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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Josefa Neves Rodrigues
CAMINHOS E DESCAMINHOS DA MERITOCRACIA CONTRA AS
POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NA UNIVERSIDADE DE
SÃO PAULO
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
SÃO PAULO
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Josefa Neves Rodrigues
CAMINHOS E DESCAMINHOS DA MERITOCRACIA CONTRA AS
POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NA UNIVERSIDADE DE SÃO
PAULO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em História Social da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC-SP, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
História Social, sob a orientação do Prof.
Dr. Amailton Magno Azevedo.
SÃO PAULO
2016
R696
Rodrigues, Josefa Neves.
Caminhos e Descaminhos da Meritocracia Contra as Políticas de Ação Afirmativa
na Universidade de São Paulo / Josefa Neves Rodrigues. – São Paulo: s.n., 2016.
200 p.; 30 cm.
Referências: 185-191
Orientador: Prof. Dr. Amailton Magno Azevedo
Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP,
Programa de Pós-Graduação em História Social, 2016.
1. Meritocracia.
2. Cotas Raciais – Brasil.
3. Políticas de Ação Afirmativa – Brasil.
4. Universidade de São Paulo/USP – Brasil.
CDD 900
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Prof. Dr. Amailton Magno Azevedo (orientador)
_________________________________________
Profa. Dra. Maria Antonieta A. Antonacci
__________________________________________
Prof. Dr. Acácio Sidnei de Almeida Santos
“A vida deu os muitos anos da estrutura”.
Do humano à procura do que Deus não respondeu
Deu a história, a ciência, arquitetura.
Deu a arte, deu a cura e a cultura pra quem leu.
Depois de tudo até chegar neste momento me negar
Conhecimento é me negar o que é meu.
Não venha agora fazer furo em meu futuro.
“Me trancar num quarto escuro e fingir que me esqueceu”.
Vocês vão ter que acostumar por que...
Ninguém tira o trono do estudar
Ninguém é o dono do que a vida dá
E nem me colocando numa jaula
Porque sala de aula
Essa jaula vai virar.
E tem que honrar e se orgulhar do trono mesmo
E perder o sono mesmo para lutar pelo que é seu.
Que neste trono todo ser humano é rei
Seja preto, branco, gay, rico, pobre, santo, ateu
Pra ter escolha tem que ter escola
Ninguém quer esmola, isto ninguém pode negar.
Trecho da composição “Ninguém tira o trono do estudar”, (Dani Black).
DEDICATÓRIA
À minha filha Laura (In memoriam) e aos meus ancestrais, em especial os que sofreram na
pele a dor da escravidão.
À Jupiara Gonçalves Castro e seus discípulos em luta no NCN, em especial: Maria José
Menezes, Cristiane Maria Paula e Emerson Gabriel dos Santos.
Salve o Professor Milton Santos, Nelson Mandela, Hamilton Cardoso e o MNU!
Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnologia (CNPq) pelas bolsas concedidas.
AGRADECIMENTOS
À força do Universo que desde cedo colocou em meu caminho pessoas me
direcionando para o que sou hoje. (In memoriam) Laura Sonzonni Rabelo, minha primeira
professora que, quando constatou a existência de uma menina muito pobre que sonhava ter
um caderno e ler um livro inteiro, ficou admirada porque ela já tinha dez anos de idade e,
embora sem ser ensinada já lesse tudo que encontrava pela frente. Levou-a para morar em sua
casa, matriculando-a na escola que dirigia em sua própria casa. Assim, permitiu que a
pequena menina abandonasse os rabiscos no chão que substituíam o caderno, transformando-a
na Professora Josefa do presente. Provavelmente se aqui estivesse, diria que a semeadura feita
com profundidade germina na primeira oportunidade que lhe é oferecida. Grande mulher, a
quem homenageei colocando em minha filha o seu nome, Laura, mas ela também partiu após
alguns minutos de vida, deixando um vácuo que ainda hoje preencho pela solidariedade ao
próximo e pelas leituras dos muitos livros que já li e ainda hei de ler. Sua saudade revestida
em força para criar e educar seu irmão Rodolfo Rodrigues Lima que embora não a
conhecesse, guarda com carinho o nome da irmã, colaborando comigo para a perpetuação de
sua memória.
Assim, agradeço também à família Rabelo, a qual sempre me tratou como se nela eu
tivesse nascido, em especial Helena e Aparecida, as irmãs que a vida me deu de presente.
Sem esquecer (In Memoriam) de Severino Rabelo, ele que em minha conclusão do ensino
fundamental, (antigo ginasial), ficou muito orgulhoso e dançamos a valsa como se
estivéssemos no maior evento do mundo. Se vivesse, diria: “morro de orgulho desta irmã
torta”. (In memoriam): Maria de Lourdes Rabelo e Manoel José da Silva, o casal que
muito se importou comigo nos momentos nebulosos da infância, portanto, segue comigo a
minha eterna gratidão.
Às Professoras Edna Maria Santana e Albanita, ambas da 5ª e 6ª séries do ensino
fundamental, em Pernambuco. Ainda hoje presentes em minha memória, as quais, com seus
exemplos transcenderam o tempo e o espaço, quando em suas aulas teciam elogios à minha
dedicação pelos estudos, à minha participação nas atividades culturais do Ginásio Dr.
Diomedes Gomes Lopes. Ação que me fortaleceram para superar as dificuldades, as
adversidades da vida, a solidão familiar. Em 1976, quando mudei para São Paulo, me fizeram
prometer que desbravaria a sobrevivência, mas não me desviaria dos estudos, do caminho do
conhecimento, e na despedida, lágrimas e abraços inesquecíveis. Eterna saudade...
Não refutarei as lembranças dos amigos da infância: Joaquim Rabelo Góes, Maria
do Socorro Moraes (a Deusinha) que sempre me impulsionaram a seguir o que faço hoje,
estudar...
Aos meus irmãos: Sebastião Rodrigues, (o Tiãozinho), Ricardo Silva e Paulo
Bezerra pelo incentivo habitual. À sobrinha do coração: Aparecida Rabelo Silva (a Preta),
pela força e estímulo, amor e confiança. E, à minha mãe Lindalva que, com certeza, me envia
a força de sua reza. Da mesma forma, às queridas primas Eliza Bezerra e minha madrinha
Helena Bezerra, elas que seguramente, me enviam a força de suas orações, energia que me
alcança a existência permitindo-me a renovação diante das perspicácias da vida...
Segue à minha lembrança aqui para a minha madrinha Maria e (In Memoriam) para
a tia Tânia e, tio Cícero Calado, quantos anos de saudades!
O meu reconhecimento às amigas e amigos de todas as horas: Janete Fontes Oliveira,
Margarete Aparecida Teixeira, Alzenira Barbosa Cunha, Rodrigo Teixeira, Antônio
Balbino da Cunha. E, Roseane Magalhães e Madalena Pessoa da faculdade de História.
Também agradeço a Luan José Vieira da Silva pela amizade e companheirismo, sempre!
E, Alessandra Soares Cavalcante, menina que desempenhou papel importante em minha
vida, por sua amizade, companheirismo e respeito e confiança...
E, às minhas alunas e aos meus alunos, obrigada pela confiança e pela a força,
sempre. Sem esquecer os colegas de profissão do Colégio Anhembi, em especial à
Professora Márcia de Matemática, por sua imensa colaboração inclusive trocando comigo
dias de aula para facilitar a confecção deste trabalho.
Segue aqui o meu agradecimento especial ao Professor Dr. Fábio Cardoso dos
Santos, amigo que conquistei na ocasião do processo seletivo para docente na Faculdade
Paschoal Dantas, pois, além da vaga, ganhei a sua preciosa amizade. Agradeço à Faculdade
Paschoal Dantas – FPD a oportunidade oferecida.
Às amigas e amigos do Programa de História Social (PUC-SP): Ana Paula
Fernandes, Camila Evaristo e Laudecir Silva e Danilo Luiz Marques pelo apoio e
solidariedade nas horas mais difíceis.
À Rosana Portela, da biblioteca e Rafael Jesuíno do Laboratório de Informática pela
disposição e colaboração, sempre! O pessoal da Secretaria de Aluno, do Programa da Pós-
Graduação (História) e da Secretaria de Bolsa (PUC-SP), sempre dispostos em ajudar.
Expresso aqui a minha gratidão aos militantes do NCN/USP e da “Ocupação Preta”,
àqueles, com os quais tive contato direto ou não. Em especial à Jupiara Gonçalves Castro,
Cristiane M. Paula, Maria José Menezes e Emerson Gabriel dos Santos. Pois todos
colaboraram de todas as formas para este feito.
Aos Professores (as) da graduação de História: Madalena M. Dias, Márcio Leopoldo
Gomes Bandeira, pelo incentivo, dedicação e contribuição com meu aprendizado, confiança
e amizade, impulsionando-me para esta pesquisa. E, à Silvanir de Miranda que, apesar de ter
sido afastada da instituição durante o curso de graduação, reconheço a grandeza desta mestra
a qual transcende sua obrigação profissional, nos propiciando a “Iniciação Científica”
gratuitamente, inclusive me colocou em contato com diversos pensadores das Ciências
Humanas e Sociais. E da graduação de Jornalismo: Professor Mestre Edson Roberto de
Jesus e Professor Doutor Juarez Tadeu de Paula Xavier, pelo incentivo e apoio, sempre.
Aos Professores (as) do - Lato Sensu PUC-SP - História, Sociedade e Cultura: Dra.
Rosana M. Pires Schawartz, Dra. Fabiana Scolezzo, Dra. Vânia Noeli Ferreira
Assunção, Professor André Luiz Cezaretto (que também foi professor na graduação de
História) e (In memoriam) Dra. Maria Auxiliadora Dias Guzzo, (a Lilia) pela amizade,
dedicação e respeito. Com reservada atenção, agradeço ao Professor Dr. Fernando Torres-
Londoño pela valorização do conhecimento dispensado aos seus alunos e, comigo em
particular, pelo respeito e encorajamento que nos transmite, impulsionando-me para esta
pesquisa, inclusive me colocando em contato com o meu orientador: Professor Dr. Amailton
Magno Azevedo, aquém também agradeço por ter aceitado orientar-me, inclusive orientou-
me na elaboração da monografia e também no projeto que me permitiu ser aprovada no
processo seletivo do Programa de História. Por fim, agradeço aos Professores: Dra. Olga
Brites, Dra. Estefânia e Dr. Antônio Rago, pela disposição e atenção com a qual me
apresentaram os pensadores que apoiam a minha pesquisa.
Por fim, agradeço à (Banca) querida Professora Dra. Maria Antonieta A. Antonacci
e o professor Dr. Acácio Sidnei de Almeida Santos que contribuíam imensamente para a
realização desta dissertação, quando nos apresentaram leituras adequadas que nos conduziram
a trilha e ao resultado que aqui se apresenta.
Agradecemos à disposição dos Professores suplentes: Profa. Dra. Maria do Rosário
Peixoto, (PUC-SP) e também por sua contribuição com a construção do conhecimento nas
disciplinas desta pesquisa. Seguimos agradecendo também ao Professor Jovino Salomão,
por aceitar participar enquanto suplente de nossa Banca.
LISTA DE FIGURAS / FOTOS
FOTO 1 ................................................................................................................................ 151
FOTO 2................................................................................................................................. 162
FOTO 3 ................................................................................................................................ 163
FOTO 4................................................................................................................................. 164
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 ........................................................................................................................... 119
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 ............................................................................................................................ 192
ANEXO 2 ............................................................................................................................ 193
ANEXO 3 ............................................................................................................................ 195
ANEXO 4 ............................................................................................................................. 199
LISTA DE SIGLAS
ALESP: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
ARENA Aliança Renovadora Nacional
CACUPRO Grupo Negro na PUC
CECAFRO Centro de Estudos Culturais Africanos e da Diáspora
CBR Comitê de Busca de Reitores
CCN Conselho da Comunidade Negra
CEAB Casa da Cultura e Progresso Afro-Brasileira
CO: Conselhos Centrais
CRUSP: Conselho de Reitores das Universidades Estaduais
DCE: Diretório Estudantil
EDUCAFRO Educação para afrodescendentes
ENEM: Exame Nacional de Ensino Médio
DEM Partido Democratas
FEA Faculdade de Economia e Administração
FNB Frente Negra Brasileira
FITO: Fundação do Instituto Tecnológico de Osasco
FRENAPO Frente Negra de Ação Política de Oposição
GEMMA: Grupo de Estudos Multidisciplinar de Ação
GTPLUN Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e Universitários Negros
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFRN: Instituto Federal do Rio Grande do Norte
IFES Instituições Federais de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
IPEAE Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDB Leis de diretrizes e Bases da Educação
MEC Ministério de Educação e Cultura
MNU Movimento Negro Unificado
MNUCDR Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
NCN Núcleo de Consciência Negra
PAAIS Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social
PASUSP Programa de Avaliação Seriada da USP
PIMESP Plano de Inclusão com Mérito na Educação Superior Paulista
PND: Plano Nacional de Desenvolvimento
PROUNI: Programa de Universidades Para Todos
PSDB: Partido da Social Democrata Brasileiro
PT: Partido dos Trabalhadores
PUCSP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SARESP: Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
SEPPI Secretaria Especial de Políticas da Igualdade Racial
SINTUSP: Sindicato dos Trabalhadores da USP
STF Supremo Tribunal Federal
UnB: Universidade de Brasília
UFAL Universidade Federal de Alagoas
UFF Universidade Federal Fluminense
UFSCAR Universidade Federal de São Carlos
UEMGS Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
UNESCO: Organização Educacional Científica e Cultural das Nações Unidas
UNESP: Universidade do Estado de São Paulo
UNFE: Universidade Federal de Pernambuco
UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas
UNISANT’ANNA: Universidade Sant’Anna
UNIVESP: Universidade Virtual do Estado de São Paulo
USP: Universidade de São Paulo
UNICID: Universidade Cidade de São Paulo
UBC: Universidade Braz Cubas
Rodrigues, Josefa Neves. Caminhos e Descaminhos da Meritocracia Contra as Políticas
de Ação Afirmativa na Universidade de São Paulo. 2016. 200 p. Dissertação (Mestrado em
História Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, São Paulo, 2016.
RESUMO
A presente pesquisa de mestrado tem como objetivo analisar as políticas de ação afirmativa na
Universidade de São Paulo sobre o pressuposto da meritocracia. Esse debate vem suscitando
polêmicas e levantando questões sobre a importância da implementação de cotas raciais nessa
instituição, reivindicadas pelos movimentos sociais, especificamente pelo Núcleo de
Consciência Negra (NCN) e Ocupação Preta. As políticas de ação afirmativa na educação
superior brasileira tornaram-se uma realidade e têm como objetivo combater a discriminação
histórica perpetrada contra os negros, assim como se constituírem como um instrumento de
justiça social. No âmbito dos Direitos Humanos, a desigualdade racial é vista como uma
violação da igualdade e da diferença. As ações afirmativas, destinadas à população negra,
justificam-se não apenas pelas perdas históricas incomensuráveis, mas, sobretudo, pelas
perdas educacionais e políticas.
Palavras-chave: Ações Afirmativas, Cotas Raciais, Educação, Direitos Humanos.
Rodrigues, Josefa Neves. Meritocracy ups and downs against Affirmative Policies in the
Universith of São Paulo. 2016. 200 p. Dissertação (Mestrado em História Social). Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, São Paulo, 2016.
ABSTRACT
The present Master’s research has as its objective to analyze the policies of affirmative
actions in the University of São Paulo on the assumption of meritocracy. This debate has been
arousing polemics and raising matters regarding the importance of racial quotas
implementation in this institution, claimed by social movements, specifically by the Black
Awareness Center (NCN) and the Black Occupation. The affirmative action policies in
Brazilian higher education have become a reality and have as an objective to fight against
historical discrimination committed against black people, as well as constituting themselves
as an instrument of social justice. Concerning Human Rights, racial inequality is seen as a
violation of equality and difference. The affirmative actions, designated to the black
population, are justified not only for the immensurable historical losses, but also, above all,
for educational and political losses.
Keywords: Affirmative Actions, Racial Quotas, Education, Human Rights.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 21 CAPÍTULO I A LUTA DE JUPIARA CASTRO NO CONTEXTO DO MOVIMENTO
NEGRO NA USP, E AS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA EM QUESTÃO. ........... 34 1.1 A Origem Núcleo de Consciência Negra na USP .......................................................... 38
1.2 O Cursinho Pré-vestibular no NCN ............................................................................... 46 1.3 A “Ocupação Preta” na USP, uma Luta Negra em Território Branco ........................... 50 1.4 A “Ocupação Preta” na Aula de História/USP, Cota Já ................................................ 56 1.5 A Meritocracia na USP e as Cotas Raciais na Contramão da Determinação do STF ... 61 1.6 A USP Desrespeita o Supremo Tribunal Federal e Diz Não às Políticas Afirmativas .65
1.7 Adesão parcial ao ENADE............................................................................................69
1.8 As Políticas Afirmativas nas Universidades Públicas Nascem na Constatação do
Racismo na UNB......................................................................................................................76
CAPÍTULO II A “CARTA ABERTA”, UMA OPOSIÇÃO DE TRÊS PROFESSORES AO
APARTHEID USPIANO ............................................................................................... 84 2.1 A Origem do Racismo na Península Ibérica, sua Influência no Brasil e na USP .......... 87
2.2 O Processo de Miscigenação no Brasil e o Mito da Democracia Racial........................93
2.3 A USP, uma Estratégia do Jornal “O Estado de São Paulo” ......................................... 97
2.4 A USP na Interpretação de Marilena Chauí ................................................................... 99 2.5 O Inquérito de 1926, a Educação Pública e a USP em Questão .................................. 101 2.6 O Sistema de Educação Brasileiro, a USP ................................................................... 105
2.7 As Populações Negras no Cenário Educacional Brasileiro ......................................... 109 CAPÍTULO III A ORIGEM DAS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL,
UM LEGADO DOS EUA ........................................................................................... 122 3.1 A Lei nº 10.639, as Ações Afirmativas, o Governo Lula e o NCN/USP ..................... 127 3.2 As Políticas de Ação Afirmativa / Cotas e Outras Considerações Sobre Questões
Raciais nos Governos: Lula e Dilma ................................................................................. 135
3.3 Uma Análise da Lei no 12.711/2012. ........................................................................... 138
3.4 O Movimento Negro no Brasil: entre o passado e o presente ..................................... 141 3.5 Negros Sobrevivendo em São Paulo ............................................................................ 143
3.6 A Frente Negra na interpretação da Frente Negra ....................................................... 149 3.7 O Movimento Negro em São Paulo na Contemporaneidade: uma breve discussão
política ............................................................................................................................... 152
3.8 Docentes e Discentes da PUC-SP Contribuem na Articulação dos Sociais; Movimento
Negro em São Paulo. ......................................................................................................... 167
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 192
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................185
ANEXOS................................................................................................................................192
21
INTRODUÇÃO
Em maio de 1989, interrompi a faculdade de jornalismo, embora fosse concluí-la em
junho do mesmo ano. Assim, não consegui apresentar a pesquisa que estava em andamento
(sobre a ausência das populações negras na educação superior). E, quando voltei a cursar o
ensino superior, após dezessete anos, a própria Universidade Braz Cubas (UBC) apresentou
dificuldade para identificar as disciplinas que eu deveria cursar para completar a grade
curricular e concluir a referida faculdade, frente ao longo período entre 1989 e 2006. Situação
que motivou meu ingresso na graduação de História pela Universidade Sant’Anna. E, no
decorrer do curso, constatamos que aquela universidade não havia adaptado o seu currículo
com as disciplinas: História e Cultura Afro-Brasileira e História da África, conforme
determina a lei 10.639/20031.
Então, organizamos o “Movimento Pró Lei 10.639/2003”, em seguida, formamos uma
comissão e conseguimos uma reunião com o reitor Leonardo Placucci. Ocasião, em que o
mesmo justificou a ausência das referidas disciplinas, no currículo da universidade, pela
dificuldade de encontrar professores (as) preparados para ministrá-las, e também, pela
flexibilidade da Lei 10.639/2003 que não obriga as instituições de ensino superior incluí-las
em seus currículos de imediato à sua sanção. Explicamos que esse fator fora motivo da
transferência de um colega negro para outra universidade e, além disso, que também era nosso
desejo estudar a história das áfricas2 e a cultura afro-brasileira.
O reitor Leonardo Placucci se comprometeu a analisar a questão com atenção e, no
semestre seguinte, a instituição contratou um professor e uma professora com formação em
história afro-brasileira, para ministrar as citadas disciplinas nos currículos dos cursos de
História, Geografia, Ciências Sociais, entre outros.
O episódio de nossa luta na Universidade Sant’Anna realça a importância das lutas do
Movimento Negro3, o quão fundamental é para a inclusão das populações negras, na
sociedade brasileira, através da educação superior, em especial da educação superior pública.
1A Lei 10639/2003 altera a Lei n
o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. A lei foi sancionada em 09 de janeiro de 2003 pelo então
Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e sua relatora a Professora Petronília Beatriz Gonçalves da
Silva – UFSCar. 2A opção por usar o nome África no plural é uma forma habitual para lembrar que a África é um continente.
Grifo da autora. 3Quando uso o termo Movimentos Negros e não Movimento Negro Unificado (MNU) refiro-me aos movimentos
que, embora sejam influenciados pelo MNU, nem sempre estão diretamente a ele associados, e muitas vezes
22
Em 2009, fiz inscrição em um curso de especialização sobre Estudos da Cultura Afro-
brasileira, na Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), coordenado pelo Prof. Dr.
