no seguinte sentido:
Aparentemente, a solução mais adequada e segura – com a ressalva do quanto expendido na sequência – é a de seguir a literalidade do texto legal (CPC, art. 268) e não fazer distinções que não aquela feita pela própria lei. Nesse particular, ainda que se reconheça, como acima reconhecido, que a categoria das condições da ação represente ponto de estrangulamento entre processo e direito material, se a lei não a distinguiu, não parece, nesse caso, caber ao intérprete distinguir.41
Teresa Arruda Alvim Wambier entende que a sentença que pronuncia a
carência da ação não é de mérito. A doutrinadora processualista também destaca
que a propositura de nova ação somente é viável se sanado o vício, o que originará,
em última análise, uma nova ação (diferente da primeira). Nas suas palavras:
Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 121. “Quando a extinção sem julgamento do mérito dá-se pelo reconhecimento da carência de ação e precisamente pela ligação da categoria das condições da ação com o plano substancial do ordenamento, dúvida surge acerca da possibilidade de propositura – de novo – da mesma demanda.” YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 159. 40
YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 160. 41
YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 162. No mesmo sentido: “Pronunciamentos judiciais como o do indeferimento liminar da reconvenção, da oposição e de outras tantas ações incidentais, ainda que não encerrem a atividade cognitiva realizada pelo juiz de primeiro grau, têm natureza jurídica de sentença. Não é, efetivamente, a circunstância de, ocasionalmente, impor a Lei o agravo como recurso cabível contra determinado pronunciamento judicial que determinaria que, no caso, se estaria diante de pronunciamento diverso de sentença. Nada impede, portanto, seja cabível ação rescisória contra pronunciamentos”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 484.
29
[...] é interessante observar que, se a sentença pronuncia a ausência de uma condição da ação, haverá fenômeno assimilável à coisa julgada, porquanto somente poderá propor nova ação se corrigido o vício – e não mais se poderá falar, no caso, que se está diante da mesma ação [...]. Sob este prisma, a sentença que acusa a ausência de uma condição da ação é, a rigor – embora se diga estar diante de sentença que extingue o processo sem julgamento do mérito – algo até mais grave, perante o ordenamento jurídico, que a sentença que julga improcedente o pedido. A sentença terminativa aí proferida declara que a ação sequer poderia ter sido proposta, pois que ausentes os requisitos minimamente exigidos pelo sistema, para que isso ocorresse.42
Para José Roberto dos Santos Bedaque, há identidade entre a
improcedência e a impossibilidade jurídica do pedido. Já o exame da legitimidade e
o interesse, apesar de não se identificarem plenamente com o mérito, produzem
efeitos no plano material, fazendo com que a decisão adquira qualidade de coisa
julgada material.
Até a 3ª edição deste estudo sustentei que ‘ademais, o exame das condições da ação distingue-se do mérito em substância. Enquanto no primeiro o juiz se limita a verificar determinados elementos apenas da relação processual (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade e interesse), no segundo aprofunda-se ele na análise de toda a relação, naquilo que interessar para o objeto do processo e a tutela representada pela sentença’. Alterei em parte esse entendimento. Hoje, penso haver identidade entre impossibilidade jurídica do pedido e improcedência. Legitimidade e interesse não se identificam plenamente com o mérito. Mas o exame desses elementos produz efeitos no plano material, razão pela qual deve adquirir qualidade de coisa julgada.43
Mesmo não estando no escopo deste estudo aprofundar esse aspecto,
vale registrar que, de lege lata44, quando há a extinção do processo por carência da
ação, não se pode falar em análise de mérito.
42
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipótese de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 32. 43
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, p. 106. 44
O projeto de novo Código de Processo Civil, na última versão aprovada pela Comissão Especial do Senado Federal, em julho de 2013, parece aclarar esse impasse na medida em que dispõe, no art. 495, que nos casos de ausência de legitimidade ou interesse processual o órgão jurisdicional não resolverá o mérito. Exclui-se, portanto, a hipótese de impossibilidade jurídica do pedido. Nesse cenário, de acordo com José Roberto dos Santos Bedaque, a impossibilidade jurídica do pedido equivaleria à sentença de improcedência e, como tal, quando reconhecida tal impossibilidade, haverá decisão de mérito (art. 497, inciso I do Projeto do novo CPC). BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, p. 106.
30
Nesse sentido, ainda que as condições da ação tenham uma relação
próxima ao mérito da causa (e isto é certo) e que a extinção do processo por
ausência de condição da ação seja mais grave do que a própria improcedência
(neste aspecto concordamos com Teresa Arruda Alvim Wambier), não há razão para
rescisão da decisão por ação rescisória.
Mas a polêmica envolvendo sentenças de mérito e, portanto, rescindíveis
por ações rescisórias não se esgota aqui. Inúmeras são as situações em que se
questiona a possibilidade (ou não) de rescisão de determinada sentença de mérito,
por ação rescisória. É o que ocorre quando se está diante, por exemplo, de decisões
proferidas em execução45 ou mesmo processo cautelar.
Apesar de alguns estudiosos sustentarem a inexistência de análise do
mérito em execução, Flávio Luiz Yarshell apresenta um exemplo “polêmico” que
seria a apresentação de comprovante de pagamento da obrigação (como prova pré-
constituída), na execução. Nesta hipótese, inevitavelmente, o juiz fará uma análise
da relação de direito material, ainda que em sede de execução.
Nesses casos, que não parecem ser dogmaticamente irrelevantes, existe cognição sobre a relação substancial. E, se essa cognição é adequada e suficiente para exaurir a controvérsia, levando, inclusive, à extinção do processo, nada parece justificar que o ato daí resultante tenha eficácia meramente processual. Se o juiz, após cognição adequada e suficiente à extensão da controvérsia, reconhece extinta a obrigação, é preciso superar a ideia segundo a qual não há declaração de direito no processo de execução e, portanto, a sentença que lhe põe fim é somente apta a formar coisa julgada formal.46
45
E, aqui, entende-se por execução tanto a liquidação da sentença (arts. 475-A a 475-H) como o cumprimento de sentença (arts. 475-I a 475-R) como, também, o processo de execução. 46
YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 214. No mesmo sentido Alexandre Freitas Câmara: “Nunca houve qualquer dúvida acerca do cabimento de ação rescisória para impugnar o provimento judicial que julgava a liquidação de sentença ou embargos à execução fundada em sentença. A questão que aqui se põe é saber se, diante das reformas implantadas no processo civil brasileiro, tais provimentos deixaram de ser impugnáveis por ação rescisória. Penso que quanto ao ponto nada mudou. A decisão que resolve o incidente de liquidação de sentença julga o mérito deste incidente, que não se confunde com o mérito da causa principal (aplicando-se, aqui, mutatis mutantis, o que se costuma dizer acerca do mérito do processo cautelar). O incidente de liquidação de sentença tem um objeto próprio, que é julgado, ainda que por decisão interlocutória. Tal provimento judicial, sem qualquer dúvida, é proferido com base em cognição exauriente, e contém conteúdo declaratório suficiente para acertar o quantum debeatur, o valor ou quantidade que o
31
Reflexão semelhante deverá ocorrer quando se está diante de decisões
proferidas em processo cautelar. O processo cautelar, em regra, visa a garantir uma
providência futura e definitiva, e não se pode falar, ao menos em tese, que se trata
de lide propriamente dita.
Certo é que o conceito de ‘mérito’ no processo cautelar é, como sabido, objeto de considerável controvérsia. Assim, sendo difícil determinar o que é mérito, é igualmente difícil saber se e quando se está diante de uma decisão de mérito e, nessa medida, se em relação a ela pode-se cogitar ação rescisória. Contudo, sem embargo das dificuldades daí decorrentes, parece possível dizer, até mesmo na tentativa de sistematizar o exame da matéria, que a decisão de mérito no processo cautelar, em primeiro lugar, pode ser considerada aquela que, desviando-se da finalidade clássica desse processo, define desde logo – e não apenas provisoriamente – a relação de direito material e, nesta medida, projeta efeitos para fora do processo. Tal é o que se constata na sentença que, embora proferida no processo cautelar, não apenas pronuncia a decadência ou prescrição (como dito, mencionadas expressamente pelo art. 810 do CPC), mas também a que reconhece a existência de pagamento ou de outra forma de extinção da obrigação, fundamento do pedido do processo principal, bastando que a cognição seja adequada e suficiente para os termos da controvérsia. Essa parece ser a verdadeira decisão de mérito que, nesse contexto, realmente enseja eventual ação rescisória.47
devedor está obrigado a pagar. Assim, não tenho qualquer dúvida em afirmar que tal provimento é apto a alcançar a autoridade de coisa julgada material e, assim, pode ser impugnado por ação rescisória. O mesmo modo de pensar, a meu juízo, pode ser aplicado à impugnação à execução de sentença. Antes da Lei nº 11.232/2005, essa defesa do executado levava à instauração de um processo de conhecimento autônomo, os embargos do executado. Nesse modelo anterior à reforma, indubitavelmente, havia sentença de mérito apta a alcançar a coisa julgada material e, por conseguinte, ser impugnada por ação rescisória. Após a reforma, a meu ver, mudou apenas o modo de se processar a defesa do executado, que não se examina mais em processo autônomo, mas incidentemente ao processo em que a sentença foi proferida e é executada. Não houve, porém, qualquer mudança na profundidade da cognição judicial exercida pelo magistrado no exame da defesa, nem no conteúdo da decisão que ali profere. O fato de não se ter mais ali uma sentença (ao menos como regra, e ressalvado o caso em que tal provimento resulta a extinção da execução), mas mera decisão interlocutória, em nada modifica o que aqui se sustenta, já que – como visto anteriormente – é perfeitamente cabível a ação rescisória contra decisões interlocutórias de mérito”. (Ação rescisória, p. 39-40). Teresa Arruda Alvim Wambier também se manifesta: “[...] se o pedido que se faz na execução equivale a seu ‘mérito’ (que seja satisfeita a obrigação nos moldes em que consta do título) e a sentença ‘declara’ que o que foi pedido foi satisfeito, nesse sentido e nessas dimensões, pode-se dizer que há ‘mérito’ e ‘sentença’ na execução”. (Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 482). 47
YARSHELL, Flávio Luiz, Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 226.
32
Com efeito, inúmeras são as situações em que se pode questionar se a
decisão proferida é sentença e, se o é, se julga o mérito, o que, em princípio48,
autorizaria o manejo da ação rescisória, caso fosse verificada uma das hipóteses do
art. 485 do CPC.
Mais produtivo do que apontar todas essas situações – até porque isso
seria impossível – é tentar esclarecer o que se entende por “mérito” e o objetivo é
verificar, dado um caso concreto, se estamos ou não diante de uma sentença que
analisa o mérito da causa49.
De acordo com Enrico Tullio Liebman: “O elemento que delimita em
concreto o mérito da causa não é, portanto, o conflito existente entre as partes fora
do processo, e sim o pedido feito ao juiz em relação àquele conflito.”50
Candido Rangel Dinamarco51 também leciona sobre o tema:
Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere) que, entre outros significados, tem de pedir, por preço (é a mesma origem de meretriz e aqui também há a ideia do preço, exigência). Daí se entende que meritum causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita causae) é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para seu exame. [...] Por tudo quanto foi dito nos itens anteriores, fica portanto a certeza de que é a pretensão que consubstancia o mérito, de modo que prover sobre este significa ditar uma providência relativa à situação tensa representada pela pretensão; eis o escopo social da jurisdição, cumprido mediante a eliminação das incertezas representadas pelas pretensões insatisfeitas.
48
Utilizamos, neste momento, a terminologia “em princípio” porque há casos em que a sentença é de mérito, mas não formam coisa julgada material, de modo que se mostra impensável a utilização da ação rescisória para rescindir a decisão. É o que ocorre, por exemplo, com as ações coletivas (ação civil pública e/ou popular), quando a improcedência ocorre por insuficiência de provas. Nesta hipótese específica, em que pese haver a análise do mérito da causa, não há a formação da coisa julgada material, não havendo o que se cogitar na utilização da ação rescisória. A mesma situação ocorre com as sentenças proferidas perante os Juizados Especiais Cíveis que, por determinação legal, ainda que presentes as hipóteses do art. 485 do CPC não autorizam a rescisão do provimento judicial por ação rescisória. Neste sentido, ver CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 38-39. 49
“É certo que, de volta ao início, as incertezas acerca do conceito de ‘mérito’ mantêm a complexidade do tema, e é necessário encontrar parâmetros quanto menos objetivos para determinar o que seja ‘mérito’ – parâmetros, esses, que parecem ainda longe de ser estabelecidos, quer na doutrina, quer tanto mais na jurisprudência.” YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 184. 50
LIEBMAN, Enrico Tullio. O despacho saneador e o julgamento do mérito. Revista Forense. Rio de Janeiro, n. 104, 1945. p. 220. 51
DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 202-203.
33
O conceito de mérito, contudo, não deve limitar-se aos pedidos
formulados exclusivamente pelo autor. Nessa direção afirma Cassio Scarpinella
Bueno, que assim assevera:
São as decisões que julgam o mérito, sempre entendido para os fins do Código de Processo Civil, como sinônimo de lide ou, de forma mais ampla, como o pedido (ou pedidos) de tutela jurisdicional formulado (ou formulados) pelo autor acrescidos de outros que, eventualmente, tenham sido apresentados ao longo do processo, inclusive pelo próprio réu.52
O mérito, portanto, deve ser entendido como os pedidos formulados ao
longo do processo, valendo destacar que não estão limitados àqueles formulados
pelo autor. Outros pedidos (inclusive formulados pelo próprio réu) poderão ser
formulados ao longo do processo e, da mesma forma, representarão o mérito53.
Ainda, sobre a definição de mérito, pertinentes são os ensinamentos de
Flavio Luiz Yarshell:
‘Julgar o mérito’, como visto, é julgar o pedido, isto é, a pretensão deduzida. Quando o juiz antecipa a tutela (e mesmo quando a denega) não se pode negar que exista, aí, julgamento do mérito, ainda que parcial: ao antecipar total o parcialmente os efeitos da sentença de mérito o juiz o faz nos limites e termos do pedido, que, nessa medida, é decidido. O que ocorre é que essa decisão sobre o mérito – salvo na hipótese do §6º do art. 273 do CPC – é provisória. Nada obstante essa marca, se considerado o objeto do que é julgado, a decisão enfrenta o mérito, embora não o faça de forma a acabar com o ofício jurisdicional. De outro lado, não se descarta que mesmo antes da sentença, parte do pedido – isto é, do mérito – seja julgada.54
52
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2, t. I. p. 336. 53
“Segundo a doutrina, há demanda do réu dentro do mesmo processo instaurado pelo autor nas seguintes hipóteses: (a) quando oferecida a reconvenção; (b) quando apresentado o pedido de declaração incidente; (c) o pedido de declaração de falsidade documental; (d) quando proposta denunciação da lide; (e) quando formulado o pedido contraposto (embora não haja absoluto consenso quanto a esta última hipótese. [...] A ideia fundamental que permeia essa distinção, acolhida de modo quase unânime pela doutrina, está no fato de que, nos cinco exemplos dados de respostas dos réus configuradas como demanda, o réu age como autor, pois exerce direito de ação, veiculando pretensão que poderia ser deduzida por meio de processo autônomo, mas, como não o foi, provoca a cumulação de demandas no mesmo processo instaurado por iniciativa do autor, ampliando o seu objeto litigioso.” SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro – Um estudo sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011. p. 86-87. 54
YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, p. 115.
34
Assim, de acordo com os citados doutrinadores, o(s) pedido(s)
formulado(s) pelo autor e, eventualmente, pelo réu (em ações dúplices, pedido
contraposto, reconvenção/declaração incidente), materializa(m) o objeto litigioso do
processo, ou seja, o mérito que, ao transitar em julgado, terá autoridade de coisa
julgada material, rescindida por ação rescisória.
Importante destacar que somente o pronunciamento judicial sobre o
pedido pode adquirir autoridade de coisa julgada material. A fundamentação da
sentença, que poderá tratar de questões prejudiciais, não adquire tal qualidade55.
No sistema do Código (arts. 468 e 469), só o pronunciamento judicial sobre o pedido é idôneo para adquirir a qualidade de coisa julgada. Esta não abrange a fundamentação da sentença, na qual se compreende a solução das questões atinentes às relações jurídicas prejudiciais, assim denominadas aquelas de cuja existência ou inexistência logicamente depende a da relação jurídica deduzida pelo autor, por meio da demanda que de origem ao processo.56
Uma vez conhecidos os conceitos de (i) sentença e de (ii) mérito, passa-
se a analisar o conceito de trânsito em julgado, visto que, conforme mencionado
anteriormente, apenas as sentenças de mérito transitadas em julgado são passíveis
de serem rescindidas, nos termos do artigo 485 do CPC.
1.4 TRÂNSITO EM JULGADO E COISA JULGADA
Tanto no caput do artigo 485 do CPC como nos conceitos elencados na
seção 1.2 deste estudo, verifica-se que o “trânsito em julgado” da decisão que se
pretende rescindir é um requisito necessário ao manejo da ação rescisória.
55
“Questão é toda controvérsia que se constitui no bojo do processo. Controvérsia a respeito de fato (questão de fato) ou relativa a direito (questão de direito). A questão pode ser objeto de um pedido, e se assim for, será decidida pelo juiz com força de coisa julgada. Aquelas, entretanto, que não constituírem objeto de pedido, o juiz as apreciará incidentalmente, com vistas a decidir o que foi objeto do pedido. Muitas delas integram a motivação de sua decisão de mérito [...]. Algumas dessas questões de direito são chamadas de questões prévias, porque a sua decisão precede, sempre, a decisão sobre o mérito propriamente dito. Essas questões prévias, por sua vez, ou são preliminares ou são prejudiciais.” PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao CPC. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. 3. p. 477. 56
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista de Processo. São Paulo, n. 416, v. 59, junho 1970. p. 9.
35
No que tange ao sentido da expressão “trânsito em julgado”, poucos são
os doutrinadores que efetivamente a exploram com profundidade e, não raro,
observa-se certa confusão com o conceito de “coisa julgada”. Tal não acontece com
José Carlos Barbosa Moreira, cuja doutrina enfrenta o assunto com bastante
clareza:
Por ‘trânsito em julgado’ entende-se a passagem da sentença da condição de mutável à de imutável. Pouco importa que essa imutabilidade haja de limitar-se ao âmbito do processo, ou de projetar-se ‘ad extra’. Quer dizer: pouco importa que a decisão seja ou não seja idônea para revestir-se da ‘auctoritas rei iudicatae’ no sentido material. Como não existe decisão que não produza ao menos coisa julgada formal, tôdas as decisões, seja qual fôr a sua natureza, em certo momento transitam em julgado. Tal momento é aquele em que cessa a possibilidade de impugnar-se a sentença por meio de recurso. Se ela já era, ‘ab origine’, irrecorrível, transitou em julgado no próprio instante em que adquiriu existência como ato processual – ou seja, no instante da publicação. Se é recorrível, transitará em julgado exatamente quando deixe de o ser: ou no têrmo ‘ad quem’ do prazo de interposição do recurso admissível, não utilizado; ou ao verificar-se algum fato capaz de tornar inadmissível o recurso, antes (exemplo: renúncia) ou depois (exemplo: deserção) da interposição; ou ainda com a homologação da desistência manifestada pelo recorrente. O trânsito em julgado é, pois, fato que marca o início de uma situação jurídica nova, caracterizada pela existência da coisa julgada – formal ou material, conforme o caso. A consideração da coisa julgada como situação jurídica permite maior precisão na delimitação dos conceitos com que estamos lidando. Não há confundir ‘res judicata’ com ‘auctoritas rei iudicatae’. A coisa julgada não se identifica nem com a sentença transita em julgado, nem com o particular atributo (imutabilidade) de que ela se reveste, mas com a situação jurídica em que passa a existir após o trânsito em julgado. Ingressando em tal situação, a sentença adquire uma autoridade que – esta, sim – se traduz na resistência a subseqüentes tentativas de modificação do seu conteúdo. A expressão ‘auctoritas rei iudicatae’ e não ‘res indicata’, portanto, é a que corresponde ao conceito de imutabilidade.57
O autor arremata o ensinamento mencionando que não se pode confundir
“trânsito em julgado” e “coisa julgada”: trânsito em julgado alude à “passagem da
sentença da condição de mutável a imutável” e o momento dessa passagem “é
57
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, n. 416, v. 59, junho 1970. p. 12.
36
aquele em que cessa a possibilidade de impugnar-se a sentença por meio de
recurso”.58
O conceito parece adequado e suficiente para sustentarmos que a ação
rescisória somente poderá ser ajuizada em face de “decisões imutáveis” sendo certo
que, de acordo com o art. 485 do CPC, devem, ainda, tratar do mérito da causa.
Candido Rangel Dinamarco59, a respeito, também ensina:
Se analisássemos a locução transitada em julgado fora do contexto do art. 485 do Código de Processo Civil, esta exprimiria nada mais nada menos do que a formação da coisa julgada formal, preclusão máxima do processo, ante o esgotamento das vias recursais, pela não interposição do recurso dentro do prazo legal, ou desistência deste, conforme visto no item anterior. Mas a realidade, o que quer expressar o art. 485 do Código de Processo Civil não é a formação da coisa julgada formal e sim a coisa julgada material. Uma análise de todos os termos constantes do caput do referido dispositivo legal mostra que o legislador combinou a sentença de mérito com trânsito em julgado, levando-nos a crer que na realidade o legislador exige que esteja presente a coisa julgada material, que se constitui, assim, em mais uma condição de admissibilidade de ação rescisória [Grifo do autor].
Apesar de as sentenças de mérito e as terminativas transitarem em
julgado, apenas as que resolverem o mérito é que poderão ser objeto de ação
rescisória. Para tanto, é necessário que a decisão tenha passado da condição de
mutável para a condição de imutável.
Ainda, de acordo com os ensinamentos de José Carlos Barbosa
Moreira60, com o trânsito em julgado da decisão de mérito haverá coisa julgada que,
se analisar o mérito, assumirá a qualidade de coisa julgada material, esta sim,
possível de ser rescindida via ação rescisória.
Neste momento, é oportuno e adequado discorrer sobre a “coisa julgada”.
A doutrina nacional estuda o referido instituto por prismas distintos: coisa julgada
formal e coisa julgada material.
58
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, São Paulo, n. 416, v. 59, junho 1970. p. 12. 59
DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória. São Paulo: Atlas, 2004. p. 83. 60
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Revista de Processo, ano IX, n. 34, São Paulo, RT, p. 273-285, abr./jun. 1984. p. 280.
37
Para Moacyr Amaral Santos61:
A coisa julgada formal e a coisa julgada material são degraus do mesmo fenômeno. Proferida a sentença e preclusos os prazos para recurso, a sentença se torna imutável (primeiro degrau – coisa julgada formal); e, em consequência, tornam-se imutáveis os seus efeitos (segundo degrau – coisa julgada material).
Da definição acima, conclui-se que para que ocorra a coisa julgada
material, necessariamente, deve ocorrer a coisa julgada formal. Já a coisa julgada
formal ocorre independentemente da coisa julgada material. É o que sucede quando
o processo é extinto sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267 do CPC.
No caso de ação extinta, por exemplo, por desistência do autor (inc. VIII
do art. 267 do CPC), em que não seja mais possível a interposição de recurso,
estará presente a autoridade da coisa julgada formal apenas, ficando a sentença
(lato sensu) imutável naquele processo em que fora proferida (efeito
endoprocessual)62.
De acordo com Maria Conceição Alves Dinamarco63:
A coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, também chamada de preclusão máxima. Essa última é uma qualidade da sentença que se dá quando não se recorre do decisum ou quando este se torne irrecorrível, trazendo seus reflexos para o próprio processo, ou seja, tornando indiscutível o que fora discutido para aquele processo e somente para ele. Diferentemente, a coisa julgada material tornará indiscutível o comando da sentença não só para o processo em que foi proferida, mas projetará os efeitos da decisão para fora do processo, sobrevivendo a este.
Da transcrição da doutrina retrocitada, extrai-se que a coisa julgada
formal pode ser tratada como sinônimo de “preclusão máxima”.
Nesse aspecto, como estamos fazendo desde o início do presente estudo
e apenas para que não haja nenhuma confusão com a terminologia que aqui está
61
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1985. v. 3. p. 43. 62
“A coisa julgada formal é a imutabilidade da sentença no próprio processo em que foi proferida. Após transitar em julgado, a sentença não poderá mais ser modicada no processo em que foi prolatada. Trata-se de fenômeno endoprocessual, com eficácia para dentro do processo” CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 84. 63
DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória, p. 86.
38
sendo adotada, cumpre apresentar algumas diferenças entre “preclusão” e “coisa
julgada formal”.
Embora sejam institutos muito próximos, não podem ser tratados como
sinônimos: a “coisa julgada formal” é uma qualidade que torna imutável a sentença
(lato sensu) dentro de determinado processo; a “preclusão” opera em qualquer ato
processual, não exclusivamente na sentença.
Sobre o tema disserta Cassio Scarpinella Bueno64:
A doutrina distingue as chamadas ‘coisa julgada formal’ da ‘coisa julgada material’. A coisa julgada formal tende a ser entendida como a ocorrência de imutabilidade dos efeitos da sentença ou, mais amplamente, de seu comando ‘dentro’ do próprio processo. É o que ocorre quando não é interposto no prazo da lei o recurso cabível da sentença ou do acórdão, como prevê expressamente o art. 467. Nesse sentido, não há como recusar se tratar de instituto que se aproxima bastante da preclusão, residindo a distinção entre ambos em aspecto exterior a eles, já que a coisa julgada formal tende a ser identificada como o encerramento da ‘etapa cognitiva’ do processo, recaindo, por isso mesmo, sobre sentenças, ainda quando confirmadas em sede recursal, dando ensejo a ‘acórdãos’ (art. 163) e nunca sobre decisões interlocutórias.
Com relação ao entendimento esboçado pelo autor, é pertinente
ressalvar, com base nos apontamentos apresentados no presente estudo, que há
decisões interlocutórias com conteúdo de sentença e, como tal, podem ter a
qualidade a coisa julgada formal e, também, de coisa julgada material. Assim, pode-
se dizer que nas decisões interlocutórias cujo conteúdo não seja de sentença não se
operará o fenômeno da coisa julgada (formal ou material), mas somente a preclusão.
Feita essa observação, com relação à diferença dos institutos (preclusão
e coisa julgada), cabe retomar a afirmação de que, na hipótese de coisa julgada
formal, não há o que se falar em manejo de ação rescisória, devendo a ação ser tão
somente reproposta, com a “exclusão” do vício originalmente constatado.
De outra banda, quando se está diante de uma decisão com autoridade
de coisa julgada material, eventual reforma, regra geral, necessita do manejo da
ação rescisória.
64
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, v. 2, t. I. p. 370.
39
Segundo José Manoel de Arruda Alvim65:
[...] a esta indiscutível conclusão se chega examinando: 1º) o art. 268, que admite a propositura de ação, que tenha sido extinta com base no art. 267 (exceto os casos previstos no art. 267, V [...] e que não invalidam a regra); 2º) o art. 485, que disciplina os pressupostos de cabimento da ação rescisória e a restringe à sentença de mérito transitada em julgado, o que quer dizer é que as que não decidem o mérito são insuscetíveis de serem rescindidas, justamente porque inexiste nelas a coisa julgada, um dos pressupostos – aliás o pressuposto permanente, pois presente em todos os casos – de cabimento da ação rescisória.
Portanto, para que possa ser rescindida, além de analisar o mérito, a
decisão precisará ter transitado em julgado, isto é, ter assumido a qualidade de
imutável e, também, a autoridade de coisa julgada material.
1.5 DO PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA
De acordo com o art. 495 do CPC: “o direito de propor ação rescisória se
extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão”.
Como apontado por Alexandre Freitas Câmara, o dispositivo legal conta
com uma falha técnica ao determinar que após dois anos estará “extinto o direito de
propor a ação rescisória”. Isso porque “o prazo estabelecido pela lei é de decadência
do ‘direito de rescindir’ e não o direito de ‘propor a ação’. Afinal, como sabido, a
decadência atinge o direito material, e não o poder de ação” 66.
Bem pertinente é a observação do autor, conquanto, ultrapassados os
dois anos, o que se extingue é o direito de rescisão da sentença e não o direito de
propor a ação rescisória 67 . Ademais, a ação rescisória consiste em ação
constitutiva68 e, como tal, sujeita-se ao prazo decadencial.
65
ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Sentença no processo civil: as diversas formas de terminação do processo e primeiro grau. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 2, 1976. p. 16. 66
CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 158. 67
Sobre a diferença entre prescrição e decadência, parece que o entendimento esboçado pelo Ministro Francisco Resek, no julgamento da ação rescisória n. 1.202-0 é o mais didático e objetivo, de
40
Acerca das ações constitutivas e condenatórias, Agnelo Amorim Filho69,
em estudo realizado com bases científicas, sobre critérios para identificar a
prescrição e a decadência, há muito concluiu:
1) estão sujeitas a prescrição (indiretamente, isto é, em virtude da prescrição da pretensão a que correspondem): - todas as ações condenatórias, e somente elas (arts. 177 e 178 do Código Civil); 2) estão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que correspondem): - as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei; 3) são perpétuas (imprescritíveis): - a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias.
A análise da natureza do prazo da ação rescisória – se decadencial ou
prescricional – não se limita a questões teóricas. Na prática, algumas situações
ocorrem justamente por força do prazo decadencial. É o caso, por exemplo, de não
haver suspensão ou interrupção da sua contagem. Na mesma linha, “por se tratar de
prazo decadencial, indaga-se se o termo final, recaindo em dia tido como feriado
forense, prorrogar-se-ia ou não para o 1º dia útil subsequente”70.
Independentemente da terminologia “equivocada” do legislador,
atualmente, a doutrina quase não diverge quanto ao entendimento de que o prazo
de dois anos da ação rescisória é decadencial e não prescricional71.
fácil compreensão: “A decadência é a falta do exercício do direito objetivo da ação; a prescrição é a falta do direito subjetivo da ação. Naquela a ação é o objeto da proteção jurídica, é o bem da vida em si mesmo. Não se cogita do direito material correlato. Na prescrição, ao contrário, é o direito material que voga, que importa, que morre e se extingue, através da inércia processual”. (AgRg na AR 1.202- 0/MG, relatado pelo Min. Francisco Rezek, Tribunal Pleno, DJU de 09.05.86). 68
“Como a ação rescisória é constitutiva, porquanto visa, primordialmente, a desconstituição da sentença transitada em julgado, chega-se à conclusão, sem nenhuma dificuldade, de que o prazo do art. 495 do CPC é decadencial. Não há hoje na doutrina e na jurisprudência nenhuma divergência sobre essa questão.” CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 151. 69
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, Saraiva, v. 3, n. 95, jan./jun. 1961. p. 95-132. 70
DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória, p. 151. 71
De acordo com José Carlos Barbosa Moreira: “[...] a rigor, o que se extingue não é, aliás, o direito de propor a ação rescisória: esse existirá sempre, como simples manifestação particular do direito de ação. O fenômeno passa-se no plano material, não no plano processual, como de resto deixa entrever o próprio Código, quando estatui que a pronúncia da decadência acarreta a extinção do processo com julgamento do mérito (art. 269, nº IV). Escoado in albis o biênio, não é a ação rescisória que se torna inadmissível: é o direito à rescisão da sentença, o direito que se deduziria em juízo, que cessa de existir. O direito à rescisão da sentença já nasce com termo prefixado; o titular decairá do direito, se não exercer dentro do prazo. (Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. 5. p. 217).
41
Acrescenta-se que há, inclusive, súmula do Superior Tribunal de Justiça
consignando que “o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não
for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial [Grifo nosso]”72.
Referida súmula, contudo, muito mais do que esclarecer a natureza do
prazo para ajuizamento da ação rescisória, serviu para sedimentar uma discussão -
há tempo existente – sobre o termo a quo para contagem do prazo de dois anos, em
algumas situações específicas.
De acordo com o verbete, o prazo para a propositura da ação rescisória é
o momento do trânsito em julgado do último pronunciamento judicial.
Não obstante a literalidade da Súmula 401 do STJ, muitas dúvidas ainda
afloram, principalmente na análise do caso concreto. É o caso, por exemplo, de
situações em que o recurso interposto não é conhecido.
Vejamos a problemática da contagem do prazo para a propositura da
ação rescisória na seguinte situação: proferida a sentença de mérito, com o recurso
de apelação apresentado pela parte vencida, mas não conhecido por ausência de
preparo (deserção), por exemplo.
Na doutrina, já se afirmou que o termo a quo para contagem do prazo da
ação rescisória seria o dia posterior à intimação da sentença, posto que a decisão
do não conhecimento do recurso não “substituiria” a sentença proferida, ou seja, a
interposição do recurso não conhecido não teria obstado o trânsito em julgado da
sentença.
Assim já lecionou Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda73:
Como pode ter sido interposto da sentença algum ou alguns recursos, o trânsito em julgado depende de ter havido, ou não, o
No mesmo sentido, Alexandre de Freitas Camara, explicita: “A rigor, nada impede que a ação rescisória seja proposta depois dos dois anos do trânsito em julgado do provimento judicial que se quer rescindir. O que acontece nesse caso é que o demandante não poderá lograr êxito, pois a decadência levará à rejeição de sua pretensão, contra ele resolvendo-se o mérito da causa, na forma do disposto no art. 269, IV do Código de Processo Civil. O fenômeno, portanto, passa-se no plano material e não no plano processual”. (Ação rescisória, p. 158-159). 72
Súmula 401 do Superior Tribunal de Justiça. 73
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória, das sentenças e outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 236.
42
recebimento. Se do único recurso interposto, ou se todos os que se interpuseram, não houve conhecimento, a sentença já passou em julgado, porque o tempo para isso só se liga a não haver recurso, ou não ter sido interposto, mas a decisão, no juízo recursal, de não caber, sem que disso possa haver outro recurso, mostra que o trânsito em julgado já se operara.
Outro argumento utilizado para sustentar a mesma tese é o de que a
decisão de análise de admissibilidade recursal seria de natureza declaratória74 e,
portanto, seus efeitos seriam ex tunc75.
Novamente, Maria da Conceição Alves Dinamarco76, a respeito, explicita:
A decisão a ser proferida em sede de juízo de admissibilidade de recursos reconhece a existência ou não dos requisitos indispensáveis para a análise do seu mérito, manifestando-se, assim, acerca da decisão anterior, já existente. Portanto, tal juízo em momento algum irá gerar alguma coisa, ou reconhecer alguma coisa anteriormente existente, ao contrário, irá reconhecer o que já preexistia. Assim, estamos diante de um pronunciamento com natureza declaratória, seja ele positivo ou negativo, tendo eficácia ex tunc.
De acordo com esse entendimento, na hipótese de o recurso não ser
admitido, o trânsito em julgado ocorreria na data da prolação da decisão recorrida.
Em última análise, é como se não houvesse tido recurso.
Tal posicionamento causou certo desconforto e ensejou discussão na
doutrina brasileira, em especial em razão da insegurança que representa para os
jurisdicionados. Isso porque, a parte, ao interpor um recurso, não consegue antever
quando será o seu julgamento e, na situação que ora se apresenta, poder-se-ia até
74
“Positivo ou negativo, o juízo de admissibilidade é essencialmente declaratório. Ao proferi-lo, o que faz o órgão jurisdicional é verificar se estão ou não satisfeitos os requisitos indispensáveis à legitima apreciação do mérito do recurso. A existência ou a inexistência de tais requisitos é, todavia, anterior ao pronunciamento, que não a gera, mas simplesmente a reconhece.” BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. V. p. 162. “Diz-se, comumente, que o juízo de admissibilidade de recursos tem natureza declaratória. Essa afirmação, levada às últimas consequências, significaria que, quando o recurso é indeferido (= quando não se conhece do recurso, quando não se admite), ter-se-ia que, na realidade, este já não cabia quando da sua interposição e, pois, a decisão que transitou em julgado teria sido aquela de que se recorreu, no momento em que foi proferida e não pela decisão que considerou inadmissível o recurso dela interposto”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipótese de relativização, p. 205. 75
“A decisão sobre a admissibilidade do recurso determina o momento em que a decisão judicial impugnada transita em julgado”. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. 76
DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória, p. 68.
43
impossibilitar o manejo da ação rescisória, caso o recurso levasse dois anos ou mais
para ser julgado (o que não é incomum).
Se entendermos que no caso de inadmissibilidade do recurso haveria
efeitos ex tunc, poderíamos excluir da parte direito de apresentar os recursos que
entender adequados, sob o argumento de que se ela não tiver “sorte” de ter as suas
pretensões acolhidas e for ultrapassado o biênio legal, poderá perder o direito de ver
a decisão rescindida por ação rescisória. Não parece, portanto, ser esta uma
situação razoável, máxime quando se tem em mente que:
[...] a coisa julgada ocorre no momento em que foi proferida a decisão, cujo recurso não foi admitido, cria-se situação iníqua, pois a parte está de mãos atadas enquanto tramita o recurso. Se essa tramitação durar mais de dois anos, quando sobrevier a decisão de inadmissibilidade do recurso, o prazo para ação rescisória já se terá escoado, pois só neste momento é que se virá a saber que, na verdade, terá sido a decisão recorrida que transitou em julgado. Eventual adoção dessa solução se chocaria frontalmente com o princípio do acesso a justiça e obrigaria a parte a exercer certo tipo de ‘projeção mental’ sobre a decisão do Tribunal, de certo modo tentando ‘prever’ se seu recurso seria, ou não, admitido, previsibilidade esta que, na verdade, só é possível, praticamente sem margem de erro, em casos de intempestividade evidente, que beira a má-fé.77
Para solucionar a problemática, entendemos que, independentemente do
conhecimento ou não do recurso utilizado pela parte, não tem lugar o trânsito em
julgado da decisão recorrida (no caso apresentado, da sentença). Ainda que a
análise de admissibilidade tenha cunho meramente declaratório78, ela não retroage à
data em que fora proferida a sentença, como se recurso não tivesse havido.
77
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipótese de relativização, p. 205-206. 78
Para alguns doutrinadores, como é o caso de Fredie Didier Jr., a decisão da inadmissibilidade do recurso é de cunho constitutivo e, como tal, tendo o efeito da inadmissibilidade efeitos ex nunc. Nesse sentido, diz ele: “Se o juízo de admissibilidade é um juízo sobre a validade; se a invalidação é uma decisão constitutiva, se os atos processuais defeituosos produzem efeitos até a sua invalidação, conclusões já expostas e sedimentadas, a conclusão não pode ser outra: o juízo de inadmissibilidade é constitutivo negativo e tem eficácia ex nunc, ressalvada expressa previsão legal que determine a eficácia ex tunc, que a princípio não se reputa conveniente, tendo em vista que os atos processuais, e o procedimento em particular, produzem efeitos até que seja decretada a sua invalidade (inadmissibilidade, no caso do procedimento)”. De qualquer maneira, entende ele que, no caso inadmissão do recurso, o prazo para o ajuizamento da ação rescisória teria início com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, “ainda que esta tenha se restringido a não admitir
44
Nesse sentido é a doutrina do processualista Nelson Nery Junior79:
Nada obstante o caráter declaratório da decisão sobre a admissibilidade seja positiva ou negativa, sua eficácia é ex nunc. Disto decorre a seguinte consequência: a decisão sobre a admissibilidade do recurso determina o momento em que a decisão judicial impugnada transita em julgado.
Dessas lições, exsurge o entendimento de que, pendente qualquer
recurso de julgamento, ainda que ele venha a ser declarado inadmissível, não terá
havido o trânsito em julgado da decisão que se quer recorrer, devendo o prazo da
ação rescisória ser contado a partir do trânsito em julgado da última decisão
proferida no processo, ainda que esta também seja acerca da inadmissibilidade do
recurso.