Juarez Tadeu de Paula Xavier. Na entrevista de seleção, o Prof. Juarez Tadeu informou que
também coordenava o Curso de Jornalismo e sugeriu que eu concluísse essa graduação na
UNICID. Enviei toda documentação para uma análise detalhada da grade curricular,
comprovando que havia cursado grande parte das disciplinas na Faculdade de Jornalismo da
UBC e, após duas semanas, saiu o resultado das disciplinas que eu deveria cursar em regime
de adaptação. Após um ano e meio cursei as disciplinas em regime de adaptação, e, em julho
de 2010, apresentamos o TCC intitulado “As Cotas Raciais Para Negros nas Universidades
Públicas: Sua Utilização e Eficácia”, no qual observamos o debate das universidades, a luta
do Movimento Negro Unificado (MNU) e da implementação das ações afirmativas para
negros4 nas universidades públicas e privadas por meio do Programa Universidade Para
Todos (PROUNI).5
Para o resultado desta pesquisa, fez-se necessário, aprofundar o conhecimento sobre o
exposto, uma vez que o escopo da presente dissertação reside na construção da História do
Núcleo de Consciência Negra (NCN) e do movimento negro na USP. Assim, também nos
coube à recuperação da história da Universidade de São Paulo (USP), sua fundação e estrutura
política para então, compreendermos seu antagonismo frente às políticas afirmativas para
estudantes negros legitimadas pela Suprema Corte do Brasil. Pois, já em abril de 2012, o
Supremo Tribunal Federal (STF)6 reconheceu por unanimidade, a legitimidade da reserva de
vagas para negros e indígenas nas universidades públicas brasileiras, de no mínimo 50%,
divididos, 25% para cotas raciais e 25% para as cotas sociais. E, em agosto do mesmo ano a
Lei 12.711, conhecida por lei de cotas, em consonância com a decisão do STF foi sancionada
alguns membros ou grupos também lutam isoladamente, promovendo ações de fortalecimento ao MNU. A
autora. 4Para nos referirmos aos sujeitos sociais de nossa pesquisa, em geral usamos o termo “populações negras”, esta
fora uma escolha da autora que, ao longo de sua experiência profissional e acadêmica vem observando que, em
cada região de São Paulo e do Brasil, essas populações possuem culturas diferentes umas das outras, e assim as
manifestam de acordo com os locais onde vivem. Por outro lado, em certas ocasiões nos referimos aos sujeitos
pelo termo: negros, negras, ou simplesmente negros brasileiros ou ainda, povo negro. Agindo assim, seguimos a
nossa interpretação em cada autor, sem destoar de suas formas de referir-se aos sujeitos. Por exemplo, o
Professor Milton Santos, que é um dos principais teóricos de nossa pesquisa, usa sempre o termo: negros
brasileiros. Enfim, as diversas formas de tratamentos explicam a mesma coisa: populações negras brasileiras. A
autora. 5O PROUNI é o programa do Ministério da Educação, aprovado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005,
pelo então Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva e concede bolsas de estudo integrais e parciais de
50% em instituições privadas de educação superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação
específica, a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior. Organizado pela autora, fundamentada em
informação do Ministério da Educação (MEC). Disponível em: <http://siteprouni.mec.gov.br>. Acesso em: 19
nov. 2015. 6Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 31 dez. 2015.
23
pela Presidenta da República Dilma Rousseff. Pois, mesmo sendo esta lei específica para as
universidades federais, ela representa um espelho para as demais universidades públicas em
todo o Brasil, uma vez que a Suprema Corte federal determinou que todas as universidades
públicas, promovam a inclusão através das cotas raciais e sociais. Assim, sobre esta
disposição, a Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), ainda em 2013, determinou que
a USP se aprimorasse para atender as políticas afirmativas, cotas raciais para os estudantes
negros.
Para entender a segregação racial na Universidade de São Paulo (USP), viajamos no
tempo a fim de interpretarmos que, o racismo não nasceu dentro da USP, tampouco adentrou
aquela instituição após o sua construção, seu funcionamento. Ao contrário, a USP foi
idealizada e concebida sobre o prisma da desigualdade construído e ancorado no racismo
originado lá no século XV quando se buscou justificar a escravidão, a dominação de um povo
sobre o outro. Assim, o racismo, o preconceito estrutural na USP é um legado europeu que
foi aprofundado impregnado no tecido social brasileiro.
Verificamos que a segregação racial é uma prática no quotidiano da Universidade de
São Paulo (USP), pois, desde a sua fundação, a mesma guia seus vestibulares no pressuposto
da meritocracia7, sobre a qual foi gestada, em 1934. E, ainda hoje se faz presente quando os
limites das leis brasileiras são ultrapassados, desrespeitados em substituição as “políticas” que
a USP “cria” que mais escamoteiam a inclusão. Além de decidir suas políticas à revelia da
luta do movimento negro que se articula naquela instituição desde 1988. Inclusive, contam
com a participação de professores, estudantes, funcionários negros, militantes e intelectuais da
questão étnico racial.8
Neste contexto, em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu por
unanimidade, a legalização das políticas afirmativas, ou seja, a reserva de vagas universitárias
através das cotas raciais para os estudantes negros e indígenas.9
Foi necessário, então, estudar a organização da luta do movimento negro naquele
espaço e, para esse feito contamos com a intervenção do Professor Dr. Juarez Tadeu de Paula
Xavier da UNESP/Bauru. O mesmo nos colocou em contato com Núcleo de Consciência
Negra (NCN) momento em que suas portas se abriram para a nossa pesquisa. E, assim, seus
militantes se colocaram à nossa disposição, inclusive Jupiara Castro diretora do NCN, que nos
7 “Mérito’, palavra derivada do Latim mérito”. S. M. = merecimento, o qual, por sua vez, significa, significa: 1.
qualidade que torna alguém digno de prêmio. 2. Valor e importância. 3. Superioridade, excelência. 4.
capacidade, habilitação, inteligência, talento, aptidão. Buarque de Holanda Ferreira, Aurélio. Novo Dicionário
Da Língua Portuguesa, 1º edição (7º impressão), Editora Nova Fronteira, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ. 8CASTRO, Jupiara, em entrevista para este trabalho em 02/10/2015, em São Paulo.
24
apoiou de todas as formas. Forneceu informações precisas durante as entrevistas e em
conversas formais e informais, além de nos permitir tirar dúvida por telefone quando essas
surgiam durante a análise de documentos, entre outros dados sobre o Movimento Negro
dentro e fora da USP. A mesma disposição e apoio foram concedidos por Maria José
Meneses, Cristiane Maria Paula e Emerson Gabriel, líder do Movimento “Ocupação Preta”.
Para dialogar com os sujeitos históricos de nossa pesquisa, que são os membros do
NCN e do Movimento “Ocupação Preta”, e possibilitar a transformação de seus depoimentos
em História, encontramos o devido apoio e aprofundamento teórico em ANTONACCI
(2015).10
e PORTELLI (1996). Pois, a partir da consideração da oralidade, tanto por
entrevistas quantos através de depoimentos, conversas formais e informais, os mesmos nos
apontaram caminhos que nos conduziram ao desenvolvimento de nossa pesquisa, resultando
nesta dissertação. Desde o momento em que eclodem as lutas por direitos sociais na USP,
especialmente pelas políticas afirmativas, propiciando a oportunidade de recuperação desta
história, sem os quais, seria impossível. Pois ainda há forte ausência de trabalhos
historiográficos sobre as lutas negras na USP. Discussão que até então, era pouco difundida,
apesar da influência exercida pela personagem mais importante desta luta, a qual é
responsável por fundar e manter em funcionamento o NCN, Jupiara Castro.
Segundo Jupiara Gonçalves Castro, Diretora do NCN/USP, a articulação dos
movimentos universitários nas universidades públicas, e também no âmbito político, sobre as
leis de inclusão das populações negras na educação, em grande medida, contou com sua
participação. Em especial, os Projetos de Lei (PL) Lei 10.639/2003 e Lei 12.711/2012, entre
outras que são politicamente elaboradas para afirmar a luta contra a segregação racial nas
universidades públicas brasileiras, que, de acordo com ela, a articulação dessas leis nasce de
discussões políticas no NCN/USP.
Nesse contexto, procuramos destacar os sujeitos históricos sociais, precursores do
Movimento Negro na USP, apresentando seus principais fundadores que, em geral, são parte
do Movimento Negro Unificado (MNU). Demos ênfase à primeira “Ocupação Preta” na USP,
ocorrida em 1988 professoras e professores negros, por ocasião do Seminário de
Comemoração dos Cem Anos da Abolição da Escravatura Brasileira. Acreditamos que esse
movimento, inspirando hoje o Movimento “Ocupação Preta”, cuja atuação no espaço
universitário tem como objetivo promover a consciência de sua exclusão, a qual provoca forte
desconforto ainda hoje, entre os estudantes negros por não verem reconhecidas suas
10
Ibid.
25
reivindicações. Pois a USP não adota políticas específicas como as cotas raciais, que é um
direito reconhecido pela legislação brasileira.
Nesta abordagem, discutimos as diferenças sociais a partir do preconceito racial e das
discriminações dele decorrentes na atualidade. Entretanto, faremos uma breve viagem no
tempo, a fim de perceber os acontecimentos que originaram o contexto racial e social das
populações negras no Brasil de hoje, elucidando suas lutas por inclusão, através das políticas
afirmativas na Universidade de São Paulo, (CARVALHO, 200511
, 2012).12
Nesta pesquisa, assumimos uma postura crítica, ao debater o sistema de educação
brasileiro, desde o às séries iniciais do ensino fundamental, do ensino médio até o ensino
superior, perpassando pela política adotada pelo Estado Novo e pela Ditadura Militar; e sua
estagnação nos últimos quatro governos democratas, apresentando mudanças significativas a
partir do governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, sendo continuada pela
atual presidenta da República, Dilma Rousseff. Enfatizamos as políticas de ação afirmativa e
as mudanças significativas no sistema de educação brasileiro, principalmente, no que tange à
inclusão de estudantes negros no ensino superior público e privado, a partir do PROUNI
(Programa de Universidades Para Todos), programa criado pelo governo federal. Discutimos
também demais políticas de ação afirmativa que visam à equidade dos direitos jurídicos e
culturais de estudantes negros em todo o Brasil, (RIBEIRO, 2014).13
Debatemos as políticas de ação afirmativa também no âmbito estadual, sobre a
intervenção da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) e de sua legalização a partir da
sanção do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei 12.711/2012. Pois, este conjunto de medidas
determina às Instituições Públicas de Ensino Superior e Técnico Federal adotarem, em seus
sistemas educacionais, medidas de inclusão racial e social, seguindo os resultados dos censos
do IBGE que, segundo sua probabilidade populacional. Deve-se, então, propiciar às
populações negras e indígenas o direito de reserva de vagas no mínimo de 50% entre todos os
cursos e turnos de todas as universidades públicas federais, faculdades, Institutos Federais e
Escolas Técnicas entre outras providencias.
O movimento negro na USP, sobremaneira, o movimento “Frente Pró Cotas” e
“Ocupação Preta”, fundamenta-se nas referidas determinações mencionadas acima e
11
Revista USP, São Paulo, n. 68, p.88-103., dez./fev., 2005/2006. 12
Seminário: Relações étnico-raciais, IFRN em 02 de agosto de 2012. Disponível em: <www.youtube.com.br>.
Acesso em: 15 nov. 2015. 13
RIBEIRO, Matilde. Políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: (1986-2010). Rio de Janeiro:
Garamond Universitária, 2014.
26
reivindica que seja atingido por essas medidas, de acordo com sua proporcionalidade, através
do concurso vestibular FUVEST.
O movimento negro na USP, representado pela “Ocupação Preta” e pela Frente Prol
cotas, bem como o NCN em geral, reivindicam a adoção das políticas de ação afirmativa, por
cotas raciais. Fundamentados na decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) como
já discutido e também sobre a lei 12.711/2012 que determina a reserva de vagas universitárias
e de subsídio para a manutenção das matrículas realizadas através das referidas reservas, para
as populações negras, indígenas e pobres, oriundas do ensino público brasileiro.
Ao ignorar a luta do movimento negro, a Universidade de São Paulo não infringiu
apenas à Lei Federal 12.711/2012, tampouco a determinação da Assembleia Legislativa de
São Paulo (ALESP) enquanto órgão norteador da legislação do Estado de São Paulo. Infringiu
principalmente, a Suprema Corte Federal Brasileira, ou seja, o (STF), o qual, em 26 de abril
de 2012, por unanimidade decidiu que as cotas raciais são necessárias para corrigir os danos
causados pelo histórico do racismo estrutural, provenientes do processo de escravidão no
Brasil. Neste sentido, encontramos apoio para a nossa discussão na obra de Ribeiro (2014),
resultado de seu doutorado pela PUC-SP, além de outros estudiosos desta temática que os
adotaremos.
Para compreender esta discussão, seguimos a pista de Bourdieu (2007) e o
interpretamos no que concerne à noção do sistema político republicano, quando os agentes
sociais ocupam posições diferentes em um mesmo poder específico. Assim, transformando-o
em um campo particular de capital que, na prática, responde por três dimensões de poder, que
asseguram a supremacia das classes dominantes, no campo econômico, cultural e social, e
cuja forma de capitais assume uma relação em que se incorpora à sociedade. Se trata do
“hábitos”, o qual demanda sobre os costumes e as práticas que classificam os agentes sociais.
Segundo este conceito, uma classe que demanda maior influência econômica, política, social e
cultural exerce o poder dominante sobre a outra. Esse pensamento nos permite enveredar para
uma interpretação adequada à pesquisa em questão, acerca do interesse da USP em tal
dominação, que mantém o cercamento14
contra a entrada de estudantes negros nos cursos de
suas faculdades, culminando, assim, com um espaço que constitui um verdadeiro campo
minado pela segregação racial. Para esta discussão, encontramos aprofundamento teórico no
pensamento do Professor Milton Santos, em sua obra Espaço e Sociedade, entre outras, as
quais também nos auxiliam neste debate.
14
Cercamento = cer-ca-men-to (substantivo masculino) que deriva da palavra cercar. Ato ou efeito, delimitar,
rodear. (organização da autora), fundamentada em: http://www.priberam.pt. Acesso em 15 de janeiro de 2016.
27
Em nossa pesquisa, também seguimos os caminhos apresentados nas diversas obras e
artigos do Professor Kabengele Munanga, nos quais encontramos convergências com grande
parte dos pensamentos de autores que nos serviram de embasamento teórico para a realização
deste projeto. Em especial sobre a explicação direcionada às políticas sobre as quais se
configuram o mito da democracia racial na sociedade brasileira, implantada nos primórdios do
século XIX, que, segundo ele, partiu do pressuposto de superioridade da raça branca em
relação à raça negra.
Verificamos, ainda, no pensamento de Kabengele Munanga, Milton Santos,
Hasembalg (1979) e também da Professora Antonieta Antonicci, convergência com o
conceito “sutis artifícios” do sociólogo Pierre Bourdieu, quando o mesmo investigava na
França, a existência de escolas específicas para atender os filhos de imigrantes ilegais naquele
país. Assim, Boudieu (2007) afasta de suas análises, a hipótese que, as diferenças sociais
residiam apenas na estratificação social e sim, mais pelos estilos de vida, de linguagem e de
culturas, entre outras do que do ponto de vista social. E, essas práticas delimitam os espaços
de poder, os quais passam a ser quase que, exclusivamente de predominância do dominador, e
tais fundamentos partem sempre do preconceito de origem e da discriminação racial.
Nesse caso, o capital social corresponde às relações interpessoais que cada indivíduo
constrói, através dos benefícios ou malefícios originados das competições, sobretudo, no
campo educacional, no qual se acumula o capital cultural enquanto poder, na forma de
conhecimento cultura que, em geral, tem apreensão nas obras culturais e diplomas adquiridos.
Desse modo, os autores em convergência com esta interpretação, nos orientam acerca da
reprodução social objetiva, que consiste na perpetuação das relações sociais de dominação
através de aspecto simbólico, que se configura na relação de poder sobre aquele que se julga
inferior.
Procuramos seguir pelos caminhos apontados pelos diversos pensadores para então,
compreender e aprimorar a nossa construção histórica, na qual observamos que a USP
continua a desempenhar papel dominante, ao promover a exclusão educacional da população
estudantil negra em seus espaços. Cujos desdobramentos os atingem no campo econômico,
político e social, afastando-os dos espaços de poder, ocupados sempre por maioria branca.
Dada a relação de longevidade entre o início da disseminação de cultura do racismo no
imaginário coletivo popular entre os séculos XV ao XXI, na Europa, que posteriormente é
importada para o Brasil. Consideramos apropriado trazer esta discussão para este trabalho, a
fim de disseminar que, a relação tempo e espaço que perpassa às relações sociais na USP.
Observamos que as imposições contra a ascensão social dos estudantes negros e indígenas,
28
em seus espaços universitários, têm raízes remotas nos acontecimentos, ao longo desses
séculos, na Europa, mais precisamente na França. Quando os cientistas se apropriam de
conceitos utilizados da zoologia para classificar a botânica e legitimam as relações de
dominação, de sujeição e estratificação social entre elites e plebeus, sem que entre estes
houvesse diferenças morfobiológicas, comprobatórias ou minimamente notáveis.
Acreditamos que debater esta temática seja pertinente para evidenciar, o quão o
conceito de raça já influenciou e ainda influencia a nossa história. Pois, apesar de
transcorridos aproximadamente cinco séculos, entre os séculos XV e o XXI, ainda há, em
nossa sociedade, instituições públicas, como a USP, que não conseguem se desvencilhar da
crença racial, cujas mentes de seus dirigentes insistem na cultura de superioridade racial,
(CARVALHO, 2012).
Esperamos, portanto, que a nossa pesquisa apontem caminhos para a elucidação e
implementação das políticas de ação afirmativa na USP, inclusive oferecendo suporte para
que outros trabalhos possam difundir as políticas de acesso às universidades públicas para as
populações negras e indígenas. No decorrer de nossa pesquisa, constatamos a ausência de
estudantes, professores e profissionais negros nas universidades públicas em especial na USP
que é parte de nosso objeto de estudo. Assim promover e propiciar políticas capazes de
inverter este quadro de “confinamento racial”, transformando assim a Universidade de São
Paulo, em uma universidade substancialmente pública, (CARVALHO, 2005/2006).
Debruçamo-nos ainda, sobre importantes clássicos, em especial sobre a obra
intitulada “A Universidade da Comunhão Paulista de Irene Arruda Ribeiro Cardoso e
(1982)”. Pois a referida obra prefaciada por Alfredo Bosi, foi criteriosamente organizada a
partir de fonte de pesquisa histórica, (documentos históricos). E, discute também os
processos ideológicos sobre os quais se assenta a Universidade de São Paulo, nos propiciando
compreender a estrutura política daquela universidade e a ideia de meritocracia que se articula
contra as políticas de ação afirmativa para os estudantes negros e indígenas, em seus espaços.
Tais ações culminam com os descaminhos das políticas de ação afirmativa, justificadas sobre
a “manutenção de qualidade da produção científica e garantia da manutenção da meritocracia
na Universidade de São Paulo, assim fortalecendo as classes dominantes em detrimentos dos
demais”, e neste sentido seguimos também (HERNADEZ, 2005; SANTOS, 2004, p.16-
19).15
15
SANTOS, Hélio. Desenvolvimento e Inclusão social. In: Ortega, E. & Ulgiati, S. (Editor): Proceedings of IV
Biennial International Workshop “Advances in Energy Studies”. Unicamp, Campinas, SP, Brazil. June 16-
19, 2004, p. 175-180.
29
A análise de documentos, tais como o inquérito de 1926, a Constituição de 1932, as
políticas e arranjos do então presidente da República, Getúlio Vargas. Assim como também
analisamos políticos importantes, enquanto personagens da “novela”16
que constroem a
história da USP e, simultaneamente, a história de São Paulo também foram importantes para o
contexto desta dissertação. Armando Sales, Fernando Azevedo, entre outros, e os arranjos
políticos do grupo do jornal O Estado de São Paulo encabeçado por Júlio Mesquita, (pai e
filho) contribuíram para a concretização da fundação da USP e das políticas de dominação, na
educação pública brasileira, (CARDOSO, 1982, p. 44).
Esmiuçamos, portanto, o contexto histórico sobre o qual essa Universidade é
construída, em 1934, e o contexto atual das políticas de ação afirmativa, em especial, sobre as
cotas raciais, enquanto reserva de vagas para as populações negras, indígenas17
e pobres.
Observarmos que a USP tem se transformado cada vez mais, em um espaço segregado,
exclusivamente reservado para as classes dominantes. Desse modo, em pleno século XXI,
ainda mantêm seu discurso sobre o conceito de meritocracia, estratificação social idealizada
para suprimir as populações negras, pobres e indígenas que habitavam São Paulo, já na
década de 1930.
Consideramos também importante difundir as políticas sobre as quais se assentou o
Movimento Negro Unificado (MNU). O que significa resgatar a história da luta do povo
negro brasileiro, desde os primórdios da segunda década do século XX, quando a Frente
Negra Brasileira se organiza em prol da luta pelos interesses do povo negro e, neste sentido
procuraremos descortinar a história da FNB a qual foi desarticulada pelas políticas
estabelecidas no Brasil. Cujos algozes percebem que não fazê-lo seria permitir à comunidade
negra brasileira ocupar espaços de poder, a começar pela educação, já que esta sempre foi a
principal pauta do movimento liderado pela Frente Negra, cujo objetivo era fazer com que, as
negras e os negros, pudessem ascender socialmente, através do conhecimento formal,
(BARBOSA, 2007).
Nesse contexto, não poderíamos nos furtar ao debate sobre o Centro Cívico Palmares,
associação fundada em 1926, em São Paulo que, ao pautar o tema de participação política,
ultrapassa o objetivo de entidade recreativa; alcança um nível de organização e atuação capaz
de transpor seu reconhecimento, cultura por esse longo período, ao atingir nossa memória, e
nos propicia a oportunidade de escrever em nossa pesquisa a sua história, (BARBOSA, 2007).
16
O termo foi uma escolha da autora, usado para satirizar a maneira em que se entrelaçam política e meios de
comunicação, ou seja, o jornalismo impresso do popular “ESTADÃO”, jornal “O Estado de São Paulo”. 17
Grifo da autora fundamentada em Cardoso, 1982.