Vale apontar, todavia, que esse entendimento não é unânime na doutrina
pátria. Alexandre de Freitas Câmara, por exemplo, adere à tese de que:
[...] o prazo decadencial estabelecido pelo art. 495 do CPC corre do trânsito em julgado da decisão que se queira rescindir, sendo meramente declaratório – e apto a produzir efeitos ex tunc – o juízo de admissibilidade dos recursos. [...] Pode acontecer de se verificar que já se aproxima o termo ad quem do prazo decadencial para o exercício do direito à rescisão de um provimento judicial, mas ainda está em curso processo de cujo resultado depende a apreciação da ação rescisória. Nesse caso, a única solução cientificamente viável é propor-se, desde logo, a ação rescisória, devendo seu processo ficar suspenso até que se encerre o processo em que se discute a admissibilidade do recurso interposto contra a decisão rescindenda. Não posso, aliás, deixar de fazer uma observação. Já houve quem afirmasse que seria esdrúxulo exigir que alguém proponha ação rescisória antes de ter sido julgado algum recurso seu. Data venia, esdrúxulo é que um tribunal demore tanto tempo – anos até – para julgar um recurso. Isso, sim, é que vai contra a solene promessa constitucional de duração razoável do processo. A propositura da ‘ação rescisória condicional’ não seria necessária se os tribunais julgassem celeremente os recursos que lhes são dirigidos, e se as partes não interpusessem tantos recursos manifestamente protelatórios (muitas vezes, registre-se, com o único intuito de prorrogar o dies a quo do prazo decadencial para o exercício do direito à rescisão, confiantes em que prevalecerá o entendimento do STJ). Insisto, pois, em afirmar que o termo inicial do prazo decadencial a que se refere o art. 495 do CPC é o trânsito em julgado da decisão
determinado recurso”. DIDIER JUNIOR, Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 49, 311. 79
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, p. 265-267.
45
rescindenda, sendo meramente declaratório (e com efeitos ex tunc) o provimento que declare a inadmissibilidade de algum recurso interposto contra aquela decisão.80
Não obstante o raciocínio apresentado pelo autor, o fato é que, sendo ou
não culpa dos tribunais, um recurso pode, sim, demorar dois ou mais anos para ser
julgado e o jurisdicionado não pode ser prejudicado por essa situação.
Ademais, diante de eventual inadmissibilidade de recurso pode a parte ter
fundamento ao interpor recurso aos tribunais superiores e, ainda, ter a decisão
reformada, de forma que seria inviável (e até mesmo imprestável) o ajuizamento da
rescisória antes de tal definição.
Essa não é, pois, a solução mais razoável e adequada e, neste aspecto,
vale colacionar a opção apresentada por Teresa Arruda Alvim Wambier81, que assim
sustenta:
[...] em que pese o apuro da técnica que transparece nessa minoritária posição doutrinária, que leva sempre às últimas consequências a afirmação de que o juízo de admissibilidade dos recursos é declaratório, tendo eficácia ex tunc, e a decisão que transitaria em julgado, portanto, seria a de que se recorreu, sabe-se que, de acordo com os valores de nossos dias, o que se quer é um processo de resultados e um processo de resultados justos, o que certamente não se obtém com a postura teórica, rígida, inflexível e por demais formalista, que não se harmoniza com o conjunto de tendências que vêm norteando os modernos pensadores do processo, muitas vezes inspiradas no expressivamente modernizante trabalho pretoriano.
Portanto, havendo interposição de recurso, ainda que seja considerado
inadmissível, há óbice ao trânsito em julgado da decisão recorrida até o julgamento
do referido recurso (ainda que a decisão seja pelo seu não conhecimento), ou seja,
não há o que se falar em início do cômputo do prazo decadencial para ajuizamento
da ação rescisória.
80
CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 169-170. 81
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipótese de relativização, p. 206.
46
Nessa toada, julgado o último recurso cabível no caso concreto ou, ainda,
não apresentado recurso da última decisão proferida nos autos do processo, aí sim,
terá início o prazo decadencial de dois anos para apresentação da ação rescisória.
A situação pode tornar-se mais delicada quando se constatar o trânsito
em julgado parcial de uma decisão, em que, por exemplo, não foi interposto recurso
especificamente a um - ou alguns - pedidos relacionados ao caso (recorrendo-se
com relação às demais)82.
Nesse caso, com relação à parte não impugnada por recurso, de acordo
com opinião preponderante da doutrina, terá havido trânsito em julgado e nos termos
do art. 495 do CPC: “o direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois)
anos, contados do trânsito em julgado da decisão”.
A polêmica, aqui, relacionasse com a eventual possibilidade de existirem,
em um mesmo processo, diversos trânsitos em julgado83, o que daria margem ao
ajuizamento de diversas ações rescisórias em momentos distintos.
A respeito, opinam alguns doutrinadores:
Quando se recorre da sentença apenas em parte, a coisa julgada forma-se por etapas, em momentos diferentes. O prazo para rescisória também se contará separadamente para cada uma das partes do julgamento da causa. Isto acontecendo, haverá possibilidade de mais de uma rescisória sobre a mesma sentença, atacando-se em cada uma capítulos distintos do julgado, principalmente quando o recurso parcial não tiver ainda sido definitivamente decidido e o prazo decadencial do art. 495 já estiver preste a escoar em relação ao capítulo da sentença já alcançado pela res iudicata.84
82
“Toda decisão contida em sentença é composta de partes entrelaçadas, mas distintas entre si, chamadas capítulos de sentença. Conceituam-se estes como as partes em que ideologicamente se decompõe o decisório de uma sentença ou acórdão, cada uma delas contendo julgamento de uma pretensão distinta.” DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v. III. p. 663. 83
“Em casos tais, evidentemente, o trânsito em julgado do capítulo não impugnado se dá em momento distinto do trânsito em julgado do capítulo impugnado por recurso admissível (já que tal capítulo, provavelmente, será substituído por outra decisão, a ser proferida pelo tribunal ad quem, na forma do que dispõe o art. 512 do CPC).” CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 169-171. 84
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. I. p. 173.
47
Se a mesma petição continha três pedidos e o trânsito em julgado, a respeito do julgamento de cada um, foi em três instâncias, há tantas ações rescisórias quanto as instâncias.85
Em posição diametralmente oposta, contudo, está a Súmula 401 do STJ
ao consignar que o “prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não
for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”.
De acordo com o referido verbete, portanto, ainda que o último
pronunciamento judicial trate apenas de parte dos pedidos, é a partir deste transito
em julgado que tem início a contagem de prazo para rescindir qualquer decisão de
mérito proferida no processo.
Bom exemplo alude ao ajuizamento de uma ação em que o autor pleiteia:
(i) a rescisão do contrato e, ainda, (ii) a restituição dos valores pagos na ordem de
R$ 100.000,00 (cem mil reais). Advindo a sentença, a ação é julgada integralmente
procedente, em janeiro de 2010. Inconformado com a decisão, o réu interpõe
recurso apenas com relação à determinação de devolução de verbas. O acórdão é
proferido em janeiro de 2012 e a sentença mantida.
De acordo com a orientação sumulada pelo Tribunal Superior, ainda que
o capítulo da sentença referente a rescisão do contrato tenha transitado em julgado
em 2010, adquirindo qualidade de coisa julgada material, somente a partir de janeiro
de 2012 é que se iniciaria o prazo para ajuizamento de eventual ação rescisória
visando desconstituir tal aspecto.
Inúmeras decisões nesse sentido foram proferidas pela STJ antes da
edição do verbete86, tendo todas como o principal argumento seria o caráter unitário
e indivisível da causa o que impossibilita o trânsito em julgado de partes diferentes
85
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória, das sentenças e outras decisões, p. 353. 86
Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp 404.777, Relator Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especia,. Brasília, DF. Julgamento 03.12.2003. Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 8 set. 2013; REsp 405.236, Relator. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, Julgamento 8.06.2004, Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 8 set. 2013; REsp 639.233/DF, Relator Min. José Delgado, 1ª Turma, julgamento 06.12.2005, Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 8 set. 2013; REsp AgRg no EREsp 492171/RS, Relator Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, julgamento 29.06.2007, Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 8 set. 2013
48
da decisão rescindenda e, também, a impossibilidade de conceber várias ações
rescisórias em julgados no mesmo processo.
O §6º do art. 273 do CPC claramente é um exemplo da possibilidade de
cisão da causa, ao permitir o julgamento antecipado de um ou mais pedidos
cumulados quando estes se mostrarem incontroversos.
Trata-se de situação típica de julgamento parcial de mérito que, se não
apresentado recurso oportunamente, transitará em julgado e a decisão proferida
antecipadamente terá autoridade de coisa julgada material.
Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno87:
Parece que ele rompeu mesmo e em definitivo com o velho princípio (dogma) da unicidade do julgamento, admitindo, quando a hipótese é de sua incidência, o desmembramento ou a fragmentação do julgamento. A não se pensar assim, o dispositivo não tem qualquer sentido, porque, rigorosamente, ela não é a mesma tutela antecipada de que se ocupam os incisos I e II do art. 273. E a maior prova disso são as lições doutrinárias de onde deriva o novel dispositivo. Sua função, fosse ele um terceiro caso de tutela antecipada, já é muito bem desempenhada pelo inciso II do art. 273. Por que a repetição de regras jurídicas?
Se alguns dos pedidos mostram-se incontroversos, portanto, deve o juiz
julgá-lo antecipadamente. Trata-se de decisão proferida mediante cognição
exauriente88que, se não impugnada mediante recurso próprio, irá transitar em
julgado e adquirir qualidade de coisa julgada material.
Questão interessante e que merece reflexão é se a decisão proferida nos
termos do §6º do art. 273 do CPC é decisão interlocutória (com conteúdo de
sentença) ou se seria uma sentença parcial.
87
BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2ª edição. São Paulo. Saraiva, 2007, p. 53-54. 88
“Em princípio, a provisoriedade da medida poderia autorizar a conclusão de se cuidar de cognição sumária e não exauriente. Entretanto, não é essa a interpretação que se extrai do texto legal. Com efeito, a tutela antecipada, na hipótese, implica o acolhimento do próprio pedido, e não de simples efeitos práticos dele, em razão da sua ausência de controvérsia” LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 2ª edição. São Paulo. Saraiva, 2003, p. 177
49
Para Cassio Scarpinella Bueno 89 e Fredie Didier Junior 90 , trata-se de
decisão interlocutória, com conteúdo de sentença, apta a ficar imune pela coisa
julgada material. Já para Daniel Mitidiero91 e Luciano Vianna de Araújo92, trata-se de
sentença parcial de mérito.
Sem aprofundar este impasse doutrinário, até porque desviaria o objetivo
do presente estudo, fato é que esse ato do juiz julga a lide – com cognição
exauriente – e tem aptidão para fazer coisa julgada material. Hipótese clara,
portanto, da possibilidade de cisão da causa, com julgamentos de méritos proferidos
em momentos distintos.
Exemplo semelhante ocorre quando na sentença o juiz analisa dois ou
mais pedidos cumulados, em capítulos independentes. Caso as partes recorram
apenas de parte dos capítulos, àqueles que não foram objeto de impugnação
tornam-se imutáveis com possibilidade de adquirir coisa julgada material.
Nesta hipótese, eventual prazo para ajuizamento de ação rescisória terá
início quando do seu respectivo transito, independentemente de ter recurso
pendente de julgamento, tratando de outros capítulos da sentença.
89
”Dito de forma mais direta: a decisão jurisdicional que aplica o art. 273, §6º, embora pudesse ser considerada substancialmente sentença – afinal terá conteúdo do art. 269, rente ao que diz o art. 162, §1º, na redação da Lei nº 11.232/2005 – é formalmente decisão interlocutória, no sentido de fazer as vezes, ter a mesma função processual, de uma decisão interlocutória, porque, posto ter sido proferida, não significa que não haja, ainda, outras atividades jurisdicionais cognitivas a serem desenvolvidas. Prevalece no sistema, prevalece a ênfase, por causa das alterações promovidas pela Lei 11.232/2005 nos arts. 162, §1º, 269, caput e 463 caput, a regra do 162, §2º: uma sentença e uma interlocutória, independentemente de seu conteúdo, classificam-se também pela sua função. A decisão que aplica o art. 273§6º tem função de decisão interlocutória, característica que é robustecida pelo §5º do art. 273” BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2ª edição. São Paulo. Saraiva, 2007, p. 60. 90
“em síntese: a decisão que aplicar o §6º do art. 273 é uma decisão interlocutória que versa sobre parte do mérito, definitiva, fundada em cognição exauriente (juízo de certeza, não verossimilhança), apta a ficar imune pela coisa julgada material e passível de execução também definitiva” DIDIER JUNIOR, Fredie. Apud. Athos Gusmão Carneiro. Da antecipação da tutela. 6ª edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2006, p. 65. 9191
“Parece-nos, no mais, que conseguimos demonstrar que o art. 273, §6º do CPC enecerra uma possibilidade de resolução definitiva-fracionada da causa, sendo a decisão judicial apta a tanto caracterizável como uma sentença parcial de mérito.”. 92
“rompe-se com o sistema processual civil, de maneira muito mais grave, quando se admite o julgamento do mérito por decisão interlocutória, a qual não precisa ser confirmada e tem a capacidade de produzir coisa julgada material, do que, simplesmente, aceitar o fim do dogma da unidade da sentença” ARAUJO, Luciano Vianna. Sentenças parciais? 1ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2011, p. 118-119
50
Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior93:
É longa e consolidada a tradição de nosso direito processual civil, segundo a qual as partes do julgado que resolvem questões autônomas formam per si sentenças que ostentam vida própria, podendo cada qual ser mantida ou reformada sem prejuízo para as demais94.
Tanto na hipótese de sentença parcial (ou decisão interlocutória de
mérito), como na hipótese de recurso parcial (tendo transitado em julgado parte da
decisão que não foi objeto de recurso), haverá duas ou mais decisões de méritos,
com termos a quo absolutamente diferentes para ajuizamento de ação rescisória.
Resume bem todos os argumentos aqui suscitados, a lição de José
Carlos Barbosa Moreira95, no seguinte sentido:
Pelas razões acima expostas, e sem embargo da autoridade do STJ, continuamos a sustentar que:
a) Ao longo de um mesmo processo, podem suceder-se duas ou mais resoluções de mérito, proferidas por órgãos distintos, em momentos igualmente distintos;
b) Todas essas decisões transitam em julgado ao se tornarem imutáveis e são aptas a produzir coisa julgada material, não restrita ao âmbito do feito em que emitidas;
c) Se em relação a mais de uma delas se configurar motivo legalmente previsto para rescindibilidade, para cada qual será proponível uma ação rescisória individualizada;
d) O prazo de decadência terá de ser computado caso a caso, a partir do trânsito em julgado de cada decisão.
93
JUNIOR THEODORO, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.52ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2011, p. 744 94
No mesmo sentido, Athos Gusmão Carneiro: A ´res in iudicium deducta´, portanto, que no juízo de
primeiro grau deve ser decidida integralmente (sob pena de sentença infra petita), no juízo recursal pode ser passível de mais de uma cognição parcial; e inclusive, tendo em vista a peculiareidades procedimentais, de conhecimento em momentos processuais diversos. O pressuposto é o de que o pedido da parte, e portanto a sentença (ou no acórdão), contenha capítulos autônomos , destacáveis, suscetíveis destarte de diferentes prestações jurisdicionais. Como decorrência lógica, a coisa julgada poderá formar-se em determinado para um dos capítulos da ´res in iudicium’, em momento diferente para o outro capítulo. Assim, não haverá unidade de dies a quo para o biênio do ajuizamento da eventual demanda rescisória. CARNEIRO, Athos Gusmão, disponível em http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Athos%20Gusm%C3%A3o%20Carneiro%20formatado.pdf, acessado em 18 de Julho de 2014 95
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sentença objetivamente complexa, transito em julgado e rescindibilidade. In: Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier. Aspectos Polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo, RT, 2007, pág. 177
51
O outro argumento utilizado pelo STJ para sustentar a súmula 401 é o de
que seria inadmissível a existência de duas ou mais ações rescisórias sobre um
mesmo processo.
Trata-se, contudo, de argumento frágil.
Isso porque, ainda que se admita a possibilidade de um único termo inicial
para o ajuizamento de ação rescisória (conforme determinada a Súmula 401), há
casos em que existirão duas ou mais ações rescisórias.
Terá competência para rescindir decisão proferia em primeiro grau os
Tribunais Estaduais competentes. Em contrapartida, decisões proferidas pelos
Tribunais Superiores somente poderão ser objeto de rescisão por tais órgãos.
Assim, caso as partes recorram apenas de um Capítulo da sentença até os
Tribunais Superiores, estes serão os órgãos responsáveis pela rescisão do que foi
objeto recursal. Eventual decisão de primeiro grau que não foi objeto de
irresignação, por sua vez, deverá ser rescindida pelo Tribunal Estadual.
Neste aspecto, vale a leitura de José Carlos Barbosa Moreira96:
Realmente: suponha-se que, com referência a uma parte do mérito, a causa haja sido definitivamente julgada em segundo grau, por acórdão no qual, nessa parte, ninguém recorreu; e que, para a parte restante, tenha sobrevindo resolução do STJ, no julgamento do recurso especial. Ainda que se entenda correr só a partir daí o biênio decadencial, inclusive para o órgão da apelação, nem por isso se pré-excluirá uma eventual dualidade de rescisórias. Prazo único não significa necessariamente ação única. Com efeito, para julgar ação rescisória contra seu acórdão, competente será o STJ (CF/88, art. 105, I, e). O mesmo não se dirá, no entanto, a respeito da ação rescisória contra acórdão que julgou a apelação. Nenhuma disposição constitucional atribui ao STJ competência para julgar ações rescisórias de acórdãos que não são seus. Para tais ações, o STJ é absolutamente incompetente; não há o que se cogitar aqui de prorrogação. E vice-versa: o tribunal de segundo grau jamais teria competência para julgar ação rescisória de acórdão do STJ.
96
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sentença objetivamente complexa, transito em julgado e rescindibilidade. In: Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo, RT, 2007, pág 175-176
52
Esvai-se, portanto, o argumento muito utilizado pelo STJ no sentido de
que é inadmissível a existência de mais de uma ação rescisória decorrente de um
mesmo processo.
Até pouco tempo atrás o STF não havia se pronunciado sobre o termo
inicial para ajuizamento de ação rescisória em casos de sentenças parciais. Isso
porque entendia que referida análise “demandaria de prévio exame da legislação
infraconstitucional. Por essa razão, a ofensa ao texto da Constituição de 1988, se
existisse, seria indireta ou reflexa, o que dá margem ao descabimento do recurso
extraordinário, por aplicação, mutatis mutantis, da Súmula 636 desta Corte”97.
Recentemente, contudo, a Corte se pronunciou reconhecendo a
autonomia dos capítulos da sentença98. Apresentado recurso com relação apenas a
parte dos referidos capítulos, portanto, o transito em julgado de cada um deles se
mostra passível de ocorrer em momentos distintos.
COISA JULGADA – PRONUNCIAMENTE JUDICIAL – CAPÍTULOS AUTÔNOMOS – Os capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio do biênio decadencial para propositura da rescisória
Trata-se do mesmo entendimento exarado pelo STF quando do
julgamento da ação penal nº 47099, julgada em 13 de novembro de 2013, de
relatoria do então Min. Joaquim Barbosa. Naquela ocasião, entendeu-se pela
possibilidade de executoriedade imediata dos capítulos autônomos da decisão e
isso no seguinte sentido:
[...] 2.Sempre que a sentença decide pedidos autônomos, ela gera a formação de capítulos também autônomos, que são juridicamente cindíveis. O julgamento da demanda integrada por mais de uma pretensão exige um ato judicial múltiplo de procedência ou improcedência dos pedidos. Doutrina.
97
Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 695.802/CE, Ceará, Relator Min. Joaquim Barbosa,. Brasília, DF. Julgamento 23.6.2009. Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 8 set. 2013 98
Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 555589/DF, Relator Min. Marco Aurélio, Brasília, DF. Julgamento 25.03.2014. Disponível em www.stj.gov.br, Acesso em 19 Jun. 2014 99
Ação Penal nº 470/MG, movida pelo Ministério Público perante o STF, que ficou conhecida popularmente como mensalão. Trata-se de ação que visava apurar eventual corrupção mediante compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional. O caso teve como protagonistas alguns integrantes do governo do presidente Lula, membros do Partido dos Trabalhadores e de outros partidos.
53
4. No direito processual penal, o julgamento múltiplo ocorre em razão da diversidade dos fatos típicos imputados e das regras próprias ao concurso material de crimes, em que se exige sentença de estrutura complexa, com condenações múltiplas. 5. É plena a autonomia dos capítulos, a independência da prova e a especificidade das penas impostas aos condenados para cada um dos crimes pelos quais estão sendo processados. 6. O trânsito em julgado refere-se à condenação e não ao processo. A coisa julgada material é a qualidade conferida pela Constituição Federal e pela Lei à sentença/acórdão que põe fim a determinada lide, o que ocorre com o esgotamento de todas as possibilidades recursais quanto a uma determinada condenação e não quanto ao conjunto de condenações de um processo. No mesmo sentido, o artigo 467 do Código de Processo Civil; e o artigo 105 da Lei de Execuções Penais. Este entendimento já se encontra de longa data sedimentado nesta Corte, nos termos das Súmulas 354 e 514 do Supremo Tribunal Federal. 7. A interposição de embargos infringentes com relação a um dos crimes praticados não relativiza nem aniquila a eficácia da coisa julgada material relativamente às condenações pelos demais crimes praticados em concurso de delitos, que formam capítulos autônomos do acórdão. Descabe transformar a parte irrecorrível da sentença em um simples texto judicial, retirando-lhe temporariamente a força executiva até que seja finalizado outro julgamento, que, inclusive, em nada lhe afetará.
Por todos os argumentos aqui expostos, o posicionamento mais recente
proferido pelo STF parece mais adequado e cientificamente correto
1.6 SOBRE A EXPRESSÃO “VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO DE LEI”
A previsão legal de possibilidade de ajuizamento de ação rescisória por
violação a “literal dispositivo de lei” no atual CPC não foi inédita.
Desde o Regulamento n. 737, de 1850100, já havia dispositivo expresso
tratando da possibilidade de rescisão de sentença “sendo proferida contra a
expressa disposição da legislação comercial”101.
100
“O Regulamento nº 737 de 1850 estabelecia, no §2º do art. 680, que a ‘sentença proferida contra expressa disposição da legislação comercial’ era nula e impugnável por ação rescisória. Repare-se que o termo ‘legislação comercial’ se justificava, porque, quando foi promulgado, o Regulamento nº 737 apenas se aplicava às causas comerciais. Posteriormente, por força do Decreto nº 763/1890, o referido Regulamento passou a incidir, também, sobre as causas cíveis. A partir desse momento, a
54
Com a edição dos Códigos Estaduais, posteriores ao referido
Regulamento, a possibilidade de rescisão por violação a dispositivo de lei foi
mantida, havendo alteração, em algumas Constituições específicas, apenas com
relação à terminologia utilizada. Enquanto algumas mantiveram a expressão
“dispositivo de lei”, outras passaram a prever “direito expresso” 102.
Não tardou para que a doutrina começasse a divergir com relação ao
alcance das expressões “literal disposição de lei” e “direito expresso”. Luís Eulálio
Vidigal103 , por exemplo, sustenta que a expressão “direito expresso” seria mais
ampla do que “expressa disposição de lei”.
O CPC de 1939, especificamente em seu art. 798, previu que “será nula a
sentença quando proferida contra literal disposição de lei”. O legislador, como se vê,
deixa de utilizar a expressão “direito expresso” e passa a adotar a terminologia
“disposição de lei”.
O CPC atual (1973), nesse aspecto, não inovou em relação ao Código de
1939, pois manteve a previsão de possibilidade de ajuizamento de ação rescisória
quando a sentença de mérito transitada em julgado “violar literal disposição de lei”.
Parte da doutrina, justamente tendo em vista a diferença terminológica
utilizada ao longo da história, sustenta que, hoje, da forma como está disposto o
inciso V do artigo 485 do CPC, somente seria possível o manejo de ação rescisória
quando houvesse violação de lei. Desta feita, não cabe ação rescisória, por
exemplo, em razão de violação a princípios, costumes e analogia.
Na opinião de Maria Conceição Alves Dinamarco104:
expressão ‘legislação comercial’ passou a abranger, igualmente, a legislação cível”. você CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica. p. 183. 101
Art. 680, §2º, do Regulamento n. 737 de 1850. 102
“Com relação ao atual inciso V, podemos asseverar que os Códigos de São Paulo, Distrito Federal e Espírito Santo se referiam à nulidade da sentença proferida contra direito expresso, enquanto os diplomas legais do Estado do Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul falavam em sentença proferida contra expressa disposição de lei. Portanto, ao passo que alguns Códigos estaduais falavam em direito, outros usavam o termo lei.” DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória, p. 182. 103
VIDIGAL, Luís Eulálio de Bueno. Da ação rescisória dos julgados. São Paulo: Saraiva, 1948. v. VI. (Coleção de Estudos de Direito Processual Civil). p. 64. 104
DINAMARCO, Marcia Conceição Alves. Ação rescisória, p. 183, 24.
55
Essa digressão histórica possibilita a afirmação de que diante dos termos constantes do inciso V, do art. 485, do Código de Processo Civil, não se pode confundir literal disposição de lei com o direito expresso das antigas Ordenações, que era fórmula evidentemente mais ampla, pois não se restringia ao direito escrito, ao direito expresso na lei, como hoje acontece [...] Como dito no início deste item, se ao juiz não é dado o direito de abster-se de julgar sob a alegação de que há lacuna ou obscuridade da lei sendo-lhe facultado aplicar a analogia, os costumes e demais princípios gerais de direito (art. 126, CPC), será que uma decisão, que aplicou determinado costume, e outra, que aplicou outro costume a uma mesma situação fática, ensejariam situação possível de ser rescindida com fundamento no inciso V? A resposta que se impõe a esta questão é negativa, pois estamos diante da interpretação de um fato com base em um costume. Como este não está escrito, não há que se falar em violação a literal dispositivo de lei. O mesmo se diga com relação aos princípios gerais do direito e a analogia.
Com base na transcrição acima já é possível identificar duas
controvérsias com relação a expressão “literal dispositivo de lei”. Somente a violação
a violação a lei pode ser fundamento para ajuizamento de ação rescisória? O termo
literal tem como consequência a exigência de que a infringência ocorra
necessariamente a direito escrito?
Ancorados no argumento da necessária proteção à coisa julgada e
segurança jurídica, muitos processualistas brasileiros105 sustentam a aplicação do
inciso V do artigo 485 do CPC de forma restrita, ou seja, apenas quando houver
violação a lei escrita. Nesse sentido, Sérgio Rizzi106:
A norma do art. 485, V, do Código, sujeita-se, na sua inteligência, aos postulados de segurança e certeza que informam a coisa julgada. A interpretação deve ser, portanto, consentânea com tais postulados, de modo tal que, onde se lê literal, deve-se inferir a existência material da lei. Só é grave o erro da sentença, para fins do
105
Partilham deste entendimento, por exemplo, Coqueijo Costa, José Afonso da Silva e, também, Marcia Conceição Alves Dinamarco. A propósito, na avaliação de Coqueijo Costa: “Prepondera o entendimento de que o direito deve ser escrito e a violação se faça à lei ou à tese jurídica nesta contida. O que se infringe é o conteúdo normativo do direito em tese. Do contrário, não haveria segurança e nem certeza na coisa julgada”. (Ação rescisória. 3. ed. São Paulo: LTr, 1984. p. 60). E José Afonso da Silva anota: “O que se exige para configuração de sentença contra litteram legis é que ela contrarie um dispositivo existente na ordem jurídica objetiva, porque, caso contrário, seria vago o padrão de confronto. Como se haveria de saber se o juiz errou contra a letra da lei, se não se tratasse de uma norma de Direito escrito?” (Do recurso extraordinário no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963. p. 191). 106
RIZZI, Sergio. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. p. 105.
56
art. 485, V, do Código, quando afronte norma que conste literalmente dos textos normativos. [...] Em nosso entender, as verba legis – literal disposição de lei – devem, necessariamente, implicar uma restrição. A tornar irrestrita a aplicação deste fundamento, vale dizer, possa alcançar também as hipóteses em que as normas decorrem de uma interpretação contra legem, ou, fora da materialidade do texto, seria inútil discriminação que historicamente vem sendo imposta. A lei falou em expresso, hoje fala em ‘literal’; há, nestas palavras, uma ratio manifesta, que não pode ser ignorada. Não se trata, portanto, de emperrar o direito com interpretação literal ou lógico-sistemática, no campo da ação rescisória, ou procurar soluções fáceis, mas de dar rendimento à palavra da lei, mesmo porque, não é absurdo que se restrinja o campo da ação rescisória em consideração aos postulados de segurança e certeza do Direito. O art. 485, V, do Código, portanto, não cuida da violação do direito em tese que não conste de nenhuma norma escrita.
À época em que foi editado o atual Código de Processo (1973), contudo,
a importância da lei em relação às demais fontes de direito era significativamente
superior, sendo considerada como fonte quase absoluta do direito. Assim,
possivelmente ainda influenciado pelo positivismo jurídico107, o legislador manteve a
expressão “literal dispositivo de lei”, ou seja, foi confirmado o entendimento de que
ao juiz cabe, apenas, afirmar aquilo que foi dito (ou melhor, escrito) pelo legislador.
A doutrina de Teresa Arruda Alvim Wambier108 completa o raciocínio
107
Citando Luigi Farrajoli, Luis Guilherme Marinoni explicita: “A mera observação e descrição da norma constitui o ponto caracterizador do positivismo, que dessa forma pode ser visto como ciência cognoscitiva ou explicativa de um objeto, isto é, da norma positivada. Por constituir explicação da norma, o positivismo difere nitidamente da atividade de produção do direito, ou da atividade normativa, pois a tarefa do jurista positivista é completamente autônoma em relação à atividade de produção do direito, ao contrário do que acontecia à época em que a atividade da jurisprudência e dos doutores criava o direito”. (A jurisdição no Estado Constitucional. 21.03.2006. p. 8. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/2174>. Acesso em: 24 out. 2013). 108
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 500-501. No mesmo sentido, disserta Cassio Scarpinella Bueno: “Hoje ninguém mais poderá colocar em dúvida que o estudo do direito, mesmo o estudo científico do direito, já não pode mais ser entendido como fenômeno de neutralidade ou de pureza no sentido de afastar, por completo, o que é jurídico propriamente dito daquilo que não é. Quando menos, que o direito, mais do que nunca, não corresponde à letra da lei e que todas as consequências jurídicas possíveis para quaisquer fatos não estão em estado de latência nos códigos e nos mais variados diplomas normativos na cômoda posição de aguardo de serem pinçados e aplicados pelo juiz (ou, mais amplamente, pela autoridade responsável) quando devidamente convocado para tanto. Definitivamente, esse paradigma do que ‘é’ o direito não pode mais prevalecer. Não que, por vezes, aquela mesma e tradicional forma de se compreender e atuar diante do fenômeno jurídico não possa ser como era há um ou dois séculos atrás, mas, decisivamente, o paradigma do direito, a postura do intérprete e do aplicador diante do fenômeno jurídico, alterou-se por completo. O fato é que hoje se pensa e se aplica o direito de uma forma muito diferente do que se aplicava, por exemplo, no início da década de 1970 no Brasil, quando
57
A nós nos parece que a dicção da lei nada mais é do que reminiscência de uma época em que se emprestava mais significativa importância aos textos das leis, em si mesmos e isoladamente considerados. É como se o legislador tivesse dito que a infração à norma jurídica deveria ser ‘séria’ para ensejar ação rescisória. E se entendia que infração séria só poderia ser ao texto da lei. Entretanto, hoje se empresta, em virtude de razões sociológicas, políticas, enfim, de tudo o que se tratou nos primeiros itens deste estudo, muito mais importância a princípios do que há trinta anos. E se o nosso CPC tem mais de trinta anos é, de fato, fruto da dogmática que se praticava anos e anos antes de ter sido editado.
O Estado liberal, contudo, pressupunha a existência de uma sociedade
homogênea, em que as necessidades dos indivíduos eram idênticas e, neste
aspecto, acreditava-se que a legislação seria completa, capaz de solucionar
qualquer caso. A função do juiz seria meramente declaratória109. Tal concepção,
com o tempo, sofreu alterações, especialmente quando se percebeu que a
heterogeneidade da sociedade tinha como consequência anseios distintos. Neste
momento, inicia-se a preocupação estatal com as desigualdades, de modo que a
concepção da lei, como concebida até então, deixa de fazer sentido, assim como o
positivismo jurídico.
Na interpretação de Cassio Scarpinella Bueno110:
Justamente porque não se compreende possa ser mais o juiz dos dias atuais a ‘boca da lei’, deve ele, no seu ofício, bem capturar para bem aplicar, nos casos concretos, os valores e as angústias que estão dispersos na sociedade e no próprio Estado, nas mais variadas facetas de sua atuação especializada. O juiz, pois, tem de se voltar para a sociedade e aplicar o direito.
Afasta-se, com isso, a mera preocupação formal com a lei, e o Estado
passa a analisá-la à luz da Constituição e direitos fundamentais. E, como sustenta
Luiz Guilherme Marinoni111, altera-se o próprio conceito do princípio da legalidade:
da promulgação do Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973”. (Curso sistematizado de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 64). 109
Trata-se de posicionamento defendido por Chiovenda e Carnelutti. Muito embora as teorias apresentadas por eles apresentassem algumas diferenças (em especial com relação à possibilidade de criação de norma individual para a solução de um caso concreto), a função meramente declaratória do juiz era caraterística sustentada por ambos. 110
BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 29.
58
A noção de norma geral, abstrata, coerente e fruto da vontade homogênea do parlamento, típica da Revolução Francesa, não sobreviveu aos acontecimentos históricos. Entre outras coisas, vivenciou-se a experiência de que a lei poderia ser criada como modo contrário aos interesses da população e aos princípios da justiça. Assim, tornou-se necessário resgatar a substância da lei e encontrar os instrumentos capazes de permitir a sua conformação aos princípios de justiça [...]. A lei passa a encontrar limite e contorno nos princípios constitucionais, o que significa que deixa de ter apenas legitimação formal, restando substancialmente amarrada aos direitos positivados na Constituição. A lei não mais vale por si, porém depende de sua adequação aos direitos fundamentais. Se antes era possível dizer que os direitos fundamentais eram circunscritos à lei, torna-se exato, agora, afirmar que devem estar em conformidade com os direitos fundamentais. O próprio princípio da legalidade passa a se ligar ao conteúdo da lei, ou melhor, à conformação da lei
com direitos fundamentais.112
Nos dias atuais, relevantes decisões judiciais não mais se baseiam
exclusivamente na letra lei. Bom exemplo nesse sentido é a decisão do STF, que se
manifestou pela possibilidade de reconhecimento da união homoafetiva no
Brasil113,114.
De acordo com a lei posta, a união estável sempre tivera como
pressuposto o relacionamento entre duas pessoas do sexos opostos. Reforça a tese
o fato de o §3º do art. 226 da Constituição Federal115 e o art. 1.723116 do Código Civil
111
“Diante disso, alguém poderia pensar que o princípio da legalidade simplesmente sofreu um desenvolvimento, já que a subordinação o Estado à lei foi levada a uma última consequência, consistente na subordinação da própria legislação à Constituição, que nada mais seria do que a ‘lei maior’. Contudo, essa leitura constitui um reducionismo do significado da subordinação da lei à Constituição, ou uma incompreensão das tensões que conduziram à transformação da própria noção de direito. Na verdade, a subordinação da lei à Constituição não pode ser compreendida como uma mera ‘continuação’ dos princípios do Estado legislativo, pois significa uma transformação que afeta as próprias concepções de direito e de jurisdição.” MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no Estado Constitucional. 21.03.2006. p. 23, Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/2174>. Acesso em: 24 out. 2013. 112
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 59. 113
Em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132, Rio de Janeiro, tendo como Relator o Ministro Ayres Britto. 114
Apenas para que não permaneça dúvida com relação ao exemplo utilizado, importante consignar que, de forma alguma, pretende-se sustentar a rescisão da decisão proferida pelo STF em arguição de descumprimento de prefeito fundamental, até porque, de acordo com o artigo 12 da Lei n. 9.882/1999, isso não seria possível. Pretende-se, sim, demonstrar que decisões relevantes são prolatadas tendo como fundamento princípios jurídicos e não a lei. 115
“Art. 226. [...] §3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
59
expressamente consignarem que, para o reconhecimento da união estável, a
relação é entre “homem e mulher”.
Mesmo diante desses dispositivos legais, o STF decidiu reconhecer a
união homoafetiva e, para tanto, pautou o julgamento em critérios sociais, políticos,
fundamentando a sua decisão em aspectos quase exclusivamente principiológicos.
A decisão da Corte Suprema tratou, por exemplo, do conceito de
“família” 117 , utilizada no art. 226 da Constituição da República, e sustentou a
inexistência de distinção entre as uniões estáveis heteroafetivas e homoafetivas118.
Inúmeros foram os preceitos constitucionais utilizados como fundamento
da decisão do STF em comento, com destaque para os seguintes princípios:
igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana, segurança jurídica,
razoabilidade, proporcionalidade, vedação de discriminações odiosas e cidadania.
116
Art. 1.723 do CC: “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher [...]”. 117
“O que, então, caracteriza, do ponto de vista ontológico, uma família? Certamente não são os laços sanguíneos, pois os cônjuges ou companheiros não os têm entre si e, mesmo sem filhos, podem ser uma família; entre pais e filhos adotivos também não os haverá. De igual modo, a coabitação não será necessariamente um requisito – uma família se desintegra se, por exemplo, um filho vai estudar no exterior? É claro que não. O que faz uma família é, sobretudo, o amor – não a mera afeição entre os indivíduos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações de afeto, assistência e suporte recíprocos entre os integrantes do grupo. O que faz uma família é a comunhão , a existência de um projeto coletivo, permanente e duradouro de vida em comum. O que faz uma família é a identidade, a certeza de seus integrantes quanto à existência de um vínculo inquebrantável que os une e que os identifica uns perante os outros e cada um deles perante a sociedade. Presentes esses três requisitos, tem-se uma família, incidindo, com isso, a respectiva proteção constitucional.” Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132. Rio de Janeiro. Plenário. Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. Julgamento 05.05.2011. Publicação DJE n. 198. Divulgação 13.10.2011. Publicação 14.10.2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 9 maio 2014. 118
“O que distingue, do ponto de vista ontológico, as uniões estáveis heteroafetivas das uniões homoafetivas? Será impossível que duas pessoas do mesmo sexo não tenham entre si relação de afeto, suporte e assistência recíprocos? Que criem para si, em comunhão, projetos de vida duradoura em comum? Que se identifiquem, para si e para terceiros como integrantes de uma célula única, inexoravelmente ligados? A resposta a essas questões é uma só: nada as distingue. Assim como companheiros heterossexuais, companheiros homossexuais ligam-se e apoiam-se emocional e financeiramente; vivem juntos as alegrias e dificuldades do dia-a-dia; projetam um futuro comum. Se, ontologicamente, união estável (heterossexual) e união (estável) homoafetiva são simétricas, não se pode considerar apenas a primeira como entidade familiar. Impõe-se, ao revés, entender que a união homoafetiva também se inclui no conceito constitucionalmente adequado de família, merecendo a mesma proteção do Estado de Direito que a união entre pessoas de sexos opostos”. Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132. Rio de Janeiro. Plenário. Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. Julgamento 05.05.2011. Publicação DJE n. 198. Divulgação 13.10.2011. Publicação 14.10.2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 9 maio 2014.
60
A temática envolvendo a possibilidade de união homoafetiva é apenas um
exemplo entre tantos que poderiam ser citados para dar substância à questão ora
apresentada, ou seja, há algum tempo não é mais possível sustentar que a lei
escrita teria mais importância do que princípios ou mesmo normas implícitas na
fundamentação das decisões judiciais.
Assim, como mencionado linhas atrás, ainda que, à época da edição do
atual CPC, o legislador, no inciso V do seu artigo 485, estivesse referindo-se
especialmente às leis escritas, tal limitação não se revela adequada nos dias atuais.
A lição de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda 119 reforça esse
entendimento:
O Direito, em sua evolução incessante, ou, pelo menos, em sua mutabilidade, porque lhe faltam os fatores de estabilidade, mais característicos da moral e da religião, constitui o que, em cada momento, é tido pelo mais justo e ao mesmo tempo realizável. Ao primeiro elemento servem a lei, a doutrina e a dicção por parte dos juízes; ao segundo, o processo, como realizador do direito objetivo. Seria pouco provável a realizabilidade do direito objetivo, se o elemento só fosse a lei: não apenas pela inevitabilidade das lacunas, como porque a própria realização supõe provimento aos casos omissos e a subordinação das partes imperfeitas aos princípios do próprio direito a ser realizado.