30
Ademais, não observamos uma coincidência entre a inauguração do Centro Cívico
Palmares, a luta da FNB. Assim, como também sobre as demais organizações negras, do
início do século XX, tampouco na elaboração do Inquérito de 1926, que norteou a educação
pública em São Paulo e no Brasil, bem como sobre a idealização da Universidade de São
Paulo, que se concretizou em 1934, (CARDOSO, 1982).
A história da Frente Negra Brasileira e, posteriormente, do MNU, no Brasil, tem
colaborado para a manutenção das culturas negras. Dessa forma, as pessoas nas diversas
fontes já apresentadas nos possibilitaram o cruzamento de dados nos diferentes pontos de
vista que nos auxiliam neste debate sobre essa temática em nossa dissertação, uma vez que,
em nosso cotidiano, mesmo no espaço universitário, escutamos críticas ferrenhas a este
movimento (FNB). Esse debate político, muitas vezes, é interpretado pelo viés da construção
histórica da oposição, ou de teóricos cujo pensamento diverge das questões raciais por motivo
de suas formações e culturas. Assim, se configurou no tecido social a interpretação de que a
FNB seria uma organização de tendência política de direita, o que contribuiu, e contribui
ainda no presente, para a desvalorização da luta política dos negros que nos antecederam;
todos vivem na memória e na História e, em nossa pesquisa, procuramos evidenciar suas lutas
e articulação política, as quais contribuíram para que o MNU se (re)organizasse a partir dos
anos 1978, se fortalecendo, após os anos de 1985, com o cessar do regime da Ditadura Militar
no Brasil.
Analisamos, ainda, obras e pensadores, como: Florestan Fernandes, em: A Integração
do Negro na Sociedade de Classe; Encontros com Florestan Fernandes, um livro organizado
por Amélia Com, composto de uma série de entrevistas realizadas por diversos meios de
comunicação social, no jornal impresso, que muito nos auxiliou acerca dessas questões, pois
permitiu a compreensão e construção do conhecimento acerca que foram: “os novos negros na
sociedade de classe”18
, em São Paulo; Ivair A. A. dos Santos em O Movimento Negro e o
Estado 1983-1987; Regina Pahim Pinto em sua obra: O Movimento Negro em São Paulo,
prefaciado por Ivair A. A. dos Santos; o trabalho de doutorado da ex-ministra Matilde Ribeiro
pelo Programa de Serviço Social da PUC-SP intitulado: Políticas da Promoção Racial no
Brasil 1986-2010; artigos de Paulino Cardoso. E, o livro História do Movimento Negro
Brasileiro, organizado por Marcio Barbosa, sociólogo que, movido pela curiosidade de
entender o movimento FNB. Com a qual possui laços familiares, entrevista Aristides
18
“Os novos negros na sociedade de classe” é um termo muito usado nos livros do Professor Florestan Fernandes
para explicar as populações negras em luta por integrar-se na sociedade de classe, ou seja, na classe trabalhadora
de São Paulo e em geral, em São Paulo e no Brasil.
31
Barbosa, Francisco Lucrécio, José Correia Leite, Marcello Orlando Ribeiro e Placidino
Damasceno Mota, e nos apresenta depoimentos e interpretações a partir de entrevistas dos
fundadores do FNB.
Em primeira instância, tomamos por aprofundamento teórico pensadores das diversas
áreas e disciplinas, muitos dos quais já foram apresentados, e outros que serão mencionados
no decorrer da redação desta dissertação. O motivo pelo qual percorremos áreas diversas para
a construção histórica de nossa pesquisa coloca em relevo a ausência de trabalhos, no âmbito
historiográfico, sobre as questões raciais, denotando assim, que, nesse aspecto, há muitas
lacunas a serem preenchidas.
O primeiro capítulo intitulado “A Luta de Jupiara Castro no Contexto do Movimento
Negro na USP e as Políticas de Ação Afirmativa em Questão”, elaborado a partir de
depoimentos formais e informais, memórias e entrevistas dos sujeitos sociais: Maria José
Meneses, Cristiane Maria de Paula, Emerson Gabriel dos Santos e, especialmente, Jupiara
Castro, com a qual pudemos contar em diversos momentos da construção desta pesquisa,
recebendo dela as informações pertinentes para sanar as dúvidas que surgiam no decorrer
deste caminho.
A partir de analise de fontes, identificamos casos de racismo na USP contra
professores, estudantes, funcionários e candidatos à vaga de emprego, motivo pelo qual
professores (as), estudantes e funcionários negros (as) se organizaram e fundaram o
NCN na USP, e, esse acontecimento traz à tona, também a luta do movimento
“Ocupação Preta”, em seu cotidiano durante o primeiro semestre de 2015, que funciona
no sentido de conscientizar a comunidade uspiana para a existência do racismo
estrutural naquela universidade (USP). Pois, o racismo na USP culmina com a ausência
quase que absoluta (em certas faculdades, a exemplo da medicina) não só de estudantes
negros (as), mas também de professores (as) e profissionais negros em cargos mais altos,
resultado da má administração da referida instituição, a qual não inclui os negros.
Nesse sentido, para formar o nosso panorama histórico, nos apoiamos em Antonacci
(2015) e em Portelli (1996), os quais nos apresentam formas de construção histórica a
partir de olhares e experiências vivenciais ou narradas pelos sujeitos históricos sociais.
[...] A subjetividade, o trabalho através do qual as pessoas constroem e
atribuem o significado à própria experiência e a própria identidade, constitui
por si mesmo o argumento, o fim mesmo do discurso. Excluir ou exorcizar a
subjetividade como se fosse somente uma fastidiosa interferência na
objetividade factual do testemunho quer dizer, em última instância, torcer o
significado próprio dos fatos narrados. (PORTELLI, 1996, p. 2)
32
De acordo com o discurso do pensador, percorremos os caminhos por ele sugeridos até
chegarmos aos nossos históricos sujeitos e, em seu embasamento teórico, construímos o
primeiro capítulo desta pesquisa. Em seguida, com olhares atentos ao pensamento da
Professora Maria Antonieta Antonacci elucidando que: “a história oral reaproxima a fala da
escrita, trazendo à tona articulações da oralidade” entre a palavra e a escrita, “em sinal de
quão imbricadas e sutis são as relações entre o oral e letrado, erudito e popular”, na qual
também encontramos respaldo teórico, (ANTONACCI, 2015, p.35).
Desse modo, seguimos então a nossa construção histórica fundamentada na oralidade,
em segurança, embasada, no mínimo, por dois pensadores cujas teorias vêm sustentando a
pesquisa científica no âmbito das ciências humanas e sociais em torno do Brasil e de outras
partes do mundo. Em seguida, discutimos as ideias ancoradas no conceito de “meritocracia”
pela USP, concentrando os argumentos em fundamentos jurídicos e culturais, a partir da
reflexão da justiça compensatória das políticas de ação afirmativa dirigidas a estudantes
negros através das leis 10.639/2003 e 12.711/2012, sobre a questão de inclusão pelas cotas
raciais.
Enquanto o segundo capítulo concentra-se na análise de fontes, fundamentada no
documento a “CARTA ABERTA”, emitida à USP publicamente por três professores (as):
Lilia Moritz Schwarcz, (Departamento de Antropologia USP); Maria Helena P. Toledo
Machado (Departamento de História USP); e Wagner Gonçalves (Departamento de
Antropologia USP), os quais, em seus discursos, parecem ser favoráveis ao sistema da
meritocracia adotado pela Universidade de São Paulo (USP). Apesar dessa posição
expressam o reconhecimento do excesso de exclusão praticado pela referida instituição.
Assim, consegue impedir que a mesma mantivesse o maior grau de segregação racial jamais
visto em uma sociedade democrática, descontinuando a ideia de ensino a distância, através do
sistema College, para estudantes negros e indígenas que são maioria pobre.
No mesmo capítulo, discutimos, brevemente, a origem do racismo no mundo e no
Brasil, observando atentamente os argumentos do Professor Kabengele Munanga (2004,
2003; 2011) e de M. Luiza T. Carneiro (1998), que debatem com profundidade a origem do
preconceito racial. Nesse sentido, procuramos relacionar a origem do racismo estrutural,
presente na USP e na mentalidade de seus principais dirigentes.
Debatemos com grande ênfase o sistema de educação pública brasileiro, destacando a
sua estruturação desde o “Inquérito de 1926” até a atualidade. Para esta discussão, seguimos a
33
trilha do Professor Antônio Sergio Guimarães (2003), Cardoso (1982) entre outros pensadores
que elucidam este debate.
No terceiro capítulo, analisamos a origem das políticas de ação afirmativa no Brasil,
enquanto legado dos EUA, debatendo as lutas antirracistas nos dois países, para então
compreender o contexto histórico da luta do movimento negro no Brasil; em especial a luta
pelas políticas de ação afirmativa na Universidade de São Paulo, objeto de nossa pesquisa.
Desse modo, apoiamo-nos em Moehlecke (2002), Paulino Cardoso (2008), entre outros.
Destacamos que a PUC-SP foi uma das poucas instituições (privadas ou públicas) em São
Paulo, ou mesmo em termos de Brasil, a abrir espaço para a discussão contra o preconceito e a
discriminação racial, uma vez que, já na década de 1970, este tema já estava em questão em
seus espaços. Assim, oportunizando a formação de profissionais capazes de levar adiante este
debate, através da educação, da participação política, entre outras formas de participação e
intervenção contra o racismo estrutural no Brasil, (SANTOS, 2006). 19
Por fim, apresentamos as considerações finais, nas quais evidenciamos a
reorganização do Movimento Negro Unificado (MNU) e sua luta, a partir da década de 1978.
Procurando descortinar os preconceitos raciais e suas consequências, problematizando o
resultado dos dez anos da adoção das políticas afirmativas, as cotas raciais, adotadas nas
principais universidades públicas brasileiras e também, pela utilização das políticas
afirmativas através do sistema Pro-Uni. Apresentamos enfim, as considerações sobre o porquê
a USP segue os caminhos de uma política ultrapassada, do ponto de vista da igualdade e dos
direitos sociais, reconhecidos pela Suprema Corte Federal Brasileira. E assim, em pleno
século XXI, se mantém sobre a estrutura política de sua origem, antidemocrática, direcionada
às classes dominantes, prejudicando o pleno desenvolvimento educacional e profissional dos
estudantes negros.
19
SANTOS, Evair Augusto Alves dos. O Movimento Negro e o Estado (1983-1987). São Paulo: CONE.
Prefeitura de São Paulo, Imprensa Oficial, 2006.
34
CAPÍTULO I A LUTA DE JUPIARA CASTRO NO CONTEXTO DO
MOVIMENTO NEGRO NA USP, E AS POLÍTICAS DE AÇÃO
AFIRMATIVA EM QUESTÃO.
Em 08 de maio de 2015, pela primeira vez visitamos o Núcleo de Consciência Negra
na USP, ocasião em que conhecemos Jupiara Gonçalves Castro, diretora do mesmo. Mas,
frente aos desencontros mediados pela falta de boa vontade da então secretária do NCN,
Cristiane Avelar, em 27 de outubro de 2015, data da qualificação desta dissertação não
apresentamos a discussão sobre a origem do NCN, do movimento negro em mobilização por
direitos sociais na USP. Para efeitos de conclusão desta etapa, precisamos da intervenção do
Prof. Juarez Tadeu de Paula Xavier, quando os acessos a informações foram facilitados.
Reunimo-nos em ocasiões e locais diferentes, ou seja, conversamos com Cristiane
Paula, responsável por a organização e conservação dos documentos do NCN e, Maria José
Menezes, coordenadora do mesmo, na mesma oportunidade, em um encontro no Sindicato
dos Metroviários no bairro do Tatuapé, em São Paulo. Este encontro ocorreu no dia 07 de
setembro de 2015, à tarde quando ambas responderam a uma entrevista sobre o NCN e sobre
as lutas do movimento negro na USP.
No local, havia um encontro das comunidades negras onde era debatido: a educação
étnica racial; a situação da mulher negra; a violência contra os jovens negros na preferia de
São Paulo, entre outras questões. Permanecemos juntas durante a tarde toda, e isso facilitou a
obtenção de outras informações pertinentes à pesquisa, além do previsto. Na ocasião, fomos
apresentados (a) ao líder do movimento “Ocupação Preta” Emerson Gabriel dos Santos,
embora já o conhecêssemos de alguns debates sobre as lutas na USP em que o mesmo fazia
parte da mesa. Na ocasião, entretanto, não o entrevistamos. Apenas conversamos
informalmente, trocamos telefones e e-mail a fim de marcar uma conversa posterior, o que
ocorreu quinze dias depois na biblioteca pública Mário de Andrade, no centro de São Paulo.
Realizamos as entrevistas com os membros do Movimento Negro na USP, com o
cuidado especial para que não fosse esquecido nada do roteiro previamente elaborado, mas as
entrevistas se converteram em um bate-papo agradável e não houve necessidade de tanta
formalização. Reunimo-nos, então, para conversar sobre o NCN com Jupiara Castro, em 02 de
outubro de 2015, em um restaurante na Avenida Vital Brasil. Durante a conversa, muitas
informações sobre os motivos que ocasionaram a fundação do NCN surgiram
espontaneamente e a entrevista ocorreu por cerca de 40 minutos, mas podemos dizer que foi
35
mais uma conversa histórica do que uma entrevista em si. Somente questionamos algumas
informações porque grande parte já havia sido abordada durante o almoço.
Jupiara Castro nos relatou sobre sua luta até conseguir entrar na USP, tendo que
estudar muito, pois fez cursinho preparatório para ser aprovada no processo seletivo, o qual
lhe garantiu ser admitida para o cargo que hoje ocupa de chefe de departamento na Faculdade
de Medicina da USP. Ela nos contou que, ao entrar na USP, imediatamente se encantou com a
beleza do campus, "imensa" estrutura e, enquanto mulher negra, nascida em Minas Gerais e
criada no Rio de Janeiro, onde precisou interromper seus estudos e vir para São Paulo. Cujo
objetivo estava bem definido: continuar e terminar a faculdade; trabalhar para se sustentar e
também, ajudar a sua família, (CASTRO, 02/10/2015).20
Mas, em seguida, ao observar e conviver com as políticas adotadas pelos dirigentes da
USP, se desencantou. Pois logo pode perceber que o racismo estava impregnado naquela
universidade. Assim, imediatamente à sua entrada para o quadro de funcionários da USP,
tratou de se associar ao Sindicato dos Trabalhadores daquela instituição, o (SINTUSP), no
qual boa parte dos associados era negra, já que na época, alguns negros já tinham conseguido
ingressar pelos processos seletivos da USP, sem serem barrados pela cor da pele: “talvez pela
necessidade de técnicos que havia naquele momento, fez com que alguns negros já
trabalhassem em diversos setores da instituição, na operação, em função
técnico/administrativo” e, como o racismo era uma rotina na USP, a maioria procurava
manter algum vínculo com as entidades que pudessem a representar.21
Assim, em maio de 1988, quando a Universidade de São Paulo realizou um Seminário
para comemoração dos cem anos da abolição da escravatura, Jupiara Castro já estava à frente
do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP). Foi o que possibilitou a organização do
NCN e de outras lutas e movimentos que discutiremos a seguir. Acreditamos que o apelido
que ganhou de seus discípulos, “mulher de ferro”, esteja relacionado à sua persistência,
insistência e resistência, pois só uma pessoa no mínimo esses três adjetivos seria capaz de
organizar e estabelecer uma instituição de expressão negra em um espaço de dominação
completamente branco.
Neste seminário, os negros que trabalhavam na Universidade de São Paulo (USP),
nem mesmo os professores e os estudantes foram impedidos elaborar e participar de sua
abertura, fator que os levou a se reunirem antes do seminário para debater o racismo estrutural
contra os negros naquela instituição. Nessa reunião, estavam presentes os professores: Milton
20
Jupiara Castro em entrevista para este trabalho, 02/10/2015, em São Paulo. 21
.Ibid.
36
Santos, Kabengele Munanga e Petronília Beatriz, e os alunos que hoje são professores:
Henrique Cunha Júnior, Dilma de Melo, Eunice Prudente, entre outros (as).
Antes do início do referido seminário, funcionários, professores e estudantes negros
(as) entraram no anfiteatro da Faculdade de História (onde ocorreu o seminário) e ocuparam
as primeiras cadeiras (perto da mesa de abertura, mesa inaugural) a fim de chamar atenção
para o preconceito racial de que estavam sendo vítimas22
. A este movimento eles chamaram
de “Ocupação Preta”, nome que influenciou o atual movimento dos estudantes negros na
USP, de mesma nomenclatura.23
A mesa desse seminário foi formada por professoras e professores brasileiros e
estrangeiros, exclusivamente brancos (as), inclusive, participaram: Fernando Henrique
Cardoso, Florestan Fernandes entre outros e, dentre eles estava um professor que, segundo
Jupiara, chama-se Thomas Mory, (dos Estados Unidos), embora ela não soubesse precisar de
qual universidade esse professor (Thomas Mory) fazia parte. Quando o professor Thomas
Mory começou sua fala no seminário, o “dialeto americanizado” chamou atenção de alguns
estudantes que reagiram com muitas vaias e protestos, gritos reafirmando que o mesmo estaria
ocupando o lugar de professores negros brasileiros. Nesse momento, o referido professor,
aparentemente “constrangido”, disse: “estou aqui na qualidade de convidado, mas um evento
deste, em meu país, jamais seria dirigido por professores brancos, pois no meu país os negros
já conquistaram o direito de organizar e responder por seus interesses”24
.
A partir da experiência do “Seminário”, houve grande mobilização dos negros na
Universidade de São Paulo (USP). Ocasião em que os mesmos se organizaram no Sindicato
(SENTRUP) e resolveram que dentro daquela instituição (USP) precisaria ser colocado um
“olhar negro”, que fosse capaz de mobilizar a discussão da história dos negros naquele
espaço. Então, negras e negros, na USP, partiram para a luta. Jupiara nos fala sobre essa
resolução:
Os professores e os alunos negros se juntavam a nós. As associações e os
sindicatos favoreceriam esta articulação política. Na primeira discussão,
acertamos que em novembro organizaríamos a Semana da Abolição
Interrogada. O que aconteceu, e ao contrário do treze de maio, contou com
a participação maciça de todos os notáveis docentes negros e outros não
negros que já começam a nos apoiar, pois é assim que se constrói um debate
22
A referência “as primeiras cadeiras” trata-se das cadeiras mais próximas da mesa inaugural do seminário.
Jupiara Castro em entrevista do dia 02/10/2015, em São Paulo. 23
Ibid. 24
Ibid.
37
democrático. Mas, a organização, a abertura do Seminário pensado por
nós, foi elaborada 100% pelas professoras e professores negros.25
Assim, as negras e os negros da USP driblam essa situação e transformam o desprezo
dos dirigentes arrogantes daquela instituição em motivação para luta permanente. De certa
forma, a negação do direito de discutir a realidade dos negros no Brasil, no referido
Seminário, em maio de 1988, os impulsiona para novas atitudes, deixando o seu legado em
nós. Enquanto o movimento negro se organiza e se fortalece dentro da USP, seus dirigentes
permanecem na inércia do passado, buscando afirmação em ideias retrógradas como a
meritocracia, situação que muitas vezes, os aproximam do ridículo, da ignorância intelectual.
Arrisca-se aqui uma frase: “Conhecimento serve para encantar as pessoas e não para humilhá-
las”.26
Questionamos também sobre os vínculos entre o movimento “Ocupação Preta” e o
NCN. Jupiara nos explica que na “Frente Pró Cotas”, e o “Ocupação Preta”, na luta contra a
segregação racial, cada qual assume a sua responsabilidade na luta dentro da USP, mas que o
NCN está sempre por perto quando se faz necessário, e afirma: “somos um movimento dentro
da USP, nossa luta é única, lutamos por equidade”, inclusive o Emerson Gabriel e a Maria
José Menezes são líderes da “Ocupação Preta” e são do NCN também, o que significa que o
movimento por direitos civis na USP é unificado”.27
Assim, questionamos sobre o acontecimento da aula de microeconomia quando um
estudante exibe cenas de racismo contra uma militante do movimento “Ocupação Preta”. A
resposta de Jupiara foi que o NCN não apenas tomou conhecimento do ocorrido, como
também buscou medidas jurídicas para impedir que um estudante racista permaneça dentro da
USP. No caso, a justiça deve verificar e agir se ficar provado que houve racismo, inclinando-
se para um posicionamento que impeça que essas “pessoas possam continuar dentro de uma
universidade pública agindo como se estivessem em um território particular. E, mesmo que
fosse particular, hoje o racismo é crime”, concluiu.28
Conversamos mais um pouco sobre o caso de racismo na aula de microeconomia e
Jupiara Castro terminou chorando ao se lembrar da humilhação a que o estudante sujeitou a
militante do movimento “Ocupação Preta”. Ela repetiu as palavras do estudante: “meu papai
25
Ibid. 26
CORTELLA. Disponível em: <http://www.contioutra.com/todo-intelectual-tem-que-ser-chato>, cunhado por:
Josie Conti. Acesso: 08 jan. 2016. 27
Jupiara Castro em entrevista do dia 02/10/2015, em São Paulo. 28
Ibid.
38
pagou meus estudos e tenho muito orgulho disso”, e a menina embarga a voz e diz para ele
que o pai dela morreu quando ela ainda era criança. Mesmo assim, o rapaz em tom esnobe
diz: “que pena, que peninha”. Observa-se que, nesta ocorrência, há uma situação
característica de racismo desvelado na Universidade de São Paulo (USP).
Historicismos este caso com detalhe mais à frente, na história da “Ocupação Preta”,
quando daremos nomes aos sujeitos.
1.1 A Origem Núcleo de Consciência Negra na USP
Jupiara nos conta, detalhadamente, sobre o grande feito. A concretização do
NCN/USP, uma organização necessária que inicialmente serviu de espaço para as primeiras
reuniões e, em 1988, logo depois do “Seminário da Abolição”, eles ocuparam uma ampliação
que havia servido de laboratório e estava desativado, e assim foram ocupando espaços, até
chegar à área que abriga o NCN hoje. A seguir, relata sobre o início do NCN.
O Núcleo de Consciência Negra na USP nasce de uma articulação que eu
busquei entre a ADUSP (Associação dos Docentes da USP)com o Prof. Dr.
Henrique Cunha Jr, diretor da entidade naquele momento, no DCE
(Diretório Central dos Estudantes) com Wilson Honório e (SINTUSP)
Sindicato dos Trabalhadores da USP eu Jupiara G. Castro. Pois, a partir do
seminário internacional se aguçou a nossa vontade de colocar “Um Olhar
Negro”, na discussão. Em Novembro do mesmo ano, organizamos, então, a
“Semana da Abolição Interrogada”, com a participação de todos os
notáveis docentes negros e outros não negros, pois é assim que se constrói
um Debate democrático e representativo.29
Na citação acima, Jupiara chama atenção sobre a ausência de um debate democrático na
forma como a USP conduz as questões sobre os negros e quanto ao desrespeito de que são vitimas
naquele espaço. 30
Enquanto a entrevistada narrava o episódio acerca do impedimento dos docentes
negros elaborarem o seminário de comemoração dos cem anos da abolição, íamos refletindo
sobre as obras do Professor Munanga, quanto a sua forma didática em que discute o racismo
e suas consequências na sociedade brasileira; do Professor Milton Santos, cuja importância
intelectual de sua produção, seu pensamento, repercute em grande parte do mundo, inclusive
na França, onde passou parte de sua vida lecionando. Desse modo, fica difícil encontrar
29
Ibid. 30
Grifo da autora.
39
alguma razão que os impeçam participar de um evento de qualquer dimensão, em particular
sobre as questões raciais dentro de uma Universidade de São Paulo. O que nos leva a
concordar com Jupiara Castro que, por volta de 1988, o racismo na Universidade de São
Paulo (USP), era visivelmente “naturalizado”, de forma que se praticava como se fosse
“normal”.
A seguir, sobre a situação dos professores negros na Universidade de São Paulo
(USP), em especial, por serem excluídos do seminário internacional dos cem anos da
“abolição da escravatura” (em 13 de maio de 1988), refletimos em Jupiara Castro:
Esses ilustres professores e professoras não puderam elaborar ou discutir o
tema em questão, que nos diz respeito. Foi a partir desse momento que se
pensou na fundação do Núcleo de Consciência Negra (NCN). Se apresentou
a necessidade mais que urgente de termos um fórum, entidade, uma frente
política, na qual houvesse espaço que nós negros pudéssemos discutir
nossas questões e apresentá-las para a Universidade e para a sociedade
brasileira.31
.
Sobre as primeiras mobilizações entre os professores, os estudantes e os trabalhadores
negros da USP, relembramos uma entrevista de Boris Casoy com o Professor Milton Santos,
em que o mesmo é notável na discussão sobre o tema globalização, se destaca e o
entrevistador se curva à sua discussão. Em outra entrevista, o Professor Milton Santos
assegura que ser negro no Brasil é diferente de ser negro em outras partes do mundo; relata
que em uma de suas viagens, retornando ao Brasil, uma aeromoça dirigiu-se a ele perguntado
se poderia comunicar-se em francês durante o vooo, e quando ele respondeu que ela poderia
se pronunciar na língua portuguesa mesmo, a aeromoça pareceu estar perplexa. O Professor
Milton Santos explica que, entre os negros brasileiros, sua realidade é uma exceção, já que
eram raros os casos de brasileiros negros que pudessem viajar de avião naquela época,
principalmente para outros países. Então, no entender da aeromoça, para um negro estar
naquele voo só podia se tratar de alguém de origem francesa, ou de outro país, menos do
Brasil.32
Dividíamo-nos entre as trajetórias dos dois professores (Milton Santos e Kabengele
Munanga) e, não conseguíamos compreender a razão de ambos não serem os mentores do tal
seminário. Ao relatar esta história, em vários momentos, a entrevistada (Jupiara) ficava com
sua voz embargada. Observamos que ela se emocionava quando buscavam em sua memória
31
Jupiara Castro em entrevista do dia 02/10/2015, em São Paulo. 32
SANTOS, Milton. Em entrevista para a Professora Zilda Iokoi, Departamento de História da FFLCH/USP.
Revista ADUSP, jun., 1999.
40
os acontecimentos do dia 13 de maio de 1988, que na Universidade de São Paulo (USP)
representou mais um dia de repressão contra as populações negras.
Perguntamos, então: qual a representação do NCN enquanto movimento negro para o
Brasil? Ou seja, as lutas antirracistas lideradas por Jupiara Castro na USP, vão além do
universo uspiano? E a resposta foi a seguinte:
O NCN tem o reconhecimento não só na USP, mais nas grandes lutas
políticas no país pelos direitos civis da população afro-brasileira. Quando
se fala no NCN dentro do Movimento Negro Nacional, o reconhecimento
pela luta dos cursinhos pré-vestibular para negros e carentes, está lá e
quaisquer pessoas que precisar de nós estamos à disposição. – As aulas do
cursinho têm ajudado muito os jovens negros, trazendo eles para dentro da
USP, se não fosse isso o percentual de negro aqui dentro seria bem menor
do que é. Não porque os negros não tenham capacidade de passar no
vestibular FUVEST, mas porque a eles não é dada essa oportunidade, a
maioria deles trabalha para se sustentarem e são pobres não tem como
pagar os cursinhos que são caros demais, são para as elites. Então, através
do cursinho eles se empenham e conseguem passar, mas não é suficiente –
precisamos das ações afirmativas na USP. Aqui na Universidade de São
Paulo, foi lançado o Projeto de Reparações Já, que deu origem às políticas
públicas para negros que temos hoje, O estatuto da Igualdade Racial, a Lei
10.639/2003 e a 12.711/2012, sobre as cotas raciais (acesso e permanência)
que classificamos como reservas de vagas para negros e carentes.33
Questionamos sobre a atuação da imprensa acerca da ausência de professoras e
professores negros no Seminário, e a entrevistada respondeu o que segue:
Ao sairmos do Anfiteatro da História, havia alguns jornalistas na frente; ao
notarem a nossa insatisfação sobre o que acabava de acontecer, então
procuraram falar com os professores, a partir dos depoimentos dos
professores e funcionários negros, saíram pequenas notas nos jornais,
“Estadão”, “Folha de São Paulo” e notinha na TV contendo crítica nossa,
mas não houve nenhum posicionamento da imprensa sobre o acontecido.34
Realmente, não encontramos dados referentes a este caso, acima citados por nossa
entrevistada, exceto que na ocasião a USP organizou o referido seminário. Jupiara Castro chama
atenção para o racismo estrutural na USP, até então, “naturalizado”. E, observamos que tal
“naturalização”, prejudica os estudantes negros quando os dirigentes da USP em comunhão com o
governador do estado, Geraldo Alckmin, nega-lhes o direito às políticas afirmativas através da reserva,
conforme a legislação brasileira em vigor.
33
Entrevista com Jupiara Castro em 02 de outubro de 2015, em São Paulo. 34
Fala de Jupiara Castro, fundadora e atualmente diretora do NCN/USP. Em entrevista para esta pesquisa,
concedida à autora em 02 de outubro de 2015, em São Paulo.
41
Destacamos também algumas conversas com Jupiara Castro, pois as gravamos a fim
de recuperar algum detalhe que porventura ficasse esquecido. Espontaneamente ela relata
sobre a repressão que as populações negras enfrentam no seu cotidiano em todo o Brasil:
Apesar das agressões de grupos de direita, da tentativa de extermínio contra
a população negra pelo próprio Estado, através da polícia. Tudo isso
contribui para o emperramento da política afirmativa. Pois, se por um lado
há avanços, conquistas através da mobilização do movimento negro, por
outro lado há setores conservadores. Inclusive o próprio Estado avança na
repressão e na continuação do extermínio do povo negro, e, aqui na USP, a
presença da população negra se torna quase invisível por isto a nossa luta
incomoda; mas a cada dia nos sentimos ainda mais incentivados demonstrar
a conscientização sobre seus direitos. 35
Nesse contexto, Jupiara Castro reconhece que a inclusão dos negros na educação
superior contribuirá para a diminuição da mortandade de jovens negros, inclusive pela polícia.
Perguntamos também se o NCN estava engajado na luta para a implantação das
políticas afirmativas dentro da USP, ou se apenas atuava com a articulação de políticas
inclusivas, combatendo a exclusão na USP. Jupiara responde que:
Sim, tanto pelas políticas afirmativas dentro e fora da USP também. Nós
lançamos o Movimento sobre ‘Reparações Já’, aqui em São Paulo, fomos
naquele momento chamados de loucos, pois nos reunimos com alguns
setores do Movimento Negro, para discutir a ação que, em resumo era ir
almoçar em um restaurante 5 estrelas, e dizer que não pagaríamos a conta,
pois ela já estava paga; ler o manifesto e exigir o pagamento do Estado
brasileiro em forma de indenização para cada afro-brasileiro, pelo crime da
escravidão. E, estava presente na pauta desta discussão: exigir a
democratização das universidades públicas pelas as cotas raciais, o ensino
da história da África, políticas na área da saúde para a população negra,
políticas na área da cultura, que buscassem resgatar a cultura do continente
africano, como cultura não mais como folclore. E assim ganhamos as
páginas dos jornais a nível nacional.36
O contexto da luta dos negros e dos direitos a serem alcançados pelas populações
negras está presente nas discussões entre os militantes negros na USP, e os mesmos
consideram que colocar em prática esta luta foi um passo gigantesco: “políticas afirmativas
são o nosso ponto alto”. Afinal, essa luta começa dentro da USP, que é uma das universidades
mais elitistas de todo o País, “quiçá, do mundo”. “Eles pensam nessa instituição, que é
sustentada com o dinheiro do povo, para formar filhos das elites como se fossem donos, e nós
35
Informação fornecida por Jupiara Castro, em entrevista concedida para este trabalho em 02/10/2015, em São
Paulo. 36
Informação de Jupiara Castro ao (JC) Jornal do Campus, em 14/11/2014 e publicada em 19/11/2014. Edição
de Novembro de 2014. E em entrevista para este trabalho, em 02/10/2015.
42
temos que pagar para os brancos estudarem na USP, eles que são filhos das elites”. “Se
depender da USP, nós estamos sós”.37
No decorrer da conversa com Jupiara Castro,
observamos o quanto sua influência pode ter alterado o cenário das populações negras
brasileiras. Havia lido no jornal do Campus (JC) sobre sua participação na Federação das
Universidades Brasileiras e sobre as conferências nacionais da saúde e da educação para as
relações étnico-raciais.
Este debate, no Congresso Nacional de Educação e nas Conferências
Nacional de Saúde, ajudou, colaborou na provocação deste que é um
trabalho de equipe, no Congresso Nacional. O senador Paulo Paim, tinha
como assessor o Prof. Edson Cardoso. E, nós contribuímos da forma que foi
possível com a construção de diversas audiências públicas e seminários,
possibilitando, assim, que muitas conversas balizassem a discussão nacional
e pudessem contribuir na preparação do arcabouço dos projetos de lei. O
que eu fiz não o foi sozinha e não o faço, cada passo que dei e dou é porque
temos pessoas comprometidas com esta luta tão importante para o povo
negro e carente do nosso País.38
Tais medidas são necessárias, porque este comportamento de exclusão não é um
restrito à USP, é histórico, faz parte da cultura dos grupos dominantes na sociedade
brasileira. E, a consciência dessa situação, leva o movimento negro a se articular e aguçar a
luta pela organização política além do universo uspiano. Embora o NCN tenha sido fundado
para dinamizar o debate sobre o racismo estrutural e repudiar ações preconceituosas que
acontecem no interior da USP, muitas vezes, de forma desvelada, como foi no caso do
seminário de comemoração dos cem anos da abolição, em 1988, já mencionado.
Coincidentemente, após um ano desse acontecimento, em 1989, época em que ocorreu um
processo seletivo público para o cargo de secretária, da secretaria da Faculdade de Medicina
da USP. De acordo com informação de Maria José Menezes, coordenadora do NCN, e
Cristiane Maria Paula, historiadora/organizadora da documentação do NCN, em entrevista
para este trabalho:
Em 1989, houve na USP um processo seletivo para uma vaga na função de
secretária da Secretaria da Faculdade de Medicina. E, muitas mulheres
participaram desse processo seletivo, que aconteceu em várias etapas e foi
se fechando até que ficaram apenas duas candidatas que, então, disputariam
a vaga; e uma teria que vencer a outra em algum quesito. Dentre todas as
candidatas inscritas, havia apenas uma negra e essa passou em todas as
etapas do processo, sendo uma das duas finalistas e a outra candidata
obviamente era branca. A candidata negra passou na frente da branca
sendo a vencedora, mas, ao final ela foi desclassificada porque no edital
37
Jupiara Castro em entrevista do dia 02/10/2015, em São Paulo. 38
Ibid.
43
exigia-se que a candidata fosse bilíngue e a candidata negra era poliglota,
ou seja, tinha o domínio de quatro línguas. Essa foi à desculpa dada para
ela não ser admitida no cargo, sendo então, desclassificada por ser mais
qualificada do que a outra.39
De acordo com os depoimentos de todos participantes do NCN para este trabalho, a
ocorrência desse processo de seleção, o qual se configurou enquanto um caso de racismo
estrutural, desvelado, incomodou todas as pessoas negras que faziam parte do quadro da USP:
alunos, professores e funcionários negros, levando-os a reunirem-se para discutir a questão, e,
se não fosse tomada devida providência, acredita-se que a situação tomaria proporção
imensurável “se diante de nossas lutas o racismo ainda é tão evidente, desvelado, sem elas,
então...”40
. No mesmo ano, outros casos de racismo contra as populações negras dentro da
USP motivaram a organização do NCN/USP. Mais adiante colocaremos esse ponto em
discussão.
Jupiara Castro nos conta que o NCN teve origem com a articulação entre ela própria,
que na ocasião já dirigia o SINTRUSP (Sindicato dos Funcionários da USP). E, também com
o Prof. Dr. Henrique Cunha Junior, na época diretor do DCE (Diretório Central dos
Estudantes), e Wilson Honório que dirigia a ADUSP, (Associação dos Docentes da USP) e,
contaram com a participação dos demais professores negros, os quais foram motivados pelo
ocorrido do seminário de 13 de maio de 1988.
Foi, então, a partir do “Seminário Internacional” que se aguçou a nossa
vontade de colocar “Um Olhar Negro” na discussão de nossa história
dentro da USP. Pois, se na USP faltava corpo docente e discente negro, na
frente dos sindicatos e associações, estavam incorporados muitos
funcionários que, aos poucos, tomavam consciência da necessidade dessa
luta e, entre esses funcionários já havia a consciência de que as associações
e, os sindicatos favoreceriam esta articulação política, o que realmente
acontece. Organizamos em Novembro a Semana da Abolição Interrogada,
com a participação de todos os notáveis docentes negros e outros não
negros que já começam a nos apoiar, pois é assim que se constrói um debate
democrático e representativo.41
39
Relato por: Maria José Menezes e Cristiane Paula/Ambas colaboradoras do Núcleo de Consciência Negra
(NCN/USP). A primeira atua na coordenação e a segunda na organização de documentos, informação entre
outros. O referido relato foi confirmado por Jupiara Castro. 40
Jupiara Castro em entrevista do dia 02/10/2015, em São Paulo.
41
Ibid.
44
De acordo com Jupará Castro, a Semana da abolição interrogada na USP, significou
dizer que, diante do comportamento dos dirigentes e professores que concordaram com a não
participação dos professores negros no seminário internacional em 13 de maio de 1988, a
abolição ainda estaria por acontecer.
Questionamos sobre a participação dos docentes negros na organização e construção
do NCN/USP e Jupiara nos fala:
Posso dizer que de certa forma todos os docentes negros da USP sempre
estiveram presentes na organização, na luta do NCN – uns mais, outros
menos, tudo sempre dependeu da questão de tempo. Como o professor
Milton Santos que era muito ocupado, requisitado em muitos lugares além
da USP. Mas sem dúvida alguma, a fundamental contribuição para a
formação do NCN se deve ao fato de ter naquela época uma representação
forte de negros na frente dos sindicatos e associações da USP, como eu já
disse. E, tínhamos consciência que já não podíamos mais assistir sem
registrarmos a nossa indignação, o que os dirigentes dessa instituição,
chamada USP, faziam conosco. Então nos organizamos e o NCN deu certo e
hoje tem o reconhecimento não só na USP, mais nas grandes lutas políticas
no país pelos direitos civis da população afro-brasileira. 42
Jupiara explica, então, como o NCN foi fundado e como se deu a contribuição dos
professores (as) negros (as) para esse feito. E, explica também sobre o reconhecimento do
NCN dentro da USP, sua importância para a luta do movimento negro, naquela universidade;
que vai desde a criação dos cursinhos pré-vestibular para negros e pessoas carentes, que
funcionam no espaço do NCN/USP, cujas aulas têm ajudado muito os jovens negros,
trazendo-os para dentro da USP. Sem o preparo oferecido pelo cursinho, tanto do NCN
quanto da Educafro, o percentual de negros dentro da USP seria bem menor do que nos dias
de hoje, como relatado anteriormente.
Nessa esteira, Maria José Menezes assegura: “precisamos das políticas afirmativas na
USP, eles dizem que estão implantando, mas não entendemos o sistema que a USP coloca
como políticas de ação afirmativa, se não abre mão da meritocracia”. Concordamos com
Jupiara Castro que afirma: “Você só pode discutir ‘mérito’ entre iguais”, porque discutir a
“meritocracia” entre os desiguais não tem lógica.
Outro membro do NCN se pronuncia sobre a ideia de meritocracia na USP: Cristiane
Maria Paula comenta: “nós, negros pobres, que estudamos na escola pública, que o Estado
42
Ibid..
45
oferece, não somos iguais à maioria que está na USP e passou a vida estudando nas
melhores escolas”. 43
Através de informação de Jupiara Castro, do NCN, fomos informados de que o
Professor Milton Santos passou por situação constrangedora na USP. Ele ingressou naquela
universidade, em 1984 logo que foi aprovado em um processo seletivo para o corpo docente.
No entanto, precisou esperar mais cinco anos, para ser efetivado; e, sua efetivação só
aconteceu após um grupo de professores se reunirem com o então reitor José Goldenberg, cuja
intervenção foi solicitar a devida regulamentação da posição profissional do Professor Milton
Santos enquanto docente. Pois, de acordo com o edital do processo seletivo ao qual foi
submetido juntamente com outros candidatos, inclusive para outros departamentos,
transcorridos dois anos em exercício da função, o professor (a), deveria ser efetivado
(CASTRO, 02/10/2015).
Ela também nos informa que, estavam presentes na reunião: Fernando Henrique
Cardoso, o Professor Florestan Fernandes, entre outros, intercederam junto à reitoria pela
efetivação do Professor Milton Santos. Mas, já que naquele processo seletivo o Professor
Milton Santos foi o único negro aprovado e também o único a não ser beneficiado pela
devida aplicação das normas do edital, ou seja, não ser efetivado após os dois anos de
exercício da função para a qual foi aprovado, (CASTRO, 02/10/2015).
Entendemos que, na melhor das hipóteses, esse comportamento é de profundo
desrespeito, inaceitável, abominável com qualquer professor, em especial, com um
profissional do nível do pensador, intelectual e Professor Milton Santos, sobre o qual
apresentamos a seguir:44
Em 1964, Milton Santos, já era professor da Universidade Federal da Bahia, quando
foi obrigado a abandonar sua função naquela universidade por imposição do Golpe Militar no
Brasil, ou seja, por sua militância política de esquerda, sofrei perseguição pela Ditadura
Militar, sendo preso e em seguida obrigado a deixar o Brasil. Ocasião em que, se exila na
França, onde deu continuidade a profissão de docência, pela a prestigiada Universidade de
Sorbonne.45
Anos mais tarde, lecionou também na Universidade de Toronto, no Canadá, até ser
convidado para o cargo de pesquisador no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos
EUA, uma das mais importantes instituições de ensino superior do mundo. Na Tanzânia,
43
Maria José Menezes, coordenadora do NCN/USP. Em entrevista para esta pesquisa, concedida à autora em 07
de setembro de 2015 em São Paulo. 44
Grifo da autora. 45
Disponível em: <http://www.ibe.usp.br>. Acesso em: 19 jan. 2016.
46
organizou a pós-graduação em Geografia de a Universidade de Dar ES Salaam. E, na
Faculdade de Engenharia de Lima, no Peru, também lecionou, onde organizou e orientou
pesquisas, exercendo as mesmas funções na Faculdade de Economia da Universidade Central,
na Venezuela. Mais tarde Regressa aos EUA, onde também exerce a função de docente e
pesquisador na Universidade de Columbia, em Nova York. Entre constantes mudanças de
país, foi colaborador de diferentes organizamos internacionais, como a Organização
Internacional do Trabalho e outras.46
Nos pesquisadores, seguidores do pensamento do saudoso Professor Milton Santos,
lamentamos que, em sua vida acadêmica tenha sido desprestigiado, hostilizado em uma
universidade pública de seu País, quando recebeu o mais elevado reconhecimento profissional
e intelectual em grande parte do mundo.47
1.2 O Cursinho Pré-vestibular no NCN
No contexto histórico atual, comparando os últimos quinze anos, ou seja, entre 2000-
2015, consideramos que o percentual de estudantes negros na USP aumentou
consideravelmente. Mas, esse acontecimento, atribuímos ao desempenho dos cursinhos
populares gratuitos, do próprio cursinho do NCN, que vem lutando para ajudar os estudantes
a serem aprovados na seleção FUVEST. Pois, a maior parte dos integrantes do movimento
“Ocupação Preta” é de estudantes associados ao NCN que após anos de estudos através do
cursinho pré-vestibular no NCN, conseguem serem aprovados na FUVEST, (CASTRO,
02/02/015).