Sem negar a necessidade de defesa da coisa julgada, em prol da
segurança jurídica dos próprios jurisdicionados, pelas razões que aqui foram
expostas, não se mostra razoável a interpretação restritiva da expressão “literal
dispositivo de lei”, prevista no inciso V do artigo 485 do CPC. Ao contrário, deve ser
compreendido o seu comando de maneira extensiva, abrangendo qualquer espécie
de “norma jurídica”120 que, de acordo com parte doutrina, trata-se de “texto da lei
interpretado e aplicado à luz dos fatos concretos”121.
119
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória, das sentenças e outras decisões, p. 269. 120
Não se pretende, aqui, aprofundar o estudo sobre o conceito de “norma” e isso tendo em vista que correríamos certo risco de nos afastarmos dos aspectos relevantes relacionados ao tema a que nos propusemos desenvolver. 121
BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático, p. 17.
61
A lei como posta no ordenamento jurídico é, pois, mero texto. A
interpretação desse texto, contudo, resulta na “norma jurídica”. O juiz, em última
análise, complementa a atividade do legislador ao dar ao texto legal a adequada
interpretação.
A respeito, disserta Cassio Scarpinella Bueno122:
A função do juiz, já não há mais como esconder essa realidade, é uma atividade criativa. Não se espera mais do juiz, apenas e tão-somente, que realize uma reflexão quase que lógica ou quase que matemática sobre dadas premissas para concluir em um ou outro sentido, mas, bem diferentemente, que aceite, na formação das suas próprias premissas e na sua conclusão, elementos diferentes, diversos, não levados em conta na evolução do pensamento do direito na primeira metade do século XIX, em especial na era das codificações. Já não se pode falar, em todos e quaisquer casos, que a atividade do intérprete e do aplicador do direito seja meramente subsuntiva; bem diferente, sua função passa a ser concretizadora, no sentido de ser criadora do próprio direito a ser aplicado, justamente em virtude da complexidade do ordenamento jurídico atual. De uma atividade de mero conhecimento (um comportamento passivo) do fenômeno jurídico para sua aplicação, passa-se a uma atividade criadora-valorativa (um comportamento ativo), conscientemente criadora e valorativa do juiz [Grifo do autor].
Esses argumentos afastam, portanto, as teorias clássicas de Giuseppe
Chiovenda e de Francesco Carnelutti. A função do juiz passa a ser maior do que
simplesmente declarar a lei aplicável ao caso ou criar a norma individual (e jamais
geral) à hipótese concreta.
Ainda que esse tema venha a ser estudado com mais detalhes nos
capítulos posteriores123, é prudente consignar, desde já, a estreita relação entre os
termos interpretação (da lei) e criação (do direito) 124 . Ao exercer a atividade
interpretativa que lhe é própria, o juiz cria direito e o faz com base em valores,
122
BUENO, Cassio Scarpinella, Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático, p. 22. 123
Especificamente no Capítulo 2. 124
Não podemos deixar de mencionar, contudo, o debate criado entre Hebert Hart e Ronald Dworkin acerca, justamente, da criação do direito pelos magistrados. Hart (Concept of law. Oxford: Clarendon Press, 1993) sustenta o papel criativo dos juízes enquanto Ronald não admite tal possibilidade (Taking rights seriusly. Cambridge: Harvard University Press, 1978).
62
anseios, perspectivas e ideais de uma sociedade de caraterísticas bastante
heterogêneas125.
Hoje, portanto, a literalidade do texto da lei pouco representa126, de modo
que conceber o comando do inciso V do artigo 485 do CPC como restrito à “literal
dispositivo de lei” é quase rebaixá-lo à inutilidade. Para parte da doutrina, inclusive,
há uma necessidade de “ampliar” referido dispositivo a todas as “normas jurídicas”.
Nesse sentido:
Doutrina e jurisprudência não divergem quanto à ampla abrangência que deve ser dada à palavra lei referida no inciso V do art. 485. Lei, tal qual empregada no dispositivo, é sinônimo de norma jurídica, independentemente de sua gradação. Isto é, tanto se pode conceber a rescisória para impugnar decisão que violou Constituição Federal, Constituições Estaduais ou Leis Orgânicas dos Municípios, leis propriamente ditas, medidas provisórias, que têm força de lei, como atos normativos infralegais, por exemplo, decretos e regulamentos. O Superior Tribunal de Justiça já admitiu a rescisória calcada no inciso V do art. 485 por ofensa a dispositivo do seu próprio Regimento Interno (STJ, 2ª Seção, AR 579/SP; rel. Min. Eduardo Ribeiro, j.m.v. 28.06.2000, DJ 05.02.2001, p. 69).127
125
“O juiz é verdadeiro intérprete de normas jurídicas. Por isso, na atividade judicante de aplicar o direito cumpre o magistrado a tarefa de apurar o real significado do texto legal, a partir de critérios hermenêuticos seguros, que possam revelar o alcance da norma jurídica para o caso específico. A dissonância entre o sentido revelado pela norma, a partir dos métodos hermenêuticos, e aquele que lhe fora atribuído pela decisão rescindenda caracteriza violação ao preceito legal, tornando admissível a ação rescisória” BARIONI, Rodrigo. Ação Rescisória e Recursos para os Tribunais Superiores. Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.) 2ª edição. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2013, p. 96-97 126
“Não há, nessas condições, direito sem interpretação e sem aplicação concreta. Interpretação e aplicação são, na realidade, uma só operação, analisada em dois momentos diversos.” BUENO, Cassio Scarpinella, Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático, p. 17. 127
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 5. p. 330. “Doutrina e jurisprudência não divergem quanto à ampla abrangência que deve ser dada à palavra lei referida no inciso V do art. 485. Lei, tal qual empregada no dispositivo, é sinônimo de norma jurídica, independentemente de sua gradação”. Na lição de Ronaldo Cramer: “Com efeito, o que pode ser infringido por um pronunciamento judicial é a norma jurídica, e não a lei, que constitui diploma legal onde estão inseridas as normas. Nenhum juiz cogita da aplicação de uma lei, mas da norma constante de uma lei. Por isso, a expressão ‘literal dispositivo de lei’ é empregada no sentido de norma jurídica. [...] Em resumo, a expressão ‘literal dispositivo de lei’, constante do inciso V, significa norma jurídica (regra ou princípio), explícita ou implícita, de direito material ou processual, de direito interno ou estrangeiro, pertencer a qualquer diploma legal e, abranger vício de juízo ou de atividade”. (Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 185,195). No mesmo sentido, sustenta Alexandre Freitas Camara: “A própria referência à ‘lei’ no texto legal, não pode ser interpretada literalmente. Qualquer norma jurídica genérica, esteja ou não formalmente veiculada por uma lei, pode levar – se ofendida – à rescisão. Assim, também a ofensa a normas constitucionais ou veiculadas por medidas provisórias, entre outros, permitem rescisão. [...]. Também não importa saber se a norma violada é de direito material ou de direito processual. Fundamental é que a ofensa da norma tenha se dado em um provimento jurisdicional de mérito”. (Ação rescisória, p. 6). Teresa
63
Exatamente nesse sentido, conclui Rodrigo Barioni:
O primeiro aspecto relevante na interpretação do inciso V do art. 485 do CPC diz respeito ao vocábulo “lei”. No texto, o termo há de ser compreendido de maneira extensiva, abrangendo qualquer hipótese de ato normativo emanado por Poder Público, quer Executivo (v.g. medida provisória), quer Legislativo – federal, estadual ou municipal – (v.g. Constituição, lei ordinária, lei complementar, etc), quer Judiciário (v.g. regimento interno)
Simplificando a justificativa para interpretação do dispositivo de maneira
extensiva, o autor128 entende que a utilização do termo “lei” ao invés de “norma
jurídica” é técnica legislativa. Para sustentar o seu argumento, o autor aponta
diversos dispositivos constitucionais em que isso ocorre, por exemplo: “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, inc.
XXXV); “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada (art. 5º, inc. XXXVI); “a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros
natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição” (art. 12, §2º).
Independentemente do fundamento utilizado, contudo, é certo que a
expressão “lei” contida no dispositivo deve ser interpretada de maneira ampla,
estendendo-se às “normas jurídicas”.
Superada a discussão acerca da necessidade de interpretação ampliativa
do inciso V do art. 485 do CPC, é chegado o momento de responder ao seguinte
questionamento: seria necessária uma alteração legislativa imediata para trocar a
palavra “lei” por “norma jurídica”? Caso a resposta seja negativa, seria possível
ignorar o comando que o legislador efetivamente dispôs em um artigo de lei,
ampliando conceitos que, ao menos em tese, parecem objetivos, sem deixar
margem à interpretação, no caso, o conceito de “lei”?
Ora, uma alteração legislativa nesse sentido seria a melhor opção para
não deixar dúvidas quanto à necessidade de ampliação do inciso V às demais fontes
Arruda Alvim Wambier, que inclui a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória por violação de princípios, também se manifesta: “Pensamos encartarem-se nesse conceito de lei também os princípios jurídicos, ainda que não estejam expressamente positivados. Estar-se-á, neste caso, em face de norma jurídica não escrita”. (Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 500). 128
BARIONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 94-95.
64
de direito. Ocorre que, se formos alterar cada um dos artigos que merecem ser
adaptados para acompanhar a evolução socioeconômica e cultural do nosso país,
brevemente os Códigos estariam idênticos a uma colcha de retalhos. Além disso,
possivelmente se chegaria ao extremo de alterar a legislação repetidas vezes em
um curto espaço de tempo.
Para afastar um possível caos legislativo e a insegurança jurídica que daí
decorreria, os operadores do direito (em especial os nossos tribunais superiores), na
medida do possível, devem dar à legislação interpretação adequada à realidade e,
diante de um “vácuo normativo”, não deixar desamparado o jurisdicionado.
Voltando ao julgamento da união homoafetiva pelo STF, foi exatamente
uma interpretação congruente com a realidade atual que fez o Ministro Ayres Brito
consignar em seu voto, no julgamento do mérito da causa, a possibilidade de o
Estado brasileiro reconhecer a união de pessoas do mesmo sexo. Nesse sentido,
apesar da existência de dispositivo expresso limitando a união estável a “homem e
mulher”, assinalou o Ministro:
O que se pretende, ao empregar-se o instrumento metodológico da integração, não é, à evidência, substituir a vontade do constituinte por outra arbitrariamente escolhida, mas apenas, tendo em conta a existência de um vácuo normativo, procurar reger uma realidade social superveniente a essa vontade, ainda que de forma provisória, ou seja, até que o Parlamento lhe dê o adequado tratamento legislativo129.
A toda evidência, diante de tantos casos concretos, não poderia a Corte
Suprema desamparar os casais homoafetivos apenas porque a legislação,
concebida em uma realidade distinta da atual, utiliza expressamente os termos
“homem” e “mulher” para reconhecimento da sociedade conjugal.
O mesmo raciocínio precisa ser aplicado quando se analisa a
possibilidade de interpretação ampliativa do inciso V do artigo 485 do CPC. Como
sustentado, a edição do CPC ocorreu em época em que se dava importância
129
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132. Rio de Janeiro. Plenário. Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. Julgamento 05.05.2011. Publicação DJE n. 198. Divulgação 13.10.2011. Publicação 14.10.2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 9 maio 2014.
65
significativa aos textos das leis. Hoje, com a realidade em evolução constante, é
imperiosa a adaptação legislativa ao cenário atual e isso não significa postura
arbitrária por parte do STF.
Assunto igualmente polêmico envolvendo a terminologia do inciso V do
artigo 485 do CPC refere-se ao que deve ser entendido por “literal”. Isso porque,
admitida a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória por violação de norma
jurídica implícita, como compreender o real sentido da palavra “literal”, constante no
citado dispositivo legal?
Parte da doutrina sustenta a incompatibilidade em identificar violação
evidente de norma jurídica, senão quando devidamente escrita. É o entendimento
esboçado pelos já citados Sérgio Rizzi 130 , Coqueijo Costa131 e José Afonso da
Silva132
Esse, porém, não é o melhor fundamento ante o fato de que podem existir
normas implícitas (por exemplo: segurança jurídica e duplo grau de jurisdição) que,
na análise do caso concreto, poderão mostrar-se mais adequadas do que aquelas
que se encontram positivadas133.
É certo que o termo utilizado (literal) exige que a violação seja violação
há de ser “flagrante, inequívoca, palmar, evidente” 134 . Teresa Arruda Alvim
Wambier135, a propósito, acredita
a intenção do legislador ao qualificar a violação de lei que possa
ensejar a ação rescisória como literal foi o de limitar o alcance da expressão, deixando claro que não é qualquer violação à lei que
enseja rescisória.
130
Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. p. 105. 131
Ação rescisória. 3. ed. São Paulo: LTr, 1984. p. 60 132
Do recurso extraordinário no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963. p. 191 133
A expressão ‘literal disposição de lei’, contida no inciso V, não deve ser compreendida como norma expressamente prevista em um dispositivo legal, porque a norma implícita não tem menos força normativa do que a norma explícita. As duas, explícita ou não, são normas e têm o mesmo valor.” CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 187. 134
É o que sustenta Cassio Scarpinella Bueno, para quem: “violação a literal porque qualquer um que analisar o teor da decisão terá condições objetivas de verificar que o julgador errou na interpretação e na consequente aplicação da lei ao caso concreto”. (Curso sistematizado de direito processual civil, p. 331. 135
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 500.
66
Em plena concordância com os doutrinadores citados, entendemos que a
literalidade não esteja vinculada a um texto legal escrito. O “duplo grau de
jurisdição”, por exemplo, apesar de ser norma jurídica implícita, tem o seu conceito
absolutamente sedimentado na doutrina e na jurisprudência, não havendo
dificuldades para se diagnosticar violação literal a esta garantia constitucional diante
de um caso concreto.
Não é, contudo, qualquer violação que serve de fundamento para a
rescisão da coisa julgada. A inexistência de ofensa evidente (independentemente de
a norma ser escrita ou implícita), não suscita a possibilidade de ajuizamento de ação
rescisória com base no inciso V do artigo 485 do CPC.
Sobre este aspecto, Rodrigo Barioni sustenta a necessidade da violação
ocorrer a norma positivada o que, contudo, não excluiria a possibilidade de rescisão
de decisão que violasse princípios não positivados. Isso porque, diz ele, “a violação
a um princípio representa, em última análise, a violação a vários dispositivos
positivados, e, não por outra razão, revela-se potencialmente mais grave do que a
ofensa a um único dispositivo”136.
Ainda sobre a utilização do termo “literal”, conforme mencionado
anteriormente, o juiz não é mais a boca da lei. Em sua função ele interpreta o texto
e, assim, cria o direito. Dessa forma, não apenas a literalidade da norma deve servir
de fundamento para ação rescisória, como também o seu respectivo sentido,
conforme sustenta Alexandre Freitas Câmara137:
A interpretação meramente literal é, pois, inadmissível, já que não é capaz de revelar o verdadeiro sentido da norma jurídica. É perfeitamente possível encontrar-se exemplos de dispositivos legais cuja interpretação literal levaria a absurdos. Veja, por exemplo, o art. 216 do Código Civil, que assim dispõe: “farão a mesma prova que os originais as certidões textuais de qualquer peça judicial, do protocolo das audiências, ou de outro qualquer livro a cargo do escrivão, sendo extraídas por ele, ou sob a sua vigilância, e por ele subscritas, assim como os traslados de autos, quando por outro escrivão consertados” (o grifo é meu). Ora, parece evidente que o legislador equivocou-se
136 BARIONI, Rodrigo. Ação Rescisória e Recursos para os Tribunais Superiores. Nelson Nery Junior
e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.) 2ª edição. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2013, p. 96-97 137
CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 54.
67
ao dizer que os traslados devem ser consertados (isto é, reparados) pelo tabelião. Evidentemente, devem os traslados ser concertados (ou seja, conferidos) pelo tabelião para que tenham força probante. Esse exemplo, a que muitos poderiam ser somados, basta para demonstrar o acerto do que aqui se sustenta. O importante não é saber se houve respeito a letra da lei. Importa, isso sim, saber se seu sentido foi respeitado.
Identificado, portanto, que a decisão rescindenda violou o sentido da
norma jurídica, possível o ajuizamento da ação rescisória com fundamento no inciso
V do Art. 485 do CPC.
Dessa forma, por todos os argumentos suscitados, a termo “violação a
literal dispositivo de lei” deve ser interpretado, em primeiro lugar, como violação a
norma jurídica (e não, apenas, a lei). O termo “literal”, por sua vez, não exige que a
norma seja escrita. É possível que norma não positivada seja o fundamento para o
ajuizamento de ação rescisória com fundamento no inciso V do art. 485 CPC. Há
necessidade, contudo, que a violação seja flagrante.
68
CAPÍTULO 2 – SÚMULAS
2.1 BREVE HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO
A origem do direito sumular no Brasil está nos “assentos”, herança do
direito português. O instituto tinha como objetivo fixar entendimento de uma
determinada lei, possuindo força normativa vinculante. Inicialmente, em 1518,
referidos assentos eram expedidos pela Casa da Suplicação de Portugal, a mais alta
corte do reino. Apenas em 1808, permitiu-se à Casa de Suplicação do Rio de
Janeiro proferir assentos normativos, também com eficácia vinculante138. Apesar
disso, era admitida a “revisão e alteração, quando ficasse reconhecido que deixaram
de corresponder às necessidades e interesses da ordem jurídica”.139
Segundo o relato de Eduardo de Avelar Lamy140:
Durante o período colonial, como o sistema normativo das metrópoles era aplicado nas respectivas colônias, o Brasil possuía modelos de uniformização de jurisprudência, por meio dos ‘assentos’, que tinham força normativa idêntica à lei. Alguns séculos depois, no entanto, os difundidos ideais liberais, que haviam embasado a proclamação da independência das Treze Colônias Norte-Americanas e provocado a Revolução Francesa, elegeram a lei como fundamento maior para a aplicação do direito.
Com o advento da República, os assentos foram eliminados e, quase
concomitantemente, o recurso extraordinário passou a ser previsto no sistema
jurídico brasileiro, tendo como hipótese de cabimento justamente a divergência de
interpretação de leis entre os tribunais estaduais, a ser dirimida pela Corte Suprema.
138
A respeito dos assentos em Portugal e no Brasil, sugere-se consultar o livro de CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 144, 146. 139
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito, p. 231. 140
LAMY, Eduardo de Avelar. Súmula vinculante: um desafio. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 30, n. 120, fevereiro de 2005. p. 113.
69
Nessa medida, mesmo diante da extinção dos assentos, identificou-se a
permanente preocupação no que diz respeito à manutenção da unicidade de
entendimentos a respeito de determinadas leis.
Mais tarde, precisamente no ano de 1923, foram instituídos no Brasil os
“prejulgados” 141 , que tinham como escopo uniformizar entendimentos diante de
eventuais divergências existentes acerca de uma mesma lei.
Tanto os assentos como os prejulgados foram institutos embrionários do
direito sumular, no Brasil; o primeiro com eficácia normativa vinculante e o segundo
como “norma aconselhável para os casos futuros”.
Posteriormente, no ano de 1963, por norma regimental, foram instituídas
as “súmulas da jurisprudência dominante”, estando até os dias de hoje previstas no
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISFT), em especial nos artigos
102142 e 103143 . Referidas súmulas, “que também passaram a ser editadas por
outros tribunais, não ostentam eficácia de precedente judicial vinculante, mas tão-
somente relevante influência persuasiva”144
Independentemente da discussão acerca da eficácia vinculativa dessas
súmulas, matéria que será tratada mais à frente, é fato que exerceram importante
papel nos julgamentos que respeitavam os entendimentos ali firmados.
José Carlos Barbosa Moreira145 disserta sobre o tema:
141
Decreto n. 16.273 de 1923. 142
“A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal. § 1º A inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, serão deliberados em Plenário, por maioria absoluta. § 2º Os verbetes cancelados ou alterados guardarão a respectiva numeração com a nota correspondente, tomando novos números os que forem modificados. § 3º Os adendos e emendas à Súmula, datados e numerados em séries separadas e sucessivas, serão publicados três vezes consecutivas no Diário da Justiça. § 4º A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido.” 143
“Art. 103. Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário.” 144
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Eficácia do Precedente Judicial na história do direito brasileiro. Revista do Advogado. São Paulo, AASP, ano XXIV, n. 78, setembro 2004. p. 47. 145
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, Jurisprudência, Precedente: uma escalada e seus riscos. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. (Temas de Direito Processual - Nona Série). p. 301.
70
Embora nenhuma disposição legal conferisse eficácia vinculativa às proposições insertas na Súmula, ela veio a exercer, na prática, enorme influência nos julgamentos, quer de juízos de primeiro grau, quer de tribunais. Não foram frequentes as sentenças e acórdãos que se animaram a discrepar de alguma tese constante da Súmula. Juízes havia, e não só na primeira instância, que se limitavam a aludir à Súmula como fundamento de suas decisões, se bem que a rigor, insista-se, semelhante referência não satisfizesse o requisito legal (e depois constitucional) da motivação. É pena que não se haja tomado a iniciativa de colher dados e elaborar estatísticas, a cuja luz se pudesse medir objetivamente o impacto produzido pela instituição da Súmula na quantidade de processos e na respectiva duração.
O atual CPC, quando editado (1973), consolidou o instituto das súmulas
no cenário jurídico brasileiro. Nesse sentido, previu o legislador no art. 479: “o
julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o
tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente de uniformização da
jurisprudência”.
Em 1998, com a edição da Lei n. 9.756, regulamentou-se a possibilidade
de o relator negar seguimento ou dar provimento – monocraticamente – a recurso
em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do
Supremo Tribunal ou de Tribunal Superior (art. 557).
Posteriormente, em 2004, houve a chamada Reforma do Judiciário, com a
edição da Emenda Constitucional n. 45. Entre as diversas alterações ocorridas,
merece destaque a previsão do instituto denominado “súmula vinculante”, incluído
na Constituição Federal, por força do art. 103-A146. Na disciplina deste artigo, o STF,
mediante decisão de dois terços dos seus membros, poderá aprovar súmula, que
146
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”
71
“terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.
Anote-se que sempre se questionou a necessidade de uma reforma
constitucional para prever súmula com eficácia vinculante e houve mais de um
motivo para tanto. O primeiro se refere ao fato de o art. 557 do CPC já permitir o
julgamento monocrático de recurso contrário às súmulas ou jurisprudência
dominante o que, em última análise, demonstra a eficácia, ainda que em menor
grau, “vinculativa” daquelas súmulas previstas no RISTF. Ademais,
independentemente de previsão legal expressa declarando a eficácia vinculante, já
se concebia que os juízes deveriam curvar-se à jurisprudência consolidada da Corte
Suprema ao proferirem as suas decisões147, sendo este mais um motivo para afastar
a necessidade da previsão constitucional das súmulas com eficácia vinculante.
Apesar das inúmeras críticas relacionadas às súmulas vinculantes
(críticas estas, aliás, existentes até os dias atuais), fato é que, hoje, elas fazem parte
do nosso ordenamento jurídico, convivendo harmonicamente com as súmulas
persuasivas.
2.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DAS SÚMULAS
Não é rara a existência de casos judiciais similares, em que a tese
jurídica148 discutida é a mesma, porém, com julgamentos diferentes. Ainda que cada
147
“Devo lembrar que, quanto aos juízes, a súmula vinculante seria desnecessária. Porque os juízes, de regra, quando vão decidir uma causa, a primeira coisa que fazem é a pesquisa em torno da jurisprudência. Eu fui juiz de primeiro grau, e era assim que procedia, e é assim que procedo, hoje, na Suprema Corte. Porque a jurisprudência representa a discussão amadurecida de uma questão de direito, pelo que é roteiro seguro para a decisão a ser tomada. A súmula vinculante terá como destinatários, principalmente, a administração pública, as grandes corporações e os demandantes contumazes.” VELLOSO, Carlos Mario da Silva. O poder judiciário e a súmula vinculante. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, EMERJ, v. 2, n. 5, 1999. p. 27. 148
“[...] ousamos, correndo o risco da imprecisão, definir tese jurídica como sendo uma verdade jurídica, que não deixa de sê-lo em virtude de especificidades dos casos concretos que lhe são subjacentes”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sumula Vinculante: figura do common law? Revista de Doutrina TRF4. 31.10. 2011. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao044/teresa_wambier.html>. Acesso em: 23 out. 2013.
72
caso apresente a sua peculiaridade fática, há situações que não justificam decisões
diferentes e, tampouco, conflitantes. Como exemplo, pode-se citar a divergência
acerca da abusividade (ou não) do aumento de mensalidade de plano de saúde para
segurados a partir dos sessenta anos de idade, à luz do Estatuto do Idoso.
Ainda que o direito não possa existir completamente dissociado dos fatos,
é certo que, nesta hipótese, há predominância do aspecto jurídico, devendo sobre
ele debruçar-se o julgador. Portanto, identificados os mesmos fatos (idade do
segurado e contrato válido), inexiste fundamento para julgamentos díspares.
Situação diferente, mas nem por isso isenta das mesmas consequências,
é a das decisões pautadas, por exemplo, em normas com conceitos vagos e
indeterminados que, de acordo com Teresa Arruda Alvim Wambier 149 : “são
expressões linguísticas (signos) cujo referencial semântico não é tão nítido, carece
de contornos claros. Esses conceitos não dizem respeito a objetos fácil, imediata e
prontamente identificáveis no mundo dos fatos”. Justamente por não serem
conceitos precisos, permitem ao juiz o julgamento do caso com certa margem de
“liberdade”.
E, com Cassio Scarpinella Bueno150, completa-se o raciocínio:
[...] o mesmo pode ser dito, sempre com os olhos voltados para o direito processual civil, com relação aos conceitos vagos ou indeterminados. Não há como negar que, crescentemente, seu emprego pelo ‘legislador do processo civil’ e sua descoberta pela doutrina e pela jurisprudência processuais civis têm sido conscientes de que o emprego daquela fórmula também é técnica legislativa para outorgar, ao magistrado de cada caso concreto, uma maior dose de liberdade de atuação, no sentido de ser técnica voltada a abrir o direito às realidades sociais e às vicissitudes concretas e cambiáveis.
Os conceitos vagos e indeterminados são válidos na medida em que
possibilitam a “adaptação da lei” a conceitos cambiáveis no tempo e no espaço. Por
outro lado, a sua imprecisão “facilita” a existência de decisões judiciais distintas
acerca de uma mesma tese jurídica.
149
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 151. 150
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, 2. ed. v. 1, p. 69.
73
A par da discussão sobre a possibilidade (ou não) de existir em nosso
ordenamento jurídico uma única interpretação/resposta correta para o julgamento de
um caso concreto, o fato é que, para uma mesma situação jurídica, o sistema
jurídico não deve abrigar entendimentos diferentes.
A orientação esboçada por Teresa Arruda Alvim Wambier151 aponta nessa
direção:
[...] entendemos que o direito deve tender a fornecer ao jurisdicionado uma só resposta correta, o que pode ser compreendido ao nível do sistema (= sabe-se qual é a pauta de conduta, sabe-se que tal tributo incide nesta operação mercantil, etc.), ou, em certos casos, ao nível da situação individual (= sabe-se que, naquele caso, a decisão correta foi aquela, e só poderia ter sido aquela).
A existência de diversos posicionamentos acerca de uma mesma situação
jurídica, bem sabemos, traz consequências graves para o ordenamento jurídico,
como imprevisibilidade das decisões judiciais, violação do princípio da isonomia,
descrédito do próprio Poder Judiciário, sobrecarga de trabalho (na medida em que
obriga os jurisdicionados a “tentarem a sorte”, com o ajuizamento de ações),
proliferação infindável de recursos (já que não se sabe qual o entendimento
firmado), entre outras152.
Visando, justamente, evitar esse tipo de situação, há tempo, percebe-se
uma tendência legislativa processual civil no que diz respeito à criação de
mecanismos capazes de uniformizar entendimentos. É o caso, por exemplo, dos
151
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 133. 152
“Grosseiramente descrito, o princípio da legalidade pode ser considerado como aquele segundo o qual o jurisdicionado não pode ser obrigado a fazer senão aquilo que a lei determina que seja feito, e que, também, não pode ser proibido de fazer algo a não ser que haja previsão legal a respeito. A lei, portanto, é sua pauta de conduta. Mas se a lei comporta diversas interpretações e o sistema não engendra meios eficazes para uniformizá-las, fazendo com que uma delas passe definitivamente a prevalecer, o fato é que em vez de uma pauta de conduta, o jurisdicionado terá tantas quantas interpretações houver. Daí se percebe serem ofendidos, nesta situação, tanto o princípio da legalidade quanto o princípio da isonomia, pois, se se entende que a lei deve ser aplicada a todos, é evidente que se entende que estes deverão ter a sua atividade disciplinada por uma única interpretação.” MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A súmula vinculante vista como meio legítimo para diminuir a sobrecarga de trabalho dos tribunais brasileiros. Revista Jurídica. São Paulo, IOB, ano 57, n. 379, maio 2009. p. 30.
74
recursos repetitivos (arts. 543-B e 543-C do CPC), do instituto de uniformização de
jurisprudência (art. 476 do CPC) e, também, das súmulas.
As súmulas auxiliam a diminuir a divergência de posicionamentos acerca
de uma mesma tese jurídica, uma vez que seus enunciados exteriorizam de forma
clara e objetiva (ao menos em tese) uma única orientação a ser seguida diante de
uma situação específica153.
Sobre a função da súmula, ensina Humberto Theodoro Junior154:
O teor da súmula obriga como lei, mas só atua em campo de interpretação de norma legal já existente. O STF não está autorizado a proceder como órgão legislativo originário. Não pode criar, pelo mecanismo sumular, norma que não tenha sido instituída pelo poder legislativo, nem mesmo a pretexto de suprir lacuna do direito positivo. Na verdade o que obriga é a lei interpretada pelo STF em súmula de seus julgados. A súmula apenas revela o sentido que tem a norma traçada pelo legislador. Como a Constituição confere autoridade ao STF para tanto, descumprir o enunciado de uma súmula equivale a violar a lei que a inspirou. Daí falar-se em súmula com efeitos vinculantes (obrigatórios).
Portanto, resume o autor, as súmulas devem limitar-se “a revelar o
sentido que tem a norma traçada pelo legislador”155, ou seja, não poderia a Corte
Suprema criar direito, como se “legislar” fosse uma de suas funções.
O entendimento é compartilhado por Lenio Luis Streck156, para quem o
objetivo primordial das súmulas é interpretar legislação preexistente, sob pena de
153
“São enunciados que, sintetizando as decisões assentadas pelo respectivo tribunal em relação a determinados temas específicos de sua jurisprudência, servem de orientação a toda comunidade jurídica.” CUNHA, Sergio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo, Editora Saraiva, 1999. p. 124. De acordo com Cassio Scarpinella Bueno: “As chamadas súmulas são a cristalização de entendimentos jurisprudenciais que predominam nos tribunais em certo espaço de tempo. A palavra quer indicar as decisões reiteradamente proferidas em determinado sentido pelos Tribunais” (Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed., p. 349). 154
THEODORO JUNIOR, Humberto. Repercussão geral no recurso extraordinário (Lei nº 11.418) e súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, LexMagister, ano III, n. 18, maio-junho 2007. p. 28. 155
THEODORO JUNIOR, Humberto. Repercussão geral no recurso extraordinário (Lei nº 11.418) e súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, LexMagister, ano III, n. 18, maio-junho 2007. p. 28. 156
De acordo com o doutrinador, as súmulas podem ser classificadas em quatro grupos distintos: (i) súmulas tautológicas, que apenas enfatizam aquilo que a lei já dispõe, (ii) súmulas intralegem que se limitam a interpretar o disposto em lei, (iii) súmulas extralegem, estabelecem restrições no campo da admissibilidade recursal e (iv) súmula contra legem e inconstitucionais, que seriam aquelas que constituem autênticas criações legislativas. STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
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violar a tripartição dos poderes. Assim, quando ultrapassar os limites da mera
interpretação, ou seja, se efetivamente inovar, na lição do autor, a súmula será
classificada como contra legem e inconstitucional.
Não obstante a concordância com os raciocínios desenvolvidos por estes
doutrinadores157, dois aspectos devem, necessariamente, ser considerados158. O
primeiro se refere ao fato de que nem sempre a edição da súmula decorre de
interpretação de um determinado dispositivo de lei. Há casos em que os enunciados
são editados tendo como base todo o “sistema jurídico” (e não, exclusivamente, um
texto legal); ou, ainda, em determinadas situações a súmula vem preencher um
vácuo legislativo, ou seja, diante da inexistência de legislação a respeito do assunto,
o Poder Judiciário edita súmula para não deixar o jurisdicionado desamparado. Por
fim, ainda que indesejável, há casos ademais em que as súmulas são editadas
contra legem. O segundo aspecto alude à circunstância de que, ainda que a súmula
decorra de simples interpretação normativa, “a toda interpretação é inerente algum
grau de criatividade”159 .
Nesse sentido, colaciona-se a doutrina de Cassio Scarpinella Bueno160:
A inafastável consequência da evolução do pensamento do direito e a concordância, entre os filósofos e os teóricos do direito, de que o fenômeno jurídico não pode ser pensado de forma ‘pura’ ou ‘neutra’, despido de outros elementos que não exclusivamente jurídicos, é a percepção de que o juiz, ao aplicar o direito, é um criador de normas jurídicas. O caráter ‘avalorativo’, típico do positivismo jurídico, já não pode ser acatado. Trata-se, é certo, de uma modalidade de criação
157
“As súmulas editadas pelos tribunais superiores, assim, revelam, ou deveriam revelar, em princípio, como deve ser interpretada uma norma jurídica, já que a função do STF e do STJ é, pelo menos em tese, a de manter a unidade de entendimento acerca do direito constitucional ou federal.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade com objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 34, n. 172, junho 2009. p. 135. 158
A classificação das súmulas e a atividade criativa do juiz serão aspectos abordados com maior profundidade no presente trabalho, em capítulos específicos (seções 2.3 e 2.4). 159
“Contudo, por mais que se considere a súmula como produto de interpretação de normas a ela preexistentes, não se pode perder de vista que toda interpretação é inerente algum grau de criatividade, de modo que, ainda que a súmula contenha um enunciado que expresse a ratio decidendi comum a todas as decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal sobre matéria constitucional, as quais foram, elas próprias, na Constituição Federal fundamentadas, nem por isso a súmula deixará de criar Direito, nem por isso deixará de ser norma e nem por isso poderá ser reduzida a mero esquema interpretativo”. JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 46. 160
BUENO, Cassio Scarpinella, Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático, p. 28-29.
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um tanto diferente daquela que está sob responsabilidade do legislador, mas a interpretação e a aplicação do direito, mesmo quando feitas pelo juiz, que tem o dever de julgar o caso concreto, são, necessariamente, criativas.
Não é qualquer matéria, contudo, que pode ser objeto de súmula. “As
súmulas figuram como patamar intermediário entre o abstrato da lei e o concreto das
decisões judiciárias em casos específicos”161.
Situações, por exemplo, em que as peculiaridades fáticas certamente
terão relevância para solução do caso concreto, não poderão ser objeto de súmula.
Se, contudo, estivermos diante de discussão de tese jurídica, em que a realidade
fática não exerce influência na aplicação do direito, a princípio, mostra-se adequada
a elaboração de súmula.
Em primeiro lugar, é necessário que se mencione que nem tudo pode ser objeto de súmula, mas, exclusivamente, teses jurídicas. Ousamos, correndo o risco de imprecisão, definir tese jurídica como sendo uma verdade jurídica, que não deixa de sê-lo em virtude de especificidades dos casos concretos que lhe são subjacentes. Evidentemente, as súmulas, passando a ter efeito vinculante, devem passar a ser elaboradas com muito mais critério e de forma a não gerar, na medida do possível, problemas interpretativos mais complexos que gerados pela própria norma constitucional que derivam. Para serem consideradas questões de direito – teses jurídicas puras – as regras que podem ser objeto de súmula devem se aplicar a fatos cujos aspectos que têm consequências jurídicas possam ser resumidos em uma ou duas frases, porque não envolvem peculiaridades relevantes para a sua qualificação ou para a indicação de respectivo regime jurídico.162
A título de exemplo do entendimento até aqui exposto, é pertinente
analisar a Súmula vinculante n. 12 e a Súmula de jurisprudência dominante n. 252,
ambas do STF.
161
DINAMARCO, Candido Rangel. O relator, a jurisprudência e os recursos. Aspectos Polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 103. 162
MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A súmula vinculante vista como meio legítimo para diminuir a sobrecarga de trabalho dos tribunais brasileiros. Revista Jurídica. São Paulo, IOB, ano 57, n. 379, maio 2009. p. 33, 34.
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Dispõe a Súmula vinculante n. 12 que: “A cobrança de taxa de matrícula
nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV 163 , da Constituição
Federal”.
Diante desse verbete, não importam as variáveis fáticas do caso concreto.
Não faz diferença se a universidade é federal, estadual ou municipal. Da mesma
forma, não é relevante se o aluno que estuda na universidade pública tem ou não
condições econômicas suficientes para pagar a matrícula. O enunciado é claro no
sentido de que, tratando-se de universidade pública, não pode ser cobrada taxa de
matrícula, sob pena de violação à ordem constitucional em vigor.
Diferente seria se o teor da súmula fosse, por exemplo, “a cobrança de
taxa de matrícula nas universidades públicas de alunos desprovidos de condições
econômicas, viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal”. Os critérios
que levam à conclusão de que uma determinada pessoa não tem condições
econômicas são subjetivos. E, a depender dos critérios utilizados por julgadores
distintos, podem ocorrer julgamentos diferentes em relação a pessoas que, ao
menos em tese, possuem a mesma situação financeira.
A Súmula n. 252 do STF assim prevê: “Na ação rescisória, não estão
impedidos juízes que participaram do julgamento rescindendo”.
De acordo com o citado verbete, não é relevante, por exemplo, o foro de
tramitação da ação, o fundamento da rescisória, as partes envolvidas, a matéria
tratada etc. O fundamento de que determinado juiz estaria impedido de julgar uma
rescisória pelo simples fato de ter participado de julgamento rescindendo não deve
ser acolhido, conforme orienta o enunciado.
Visando justamente evitar dúvidas interpretativas, é importante que as
súmulas não tragam, em seu conteúdo, conceitos vagos ou indeterminados. É o que
sustenta Teresa Arruda Alvim Wambier164:
163
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VI. Gestão democrática do ensino público, na forma da lei.” 164
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução? Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 98, abril, 2000. p. 295.
78
É importante ressaltar que há casos em que, de fato, se justifica a mudança na interpretação da lei, principalmente quando se trata de textos legais que contenham o que a doutrina chama de conceitos vagos ou indeterminados, cuja função, talvez principal, seja justamente a de possibilitar decisões diferentes (e corretas!!) ao longo do tempo, sem que haja a necessidade de se alterar a lei. Veja-se o exemplo da expressão mulher honesta. Nesses casos, sim, é que a simulação significaria estagnação e morte da jurisprudência e comprometimento, portanto, do desenvolvimento do próprio direito. A jurisprudência é o termômetro mais sensível das oscilações sociais e não pode ser ‘engessada’. Isto não se aplica, porém, a questões como a dos 147% dos aposentados ou a se saber se certo tributo pode ser (ou não ser) cobrado por ser (ou não ser) inconstitucional. Aqui, em casos assim, não se pode deixar de aplicar o princípio da legalidade e da isonomia, como antes se disse, ‘engrenados’. As súmulas só podem dizer respeito a situações capazes de se repetirem ao longo do tempo de modo absolutamente idêntico. Em princípio não se poderia, por exemplo, sumular tese jurídica relativa a direito de família, porque situações de família nunca são idênticas. Diferentemente ocorre no plano do direito tributário, em que um leasing é sempre um leasing, e se deve saber, com certeza, se se trata ou não, de atividade tributável.
Nesse particular, percebe-se que a Súmula vinculante n. 11 do STF165 foi
editada inadequadamente. Além de ser demasiadamente extensa, utiliza conceitos
extremamente vagos que, ao certo, no momento de sua aplicação poderão dar
margem a diversas interpretações. É o caso, por exemplo, da expressão “fundado
receio de fuga”, utilizada no verbete, o mesmo ocorrendo com a expressão “perigo a
integridade física”. O próprio conceito de “integridade física” pode variar de pessoa
para pessoa, o que evidencia que a técnica utilizada pelo STF na edição da súmula
não foi a mais adequada166.