Dentre esses estudantes que se preparam nos cursinhos, muitos já estão formados,
mas, nas áreas restritas, pois, poucos conseguem serem aprovados para as vagas de medicina,
engenharia, arquitetura e administração, dada a dificuldade imposta na prova do vestibular
FUVEST. A qual tem questões relacionadas às áreas específicas para à qual o estudante se
inscreve. Pois a prova cobra conhecimentos que não é ensinado no ensino público e nos
cursinhos, nem sempre têm profissional (voluntários) que dominam todos esses
conhecimentos. Assim, as vagas dessas áreas acabam sendo preenchidas sempre por
estudantes das classes dominantes, uma vez que têm esses acessos porque se preparam nas
escolas privadas e nos cursinhos a elas dirigidos, porque são muito caros.
46
Ibid. 47
Grifo da autora.
47
Jupiara Castro explica: “se não fosse o empenho do cursinho do NCN, juntamente
com a ONG Educar, entre outras associações de bairros que veem promovendo cursinhos
pré-vestibulares, possivelmente o percentual de estudantes negros na USP seria ainda muito
menor do que é hoje”. Ela também defende que Frei David e sua equipe na Educafro, têm
participação significativa no aumento do percentual de estudantes negros na USP. Assim,
indagamos sobre o funcionamento do cursinho pré-vestibular do NCN/USP e Jupiara nos
explica que o cursinho funciona na precária instalação do NCN e que, todos os professores
são voluntários, assim como todos os colaboradores do NCN, (CASTRO, 02/10/2015).
Segundo Jupiara, os membros do NCN, são militantes negros que já estudaram nos
cursinhos, conseguiram passar pela seleção FUVEST e, depois de formados retornam para o
NCN na condição de professor, tecendo uma rede de conhecimento e solidariedade
fortalecendo assim, o movimento negro na USP. Outros professores não possuem nenhum
vínculo anterior com o NCN, contudo, se empenham em ajudar os movimentos. Às vezes, são
estudantes recém-formados e outros são professores das pós-graduações, entre outros, que se
empenham para ajudar, e Jupiara se diz muito agradecida por isto (CASTRO, 02/10/2015).
Neste sentido, consideramos que Frei David tenha aberto muitas portas para a
juventude, pois é grande sua parceria com o NCN. É como se o Núcleo atendesse uma parte
dos estudantes negros no campus da USP e Frei David atendesse a outra parte pela Educafro,
na região central de São Paulo, (CASTRO, 02/10/2015).
Além das aulas, o NCN, tanto o cursinho quanto os militantes, promovem no espaço
do NCN, debates acerca das questões raciais, discriminação e políticas afirmativas, cotas
raciais, cultura negra, entre outras questões pertinentes ao tema. Todos os debates destacam
sempre que os acessos às vagas universitárias são direitos de reparações às condições
históricas e sociais do negro na sociedade brasileira. Esses cursinhos NCN, Educafro entre
outros, atendem também a estudantes de baixa renda. E, no caso do NCN, cobra apena desses
estudantes, apenas uma taxa simbólica para a manutenção; quando muitos não têm nem essa
pequena taxa. Esse não é requisito para impedir que esses estudantes que não dispõem nem
dessa pequena taxa, não estudem. Ao contrário, “reconhecemos que esses são os que mais
precisam estudar”, e as vagas são disponibilizadas sem qualquer custo, (CASTRO,
02/10/2015).
Como relata o Professor Evandro do NCN, essa taxa em geral é dispensada: “na
prática, sendo simbólica, porque muitos estudantes não têm como pagar, e nós não deixamos
48
de recebê-los por isso”. Há ainda o Centro de Estudos de Idiomas, que oferece aulas de
inglês, francês, alemão, espanhol e também de português para estrangeiros. 48
A estudante do cursinho do NCN, Geovana, conta que seus colegas provêm de
situação financeira muito precária, de forma que, mesmo não precisando pagar o cursinho,
muitos não têm condições para se locomover e se alimentar durante o período do cursinho
oferecido pelo NCN. Essa situação faz alguns desistirem do cursinho preparatório. Ela, que
também é militante, comenta: “Só recentemente, e com muita luta, conseguimos fazer com
que liberassem o bandejão para nós”. O bandejão foi uma das conquistas do Núcleo, além da
luta diária para não serem desalojados do espaço tão almejado, pelo então reitor João.
Grandino. Rodas. Nesse sentido, o então reitor (J. Grandino Rodas) expressou esse desejo e
fez diversas tentativas de desalojar o NCN a fim de construir um estacionamento, no local de
sua instalação. 49
A seguir refletimos sobre o pensamento dos militantes e alunos do cursinho do NCN,
Giovana, Leonardo e William:
O cursinho é muito bom porque, além dos conteúdos normais de vestibular,
ele também é bastante carregado política e ideologicamente. A estudante,
que deseja cursar Têxtil e Moda, acrescenta ainda: Outra coisa legal é que
aqui há uma troca: não é aquela coisa que gira em torno do professor e todo
mundo fica quieto e ouve. A gente debate tem direito de fala, e todo mundo
aprende com todo mundo. De acordo com Leonardo, que quer estudar
Direito, outro aspecto relevante é que os alunos se ajudam, diferentemente
do que parece acontecer nos cursinhos das grandes redes educacionais, em
que os outros estudantes são vistos como concorrência. William, que deseja
se formar em Arquitetura lembra-se de um episódio marcante: um dia
vieram aqui falar sobre se aceitar negro. Aceitar o seu cabelo, a sua boca,
aceitar quem você é, e ter orgulho disso.50
Neste sentido, entendemos que o cursinho preparatório do NCN é de vital
importância para a inclusão dos estudantes negros na Universidade de São Paulo (USP).
Assim, o espaço precisa ser respeitado e até reconhecido como parte daquela instituição e, os
direitos que atingem os estudantes da USP devam ser estendidos aos estudantes do cursinho
preparatório do NCN, (CASTRO, 02/10/2015).51
O cursinho pré-vestibular funciona com duas turmas: o curso de idiomas, com inglês,
francês, português para estrangeiros, espanhol e swahili, [língua africana] e, a outra turma
funciona com aula exclusivamente a partir dos conteúdos do vestibular, além da discussão
48
Declaração do professor Evandro, que leciona Química, ao JC em novembro de 2015, SP. 49
Entrevista ao JC em novembro de 2015. 50
Texto retirado do Jornal do Campus da entrevista publicada em novembro de 2015. 51
Grifo da autora.
49
acerca da história africana e da cultura afro-brasileira. O Professor Henrique Cunha Junior
ministra diversos cursos que envolvem a temática história da África. E, em dezembro de
2014, foi oferecido também um curso sobre a Lei 10.639, que institui o ensino da história da
África nas escolas púbicas. Esta é uma estratégia de ensinar aos estudantes do cursinho além
do que se cobra no vestibular da FUVEST, o conhecimento fundamentado no eurocentrismo e
suas culturas, por isso, ensina-se cultura africana, cultura negra, pois, consideramos
indispensável que o nosso povo tenha conhecimento de suas culturas, de sua história,
(CASTRO, 02/10/2015).52
Jupiara Castro concorda que ainda há muito para melhorar no NCN, no sentido de
apoiar os estudantes em seus aprendizados, mas, reconhece que dentro de seus esforços e de
todos os que se juntam a ela nessa luta, têm feito muita coisa. Hoje o NCN já dispõe de uma
biblioteca com devida catalogação para facilitar o “estudo dos meninos que nos procuram”,
afirma. No entanto, ainda faltam pessoas que possam colaborar com os eventos promovidos
pelo Núcleo, até porque o NCN não conta com qualquer tipo de apoio da USP. Ao contrário,
durante a administração do reitor J. G. Rodas, o mesmo entrou na justiça para garantir o
“não” vínculo com o NCN e, a partir de então, em todo documento ou referência que o
Núcleo realiza, necessita especificar que é o NCN na USP e não NCN da USP.53
O NCN foi tão indesejável no espaço uspiano, que em outubro de 2013, até tapumes
foram postos no entorno do prédio onde funciona o NCN/USP em razão das obras em curso
no espaço anexo. Com isso, houve a interdição do local de forma inesperada, surpreendendo a
todos e aulas que aconteciam ali, tiveram que ser suspensa, prejudicando os estudantes que se
preparavam para os vestibulares na ocasião. Sobre este episódio, Maria José Menezes e
Cristiane Paula também o avaliam como uma manifestação contra a instalação do curso
preparatório pré-vestibular e, claro, também contra a permanência do NCN naquele espaço.
Isso aconteceu no período da administração do reitor João G. Rodas, que não poupou críticas
ao NCN.
Entendemos tal atitude como uma ação demasiadamente inconveniente da parte do
então reitor João Grandino Rodas, uma disputa política territorial, que reflete a dominação da
USP pelos espaços de poder. Como afirma Jupiara Castro, a USP é um lugar de elites, “onde
não cabem pretos e pobres para estudar, essas elites estão acostumadas a ver negros
limpando banheiro, limpando e cozinhando em suas casas e na USP, pois, para João Rodas,
52
Esse parágrafo, sobre o funcionamento do cursinho no NCN, também foi informado por: Maria José Menezes
e Cristiane Maria Paula em entrevista para este trabalho em 07/09/2015, em São Paulo. 53
Jupiara Castro, em entrevista para este trabalho em 02/10/2015.
50
a USP fica feia com a presença negra. Aquele reitor foi o exemplo da pior relação com o
NCN”. Assim, Jupiara diz lamentar que a consciência sobre a inclusão racial e social ainda
não tenha atingido pessoas que dirijam uma universidade do porte da USP.
Verificamos outro grande equívoco do ex-reitor João Grandino Rodas quando o
mesmo dispensa ao NCN, um tratamento hostil e em tom racista, pejorativo: “barracolândia”,
que atinge diretamente a moral de seus militantes, pois “a rigor, esta linguagem não parece
fazer parte do comportamento de um professor, em especial na posição de um reitor de uma
das maiores universidades do Brasil”.54
É preciso considerar que, na atualidade, nem mesmo
pessoas que vivem em habitação improvisada, em áreas públicas, não se sentem bem verem
suas residências denominadas “barracos, favelas” e, para evitar constrangimento em
tratamentos com seus habitantes, adota-se nova nomenclatura: comunidade.55
1.3 A “Ocupação Preta” na USP, uma Luta Negra em Território Branco
É importante destacar que esses sujeitos se encontram às margens do conhecimento
formal na USP, diante da falta de oportunidade que sempre foi colocada através do vestibular
FUVEST, pois, trata-se de um sistema organizado e articulado segundo a ideia da
meritocracia. E, neste sentido, a cada ano que passa, o mesmo se aperfeiçoa cada vez mais, a
fim de cobrar mais conhecimento dos candidatos. Essa prática é um dos mecanismos
utilizados pela a USP para esbarrar os candidatos negros, uma vez que, em geral, grande parte
do conhecimento que o estudante precisa provar na hora de prestar vestibular, não entra em
discussão em sua vida prática na Universidade. No entanto, é uma exigência da Fundação
Universitária para o vestibular que o candidato faça até tradução de textos da língua
portuguesa para as línguas estrangeiras, entre outras, (CARVALHO, 2012).
Contudo, os estudantes negros não estão de braços cruzados e isso faz toda a
diferença, como já foi dito, há grande empenho nos estudos do curso pré-vestibular, em
especial no curso do NCN e na Educafro. Além das lutas articuladas pelas políticas de ação
afirmativa, liderada pelo movimento negro no interior da Universidade de São Paulo,
denominado “Ocupação Preta” e “Frente Pró-Cotas”. Os estudantes negros, simpatizantes,
militantes e candidatos, em geral negros, se organizam no sentido de conscientizar professores
54
Ibid. 55
Grifo da autora.
51
e estudantes sobre a importância das cotas raciais perante a exclusão em que se encontram os
negros do espaço universitário da USP.56
O líder Emerson Gabriel explica que as lutas do movimento que lidera, “Ocupação
Preta” consistem em conscientizar os estudantes da USP, que é maioria branca e de classe
privilegiada, as classes dominantes. Esperamos que a consciência brote de algum modo, e diz:
“é uma semente plantada, um dia tem de germinar”, todos devem ter a oportunidade de
estudar na USP, afinal, é uma instituição pública, e em um país de economia capitalista, todos
consomem, assim, todos mantêm financeiramente aquela instituição, já que ela é mantida com
capital público. Isto significa que o pobre sustenta o estudo do rico, em uma luta desigual,
embora, todos conhecem a desigualdade que existe na USP. Ainda assim, preferem não falar
dela e, na hora de pensar em dividir as vagas com os estudantes negros, alegam que todos são
iguais e quem é só estudar o passar na FUVEST.
Não queremos ser iguais a ninguém, queremos apenas equidade. E, diz que
entre eles há muitos jovens que sem conseguir estudar vêem ganhando a
vida trabalhando como ótimos pedreiros se, são ótimos pedreiros podem ser
ótimos engenheiros, se dada à oportunidade. Entre as mulheres negras tem
ótimas babás, ótimas lavadeiras e passadeiras. Então, todas essas pessoas
que são ótimas na simples função que lhe deram oportunidade de exercer,
poderão ser ótimas se tiverem a oportunidade de estudar e se
profissionalizar.57
A ideia da luta por inclusão dos estudantes negros na USP nasce entre os anos de
1988/1989, quando o Núcleo de Consciência Negra (NCN) é instalado dentro do campus
universitário, o que vem contribuindo com o percentual de estudantes negros que, a cada ano,
se alavanca no vestibular FUVEST. Aparentemente, esses dados, provocando grande
preocupação nos dirigentes da USP, os quais lutam incansavelmente por desativar o Núcleo,
como já discutimos nas páginas anteriores, conforme já mencionamos o que fez o então reitor
J. G. Rodas, (CASTRO, 02/10/2015).
Neste contexto, Emerson Gabriel Santos explica a razão de a “Ocupação Preta” não
divulgar sua agenda, pois se divulgasse não atingiria o objetivo que é promover
conscientização entre professores e, em especial, entre o público estudantil em geral. Além de
evitar que os militantes sejam violentados por agressão policial durante ocupações. Outro
objetivo é tornar pública a resistência daquela Universidade sobre a negação de um “direito
56
ENTREVISTA: Emerson Gabriel dos Santos, líder da Ocupação Preta, em São Paulo, em setembro de 2015. 57 Ibid.
52
constitucional”58
, que se caracteriza pelas ações afirmativas para estudantes negros e
indígenas. Afinal, “o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu esse direito e a USP
continua falando de mérito por aqui”. Os manifestantes se encontram em pontos estratégicos
como metrôs, praças e outros pontos; se dividem em grupos pequenos para não chamar
atenção e se juntam no local da ocupação. Porém, antes do dia da ocupação, os estudantes
recebem orientação de um líder, que geralmente, mas não necessariamente, trata-se de um
colaborador do NCN/USP. Inclusive, se observamos os vídeos das “Ocupações”, em muitos
deles, ver-se a presença de Maria José Menezes, coordenadora do NCN. 59
Na “Ocupação Preta” do dia 16 de março de 2015, fica nítida a proteção aos
estudantes brancos à maioria pertencente às classes dominantes que existe dentro da USP,
quando esses estudantes se sentem à vontade para concretizarem suas práticas racistas e
preconceituosas sem o menor pudor. Reportamo-nos, aqui à aula de microeconomia, da
Faculdade de Economia e Administração da USP, (FEA), (Sala E1), quando o movimento
“Ocupação Preta”, sob a liderança de Emerson Gabriel dos Santos que, ao tentar dialogar no
sentido de conscientização sobre as cotas raciais naquela Universidade, conduzindo o debate
para o racismo institucional na USP, é impedido de conversar com a turma da aula, que conta
com cem alunos matriculados, dos quais noventa e nove são brancos e um é negro.60
O líder entra na sala, acompanhado de aproximadamente vinte militantes negros e
negras, se apresenta à professora e pede 15 minutos para conversar com a turma, embora ela
não responda nem que sim nem que não, Emerson Gabriel não perde tempo e inicia o debate.
Levanta questionamentos sobre as cotas raciais, comunicando à professora que não tiraria da
aula dela mais do que 15 minutos, conforme as normas estabelecidas pelo próprio movimento
“Ocupação Preta”. Pois esses 15 minutos só são ultrapassados quando o professor ou
professora que estiver em aula, é receptivo e libera mais tempo para o debate. Foi o caso da
ocupação da aula de história da USP, em que o professor libera a aula para a discussão, sem
causar nenhuma polêmica ou constrangimento aos militantes e ainda auxilia o líder e o deixa à
vontade para debater com a sala de aula.61
Enquanto na aula de Microeconomia, na Faculdade de Administração, Emerson
continua tentando explicar à professora que será rápido, e como a mesma resiste, o debate é
iniciado da mesma forma. O líder solicita que todos se acomodem nas carteiras desocupadas
espalhadas pela sala. A professora, no entanto, insiste que seu tempo para aquela aula já é
58
Disponível em: <http://www.cartanaescola.com.br/single/show/552>. Acesso em: 29 set. 2015. 59
Grifo da autora. 60
Ibid. 61
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Último acesso em: 18 jan. 2016.
53
curto e que é preciso marcar horário e data para tal acontecimento, e sugere o dia seguinte às
17h00. Embora o líder Emerson Gabriel explicasse, mais uma vez, que seria muito breve.
Assim, uma voz alta e firme quebra o questionamento da professora: “professora, a senhora
está dizendo que sua aula é mais importante do que a discussão sobre a questão racial?”
Trata-se de uma militante que, na ocasião, ocupava uma carteira no meio da sala junto aos
demais estudantes. A professora não responde, mas não houve mais lugar para a resposta
tampouco para o debate coerente, frente ao revide do estudante Rodrigo Williams, pois ele
mesmo grava a discussão e posta nas redes sociais. Naquele momento, o estudante diz
pertencer à classe alta e diz para a manifestante: “só porque você é preta vai estudar aqui?” A
discussão se prolonga sem que a professora faça qualquer intervenção contra as atitudes
preconceituosas, racismo desvelado, exibido pelo aluno Rodrigo Williams. Em dado
momento à manifestante tenta explicar sua exclusão da USP, sobre sua condição de mulher
negra da periferia e abre o debate para a condição da mulher negra, na sociedade brasileira,
ser duplamente discriminada.
No entanto, Rodrigo Williams continua alheio ao debate e fala: “eu passei, meu papai
pagou meu colégio, eu estudei muito e passei com muito orgulho”. Nesse momento, a
militante que bravamente se coloca como mulher negra da periferia, indignada, se cala e com
a voz trêmula responde: “eu não tive isso, meu pai morreu quando eu era pequena”. E
Rodrigo William responde: “Ta bom, mas não precisa se vitimizar, eu só quero ter aula”, e se
volta para o líder Emerson Gabriel, dizendo: “marca hora, cara, quem quer cola lá para
discutir cotas, eu só quero ter aula”. Emerson questiona a ideia de marcar hora e justifica que
a discussão sobre as cotas raciais e todas as outras formas de políticas afirmativas dentro e
fora da USP, dizem respeito a toda população negra e que não é possível marcar hora para
discutir o racismo, e completa: “simplesmente porque os empregados de vocês são negros e
eles não podem largar a casa de vocês para vir aqui discutir o racismo às 17hs”. O líder
explica que o racismo não atinge só estudantes, “pois o racismo e o preconceito a partir dele
estão presentes na vida de seus empregados todos os dias”.62
Nesse embate, o estudante Rodrigo Williams ganhou ainda mais força e continua
solicitando a saída dos manifestantes da sala para que ele recebesse a aula de microeconomia,
e diz: “querem estudar aqui? estuda e passa, é só passar, eu estudei e passei. Eu me
considero igual a todo mundo”. Mas uma segunda manifestante questiona Rodrigo Williams:
“onde você estudou?” Resposta de Rodrigo Williams: “No COLÉGIO VERTIZ com muito
54
orgulho”. Nesse momento, Emerson Gabriel toma a palavra e diz: “então você não é igual a
mim nem igual a ninguém aqui que estudou na escola pública”, quando de repente um
estudante da faculdade, em aula, se levante e diz: “acho que preciso falar: acho que sou o
único negro desta sala e para entrar aqui estudei a vida toda na escola particular e ainda fiz
cursinho. Ser negro aqui não é fácil. Pra mim sempre doeu”. Trata-se do aluno Renan Silva,
único aluno negro em uma sala de cem alunos brancos, do primeiro ano da faculdade de
administração de empresas, do período da manhã. 63
Assim, diante de seus colegas e da professora, Renan Silva se pronuncia em favor do
movimento “Ocupação Preta”, deixando claro que, na USP, é comum casos de racismo, e
questionou sobre a reclamação dos colegas e da professora em ceder de 30 minutos ao
Movimento para que se concretizasse a discussão. Diante da professora que alegou não dispor
de tempo porque precisava ministrar sua disciplina, Renan Silva falou que, na semana
anterior, a professora os dispensou da referida aula, com duas horas de antecedência, e não
observou ninguém reclamando64
sobre o fato de serem dispensados sem motivo aparente, pois
não houve justificativa para serem dispensados da aula, menos ainda duas horas antes do
término, enquanto se nega o mínimo de tempo para discutir o racismo que é institucional
naquela Universidade.65
Posteriormente, Renan Silva, foi procurado pela Revista Carta Capital, ocasião em
que não poupa críticas ao racismo institucional presente na USP. A seguir, um depoimento
seu à revista: “Eu sou exceção, fiz escola particular. Sempre me senti pouco representado e
acho que a USP precisa se adaptar para fazer jus à quantidade de negros na sociedade”. E
ainda afirma: “sou o único negro em uma sala de cem alunos aqui e no cursinho eu era o
único aluno negro em uma turma de 170 alunos”. E, Renan reconhece que ele é uma
excreção, pois são poucos os negros no Brasil que têm a mesma oportunidade que ele tem.
Enfim, Renan deixa claro que o racismo se faz presente no cotidiano da USP.
Segundo ele, mesmo sendo negro, pelo convívio acaba incorporando o comportamento
uspiano e, às vezes, faz confusão com essa relação porque o racismo é tão forte naquela
instituição que fica “naturalizado”. Isto é, sua prática, expressão, efeito, acontece de maneira
“espontânea”, "naturalizada”. Pois, muitos que o pratica nem percebem que estão sendo
racistas, porque o racismo está impregnado na cultura. Como exemplo, Renan Silva relatou
que certo dia foi a um restaurante no campus da USP e ao entrar e ver naquele local uma
63
CARTA CAPITAL/SOBRINHO. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br>. Acesso em: 17 abr. 2015. 64
Vídeo da Carta Capital, com a fala do aluno Renan Silva. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=hG9UTnAZI6Y> . Acesso em: 12 jan. 2015. 65
Ibid.
55
moça negra, já se dirigiu a ela fazendo o pedido, e quando ela respondeu que não trabalhava
naquele lugar ele se questionou: o que acabou de acontecer comigo? O que é isso? E vem
procurando mudar, assumindo suas características negroides, dentre elas, prestar atenção em
suas ações, deixar o cabelo crescer sem alisamento, assumindo para todos com os quais
convive, dentro e fora da USP, sua identidade, negra.66
Para compreender esse debate acerca do preconceito “naturalizado” e seus efeitos
negativos dentro da USP, analisamos o subtítulo da Carta Capital: “Enquanto todas as
universidades federais e 30 das 38 estaduais aderem à reserva de vagas, a Universidade de
São Paulo fala de meritocracia”.67
Sendo a Universidade de São Paulo (USP) uma instituição pública, os seus
administradores ainda se comportam como se administrassem uma instituição privada, bem
como os alunos pertencentes às classes dominantes também, ou seja, transformam o capital
público em privado em benefício da minoria. Assim, dificulta o acesso de estudantes negros
e indígenas a esse bem público que é a educação formal e também da educação profissional.
A qual fica concentrada justamente para aqueles que dispõem de condições financeiras para
custear uma graduação, em uma das melhores e mais renomadas universidades privadas deste
país, deixando assim, os que têm menos ou nenhum poder financeiro para custear um curso
universitário, fora desse direito.68
Seguimos aqui discorrendo sobre os acontecimentos do movimento “Ocupação Preta”,
nesse caso, em especial problematizamos a ocupação na aula do Professor Fernando Haddad,
quando o líder da “Ocupação Preta”, Emerson Gabriel, coloca a questão: “De quem é a
USP?” E afirma: “Queremos que vocês participem, falem”, e se dirige ao Professor Fernando
Haddad como quem exige que ele discuta a questão. Outro membro da “Ocupação Preta”,
aluno do curso de Odontologia, argumenta acerca da ausência de professores e professoras
negras na USP, e diz que a discussão precisa ser levada a cabo quando se pensa a cidade e a
sociedade paulistana. O que nos remete à observação de que, obviamente, o racismo estrutural
da Universidade de São Paulo leva à exclusão das populações negras e indígenas ao ponto
mais alto da questão; isto é, se esses estudantes têm suas entradas filtradas pelos elevados
padrões de conhecimentos exigidos nos vestibulares da FUVEST, tais bloqueios repercutem
na ausência de professoras/professores, pesquisadoras/pesquisadores negros na academia
dessa universidade. O mais sarcástico em tudo isso é observar o discurso de inclusão por parte
66
Ibid. 67
Ibid. 68
Grifo da autora.
56
dos dirigentes daquela Universidade, parece-nos que eles não entendem o significado de
inclusão ou o confundem com o sistema de meritocracia. 69
1.4 A “Ocupação Preta” na Aula de História/USP, Cota Já
A “Ocupação Preta” na aula de História da USP, na qual o líder Emerson, ex-aluno da
faculdade de História dessa universidade, dá uma verdadeira aula de história do Brasil,
conduzindo-a para uma reflexão sobre a necessidade das Cotas Raciais para as populações
negras na USP, sob o slogan “Cotas Já”. Assim, protagonista de um acontecimento
direcionado ao tema em questão. Os manifestantes do Movimento “Ocupação Preta” entram
na aula do curso de História, no dia 24/03/2015, objetivando discutir a questão da Cota Racial
para estudantes negros na USP. Emerson Gabriel inicia o debate a partir da discussão que,
mesmo se tratando de uma faculdade de História, e embora o Brasil tenha experimentado o
regime escravocrata mais longo da história, na América Latina, por mais de trezentos anos, a
história africana, a cultura afro-brasileira, jamais ganharam espaço na USP.
Quantos de vocês aqui já aprenderam ou discutiram questões como racismo
ou preconceito racial? [...] Quantos discutiram a origem de nossa história?
Aqui na USP, apesar de se tratar de um curso de história, não se discute
essas questões [...]. Vamos lá pessoal, em Brasil I, Brasil II, Colonial I,
Colonial II, Ibérica I, Ibérica II, quem aprendeu ou discutiu nessas
disciplinas questões relacionadas à escravidão do Brasil? 70
Por fim, Emerson afirma considerar uma vergonha o fato de um curso de História não
discutir questão tão relevante quanto é a história e a cultura africana, uma vez que essa forma
de ensino conduziria os estudantes à reflexão e à valorização da cultura africana no Brasil. E,
de suas próprias identidades enquanto negros e, até mesmo, para que as populações negras
reconheçam seus ancestrais. Então, tece uma crítica dizendo que estudou na USP e só
aprendeu a história dos países europeus: França, Inglaterra, Itália, Alemanha entre outros. Isso
69
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2j1gra84vhk>. Ocupação Preta. Publicada em
27/abr./2015. 70
Disponível em: <www.youtube.com.br>. Acesso em: 19 nov. 2015.
57
torna muito difícil, ainda hoje, que os negros assumam suas identidades, já que só sabem a
dor da “discriminação e do preconceito racial quem sofreu na própria pele”.71
Em seguida, o líder, Emerson Gabriel também discute a questão da miscigenação e
critica a ideia de branqueamento instituída pelos modelos epistêmicos nos séculos XIX e XX,
afirmando que foi a partir dessa ideologia que a USP foi construída e organizada. Ainda
sustenta que, atualmente, as populações negras somam mais de 53% da população brasileira; a
negritude que estuda na USP, hoje, considerando o total das diversas denominações a partir da
miscigenação brasileira, não chega a 20%. Nesse contexto, Emerson relata: “não deveria
sequer mais se questionar nossa luta por cota racial”.
E segue a discussão, mencionando o pensamento do Professor Kabengele Munanga
sobre a existência da exclusão das populações negras da Universidade de São Paulo,
informando que as fotos dos formandos da USP nos servem de documento para comprovar a
luta pelas cotas raciais. Neste contexto, contra o racismo instituído na Universidade de São
Paulo (USP). Sugere-nos, ainda, observar essas fotos, especialmente da faculdade de
medicina, dentre as quais não se vêm estudantes negros.
Seguindo sua pista, verificamos as fotos de alguns anos dos formandos da faculdade
de medicina da USP, a exemplo da turma de 1937, e não vimos nenhum formando negro.72
Além das fotos disponíveis, notamos que o Professor José Jorge de Carvalho já realizou uma
pesquisa desta natureza e também reafirma o nosso trabalho.73
O Professor José Jorge de Carvalho faz referência ao comportamento racial da USP,
acerca da ausência de estudantes negros entre os formandos daquela instituição, ainda no
século XX. Na qual, podíamos observação uma foto de Roger Bastide, professor da USP,
sobre a ausência de “criticidade” do referido professor entre a cena de “democracia racial”,
em Recife-PE, e seu cotidiano na USP:
O curioso aqui é que Bastide não conseguiu estabelecer uma conexão entre
o que viu naquele bonde carregando gente humilde e o seu mundo cotidiano
na USP, inteiramente segregado e excludente racialmente. Se ainda é
segregado hoje, como não seria há 50 anos, quando Bastide decidiu
empregar a expressão “democracia racial” para falar do que vira entre as
classes populares do Recife quando visitou Gilberto Freyre. Um relance do
71
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2j1gra84vhk> . Ocupação Preta. Publicada em:
27/abr./2015. 72
Ibid. 73
CARVALHO, José Jorge de. O Confinamento Racial no Mundo Acadêmico brasileiro. Disponível em:
<http://www.usp.br/revistausp/08/68>. Acesso em: 02 jan. 2015.
58
que era a realidade racial da USP na época desse texto de Bastide pode ser
capturado por uma olhada atenta às fotos do livro História da Universidade
de São Paulo, de Ernesto de Souza Campos, publicado em 1954. Em uma
centena de pessoas registradas em mais de 30 fotografias sobre as mais
diversas áreas de ensino e pesquisa conduzidas na universidade, não
encontramos nem um único rosto que pudéssemos identificar como de uma
pessoa negra, ou mesmo mulata, nem sequer entre os funcionários. Bastide
celebrava a “democracia racial” que encontrara nos bondes de subúrbio do
Recife sem conectá-la com o apartheid acadêmico em que vivia no interior
da Universidade de São Paulo. Também os textos e as imagens do livro de
história da Universidade Federal do Paraná, a mais antiga de todas as
nossas universidades públicas descreve um mundo inteiramente branco.74
Vemos então na USP é um universo projetado para essa segregação que fluía de
maneira cotidiana e que, como nos dias de hoje, já no passado não olhava para essa questão,
ao menos que fosse com o olhar da “naturalização" do racismo.75
Ao fazer referência à necessidade das políticas de ação afirmativa para estudantes
negros, o militante Emerson Gabriel afirma que, a ideia de cotas, ou seja, reserva de vagas na
sociedade brasileira, partiram das populações brancas, um dia, as classes dominantes
resolveram reservar as vagas das indústrias brasileiras para os imigrantes italianos. Assim,
hoje, as populações negras reivindicam que esse sistema de cotas seja estendido aos negros
como forma de compensação de perdas educacionais frente à exploração a qual “os nossos
ancestrais são submetidos pelo regime de escravidão, e nós fomos atingidos por seus efeitos
negativos”.76
Emerson Gabriel segue explicando: quando os negros foram “libertos”, e no Brasil se
iniciava o “processo de industrialização”, os empresários já reservavam as vagas de empregos
das fábricas para os imigrantes italianos em detrimento dos negros, que até pouco tempo antes
da chegada das fábricas, eram meras propriedades dos senhores. Assim, carregavam sobre
seus ombros à responsabilidade de desenvolver os plantios de cana de açúcar nos latifúndios,
e nos engenhos. Mas, quando esses donos de engenhos não puderam mais manter os negros
na condição de suas propriedades, por ocasião da “abolição da escravatura”, iniciaram o
processo industrial no Brasil, e não os aceitaram para a mão de obra assalariada.77
Emerson sugere aos alunos do curso de história da USP que busquem entender o
significado do processo de escravidão brasileira a partir de documentos do Estado. Ele alega
74
Ibid. 75
Grifo da autora. 76
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 18 jan. 2016. 77
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 18 jan. 2016.
59
que todo processo de escravidão no Brasil aconteceu com a legalidade dos governos/do
Estado Brasileiro que também se beneficiou com tal sistema. 78
Observando a problematização do líder Emerson Gabriel, fazemos um contraponto
entre o processo de industrialização do Brasil, iniciado a partir do final do século XIX, com o
“fim do regime escravista” e o processo de transformação da cana em produto fabril através
da moagem no engenho. Parece-nos que a moagem no engenho, a transformação da cana em
caldo, depois em melado, rapadura e açúcar é um sistema de industrialização cuja técnica, em
geral, os negros escravos tinham o domínio. Assim, o processo de industrialização no Brasil
pode ser considerado desde os primórdios desse evento no Brasil colonial, com a
transformação da cana em produtos industrializados pelos escravos negros.79
Objetivando atingir a conscientização dos estudantes, dos professores e das
professoras sobre a legalidade das cotas raciais, o militante Emerson Gabriel Santos lança
uma explicação estratégica e didática a partir de sua própria experiência enquanto negro. Diz
que nasceu e cresceu em Taboão da Serra e como menino negro e pobre sabe muito bem o
que é sofrer preconceito racial desde a sala de aula e em todos os âmbitos da sociedade.
Afirma que, aos 15 anos de idade foi trabalhar como garçom para pagar seu cursinho, pois
tinha o objetivo de passar pelo filtro da FUVEST; enquanto isso, sua família se desdobrava
para que ele pudesse se manter, “sim porque o que eu ganhava servindo branco em um
restaurante famoso de São Paulo só dava para pagar o meu cursinho, sem o qual seria muito
difícil ter entrando na USP”. Afirma Emerson Gabriel.80
Ainda assim, se considera uma pessoa de sorte, uma vez que a maioria dos jovens
negros não pode pagar um cursinho, pois depende do trabalho para ajudar no sustento da
família. E relata: “sempre estudei em escola pública e para entrar na USP precisa de muito
preparo”. O militante lembra que, muitas vezes, chegava para assistir às aulas no cursinho
muito cansado e com seus dedos queimados de servir mesas no restaurante grã-fino de São
Paulo, acabava dormindo durante as aulas.81
Emerson ocupa a lousa e promove uma explicação, na qual, supostamente, ele próprio
é fruto da escravidão. Assim se expressa usando exemplos fictícios para contrapor a ideia de
meritocracia e justificar a cota racial na USP. Inicia sua fala, a partir de uma ancestral mais
velha sequestrada na África e vendida para o colonizador. Nessa simulação, ele traça uma
78
Ibid. 79
Grifo da autora, amparada em discussão nas aulas da Professora Antonieta Antonacci. 80
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 18 jan. 2016. 81
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 18 jan. 2016.
60
linhagem de nascimento em que todas as nascidas da ancestral mais velha, (a quem ele
também dá um nome fictício; Dandara) sofrem os efeitos da escravidão.
Segue explicando até chegar a ancestral que seria sua mãe, colocando em questão
que, as perspectivas de vida dos ancestrais negros estão entrelaçadas à escravidão e suas
consequências, o que justifica, então, a necessidade de políticas afirmativas, as cotas raciais
enquanto política compensatória. Nessa perceptiva, traça um paralelo com a questão da
propriedade da terra no Brasil, em 1850, quando debate a problemática de que os negros e as
negras eram meras propriedades e, assim, não dispunham de qualquer possibilidade de
compra de terra quando fora instituída a lei de terra. “Logo para fazer parte do sistema de
‘desenvolvimento”, precisaria ter dinheiro para comprá-la.82
Embora “livre” pelo atual sistema político brasileiro, Emerson traz consigo o fardo da
escravidão herdado de sua avó Dandara. A exclusão do sistema universitário da USP, para o
qual conseguiu entrar, mas tem convicção de que a maioria não consegue essa proeza sem o
benefício do sistema de ações afirmativas / cotas raciais. 83
Daí coloca em debate uma situação oposta à sua, em que uma estudante branca cursa
seus estudos em um colégio cuja mensalidade custaria, em 2009 (ano que ele entrou na USP),
uma média de três mil reais. Mas, apesar de essa estudante ter todo esse privilégio, ainda
assim tem dificuldade em algumas disciplinas, o que obriga a sua família a pagar por aulas
particulares para reforço nessas disciplinas. A estudante branca ainda viaja pelo Brasil,
fazendo aula de cultura e de ciências, entre outras, além dos cursos de línguas, afinal seu
objetivo é ser aprovada na medicina da USP. Contudo, o esforço até agora discutido não foi o
suficiente para essa estudante ser aprovada. Nesse caso, a mãe dela, que é professora na USP,
resolve pagar um renomado cursinho para reforçar o conhecimento da jovem estudante que,
finalmente em 2009, entra para a faculdade desejada. E, ao entrar, encontrou em sua turma
apenas um colega negro. No mesmo ano, em 2009, um estudante que sofreu preconceito,
pegou ônibus e trens lotados, ficando de pé, em média, três horas, dentro de um transporte
coletivo, de São Paulo ao Taboão da Serra. Ainda trabalhou como garçom, queimou seus
dedos a ponto de ter dificuldade até para segurar a caneta e escrever, só conseguiu entrar na
USP na faculdade de História. Não que esse curso tenha menos valor acadêmico do que o
curso de medicina, mas sabe-se que os cursos de humanas não são o alvo das elites, assim, é
mais fácil entrar pela baixa procura, diz Emerson Gabriel dos Santos.
82
Ibid. 83
Ibid.
61
Neste contexto, o líder Emerson Gabriel lança um questionamento sobre quem se
esforçou mais, o menino negro de Taboão da Serra, que trabalhou de garçom para pagar seu
cursinho. Relata também que dormiu pouco porque gastou uma média de três horas por dia
dentro da condução, ou a moça branca, rica, filha da professora da USP. Discute que a mesma
que dispunha de condição financeira para pagar três mil reais por mês de mensalidade no
colégio, aulas particulares de reforço, viagens acadêmicas, cursos de línguas, intercâmbio?
Assim, Emerson Gabriel se retira da sala afirmando: “estamos em uma aula de história e
agora que vamos sair da sala, prestem atenção, porque a sala volta a ficar branca. Cota
Já...” E quando os militantes da “Ocupação Preta” se levantam e vão saindo, realmente a sala
volta ao normal, fica branca.84
1.5 A Meritocracia na USP e as Cotas Raciais na Contramão da Determinação do STF
A discussão do militante Emerson Gabriel dos Santos já se faz suficiente para
entendermos a questão da meritocracia, em que ele coloca seu próprio exemplo de vida para
tornar o discurso didático. De qualquer modo, nos apregoamos de um pouco de teoria para
melhor delinear o nosso pensamento a este respeito, qual seja, mérito. Nesse sentido,
refletimos sobre a frase proferida por Jupiara Castro, em entrevista ao Jornal do Campus, em
20 de novembro de 2014: “Você só pode considerar mérito entre os iguais” 85
.
Assim, averiguamos o Princípio da Igualdade, cujo desdobramento oferece uma ideia
de distribuição de bens e poder igualmente para todos em certa sociedade. Nesse aspecto,
avaliamos o termo igualdade na interpretação democrática sobre a qual nossa sociedade está
estruturada. Desse modo, o termo igualdade tem fundamento na distribuição de direitos e bens
existentes na sociedade brasileira que, se considerada pelos termos da lei que nos regula, se
faz necessário o nivelamento do estado das coisas que consiste no direito objetivo e subjetivo.
(FREDERICO, PUC-SP).86
Neste contexto, enquanto uma parte de nossa sociedade não atingir um nível de
igualdade sobre os bens e direitos nela produzidos e constituídos, o Estado deve ser capaz de
adotar dispositivos para fazê-lo, através da redistribuição dos bens e direito, até que seja
84
Ibid. 85
Sobre a frase proferida por Jupiara Castro em entrevista ao Jornal do Campus, em 20 de novembro de 2014.
Acesso em: 12 nov. 2015. 86
Professor de direito da PUC-SP e Juiz Federal da 3º Região. Disponível em:
<http://hottopos.com/videtur17/erik.htm>. Acesso em: 25 out. 2015. 86
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 12 nov. 2015.
62
alcançado o equilíbrio entre as partes. Partindo desse pressuposto, há em nossa sociedade
grande disparidade da distribuição de bens e direito o que legitima as políticas afirmativas,
enquanto um dever do Estado e um direito daqueles que se encontra em desvantagem,
financeira, econômica, educacional, entre outras, (FREDERICO, PUC-SP).87
.
Em uma sociedade desigual, como é a nossa, a discussão acerca da distribuição ou
redistribuição dos bens e direitos, se constitui uma ação legítima frente à desigualdade
histórica de nossa sociedade. Entretanto, ainda vivemos em uma cultura que se caracteriza
pela supremacia da cultura dominante e se faz presente no inconsciente coletivo, de modo que
resistem fazê-lo e muitos olham para a desigualdade com “normalidade”. 88
Desse modo, destacamos o pensamento de Aristóteles, cunhado pelo professor de
Direito da PUC-SP, Erik Frederico:
É evidente, pois, que a comunidade civil mais perfeita é a que existe entre os
cidadãos de uma mesma condição média, e, que não pode haver Estados bem
administrados fora daqueles nos quais a classe média é numerosa e mais
forte que todas as outras ou pelo menos mais forte de cada uma delas;
porque ela pode fazer pender a balança em favor do partido do qual se une e,
por esse meio, impedir que uma ou outra obtenha superioridade sensível.
Assim, é uma grande felicidade que os cidadãos só possuam uma fortuna
média, suficiente para as suas necessidades.89
Neste sentido, o autor nos apresenta pista sobre a legitimidade das lutas do movimento
negro contra a ideia de mérito na USP. Resta então o questionamento: o que fazer para que os
defensores desse sistema da meritocracia adquiram consciência e dividam os direitos e bens
públicos com os excluídos pelo próprio sistema fundamentado sobre a ideia de mérito?
Tais indagações nos conduzem90
em direção aos opositores e também aos defensores
das cotas raciais / ações afirmativas para estudantes negros e indígenas. Do lado dos
defensores, estão os militantes do Movimento Negro Unificado (MNU), intelectuais, políticos
e interessados nessa questão e que lideram as lutas na Universidade de São Paulo (USP) e
também por todo o Brasil, com outras reivindicações de inclusão social e racial. E, do outro
lado, estão os defensores da ideia da meritocracia. Neste jogo, vigora o conceito defendido
87
Professor de direito da PUC-SP e Juiz Federal da 3º Região. Disponível em:
<http://hottopos.com/videtur17/erik.htm>. Acesso em: 25 dez. 2015. 87
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 15 nov. 2015. 88
Grifo da autora. 89
FREDERICO, Erik, Professor de direito da PUC-SP e Juiz Federal da 3ª. Região. Disponível
<http://hottopos.com/videtur17/erik.htm>. Acesso em: 25 dez. 2015. 90
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0> Acesso em: 15 set. 2015.