Para elucidar o argumento de que não é qualquer matéria que pode ser
objeto de súmula, dois exemplos foram utilizados, um relacionado à súmula
vinculante e outro relativo à súmula persuasiva.
165
Súmula vinculante n. 11 do STF: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade ou de nulidade da prisão ou ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.” 166
Nesse sentido, concordamos com o entendimento esboçado por Teresa Arruda Alvim Wambier que assim dispõe: “[...] umas das formas de se evitar que a súmula gere problemas de interpretação – e, portanto, de incidência – é que esta não contenha, em seu enunciado, conceitos vagos, salvo se for para dizer o que eles significam” (Estabilidade e adaptabilidade com objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, RT, ano 34, n. 172, junho 2009. p. 140).
79
Nesse momento, emerge o seguinte questionamento: lendo os verbetes,
pode-se identificar facilmente qual é a súmula vinculante e qual é a persuasiva? À
primeira vista, parece que não. Para responder com exatidão à pergunta, contudo,
será necessário primeiro especificar as peculiaridades dessas súmulas.
2.2.1 Súmulas vinculantes
Com a edição da Emenda Constitucional n. 45, promulgada em 8 de
dezembro de 2004, as “súmulas vinculantes” passaram a ter previsão constitucional
(art. 103-A), nos seguintes termos:
O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Posteriormente, a Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, disciplinou
a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo STF.
À época em que tal instituto passou a ter previsão constitucional, muitas
foram as opiniões acerca da sua real utilidade. Contrariamente, houve quem
sustentasse, por exemplo, que as súmulas vinculantes “engessariam” os
magistrados, que não mais poderiam julgar a causa de acordo com o seu livre
convencimento 167 . Também se apontou a incompatibilidade do instituto com o
167
“Argumentos de peso há a sustentar a tese da inconveniência da adoção do sistema de súmula vinculante. Dois deles são os principais: diz-se que adotar a súmula vinculante feriria a regra da separação de poderes, base dos Estados de Direito modernos, já que o Poder Judiciário seria autor de ato normativo geral, função essa que cabe ao Poder Legislativo; e se diz também que, no sistema brasileiro o juiz só pode decidir com base na lei, que representa a vontade geral”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução?. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 98, abril, 2000. p. 295. “A súmula vinculante cuja a única finalidade declarada é diminuir os trabalhos das mais altas Cortes, traz, em si mesma, vícios insanáveis que não permitem a sua adoção. Assim é que a vinculação retira do juiz o seu dever de julgar, transformando-o em mero
80
princípio da separação dos poderes 168 . O argumento de que haveria indevida
substituição da fundamentação das decisões judiciais pela menção de súmula
vinculante também ganhou adeptos169. Por fim, emergiu o argumento de violação ao
princípio democrático170.
De outro lado, defendeu-se que as súmulas vinculantes trariam ao nosso
Poder Judiciário aspectos positivos na medida em que auxiliariam na celeridade da
tramitação dos processos e, também, na uniformização das teses jurídicas,
resultando maior segurança e previsibilidade aos jurisdicionados171.
autônomo cumpridor das normas ditadas pelo grau superior. Com essa súmula, nada mais há para ser criado ou modificado. Ela inibe o julgador, retirando-lhe a livre apreciação dos fatos e do direito. Subtrai-lhe o poder de convicção, próprio do julgador. O direito é a vida e ela deve se adaptar em cada e em todos os momentos. Engessar o julgamento e o julgador é retirar-lhe a própria vida”. MACHADO, Rubens Approbato. A reforma do Poder Judiciário. Revista do Advogado. São Paulo, AASP, n. 56, 1999. p. 98. No mesmo sentido: “Tem sido grande a crítica, especialmente entre os processualistas brasileiros, a este instituto do efeito vinculante. De uma maneira geral, tem-se dito que se trata de uma indevida cópia do sistema jurídico da common law. Além disso, criou-se o mito de que ele terminará com o princípio do livre convencimento do juiz e que engessará a evolução do direito nacional”. TIMM, Luciano Benetti; JOBIM, Eduardo. A súmula vinculante à luz do direito inglês: quebrando mitos e lançando luzes sobre um novo paradigma na redação e na estruturação das súmulas do STF. In: MACHADO, Fábio Cardoso; MACHADO, Rafael Bicca (Coord.). A reforma do Poder Judiciário. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 452. 168
“Ademais, o pretendido efeito vinculante dos precedentes judiciais afrontaria duas garantias institucionais maiores, ou seja, dois institutos postos na Constituição [...]. O primeiro deles é a separação de poderes. Ora, a súmula com efeito vinculante absoluto para os juízes de primeira instância significa a introdução de um sucedâneo da lei em nosso sistema jurídico, produzindo a superposição ou conflito de atribuições entre os Poderes Legislativo e Judiciário”. LINS E SILVA, Evandro. A questão do efeito vinculante. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 4, n. 13, jan.-mar. 1996. p. 113. 169
“Essa é mais uma crítica que merece reflexão acerca da súmula vinculante, já que impõe uma conduta a ser seguida, inclusive desconsiderando o livre convencimento como critério de liberdade de apreciação de determinado caso concreto, além de não refletir o princípio constitucional da motivação das decisões judiciais”. ARAÚJO, José Henrique Mouta. Reflexões envolvendo a implantação da súmula vinculante decorrente da emenda constitucional nº 45. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo, Dialética, n. 26, maio, 2006. p. 72. 170
“É justamente a dialética que se vê ameaçada pelas propostas de instituição das súmulas vinculantes. Elas impedirão que matérias relevantes sejam discutidas e amadurecidas pelos órgãos que formam a base do poder Judiciário”. VILLEN, Antônio Carlos; CINTRA JUNIOR, Dirceu Aguiar Dias. Controle externo e interno do judiciário. O controle político e ideológico e as súmulas vinculantes. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, n. 720, outubro 1995. p. 334. 171
“Somados os prós e os contras (e há inúmeros prós e inúmeros contras), sempre nos pareceu conveniente a adoção do sistema de súmulas vinculantes. Sempre consideramos ser uma medida legítima, já que, se de um lado acaba contribuindo para o desafogamento dos órgãos do nosso Poder Judiciário, de outro lado, desempenha papel relevante no que diz respeito a valores prezados pelos sistemas jurídicos: segurança e previsibilidade. Portanto, alteração do sistema nesse sentido seria boa para os jurisdicionados – já que geraria maior segurança e previsibilidade – e boa para o Poder Judiciário – que ficaria menos sobrecarregado, o que, como se sabe, indiretamente, representa benefício para os próprios jurisdicionados”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução? Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 98, abril, 2000. p. 295.
81
Contrapondo o argumento de que as súmulas vinculantes violariam o
princípio da tripartição de poderes, Candido Rangel Dinamarco172 consignou que
não se trata de legislar, mas sim de interpretar uma determinada lei já existente.
A alegação de suposta violação do princípio da motivação das decisões
judiciais, também foi refutada173. O mesmo ocorreu com relação a críticas à suposta
violação do princípio do livre convencimento motivado174.
Opiniões favoráveis e contrárias às súmulas vinculantes existem até os
dias de hoje. Tempos após a aprovação da Emenda Constitucional n. 45, contudo,
verificou-se que grande parte da doutrina se rendeu aos benefícios trazidos pelo
instituto.
Circunscrito nessa polêmica, antecipamos o nosso entendimento no
sentido de que se pode enxergar com “bons olhos” as súmulas vinculantes previstas
na Constituição Federal. Mas vale, de antemão, o alerta de que, infelizmente, se não
constar expressamente em dispositivo de lei a eficácia vinculante da súmula, parte
dos juízes simplesmente a ignorará. A partir do momento em que a vinculatividade é
prevista expressamente, os verbetes passam a ser observados por quase a
totalidade dos magistrados, trazendo uniformidade nos julgamentos, o que, em
última análise, significa segurança jurídica e previsibilidade aos jurisdicionados.
Arnoldo Wald175 reforça o aspecto positivo das súmulas vinculantes:
172
“Ao emiti-las, o Supremo Tribunal Federal não institui preceitos inteiramente novos, equiparando-se ao legislador, o que lhe toca fazer é, partindo de uma lei já existente e pondo-a em confronto com a Constituição Federal, decidir que ele é válida ou inválida, eficaz ou ineficaz, ou que ela deve ser interpretada de determinado modo, e não diferentemente”. DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 340–341. 173
“Os precedentes não devem ser aplicados de forma automática. O precedente deve ser analisado cuidadosamente para determinar se existem similaridades de fato e de direito e para determinar se a posição atual da Corte com relação ao caso anterior”. NORTHFLEET, Ellen Gracie. Ainda sobre o efeito vinculante. Revista de Informação Legislativa. Brasília, Senado Federal, n. 131, jul.-set. 1996. p. 134. 174
“Sou declarado defensor da grande liberdade interpretativa do juiz. Mas essa liberdade não pode ser absoluta, a ponto de ele julgar segundo seus sentimentos pessoais e não como canal de comunicação entre os valores da sociedade e o caso em que atua. O que está à base desse pensamento é a regra da impessoalidade no exercício da jurisdição. Por outro lado, interpretações conflitantes geram incerteza e insegurança. Que os juízes inovem, sim. Mas é preciso que os próprios juízes, apreciando o que vem sendo decidido, parem para refletir e nesse momento de reflexão afastem interpretações que podem ser pessoais e passem a manifestar-se do modo institucionalizado. Daí a legitimidade dos meios pelos quais se busca a uniformização dos modos de decidir”. DINAMARCO, Candido Rangel. Súmulas vinculantes. Revista Forense. Rio de Janeiro, Forense, ano 95, v. 347, jul.-ago. 1999. p. 63.
82
Apesar das críticas à instituição da súmula vinculante, entendemos ser um instrumento que, além de garantir a uniformidade da justiça, evitando centenas de milhares de julgamentos repetitivos, trará mais segurança jurídica ao País. A segurança jurídica, aliás, é o fim que se pretende alcançar com o instituto, o que vem expresso no §1º do art. 103-A da Constituição Federal.
José Carlos Barbosa Moreira176 leciona no mesmo sentido:
[...] não se trata de impor aos órgãos judicantes uma camisa-de-força, que lhes tolhesse o movimento em direção a novas maneiras de entender as regras jurídicas, sempre que a anteriormente adotada já não corresponda às necessidades cambiantes do convívio social. Trata-se, pura e simplesmente, de evitar, na medida do possível, que a sorte dos litigantes e afinal a própria unidade do sistema jurídico vigente, fiquem na dependência exclusiva da distribuição do feito ou do recurso a este ou àquele órgão.
Ainda, de acordo com o art. 103-A da CF, a súmula terá eficácia
vinculante não somente em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, mas
também no que toca à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal.
Trata-se de um aspecto positivo das súmulas vinculantes. Isso porque,
conforme consignou José Carlos Barbosa Moreira177:
[...] o principal efeito da respectiva edição poderá talvez consistir na obrigação, imposta aos órgãos da Administração Pública, de respeitá-las. Realmente, muitas queixas têm-se feito ouvir acerca da insistência de órgãos do Poder Executivo em sustentar teses divergentes das esposadas por decisões dos Tribunais Superiores, inclusive da Corte Suprema.
Antes da edição do citado comando constitucional, não era incomum
identificar posicionamentos da Administração Pública em total discordância com
aqueles já sedimentados pelo STF. Tal conduta, além de gerar insegurança no seio
da sociedade, acabava sobrecarregando o Judiciário na medida em que precisava
dizer a “última palavra” diante da divergência.
175
WALD, Arnoldo. Eficiência judiciária e segurança jurídica: a racionalização da legislação brasileira e reforma do Poder Judiciário. In: MACHADO, Fábio Cardoso; MACHADO, Rafael Bicca (Coord.). A Reforma do Poder Judiciário, p. 60. 176
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, Forense, 1974. v. 5. p. 251. 177
BARBOSA, José Carlos. Emenda Constitucional nº 45 e o processo. São Paulo: Saraiva, 2007. (Temas de Direito Processual - Nona Série). p. 35.
83
Tendo em vista que um dos principais objetivos da criação do instituto
“súmula vinculante” era desafogar o Poder Judiciário e, ainda, o fato de que o
Estado é um litigante contumaz, foi relevante a previsão que estabeleceu a eficácia
vinculante também para os órgãos da administração pública.
Nos termos do art. 2º da Lei n. 11.417/2006, apenas matérias
constitucionais178 poderão ser objeto de súmulas vinculantes e terão como objeto,
consoante estabelece o §1º do citado dispositivo:
[...] a validade, interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.
Verifica-se, portanto, que a súmula deverá refletir o “entendimento
reiterado” do STF, após julgamentos repetitivos em controle difuso de
constitucionalidade. Além disso, deve tratar de “controvérsia atual”, capaz de
acarretar “grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre
questão idêntica” e, ainda, deve manejar “matéria constitucional”.
Importante registrar, portanto, a necessidade de conjugação de, no
mínimo, cinco requisitos, exigência esta que revela o caráter excepcional que deve
ser dado às súmulas vinculantes.
De acordo com o art. 3º da mencionada Lei n. 11.417/2006, têm
legitimação para propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de
súmula vinculante:
I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – o Procurador-Geral da República; V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VI - o Defensor Público-Geral da União; VII – partido político com representação no Congresso Nacional; VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;
178
Entendemos, contudo, que as súmulas vinculantes não devem ficar restritas, exclusivamente, às matérias constitucionais. Sem adentrar profundamente nesse aspecto, é importante que se diga que há matéria legal analisada à luz da Constituição Federal que, da mesma forma, poderão ser objeto de súmula. O termo “matéria constitucional” previsto na legislação, portanto, precisa ser analisado com certo cuidado.
84
IX – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.
Em se tratando de eficácia vinculante em relação à administração pública
– além dos órgãos do Poder Judiciário –, nada mais coerente do que ampliar a
legitimação para agentes “exteriores” ao STF (no caso, aos mesmos legitimados à
propositura de ADIN), medida esta que demonstra a preocupação democrática que
se revelou no momento da criação do instituto da “súmula vinculante”.
A mesma Lei n. 11.417/2006 trata do procedimento a ser seguido para a
edição da súmula vinculante. Assim, apresentada a proposta por um dos
legitimados, deve o Procurador-Geral da República manifestar-se 179 . Após
manifestação, em um mesmo sentido, de dois terços dos membros do tribunal, em
sessão plenária180, poderá ser editada, revista ou cancelada determinada súmula,
mas é só a partir da respectiva publicação em Imprensa Oficial181 que o verbete
passará a ter caráter vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e para a
Administração Pública.
Por fim, no caso concreto, violada uma súmula vinculante,
independentemente da interposição do recurso cabível, a parte prejudicada poderá
utilizar o instituto da reclamação182.
179
“Art. 2º. [...] § 2
o O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á
previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante. 180
§ 3o A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante
dependerão de decisão tomada por 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária.” 181
“Art. 2o O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas
decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.” 182
“Art. 7º. Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplica-lo indevidamente, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.”
85
2.2.2 Súmulas persuasivas
Já tivemos a oportunidade de discorrer sobre o histórico das súmulas no
direito brasileiro. Nesse sentido, conforme consignado, no ano de 1963 foram
criadas as súmulas183 e o objetivo inicial era organizar os julgamentos já realizados
pelo tribunal, facilitando a sua localização quando necessária, para utilização em
casos posteriores que versassem sobre a mesma matéria.
Victor Nunes Leal184 também aporta sobre a súmula:
Por falta de técnicas mais sofisticadas, a Súmula nasceu – e colateralmente adquiriu efeitos de natureza processual – da dificuldade, para os Ministros, de identificar matérias que já não convinha discutir de novo, salvo se sobreviesse algum motivo relevante. O hábito, então, era reportar-se cada qual à sua memória, testemunhando, para os colegas mais modernos, que era tal ou qual a jurisprudência assente da Corte. Juiz-calouro, com a agravante da falta de memória, tive que tomar nos primeiros anos, numerosas notas, e bem assim sistematizá-las, para pronta consulta durante as sessões de julgamento. Daí surgiu a ideia da Súmula, que os colegas mais experientes – em especial os companheiros da Comissão de Jurisprudência, Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves – tanto estimularam. E se logrou, rápido, o assentimento da Presidência e dos demais Ministros. Por isso, mais uma vez, em conversas particulares, tenho mencionado que a Súmula é subproduto da minha falta de memória, pois fui eu afinal o Relator não só da respectiva emenda regimental como dos seus primeiros 370 enunciados.
O fundamento para a criação das súmulas, como se percebe, esteve mais
inclinado ao propósito de organização de julgamentos pretéritos para facilitação de
consulta. Em 13 de dezembro de 1963, em sessão plenária do STF, foram
aprovadas as primeiras 370 ementas185.
183
Referidas súmulas foram criadas por emenda ao Regimento, publicada em 30.08.1963, passando a vigorar efetivamente em 1964. 184
LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da Súmula do STF. AJURIS. Porto Alegre, Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, n. 25, ano IX, julho 1982. p. 54. 185
As súmulas de n. 371 a 404 foram aprovadas em 03.04.1964, as de n. 405 a 438 em 01.06 do mesmo ano, as de n. 439 a 472 em 01.10.1964, as de n. 473 a 551 em 08.12.1979 e as de n. 442 a 600 em 1976.
86
Naquela época, a violação de súmula já tinha consequências processuais
como, por exemplo, o não conhecimento de recurso extraordinário e embargos de
divergência.
Victor Nunes Leal186 ratifica:
Por tudo isso, dizia o prefácio da primeira edição oficial da Súmula que a sua finalidade ‘não é somente proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões frequentes. Por isso, a emenda ao Regimento [...] atribui à Súmula outros relevantes efeitos processuais’ como fossem: negar-se provimento ao agravo para subida de recurso extraordinário, não se conhecer dos embargos de divergência e rejeitar os infringentes, sempre que o pedido do recorrente contrariasse a jurisprudência compreendida na Súmula, ressalvado o procedimento de revisão da própria súmula. Mais do que isso, poderia o Relator, em tal hipótese, mandar arquivar o recurso extraordinário, ou o agravo de instrumento, facultado à parte prejudicada interpor agravo regimental contra o despacho.
Assim, ainda que não houvesse previsão expressa de vinculação dos
demais órgãos do Poder Judiciário às sumulas, é fato que estavam previstas
consequências processuais relevantes para o caso de descumprimento.
Inicialmente, a previsão das Súmulas constava exclusivamente na
emenda regimental, mas a Constituição Federal de 1967 as sedimentou ao prever
que o RISTF disporia sobre “o processo e o julgamento dos feitos de sua
competência originária ou de recurso”187.
Posteriormente, em 1980 188 , as regras regimentais foram, então,
substituídas pelas disposições que hoje constam nos arts. 102 e 103189 do RISTF e
apontam no seguinte sentido: “a jurisprudência assentada pelo Tribunal será
compreendida na Súmula do Supremo Tribunal Federal” (art. 102 do RISTF) e “a
inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento,
serão deliberados em Plenário, por maioria absoluta” (art. 102, §1º, do RISTF).
186
LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da Súmula do STF. AJURIS. Porto Alegre, Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, n. 25, ano IX, julho 1982. p. 54. 187
Art. 115, parágrafo único, alínea “c” da Constituição Federal de 1967. 188
Em que pese a aprovação ter ocorrido em 18.06.1970, a consolidação do regimento ocorreu em 1980, com a consolidação das respectivas emendas. 189
Art. 103 do RISTF. “Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário.”
87
O CPC em vigor reforça sobremaneira o instituto das súmulas. O art. 476,
por exemplo, prevê a possibilidade de elaboração de “súmula de jurisprudência
predominante” pelos tribunais, quando, no julgamento de incidente de uniformização
de jurisprudência, por maioria absoluta de seus integrantes, houver sido fixada uma
determinada tese jurídica (art. 479). E, de acordo com o art. 557 do mesmo diploma
legal190, o relator negará seguimento a recurso contrário a súmula do respectivo
tribunal, do STF, ou do STJ.
Atualmente191, as súmulas do STF estão previstas nos artigos 102 e 103
do seu Regimento Interno. Para a aprovação de uma súmula é necessária votação
em plenário, por maioria absoluta dos ministros. Considerando que o STF é
composto por 11 (onze) ministros, ao menos seis magistrados precisam votar
favoravelmente à aprovação da súmula. O mesmo quorum e procedimento são
exigidos para alteração ou cancelamento de súmula já editada, conforme dispõe o
§1º do art. 102 do RISTF.
Referidas súmulas, diferentemente daquelas tidas como vinculantes
(previstas na Constituição Federal), visam orientar os magistrados e os tribunais
acerca de uma determinada tese jurídica.
Rodolfo de Camargo Mancuso 192 , acerca da definição de súmula
persuasiva, ensina:
[...] é lícito, pois, falar-se em súmulas persuasivas ou não vinculantes, porque se destinam a influir na convicção do julgador, convidando-o ou induzindo-o a perfilhar o entendimento assentado,
190
Editado de acordo com a Lei n. 9.756/1998. 191
Em 1970, as Súmulas do Supremo Tribunal Federal já constavam no art. 98 do Regimento Interno: “Art. 98 – A jurisprudência firmada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal. § 1° – A inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento (art. 99), serão deliberados em Plenário, por maioria absoluta. § 2° – Ficarão vagos com a nota correspondente, para efeito de eventual restabelecimento, os números dos enunciados que o Tribunal cancelar ou alterar, tomando os que forem modificados novos números na série. § 3° – Os adendos e emendas à Súmula, datados e numerados em séries separadas e contínuas, serão publicados três vezes no Diário da Justiça, em datas próximas. § 4° – As edições ulteriores da Súmula incluirão os adendos e emendas. § 5° – A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido.” 192
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 430.
88
seja pelo fato de aí se conter o extrato do entendimento prevalecente, seja pela virtual inutilidade da resistência, já que o Tribunal ad quem tenderá, naturalmente, a prestigiar sua própria súmula, quando instado a decidir recurso que sustente tese diversa [Grifo do autor].
Há doutrinadores, contudo, que sustentam que tais súmulas, mesmo
diante da ausência de previsão legal expressa, teriam eficácia vinculativa. É o caso,
por exemplo, de José Joaquim Calmon de Passos193.
Coisa bem diversa ocorre, a meu ver, quando se trata de decisão tomada pelo tribunal superior em sua plenitude e com vistas à fixação de um entendimento que balize seus próprios julgamentos. O tribunal se impõe diretrizes para seus julgamentos e necessariamente as coloca, também, para os julgadores de instâncias inferiores. Aqui a força vinculante dessa decisão é essencial e indescartável, sob pena de retirar-se dos tribunais superiores justamente a função que os justifica. Pouco importa o nome de que elas se revistam – súmulas, súmulas vinculantes, jurisprudência predominante ou o que for - obrigam. Um pouco à semelhança da função legislativa, põe-se, com elas, uma norma de caráter geral, abstrata, só que de natureza interpretativa. Nem se sobrepõe a lei, nem restringem o poder de interpretar o direito e valorar os fatos atribuídos aos magistrados inferiores, em cada caso concreto, apenas firmam um entendimento da norma, enquanto regra abstrata, que obriga a todos em favor da segurança jurídica que o ordenamento deve e precisa proporcionar aos que convivem no grupo social, como o fazem as normas de caráter geral positivadas pela função legislativa.
O assunto envolvendo a eficácia vinculante das decisões sumuladas
pelas cortes superiores é polêmico. Hoje não há dúvidas de que apenas as súmulas
previstas na Constituição Federal (art. 103-A) possuem eficácia vinculante. Este
posicionamento, contudo, merece reflexão.
Conforme mencionado antes, o conteúdo dos verbetes não é suficiente
para identificar qual seria a súmula vinculante e qual seria a súmula persuasiva. Não
se pode, portanto, identificar o efeito vinculante pelo conteúdo dos enunciados. Aqui,
193
PASSOS, José Joaquim Calmon de. Súmula vinculante. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Brasília-DF, TRF 1ª Região, v. 9, n. 1, jan.-mar. 1997. p. 163. Teresa Arruda Alvim Wambier compartilha do entendimento. É possível concluir isso ao ler o seu comentário justamente sobre o entendimento esboçado por Calmon de Passos. Diz ela: “Calmon de Passos, todavia, entende (e com razão!) que mesmo antes da adoção da súmula vinculante pelo direito positivo a jurisprudência dos tribunais superiores já vincula”. (Estabilidade e adaptabilidade com objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 34, n. 172, junho 2009. p. 163).
89
novo questionamento emerge: qual seria, então, o elemento capaz de tornar
vinculante a decisão?
A primeira ideia que surge aponta para a necessidade de previsão
constitucional acerca da eficácia vinculante das decisões, como ocorre, por exemplo,
com as ações diretas194 e com a própria súmula vinculante (art. 103-A). Mas tal
argumento carece de substância, especialmente quando se mira nas decisões de
mérito proferidas em arguição de descumprimento de preceito fundamental. A
decisão de mérito aí proferida é vinculante (apesar de nada dispor a Constituição
Federal neste sentido), mas a previsão legal expressa para tanto se encontra tão
somente na Lei n. 9.882/1999, especificamente no § 3º195 do art. 10, ou seja, em lei
ordinária.
Assim, ainda que as ações diretas e a arguição de preceito fundamental
sejam institutos diferentes das súmulas, analisa-se, aqui, exclusivamente, a origem
do efeito vinculante das decisões proferidas e, neste aspecto, pode-se concluir que a
eficácia vinculante de decisões prescinde de previsão constitucional.
A partir dessa conclusão, outro questionamento poderia surgir: ainda que
a previsão da eficácia vinculante possa ocorrer pelas mãos do legislador ordinário,
há necessidade, ao menos, de disposição “expressa” acerca de decisões que são
efetivamente vinculantes?
Se o órgão máximo do nosso Poder Judiciário (no caso, o STF), que tem
como função primordial resguardar a Constituição Federal do país, fixa
entendimento diante de “interpretação assentada” da Corte, nada mais coerente do
que obrigar os órgãos subordinados ao STF de observarem referido
entendimento196. Não deveria tratar-se de mera faculdade. Negar essa vinculação é
194
§ 2º do art. 101 da CF: “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. 195
“Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. [...] §3º. A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.” 196
O próprio Supremo Tribunal Federal, quando fixou entendimento na ADC n. 04, ao reconhecer eficácia vinculante em medida cautelar, sem qualquer previsão nesse sentido, balizou o entendimento
90
deturpar o próprio Estado Democrático de Direito197, afrontar a soberania das cortes
superiores e reconhecer a imperfeição do Poder Judiciário.
[...] efeito vinculante da decisão está intimamente vinculado à própria natureza da jurisdição constitucional em um dado Estado democrático e à função de guardião da Constituição desempenhada pelo Tribunal, temos de admitir igualmente, que o legislador ordinário não está impedido de atribuir essa proteção processual especial a outras decisões de controvérsias constitucionais proferidas pela Corte. Em verdade, o efeito vinculante decorre do particular papel político-institucional desempenhado pela Corte ou pelo Tribunal Constitucional, que deve zelar pela observância estrita da Constituição nos processos especiais concebidos para solver determinadas e específicas controvérsias constitucionais.198
Não está havendo invasão de competência normativa, muito menos um cerceamento da convicção do juiz. É do sistema processual e constitucional que, em determinada hipótese concreta, o juiz de hierarquia jurisdicional inferior tenha que obedecer ao decidido pela Corte Superior, pelas vias recursais normais; com maior razão de o
que aqui se sustenta. Apenas rememorando, assim assentou a Corte Suprema, naquela oportunidade: “[...] 4. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzem eficácia contra todos e até efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nos termos do art. 102, §2º, da CF. 5. Em Ação dessa natureza, pode a Corte conceder medida cautelar que assegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura decisão de mérito. E assim é, mesmo sem expressa previsão constitucional de medida cautelar na A.D.C., pois o poder acautelar é imanente ao de julgar”. 197
“Temos convicção de que o sistema que desrespeita precedentes compromete o Estado de Direito, na medida em que as coisa passam a ocorrer como se houvesse várias ‘leis’ regendo a mesma conduta: um clima de integral instabilidade e ausência absoluta de previsibilidade”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law, Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v.172, junho 2009. p. 132. 198
MENDES, Gilmar Ferreira, O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas. Revista Jurídica Virtual. Brasília, Presidência da República, v. 1, n. 4, agosto, 1999, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_04/efeito_vinculante.htm>. Acesso em: 03 out. 2013. No mesmo sentido assevera Rodolfo de Camargo Mancuso: “Mesmo antes que se cogitasse do advento da súmula vinculativa, já era possível sustentar que, ainda na ausência de força obrigatória expressa, as súmulas, na prática, operavam em modo impositivo, e isso por argumentos diversos: (i) pela lógica do sistema, não faria sentido a extração de um enunciado representativo da jurisprudência assente numa Corte Superior, se não fosse para servir como um guia, para si mesma e como uma diretriz em face das demais instâncias, (ii) a súmula vinculante apresenta, ao fim de contas, uma estrutura semelhante à da norma legal (= enunciado geral, abstrato, impessoal e impositivo), e, tanto quanto a norma, não dispensa o labor interpretativo, seja para apurar sua perfeita inteligência, seja para a sua exata subsunção aos casos concretos; (iii) o reconhecimento da obrigatoriedade da súmula não atrita com o princípio da reserva legal, já que, em última análise, é na Constituição, nas leis e nos regimentos internos que vêm previstos e disciplinados os Tribunais – em sua feição institucional e em suas atribuições – sendo as súmulas o produto final, potencializado, de sua atividade precípua, de dizer o Direito; donde inexistir qualquer extrapolação ou excesso na emissão dos assentos”. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 5. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 374.
91
caso sub judice se enquadrar no mesmo paradigma já traçado pela mais alta Corte, decorrente da interpretação de casos idênticos.199
No mesmo sentido, Lenio Luiz Streck 200 , reportando-se a Anete
Vasconcelos de Borborema, analisa:
[...] um caráter normativo à jurisprudência contida na súmula, entendendo-a obrigatória para todos os juízes e tribunais do país. Explicam que, constituindo o STF (e acrescentaria o STJ) os mais altos sodalícios da justiça brasileira e sendo suas decisões, consequentemente e respectivamente, irreformáveis por outro tribunal, não se pode conceber que juízes de primeiro grau e outros tribunais julguem à revelia das proposições constantes na súmula. Em face da autoridade que a Constituição outorga ao Supremo (e ao STJ), não dar força de lei à jurisprudência dominante firmada em Súmula seria afrontar sua soberania, reconhecer a imperfeição do Poder Judiciário e, finalmente, impedir a certeza jurídica.
Alguns aspectos mais procedimentais poderiam ser sustentados para
afastar a eficácia vinculante de súmulas persuasivas. Nesse sentido, o quorum
poderia ser um argumento necessário para a aprovação das súmulas vinculantes e
persuasivas, que é diferente. Explica-se: a edição de súmula vinculante depende de
quorum qualificado201, enquanto que para a persuasiva basta a maioria qualificada.
Considerando que o quorum de aprovação das súmulas persuasivas não é tão rígido
quanto o das vinculantes, os efeitos de cada uma delas não poderiam ser
equiparados.
Ocorre que as decisões definitivas de mérito, emanadas do STF, nas
ações diretas de inconstitucionalidade e nas declaratórias de constitucionalidade,
produzirão eficácia contra todos e “efeito vinculante”, relativamente aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal. E, de acordo com os arts. 22 e 23 da Lei n. 9.868, a
decisão, nestas ações, somente será tomada se estiverem presentes na sessão de
julgamento oito ministros. Sendo que, para declaração de constitucionalidade ou
inconstitucionalidade, pelo menos seis deles precisam manifestar-se em um ou em
outro sentido.
199
SHIMURA, Sergio Seiji. Súmula vinculante. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). A reforma do Judiciário. São Paulo: RT, 2005. p. 763. 200
STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, 1998. p. 142-143. 201
A inclusão de enunciados na Súmula e sua alteração ou cancelamento serão deliberadas em plenário, por maioria absoluta.
92
Em suma, o número de ministros que deverá manifestar-se sobre a
(in)constitucionalidade da lei ou ato normativo (com consequente efeito vinculante) é
exatamente aquele necessário à edição de súmula persuasiva, ou seja, seis
ministros, valendo lembrar que ambas as votações ocorrem no plenário do
tribunal202.
Assim, ainda que o quorum da súmula vinculante seja mais rígido
(qualificado de 2/3), não se pode sustentar que a maioria absoluta não permitiria a
eficácia vinculante dos verbetes editados.
Da mesma forma, a legitimação para propor a edição, a revisão ou o
cancelamento de enunciado de súmula é diferente e poderia servir de argumento
para afastar a possibilidade da eficácia vinculante das súmulas persuasivas aos
demais órgãos do Poder Judiciário. Isso porque, diferentemente das vinculantes, a
legitimação, no caso as súmulas persuasivas, está limitada aos ministros da Corte
Suprema.
Ora, atribuir eficácia vinculante a súmulas que somente podem ser
editadas, revistas ou canceladas pelos ministros do tribunal que irá editar o verbete
vinculante, pode soar autoritário.
Todavia, não se pode olvidar que é função dos tribunais superiores dizer
a última palavra acerca da constitucionalidade da lei e da legalidade de lei
infraconstitucional, e isso enfraquece a tese de que seria autoritária a prerrogativa
de delegar exclusivamente aos ministros a possibilidade de revisão e cancelamento
202
Cf. § 2º do art. 101 da Constituição Federal: “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. Art. 22 da Lei n. 9.868/1999. “a decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros”. Art. 23 da Lei n. 9.868/1999: “efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade”. Art. 173 do RISTF: “Efetuado o julgamento, com o quorum do art. 143, parágrafo único, proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros.” “Art. 143 do RISTF: O Plenário, que se reúne com a presença mínima de seis Ministros, é dirigido pelo Presidente do Tribunal”.
93
de súmula. Ademais, as súmulas previstas na Constituição Federal vinculam
diretamente os órgãos do Poder Judiciário e, também, a administração pública, o
que justifica uma legitimidade mais ampla no que diz respeito ao cancelamento e à
revisão de súmula.
O art. 557 do CPC também merece destaque quando se está analisando
a possibilidade de efeito vinculante das súmulas, independentemente de serem elas
vinculantes ou persuasivas. Isso porque, a previsão legal permite ao relator negar
monocraticamente um recurso em confronto com súmulas, qualquer que seja a sua
classificação.
Reforçando o entendimento acima, vale lembrar a disciplina do §2º do art.
557, que determina o pagamento de multa (entre 1% e 10%), pela parte que
interpuser agravo de instrumento “manifestamente inadmissível”. E, também, o
comando do §1º do art. 518 do CPC, que assim dispõe: “o juiz não receberá o
recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do
Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.
Diante desses dispositivos, a conclusão a que se chega é a da
possibilidade de eficácia vinculante (ainda que em menor grau do que a eficácia
prevista no art. 103-A da CF) de todas as súmulas, inclusive as persuasivas.
Analisando, justamente, o art. 557 do CPC, sustenta José Carlos Barbosa
Moreira203 que:
Emenda constitucional para estabelecer que as Súmulas, sob certas condições, passarão a vincular os outros órgãos judiciais? Ora, mas se já vamos além, e ao custo – muito mais baixo – de meras leis ordinárias (será somente na acepção técnica da palavra?). O mingau está sendo comido pelas beiradas, e é duvidoso que a projetada emenda constitucional ainda encontre no prato o bastante para satisfazer o seu apetite.
A esse respeito, Lenio Luiz Streck204 - apesar de ser contrário à eficácia
vinculativa das referidas súmulas - admite que a hipótese legal (atual art. 557 do
203
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Algumas inovações da Lei 9.756 em matéria de recursos civis. São Paulo: Saraiva, 2001. (Temas de Direito Processual - Sétima Série). p. 82. 204
O livro foi publicado no ano de 1995, ou seja, anterior a Lei n. 9.756/1998 que introduziu no Código de Processo Civil o art. 557. Assim, a opinião dele é com base no artigo 38 da lei federal n.
94
CPC) representa efetivamente a eficácia vinculante de todas as súmulas do STF e
STJ, como se vê:
Com a edição da Lei Federal nº 8.038/90, introduziu-se, através do artigo 38, uma forma indireta de atribuição de efeito vinculante à jurisprudência dos tribunais superiores, mais especificamente às Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. [...] Esse dispositivo legal confere tamanhos poderes e competência ao ministro relator do recurso (especial ou extraordinário), que descaracteriza a natureza dessas decisões como sendo de tribunais, que de regra são fruto de um colegiado e não da cabeça de um só magistrado. O mais grave problema, porém, não reside no caráter monocrático da decisão, mas na vinculariedade que se dá às Súmulas do Supremo Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça.205
Continuando a linha de raciocínio, diz o autor, mesmo que a decisão
fosse proferida pelo colegiado, isso não excluiria do dispositivo a eficácia vinculativa
que confere às súmulas dos tribunais superiores206.
8.038/1990, que dispõe: “O Relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu objeto, bem como negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível, improcedente ou ainda, que contrariar as questões predominantemente de Direito, Súmula do respectivo Tribunal”. Assim como o art. 557 do CPC, portanto, há previsão de negativa de seguimento de recurso – monocraticamente – quando este estiver em desacordo com as Súmulas dos Tribunais Superiores. Assim, ainda que à época da edição do livro o art. 557 não estivesse disposto no CPC, a opinião do autor pode ser utilizada para os dias atuais, já que a previsão legal foi mantida. 205
STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, p. 159-160. 206
“Aparentemente, a questão surgida com a criação do art. 38 estaria solucionada, consoante manifestação do Supremo Tribunal Federal (RTJ 139/57) com a possibilidade de a parte interpor agravo regimental do despacho do relator do recurso especial ou extraordinário. Porém, deve ficar claro que o problema não se resolve no fato de o despacho do relator ser passível de reforma pela Turma. O ponto nevrálgico reside justamente na circunstância de que o sistema jurídico brasileiro não permite, nem por despacho monocrático e nem por decisão da Turma, que uma Súmula passe a ter força de lei (portanto, caráter vinculante). Dito de outro modo: se o comando do art. 38 fosse no sentido de que a Turma do STF ou do STJ (e não o relator) pudesse, de plano, mandar arquivar o recurso especial ou extraordinário que contrariasse Súmula, a inconstitucionalidade permaneceria pelas mesmas razões. Na verdade, a contradição principal do problema reside no seguinte aspecto: o art. 105, III, a, da Constituição Federal, diz que cabe recurso especial quando a decisão recorrida contrariar lei federal. Nos termos do art. 38, o relator (ou a Turma, depois do agravo) negará, de plano, seguimento a recurso de decisão que for contrária a uma Súmula. Ora, a Súmula não é lei, o art. 38, parte final, está em desacordo com a Constituição Federal. O mesmo vale para a letra c do art. 105, III da CF, pois, se, em tese, deve ser admitido até mesmo recurso especial com pedido flagrantemente contra legem, bastando que haja um acórdão paradigma em sentido contrário à decisão recorrida, não é possível admitir que a ofensa à Súmula do Tribunal possa impedir o conhecimento do mérito do recurso”. STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, p. 160-161.
95
A instituição da eficácia vinculante das súmulas parece ter sido opção do
próprio legislador que, mediante reformas processuais207, fez constar no CPC as
disposições destacadas acima.
Acerca da eficácia vinculante dirigida aos demais órgãos do Poder
Judiciário, Marcelo Alves Dias de Souza208 entende que com a edição da Lei n.
9.756/1998 o nosso ordenamento passou a prever uma “vinculação externa indireta”,
pois além de estarem vinculados às suas próprias súmulas ou jurisprudência
dominante, os tribunais também se vincularam às do STF e do STJ.
A eficácia vinculante das súmulas “persuasivas”, contudo, afetaria
diretamente apenas os órgãos do Poder Judiciário (jamais a administração pública,
como ocorre com as súmulas vinculantes), de modo que eventual cabimento de
reclamação estaria restrito, também, às decisões proferidas por estes órgãos. Trata-
se, portanto, de vinculação mais “branda” do que a das súmulas que estão previstas
na Constituição Federal, mas daí a negar completamente a eficácia vinculante seria
precipitado.
Poderíamos concluir, portanto, em tom de questionamento e diante de
todos os argumentos aqui suscitados, que a previsão constitucional das súmulas
vinculantes teria sido desnecessária?
Também, não é para tanto. Existe uma importante diferença entre as
súmulas vinculantes e as persuasivas, e refere a quem está diretamente sujeito ao
efeito vinculante de cada uma das súmulas. E, nesse aspecto específico, é
impossível falar que as súmulas se equiparam.