63
pelo dominador, que é predominante nas relações de poder daquela universidade (USP), assim
como em muitas outras universidades públicas e nos espaços de poder, em geral,
(CARVALHO, 2012).91
Tais fatores resultam no quadro de exclusão persistente de negros e indígenas na
educação brasileira, em especial na educação pública superior e como consequência nos
demais âmbitos da sociedade. Pois, não existe ainda outro caminho para a inclusão que não
seja pela educação formal. Pois, as instituições educacionais públicas, possuem estruturas
antigas, pertencentes às correntes neoliberais, o que as impedem perceber a importância da
inclusão via ação afirmativa e também, através do reconhecimento do conhecimento das
vivencias. Emperrando, assim, que um indivíduo se torne mestre, que possa atuar em sala de
aula ou em pesquisas, nas universidades a partir de suas vivencias, experiências empíricas.
Tais ações são características de uma sociedade cujas estruturas têm raízes nas culturas
racistas, hegemônicas, (CARVALHO, 2012).92
Assim, não há outra saída, senão brigar pelos direitos civis e neste contexto as cotas
raciais se insere, uma vez que já há dados comprobatórios da exclusão racial e social de
negros e índios brasileiros e, tais direitos são reconhecidas pela Corte Soberana do País, o
Supremo Tribunal Federal, (STF); (CARVALHO, 2012).93
As instituições que adotam políticas contrárias às ações afirmativas concentram-se na
ideia de mérito. Assim, prejudicam os estudantes negros e indígenas, de modo que se não
houver mudança capaz de promover formas de inclusão, a partir dos cursos de graduação, o
“confinamento racial” nas universidades resplandecerá em todo o mercado de trabalho, seja
público ou privado, e, a exclusão desses profissionais, tendem a se aprofundar.
Observamos, pois, as funções de professores (as), pesquisadores (as), cientistas serão
mantidas nas mãos das classes dominantes, que é maioria branca. Estamos vivendo na lógica
do capital e nela não há outra forma de se chegar a tais funções que não seja pelo curso da
graduação, assim as cotas raciais são necessárias para essa realização entre aqueles que estão
excluídos, em todos os âmbitos da sociedade, em consequência da exploração de uma parte da
sociedade em relação à outra parte (CARVALHO, 2012; 2004, SEGATO, 2004).94
O Professor José Jorge explica que na Universidade Federal de Brasília (UnB), onde é
professor catedrático do departamento de Antropologia, já existem cotas para o ingresso de
91
CARVALHO, José Jorge. Seminário no IFRN em 02/08/2012. Disponível em: www.youtube.com.br – Acesso:
05/dez./2015. 92
CARVALHO, José Jorge. Seminário no IFRN em 02/08/2012. Disponível em: www.youtube.com.br – Acesso:
05/dez./2015. 93
Ibid. 94
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvo>. Acesso em: 15 set. 2015
64
mestres de sua prática cotidiana, os quais podem ministrar aulas na UnB. Ele explica que os
índios conhecem profundamente de botânica, em certa especificidade, muito mais do que um
pesquisador, que depende, na maioria das vezes, deste índio para explicar o significado e a
utilização de cada planta, usada pelos pesquisadores para amparar suas pesquisas. Então, nada
mais justo do que trazer este índio para dentro da universidade e oferecer a ele a possibilidade
de passar para os pesquisadores seu conhecimento acerca daquela planta. O mesmo acontece
no caso Quilombola; imagine que a lei 10.639/2003 determine que se inclua a todos; então
não existe lógica que estudantes de cultura indígena ou quilombola estejam no mesmo espaço
para receberem aulas com a cultura europeia que domina a educação deste país. Inclusive, em
dezembro de 2014, na Universidade de Brasília (UnB), o índio acriano de Tarauacá, de nome
Joaquim Paulo de Lima Kaxinawá, recebe o título de doutor em linguística, para a gramática
da língua HãtxaKuin, sua língua-mãe. Mas, além disso, um quilombola que demanda
profundamente de certo conhecimento uma vez que tenha vasto conhecimento acerca de sua
cultura, pode adentrar uma universidade e ensinar sobre esse conhecimento a titulo de mestre
naquele tema,95
(CARVALHO, 2012, 2004; SEGATO, 2005).
Essa política se estabelece na UnB a partir do empenho de alguns professores, como
do Professor José Jorge de Carvalho, Professora Rita Segalli entre outros. Na UFPE
(Universidade Federal de Pernambuco), por exemplo, em 2012, Luiz Gonzaga recebeu o título
de doutor por demandar vasto conhecimento naquilo que fez durante toda a sua vida.
Gonzagão, (como era carinhosamente tratado pelos sujeitos que se sentiam por ele
representado)96
musicou o nordeste brasileiro, em especial o sertão pernambucano,
problematizando a cultura sertaneja e, os problemas sociais oriundos das questões naturais,
(seca), mas, principalmente o abandono do nordestino pelo Estado brasileiro. Sabemos que,
essa realidade parte de pesquisas, sem a qual não seria possível, então nada mais justo que
essa forma de inclusão aconteça em nossas universidades.97
Contudo, a Universidade de São Paulo (USP), e as universidades paulistas, estão anos
luz da discussão das políticas afirmativas ou de outras formas políticas inclusivas, uma vez
que são amparadas por esse sistema. Pois onde a meritocracia opera para avaliar os
indivíduos, a exclusão continua sendo a arma mais poderosa para manter os espaços e
instituições de poder nas mãos daqueles considerados as classes dominantes. Motivo pelo
qual se fortalecem as lutas pela exigência da adoção de políticas de inclusão racial e social e,
95
Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br. Acesso em: 24 dez. 2015 96
Grifo da autora. 97
Disponível em: <http://www.inaldosampaio.com.br/2012/11/ufpe-entrega-titulo-de-doutor-honoris>. Acesso
em: 26 dez. 2015.
65
seguramente, essa luta figura nas pautas do movimento negro, as cotas
raciais,98
(CARVALHO, 2012).
Objetivando explicitar o nosso entendimento e consequentemente abranger mais a
discussão fundamentada no pensamento dos Professores: Carvalho e Segato, ambos da
Antropologia UnB, seguimos aqui uma pista de Bourdieu (2007). Segundo o qual, o conceito
de violência simbólica é a forma de apropriação que sutilmente legitima a dominação em uma
sociedade, em especial pelos mecanismos da educação e da cultura, culminando nas
desigualdades sociais que são, mais tarde, “naturalizadas” pelo seu próprio criador,
(BOURDIEU, 2007).
Esse comportamento se verifica nas sociedades colonial e imperial. Onde os
colonizadores buscam perpetuar seus domínios mesmo após a descolonização, através das
classes dominantes que se formam desses sistemas, consistindo assim, no fascismo social, o
qual bloqueia os acessos à cidadania dos grupos dominados que têm a pretensão de ascensão
social, especialmente nas grandes cidades, (BOURDIEU, 2007).
Assim, seguimos a discussão também com Boaventura Souza Santos e Maria Paula
Meneses (2010). Os quais convergem com Bourdieu acerca dos domínios dos grandes centros
urbanos, onde as confluências culturais são mais acirradas e assim “viram zonas de conflitos”,
e a competição por essa ascensão se torna mais evidente entre os grupos que demandam o
poder. Nesse caso, exercem “formas de governos indiretos” onde os sujeitos sociais são
excluídos “à sombra do contrato social” e “sem qualquer perspectiva de regresso” do ponto de
vista das epistemologias do Norte (SANTOS; MENEZES, 2010, p. 47); (BOURDIEU, 2007).
Esses paradigmas se caracterizam através de estilos impostos, absorvidos enquanto
modelos, em geral eles se manifestam pela sutileza, mas exercem papel importante do ponto
de vista dominante, (BOURDIEU, 2007).
1.6 A USP Desrespeita o Supremo Tribunal Federal e Diz Não às Políticas
Afirmativas
No calor aprovação da Lei 12.711, sancionada em agosto de 2012, pela Presidenta do
Brasil, Dilma Rousseff, o governador de São Paulo e os reitores das universidades paulistas,
em 20 de dezembro do mesmo ano, se reúnem no Palácio dos Bandeirantes. O objetivo dessa
98
Informação do líder da “Ocupação Preta”, Emerson Gabriel, em entrevista para este trabalho, em setembro de
2015.
66
reunião foi discutir as políticas afirmativas para as populações negras, indígenas e estudantes
da rede pública. Na ocasião, houve grande animosidade por parte dos estudantes, do
movimento negro e de interessados na questão. Entretanto, logo veio à decepção, pois, no
aspecto objetivo, as políticas de ação afirmativa, decidida na referida reunião, continuam
fundamentadas no processo da meritocracia e, ação afirmativa e meritocracia são caminhos
absolutamente paralelos99
, (G1, STOCHERODO, 20/12/2012).
Nessas circunstancias, dessa reunião saíram apenas arranjos políticos no sentido de
escamotear o direito desses estudantes embora este esteja assegurado pela Suprema Corte do
País, quando em 26 de Abril de 2012, todos os ministros votam favorável às políticas
afirmativas. Assim, as cotas raciais representam um direito legítimo de reparação contra
danos provenientes da exploração pela escravidão brasileira. Ora, no Brasil miscigenado, os
descendentes do regime escravista são maioria pobre; isto responde por que em uma
sociedade composta por 53% de negros, dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal
presentes na seção dessa discussão, apenas um é negro: Joaquim Barbosa.100
O ministro Ricardo Lewandowski foi relator da ação do DEM (Partido Democrata)
contra o sistema de cotas na UnB, iniciada ainda em 2004, quando as políticas de ação
afirmativa entraram em funcionamento naquela universidade. O referido partido entendeu que
precisava demolir o sistema de políticas afirmativas, embora o mesmo já beneficiasse 20% da
população negra e afrodescendente na UnB, a fim de que a mesma medida não se expandisse
nas demais universidades. Entretanto, o ministro Ricardo Lewandowski além de determinar
improcedente a ação do DEM, também reconhece a legalidade do sistema de políticas
afirmativas da UnB, e determina que a mesma medida fosse estendida às demais
universidades públicas do Brasil como forma de correção da desigualdade101
existente e
persistente, apresentada pelas estatísticas do IBGE102
e por outras entidades governamentais
ou não.103
O ministro Joaquim Barbosa fica apenas dez minutos em seu pronunciamento, mas,
emociona os demais, refletimos, então, no pensamento do então ministro Joaquim Barbosa:
Acho que a discriminação, como componente indissociável do
relacionamento entre seres humanos, reveste-se de uma roupagem
competitiva. O que está em jogo aqui é, em certa medida, competição: é o
99
Grifo da autora. 100
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 dez. 2015. 101
Disponível em: <https://umhistoriador.wordpress.com>. Acesso em: 15 dez. 2015. 102
Disponível em: <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 15 dez. 2015. 103
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 dez. 2015.
67
espectro competitivo que germina todas as sociedades. Quanto mais intensa
a discriminação e mais poderosos são os mecanismos inerciais que impedem
o seu combate, mas ampla se mostra a clivagem entre o discriminador e o
discriminado. 104
Barbosa enfatizou que, a partir da legalização das políticas afirmativas, a igualdade
deixa de ser apenas um princípio jurídico, pois com esta prática se inicia no Brasil a
concretização de um direito já reconhecido na Constituição de 1988, embora, até então
desconhecido, por não ter sido ainda colocado em prática.105
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Artigo 5º afirma:
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade”, e sobre o racismo é enfática: “XLII - a prática do racismo constitui
crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. (C.F do
Brasil, 1988).106
Contudo, sempre foi muito difícil se provar o racismo no Brasil, pois sua ação
aparece, mas a prática não, ela fica implícita, ou seja, nem sempre se consegue provar porque
quem a pratica não assume e, muitas vezes, sequer se reconhece racista, impedindo a vítima
de denunciar ou solicitar correções. Desse modo, conforme se expressa o ministro Ayres
Brito: “não basta criminalizar, é preciso que haja reparação das práticas do racismo, a
Constituição não se contentou em proibir o preconceito. Não basta reconhecer, é preciso
proteger as vítimas de perseguições e humilhações ignominiosas”. O ministro também
ressaltou o artigo 3º, inciso III, de que são objetivos fundamentais da República erradicar a
pobreza e a marginalização, e sobre o inciso IV citou que o mesmo trata da promoção do bem
de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, entre outros.107
Nesse contexto, afirmou o
ministro, “o Brasil vai se olhar no espelho da história e não vai mais corar de vergonha”108
,
fazendo referência à desigualdade racial entre brancos e negros no Brasil.109
Em consequência da reação do Supremo Tribunal Federal, ao aprovar o sistema de
ação afirmativa, as cotas raciais, podemos observar que, imediatamente o governador Geraldo
Alckmin se pronuncia sobre as universidades paulistas e “assume o compromisso público” de
investir no PIMESP (Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior) no primeiro ano
104
Disponível em:< www.planalto.gov.br>/. Acesso em: 15 dez. 2015. 105
Ibid. 106
Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. Brasília – DF, 2012. 107
Ibid. 108
Disponível em:< http://reporterbrasil.org.br>. Acesso em: 10 jan. 2016. 109
Disponível em: <www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 12 dez. 2015.
68
de sua implementação, disse o governador, pretender investir já em 2014, pelo menos R$ 27
milhões em sua fase inicial, mas o investimento teria um plano a ser seguido, o que consiste
em um incremento anual até atingir R$ 94,7 milhões, meta que, segundo o governador, deve
ser cumprida gradativamente por sete anos e, posteriormente, os investimentos permanecerão
constantes. Assim, seguindo o raciocínio do governador Alckmin, os investimentos no
PIMESP terão um teto garantido permanentemente, além de novos investimentos110
. Só resta
saber a quem o governador Alckmin pretende atingir com este investimento, uma vez que a
questão da meritocracia, por si, já trata de competição, e onde há competição não há inclusão,
(CARVALHO, 2012).
Onde há a discussão sobre a meritocracia não há possibilidade de haver política de
igualdade que é o objetivo das políticas afirmativas, uma vez que são linhas paralelas, ou seja,
meritocracia e inclusão não dão as mãos. Em situações, onde há necessidade de se promover a
igualdade é exatamente porque a meritocracia imperou, em algum momento do passado, ou
mesmo no presente foi aplicada a rigor. E, sua ação, tem consequência que reflete a
desigualdade na atualidade, a qual se dá sempre a partir da exploração de um homem pelo
outro e, por isso, se faz necessária à aplicação de medidas de correção dessa desigualdade,
através das políticas afirmativas, as cotas raciais, (CARVALHO, 2005, p.5-9; 2012).
Geraldo Alckmin e os reitores da USP afirmam que vão usar os parâmetros da Lei no
12.711/2012 em suas políticas para atender aos alunos negos e indígenas, mas se contradizem
ao colocar à frente das medidas, o que chamam de políticas afirmativas: o PIMESP, o
INCLUSP (Programa de Avaliação Inclusão da USP), o PASUP (Programa de Avaliação
Seriada da USP) que não respondem a inclusão racial 111
. E, o PIMESP também não, o
mesmo é uma forma de avaliação do sistema da meritocracia e, como tal precisa se submeter
à meritocracia.
A seguir analisamos a reflexão da professora Eunice Durham do departamento de
antropologia USP, acerca do PIMESP (Programa de Inclusão com mérito da Universidade de
São Paulo) que a USP chama de inclusão:
Como método de inclusão, ele é muito precário, é um remendo que
tenta democratizar o acesso à universidade manipulando o vestibular,
que não é a causa, mas o reflexo da desigualdade existente. Creio que
alguma forma de ação afirmativa para ampliar o leque
socioeconômico e étnico dos alunos da universidade é importante, mas
110
G1 Stocherodo, 20/12/2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-
programa-de-cotas-sociais-e-raciais-para-usp-unesp-e-unicamp.html>. Acesso em: 15 nov. 2015. 111
Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br>. Acesso em: 17dez. 2015.
69
o PIMESP não faz isso, assim como a maioria dos sistemas de quotas
atuais. Podemos ver isso analisando os números: no Estado de São
Paulo, menos de 30% dos jovens está matriculado no ensino superior.
Desses, apenas 15% estão nas universidades públicas, ou seja, com ou
sem quotas, as universidades paulistas já excluem 95% da população
na faixa etária de 18 a 24 anos. O projeto acaba subvertendo o sistema
de mérito do vestibular para privilegiar uma parcela ínfima dos
jovens.112
Este é o pensamento sobre o PIMESP, ou seja, o plano que a USP coloca em seu
sistema de educação para fingir que inclui os alunos oriundos da rede pública.113
Transpõe-se a ideia de que os estudantes oriundos da rede pública de ensino estão
acolhidos e incluídos pela legislação (Lei no 12.711/2012). Contudo, isso não é verdade, pois
quando eles se referem à vaga por desempenho referem-se à soma da pontuação e aprovação
pelo vestibular FUVEST e, isso pode ser tudo menos inclusão.
1.7. Adesão parcial ao ENADE
Em termos de inclusão social e racial na USP, não é novidade que no ano de 2015
tenham surgido novas formas de camuflagem arquitetadas por seus dirigentes. “Adesão
parcial ao ENADE”, o que isto significa? Usamos uma interpretação na fala do diretor da
Faculdade de Medicina, José da Costa Auler114
, para tentar responder: “Na Faculdade de
Medicina da USP (FMUSP), a adesão do ENEM foi rejeitada pela maioria dos membros da
Congregação”. O que surpreende é que o diretor da FMUSP, José Octavio Costa Auler,
prefira o Programa INCLUSP a aceitar os alunos bem colocados pelo sistema ENEM. A
seguir refletimos no argumento de Auler:
[...] As provas são diferentes. O ENEM é avaliativo, a FUVEST é seletiva. A
FUVEST tem 40 anos, nunca deu problema. E o INCLUSP precisa ser
completado ainda, o próprio INCLUSP ainda não foi avaliado. A inclusão
está avançando, está aumentando cada vez mais. Quanto mais se incluir, mais
você tem o problema da permanência, precisa ser bem visto isso, senão você
começa a ter problema de evasão115
.
A política de inclusão significa incluir de todas as formas, pois se observarmos a
decisão do STF e da Lei 12.711/2012 como parâmetro, podemos interpretar que a instituição
112
Jornal Campus USP (JC), entrevista de Gabriel Grilio. Publicada em 11/04/2012 e acessada em 13/12/2015. 113
Ibid. 114
Ibid. 115
Ana Carolina Moreno, 26/06/2015. Disponível em:< http://g1.globo.com>. Acesso em: 12 nov. 2015.
70
de ensino superior pública deve reservar no mínimo 50% de suas vagas em todos os cursos e
turnos, de acordo com o Censo IBGE local e de outras providências. As universidades
federais entendem que o grifo “outras providências” significa favorecer materialmente o
estudante cotista, não apenas lhe reservando uma vaga na universidade, mas também
fornecendo bolsa de estudo para ajudar o aluno cotista se sustentar, comprar material de
estudo, transporte e alimentação. Inclusive, esses mecanismos já são adotados na UnB e na
UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), “desde os anos de 2004 e 2005. Denota que
a USP está muito atrasada do ponto de vista do desenvolvimento social,”116
/117
.
Questionado sobre a “inclusão” de um número pequeno de vagas na Faculdade de
Medicina pelo sistema SISU. Se este número tão pequeno poderia garantir a inclusão, o
diretor respondeu que a entrada de “pessoas de fora”, na USP, aumentará o problema de
permanência e acredita que neste caso, “deve-se melhorar o INCLUSP” e não trazer alunos de
fora.
Entendemos que o diretor Auler se refere à política de inclusão cuja legislação
12.711/2012 determina que, além da reserva de vagas, a universidade pública deve oferecer
uma verba para ajudar na manutenção do estudante durante o curso da faculdade118
Neste contexto, observamos um equívoco na fala do diretor da Faculdade de Medicina,
Euler, José da Costa Auler, pois, os alunos que entram para se preparar pelo INCLUSP, pela
lógica, são meros candidatos e não estão dentro da USP. Não entendemos, portanto, o que o diretor
Auler chama de “trazer gente de fora”, afinal, se todos têm que prestar vestibular e, só estão dentro
da USP, quando aprovados na primeira e na segunda fase da FUVEST, de acordo com o número
de vagas disponibilizadas no edital, então fica uma interrogação... Nesse caso, qualquer candidato
deveria ser considerado “de fora”, pois ele só será estudante da USP quando passar pelo vestibular
FUVEST, e pelo que se sabe, apenas se inscrever em um Programa, seja INCLUSP ou PASUP,
não significa ter uma vaga assegurada na USP. Nesse caso, enxergamos certa confusão, ou Auler
faz referencia a algum procedimento que acontece nos sistemas que a USP trata por “Programas de
Inclusão” que não são divulgados e ou não abrange119
a todos.120
Fica nítida a preferência dos dirigentes da USP pelos por candidatos aprovados pela
FUVEST e não pelo sistema ENEM. Mas, nos chama atenção à expressão: “aluno de fora”,
embora a referência seja para os candidatos que entram pelo sistema INCLUSP.
116
As frases entre aspas são grifos da autora, fundamentada em Hélio Santos, 2004. 117
Ana Carolina Moreno, 26/06/2015. Disponível em: <http://g1.globo.com>. Acesso em: 12 nov. 2015. 118
Grifo da autora. 119
Ibid. 120
Ana Carolina Moreno, 26/06/2015. Disponível em: <http://g1.globo.com>. Acesso em: 12 nov. 2015.