De acordo com o art. 103-A da Constituição Federal, a súmula vinculante
“terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do poder judiciário e a
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal
[Grifo nosso]”. O efeito vinculante, portanto, atinge diretamente o Poder Judiciário e
207
Lei n. 9.756/1998, Lei n. 11.276/2006 e Lei n. 10.352/2001. 208
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2010. p. 259.
96
a administração pública, e só indiretamente irá alcançar, por exemplo, os
jurisdicionados209.
Justamente em razão dessa vinculação “ampliada” é que o legislador
possa ter previsto um critério mais rígido – quorum qualificado de 2/3 dos ministros –
para a edição da súmula vinculante.
Mais do que isso. Talvez tenha sido também este o motivo de o legislador
não aplicar a eficácia prevista no art. 103-A da Constituição Federal a todas as
súmulas já editadas pelo STF, na ocasião da Emenda Constitucional n. 45. De fato,
vincular diretamente a administração pública às súmulas sobre as quais sequer
tiveram a possibilidade de acompanhar a edição seria temerário.
As súmulas “persuasivas”, por outro lado, de forma alguma vinculam
diretamente a administração pública210. Pelas razões aqui expostas, a vinculação
direta estaria limitada tão somente aos órgãos do Poder Judiciário, sendo extensiva,
apenas indiretamente, à administração pública ou mesmos aos jurisdicionados.
Para arrematar o assunto aqui tratado, vale observar que a última súmula
editada pelo STF é a de número 735211, editada em 26 de novembro de 2003, ou
seja, antes da Emenda Constitucional n. 45/2004. Após referida Emenda, contudo,
todas as súmulas foram editadas com base no art. 103-A da CF.
209
“Em relação à súmula, o efeito vinculante desdobra-se em vinculações diretas e indiretas. A vinculação direta é aquela que submete o Poder Judiciário e a Administração Pública, tendo a nota característica do cabimento da reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (art. 103-A, §3º, só é interponível contra atos administrativos e jurisdicionais). No entanto, por ser uma expressão da interpretação máxima da Constituição Federal e por rever ser aplicada (sob pena de reclamação) pelos tribunais, gera uma vinculação típica de uma norma jurídica geral e abstrata (haja vista que, como tratarei mais à frente, a súmula vinculante é norma jurídica geral e abstrata).” JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 47. 210
“Nessa óptica, e levando em conta os condicionamentos da Emenda nº 45, não parece que ainda sobre espaço muito grande para a incidência das súmulas vinculantes. O principal efeito da respectiva edição poderá talvez consistir na obrigação, imposta aos Órgãos da Administração Pública, de respeitá-las. Realmente, muitas queixas têm-se feito ouvir acerca da insistência de órgãos do Poder Executivo sem sustentar teses divergentes das esposadas por decisões dos Tribunais Superiores, inclusive da Corte Suprema. Atribui-se a esse inconformismo boa parcela de responsabilidade pelo ingurgitamento das vias judiciais, conquanto nem sempre a imputação se acompanhe de dados objetivos capaz de ministrar-lhe a desejável base empírica. De qualquer sorte, não há negar a probabilidade de que venha a reduzir-se o vulto do contencioso com a Administração Pública, e com isso a diminuir em medida ponderável a massa dos pleitos”. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Emenda Constitucional nº 45 e o processo. São Paulo: Saraiva, 2007. (Temas de Direito Processual - Nona Série). p. 35. 211
Súmula 735 do STF. “Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar”.
97
As súmulas persuasivas do STF, portanto, deixaram de ser editadas após
a criação do instituto das “súmulas vinculantes” o que demonstra a “inutilidade” de
os tribunais superiores ficarem expedindo enunciados apenas para orientar os
demais órgãos do Poder Judiciário. As decisões assentadas destes tribunais,
editadas em súmulas, deveriam, sim, vincular os demais órgãos do Poder Judiciário
a eles subordinados212. A previsão constitucional, contudo, amplia a vinculação à
Administração Pública que, pelas razões expostas, é eficaz e, além disso, possibilita
o ajuizamento de reclamação face às suas decisões.
2.3 CLASSIFICAÇÃO DAS SÚMULAS
Conforme sustentado na seção anterior, ainda que brevemente, não é
sempre que as súmulas terão como objetivo “a validade, a interpretação e a eficácia
de normas determinadas”.
A classificação apresentada por Lenio Luiz Streck 213 , em seu livro
“Súmulas no direito brasileiro – Eficácia, poder e função”, acena nesse sentido:
No primeiro grupo, podem ser encontradas as súmulas tautológicas; no segundo, estão as mais numerosas, ou seja, as que são, verdadeiramente, uma forma de interpretar a lei, denominadas, aqui, intra legem; em terceiro estão as súmulas que denomino extra legem, que têm função precípua de limitar as possibilidades de admissão dos recursos dirigidos aos Tribunais Superiores. E, por
212
“Se a função da jurisprudência é dizer o direito, a sociedade complexa demanda respostas mais precisas do que o texto legal sozinho consegue proporcionar. Apenas por meio da atuação de diferentes fontes é que o sistema poderá responder aos anseios sociais sem o temor da previsibilidade de suas decisões. É nesse sentido amplo que se entende não haver, na iniciativa de trazer vinculatividade aos precedentes jurisprudenciais, desrespeito à cláusula pétrea constituída pelo princípio da legalidade: está-se, apenas, a reinterpretá-lo. Parece claro que a jurisprudência sumulada terá importância tal qual a lei, mas isso não suprime o princípio da legalidade, uma vez que o direito não é constituído apenas pela lei. A norma jurídica não equivale a norma legal em sentido estrito. A doutrina e a jurisprudência também constituem fonte de direito que necessitam ser respeitadas; também constituem normas jurídicas. Ora, o respeito ao princípio da legalidade é o respeito à norma jurídica e não apenas o respeito a lei. A herança do sistema romano-germânico perderá parte significativa de sua força, pois o país não será regrado apenas pela lei, mas também por preceitos jurisprudenciais.” LAMY, Eduardo de Avelar. Sumula vinculante: um desafio. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 30, n. 120, fevereiro de 2005. p. 122. 213
STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, p. 43-45.
98
último, estão as súmulas contra legem e/ou inconstitucionais, que criam direito novo, à revelia da Constituição [Grifo do autor].
Teresa Arruda Alvim Wambier 214 , no artigo intitulado “A função das
Súmulas do Supremo Tribunal Federal em face da Teoria Geral do Direito”, também
classifica as súmulas em três categorias: “súmulas que dizem exatamente o que a lei
diz; há outras que são, verdadeiramente, uma forma de interpretar a lei; e outras que
são flagrantemente contra legem”.
Com base nos dois doutrinadores citados, verifica-se que as súmulas
podem ser assim classificadas: (i) aquelas que simplesmente repetem o que já se
encontra previsto na lei215; (ii) aquelas que, de fato, interpretam o texto legal e lhe
concedem a melhor interpretação possível216 ; (iii) as que efetivamente legislam,
tendo em vista inexistir texto normativo prévio tratando da matéria objeto do
verbete217; e (iv) aquelas contrárias ao que se encontra previsto na legislação.
Especificamente, com relação às súmulas que repetem aquilo que já se
encontra disposto em determinada norma ou, por outro lado, limita-se a interpretá-la,
não há necessidade de divagar a respeito.
Por outro lado, maior reflexão merecem as súmulas que aludem a
matérias que não foram tratadas anteriormente por norma legal ou, ainda, quando
forem editadas com teor divergente daquilo já foi disposto pelo legislador ordinário
ou mesmo pelo constituinte.
214
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A função das súmulas do Supremo Tribunal Federal em face da Teoria Geral do Direito. Revista de Processo. São Paulo, RT, v. 40, out. 1985. p. 224. 215
Teresa Arruda Alvim Wambier cita como exemplo a súmula 266 do STF, que reproduziu novamente aquilo que já se encontrava previsto no caput do art. 1º da Lei n. 1.533/1951. Lenio Luiz Streck, como exemplo da mesma situação, menciona, entre outras, as Súmulas n. 206, 266, 281, 265, 499 e 609 do STF e Súmula n.116 do STJ. 216
Teresa Arruda Alvim Wambier cita como exemplo a Súmula n. 212 do STF: “Tem direito ao adicional de serviço perigoso o empregado de posto de revenda de combustível líquido”, na medida em que interpreta os arts. 212 e 213 da CLT. 217
Como exemplo, Teresa Arruda Alvim Wambier cita a Súmula n. 345 do STF na medida em que, sem qualquer legislação prévia, determina que os juros compensatórios são devidos a partir da perícia; e também a Súmula n. 449, que determina o valor da causa em consignatória.
99
2.4 SÚMULA: NATUREZA JURÍDICA
A definição da natureza jurídica das súmulas é tema relevante para o
presente estudo. Isso porque, especificamente na seção 1.6, sustentou-se que a
violação de que trata o inciso V do art. 485 do CPC não está limitada à lei, devendo
ampliar-se as hipóteses de cabimento às normas jurídicas.
Aqui, novos questionamentos exsurgem. As súmulas podem ser
equiparadas à lei? Podem ser classificadas como normas jurídicas? Ou, ainda, trata-
se de gênero específico, não podendo ser equiparadas à lei e tampouco
classificadas como normas jurídicas?
Há quem sustente, como é o caso de Marco Antonio Botto Muscari218, que
as súmulas seriam um tertium genus, localizam-se em um patamar intermediário
entre a lei e a jurisprudência e têm como objetivo complementar ou agregar o Poder
Legislativo; não criam direitos, nem obrigações; não podem ser equiparadas à lei,
nem ser classificadas como norma jurídica.
A respeito, Gevany Manoel dos Santos219 também opina:
Com a nova lei, o Supremo Tribunal Federal passou a exercer essa nova atribuição que tem força de ‘quase lei’. Nisso ocorre certo desvio de competência judiciária e invasão do Poder Legislativo. Essa nova atribuição de poder à Suprema Corte a coloca como um auxiliar do Poder Legislativo para corrigir as leis deficientes editadas por ele.
Há, por outro lado, quem entenda que a súmula tem natureza de “norma
jurídica”. É o caso de José de Albuquerque Rocha220, quando menciona que:
218
“[...] não inauguram a ordem jurídica, criando direitos e obrigações; simplesmente giza o alcance da norma que o legislador, antes, editou” E complementa: “[...] a súmula vinculante é mais do que a jurisprudência e menos do que a lei; situa-se no meio do caminho entre uma e outra. Com a jurisprudência guarda similitude pelo fato de provir do Judiciário e de estar sempre relacionada a casos concretos que dão origem. Assemelha-se à lei pelos traços da obrigatoriedade e da destinação geral, a tantos quantos subordinados ao ordenamento jurídico pátrio. É um tertium genus, portanto.” MUSCARI, Marco Antonio Botto. Súmula vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 53. 219
SANTOS, Gevany Manoel dos. Súmula vinculante e reclamação: forma de aplicação. São Paulo: LTr, 2008. p. 28. 220
ROCHA, José de Albuquerque. Súmula vinculante e democracia. São Paulo: Atlas, 2009. p. 121.
100
[...] analisada a súmula vinculante à luz do critério da validade, conclui-se ser uma norma jurídica, ou seja, pertencente ao ordenamento jurídico, já que produzida por um órgão do sistema jurídico, o Supremo Tribunal Federal, e no exercício de poderes conferidos por uma norma superior do sistema, qual seja, a que resulta da interpretação do disposto no artigo 103-A da Constituição.
No mesmo sentido aponta a doutrina de Rodrigo Jasen221:
Uma norma jurídica pode prescrever, proibir ou facultar uma conduta humana, ligando ao seu descumprimento, para torná-la efetiva, uma sanção. Tanto a lei, o contrato e a decisão judicial têm por objeto condutas humanas, contra as quais ligam-se sanções. Quer dizer, são comandos que produzem um mal a quem os desobedece. Todos esses - lei, contrato e decisão judicial – encontram seu fundamento de validade em normas superiores, podendo-se remontar até a Constituição Federal e à norma fundamental. Por isso, são todos eles espécies de normas jurídicas. O dever de obediência à súmula vinculante, não destoa dos esquemas antes expostos. Ela contém um comando prescrevendo, proibindo ou facultando uma determinada conduta humana, tornada efetiva quando exigível perante o Poder Judiciário. Assim, a súmula vinculante é também uma norma jurídica.
Diante dessa salutar divergência, percebe-se que a natureza jurídica das
súmulas é de norma jurídica geral e abstrata. É o que se passa a abordar nas
seções seguintes.
2.4.1 Súmula: norma jurídica geral e abstrata
Durante os séculos XVIII e XIX, por influência da Ecole de l’Exégèse,
imperou em nosso país uma concepção jurídica absolutamente formalista,
cognitivista222. Neste contexto, segundo Daniel Mitidiero223
221
JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto de 2005. p. 54. Para Elival da Silva Ramos, “[...] importa, contudo, precisar melhor a natureza dos enunciados sumulares vinculativos. Não se trata aqui de ato legislativo, quer em sentido formal, quer em sentido material, por atuarem as súmulas em nível hierárquico inferior àquele em que se manifesta o exercício da função legislativa.” (Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 297). 222
“O positivismo jurídico é tributário dessa concepção de direito, pois, partindo da ideia de que o direito se resume à lei, e, assim, é fruto exclusivo das casas legislativas, limita a atividade do jurista à descrição da lei e à busca da vontade do legislador”. MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 29.
101
Em geral, a cultura jurídica de Oitocentos, em parte por influência da Ecole de l’Exégèse, em parte por influência da Begriffsjurisprudenz, identificava o Direito como texto da legislação e o processo de sua produção e reconhecimento com um processo abstrato e puramente lógico-dedutivo, sendo resultado dessas opções a tendência da ciência jurídica a um alheamento da sua matriz cultural
Ao intérprete da norma não caberia nenhuma valoração ou escolha
discricionária, devendo limitar-se a explicitar o seu significado, pré-existente à
interpretação. Outras interpretações – além daquela que declara o conteúdo da lei –
deveriam ser “descartadas”.
Nesse cenário, como o juiz, ao julgar o caso concreto, apenas
reproduziria (sem criar) as normas editadas pelo legislador (único competente para
tanto), suas decisões em nada acrescentariam ao ordenamento jurídico, devendo
ficar restritas ao caso sub judice224.
Com o tempo, a objetividade da “teoria cognitivista (formalista)” – que via
unidade semântica entre “texto” e “norma” – cedeu espaço para a “teoria da
norma”225, em que referidos conceitos passaram a ser estudados separadamente e
não mais como se sinônimos fossem226.
223
MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas – Do Controle à Interpretação da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 35. 224
Trata-se de modelo sustentado por Adolf Wach. Handbuch des deutschen Civilprozessrechts. Leipzig: Duncker & Humblot, 1885 e Piero Calamandrei. La Cassazione Civile – Disegno Generale dell’Instituto, 1920. 225
“Não é de surpreender que o século XIX tenha trazido uma reação contra esses conceitos idealizados e formalistas do Direito e de suas regras. F. Geny, na França; R. von Ihering e, mais tarde, a escola do ‘Freirechtsfindung’, na Alemanha; Salmond, e depois Allen, na Inglaterra, lançaram vários protestos contra as falsas premissas de qualquer teoria jurídica excessivamente formalista. Mas em nenhum outro lugar a reação foi mais enérgica do que nos Estados Unidos. Lá, J.C. Gray, O.W. Holmes e Roscoe Pound desferiram vários ataques contra a abordagem das ‘regras jurídicas ideiais’. Eles enfatizaram a necessidade de atenção às decisões reais e juridicamente prescritivas dos Tribunais.” MACCORMICK, Neil. In: MACEDO JR., Ronaldo Porto (Coord.), assinado por HART, Herbert Lionel Alphonsus. Ensaios sobre teoria do direito e filosofia. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2010. (Coleção Teoria e Filosofia do Direito). p. 165-166. 226
Daniel Mitidiero, com fundamento nos ensinamentos de Giovanni Tarello e Ricardo Guastini, sustenta: “A inexistência de identidade entre texto e norma está em que a norma é o texto interpretado. Vale dizer: a norma é uma outorga de significado ao texto e a elementos não textuais da ordem jurídica, que são reconstruídos pela atividade do intérprete. É uma atribuição de sentido a um enunciado linguístico. [...] A oportunidade de distinção entre texto e norma é atribuída à potencial equivocidade de todos os enunciados linguísticos, de modo que entre texto e norma existe sempre uma atividade mediativa do intérprete que demanda individualizações, valorações e escolhas entre diferentes possibilidades de sentidos linguísticos para definição da norma”. (Cortes Superiores e Cortes Supremas – Do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente, p. 54-55).
102
Segundo Riccardo Guastini227:
A primeira tese assume que as leis são dotadas de um significado intrínseco objetivo, e afirmam que os juízes criam o direito quando desatendem o referido significado, oferecendo interpretação ‘falsa’. Surpreendente ingenuidade. Infelizmente, não existe de fato um significado objetivo das leis. [Tradução nossa].
Contudo, sendo a “norma jurídica” a interpretação extraída do “texto
legal”, há de se permitir criação, ou seja, diferentemente do que sustentavam os
defensores da “teoria cognitivista”, o texto pode acabar revelando não apenas uma
única norma (aquela ditada pelo intérprete), mas uma multiplicidade delas.
Essa multiplicidade de interpretações, contudo, pode ocorrer não porque
se trata de texto legal mal redigido, mas sim porque a atividade interpretativa
puramente lógica nem sempre é simples.
Fato é que o processo interpretativo vai além da declaração do significado
do texto, constituindo uma escolha entre diversos outros significados que podem ser
extraídos de um mesmo texto legal.
A respeito, é importante destacar, ainda que brevemente, os
ensinamentos de Herbert Hart228, para quem, há casos em que é possível fazer a
mera interpretação lógica do texto jurídico, em contrapartida, há situações em que a
interpretação demandaria uma análise mais complexa, não podendo os juízes ficar
limitados à tarefa exclusivamente dedutiva.
Faz sentido essa interpretação do citado autor, na medida em que nem
sempre a linguagem do texto traz certeza. Mesmo quando é aparentemente clara e
objetiva, diante de um caso concreto, pode gerar dúvida com relação a sua
227
GUASTINI, Riccardo. Se i giudici creano diritto. In: VIGNUDELLI, A. (Org.). Istituzioni e dinamiche del diritto: I confini mobili della separazione dei poteri. Milano: Giuffrè, 2009. p. 391. No original: “La prima tesi assume che i testi normativi siano dotati di un significato intrinseco oggettivo, e afferma che i giudici creano diritto quando disattendono tale significato, offrendo interpretazione ‘false’. Sorprendente ingenuità. Disgraziatamente non esiste affatto una cosa come il significato oggettivo dei testi normativi. Ogni testo normativo è almeno potenzialmente e almeno diacronicamente equivoco: sicché risulta semplicemente impossibile distinguere tra interpretazioni ‘vere’ e interpretazioni ‘false’. Quale mai dovrebbe essere il critério di verità delle tesi interpretative?” 228
HART, Hebert. O conceito de direito. (Com um pós-escrito editado por Penelope A. Bulloch e Joseph Raz). Trad. de A. Ribeiro Mendes. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 332-337.
103
interpretação ou mesmo aplicação. Nestes casos, poderão estar presentes
interpretações conflitantes, sem haver sobreposição de uma em relação à outra229.
A partir do momento em que a atividade interpretativa do juiz transcende
à mera aplicação lógico-dedutiva do texto legal, há, aí, criação230. A criação de que
se fala deve limitar-se ao pré-estabelecido no ordenamento jurídico pelos
legisladores, mas, ainda assim, há atividade criativa do intérprete.
Nesse sentido, obtempera Miguel Reale Junior231:
A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei, mas resultam de uma construção obtida graças à conexão de dispositivos, até então considerados separadamente, ou, ao contrário, mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si. Nessas oportunidades, o juiz compõe, para o caso concreto, uma norma que vem completar o sistema objetivo do Direito.
Peculiar é o exemplo dado por Mauro Cappelletti232, em seu livro intitulado
“Juízes legisladores?” O autor compara a atividade interpretativa e criativa com a
música:
Toda reprodução e execução varia profundamente, entre outras influências, segundo a capacidade do intelecto e estado de alma do intérprete. Quem poderia comparar a execução musical de Arthur Rubinstein com a do nosso ruidoso vizinho? E, na verdade, quem poderia confundir as interpretações geniais de Rubinstein, com as também geniais, mas bem diversas, de Cartot, Gieseking ou de Horowitz?
229
HART, H.L.A. O conceito de direito. (Com um pós-escrito editado por Penelope A. Bulloch e Joseph Raz). p.165. 230
“Parece-nos que os hard cases que, muitas e muitas vezes, têm configuração única, autorizam o exercício da criatividade jurisdicional. Também podem os juízes criar quando o sistema não resolve expressa e explicitamente o problema posto ou o faz por meio de norma cujo sentido literal deva inexoravelmente ser, aos olhos do homem médio, definitivamente afastado. Na análise do caso, cria o juiz, quando está diante da aplicação de norma cuja tipologia seja daquelas que implique a análise de numerosos aspectos da situação fática subjacente, aspectos a que o texto da lei não alude expressamente, mas que a norma pede que sejam verificados no mundo empírico para fins de se saber se devem ou não incidir. [...]. Indubitavelmente, identificar, no mundo empírico, casos que seriam abrangidos por uma cláusula geral envolve certa dose de criatividade. No entanto, diante de casos fáceis, identificáveis no mundo dos fatos e disciplinados por normas que levam em conta poucos aspectos da realidade para incidir, e cuja interpretação pelos tribunais majoritariamente não divirja a respeito, espaço não há para a criatividade do juiz. Exercê-la seria agir como legislador”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 134. 231
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 168. 232
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. p. 21.
104
Em rigor, quando o juiz cria (conforme se analisará na seção seguinte,
não está, necessariamente, usurpando competência do Poder Legislativo), o que se
observa é o fenômeno da inovação e, como tal, passa a integrar o sistema jurídico.
A criação aqui suscitada pode ocorrer ou no julgamento de um caso concreto ou
quando os tribunais, no exercício da função uniformizadora de entendimento,
editam, por exemplo, súmulas.
As súmulas, como previstas no próprio dispositivo constitucional (art. 103-
A), devem ser editadas quando houver “controvérsia” acerca de normas
determinadas. O fato de uma súmula exigir controvérsia acerca do tema, salvo em
situações teratológicas, é suficiente para concluir que a hipótese não trata de mera
interpretação lógico-dedutiva, pois se assim fosse possivelmente não haveria
divergência de entendimentos233. Bom exemplo é o da Súmula vinculante n. 12, que
dispõe – à luz do art. 206, inciso IV, da CF – sobre a inconstitucionalidade da
cobrança de taxa de matrícula em universidades públicas. A conclusão sobre a
inconstitucionalidade da súmula não foi unânime e quatro ministros consentiram a
legalidade da referida cobrança234.
233
“Por mais que se considere a súmula como produto da interpretação de normas a ela preexistentes, não se pode perder de vista que a toda interpretação é inerente algum grau de criatividade, de modo que, ainda que a súmula contenha um enunciado que expresse a ratio decidendi comum a todas as decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal sobre matéria constitucional, as quais foram, elas próprias, na Constituição Federal fundamentadas, nem por isso a súmula deixará de criar o Direito, nem por isso deixará de ser norma e nem por isso poderá ser reduzida a mero esquema interpretativo”. JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 55. 234
A Ministra Carmen Lucia, por exemplo, fundamentou o seu voto no princípio da solidariedade. Assim consignou a magistrada: “Quando o Ministro Menezes Direito chama a atenção para o fato de que se tem que pagar esse serviço realmente com os impostos do Estado – e estou de acordo -, nem por isso se dispensa que quem mais recebe pode contribuir muito mais. Neste caso, entendo que o princípio da solidariedade, quanto mais num direito fundamentalíssimo, como é este da educação, que garante não apenas a liberdade, mas a libertação das pessoas de uma para outra condição, deixa de ser formal quando a sociedade comparece”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 500.171-7. Pleno, Relator Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, DF. Julgamento 13.08.2008. Publicação 24.10.2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=557455>. Acesso em: 26 out. 2013. O então Ministro Eros Grau, por sua vez, sustenta que “[...] há, sim, espaço constitucional para compatibilizar a ideia de gratuidade do ensino público com essas imposições que permitem às instituições universitárias subsidiar os mais carentes. Podíamos até eventualmente, se essa posição pudesse ou viesse a tornar-se majoritária, indicar as destinações eventuais desses recursos. Sabemos das dificuldades por que passam as instituições de ensino, por razões várias. O Ministro Cezar Peluso feriu esse tópico dizendo inclusive que há segurança quanto a essa informação, por conta do sucesso arrecadatório existente atualmente. Mas o fato é que, no que concerne à distribuição dos recursos orçamentários, as universidades são extremamente carentes. E se nós que militamos na universidade pública levarmos em conta as condições hoje existentes, sabemos que a
105
O dispositivo constitucional em comento garante a “gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais” e saber se a taxa de matrícula deve ou não
estar abrangida por referido princípio não é tarefa simples, conforme se depreende
da própria análise dos argumentos dos ministros quando discutiram o tema.
Diante disso, poder-se-ia afirmar que a edição da Súmula vinculante n. 12
trata de mero enunciado resultante da interpretação do disposto no texto
constitucional (art. 206, inc. IV), à luz do caso concreto (cobrança de taxa de
matrícula), sem qualquer atividade criativa por parte do Poder Judiciário?
A resposta que se eleva para tal questionamento é não. Bastaria, por
exemplo, que os Ministros Carmem Lucia, Eros Grau, Celso de Mello e Gilmar
Mendes fossem maioria no Plenário da Corte Suprema para que o entendimento
fosse diametralmente oposto ao que ficou consignado no verbete, ou seja, à luz do
mesmo dispositivo constitucional poder-se-ia ter um resultado diverso caso a maioria
dos ministros invocasse algum fundamento distinto como, por exemplo, o “princípio
da solidariedade”.
A edição deste verbete, portanto, é efetiva inovação jurídica de iniciativa
do Poder Judiciário, que, à luz do caso concreto, interpretou dispositivo legal
editando norma jurídica que, como tal, passa a integrar o sistema jurídico do país
como “norma jurídica geral e abstrata”235.
Rodrigo Jansen236, com a seguinte lição, corrobora:
[...] contém um comando prescrevendo, proibindo ou facultando uma determinada conduta humana, tornada efetiva quando exigida
universidade pública é altamente excludente”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 500.171-7. Pleno, Relator Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, DF. Julgamento 13.08.2008. Publicação 24.10.2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=557455>. Acesso em: 26 out. 2013. 235
“Um pouco à semelhança da função legislativa, põe-se, com ela (súmula), uma norma de caráter geral, abstrata, só que de natureza interpretativa”. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Súmula vinculante. Genesis – Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, Genesis, n. 6. 1997. p. 633, 637. No mesmo sentido: “A súmula vinculante, da mesma forma que o assento português, se desvincula do(s) caso(s) que a originaram, ela se impõe como um texto normativo de vinculação geral e abstrata para casos futuros, tal qual a lei, possui dimensão atemporal, logo, duração indefinida, passando a ter validade após sua publicação na imprensa oficial”. ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 361. 236
JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 54.
106
perante o Poder Judiciário. Assim, a súmula vinculante é também uma norma jurídica. Será, todavia, à semelhança das leis, uma norma jurídica geral, eis que aplicável a todos indistintamente, e abstrata, enquanto endereçadas a quaisquer hipóteses presentes e futuras.
A súmula guarda, contudo, algumas diferenças com relação à lei, esta sim
emanada do Poder Legislativo, único competente para tanto237.
2.4.2 Súmulas como norma jurídica: violação à tripartição de poderes?
O fato de a súmula, conforme sustentado, ser norma jurídica geral e
abstrata, embora editada pelos tribunais238, leva à conclusão de que haveria, aí,
hipótese clara de violação ao princípio constitucional239 da tripartição de poderes.
Isso porque, em última análise, ao Judiciário se conferiria o poder de efetivamente
legislar, o que, de acordo com a Constituição Federal, é competência exclusiva do
Legislativo.
Inúmeros são os doutrinadores que assim entendem240, como é o caso de
Rubens Approbato Machado241:
237
Sobre este aspecto, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, com fundamento nos ensinamentos na teoria pura do direito, de Hans Kelsen, anotam: “É de Kelsen o esclarecimento de que a função criadora do direito dos tribunais, existente em todas as circunstâncias, surge com particular evidência quando um tribunal recebe competência para produzir também normas gerais por meio de decisões com força de precedentes. Conferir a tal decisão caráter de precedente é tão só um alargamento coerente da função criadora de direito dos tribunais. Se aos tribunais é conferido o poder de criar não só normas individuais, mas também normas jurídicas gerais, estarão eles em concorrência com o órgão legislativo instituído pela Constituição, e isso significará uma descentralização da função legislativa”. (Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 976). 238
“Trata-se de uma prescrição jurídica (imperativa ou critério normativo-jurídico obrigatório) que se constitui no modo de uma norma geral e abstrata, proposta à pré-determinação normativa de uma aplicação futura, suscetível de garantia a segurança e a igualdade jurídicas, que não só impõe com a força ou eficácia de uma vinculação normativa universal como se reconhece legalmente como caráter de fonte de direito, que tipo de entidade dogmático-jurídica manifesta? [...] no conjunto destas determinações não pode deixar de ver-se a natureza de uma disposição legislativa”. NEVES, Castanheira. O instituto dos assentos e a função jurídica dos Supremos Tribunais. Revista da Legislação e Jurisprudência. Coimbra, Universidade de Coimbra, 1983. p. 315. 239
“Art. 2º. São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” 240
Alguns doutrinadores sustentam que a força normativa de algumas decisões do STF, com eficácia vinculante violaria a Tripartição dos Poderes, prevista na Constituição Federal. É o caso de Hugo Nigro Mazzili que afirma: “[...] não tem o Supremo Tribunal Federal legitimidade que lhe permita, em
107
Deve ser ressaltado que a súmula vinculante cria uma decisão normativa que, ante a obrigatoriedade nos demais julgamentos, se apresenta erga omnes. Isto, em bom português, quer dizer o seguinte: a decisão dos Tribunais Superiores de efeito vinculante se torna lei, transformando o Poder Judiciário em Poder Legislativo, sem que lhe tenha sido outorgado pelo povo, esse mandato. No caso do Supremo, a situação se agrava ainda mais, uma vez que o efeito normativo terá características não de uma lei ordinária, mas de preceito constitucional.242
Referido posicionamento, contudo, deve ser analisado com certo
temperamento.
A súmula, em regra, é resultado de interpretação de uma situação
concreta, à luz de um ou de diversos dispositivos legais pré-existentes, estes sim,
elaborados pelo Poder Legislativo.
Dessa maneira, ainda que a súmula possa “inovar em matéria jurídica,
estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei”, como sustenta
Miguel Reale Junior, elas “resultam de uma construção obtida graças a conexão de
diversos dispositivos, até então considerados separadamente ou, ao contrário,
mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si”243.
nosso sistema, dizer a lei de forma geral e abstrata, pois a tarefa de legislar numa verdadeira democracia é exercida diretamente pelo povo ou seus representantes. Como regra, o poder dos tribunais, até do mais alto deles, consiste em dizer o direito nos casos concretos, em face dos conflitos surgidos; não em dizê-lo em abstrato, e muito menos com força vinculante, capaz de subordinar outros juízes e impor-lhe sua visão sobre qual seria a única maneira certa de aplicar uma lei – o que equivaleria a instituir a ditadura dos Juízes. Ademais, a se acolherem tais soluções vinculantes, ainda deixariam os tribunais, e especialmente o Supremo Tribunal Federal, de receber a saudável influência de decisões mais progressistas, que vêm das bases do Poder Judiciário, as quais estão em contato mais direto com a realidade do país”. (A reforma da magistratura. Revista do Advogado. São Paulo, AASP, n. 56, 1999. p. 56). No mesmo sentido, Evandro Lins e Silva, para quem: “[...] absoluta a inviabilidade de se introduzir o instituto do precedente absolutamente vinculado nos sistemas jurídicos da família romano-germânica. Nestes, como sabido, a fonte primária do direito é sempre a lei, isto é, norma geral e abstrata emanada do Poder competente, o qual, no regime democrático, é o próprio povo diretamente, ou os seus representantes legitimamente eleitos que formam o órgão estatal legislativo. Os juízes não têm legitimidade democrática para criar o direito, porque o povo não lhes delegou esse poder. A sua função precípua, na organização estatal, é a de funcionar como árbitros supremos dos conflitos de interesse na aplicação da lei”. (O efeito vinculante e o mito da efetividade. Justiça e Democracia - Juízes para a democracia. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 2, 1997. p. 44). 241
MACHADO, Rubens Approbato. A reforma do Poder Judiciário. Revista do Advogado. São Paulo, AASP, n. 56, 1999. p. 98. 242
MACHADO, Rubens Approbato. A reforma do Poder Judiciário. Revista do Advogado. São Paulo, AASP, n. 56, 1999. p. 98. 243
“A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei, mas resultam de uma construção obtida graças a conexão de diversos
108
As súmulas, nessa concepção, sempre decorreriam da “interpretação” de
um texto normativo isolado ou de vários conjugados, uma vez que não se confere ao
Judiciário o poder de inovar completamente (ou seja: partindo do nada), como se
legislador fosse.
De fato, a experiência mostra que o juiz e o legislador têm formas e modos de atuação muito diversos. O juiz não se sente à vontade em criar o Direito, ele busca (ou deveria buscar) sempre decidir de acordo com aqueles princípios estabelecidos na lei, maturados pela jurisprudência e amplamente estudados pela doutrina. Não tem o juiz, habitualmente, disposição para inovar completamente, fugir daquilo que se escreve nos livros e daquilo que é decidido pelos colegas. Ao contrário, há sempre um movimento natural de uniformização de jurisprudência, assim como tendem a se aproximar os ensinamentos da doutrina das decisões judiciais.244
Teresa Arruda Alvim Wambier, citando Mauro Cappelletti, manifesta o
mesmo entendimento:
Cappelletti, como é sabido, sustenta que os juízes decidem usando certo grau de criatividade, mas afirma, com a clareza que lhe é habitual e própria, que os juízes não criam a lei. Quando se diz que são law markers, está-se, rigorosamente, querendo dizer que eles criam direito, e não que criam leis, já que sua atividade é substancialmente diversa do Poder Legislativo.245
E, também, Riccardo Guastini246:
Antes de tudo, pode-se indubitavelmente admitir que a interpretação é, num certo sentido, produção de normas. Apesar disso, outra coisa é ‘produzir uma norma’ no sentido de interpretar – isto é, decidir o significado de – um texto normativo preexistente; outro é ‘produzir uma norma’ no sentido de formular um texto normativo ex novo. Talvez não haja uma diferença nítida, mas decerto há uma diferença de grau. Ambas as coisas comportam um certo grau de discricionariedade política, é verdade. Mas, para sermos exatos, trata-se de dois graus distintos de discricionariedade. O legislador não está vinculado por textos preexistentes, o juiz sim. É ainda verdade que os textos legislativos jamais possuem um significado unívoco, que se presta a diversas e conflitantes interpretações, de
dispositivos, até então considerados separadamente ou, ao contrário, mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si”. REALE JUNIOR, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 168. 244
JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 59. 245
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recurso de estrito direito e ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 102. 246
GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini, Apresentação: Heleno Taveira Tôrres. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 221-222.
109
sorte a constituírem para o juiz, um vínculo – ao contrário – débil. Mas mesmo um vínculo débil é sempre um vínculo, um limite: é, de fato, impossível para o juiz atribuir a um texto – literalmente – ‘qualquer’ significado a seu gosto. A atividade legislativa está livre de vínculos desse tipo.
Voltemos a analisar a Súmula vinculante n. 12.
A Constituição Federal, no art. 206, inc. IV, prevê o princípio da
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Esta súmula,
interpretando justamente o dispositivo citado, dispôs sobre a impossibilidade de
cobrança de taxa de matrícula, à luz da Constituição Federal.
Ainda que ambas determinações sejam normas jurídicas, gerais e
abstratas, é certo que o dispositivo constitucional trata de absoluta “inovação”,
enquanto a súmula manifesta a “interpretação” da lei, diante de uma situação
específica (cobrança de matrícula). Em determinados casos, a interpretação, como
sustentado antes, pressupõe “criação” 247 , que não pode ser confundida com
“inovação” (esta, sim, restrita ao Poder Legislativo)248.
Em contrapartida, acertadamente, o argumento de que o Poder Judiciário
não poderia editar normas gerais e abstratas, com eficácia normativa, é amplamente
repudiado por parte da doutrina.
O modelo rígido da tripartição de poderes proposto por Montesquieu249 há
tempo já foi adaptado. Hans Kelsen250, por exemplo, sustentou que as funções
legislativa, administrativa e jurisdicional não seriam substancialmente diferenciáveis.
247
Assim como o Tribunal decidiu pela violação à Constituição Federal, poderia ter entendido de forma diametralmente oposta, ou seja, pela possibilidade de cobrança de taxa de diploma. Ainda assim permaneceríamos diante de norma geral, abstrata e vinculante. Não tem como negar, portanto, que na interpretação de dispositivos legais para a edição de súmula há criação. 248
“Certamente, do ponto de vista substancial, tanto o judiciário como o legislativo resultam em criação do direito, ambos são ‘law-making-processes’. Mas diverso é o modo, ou se prefere o procedimento ou estrutura desses dois procedimentos de formação do direito, e cuida-se de diferença que merece ser sublinhada para se evitar confusões e equívocos perigosos. O bom juiz pode ser criativo, dinâmico e ativista e como tal manifestar-se; no entanto, apenas o juiz ruim agiria com as formas e as modalidades do legislador, pois, a meu entender, se assim agisse simplesmente deixaria de ser juiz”. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? p. 21. 249
“A liberdade política, num cidadão, é esta tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada um possui de sua segurança; e para que se tenha essa liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo que um cidadão não possa temer outro cidadão. Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo da magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe
110
De acordo com José Afonso da Silva251, os poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário são, sim, independentes, mas, ao mesmo tempo, harmônicos.
Há interferências (entre os Poderes), que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.
Sobre o tema, também disserta Daniel Giotti de Paula252:
Na verdade, do início do século XX até hoje, um complexo cenário de transformação se processou no direito e na política: 1) vive-se sob a égide de uma crise de representação parlamentar; 2) fruto, parcialmente, do abandono de uma visão mítica de que a sociedade é homogênea; 3) passou-se de um Estado de Direito para um Estado Democrático de Direito; 4) o que, em consequência, implicou o abandono da subsunção como único método de resolução de impasses sobre a interpretação e aplicação do direito; 5) instaurou-se um quadro em que agências e agentes dentro do ramo governamental, mas com alguma independência, são aqueles que realmente decidem questões técnicas da sociedade, mudança que se dá em um quadro de desformalização do direito; 6) consolidou-se, ainda, o presidencialismo de coalizão, em que às minoria sobra pouco espaço para participar da construção da agenda parlamentar. E esses ingredientes explicam, cada qual com a sua intensidade, o porquê de o Judiciário muitas vezes invadir a esfera própria de
liberdade, pois haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo, e do poder executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”. MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1962. v. 10. p. 181. 250
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Armenio Amado, 1964. 251
AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 111. No mesmo sentido, acena Rodolfo de Camargo Mancuso: “Justamente porque dentre nós a tripartição dos Poderes não opera, como visto, como dogma intransponível, verifica-se que, por vezes, a atuação do Poder Judiciário acaba por projetar reflexos nas searas dos demais Poderes da República. Assim se dá em face do Legislativo, quando uma lei é declarada inconstitucional, e é oficiado o Senado para que promova a supressão do texto indigitado (CF, arts. 102, I, a e 52, X); ou em face do Executivo, quando é acolhida uma ação direta interventiva (CF, art. 34, VII, c/c art. 36, III); ou mesmo quando a Justiça Eleitoral declara inelegível um governante (Lei 4.737/65, art. 22, I, j); enfim, quando se ordena a inclusão de precatório judicial na ordem cronológica de pagamentos (CF, art. 100). Ocorrências como essas, numa leitura mais apressada, podem induzir a impressão de que o Judiciário configura um suprapoder, mas, a rigor, cuida-se de aplicação do sistema de pesos e contrapesos, que busca prevenir a exacerbação de um Poder em face dos demais. E, depois, não poderia ser diferente, porque a lei obriga a todos, indistintamente, mas é o Judiciário o seu intérprete e aplicador em caráter de definitividade”. (Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, p. 104). 252
PAULA, Daniel Giotti de. Ainda existe separação de poderes? A invasão da política pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicialização da Política. As novas faces do ativismo judicial. Salvador: JusPodvim, 2011. p. 307.
111
competência de outros poderes constituídos e, ainda, o porquê de as minorias político-partidárias ou da sociedade civil se dirigirem aos tribunais, após perder a arena política.
Assim, ainda que os tribunais possam editar normas jurídicas gerais e
abstratas, como é o caso da súmula, não se pode afirmar que sua liberdade e poder
são idênticos aos que tem o legislador no momento de editar as leis, que, por sua
vez, também são normas gerais e abstratas.
Nesse sentido, há muito já revelava Mauro Cappelletti253:
O bom juiz pode ser criativo, dinâmico e ativista e como tal manifestar-se; no entanto, apenas o juiz ruim agiria com as formas e as modalidades do legislador, pois, a meu entender, se assim agisse simplesmente deixaria de ser juiz.
A edição de normas gerais e abstratas pelo Poder Judiciário, por outro
lado, não significa a violação do princípio constitucional da tripartição dos poderes,
que hoje é visto como forma mais flexível do que tempos atrás.
2.5 EFEITO VINCULANTE DAS DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL
Não é de hoje que o sistema jurídico brasileiro dá especial relevância a
julgamentos uniformes, assentados pelos tribunais254. Há casos em que a própria
Constituição Federal ou lei ordinária confere a estes julgamentos força normativa,
com eficácia vinculante.
As decisões proferidas pelo STF em ação direta de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo e nas ações declaratórias de constitucionalidade (art. 102,
253
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? p. 21. 254
“Nenhum operador de direito, de época contemporânea, negaria a utilidade e a eficiência dos precedentes judiciais acerca das várias teses que devem sustentar na defesa de um caso ou para fundamentar uma decisão; qualquer acadêmico sabe da importância do conhecimento da jurisprudência como um dos mais poderosos instrumentos de persuasão. [...] Diante da desmedida pletora de recursos que abarrotam as nossas cortes de justiça, a experiência tem demonstrado que os acórdãos, via de regra, são fundamentados na jurisprudência, em particular dos tribunais superiores, fator esse que aumenta em muito a previsibilidade do resultado do processo”. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte de direito, p. 258.
112
inc. I, “a”, da CF) são exemplos disso. As súmulas vinculantes previstas no art. 103-
A da Constituição Federal também.
Com previsão em lei ordinária, pode-se citar como exemplo a Lei n.
9.882/1999, que trata do processo e julgamento da arguição de descumprimento de
preceito fundamental. De acordo com o §3º do art. 11 da citada lei, a decisão aí
proferida “terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais
órgãos do Poder Público [Grifo nosso]”.
Conforme sustentado na seção 2.2.2, mesmo sem expressa previsão
legal, poder-se-ia conferir eficácia “vinculante” (ainda que em menor grau), por
exemplo, às súmulas persuasivas do STF e do STJ, que devem ser observadas por
todas as instâncias do Poder Judiciário.
Em um país que adota o sistema de civil law, como o Brasil, a lei “vincula”
diretamente o Poder Judiciário, a administração pública e também os
jurisdicionados. A súmula vinculante, por seu turno, nos termos do art. 103-A da
Constituição Federal, vincula diretamente apenas os dois primeiros poderes
republicanos. As súmulas persuasivas, ante a ausência de previsão legal, vincularia
(pela lógica do sistema) diretamente apenas o Poder Judiciário.
Ocorre que indiretamente as súmulas (vinculantes e persuasivas)
vinculariam a todos. Isso porque, um caso concreto levado ao Poder Judiciário em
que se verifica a violação de uma súmula terá como consequência uma decisão
judicial que aplicará o enunciado. As partes envolvidas no caso terão de se
submeter à decisão e, portanto, à própria súmula. Assim, ainda que indiretamente, a
súmula vinculará, também, os jurisdicionados255.
255
“Em relação à súmula, o efeito vinculante desdobra-se em vinculações diretas e indiretas. A vinculação direta é aquela que submete o Poder Judiciário e a Administração Pública, tendo a nota característica do cabimento da reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (art. 103-A, §3º, CF/88). A vinculação indireta é genérica, abrangendo tanto o Poder Legislativo, como os próprios particulares. Esta vinculação indireta não dá lugar à reclamação (que, na redação do art. 103-A, §3º, só é interponível contra os atos administrativos e jurisdicionais). No entanto, por ser uma interpretação máxima da Constituição Federal e por dever ser aplicada (sob pena de reclamação) pelos tribunais, gera uma vinculação típica de uma norma jurídica geral e abstrata (haja vista que a súmula vinculante é norma jurídica geral e abstrata)”. JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, ano 94, v. 838, agosto 2005. p. 47.
113
Conforme explicitado por Rodolfo de Camargo Mancuso256:
[...] a norma emanada do ambiente parlamentar, é direcionada aos cidadãos e pessoas jurídicas de direito público e privado; a súmula, proveniente do ambiente judiciário, é dirigida aos órgãos judiciais e à Administração Pública, mas, através desta e daqueles acaba alcançando, reflexamente, os jurisdicionados e, de modo geral, os que tratam com o serviço público. Os clientes do Judiciário, eventuais ou habituais, ou seja, os jurisdicionados efetivos ou virtuais, provêm todos da sociedade civil, como pessoas físicas ou jurídicas, e assim, quer integrem ou não um processo judicial, sujeitam-se ao raio de incidência das súmulas vinculantes, na medida em que estas projetam, além dos efeitos endoprocessuais, também efeitos panprocessuais (em face dos processos análogos) e ainda reflexos ao interno da coletividade, como antes assinalado. Logo, é só por uma redução de complexidade (intencional ou não) que o art. 103-A da CF diz que as súmulas vinculam o Judiciário e a Administração Pública; o constituinte revisor dixit minus quam voluit, porque na verdade, por extensão, as pessoas físicas e jurídicas integrantes da coletividade também são alcançadas pela irradiação dos efeitos do direito sumular vinculativo.
Em suma, as súmulas vinculam diretamente apenas o Poder Judiciário e,
em alguns casos, a administração pública, mas indiretamente vinculam a todos,
aproximando-se, em mais um aspecto, da lei.
2.6 RECLAMAÇÃO
2.6.1 Cabimento
256
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, p. 356-357. No mesmo sentido, tratando especificamente das súmulas vinculantes, sustenta o autor: “Com efeito, a eficácia expandida da súmula vinculante do STF enseja que o paradigma jurídico nacional, regulador das condutas comissivas e omissivas atuais e futuras, passa a ser não apenas a norma legal, mas também os enunciados dessa súmula obrigatória. Vale notar que essa eficácia expandida não opera apenas no plano dos conflitos judicializados, mas impende reconhecer que as súmulas vinculantes projetam um efeito preventivo geral ao interno da coletividade, já que, por intermédio dos operadores do Direito, os entendimentos assentados chegam ao conhecimento dos jurisdicionados – pessoas físicas e jurídicas – assim influenciando ou até condicionando os seus comportamentos”. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 5. ed. p. 376.
114
A reclamação é instituto previsto na Constituição Federal e sua finalidade
é preservar a competência e a garantia da autoridade das decisões do STF (art. 102,
inc. I, “l” ) e do STJ (art. 105, inc. I, “f”)257.
A Emenda Constitucional n. 45/2004 ampliou o cabimento da reclamação
para a hipótese de violação de súmula vinculante. Assim, contra ato administrativo
ou decisão judicial “que contrariar súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar,
caberá reclamação”258.
É importante ressaltar que em nenhuma das hipóteses a reclamação
pode substituir o recurso eventualmente cabível em face da decisão proferida. Da
mesma forma, o instituto não visa à análise de eventual erro no julgamento, mas
apenas identifica se o ato administrativo ou decisão judicial está de acordo com os
limites impostos pelos tribunais superiores.
Conforme afirma Cassio Scarpinella Bueno259, a reclamação é medida
mais relevante e usual para a garantia de decisões com “eficácia vinculante”, como é
o caso das súmulas vinculantes, ações declaratórias de constitucionalidade e ações
diretas de inconstitucionalidade, apesar de não haver previsão expressa do
cabimento do instituto para estas últimas.
Especialmente com relação às súmulas, o entendimento praticamente
unânime que impera na doutrina é o de que apenas a violação de súmulas
“vinculantes” autoriza a utilização da reclamação 260 em razão, justamente, da
eficácia vinculante das suas decisões.
257
Anteriormente à Constituição Federal, o instituto da Reclamação já se encontrava previsto no RISTF, tendo sido, contudo, criação jurisprudencial. 258
Art. 103-A, §3º, da Constituição Federal. 259
“A medida, a olhos vistos, torna-se tanto mais relevante e usual na medida em que existam efeitos vinculantes em determinadas decisões do Supremo Tribunal Federal. É o que expressamente prevê o art. 7º da lei 11.417/2006 para as súmulas vinculantes e, não obstante o silêncio da lei nº 9.868/1999, é o que deve verificar-se com as decisões proferidas por aquele Tribunal em sede de ações diretas de inconstitucionalidade e de ações declaratórias de constitucionalidade (art. 102, § 2º, da Constituição Federal), como, dentre tantos outros julgamentos, reconheceu o Pleno daquele Tribunal na Rcl. 2.600/SE, rel. Min. Cezar Peluso, j. un. 14.09.2006, DJe 3.8.2007”. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, 6. ed. p. 410. 260
“Apenas o descumprimento de súmula vinculante é que enseja a utilização de reclamação. As demais súmulas não são de observância compulsória pelos demais órgãos do Poder Judiciário, segundo tem decidido o STF”. ALVIM, Eduardo Arruda. Do cabimento de reclamação pelo descumprimento de súmula vinculante à luz da Lei nº 11417/2006. Revista Forense. Rio de Janeiro,
115
Há, todavia, tanto na doutrina como na jurisprudência, incipiente
tendência de flexibilização desse entendimento, ampliando o cabimento da
reclamação para hipóteses sem expressa previsão do efeito vinculante, conforme
reconhecido por Cassio Scarpinella Bueno261:
Admitindo-se que todas as decisões do Supremo Tribunal Federal tendem a ter um quê de objetivação, devendo ser observadas, como tais, por todos os demais órgãos jurisdicionais, independentemente da expressa previsão do efeito vinculante, é coerente sustentar que cabe reclamação para contrastar decisão jurisdicional que se mostra desafinada ao entendimento daquele Tribunal, mesmo que a colidência se dê mais com a tese fixada por aquele Tribunal do que, propriamente, com o caso singular, tal qual julgado.
No mesmo sentido aponta Fredie Didier Junior262:
Tudo isso nos leva a admitir a ampliação do cabimento da reclamação constitucional, para abranger casos de desobediência de decisões tomadas pelo Pleno do STF em controle difuso de constitucionalidade, independentemente de enunciado sumular de eficácia vinculante [Grifo do autor].
Nos tribunais, essa polêmica teve início com o voto proferido pelo Ministro
Gilmar Mendes, ao dar provimento à Reclamação n. 4.335/AC. Referida reclamação
foi ajuizada em face da decisão de um juiz que não teria observado decisão do STF
proferida em sede de “controle difuso de constitucionalidade” (HC 82.959/SP),
declarando inconstitucional a proibição de progressão de regime instituída pela lei
dos crimes hediondos. O entendimento do Ministro Gilmar Mendes foi acompanhado
pelo Ministro Eros Grau263.
Forense, ano 103, v. 394, novembro-dezembro 2007. p. 56-57. No mesmo sentido, João Miguel Coelho dos Anjos: “A propositura de reclamação fundada em descumprimento de súmula vinculante somente será possível diante da sua aprovação por dois terços dos membros do STF, com a devida publicação na imprensa oficial, pois só a partir daí ela terá efeito vinculante”. (Reclamação constitucional. Processo nos Tribunais Superiores de acordo com a Emenda Constitucional nº 45/2004. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 57). 261
BUENO Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed. v. 5, p. 411. 262
DIDIER JUNIOR, Fredie. Transformações do recurso extraordinário. In: FUX, Luiz; NERY JNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 10. p. 112. Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero compartilham o mesmo entendimento (Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008. p. 449-450). 263
O Ministro Sepúlveda Pertence assentiu a improcedência da reclamação. O veredicto dos Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski foi o não conhecimento do instituto, este último magistrado, contudo, manifestou-se pelo cabimento de concessão de habeas corpus de ofício. Atualmente, o caso permanece pendente de julgamento.
116
A situação fática apontada serve para demonstrar a preocupação – cada
vez maior – no que diz respeito à obrigação de os órgãos do Poder Judiciário
observarem e seguirem as decisões proferidas pelas cortes superiores (no caso
específico, do STF), ainda que não sejam dotadas expressamente de eficácia
vinculante264.
A análise aprofundada do entendimento até então esboçado pelo STF
foge ao escopo deste trabalho, mas não há como deixar passar despercebida uma
preocupação que se tem com relação a ele.
Há na Constituição Federal dispositivo que outorga ao Senado a
possibilidade de suspender a executoriedade da lei julgada inconstitucional em
controle difuso (art. 52, inc. X), não cabendo tal função, portanto, ao STF. Trata-se
do principal argumento contrário à chamada “objetivação dos efeitos da decisão do
Supremo Tribunal Federal”, no controle concreto de constitucionalidade 265 , na
medida em que entender o contrário é negar a Constituição.
Especificamente com relação à violação do art. 52 da Constituição
Federal, o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, sustentou tratar-se de “mutação
constitucional”, sendo forma de corrigir a disparidade do texto constitucional e a
realidade social. Difícil concordar com esse argumento, conquanto se vislumbra,
aqui, a “imposição” de um novo texto constitucional, em absoluto desencontro com
aquilo que hoje é efetivamente previsto.
264
No mesmo sentido, vale mencionar o entendimento do Ministro Relator Joaquim Barbosa, nos autos da Reclamação n. 2.280/RJ, em que também se verifica a tendência de ampliação do cabimento da reclamação. No caso, alegou-se que o Superior Tribunal de Justiça teria desrespeitado decisão da Corte Suprema exarada em caso concreto (RE 153.371/RJ). A Turma entendeu, por unanimidade, cabível a reclamação no STF ao argumento central de que compete ao Tribunal zelar pela máxima efetividade de suas decisões. Também, no STJ, verifica-se a ampliação do cabimento da reclamação para os casos em que decisões dos Juizados Especiais são proferidas sem observância das decisões emanadas pela Corte. Trata-se de decisão proferida pelo STF, no EDcl no RE 571.572/BA, que tem como relatora a Ministra Ellen Gracie. De acordo com referido julgamento, “[...] até que seja criado o órgão que possa estender e fazer prevalecer a aplicação da jurisprudência do STJ, em razão de sua função constitucional, da segurança jurídica e da devida prestação jurisdicional, a lógica da organização do sistema judiciário nacional recomenda seja dada à reclamação prevista no art. 105, I, f da CF, amplitude suficiente à solução do problema”. 265
A doutrina aponta outros argumentos contrários a tal objetivação dos efeitos da decisão como: (i) a manifestação sobre a inconstitucionalidade da lei em controle difuso de constitucionalidade é apenas da parte recorrente que, certamente, não representa a sociedade. Não há a amplitude da legitimação ativa, como ocorre no controle concentrado e também não há a participação do amicus curiae; (ii) a declaração da inconstitucionalidade de lei se dá mediante a resolução de uma medida prejudicial, com vistas a solucionar um caso específico.
117
A objetivação dos efeitos da decisão do STF no controle concentrado de
constitucionalidade, portanto, carece de autorização legislativa. Aliás, ao contrário
disso, há previsão constitucional específica acerca do assunto e ela não pode ser
ignorada pelos ministros.
Excluído tal fato, entretanto, a teoria se mostra sedutora e eficaz. A
propósito, a função do STF é a guarda da Constituição Federal, se o órgão máximo
do Poder Judiciário, ao exercer a sua função em controle difuso ou concentrado,
manifesta-se pela inconstitucionalidade de uma lei, nada mais adequado do que
vincular esta inconstitucionalidade a todos os demais casos que tenham como
fundamento a mesma legislação. Ademais, não é coerente que uma lei seja
inconstitucional para um caso e não o seja para outro. Ou a lei é constitucional ou é
inconstitucional.
Transpondo a mesma polêmica para as súmulas, surge o seguinte
questionamento: é possível o ajuizamento de reclamação por violação de súmula
vinculante e persuasiva?
A resposta é que não se vê nenhuma barreira legal – como acontece com
o controle difuso de constitucionalidade, com o art. 52 da Constituição Federal –
para que a violação das súmulas consideradas persuasivas possam ser objeto de
reclamação, tal qual as súmulas vinculantes. E a inexistência de previsão legal
expressa para tanto não deveria ser empecilho.
Explica-se. Por todas as razões aqui apresentadas, o entendimento
aponta no sentido de que as súmulas persuasivas poderiam (ou mesmo deveriam)
ter efeito vinculante, mesmo “em menor grau” do que as súmulas com previsão
constitucional. Assim, ainda que referida eficácia não conste expressamente em
nenhum dispositivo legal, a interpretação harmônica, lógica e coerente do nosso
sistema jurídico permite essa conclusão.
Na medida em que a própria Constituição Federal prevê como hipótese
de cabimento de reclamação preservação da “autoridade de suas decisões” (tanto
no STF como no STJ, por força dos artigos 102 e 105 da Constituição Federal,
118
respectivamente), nada mais pertinente do que o seu cabimento para garantir a
aplicação adequada e a eficácia das súmulas.
Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier266:
A reclamação está entre os feitos de competência originária do STF e tem como objetivo preservar a competência desse tribunal e garantir a autoridade de suas decisões. Segundo o dispositivo ora comentado, a reclamação para o STF terá também a função de corrigir decisões que desrespeitem as súmulas desse tribunal, o que, de certo modo, já poderia dizer estar incluído em desrespeitar suas decisões, já que uma súmula consiste exatamente na cristalização de uma posição reiteradamente assumida em decisões isoladas.
Mesmo que não se admita o efeito vinculante das súmulas persuasivas,
ainda assim é possível o ajuizamento de reclamação contra decisão judicial (e,
jamais, ato administrativo) que as violar. Isso porque, se as súmulas representam a
solidificação das decisões dos tribunais e, por outro lado, a reclamação deve ser
utilizada justamente para preservar a autoridade das decisões do STF e do STJ,
nada mais lógico que, diante de violação de súmula, seja possível utilizar a
reclamação.
2.6.2 Natureza jurídica
A natureza jurídica do instituto da reclamação é assunto polêmico na
doutrina. O Ministro Celso de Melo, ao relatar a Reclamação de n. 336, expôs, ainda
que de forma sucinta, os diversos posicionamentos existentes em torno do assunto.
É o que se observa na transcrição do seguinte excerto:
A reclamação, qualquer que seja a qualificação que lhe de – ação (Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548; Alcides de Mendonça Lima, 1º Poder Judiciário e a nova Constituição, p. 80, 1989, Aide), remédio incomum (Orosimbo Nonato, apud Cordeiro de Melo, O processo no Supremo Tribunal Federal, volume 1/280), incidente processual (Moniz de Aragão, A correição parcial, pág. 110, 1969), medida de
266
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 234-235.
119
direito processual constitucional (José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. 3º, 2ª parte, pág. 199, item 653, 9ª edição, pág. 987, Saraiva) ou medida processual de caráter excepcional (Ministro Djaci Falcão, RTJ 112/518-522) – configura-se modernamente, instrumento de extração constitucional, inobstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504), destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, l) e do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, f).267
A propósito, afirma-se que a reclamação recurso não é268, isto porque,
conforme previsão legal, visa apenas observar se determinada decisão está de
acordo com os limites impostos pelas cortes superiores. Não tem como objetivo,
portanto, o eventual acerto da decisão proferida no caso concreto. Tanto é assim
que o § 3º do art. 7º da Lei n. 11.417/2006 dispõe que a medida “cassará a decisão
judicial impugnada, determinando que outra seja proferida em seu lugar”. Não se
verifica, como ocorre nos recursos, a possibilidade de reforma ou anulação da
decisão, mas sim a sua “cassação”. Além disso, os tipos de recurso estão
especificados taxativamente na lei, e a reclamação não é um deles.
Da mesma forma, por se tratar de medida jurisdicional e não medida
administrativa, também não há como concordar com o entendimento de que a
reclamação se equipara à “correição parcial” 269 . A hipótese de “incidente
processual”270 também merece ser afastada porque a sua utilização não necessita
267
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n. 336. Pleno, Relator Min. Celso de Mello. Brasília, DF. Julgamento 19.12.1990. Publicação 15.03.1991. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/752273/reclamacao-rcl-336-df>. Acesso em: 26 out. 2013. 268
A esse respeito, vale conferir a seguinte doutrina de Candido Rangel Dinamarco: “A procedência da reclamação contra ato judicial importa negação do poder do órgão inferior para realizá-lo – poder que ele não tem porque a competência é do STF ou STJ, ou porque a matéria já fora superiormente decidida por um destes. Daí a confirmação de que as reclamações previstas constitucionalmente, sendo embora um energético remédio processual à disposição do sujeito interessado, recursos não são. Não há recurso sem substituição do ato recorrido e, ao mesmo tempo, sem devolução do processo para que outro seja proferido na instância de origem”. (Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro. Revista Forense. Rio de Janeiro, Forense, ano 99, v. 366, março-abril 2003. p. 10). 269
No entendimento de José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier: “Parece-nos evidente que a natureza desta medida é jurisdicional, não administrativa ou correicional. Trata-se de expediente de que se podem valer as partes para provocar alteração de decisão judicial: logo, sua natureza não pode ser meramente correicional. Ademais, a decisão, na reclamação, fica acobertada pelos efeitos da coisa julgada, sendo, portanto, rescindível”. (Repercussão geral e súmula vinculante – Relevantes novidades trazidas pela emenda constitucional 45/2004. A Reforma do Poder Judiciário. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 446). 270
De acordo com Leonardo Morato, a reclamação é “[...] questão autônoma, independente, prescindível de outro processo, a reclamação constitui um novo processo, uma nova questão dita principal, a ser decidida, que é lógica e cronologicamente posterior à decisão que deu ensejo à
120
de existência anterior de processo judicial, ou seja, trata-se de medida autônoma a
qualquer processo.
Portanto, com lastro na maioria da doutrina, afirma-se que a natureza
jurídica da reclamação é de ação271, com todas as consequências advindas deste
posicionamento como, por exemplo, a autoridade de coisa julgada material das
decisões272 e, também, que somente pode ser disciplinada por lei federal273.
Assim, apresentada a reclamação, os tribunais superiores deverão limitar-
se a observar (i) se a aplicação da súmula foi equivocada (por exemplo, sem
observância de aspectos temporais ou, também, se foi aplicada a caso não
alcançado pelo enunciado), ou, ainda, (ii) se houve a inobservância da súmula em
hipótese em que deveria ter sido aplicada. Não será feita, portanto, a análise dos
fatos do caso concreto. É, inclusive, por esse motivo que a reclamação não obsta a
interposição de recurso cabível à espécie274.
Por fim, é importante mencionar que, de acordo com a Súmula n. 734 do
STF: “não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial
que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”, comando
este bem adequado na medida em que somente a ação rescisória tem o condão de
desconstituir coisa julgada material.
decisão reclamada”. (Reclamação e a sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: RT, 2007. p. 100). 271
Nesse sentido apontam: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed. p. 409; MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: RT, 2007. p. 279; PACHECO, José da Silva. A reclamação no STF e no STJ, de acordo com a nova Constituição. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT, n. 646, 1989. p. 30; MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. p. 110. 272
“A decisão final, se de mérito, transita em julgado e, em tese, é rescindível, desde que se configure uma das hipóteses encartáveis no art. 485 do CPC”. MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Repercussão geral e súmula vinculante – Relevantes novidades trazidas pela emenda constitucional 45/2004. A Reforma do Poder Judiciário, p. 447. 273
Constitui matéria de processo, com competência legislativa exclusiva da União, nos termos do art. 22, inc. I, da Constituição Federal. 274
Conforme § 1º do art. 7º da Lei n.11.417/2006.
121
2.7 COMMON LAW
2.7.1 Precedentes vinculantes no Brasil: uma aproximação do common law?
Há algum tempo o sistema jurídico brasileiro tem dado especial relevância
a julgamentos uniformes. Nesse sentido, têm-se como exemplos o julgamento
liminar de improcedência (art. 285-A do CPC), o julgamento de recursos repetitivos
(arts. 543-B e 543-C do CPC), a negativa de seguimento – monocraticamente – de
recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante (art. 557 do CPC), a
criação das súmulas vinculantes (art. 103-A da Constituição Federal), entre outros.
Na competente análise de Teresa Arruda Alvim Wambier275:
O sistema jurídico-processual, nestas alterações recentes que estão sendo aqui comentadas, manifesta evidente e louvável preferência pelos entendimentos sumulados ou, até mesmo, adotados por jurisprudência dominante (v. por exemplo, art. 103-A, CF, e arts. 120, parágrafo único, art. 518, §1º, do CPC, na redação da Lei 11.276/2006, e art. 557, CPC). Naturalmente, busca-se, com isso, a confluência dos entendimentos jurisprudenciais para um só, que seja considerado ‘ótimo’, isto é, o melhor, ou o mais aprimorado, dentre os vários modos de solucionar um problema jurídico [...].
Portanto, a cada dia, observa-se uma maior preocupação com o respeito
aos precedentes 276 . Assim, não obstante o sistema de civil law adotado, para
alcançar objetivos como, por exemplo, segurança jurídica, respeito aos princípios de
igualdade e isonomia277, valorizam-se os precedentes.
275
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 172, junho 2009. p. 137. 276
De acordo com a obra de Antônio Castanheira Neves, o precedente é uma decisão judicial (jurisdicional) que se impõe como padrão normativo para deslinde de decisões análogas. (O instituto dos assentos e a função jurídica dos Supremos Tribunais. Coimbra; Coimbra Editora, 1983. n. 1. p. 2). 277
“O princípio da isonomia significa, grosso modo, que todos são iguais perante a lei, logo, a lei deve a todos tratar de modo uniforme e assim também (sob pena de esvaziar-se o princípio) devem fazer os tribunais, respeitando o entendimento tido por correto e decidindo de forma idêntica casos iguais, num mesmo momento histórico. De nada adiantaria um princípio constitucional, cujo destinatário é o legislador, se o Judiciário não tivesse de seguir a mesma orientação. O princípio da isonomia recomenda que não se decida diferentemente, em face de casos iguais. Só assim será proporcionada
122
Diante dessa assertiva, é possível afirmar que está havendo uma
aproximação do nosso sistema com o sistema de common law?
A busca pela previsibilidade e a segurança jurídica que devem ser
fornecidas aos jurisdicionados são aspectos comuns aos dois sistemas. A forma com
que se busca esse objetivo comum, contudo, é diferente.
No sistema de civil law, por exemplo, fala-se em precedente vinculante
apenas após reiteradas decisões do tribunal acerca de uma mesma tese jurídica. De
igual maneira, apenas as questões de direito que estejam relacionadas a ações
repetitivas (ou, ao menos, que tenham possibilidade de ser repetitivas) é que
poderão ser objeto de precedente vinculante.
No sistema de common law, todavia, qualquer tese jurídica pode ter
conteúdo de precedente, não havendo necessidade de estar relacionada com a
multiplicidade de ações tratando da mesma matéria de direito. Além disso, para que
o precedente seja aplicado em um caso “novo”, não é necessária a existência de
reiteradas decisões do tribunal acerca do tema. Uma única decisão278, portanto, pela
doutrina do stare decisis, é suficiente para que decisões futuras sejam proferidas
com base nela. Este aspecto difere do sistema brasileiro e neste sentido vale
acompanhar a explicação de Michele Taruffo279:
[...] existe, antes de tudo, uma distinção de caráter – por assim dizer – quantitativo. Quando se fala do precedente se faz normalmente referência a uma decisão relativa a um caso particular, enquanto que quando se fala em jurisprudência se faz normalmente referência a uma pluralidade, frequentemente bastante ampla, de decisões relativas a vários e diversos casos concretos. A diferença não é apenas do tipo semântico. O fato é que nos sistemas que se fundam tradicionalmente e tipicamente sobre o precedente, em regra a decisão que se assume como precedente é uma só; ademais, poucas decisões sucessivas vêm citadas em apoio do precedente. Deste modo, é fácil identificar qual decisão de verdade ‘faz precedente’. Ao contrário, nos sistemas – como o nosso – nos quais
a plena aplicabilidade do princípio da legalidade, funcionando ambos engrenadamente”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sumula vinculante: figura do common law? Revista de Doutrina TRF4. 31.10. 2011. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao044/teresa_wambier.html>. Acesso em: 23 out. 2013. 278
Desde que proferida por corte com competência recursal nas esferas estadual ou federal. 279
TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo. Revista dos Tribunais, ano 36, v. 199, set. 2011. p. 142.
123
se alude à jurisprudência, se faz referência normalmente a muitas decisões: às vezes são dúzias ou até mesmo centenas, ainda que nem todas venham expressamente citadas. Isso implica várias consequências, dentre as quais a dificuldade – frequentemente de difícil superação – de estabelecer qual seja a decisão que verdadeiramente é relevante (se houver uma) ou então de decidir quantas decisões são necessárias para que se possa dizer que existe uma jurisprudência relativa a uma determinada interpretação de uma norma.
As súmulas, como mencionado antes, são enunciados elaborados,
justamente, com base em reiterados julgamentos acerca de uma determinada tese
jurídica. Após alguns (ou inúmeros) julgamentos em um mesmo sentido, o tribunal
extrai a tese jurídica e edita a súmula, que deverá ser observada nos casos futuros.
Outro aspecto que merece destaque e que demonstra diferença entre os
sistemas – em especial entre as súmulas e os precedentes – é a forma de aplicação.
Diante de divergência acerca de uma determinada tese de direito, os tribunais
editam as súmulas, que prescrevem um enunciado literal tal qual a lei, possuindo
conteúdo facilmente identificável. Os precedentes, ao contrário disso, não precisam
de edição de norma para que possam ser aplicáveis e o caso que os originou deve
ser analisado para que o precedente possa ser identificado.
E, como assinala Ronald Dworkin 280 : “[...] a força gravitacional do
precedente não pode ser apreendida por nenhuma teoria que considere que a plena
força do precedente está em sua força de promulgação, enquanto peça de
legislação”.
Nessa medida, as súmulas traduzem soluções específicas para uma
situação determinada (por exemplo: cobrança de taxa de matrícula em
universidades públicas). Os precedentes possuem certa “maleabilidade” normativa,
não havendo a necessidade de absoluta identificação entre os casos.
280
DWORKIN, Ronald. Levando o direito a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 176. No mesmo sentido: “o precedente é uma concreta decisão jurisprudencial, vinculada como tal ao caso historicamente concreto que decidiu – trata-se também aqui de uma estrita decisão jurisdicional – que se toma (ou se impõe – como padrão normativo casuístico em decisões análogas ou para casos de aplicação concretamente analógica)”. NEVES, Castanheira, Antônio. O instituto dos assentos e a função jurídica dos Supremos Tribunais, p. 228.
124
Aliás, conforme será analisado com mais vagar na próxima seção, a
identificação do precedente vinculante (binding element) é uma dificuldade nos
países de common law, situação que não ocorre no Brasil, com a súmulas que
exteriorizam, ao menos em tese, de forma clara e objetiva, a “norma jurídica” a ser
seguida, desvinculando-se em certa medida dos casos que as originaram.
Assim, a possibilidade de haver semelhança entre os sistemas common
law e civil law não significa, necessariamente, que um esteja aproximando-se do
outro. Então, não há como sustentar a aproximação dos sistemas Da mesma forma,
a existência de lei escrita (cada vez mais valorizada) nos países de common law não
descaracteriza o sistema.
Fato é que se pode (e até se deve) utilizar as experiências vivenciadas
por sociedades que adotaram o common law, para aprimorar, no que diz respeito a
precedentes, a nossa atuação281, até porque, em ambos os sistemas, o objetivo dos
precedentes vinculantes é o mesmo: gerar segurança e previsibilidade aos
jurisdicionados.
Essa observação é importante antes da análise de algumas
características específicas do sistema de common law, em contraposição com o de
civil law.
2.7.2 Precedentes vinculantes no sistema de common law
O sistema de common law se baseia, principalmente, no respeito que os
órgãos jurisdicionais devem ter em relação às decisões já proferidas. O direito é
extraído dos próprios precedentes, de modo que a sua observância é a espinha
dorsal desse sistema.
281 “
[...] mesmo atentos às notórias diferenças estruturais que existem entre o sistema de stare decisis e o vigente nas famílias jurídicas de direito escrito, ainda assim as advertências e os bons exemplos vindos de outras plagas merecem frutificar entre nós – obviamente com as salvaguardas e adaptações necessárias a aprimorar o sistema sem comprometer-lhes as raízes mais profundas”. DINAMARCO, Candido Rangel. Efeito vinculante das decisões judiciárias. Fundamentos de Processo Civil Moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. t. II. p. 1.127.
125
Lenio Luiz Streck282 sobre o tema disserta:
A doutrina dos precedentes obrigatórios (Doctrine of binding precedent), também chamada de stare decisis, case law, está estreitamente ligada ao sistema denominado de Law Reports. De pronto, deve ser dito (e repetido) que uma das características históricas mais marcantes da lei inglesa é ser produto do trabalho dos juízes (judge made law). Ou seja, a maior parte da common law não é produto do Parlamento, mas sim de trabalho de séculos dos juízes aplicando regras consuetudinárias estabelecidas, aplicando regras a casos novos, à medida em que foram surgindo. O princípio que respalda a doutrina dos precedentes consiste em que, em cada caso, o juiz deve aplicar o princípio legal existente, isto é, deve seguir o exemplo ou precedente das decisões anteriores (stare decisis).
Apesar da Europa ter sofrido influência do direito romano, baseando os
seus sistemas no direito codificado, a Inglaterra manteve a tradição do direito
consuetudinário283. Influenciado pelo direito inglês, o direito americano herdou o
respeito aos precedentes284, consagrado na doutrina do stare decisis285 ,286, que
282
STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, p. 43-45. Importante mencionar o destaque feito pelo autor no sentido de que o sistema inglês “[...] na atualidade, devido a maior sistematização e clarificação das fontes do Direito – a maior parte do Direito atual encontra-se nos law reports e nas leis originárias do Parlamento -, já não se pode seguir afirmando, sem reserva, que o juiz faz o Direito, uma vez que a sua função é a de decidir os casos conforme as regras legais existentes. Isto é o que fundamenta a doutrina dos precedentes obrigatórios, em virtude da qual o juiz não se remete às decisões precedentes como simples orientação ou guia, mas sim que, está obrigado a aplicar as regras legais contidas em tais decisões”. (Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função, p. 44-45). 283
Teresa Arruda Avim Wambier, em importante trabalho sobre o assunto, alerta que o common law “[...] não teve início com a adoção da explícita premissa ou da regra expressa de que os precedentes seriam vinculantes. Isto acabou acontecendo imperceptivelmente. [...] Foi na metade do século XIX que se pôde notar um enrijecimento do stare decisis. No caso Beamish vs Beamish se estabeleceu expressamente a regra de que a House of Lords estaria vinculada a seus próprios precedentes”. (Precedentes e evolução do Direito. Direito Jurisprudencial. 1. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 21). 284
“Importa registrar que a recepção do common law nos Estados Unidos não se fez de modo automático. As realidades de uma nação do Novo Mundo, com as dimensões continentais dos Estados Unidos, não permitiram a adoção de institutos forjados para uma sociedade circundada por água e profundamente enraizados em uma mundivisão feudal, como é o caso do direito agrário (land law); ‘por tais razões, os institutos como a primogenitura, que é a base do sistema hereditário na Inglaterra, nunca tiveram qualquer aceitação nos Estados Unidos. Outra diferença notável é o fato de os Estados Unidos terem sido formados sob a égide da liberdade de culto religioso, em uma fase histórica em que a equity já estava laicizada nos tribunais que a aplicavam; a influência do direito declarado pelos tribunais quase-eclesiásticos do Chanceler do Rei, a equity (antes ou após a Reforma anglicana), teve uma influência relativa sobre o direito norte-americano como um todo”. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Parâmetros de Eficácia e Critério de Interpretação do Precedente Judicial. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. 1. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 105-106. 285
“Stare Decisis et quieta non movere: conservam-se as decisões de casos passados. Este é o sentido da expressão”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do Direito. In: _____ (Coord.). Direito jurisprudencial. 1. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 42.
126
determina o caráter vinculante das decisões das Cortes Supremas a todas as
demais Cortes hierarquicamente inferiores.
Keith Eddley287, discorrendo sobre o stare decisis do sistema legal inglês,
pontua:
This doctrine, in its simple form, means that when a judge comes to try a case, he must always look back to see how previous judges have dealt with previous cases (precedents) which have involved similar facts in that branch of the law. In looking back in this way the judge will expect to discover those principles of law which are relevant to the case which he has to decide. The decision which he makes will thus seek to be consistent with the existing principles in that branch of the law”.
De acordo com a teoria do stare decisis, portanto, os precedentes têm
força obrigatória (binding precedent).
Na lição de José Rogério Cruz e Tucci288:
O efeito vinculante das decisões já proferidas encontra-se condicionado à posição hierárquica do tribunal que as profere. Normalmente, na experiência jurídica do common law, o julgado vincula a própria corte (eficácia horizontal interna), bem como todos
286
“A moderna teoria do stare decisis (da expressão latina stare decisis et non quieta movere = mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido) informada pelo princípio do precedente (vertical) com força obrigatória externa para todas as cortes inferiores, veio inicialmente cogitada em prestigiada doutrina de um dos maiores juristas ingleses de todos os tempos, Sir. Baron Parke J., que, por certo, inspirado na velha lição de Blackstone, escreveu: ‘o nosso sistema de common law consiste na aplicação, a novos episódios, de regras legais derivadas de princípios jurídicos e de precedentes judiciais; e, com o escopo de conservar a uniformidade, consistência e certeza, devemos aplicar tais regras, desde que não se afigurem ilógicas e inconvenientes, a todos os casos que surgirem; e não dispomos de liberdade para rejeitá-las e desprezar a analogia nos casos em que ainda não foram judicialmente aplicadas, ainda que entendamos que as referidas regras não estejam tão razoáveis e oportunas quanto desejaríamos que fossem. Parece-me de grande importância ter presente esse princípio de julgamento, não meramente para a solução de um caso particular, mas para o interesse do direito como ciência’”. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente Judicial como fonte de direito, p. 160. 287
EDDEY, Keith. The english legal system. 3. ed. Londres: Sweet & Maxwell, 1982. p. 125. Tradução nossa: “Esta doutrina, de forma suscinta, significa que, quando um juiz vai julgar um caso, deve sempre verificar como os juízes anteriores têm julgado casos anteriores (precedentes) que envolveram fatos semelhantes nesse ramo do direito. Ao olhar para trás, o juiz espera descobrir os princípios relacionados à lei e que são relevantes para o caso que ele vai decidir. A decisão que ele profere procura ser coerente com os princípios existentes nesse ramo do direito”. 288
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedentes e evolução do Direito. Direito Jurisprudencial. p. 104-105. E vai além: “[...] observe-se, por outro lado, que o estilo de julgamento, no âmbito do common law, é caracterizado pela auto referência jurisprudencial. Na verdade, pela própria técnica do precedente vinculante, impõe-se, na grande maioria das vezes, a exigência de que a corte invoque, para acolher ou rejeitar, julgado ou julgados anteriores. Em outras palavras, a fundamentação de uma decisão deve, necessariamente, conter expressa alusão à jurisprudência de tribunal superior ou da própria corte”. (Precedentes e evolução do direito. Direito jurisprudencial. p. 105).
127
os órgãos inferiores (eficácia vertical externa). Não se delineia possível, à evidência, a aplicação dessa regra em sentido contrário.
Dessa maneira, identificado que os aspectos relevantes de um
determinado caso possuem identidade com outro já julgado, de acordo com a
doutrina do stare decisis, a solução jurídica apresentada há de ser a mesma. Tarefa
árdua, contudo, é identificar o que, exatamente, vincula em uma determinada
decisão. Para tanto, é necessário identificar a ratio decidendi289 (ou a holding, no
caso do direito inglês), que se trata da “essência da tese jurídica suficiente para
decidir o caso concreto (rule of law). É essa regra de direito (e, jamais, de fato) que
vincula os julgamentos futuros inter alia”.
Na opinião de Francesco Cordopatri290: “É importante saber que a ratio
decidendi, como proposição legal genérica ou princípio legal, ou como critério
decisional, na realidade impede um resultado jurídico imperceptível ou mesmo um
resultado arbitrário [Tradução nossa]”.
A dificuldade de identificação da ratio decidendi alude ao fato de que nem
sempre estará expressamente declarada pelo tribunal, sendo tarefa dos juízes de
casos futuros identificá-la e aplicá-la ao caso concreto291. Conforme visto na seção
anterior (2.7.1), trata-se de característica que diferencia os precedentes dos países
de common law, das súmulas do ordenamento jurídico brasileiro.
289
A definição da ratio pode de se dar de mais de uma maneira, como afirma Geoffrey Marshall: “Out of considerable body of common law literature devoted to this subject over the past century, and from the less structured remarks to be found in judicial opinions, a number of theses, not all compatible, have emerged as to the proper characterization of the ratio decidendi of the case. Given that a ratio decidendi is a legal statement or ruling, whose relationship to the facts of the case in question remains to be established, there are at least there possibilities. The ratio decidendi might be: 1. A rule of law or ruling in the light of material facts that a prior court explicitly declares or believes itself to be laying down or following; or 2. A ruling in the light of material facts that a prior court (when the decision is analysed) is, as matter of fact, laying down or fallowing; or 3. A ruling in the light of material facts that prior court ought properly (in view of the existing lae, facts and precedents) to and laying down or following.” (What is binding in a precedent. In: MaCCORNIK, Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. (Org.). Interpreting precedents. England: Ashgate, 1997, n. 4. p. 506-507). 290
CORDOPATRI, Francesco. The ratio decidendi (an historical and comparative review). Italian Yarbook of Civil Procedure. Milano: Giuffrè, 1991. v. 1. p. 74. No original: “It is important to know that the ratio decidendi, as a generic legal proposition or principle of law, or as a decisional criterion, actually prevents a juridically imperceptible or even arbitrary result”. 291
“Finding the ratio decidendi of a case is an important part of the training of a lawyer. It is not a mechanical process but is an art that one gradually acquires through practice and study”. GLANVILLE, Williams. Learning the Law. Londres, 1978. p. 62. Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, p. 197, nota n. 60.
128
Em rigor, o precedente se origina justamente no momento da aplicação
da ratio decidendi de uma determinada decisão ao caso concreto. Desta feita:
[...] uma decisão somente passa a ser considerada como verdadeiro precedente se, além do seu conteúdo envolver uma matéria nova, que ainda não havia sido decidida, for utilizada em uma decisão subsequente. Veja-se que o uso da primeira decisão é essencial para que surja o precedente, caso contrário será apenas uma decisão isolada, sem qualquer força vinculante, característica essa inerente ao sistema de precedentes.292.
A parte da decisão que realmente vincula é a ratio decidendi. Os americanos usam a expressão holding. ‘A holding é a essência da regra (expressa ou implícita na decisão) necessária para explicar o resultado do julgamento. Claro que a expressão ratio decidendi também pode ser entendida em sua dimensão descritiva: descritivamente a expressão significa simplesmente uma explicação do raciocínio que levou a corte à conclusão, baseado em elementos sociológicos, históricos e até mesmo psicológicos [...]’. Mas o que interessa aqui é o sentido prescritivo da expressão ratio decidendi e é deste tema, entre outros, que se ocupará este capítulo. Trata-se da proposition of law (= proposição do direito), explicita ou implícita, considerada necessária para a decisão. É o core da decisão. Há, na decisão, também os obter dicta ou os gratis dicta, termos que significam, literalmente, o que foi dito para morrer (= para perder importância). Obter dicta têm função meramente persuasiva. A ratio decidendi equivale a rule.293
Assim, apenas o que constitui a ideia central de determinada decisão
deverá ser considerada a ratio decidendi e respeitada em casos futuros. Aquilo que
não for relevante para o resultado do julgamento é considerado assunto marginal
(obter dicta) e, como tal, não vincula julgamentos futuros294.
Diferentemente do que ocorre na doutrina do stare decisis, as súmulas
vinculam com base nos enunciados editados (gerais e abstratos) e não pelos
fundamentos das decisões proferidas pelos tribunais.
292
CAMARGO, Júlia Schledorn de. A influência da súmula persuasiva e vinculante dos tribunais superiores brasileiros na arbitragem. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito)-Pontíficia Universidade Católica da São Paulo. São Paulo, SP, 2013. p.110. 293
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do Direito. Direito Jurisprudencial, p. 43-44. 294
“The ratio decidendi of a case is any rule of law expressaly or implyedly treated by the judge as a necessary step in reaching his conclusion having regard to the line of reasoning adopted by him, or a necessary part of his direction to the jury”. CROSS, Rupert. Precedent in english law. 3. ed. Oxford: Clarendon Press, 1977. p. 76.
129
Ainda, sobre os precedentes vinculantes no common law, é importante
destacar que não são, necessariamente, considerados imutáveis. Havendo qualquer
razão para que determinado precedente seja superado, não há impedimento para
que assim se faça. Trata-se de técnica denominada de overruling, que, a propósito,
significa “[...] superação de determinado entendimento jurisprudencial mediante a
fixação de outra orientação”295.
Da mesma maneira, diante de um caso concreto, caso o juiz entenda que
o precedente não é aplicável à situação que está sendo julgada (ante as
peculiaridades eventualmente apresentadas), poderá deixar de aplicá-lo. Trata-se
de técnica denominada de distinguishing, assim explicitada por Rodolfo de Camargo
Mancuso296:
Mesmo nos precedentes efetivamente vinculativos (binding, authoritatives precedents), pode dar-se que, presentes certas condições, o julgador decline de aplicá-los, demonstrando a excepcionalidade ou a singularidade da espécie sub judice, assim destacando os pontos que distanciam o caso concreto do indigitado paradigma e assim desaconselham ou mesmo impedem a subsunção (técnica do distinguishing).
No Brasil, as súmulas também podem ser revistas ou mesmo canceladas.
Especificamente com relação às súmulas vinculantes, dispõe o art. 2º da Lei n.
11.417/2006 que:
O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.
O RISTF também prevê a possibilidade de revisão ou cancelamento de
súmula, conforme disposto no art. 102, §1º, litteris: “A inclusão de enunciados na
Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, serão deliberados pelo
Plenário, por maioria absoluta”.
295
MENDES, Gilmar Ferreira. Ação declaratória de constitucionalidade: a inovação da Emenda Constitucional n. 3, de 1993. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. Brasília, v. 1, n. 4, p. 98-136, jul./set. 1993. p. 57. 296
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, p. 209.
130
Da mesma forma sucede com as súmulas do STJ. De acordo com
Regimento Interno desta Corte Superior: “qualquer dos Ministros poderá propor, em
novos feitos, a revisão da jurisprudência compendiada em súmula, sobrestando-se o
julgamento, se necessário”297. E, ainda: “A alteração ou cancelamento do enunciado
da súmula serão deliberados na Corte Especial ou nas Seções, conforme o caso,
por maioria absoluta dos seus membros, com a presença de, no mínimo, dois terços
de seus componentes”298.
Assim como ocorre no sistema de common law, no Brasil, as súmulas
poderão ser revistas pelos respectivos tribunais e inclusive canceladas, caso haja
fundamento para tanto (hipótese semelhante ao overruling). Do mesmo modo, se o
juiz entender que a súmula não é aplicável a determinado caso concreto, poderá
deixar de utilizá-la desde que fundamente a sua decisão e aponte a peculiaridade do
caso concreto que resultou no afastamento da súmula (hipótese semelhante ao
distinguishing).
Questão relevante refere à hipótese de cancelamento de eventual súmula
que tenha servido de fundamento legal para o ajuizamento de uma ação rescisória
(em trâmite concomitante com o cancelamento da súmula). É assunto a ser
abordado no próximo capítulo.
297
Cf. §1º do art. 125 do Regimento Interno do STJ. 298
Cf. §3º do art. 125 do Regimento Interno do STJ.
131
CAPÍTULO 3 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE
E PERSUASIVA: QUESTÕES (POLÊMICAS) RELACIONADAS AO TEMA
3.1 CABIMENTO
Há tempo, a Suprema Corte consolidara entendimento de que a violação
de súmula não poderia ser fundamento para ajuizamento da ação rescisória, uma
vez que não haveria previsão legal neste sentido299.
No início do ano de 2013, precisamente em 26 de abril, referido Tribunal
proferiu decisão em que o entendimento foi, justamente, a impossibilidade de
cabimento de ação rescisória quando houvesse violação de súmula vinculante. Na
oportunidade, do voto foram colacionados alguns precedentes neste sentido300.
299
“Previdenciário. Processo Civil. Ação Rescisória. Alegação de violação à súmula. Impossibilidade. A alegação de contrariedade a Súmula é incabível em sede de ação rescisória fundada em violação à literal dispositivo de lei. Recurso Especial conhecido e provido”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 278879/SC, 6ª Turma. Relator Min. Vicente Leal. Brasília, DF. Publicação DJ 13.08.2011. E também: “Processo civil. Ação rescisória. Art. 485, V do CPC. Decadência inexistente. Improcedência. Inexistindo inércia do autor, não se configura a decadência quando a citação, na rescisória, não foi efetivada dentro do prazo legal (súmula 106 STJ). A pretensa violação de Súmula de Tribunal Superior não constitui motivação justificadora da rescisória, que só tem cabimento quando há, na decisão rescindenda, ofensa a literal disposição de lei”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AR 433-1/SP, 1ª Seção. Relator Min. Demócrito Reinaldo. Brasília, DF. Julgamento 31.10.1995. 300
“[...] 1. Em observância ao instituto da coisa julgada e, por conseguinte, ao princípio da segurança jurídica, que se refere à busca da necessária estabilidade das relações jurídicas, o autor da ação rescisória deve demonstrar erro de extrema gravidade no acórdão rescindendo, hábil a desconstituí-lo. 2. Não obstante a referência a dispositivos do Código de Processo Civil que, frise-se, não guardam relação com a matéria decidida, a ação rescisória funda-se no argumento de que o acórdão rescindendo – ao assentar que a prova da insinceridade no pedido de retomada do imóvel deve ser cabal e robusta, sendo insuficientes meras alegações ou conjecturas – violou a Súmula 7⁄STJ, porquanto teria reexaminado a matéria fática. 3. Ocorre que eventual violação à referida síntese da jurisprudência qualificada do Superior Tribunal de Justiça não dá ensejo a ação rescisória, por se relacionar à regra técnica de admissibilidade do recurso especial que, por sua vez, visa impedir o reexame do conjunto probatório naquela via recursal. 4. A ação rescisória não se presta para simples rediscussão da causa. Em outras palavras, não tem por finalidade, diante de mero inconformismo da parte, rever alegado equívoco quanto à adoção de orientação jurisprudencial relacionada à admissibilidade de recurso especial. 5. Pedido julgado improcedente. (AR nº 1.027⁄SP, Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 6⁄8⁄2007).[...] 4 - Outrossim, pretensa violação de Súmula de Tribunal Superior não constitui motivação justificadora da rescisória, que só tem cabimento quando há, na decisão rescindenda, ofensa à literal disposição de lei. Violação ao art. 485, do Código de Processo Civil reconhecida. Precedentes do STF. (AR 1.212⁄RJ, 1.049⁄GO e 1.197⁄SP) e desta Corte (AR 433⁄SP).
132
O reconhecimento de falta de previsão legislativa para o ajuizamento da ação rescisória sob o argumento de violação de súmula é medida que está em sintonia com a jurisprudência dessa Corte, não se tratando, portanto, de decisão que de modo flagrante e inequívoco fere texto literal de lei.301
O mesmo assunto já havia sido objeto de análise no STF que, por sua
vez, manifestou-se também em sentido contrário quanto à possibilidade de
ajuizamento de ação rescisória, com fundamento em violação de súmula302.
Ambos os julgamentos foram pautados no argumento de que a hipótese
não encontra previsão legal no ordenamento jurídico, ou seja, a violação de súmula
não está prevista em nenhuma das hipóteses do art. 485 do CPC, impossibilitando o
seu ajuizamento303.
Recentemente, contudo, a 4ª Turma do STJ, no julgamento de Recurso
Especial n. 1.163.267/RS (2009/0206097-0) 304 , reconheceu a possibilidade de
ajuizamento de ação rescisória, tendo como fundamento justamente a violação da
súmula.
Trata-se de um caso em que o juiz singular havia entendido “estarem os
fundos de previdência privada fechada obrigados a restituir a seus associados
apenas e exclusivamente o que de seus estatutos e regulamentos se encontrar
5 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão de origem, julgar improcedente a ação rescisória, invertendo-se o ônus da sucumbência já fixados. (REsp nº 154.924⁄DF, Ministro Jorge Scartezzini, DJ 29⁄10⁄2001). [Grifo nosso]”. 301
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Rescisória 4112-SC (2008/0248523-4), Terceira Seção. Relator Min. Marco Aurélio Bellizze. Julgamento 28.11.2012. Voto Min. Rel. Marco Aurélio Bellizze, Brasília, DF. Publicação 26.04.2013. 302
“Ação Rescisória. Registro ‘torrens’. O prazo de decadência só começa a fluir do transito em julgado dos embargos de divergência que versarem a matéria atacada na ação rescisória, ainda quando literal do artigo 75 e parágrafo1º do Decreto 451-B, de 1980, e do artigo 281 do Decreto 4857/39. Contrariedade a súmula 279 do STF não é fundamento para a propositura de ação rescisória com base no inciso V do artigo 485 do CPC. Ação rescisória que se julga improcedente”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno, Ação Rescisória nº 1049/GO. Relator Min. Moreira Alves. Brasília, DF. Julgamento 09.02.1983. 303
Se os Tribunais afastam a possibilidade de ação fundamento por violação de súmula vinculante, nem se cogita, obviamente, do ajuizamento da ação por violação de súmula persuasiva. 304
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1.163.267/RS (2009/0206097-0), 4ª Turma. Relator Min. Luis Felipe Salomão, votação unanime, pauta 19.09.2013. Brasília, DF. Publicação DJe 10.12.2013.
133
previsto”305. Anota-se que a referida sentença transitou em julgado em 22 de agosto
de 2005.
Diante da não observância da Súmula 289 do STJ306 , o sucumbente
ajuizou ação rescisória, que foi julgada improcedente pelo tribunal estadual, sob o
argumento de que mesmo que a decisão se tenha solidificado contrariamente à tese
do julgamento transitado em julgado, se à época dos fatos havia divergência no
tribunal, não seria viável o ajuizamento de ação rescisória.
Verificando-se que a decisão rescindenda pautou-se pela legalidade, em que pese tenha firmado posição contrária à atual jurisprudência acerca do alegado direito de receber o associado as diferenças da correção monetária plena, incidente sobre o resgate das contribuições vertidas ao plano, não há falar em literal violação a dispositivos legais a ensejar a desconstituição da autoridade da coisa julgada, com fundamento no art. 485, V, do CPC. Preliminares rejeitadas. Ação rescisória julgada improcedente.307
No caso concreto, no momento que ocorreu o julgamento da ação
(22.08.2005), o entendimento já havia sido consolidado pelo STJ, com edição de
súmula (ano de 2004).
Ao julgar o respectivo recurso especial, o STJ decidiu afastar a Súmula
343 do STJ e julgar procedente a ação rescisória. Para tanto, o Ministro Luis Felipe
Salomão consignou que o magistrado que proferiu a sentença, ao não observar o
enunciado, teria agido de modo “deliberado, recalcitrante e vaidoso, atentando
contra os valores fundamentais do Estado Democrático de Direito”308.
305
“Não obstante o dissídio jurisprudencial que grassa a respeito do tema, o que se reconhece, filio-me à corrente que entende estarem os fundos de previdência privada fechada obrigados a restituir a seus associados apenas e exclusivamente o que de seus estatutos e regulamentos se encontrar previsto. [...]”. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Rescisória nº 70021069703, Sexta Câmara Cível. Relator: Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura. Porto Alegre, RS. Julgamento 26/03/2009. 306
Súmula 289 STJ. “A restituição das parcelas pagas a plano de previdência privada deve ser objeto de correção plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda”. 307
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Rescisória nº 70021069703, Sexta Câmara Cível. Relator: Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura. Porto Alegre, RS. Julgamento 26/03/2009. 308
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA RESCINDENDA. JULGAMENTO CONTRÁRIO A ENTENDIMENTO SUMULADO NO STJ (SÚMULA Nº 289). DISSIDIO JURISPRUDENCIAL SUPERADO. SÚMULA 343 /STF. NÃO INCIDÊNCIA. SEGURANÇA JURÍDICA. UNIFORMIDADE E PREVISIBILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NECESSIDADE. [...]
134
Trata-se de decisão praticamente inédita (e que se entende correta) do
STJ, chamando a atenção principalmente pelo fato de tratar de violação de súmula
persuasiva e não vinculante.
Neste ponto, vale lembrar o que se sustentou na seção 2.4 do presente
trabalho, quando ficou consignado que a edição de súmula pelos tribunais
exterioriza a “interpretação jurídica mais correta” diante de uma situação específica.
Assim, qualquer decisão judicial posterior à edição do verbete e contrária ao seu
pronunciamento é ordem que viola norma jurídica e, como tal, deve ser
desconstituída.
Tendo em vista que o que pode ser violado pelo juiz para fins de
cabimento de ação rescisória é a “norma jurídica” e não exatamente a lei 309 ,
havendo violação de norma, é possível o ajuizamento de ação rescisória.
Pelas razões apresentadas no Capítulo 2, as súmulas – vinculantes e
persuasivas – são normas jurídicas gerais e abstratas, semelhantes (mas não
equivalentes) às leis.
Assim, decisão de mérito transitada em julgada posteriormente a
publicação de súmula (vinculante ou persuasiva) e contrária a ela poderá ser objeto
de rescisão, nos termos do inciso V do artigo 485 do CPC.
Importante destacar, neste momento, que ao contrário do que sustentam
alguns doutrinadores310, entendemos que, via de regra, a própria súmula servirá de
3. A Súmula nº 343/STF teve como escopo a estabilização da jurisprudência daquela Corte contra oscilações em sua composição, para que entendimentos firmados de forma majoritária não sofressem investidas de teses contrárias em maiorias episódicas, antes vencidas. Com essa providência, protege-se, a todas as luzes, a segurança jurídica em sua vertente judiciária, conferindo-se previsibilidade estabilidade aos enunciados da Corte. 4. Todavia, definitivamente, não constitui propósito do mencionado verbete a chancela da rebeldia judiciária. A solução oposta, a pretexto de não eternizar litígios, perpetuaria injustiças e, muito pelo contrário, depõe exatamente contra a segurança jurídica, por reverenciar uma prestação jurisdicional imprevisível, não isonômica e de baixa efetividade. [...]”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1.163.267/RS (2009/0206097-0), 4ª Turma do. Relator Min. Luis Felipe Salomão, votação unanime, pauta 19.09.2013. Brasília, DF. Publicação DJe 10.12.2013. 309
Conforme demonstrado na seção 1.6 deste trabalho. 310
“Ora, parece óbvio que ao ofender o enunciado de súmula não vinculante, terá o provimento judicial ofendido a própria norma jurídica cuja validade, interpretação ou eficácia tenha sido determinada pelo enunciado. Assim, não pode haver qualquer dúvida acerca da rescindibilidade do provimento judicial neste caso”. CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 57. No mesmo sentido Flavio Luiz Yarshell: “[...] mesmo que a súmula venha a se qualificar como vinculante (por
135
fundamento para o ajuizamento ação rescisória. Isso porque, como demonstrado no
Capítulo 02, a edição da súmula trata-se de atividade criativa do juiz que, diante de
uma determinada situação, apresenta a melhor solução jurídica para o caso. Essa
atividade interpretativa do juiz passa a integrar o sistema jurídico como norma
jurídica311.
Para melhor elucidar o que se afirma, é bem oportuno analisar a recente
Súmula vinculante n. 33 do STF, que determina a aplicação “ao servidor público, no
que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria
especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até
edição de lei complementar específica”.
Na hipótese de sentença de mérito proferida contrariamente ao verbete,
não parece adequado que o fundamento da rescisória seja o art. 40, §4º, inc. III, da
Constituição Federal e sim a própria Súmula n. 33, que incorpora uma efetiva
“novidade” ao ordenamento jurídico.
Da mesma forma, há a Súmula n. 393 do STJ, que considera admissível o
manejo de exceção de pré-executividade “na execução fiscal relativamente às
matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”.
Sabe-se que o instituto da exceção de pré-executividade consiste em uma
criação doutrinária, não estando prevista expressamente em nenhum diploma legal.
A doutrina anota que o primeiro a utilizar esse instrumento (pré-
executividade) foi Pontes de Miranda312, em 1966, quando teria sido convidado a
elaborar parecer acerca dos diversos pedidos de falência em detrimento da
exemplo, nos termos do art. 103-A da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 45 de 08.12.2004), ainda assim não haverá sentido em se falar em ação rescisória contra decisão que tiver violado a respectiva literalidade. O que caberá, eventualmente, é a ação rescisória pela violação à regra jurídica a propósito da qual tenha sido editada a súmula – o que parece coisa bastante diversa”. ( Ação rescisória juízos rescindente e rescisório, p. 324. 311
“Caso, entretanto, por qualquer razão, a súmula vinculante, a pretexto de interpretar um determinado dispositivo legal, criar uma norma que não encontra amparo em nenhum dispositivo legal, forçoso reconhecer que, nesse caso, deverá caber ação rescisória contra a sentença que transgredir essa súmula”. CRAMER, Ronaldo, Ação rescisória por violação de norma jurídica, p. 211. 312
Dez anos de pareceres. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. v. 4, p.125-139, apud MARTINS, Sandro Gilbert. A defesa do executado por meio das ações autônomas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 81.
136
Companhia Siderúrgica Mannesmann, fundamentados em títulos extrajudiciais
eivados de nulidade.
Trata-se de verdadeira criação que, se violada em decisão de mérito com
trânsito em julgado, poderá (ela própria) servir como fundamento para o ajuizamento
da ação rescisória.
De outro lado, há situações em que a súmula se limita a repetir o que já
se encontra previsto no texto da lei. Nesta hipótese, em última análise, sequer
haveria necessidade da edição do verbete, de modo que a sua não observância
viola o texto legal e não a súmula propriamente dita.
É o que ocorre com a Súmula n. 365 do STF313, que dispõe sobre a
ilegitimidade da pessoa jurídica para propor ação popular. O artigo 1º da Lei de Ação
Popular314, contudo, é expresso quanto à legitimidade do cidadão para utilização da
medida.
Nesses casos, sim, a não observância da súmula, na realidade, terá
violado o próprio dispositivo de lei, devendo a rescisória ser ajuizada com
fundamento na violação literal daquilo que se encontra previsto no art. 1º da Lei n.
4.717/1965.
Conclui-se, portanto, que há situações em que as súmulas não decorrem
da mera interpretação ou da subsunção do caso a um único texto legal.
Os exemplos utilizados aqui corroboram esta assertiva e demonstram que
as súmulas podem possuir vida própria, sendo praticamente normas jurídicas
autônomas, demasiadamente próximas do texto elaborado pelo Poder Legislativo.
313
Súmula 365 do STF. “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular”. 314
“Art. 1º. Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.”
137
Em outras situações, contudo, verifica-se que o verbete praticamente
repete o que já “disse” o legislador, como no caso da Súmula n. 365 do STF,
mencionada anteriormente, não se podendo afirmar que os verbetes possuem vida
própria. Havendo revogação da Lei n. 4.717/1965 ou, apenas, do seu art. 1º, a citada
súmula não deve subsistir.
Afirmar, portanto, que as súmulas sempre são “acessórias” do texto legal
ou, ao contrário, que, uma vez editadas, são normas jurídicas autônomas, parece
generalizar aquilo que não pode ser generalizado. É um erro concluir
exclusivamente de uma ou de outra forma. A análise da situação concreta é medida
necessária para concluir em um ou outro sentido.
Esse entendimento está em plena sintonia com aquilo que dispõe o art. 5º
da Lei n. 11.417/2006315, na medida em que determina a revisão ou o cancelamento
da súmula, conforme o caso concreto, diante da revogação ou modificação da lei em
que se fundou o verbete.
A análise se assemelha àquela que deve ser feita para saber se a ação
rescisória deverá ser ajuizada com fundamento no texto legal ou, ao contrário disso,
com fundamento na violação da própria súmula.
3.1.1 Desconstituição da coisa julgada constituída anteriormente e
contrariamente à publicação da súmula
Questão interessante que ora se coloca alude à possibilidade de
ajuizamento de ação rescisória para desconstituir coisa julgada material formada
anteriormente – e contrariamente – à publicação da súmula. Há tempo, a questão é
objeto de análise pelo próprio STF.
315
“Art. 5º. Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.”
138
No passado, o entendimento majoritário era no sentido de afastar a
possibilidade de utilização da ação rescisória para rescindir decisão proferida
contrária a orientação fixada pela Corte Suprema, desde que a sentença fosse
anterior à publicação do entendimento solidificado.
Se em todos os casos de interpretação da lei, por prevalecer aquela que nos pareça menos correta, houvermos de julgar procedente ação rescisória, teremos acrescentado ao mecanismo geral dos recursos um recurso ordinário com prazo de cinco anos na maioria dos casos decididos pela Justiça. A má interpretação que justifica o ‘judicium rescindens’ há de ser de tal modo aberrante que equivalha à sua violação literal. A Justiça nem sempre observa, na prática quotidiana, esse salutar princípio, que, entretanto, devemos defender, em prol da estabilidade das decisões judiciais.316
Com base nesse entendimento, em dezembro de 1963, foi editada a
Súmula n. 343, segunda a qual “não cabe ação rescisória por ofensa a literal
dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de
interpretação controvertida nos tribunais”.
Após a edição do verbete, contudo, o tribunal passou a manifestar-se pela
inaplicabilidade da retrocitada súmula para os casos em que a decisão rescindenda
tivesse sido fundamentada em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo
STF 317 , ou seja, proferida sentença com fundamento em lei posteriormente
declarada inconstitucional, incabível seria a aplicação da Súmula n. 343.
Ivo Dantas318 interpreta:
316
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário 50.046. Relator Ministro Victor Nunes Leal. Brasília, DF. Julgamento 5/04/1963. No mesmo sentido: “Nos termos do parecer da Douta Procuradoria Geral, eu nego provimento ao recurso de agravo e mantenho a decisão agravada do eminente Ministro Afrânio Costa, pelos seus próprios fundamentos: a decisão recorrida não ofendeu a lei, cujos textos interpretou e aplicou como melhor lhe pareceu, nem contrariou jurisprudência específica. O recurso extraordinário não se destina à discussão de teses acadêmicas.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de instrumento 30.500. Relator Ministro Pedro Chaves. Brasília, DF. Julgamento 21/11/1963. 317
“A cuidadosa análise dos julgados, dos quais resultou o entendimento no sentido da inaplicabilidade da Súmula 343 a textos constitucionais de interpretação controvertida, demonstra que a sua ratio não é genérica, mas sim específica para os casos em que a sentença rescindenda considerou a lei constitucional, vindo posteriormente o Supremo Tribunal Federal a declarar sua inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes”. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação rescisória e divergência de interpretação em matéria constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, outubro 1996. p. 50. 318
DANTAS, Ivo. Da coisa julgada inconstitucional (Novas e Breves Notas). Revista do TRT da 15ª Região. Campinas, n. 25, RTJ 101/209, 2004.
139
Em verdade, a hipótese é simples. Pretende a recorrente rescindir um acórdão que aplicou dispositivo legal posteriormente declarado inconstitucional. Ora, segundo nos parece, a lei inconstitucional não produz efeito e nem gera direito, desde o início. Assim sendo, perfeitamente comportável a ação rescisória.
O entendimento mostra-se absolutamente coerente. Se a decisão
transitada em julgado está fundamentada em lei, que na realidade não é lei porque é
inconstitucional, a decisão é inexistente. Como rescindir algo inexistente? Nesse
sentido, dizem Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina319:
Segundo o que nos parece, seria rigorosamente desnecessária a propositura de ação rescisória, já que a decisão que seria alvo de impugnação seria juridicamente inexistente, pois que baseada em lei que não é lei (‘lei inexistente’).
O ajuizamento de uma ação declaratória de inexistência é suficiente para
solver a questão320. A esse respeito, ensina Teresa Arruda Alvim Wambier321:
Acertada é a opinião segundo a qual o meio adequado para retirar definitivamente do mundo jurídico as sentenças inexistentes é o da ação declaratória, que, no caso, é imprescritível. Diz-se, quase unanimemente na doutrina, que as ações declaratórias são imprescritíveis. Isto se justifica porque a finalidade das ações declaratórias é a de suprimir, do universo jurídico, uma determinada incerteza jurídica. Segue-se daí que, enquanto existir ou subsistir, e precisamente porque está presente uma determinada incerteza jurídica, não há lugar para a prescrição da ação declaratória, cujo objetivo é precipuamente o de por fim a essa incerteza.
Ocorre que, com o tempo, o STF passou a afastar a Súmula n. 343
também para as hipóteses em que a decisão rescindenda estivesse em desacordo
com orientação emanada pela Corte Suprema, independentemente de ter sido
fixada antes ou depois do trânsito em julgado da decisão que se pretende
rescindir322.
319
MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipótese de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 43
321 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, p. 475. Importante
mencionar que, de acordo com a autora, “diante da intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial que cerca o tema, deve-se aplicar à hipótese o princípio da fungibilidade” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, p. 476 322
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. EREsp 687.903/RS, Corte Especial, Rel. Min. Ari Pargendler. Brasília, DF. Julgamento 04.11.2009, Publicação DJe 19.11.2009; BRASIL. Supremo Tribunal Federal. EREsp 608.122/RJ, 1ª Seção. Rel. Min. Teori Zavascki. Brasília, DF. Julgamento 09.05.2007. Publicação DJe 28.05.2007.
140
Ampliou-se, portanto, a inaplicabilidade da Súmula n. 343 não apenas
quando diante de declaração de inconstitucionalidade da lei, mas também para a
hipótese de análise da constitucionalidade das próprias decisões judiciais323.
Assim, basta que a decisão transitada em julgado esteja em desacordo
com entendimento consolidado pelo STF, em matéria constitucional, para ser cabível
a ação rescisória e, frise-se, mesmo que a decisão rescindenda tenha transitado em
julgado antes da fixação do novo entendimento.
A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Cabe rescisória por ofensa a literal disposição de constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal.324
Referido entendimento visa assegurar a eficácia das decisões
sedimentadas pelo STF, guardião da Constituição Federal. Assim, ainda que a
interpretação fosse controvertida em juízos inferiores no instante da prolação da
sentença, a partir do momento que houve sedimentação de entendimento pelo órgão
máximo do Poder Judiciário, todas as decisões (inclusive as pretéritas) devem estar
de acordo com a orientação fixada. 323
“É conveniente advertir que a eficácia retroativa da decisão de inconstitucionalidade não diz respeito ao controle de constitucionalidade das decisões judiciais, mas apenas e tão somente ao controle de constitucionalidade das leis. Embora isso em princípio seja evidente, a tese da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada muitas vezes esquece que nesta hipótese se está diante do controle da constitucionalidade das decisões judiciais”. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 25. 324
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE-ED 328812, 2ª Turma. Relator Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF. Publicação DJ 02.05.2008. Em seu voto, o Min. Gilmar Mendes assim consignou: “De fato, negar a via da ação rescisória para fins de fazer valer a interpretação do Supremo importa, a rigor, em admitir uma violação muito mais grave à ordem normativa. Sim, pois aqui a afronta se dirige a uma interpretação que pode ser tomada como a própria interpretação constitucional realizada. Nesse ponto, penso, também, que a rescisória adquire uma feição que melhor realiza o princípio da isonomia. Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema. Isso não é, certamente, algo equiparável a uma interpretação divergente da legislação infraconstitucional”. No mesmo sentido: “Ação Rescisória. Matéria Constitucional. Inaplicabilidade de Súmula 343 quando a norma violada for constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343 em matéria constitucional, sob pena de infringência à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Precedente do Plenário. Agravo Regimental a que se nega seguimento”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma, AReg no AI nº 555.806/MG. Relator Min. Eros Grau. Brasília, DF. Julgamento 01.04.2008.
141
O Ministro Gilmar Mendes, ao proferir o seu voto, destacou a necessidade
de se diferenciar uma decisão que viola norma constitucional e outra que viola
norma infraconstitucional. De acordo com o Ministro, em razão da diferença de
“gravidade” de se violar norma constitucional, deve-se permitir a rescisão da
decisão, ainda que transitada em julgado anteriormente à uniformização do
entendimento325.
No mesmo sentido do voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes, vale a
transcrição do entendimento do Min. Menezes Direito, sobre o tema.
De fato, se admitirmos que, no período da ação rescisória, houve uma modificação ou, como diz o Ministro Marco Aurélio, uma evolução da jurisprudência constitucional com relação a assentar determinada interpretação da norma constitucional, nada mais razoável do que se admitir a ação rescisória porque, na realidade, o que se está fazendo com a admissão da ação rescisória é especificamente fortalecer a jurisprudência constitucional da Suprema Corte do país.326
A questão também chegou ao STJ, ou seja, provocou-se a análise da
possibilidade de utilização de ação rescisória para desconstituir coisa julgada
material que estivesse em desacordo, em matéria infraconstitucional, com decisão
fixada pela Corte. Não houve, ainda, entendimento consolidado com relação a tal
questão. Mesmo nos dias atuais é possível identificar julgamentos afastando e
outros aplicando a Súmula n. 343.
Desde já é importante destacar que não é sustentável o argumento de
aplicação da Súmula 343 exclusivamente aos casos em que a controvérsia se situa
na interpretação da legislação infraconstitucional, devendo ser afastado para os
casos em que a divergência está no âmbito constitucional.
325
Sobre a possibilidade de se adotar entendimento diferente para decisões que violam coisa julgada constitucional e infraconstitucional, estamos de acordo com o entendimento exteriorizado por Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart, que assim se manifestam: “[...] é irrelevante a categoria da regra jurídica em discussão (se é constitucional ou infraconstitucional), razão pela qual é incorreto admitir ação rescisória no caso em que o Supremo Tribunal Federal conferiu à regra constitucional interpretação divergente daquela que lhe foi dada pela sentença que se pretende rescindir. De outro modo, estar-se-ia legitimando evidente paradoxo no sistema hermenêutico nacional, em que o ordenamento pátrio autorizaria mais de uma interpretação adequada e aceitável aos textos normativos infraconstitucionais, mas não faria o mesmo com os preceitos constitucionais, para os quais somente uma interpretação seria correta e, por consequência, válida.” (Processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 666). 326
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE-ED n. 328812, 2ª Turma. voto proferido pelo Min. Menezes Direito. Brasília, DF. Publicação. DJ 02.05.2008.
142
Neste aspecto, a lição de Luiz Guilherme Marinoni327 é precisa:
Não há qualquer razão para se supor que a interpretação constitucional seja diversa da interpretação infraconstitucional no que tange aos seus resultados. A necessidade de coerência impõe essa observação: ou há interpretação “correta” da Constituição e da legislação infraconstitucional – porque, ao fim e ao cabo, tem-se aí sempre um interpretar -, ou não há possibilidade de uma única interpretação correta em qualquer desses planos normativos. Sustentar-se a necessidade de interpretação razoável no plano infraconstitucional constitui evidente contradictio in terminis, porque o ato de interpretar é um só no que tange à compreensão de normas jurídicas.
Sustentou-se em linhas anteriores, que há situações em que a atividade
interpretativa do juiz transcende à mera aplicação lógica-dedutiva do texto legal.
Nestas hipóteses os juízes interpretam o texto dando margem, contudo, a
interpretações divergentes. Essa situação ocorre tanto na âmbito constitucional
como infraconstitucional, não havendo razão para tratamentos dispares.
Somente a partir do momento que o Tribunal (no caso, STF ou mesmo
STJ) fixa o entendimento é que aquela passa a ser a melhor interpretação, devendo,
a partir desse momento, ser seguida pelos órgãos hierarquicamente inferiores.
Ainda, não há fundamento, portanto, que sustente a possibilidade do STF
(ou STJ) desconstituir decisão transitada em julgada se, à época em que proferida,
havia divergência nos tribunais acerca do tema. É o que sustenta Luis Guilherme
Marinoni328:
A aceitação da retroatividade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre as decisões proferidas pelos tribunais significa colocar a coisa julgada sob condição ou em estado de provisoriedade, o que é absolutamente incompatível com o conceito e com a razão de ser da coisa julgada. Ora, este estado de indefinição nega o fundamento de que está à base da coisa julgada material, isto é, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. Aliás, a coisa julgada não é apenas condição para a
327
Coisa julgada inconstitucional, p. 96 328
Coisa julgada inconstitucional, p. 105. Sustenta, ainda, o autor que “a circunstância de uma questão constitucional chegar ao Supremo Tribunal Federal após o transito em julgado de decisões sobre a mesma questão certamente não é motivo para a admissão da retroatividade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada. As decisões que transitarem em julgado, tratando da questão constitucional posteriormente interpretada de outra maneira pelo Supremo Tribunal Federal, expressam um juízo legítimo sobre a constitucionalidade” Coisa julgada inconstitucional, p. 104
143
proteção destes princípios, como também necessidade indispensável para a existência de discurso jurídico e, portanto, de proteção jurisdicional
Ao longo do Capítulo 01 do presente estudo, mais especificamente na
Seção 1.6, demonstrou-se que não é qualquer violação a lei (ou norma jurídica) que
possa servir de fundamento para ajuizamento de ação rescisória com base no inciso
V do art. 485 do CPC.
Há necessidade que referida violação seja literal, ou seja, ainda que a
violação não ocorra a norma jurídica, precisa ser flagrante, inequívoca, evidente. Se
á época em que proferida a decisão havia divergência quanto a correta interpretação
do texto legal, não há como sustentar que eventual decisão proferida contrariamente
ao entendimento fixado posteriormente pelos tribunais violou literalmente a norma.
Nesse sentido, alguns julgamos proferidos pelo STJ
A violação de literal disposição de lei que autoriza o ajuizamento de ação rescisória é aquela que enseja flagrante transgressão do ‘direto em tese’, porquanto essa medida excepcional não se presta simplesmente para corrigir eventual injustiça do decisum rescindendo, sequer para abrir nova instância recursal, visando o reexame das provas. Com efeito, na interpretação do art. 485, V, do Código de Processo Civil, que prevê a rescisão de sentença que ‘violar literal disposição de lei’, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento segundo o qual não constitui violação literal da lei, para esse efeito, a que decorre de sua interpretação razoável, de um de seus sentidos possíveis, se mais de um for admitido. A ofensa, portanto, tem de ser especialmente qualificada [...]. Ora, se é certo que ‘não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais’ (Súmula 343/STF), com maior razão não é ela cabível quando há perfeita harmonia entre a decisão rescindenda e a jurisprudência pacificada do Tribunal.329
Trata-se de privilegiar a segurança jurídica, consequência da decisão de
mérito transitada em julgado. Além disso, quando o tribunal depara com
entendimentos divergentes acerca de um mesmo fato, salvo situações absurdas, é
329
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AR 3.991/RJ. Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília, DF. Julgamento 27/06/2012. No mesmo sentido: “Após o transito em julgado a lei beneficia a segurança jurídica em lugar da justiça. O fato de a matéria ser controvertida afasta a possibilidade de violação de ‘literal dispositivo de lei’ (art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil), ainda que a jurisprudência tenha-se firmado de acordo com a pretensão da parte”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Seção, Agravo Regimental na ação rescisória nº 3213/AL. Rel. Min. Humberto Martins. Brasília, DF. Julgamento 11.10.2006.
144
porque, naquele momento, ambas as interpretações eram razoáveis. Somente após
a consolidação do entendimento (com edição de súmula, por exemplo) é que aquela
passa ser a melhor interpretação possível, devendo ser seguida por todos.
Como já antecipado, contudo, referido entendimento não é unânime e tem
sofrido alguns temperamentos e há algum tempo é possível encontrar no próprio
STJ julgamentos que afastam a aplicação da Súmula n. 343 do STF, também em
matéria infraconstitucional.
Embora tenha a seu favor o argumento da segurança jurídica, é difícil justificar, após a Constituição de 1988, a manutenção dessa súmula. Ao criar o STJ e lhe dar a função essencial de guardião da legislação federal (e, portanto, de seu intérprete oficial), a Constituição impôs ao Tribunal o dever de manter a integridade do sistema normativo, a uniformidade de sua interpretação e a isonomia na sua aplicação. Deu-lhe, também, como missão específica, a de dirimir as divergências dos tribunais locais na interpretação da lei federal, criando, para isso, até mesmo uma específica hipótese de cabimento de recurso especial (CF, art. 105, III, c). Portanto, a partir de 1988, criou-se no País um tribunal superior com a função (importante para a manutenção do princípio da isonomia e do próprio princípio federativo) de uniformização da jurisprudência, bem como a função, que se poderia chamar nomofilácica (entendida a nomofilaquia no sentido que lhe atribuiu Calamandrei), destinada a aclarar e integrar o sistema normativo, propiciando-lhe uma aplicação uniforme, funções essas com finalidades ‘que se entrelaçam e se iluminam
reciprocamente’. 330
Assim como ocorre nos tribunais, a doutrina não mostra unanimidade com
relação ao tema.
Teresa Arruda Alvim Wambier, por exemplo, seguida por outros
doutrinadores, entende que “admitir que sobreviva decisão que consagrou
interpretação hoje considerada, pacificamente, incorreta pelo Judiciário é prestigiar o
acaso” 331 , além disso, viola os princípios constitucionais da igualdade e da
legalidade.
330
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n.º 1.063.310 – BA, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki. Brasília, DF. Julgamento 7/08/2008. No mesmo sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1.026.234/DF, 1ª Turma. Rel. Ministro Teori Albino Zavascki. Brasília, DF. Publicação DJe 11.06.2008. 331
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sobre a Súmula 343. Revista de Processo. São Paulo, RT, v. 86, abril 1997. p. 148. No mesmo sentido, ver: TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 162-168.
145
De outro lado, Alexandre de Freitas Câmara332, por exemplo, sustenta
que:
A interpretação da norma jurídica pode ser divergente, e nada há de equivocado nisso. Afinal, a interpretação varia conforme o intérprete, que jamais é neutro em sua exegese. [...] Deste modo, é de se afirmar que qualquer interpretação razoável da norma jurídica é compatível com a norma interpretada e, por isso, não a ofende. Por tal razão não se pode rescindir um provimento judicial pelo simples fato de se ter baseado em uma das diversas possíveis interpretações da mesma norma jurídica.
Logo se vê que o cerne da questão está no conflito existente entre, de um
lado, a segurança jurídica (advinda com a coisa julgada material) e, de outro, a
isonomia e a “justiça” da decisão.
Ao longo deste estudo, firmamos o entendimento de que inexiste no
ordenamento jurídico uma única resposta correta para a interpretação da norma,
como entendia Ronaldo Dworkin. Assim, quando consolidado um entendimento
emanado pelos tribunais superiores, logo passa a ser a melhor interpretação para o
caso específico, devendo, a partir de então, ser observado pelos demais órgãos do
Poder Judiciário.
Se, ao tempo em que foi prolatada a decisão rescindenda, era controvertida a interpretação do texto legal por ela aplicado, não se configura a violação literal de dispositivo de lei, para justificar a sua rescisão – art. 485, V, do CPC – ainda que a jurisprudência do STF venha, posteriormente, fixar-se em sentido contrário.333
Até que o entendimento esteja consolidado, portanto, as possíveis
interpretações – salvo em casos absurdos – são possíveis (e corretas), ainda que no
momento da consolidação pelo tribunal possam ser constatadas verdadeiras
injustiças na vida real.
De fato, não é confortável admitir que situações idênticas possam ter
julgamentos absolutamente díspares, mas, por outro lado, tal desconforto não é
332
CAMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória, p. 86. O mesmo entendimento é seguido por Luiz Guilherme Marinoni (Coisa julgada inconstitucional, p. 96) e também THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil.. v. 1. p. 739. 333
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Rescisória nº 70000056978, 1º Grupo de Câmaras Cíveis, Relator: Francisco José Moesch, Porto Alegre, RS. Julgamento 15/09/2000, RTJ 91/312.
146
suficiente para “passar por cima” da “segurança jurídica” advinda com a coisa
julgada.
Para os processualistas Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade
Nery334:
A sentença de mérito transitada em julgado que seja injusta faz, inexoravelmente, coisa julgada material, sendo insuscetível de impugnação por ação rescisória, por mais grave que possa ter sido a injustiça. Isso porque, sendo a ação rescisória meio excepcional de impugnação das decisões judiciais de mérito transitadas em julgado, e levando-se em consideração o preceito hermenêutico de que as hipóteses de exceção, isto é, de cabimento da rescisória previstas em lei, devem ser interpretadas de maneira estrita, doutrina e jurisprudência têm entendido corretamente não ser possível rescindir-se essa sentença sob o fundamento de sua injustiça.
Admitir que as decisões passadas em julgado pudessem sempre ser
objeto de rescisão – na hipótese de edição de súmula contrária a sentença (lato
sensu) – é deixar extremamente frágil um instituto que visa justamente transmitir
“segurança” aos jurisdicionados.335
Nesse contexto, pode-se afirmar, portanto, que a edição de súmula não
deve retroagir de modo a possibilitar rescisão de decisões que, à época em que
foram proferidas, consignavam interpretação razoável (e correta) do nosso
ordenamento jurídico336.
334
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 10. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 688. Entendimentos diametralmente opostos, todavia, merecem ser respeitados: “Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE-ED nº 328812, 2ª Turma, voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF. Publicação DJ 02.05.2008. 335
“Note-se que tal raciocínio leva à conclusão de que uma decisão que produz coisa julgada material, e é legitimamente proferida pelo juiz, não gera qualquer proteção à confiança nele depositada. Em sentido inverso, caso se suponha que a parte, por ter uma decisão que produz efeitos desde logo, não precisa se preocupar com eventual ulterior de Supremo Tribunal Federal, estar-se-á colocando o jurisdicionado na posição de alguém que pode ser legitimamente surpreendido depois te ter obtido decisão jurisdicional favorável transitada em julgado. Ora, não é preciso dizer que isto viola, de forma escancarada, a segurança jurídica, princípio concretizador do Estado de Direito.” MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional, p. 108-109. 336
“O precedente deve ser obviamente aplicado para o futuro – e todas as decisões que o violam devem ser reformadas ou rescindidas pelas vias adequadas. Não deve, contudo, ser aplicado de forma retroativa, cuja aplicação pressupõe equivocadamente a existência de um sentido intrínseco e unívoco da legislação e acarreta evidente violação à segurança jurídica. [...] Trata-se de proteção
147
Em rigor, a partir do momento em que o tribunal escolhe uma entre as
possíveis interpretações, a orientação passa a ser a mais correta e, desta feita,
deverá ser observada por todos. A sua não observância, portanto, possibilitaria o
ajuizamento de ação rescisória.
Assim é que, à luz do ordenamento jurídico, até a publicação da Súmula
vinculante n. 12 do STF, a interpretação de que a cobrança de taxa de matrícula em
universidades públicas não violava a Constituição Federal era o entendimento
razoável (e correto!).
Aqueles que sustentam a retroatividade do verbete sumular argumentam
que:
[...] enunciado não é norma legal: sua edição obedece ao intento de pacificação da jurisprudência, traduzindo-se na cristalização de um dentre os entendimentos aplicáveis à solução de determinada controvérsia. Trata-se, portanto, de simples diretriz jurisprudencial, sem atributo de criação do direito. Vale dizer, o entendimento consubstanciado no enunciado preexiste e inspira edição deste, não havendo que se cogitar de retroatividade infringente de situações juridicamente consolidadas.337
No Capítulo 02, sustentou-se que a afirmação de que a súmula não cria
normas jurídicas, mas apenas interpreta texto legal precisa ser afastada. Nem
sempre se pode asseverar que é simples subsunção da situação fática ao texto,
tampouco, que se trata de mera estratificação do sentido único do texto legal.
objetiva, que depende tão somente da formação da coisa julgada em momento anterior à pacificação da interpretação judicial pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça. A igualdade realiza-se aí pelo tratamento isonômico deferido a todos que se encontram na mesma situação: aqueles que contam com a proteção da coisa julgada, têm suas esferas jurídicas protegidas contra o precedente superveniente; aqueles que não contam com a proteção da coisa julgada, ficam sujeitos à força do precedente;” MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas – Do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 114. 337
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho, 2ª região, RO 02970302084, Ac. nº 02980351797, 8ª Turma. Relatora Juíza Wilma Nogueira de Araujo Vaz da Silva. São Paulo, SP. Julgamento 22.06.1998. Publicação DOESP, PJ, TRT 2ª Região, 21.07.1998. No mesmo sentido, ainda: “Em se tratando de jurisprudência cristalizada, não há aplicação do art. 6º da LICC, pois, não ostentando a qualidade de lei, impossível falar-se em irretroatividade de sua aplicação. Considerando que os enunciados de súmula na mais representam do que a cristalização da jurisprudência que há muito vem se verificando nas decisões pretorianas, impossível requerer a aplicação de determinada súmula ao momento de sua edição”. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho, 10ª Região, RO 899/2004, 1ª Turma, Relatora Juíza Maria Regina Machado Guimarães. Brasília, DF. Publicação DJU 05.08.2005.
148
Sem ignorar todas as diferenças apontadas entre súmula e lei, há casos
em que a edição de uma e de outra se aproximam consideravelmente, em especial
por criar, acrescentando ao sistema nova norma jurídica a ser observada por todos.
Nessa medida, assim como as leis, não devem ser aplicadas retroativamente.
A edição de uma súmula, bem sabemos, condensa a interpretação mais
correta a ser seguida pelos demais órgãos do Poder Judiciário, contudo, a sua
eficácia ocorre a partir do momento da sua edição/publicação.
Note-se que, quando o juiz ordinário deixa de adotar decisão proferida em ação direta, súmula ou precedente vinculante do Supremo Tribunal Federal, é possível falar em violação de norma, o que certamente não ocorre quando o juiz ordinário realiza o seu juízo sobre a questão de constitucionalidade e, após ter encerrado o processo, o Supremo Tribunal Federal fixa ‘regra’ contrária. Como se vê, atribui-se desobediência ao efeito vinculante a qualidade de violação literal de lei. Não há como negar que o juiz que decide com infringência a decisão, a súmula ou precedente vinculante do Supremo, decide em sentido contrário profere decisão que viola literalmente o direito firmado pela Corte Suprema. Tal decisão é sujeita à rescisória fundada no inciso V do art. 485 V do Código de Processo Civil [Grifo do autor].338
Dessarte, o ajuizamento de ação rescisória com fundamento em súmula
(vinculante ou persuasiva) somente é possível se a decisão de mérito tiver (i)
transitado em julgado após a publicação do verbete e (ii) for contrária à orientação
ali fixada. Atendidos tais requisitos, nos termos do art. 495 do CPC, a ação
rescisória poderá ser ajuizada no prazo de dois anos.
3.1.2 A eficácia imediata da súmula e o direito material: análise necessária
para solução de problemas intertemporais
Da análise da aplicação das súmulas perante decisões de mérito
pretéritas, presentes e futuras até aqui realizada, extrai-se a conclusão de que é
necessária a aplicação imediata do verbete a todos os casos cuja decisão de mérito
338
MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional, p. 115.
149
ainda não tenha transitado em julgado, não alcançando, portanto, aquelas que já
tenham adquirido qualidade de coisa julgada material.
Ultrapassada a análise pela ótica do direito processual, é importante
avaliar a questão pelo ângulo do direito material e para este mister alguns
questionamentos emergem. Fatos ocorridos anteriormente à edição de um verbete
ficam sujeitos ao que lá está disposto? Por exemplo, com a publicação da Súmula
vinculante n. 12, em 2008, a cobrança de taxas de matrícula anteriores a esta data
devem ser consideradas ilegais? Se as taxas de matrículas cobradas antes da
edição da súmula assim o foram ao tempo em que inexistia norma jurídica a respeito
do tema, poder-se-ia dizer que a norma jurídica criada alcança tais fatos pretéritos?
Ao menos em tese, as súmulas representam a estratificação de um
entendimento consolidado dos tribunais. Assim, não se trata de uma inovação que
simplesmente surge no ordenamento jurídico “do nada”339, como pode acontecer no
caso da edição de uma lei. Em outras palavras, se antes da edição da súmula a
situação fática chegasse aos tribunais pela via dos recursos excepcionais, ao menos
em tese, teriam seu julgamento nos exatos termos da orientação fixada pela súmula,
não havendo razão para se sustentar, portanto, que os efeitos da súmula somente
alcançariam os fatos havidos após a sua edição.
Essa é uma das características (talvez a principal delas) que diferenciam
as súmulas das leis. Com a edição da súmula, o jurisdicionado não é surpreendido
com algo absolutamente novo, como pode ocorrer no caso da edição de uma lei.
Além disso, a edição da súmula somente poderá ocorrer após reiteradas decisões
do tribunal exatamente naquele sentido em que editado o enunciado.
Nesse aspecto, pensando bem, pode-se dizer que é um contrassenso
exigir que a súmula esteja pautada em “reiterados” entendimentos acerca de uma
mesma tese jurídica, quando, após a sua edição, apenas fatos futuros ficariam a ela
subordinados.
339
“Nós temos que ver que a súmula vinculante não surge num vácuo”. Min. Joaquim Barbosa. CF. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário, Reclamação 7.358/SP, Rel. Min. Ellen Gracie. Brasília, DF. Julgamento 24.02.2011, votação por maioria.
150
A necessária observância das súmulas, portanto, relaciona-se às
decisões proferidas a partir de sua publicação e não da ocorrência dos fatos. É o
que sustentou o Min. Gilmar Mendes ao proferir voto em sede de reclamação
constitucional que analisava, justamente, a eficácia das súmulas diante dos fatos.
De fato, a súmula vinculante é deveras regra de decisão. Portanto, o objeto da súmula é a decisão, de modo que a data da decisão é que conta. Significa isso o quê? Que todas as decisões têm que, a partir da edição da súmula, estar de acordo com o seu teor, não os fatos; as decisões. Por isso, há uma norma de decisão. Desde que a decisão foi proferida, após o início da vigência da súmula, se contraria a súmula, ela tem que recair [Grifo do autor].340
Aos fatos pretéritos e consumados, contudo, entende-se não ser possível
a utilização da reclamação. Isso porque, se o tribunal ainda não havia sedimentado
entendimento acerca do tema, não há que se falar, para os fatos pretéritos e
consumados, violação da autoridade das decisões dos tribunais superiores. Os fatos
que podem ser objeto de reclamação, aí sim, são aqueles praticados após a
publicação da súmula, sem a devida observância de seu comando.
3.2. PRAZO PARA AJUIZAMENTO
Concluiu-se no Capítulo 01, Seção 1.5 do presente estudo, que o prazo
para o ajuizamento da ação rescisória é decadencial e de dois anos.
Dessa forma, decisões de mérito que tenham transitado em julgado sem a
observância de súmulas (vinculantes e persuasivas) já editadas pelos tribunais,
poderão ser rescindidas em até dois anos, mediante utilização de ação de rescisória.
De acordo com o que se sustentou naquela oportunidade, caso a decisão
tenha sido proferida antecipadamente, como por exemplo, na hipótese do art. 273,
§6º do art. 6º do CPC, é a partir do seu transito em julgado que terá início do prazo
para o ajuizamento da ação rescisória.
340
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário, Reclamação 7.358/SP. Rel. Min. Ellen Gracie, voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF. Julgamento 24.02.2011, votação por maioria.
151
No mesmo sentido, interposto recurso parcial de sentença, parte da
sentença que não foi objeto de irresignação transita em julgado341. Caso, referida
decisão tenha violado súmula (vinculante ou persuasiva) é a partir deste momento
que tem início o prazo de dois anos para a rescisão do julgado, mediante ação
rescisória.
Assim, como sustentado anteriormente, haverá tantas rescisórias quanto
forem os capítulos da sentença transitado em julgado em momentos e órgãos
jurisdicionais distintos.
3.3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA SÚMULA
Parece não fazer sentido falar em controle de constitucionalidade de
normas expedidas justamente por aquele que, em última análise, é o responsável
por avaliar o que é e o que não é constitucional.342
Mas há, nesse sentido, algumas observações a fazer.
Em primeiro lugar, a súmula é obra humana e como tal pode apresentar
defeitos, por exemplo, algum aspecto que deixou de ser percebido pelos ministros
no momento de sua edição, mas que macula o verbete de inconstitucionalidade.
Nada obsta, portanto, que as partes legitimadas a questionar a constitucionalidade
de uma lei também possam fazê-lo com relação às súmulas.
341
Se o Autor apela somente do capítulo da sentença que julgou parte do pedido improcedente, ele delimitou os limites objetivos do recurso interposto e, assim, só poderá permitir ao tribunal o julgamento daquele capítulo de sentença impugnado, vale dizer, o tribunal pode conceder ou negar provimento ao recurso, mas seja qual for a decisão, o capítulo da sentença não impugnado não pode ser atingido pelo resultado do recurso, porque ao juiz é vedado extrapolar o limite objetivo do recurso e, ainda, porque o capítulo não impugnado transitou em julgado, tornando-se imutável.” BENÍCIO, Marcelo José Magalhães. Capítulo de sentença e efeitos dos recursos. São Paulo: RCS, 2006. p. 107. 342
“Ainda que se admitisse a hipótese de haver súmula vinculante inconstitucional, caberia ao Supremo Tribunal Federal julgar a ação direta respectiva. E convenhamos, essa ação nasceria fadada ao insucesso, na medida em que, ao adotarem a tese sumulada, os integrantes do Pretório Excelso obviamente, julgaram-na (ainda que de forma implícita) compatível com a Carta Magna.” MUSCARI, Marco Antonio Botto. Súmula vinculante, p. 94.
152
Em segundo, de acordo com o que se vem sustentando ao longo deste
estudo, as súmulas persuasivas deveriam vincular os órgãos do Poder Judiciário.
Ora, sendo identificados vícios constitucionais (formal ou material) nestes verbetes,
nada mais prudente do que a arguição e posterior declaração de
inconstitucionalidade.
Bem a propósito, da doutrina de Rodolfo de Camargo Mancuso343, extrai-
se o seguinte ensinamento:
A conformidade com a Constituição é uma condição de validade e eficácia de todos os atos estatais em sentido largo, e por isso sujeitam-se ao controle de constitucionalidade, na dupla via direta e incidental, as normas legais e os atos normativos, isto é, os ‘produtos finais’ do Estado-legislador e do Estado administrador. A súmula vinculante é produto final, potencializado, do Estado-juiz, participando, a um tempo, da natureza da ‘lei’ – enquanto enunciado geral, abstrato, impessoal e impositivo – e dos ‘atos normativos’, haja vista sua função paradigmática, pan-processual, voltada à resolução isonômica das lides, projetando efeitos diretos e reflexos. [...] Assim como as decisões de mérito, transitada em julgado, quando eivadas de vícios graves e insanáveis sujeitam-se a ser desconstituídas via ação rescisória (CPC, art. 485); assim como uma resolução do Conselho Nacional de Justiça – órgão integrante do Judiciário: art. 92, I-A – pode ter sua constitucionalidade questionada; assim como uma norma constitucional derivada pode ser declarada inconstitucional (JSTF 185/69), também uma súmula vinculante do STF, uma vez emitida em desconformidade com alguns de seus pressupostos constitutivos, [...] poderá ter sua constitucionalidade questionada.
Portanto, as súmulas, como normas jurídicas344 que são, estão sujeitas ao
controle de constitucionalidade, devendo, nesta hipótese, ser observados os critérios
343
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 369. 344
Doutrinadores que entendem não se tratar de norma jurídica geral e abstrata, obviamente, sustentam a impossibilidade de controle de constitucionalidade da súmula: “Assim, tendo em vista o fato de a súmula não ser marcada pela generalidade e abstração, diferentemente do que acontece com as leis, não se pode aceitar a técnica do ‘controle de constitucionalidade’ de súmula, mesmo no caso de súmula vinculante. O que existe é um procedimento de revisão pelo qual se poderá cancelar a súmula. O cancelamento desta significará a não mais aplicação do entendimento que vigorava. Neste caso, naturalmente, essa nova posição produzirá as suas conseqüências a partir do novo entendimento, vinculando os demais órgãos do Poder Judiciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 159-160.
153
estabelecidos pela Lei n. 9.868/1999, inclusive com relação aos legitimados para
sua propositura345 e eficácia. Tanto que:
[...] em razão da vinculação e obrigatoriedade, ao lado da generalidade e abstração, a súmula vinculante pode ser objeto de controle abstrato de constitucionalidade, por equiparar-se a uma verdadeira lei em sentido material.346
Sabe-se que a análise de constitucionalidade pode ocorrer pela via do
controle difuso ou pelo controle concentrado. Apesar de a doutrina ainda ser um
pouco silente com relação ao referido controle das súmulas, parece inadequado (e
até ilógico) o controle de constitucionalidade difuso das súmulas expedidas pelo
STF347.
Bem sabemos que referidas súmulas são editadas pelo órgão máximo do
Poder Judiciário brasileiro, responsável, justamente, pela observância da
Constituição Federal. Por essa razão, não parece lógico, portanto, que um verbete
originário desta esfera judiciária possa ter a sua constitucionalidade contestada por
juízos “hierarquicamente” inferiores. Então, se julgadores de outras instâncias
entenderem, por exemplo, que determinado verbete não tem aplicação em um caso
concreto, devem justificar o entendimento de forma fundamentada.
Assim, seja porque o caso apresenta um aspecto que difere daqueles que
originaram a súmula, seja pela superação do entendimento jurisprudencial com
fixação de nova orientação, pode o juiz afastar a súmula, desde que apresente
fundamentos consistentes para tanto.
345
“Art. 2º Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou o Governador do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; [...]”. 346
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 359. 347
Em sentido contrário, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Como o juiz pode controlar, in concreto, a constitucionalidade de lei, complementar ou ordinária, ou de ato normativo contestado em face da Constituição Federal, a ele é possível, também, fazer o controle concreto da constitucionalidade de verbete da súmula vinculante do STF, que tem caráter geral e normativo. A decisão do juiz que deixa de aplicar a súmula vinculante ou a aplica incorretamente é impugnável por meio de reclamação ao STF”. (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 864).
154
Acrescente-se que a não aplicação da súmula ao caso concreto porque
os juízes de primeiro grau ou tribunais estaduais entendem que os verbetes são
inconstitucionais parece, no mínimo, uma incoerência do sistema.
O mesmo não ocorre, pode-se dizer, com as súmulas do STJ, uma vez
que são editadas por órgão do Poder Judiciário que, ao menos diretamente, não tem
como função primordial a constitucionalidade da lei e de atos normativos348. Ainda
que se espere que um verbete emitido pelo STJ não contenha vício de
constitucionalidade, tal hipótese pode ocorrer.
Sobre o tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery349 anotam
o seguinte:
Se o juiz pode controlar, in concreto, a constitucionalidade de lei ou ato normativo que esteja em desacordo com a CF ou a CE, é possível ao juiz, a fortiori, fazer o controle concreto da constitucionalidade de verbete da súmula simples de qualquer tribunal, decidindo a matéria incidenter tantum. Assim, por exemplo, pode o juiz não aplicar a súmula sob o fundamento de que é contrária ao espírito ou texto da CF.
Para esses casos, portanto, torna-se possível o controle de
constitucionalidade in concreto das súmulas, hipótese em que o STF deverá analisar
e se pronunciar acerca da constitucionalidade da norma jurídica, tal como acontece,
hoje, com o controle difuso de constitucionalidade das leis.
Havendo manifestação do STF com relação à constitucionalidade das
súmulas, contudo, é inviável o posterior controle de constitucionalidade pela “via
difusa”, uma vez que o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro responsável por
proceder à referida análise já o fez. Bem por isso, não é lógico que instâncias
ordinárias realizem tal controle na análise do caso concreto.
348
“Isso não quer dizer, porém, que o Superior Tribunal de Justiça em recurso especial não possa interpretar a legislação infraconstitucional federal à luz da Constituição – e, portanto, interpretar a própria Constituição. O que ele não pode é realizar o controle de constitucionalidade. Os conceitos pertencem a campos temáticos distintos, embora estreitamente ligados. O Superior Tribunal de Justiça pode interpretar a Constituição, mas não pode aplicá-la visando a formação de um juízo de constitucionalidade” Cf. MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas – Do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente, p. 35. 349
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 863.
155
Todas as súmulas, entretanto, podem sujeitar-se ao controle abstrato de
constitucionalidade, independentemente de serem emitidas pelo STF ou pelo STJ,
na medida em que são normas jurídicas gerais e abstratas.
Por mais que possa parecer incoerente, o controle de constitucionalidade
das súmulas expedidas pelo STF, como mencionado anteriormente, trata-se de obra
humana e, como tal, pode apresentar defeitos, inclusive com relação à
constitucionalidade. É coerente, portanto, que o STF possa rever o seu
posicionamento, com possibilidade, inclusive, de declaração de
inconstitucionalidade.
A decisão proferida em controle concentrado terá efeito erga omnes, ex
tunc e vinculante 350 , ou seja, tonará a súmula nula desde o seu nascimento,
cancelando-se todos os seus efeitos, uma vez que inconstitucional.
O Tribunal tanto poderá declarar a constitucionalidade da lei como a sua inconstitucionalidade. Neste caso, entende-se que a declaração de inconstitucionalidade correspondente a uma declaração de nulidade da lei. À decisão de inconstitucionalidade atribui-se eficácia ex tunc. O Tribunal poderá, porém, por maioria de 2/3 dos juízes, restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado (Lei 9.868/99, art. 27).351
Trata-se, portanto, de efeito completamente diferente do que ocorre
quando há cancelamento ou revisão de súmula352, na medida em que os efeitos daí
decorrentes seriam ex nunc, não alcançando relações jurídicas ocorridas no
passado.
350
Art. 102 da CF: “§ 2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. 351
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, p. 1.162. 352
“A possibilidade de revisão ou cancelamento de súmula é de extrema relevância quando se tem em vista que é da natureza da própria sociedade e do Direito de estar em constante transformação. Nesse sentido, faz-se imprescindível a possibilidade de alteração de súmulas vinculantes, para que elas possam ser adequadas as necessidades, também de índole prática. Todavia, do mesmo modo que a adoção de uma súmula vinculante não ocorre de um momento para outro, exigindo que a matéria tenha sido objeto de reiteradas decisões sobre o assunto, a sua alteração ou modificação também exige discussão cuidadosa.” MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, p. 978-979.
156
3.3.1 Ação rescisória fundamentada em súmula inconstitucional ou cancelada
É de grande relevância avaliarmos as consequências de ação rescisória
que tenha como fundamento uma súmula declarada inconstitucional pelo STF em
ação direta de inconstitucionalidade.
Na hipótese de a sentença (lato sensu) da rescisória ter sido
fundamentada em súmula posteriormente declarada inconstitucional, cabível será a
ação declaratória de nulidade. Isso porque, em última análise, a sentença terá sido
fundamentada em norma jurídica inexistente.
A doutrina de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia
Medina353 corrobora a assertiva quando fazem a seguinte observação: “[...] sobre
sentenças inexistentes não pesa a autoridade da coisa julgada”, além de a sentença
fundamentada em norma declarada inconstitucional ser inexistente.
Nesse sentido, o entendimento exarado no seguinte julgado é categórico:
Lei inconstitucional é lei natimorta; não possui qualquer momento de validade. Atos administrativos praticados com base nela devem ser desfeitos, de oficio pela autoridade competente, inibida qualquer alegação de direito adquirido. [...] Se se considera como lei
natimorta, é porque a considera inexistente.354
353
“Assim, a declaração de inexistência da sentença não precisa necessariamente ocorrer, por meio de uma ação, como, de ordinário, acontece com as lides que são objeto das ações declaratórias. Na verdade, a inexistência, no processo, e especificamente a inexistência das sentenças, pode ser alegada a qualquer tempo, por meio (ou no bojo) de qualquer ação, inclusive a ação de execução. Assim nada haverá a ‘rescindir’, propriamente, pois sentenças inexistentes não ficam acobertadas pela autoridade da coisa julgada [Grifo dos autores]”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Meios de impugnação das decisões transitadas em julgado. Coisa julgada inconstitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 323. 354
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS 10527/SC, 5ª Turma. Rel. Min. Edson Vidigal. Brasília, DF. Julgamento 03.02.2000. Publicação DJ 0803.2000.
157
Na hipótese, considerando-se que sequer há coisa julgada material, não é
necessário rescindir o julgado, bastando a declaração de inexistência em ação
própria ou, ainda, incidenter tantum, no bojo de outro processo355.
Consequência diversa ocorre quando a súmula é cancelada. Isso porque,
conforme sustentado no capítulo anterior, os efeitos daí decorrentes seriam ex nunc.
Eventual rescisória ajuizada com fundamento em súmula cancelada
deverá ser extinta sem análise de mérito por carência de ação (falta de interesse de
agir). É o mesmo que acontece, por exemplo, quando há revogação de lei. É que:
deixando de integrar o ordenamento jurídico, eventual ação em curso com
fundamento em referida lei é carente por falta de interesse de agir.
Se a decisão (transitada em julgado) for proferida, contudo, sem a
observância do verbete, entendemos desnecessária a utilização de ação rescisória,
tendo em visa que se trata de decisão proferida sem observância de uma das
“condições da ação” sendo, portanto, “inexistente”.
Na mesma linha do que se sustentou antes, é suficiente a utilização de
ação declaratória de inexistência para que cessem os efeitos jurídicos
eventualmente decorrentes dessa decisão. Sequer há necessidade de rescisão do
julgado, na medida em que inexiste coisa julgada material, e a justificativa é a
seguinte:
Por meio de ação declaratória de inexistência serão atingidas as sentenças proferidas em processo, a que tenha faltado pressuposto processual de existência, e em ‘ação’ admitida e julgada no mérito, apesar da falta de uma (ou mais) de suas condições, pois o que terá ocorrido não terá sido exercício de direito de ação, mas o exercício de direito de petição, de índole constitucional.356
355
“A ação declaratória de inexistência, embora seja sempre possível, nem sempre é necessária. Parece-nos, todavia, ser sempre necessária uma declaração judicial a respeito, ainda que incidenter tantum, no bojo de outro processo, qualquer que seja ele. Nada impede, contudo, que, a qualquer tempo, havendo resistência em reconhecer-se a inexistência de uma decisão judicial final (ou porque sobre essa inexistência não se tenha manifestado ainda o Poder Judiciário, ou porque a decisão deste Poder tenha sido exclusivamente incidenter tantum), se intente a ação específica, que, segundo pensamos, é a ação declaratória de inexistência. Procedente esta, suprimir-se-á ex radice e definitivamente a totalidade dos efeitos jurídicos decorrentes da pretensa existência da sentença.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, p. 502, 503. 356
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, p. 502.
158
Caso o trânsito em julgado tenha ocorrido em momento anterior à edição
do verbete, a conclusão é a de que se trata de decisão válida, pois quando foi
proferida pautou-se em norma jurídica válida. Diferentemente do que sucede com as
súmulas declaradas inconstitucionais, o cancelamento do enunciando somente
projeta efeitos para o futuro (ex nunc), não havendo o que se falar em invalidade ou
mesmo ilegalidade da decisão pretérita.
Por fim, é interessante analisar a possibilidade de – no momento da
declaração de inconstitucionalidade ou cancelamento do verbete – a ação rescisória
estar em curso perante os tribunais superiores. Obviamente, na hipótese, não terá
havido o prequestionamento. Sendo assim, poderá o tribunal (STJ ou STF), neste
caso, conhecer da matéria de ordem pública?
Sem querer aprofundar o tema da (des)necessidade de
prequestionamento de matéria de ordem pública perante os tribunais superiores, até
porque o assunto é demasiadamente denso e polêmico e, ainda, com respeito às
opiniões divergentes, partilha-se do entendimento de que não é possível o
conhecimento da matéria pelos referidos tribunais com esteio nas exatas razões
apontadas por Cassio Scarpinella Bueno357:
Com o devido respeito, a função taxativamente imposta pela Constituição Federal, a ser desempenhada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça não aceita quaisquer mitigações. Não se trata, diferentemente do que se dá em variadas outras hipóteses, do conflito entre princípios jurídicos, mas da interpretação de uma específica regra constitucional que, ao criar e estruturar os Tribunais de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, reconheceu-lhes determinadas competências para serem desempenhadas em prol da uniformização do direito constitucional e infraconstitucional federal em todo o território nacional. Por essa razão, é o caso de afastar o entendimento que aqueles Tribunais possam, no âmbito do recurso extraordinário e do recurso especial,
357
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 5. p. 288. No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier: “Em princípio, pensamos que o tribunal fica adstrito a redecidir com os dados constantes da decisão. Assim, como regra geral, se o recurso tiver ultrapassado o juízo de admissibilidade, nem por isso as portas estarão abertas para o tribunal examinar a matéria devolvida em sua profundidade. [...] Os recursos extraordinário e especial não geram, assim, efeito translativo ou não tem o efeito devolutivo que deles decorre a dimensão vertical. [...] Estes são recursos interpostos da decisão, e que podem gerar reforma da decisão – quase como se o restante do processo não existisse. Estes recursos não abrem o acesso a outra matéria, que não decidida e impugnada, chegar à cognição do STF e do STJ”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, p. 358-359.
159
desempenhar função meramente revisora, como se fossem Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça dos Estados e Distrito Federal.
Atualmente, há diversos entendimentos nos tribunais superiores
concordando com a necessidade de prequestionamento de matérias de ordem
pública358, apesar de não se tratar de entendimento unânime359.
Saliente-se, que a ideia, aqui, não é negar a possibilidade de sucessivas
rescisórias. Ocorre que as hipóteses apresentadas (declaração de
inconstitucionalidade de súmula ou seu cancelamento) não são hipóteses que
autorizariam o ajuizamento de ação rescisória.
Se, contudo, a decisão sub examine comporta o ajuizamento de uma
rescisória para rescindir coisa julgada material constituída em outra ação rescisória,
entende-se ser possível utilizar duas medidas (ou, se for o caso, de mais de duas).
Se, por exemplo, após a sentença de mérito transitar em julgado, a parte
sucumbente obtiver novo documento que permita a rescisão do julgado, poderá
ajuizar “nova” ação rescisória, desde que observado o prazo decadencial de dois
anos360.
358
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Pet. no Resp 1193793/SP (2010/0085206-0), Terceira Turma. Relator. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Brasília, DF. Julgamento 27.03.2014. Publicação 03.04.2014; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp nº 467929/DF, (2014/0017739-3), Segunda Turma. Rel. Min. Humberto Martins. Brasília, DF. Brasília, DF. Julgamento 25.03.2014. Publicação DJe 31.03.2014. No mesmo sentido: “AgReg no AI. ausência de prequestionamento da matéria constitucional. súmula n. 282 do supremo tribunal federal. inovação da matéria em embargos de declaração juridicamente inaceitável para comprovação de prequestionamento. necessidade de prequestionamento do tema constitucional suscitado, ainda que se trate de matéria de ordem pública. agravo regimental ao qual se nega provimento.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AgReg no AI. 733.063 AgR/RS, Relator Ministro Carmen Lucia. Brasília, DF. Julgamento 12.03.2014, Publicação 13.03.2014. e também: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag Reg no AI 791473, Primeira Turma. Rel. Min. Rosa Weber. Julgamento 03.12.2013. Publicação DJe 16.12.2013. 359
Referido entendimento não é unânime. Há, neste mesmo Tribunal, entendimentos no sentido contrário, ou seja, posicionamentos que defendem a possibilidade de apreciação de matéria de ordem pública independentemente de prequestionamento, caso tenha sido superado o juízo de admissibilidade. São exemplos: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 856.929/AM, 5ª Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima. Brasília, DF. Julgamento 29.05.2008. Publicação DJe 04.08.2008. 360
No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno: “[...] é plenamente admissível o ajuizamento de mais de uma ação rescisória contra uma mesma decisão de mérito. Fundamentalmente, apenas, que não haja repetição de suas causas de pedir, isto é, de uma das causas de rescisão do art. 485, e que se observe o prazo decadencial de dois anos, contado desde o trânsito em julgado da decisão rescindenda. Se a hipótese for de rescisória do acórdão que julgou anterior o pedido rescisório, o prazo do art. 495 fluirá a partir de seu próprio transito em julgado”. (Curso sistematizado de direito processual civil, p. 288).
160
CONCLUSÃO
A edição de súmulas pelas cortes superiores brasileiras não é uma
novidade, mas até os dias de hoje tem sido objeto de amplos debates no mundo
jurídico. A possibilidade de ajuizamento de ação rescisória com fundamento,
justamente, na violação dos verbetes faz parte dessa ampla discussão.
Ao longo do presente estudo diversos aspectos foram analisados para, ao
final, concluir que uma decisão de mérito transitada em julgada contrária a eventuais
súmulas – vinculantes ou persuasivas – pode ser rescindida por meio de ação
rescisória.
Para chegar a essa conclusão, contudo, à luz do Estado Democrático de
Direito e da Teoria Geral do Direito e do Processo, foram construídos argumentos
que levaram às seguintes ilações.
1) Apesar de o inciso V do art. 485 do CPC dispor que serão rescindidas
decisões de mérito transitadas em julgado que violarem literal dispositivo de “lei”,
deve-se estender a aplicabilidade do dispositivo às “normas jurídicas”.
2) As súmulas – vinculantes e persuasivas – são “normas jurídicas gerais
e abstratas” editadas pelo Poder Judiciário, sem com isso violar a tripartição de
poderes. Diferem-se das leis na medida em que não se as concebe como absolutas
inovações. Ao contrário disso, são verbetes editados tendo como pano de fundo a
legislação pré-definida pelo Poder Legislativo.
3) Somente as súmulas editadas pelo STF após a Emenda Constitucional
n. 45/2004 possuem previsão expressa de eficácia vinculante (art. 103-A da CF) em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública. As
súmulas editadas pelo STJ e as emanadas do próprio STF antes da referida
Emenda, contudo, deveriam vincular – ainda que em menor grau – diretamente os
órgãos do Poder Judiciário e indiretamente os jurisdicionados e a Administração
Pública.
161
4) Tanto a violação da súmula vinculante como a da súmula persuasiva
podem ser fundamentos para o ajuizamento de reclamação, que possui natureza
jurídica de ação.
5) Tanto a violação da súmula vinculante como a da súmula persuasiva
podem ser fundamentos para o ajuizamento de ação rescisória, nos termos do inciso
V do art. 485 do CPC.
6) O prazo para o ajuizamento de ação rescisória com fundamento em
violação de súmula é decadencial, de dois anos, e o seu termo a quo é a partir do
trânsito em julgado da decisão que a violar, ainda que tal ocorra antecipadamente,
como na hipótese do art. 273, §6º, do CPC.
7) O fundamento da ação rescisória poderá ser a própria súmula, uma
vez que nem todos os verbetes decorrem da mera subsunção de um caso a um
texto legal. Há casos em que as súmulas criam. Nestas hipóteses terão “vida
própria”, sendo praticamente normas jurídicas autônomas.
8) Nas hipóteses em que a súmula apenas se limita a repetir aquilo que já
dissera o legislador, o fundamento da ação rescisória deverá ser o dispositivo legal e
não o verbete.
9) Apenas as decisões de mérito que tenham transitado em julgado sem
a observância de comando de súmula já existente é que poderão ser objeto de
rescisão.
10) Decisão de mérito transitada em julgado anteriormente à edição da
súmula (vinculante ou persuasiva), salvo na hipótese de inconstitucionalidade de lei,
não deverá ser rescindida. Trata-se, no máximo, de uma decisão injusta que, em
prol da segurança jurídica advinda com a coisa julgada, deverá ser mantida.
11) As súmulas têm eficácia somente para fatos ocorridos após a sua
edição. Fatos passados e consumados não são alcançados pelo verbete.
162
Essas são as principais conclusões extraídas do presente estudo, que
alcançou o seu objetivo não só por demonstrar, com bases científicas, a
possibilidade de rescisão de decisões contrárias às súmulas (vinculante e
persuasiva), mas também, e principalmente, por trazer reflexões profundas sobre o
papel que exercem as cortes superiores de justiça no Brasil.
163
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