71
Para melhor compreendermos esta discussão, acerca do funcionamento desses
programas conversamos com Emerson Gabriel, líder da “Ocupação Preta”. Pelo que o mesmo
tem acompanhado e se informado, nos informou o seguinte: muitos dos jovens negros e
pobres que se inscrevem nos programas INCLUSP e PASUP deixam a USP desmotivados
porque não conseguem ser aprovados e os Programas só aceitam aquele candidato por tempo
determinado, ou seja, o candidato se inscreve para as aulas, durante certo período, se não
consegue ser aprovado no vestibular FUVEST naquele ano em que se inscreveu, perde a
oportunidade e é obrigado deixar o programa.121
Após o ano de 2001, o debate sobre o sistema de cotas raciais, ganha espaço na mídia,
nas universidades e na sociedade em geral. Assim, analisamos alguns documentos que nos
situam acerca do pensamento dos principais dirigentes da USP, pois pretendemos oferecer
subsídios para esta discussão, de modo mais consciente, sobretudo acerca dos acontecimentos
na USP, pois se não fizermos poderá existir um vácuo dessas questões, talvez num futuro
muito próximo.
Em 2005, quando as cotas raciais já estão no auge da discussão, a Folha de São Paulo
entrevista o então reitor Adolpho José Melf (2001 e 2005) sobre o atendimento às políticas de
inclusão social na USP. Ele assegura que a USP dispõe de inclusão e relata sobre “favorecer
com a isenção as inscrições o estudante bom”.
Existe uma série de iniciativas que estamos tentando resolver. Uma delas é
isentar os alunos carentes da taxa de inscrição no vestibular. Às vezes, o
estudante bom não vem por causa dos R$ 100 [valor aproximado da
inscrição]. Depois, melhorar as condições nas escolas públicas de ensino
médio e fundamental. Outra forma é o cursinho, pegando os melhores
alunos e dando a eles uma melhor preparação, (G1, STOCHERO ). 122
E o jornalista segue questionando Melf sobre as políticas afirmativas, cotas raciais, e o
que o reitor responde: “Não sou favorável. Mas é um problema que temos de enfrentar. Se o
governo quiser criar, pode criar, mas que não sejam raciais. Estaríamos cometendo um ato
perigoso, incentivando o racismo. Poderíamos criar as cotas socioeconômicas”.123
Desse modo, julgamos conveniente analisar a opinião do ex-reitor Melf, no tempo
presente, afinal as opiniões mudam e, quem sabe, poderíamos encontrá-lo com outro
pensamento sobre as políticas afirmativas para os estudantes negros e indígenas na USP.
Vasculhamos os meios de comunicação e, eencontramos uma entrevista também da Folha de
121
Emerson Gabriel em entrevista para este trabalho, em São Paulo, setembro de 2015. 122
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 12/jan./2016. 123
Ibid.
72
São Paulo, na qual o jornalista questiona se com o passar do tempo o ex-reitor se mantém
contra as cotas raciais. Sem hesitar, o ex-reitor responde que se mantem contra e justifica que
sua opinião porque acredita que esta discussão levaria o racismo para o interior da
Universidade de São Paulo (USP). 124
A seguir, observamos a reflexão de José Adolpho Melf, sobre as cotas raciais na
referida universidade:
Sim. Eu mantenho essa posição com respeito às cotas raciais. Naquela
época a gente defendia que poderiam existir cotas, mas que deveria ser mais
do ponto de vista econômico e social. Não vejo muitas razões para a criação
de cotas raciais. Isso acaba criando problema grande. Hoje a USP caminha
um pouco nesse sentido. Já se discute a implementação de cotas, na USP já
há facilidades, bônus dados para negros, índios. Mas eu acho que, em
princípio, a entrada na USP deve ser por mérito.125
E, nós, pesquisadores e também o movimentos negro, não encontramos no âmbito de
inclusão para os estudantes negros e indígenas nenhuma política afirmativa na USP. Assim,
seguimos interpretando o pensamento do ex-reitor Adolpho José Melf, que nos ajuda a
compreender a questão do racismo estrutural naquela instituição.126
Outros reitores, como Suely Vilela e João Grandino Rodas, foram enfáticos ao
afirmarem que a USP precisa manter sua excelência e que isso só será possível se a base do
ingresso na graduação continuar sendo a meritocracia. Neste contexto, foi pensada outra
forma de “incluir”, ou seja, excluir pobres, negros e indígenas, através do College, cursos a
distância, (USP) (G1, STOCHERO).127
Essa política fez parte do discurso do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e
dos reitores, em especial de João G. Rodas, o qual, no decorrer do tempo em que esteve na
reitoria da Universidade de São Paulo (USP), sempre se manteve fiel ao sistema de
meritocracia. Assim, não seria nenhuma novidade, observar suas intenções: manter pobres e
negros estudando a distância, ou seja, criar um dos sistemas apartheid jamais visto em toda a
124
Grifo da autora. 125
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 12 jan. 2016. 126
Grifo da autora. 127
Tahiane Stochero. “São Paulo lança Programa de Cotas Sociais e Raciais para USP, UNESP e UNICAMP.”
Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-
para-usp-unesp-e-unicamp.html>. Acesso em: 28 dez. 2015.
73
história da educação brasileira, apesar de todas as formas de segregação já observada, em
especial, na própria USP.128
Entendemos que essa seria uma forma de evitar que os estudantes negros, tenham
contato com os estudantes das classes dominantes, os quais são maioria na Universidade de
São Paulo (USP). Por essa determinação, os estudantes negros, pobres e indígenas, tratados
sob a sigla PPIs, (Pretos, Pardos e Indígenas) são segregados do direito de participar da vida
acadêmica no interior daquela universidade. E, se esse projeto se concretizasse, os estudantes
negros e indígenas, seriam mantidos nos cursos tecnólogos, em geral por dois anos, e só
depois, se aprovados, poderiam ingressar em outros cursos na USP. Para não deixar o nome
muito feio e lembrar que se trata de cursos a distância, o governador Geraldo Alckmin prefere
tratar como “curso virtual”; é desse modo que o governador considera exercer a tão almejada
“inclusão” dos alunos negros, indígenas e pobres.129
Imaginamos se o governador Geraldo Alckmin, o reitor João G. Rodas, Melf entre
outros, gostariam de ver seus filhos, netos entre outros entes queridos, estudando na USP à
distância... Sim, porque o governador Geraldo Alckmin, ainda defende que, esses cursos
servem para os estudantes prestarem concurso público, (G1, STOCHERO).130
Essa situação nos causa indignação, pois enxergamos nessa questão, o mais alto grau
de desrespeito com os nossos jovens negros que lutam por se incluir nessa universidade (USP)
e que por direito, ela é de todos, afinal não é uma universidade pública? 131
Neste contexto, analisamos também o sentido da Univesp (Universidade Virtual de
São Paulo), sob o olhar de seu principal articulador e atual presidente, Carlos Vogt.
A seguir, vejamos uma reflexão sobre a Univesp, por Carlos Vogt:
O curso garantirá aos alunos um diploma de ensino superior que permitirá
exercer atividades profissionais e poderá prestar concurso público, diz Vogt.
A ideia não é de um reforço ou cursinho preparatório, mas uma nova
modalidade que se acrescenta às formações de nível superior e cumpre o
papel social de políticas públicas para capacitar o nosso jovem. [...] A
seleção para o curso, que terá status de nível superior, será pelo
desempenho dos candidatos pelo Enem, e não por vestibular. Ao término do
primeiro ano, quem tiver 70% de aproveitamento terá ingresso garantido em
cursos das Fatecs. Ao concluir o segundo ano, o aluno já terá ingresso
128
Grifo da autora. 129
Ibid. 130
Tahiane Stochero. “São Paulo lança Programa de Cotas Sociais e Raciais para USP, UNESP e UNICAMP.”
Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-
para-usp-unesp-e-unicamp.html>. Acesso em: 28 dez. 2015. 131
Ibid.
74
garantido tanto em Fatecs quanto em universidades.132
O senhor Carlos Vogt, mesmo afirmando que a Univesp ou Collegie não é um cursinho
preparatório, escorrega na contradição quando afirmar que ao final do primeiro ano, o aluno
que for aprovado com no mínimo 70% de aproveitamento, terá ingresso garantido nas
FATECS. Ou seja, os dirigentes das universidades públicas paulistas, em comunhão com o
senhor governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin continuam firme, decidindo
pelos estudantes negros, os cursos que os mesmos devam estudar. Entendemos que, incluir é
antes de tudo oferecer opção do incluído escolher o que deseja estudar.133
Foi exatamente este modelo de educação pensado no decorrer do Estado Novo, pelo
então presidente da República, Getúlio Vargas. E, muito valorizado após a década de 1964, e
profundamente alargado em 1971, com o desenvolvimento industrial brasileiro que se dá com
grande ênfase no estado de São Paulo, onde pobres eram encaminhados para os cursos
técnicos, a fim de se tornarem ótimos operários para indústria. Ainda assim, havia grande
seleção para o ingresso nos cursos técnicos, pois mesmo esse acesso, não era para todos,
porque até para ser trabalhador das fabricas, como já discutido, existia a preferência por não
negros134
, (CARDOSO, 1982).
Nesse contexto, decididamente não há inclusão nesta forma discutida nos parágrafos
acima. Parece-nos, então, uma das mais perversas formas de exclusão de nossa história,
envolvendo as universidades paulistas, em especial a Universidade de São Paulo (USP), uma
vez que as populações negras reivindicam o direito de escolher o curso universitário que
desejam fazer. E, o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, em comunhão com
seus reitores promove o mais cruel e desrespeitosa forma de excluir, pois, conforme citação
acima determina que os estudantes negros e indígenas, sejam antes de tudo, apenas
etnólogos.135
Na época dessa discussão, (ensino a distância) o então reitor João. G Rodas e o
governador de São Paulo Geraldo Alckmin objetivavam apresentar estatísticas para fazer face
às cobranças dos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU)
que está atenta às estatísticas brasileiras, e cobra posição, mecanismos para a amenização das
132
Tahiane Stochero. “São Paulo lança Programa de Cotas Sociais e Raciais para USP, UNESP e UNICAMP.”
Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-
para-usp-unesp-e-unicamp.html>. Acesso em: 28 dez. 2015. 133
Grifo da autora. 134
Ibid. 135
Ibid.
75
consequências do racismo estrutural contra os povos negros e indígenas na sociedade
brasileira; a ONU exige mudança que propicie transformação dessa realidade, através da
educação, como mecanismo para melhorar a vida dos excluídos.136
Relembramos que no ano de 2001 quando os delegados e observadores da terceira
Conferência contra o racismo, organizada pelas Nações Unidas em Durban África do Sul,
ainda, não se podiam imaginar o efeito em tão pouco tempo. Embora, esse acontecimento foi
à custa de acomodações e manobras de procedimento até chegar aos documentos finais137
.
Ainda assim, já era uma situação mais do que suficiente para acalentar os ânimos. E, foi
nessas circunstâncias que o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso,
participou dessa Conferência, (SILVÉRIO, 2006).
Na ocasião, a ONU já estava de posse de documentos os quais evidenciavam que, a
pobreza e a miséria apresentadas pelas estatísticas do IBGE e IPEA, têm raízes no
analfabetismo em que vivem as populações negras e indígenas no Brasil; em situação de total
abandono pelo Estado. Foi então, Fernando Henrique Cardoso, quase que forçado138
a assumir
publicamente compromisso junto a ONU de adotar mecanismos capazes de transformar a
realidade dos negros brasileiros. Assim, o então presidente Fernando Henrique Cardoso se
comprometeu inverter o quadro de analfabetismo e pobreza persistente, o qual está “em
consonância com os itens II e III do programa de Ação aprovado na Conferência de Durban”.
Que significa: “facilitarem a participação de pessoas de descendência africana” em todos os
aspectos e avanços dos desenvolvimentos: econômico, social, político, educacional e cultural,
(SILVÉRIO, 2006, p. 44).
Entretanto, após esse acontecimento internacional, imputando tamanha
responsabilidade a FHC, pouco foi realizado no sentido de incluir as populações que se
encontravam às margens da educação de “qualidade” e da educação pública superior no
Brasil. Sobre esse assunto, daremos maior destaque no decorrer desta dissertação.
A USP, indiscutivelmente é uma instituição resistente às políticas afirmativas e sua
luta caminha sempre na contramão da inclusão. Pois, em 2001, quando o então presidente
FHC, como já dito, na Conferência de Durban África do Sul, assume o compromisso de
reparação das desigualdades no Brasil. Assim, automaticamente reconhece que, as políticas
136
Ações Afirmativas e Educação: reflexões étnico-raciais com José Jorge de Carvalho no IFRN, em
02/08/2012. Disponível em: <Ihttps://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvoSSN /19809921>. Acesso em:
15 jan. 2016.
SILVÉRIO, Roberto Walter; Fundação cultural Palmares, (Org.) Maria Nilza da Silva e Jairo Q. Pacheco. O
Negro na Universidade: o direito a inclusão. (Ministério da Cultura). 137
Grifo da autora. 138
Ibid.
76
afirmativas, têm suma importância, pois, “visam o combate ao racismo, discriminação racial,
xenofobia e intolerância correlata”, (SILVÉRIO, 2006, p. 45).
Passados quinze anos e diante da legislação em vigor Lei 12.711 e da decisão do STF,
a USP não se curva frente às mudanças que o tempo ofereceu. E, os estudantes negros, como
medida para diminuir a desigualdade ora constatada, se mobilizam naquela instituição e
mesmo assim, seus dirigentes continuam insensíveis à questão da inclusão racial naquela
instituição pública. Supomos que somente através de projetos de pesquisas como este,
possam-se disseminar um alerta para a sociedade de como esta universidade vem agindo,
segregando, quando seu papel devia ser o de incluir. Neste sentido, no próximo item,
analisamos o pensamento de alguns professores da USP em um documento denominado
“CARTA ABERTA”, a fim de evidenciar o que discutimos até aqui, acerca da resistência da
USP em promover políticas afirmativas139
para os estudantes negros,140
(SILVÉRIO, 2006, p.
45).
1.8 As Políticas Afirmativas nas Universidades Públicas Nascem na Constatação do
Racismo na UnB
No contexto desta análise, necessariamente perpassamos pela discussão da experiência
da Universidade de Brasília (UnB), a qual suscita a mais ampla discussão no que tange à
implementação das políticas afirmativas, cota racial. Esta política no âmbito da educação
superior nasce prioritariamente na UnB em decorrência do empenho de alguns professores,
em especial do Professor José Jorge de Carvalho e da Professora Rita Laura Segato, ao
constatarem naquela universidade um caso de racismo, conhecido publicamente por “caso
Ari”, (SEGATO, 2005, p, 80).141
Meditemos sobre as palavras de uma das principais articuladoras no combate ao
racismo, dentro da UnB, a Professora Rita Laura Segato:
A exclusão, entre nós, é uma estrutura profunda de ordem psíquica,
cognitiva, ontológica e não meramente socioeconômica. Originária do
sistema de exploração escravocrata, logo permaneceu enquistada na
ideologia e reproduzida pela cultura do povo brasileiro. As relações sociais
próprias da escravidão constituíram-se em matriz de convivência no Brasil,
transformaram-se em “costume”, numa forma de normalidade. Na
sociedade brasileira pós-escravocrata, a suspensão da ordem jurídica que
139
Grifo da autora. 140
Ibid. 141
REVISTA USP, São Paulo, n.68, p. 76-87, dezembro/fevereiro 2005-2006 – Disponível em:
<http://www.usp.br/revistausp/68/07-rita-laura.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2015.
77
garantia a exclusão na lei foi substituída por uma caução ideológica, o
racismo, que passou a ser a norma não-jurídica a garantir a permanência
da exclusão das pessoas negras, (SEGATO, 2005, p, 80). 142
Portanto, é de suma importância que se perceba que os “excluídos” não são resultados
apenas no que diz respeito à extração de trabalho mal remunerado. Acima de tudo, são
produtos da reprodução da subjetividade das classes dominantes deste País, as quais agem
sutilmente, mas, produzem efeitos estarrecedores no que tange a distribuição dos direitos
sociais objetivos, em particular por via do conhecimento formal, construído nas universidades
públicas deste país, (SEGATO, 2005, p. 80-81).
Em 1999, o “caso Ari” chama atenção na UnB. Ariovaldo Lima Alves havia concluído
seu mestrado em 1995, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – RJ, intitulado: “A
Estética da Pobreza: Música, Poética e Estilo”. E, em 1998, ingressou no Programa de
Antropologia da UnB para cursar seu doutorado, tendo sido reprovado em uma disciplina
obrigatória, embora tenha tirado nota máxima (dez) em todas as outras. O que se configurou
então, como um caso de racismo, resultando em um processo que se tornou conhecido
nacionalmente por: “caso Ari”. E, em novembro de 1999, motivou a proposta do sistema de
cota racial naquela universidade, na UnB, cujos precursores foram: Professor José Jorge de
Carvalho e a Professora Rita Segato, (CARVALHO, 2012, 2005; SEGATO, 2005).
Ariovaldo Lima Alves foi o primeiro negro a ingressar no Programa de Pós-Graduação
da Antropologia da UnB, embora o referido Programa já estivesse em funcionamento há mais
de vinte anos. Segundo o Professor José Jorge, o mais estranho é que Ariovaldo era seu
orientando. Assim, ele próprio conhecia de perto o potencial de Ariovaldo, inclusive, o
mesmo já tinha publicações em revistas internacionais e, na época, já possuía uma produção
considerável no Brasil, (CARVALHO, 2002).
Vejamos o relato do Professor José Jorge de Carvalho a respeito da reprovação de
Ariovaldo Alves Lima, seu orientando:
Ariovaldo Alves lutou mais de dois anos por uma revisão justa de sua nota.
E após um processo de extremo desgaste dele e também nosso porque Rita
Segato era coordenadora da Pós-Graduação e foi demitida sumariamente do
cargo ao posicionar-se do lado de Ariovaldo Alves; eu era seu orientador e
sofri hostilidade por defendê-lo diante da maioria esmagadora dos colegas.
Conseguiu levar o seu caso (caso Ari) até o Cepe da UnB, que reconheceu a
injustiça cometida e forçou o Departamento de Horizontes Antropológicos a
142
Ibid.
78
mudar a sua nota e aprová-lo na disciplina, o que lhe permitiu permanecer no
programa e terminar o doutorado143
. Eu contei pessoalmente a Marco Chor,
em uma amigável conversa que tivemos na reunião da Anpocs de 2000,
quando a luta pelas cotas já estava a pleno vapor e a tensão do Caso Ari,
altíssima. (CARVALHO, 2002).
Acreditamos que o professor que reprovou Ariovaldo Lima Alves, não estava
acostumado a ver negros naquele programa e agiu de forma racista, sem sequer aceitar
conversar com o pesquisador, e ainda advertiu que, se Ariovaldo pedisse revisão, seria
reprovado pela segunda vez. Daí o Professor José Jorge na condição de seu orientador reagiu,
conforme discussão do parágrafo acima, (CARVALHO, 2009). 144
Até porque os racistas se fecham em seus preconceitos e não conseguem enxergar as
mudanças oferecidas pelo tempo, em que a diversidade superará a adversidade.145
Atualmente, Ariovaldo Lima Alves é Professor/pesquisador na UEBA e atua no
Núcleo das Tradições Orais e Patrimônio Imaterial – NUTOPIA e Relações Raciais e Cultura
Negra, (ALVES, 2013).146
.
Diante da luta na UnB, documentos são elaborados e medidas são tomadas no sentido
de retirar o sistema de cotas raciais que já estava operando naquela instituição pública e,
promovendo efeitos positivos de inclusão racial e social, quando o Partido Democrata (DEM)
entra com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). Essa ação ocorreu em 2004 e sua
posição foi contrária à disposição do DEM, quando o STF reconheceu que as políticas
afirmativas na UnB são legais e devem ser aplicadas nas demais universidades públicas
federais, conforme já discutido, (CARVALHO, 2005/2006, 2012).
Outras universidades seguiram o exemplo da UnB, como a Universidade Federal de
Alagoas (UFAL) e Universidade Estadual de Londrina, entre outras. Assim, em 2009 já
existiam dados no Brasil suficiente da eficácia do processo das políticas afirmativas, enquanto
reserva de vagas para estudantes negros e indígenas. E, a Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ) havia aprovado o sistema de cotas, desde 2003, que já estava em
143
Ele mesmo já publicou uma descrição e uma teorização sobre sua experiência na UnB (ALVES, 2001).
Outras leituras do caso já foram oferecidas por Carvalho (2002), (SANTOS, 2003), (PEREIRA, 2004) e
(SIQUEIRA, 2004). 144
28/07/2009 - PORTUGAL DIGITAL, 09/01/2015. 145
Grifo da autora fundamentada no pensamento de (Carvalho, 2012). 146
O NUTOPIA é um grupo de pesquisa cadastrado no diretório para grupos de pesquisa da Plataforma Lattes do
CNPq desde o ano de 2008. No ano seguinte, 2009, o NUTOPIA foi um importante suporte para a formação da
Linha de Pesquisa 3–Narrativas, Testemunhos e Modos de Vida – do Programa de Pós-Graduação em Crítica
Cultural (Pós-Crítica) da UNEB. Somos um coletivo de professores/pesquisadores doutores (Katharina Döring,
Edil Costa Silva, Sílvio Roberto Oliveira, Daniel Francisco dos Santos) que atuam em áreas diversas
(Antropologia, Etnomusicologia, Arte-educação, Letras e História). Ariovaldo Lima Alves. Em entrevista à
jornalista Emily Conceição. Disponível em: <http://www.cienciaecultura.ufba.br>. Acesso em: 18 jan. 2015.
79
funcionamento, embora seu sistema seja dirigido a estudantes da rede pública de ensino do
Brasil, (CARVALHO, 2005/2006, 2012).
Nesse contexto, a adesão das universidades públicas, estaduais e federais, foi
extremamente relevante, pois, quando o STF analisou e julgou a ação do DEM, já havia
estatísticas demonstrando os resultados positivos adotados nas universidades. Pois já em 2009
e 2010 muitos professores e professoras universitários se pronunciavam favoráveis ao sistema
de cotas raciais e divulgavam que, seus alunos cotistas não apresentavam dificuldade na
construção do conhecimento acadêmico, ao contrário, não mediam esforço para apresentar
seus trabalhos com a mesma qualidade dos estudantes não cotistas. Inclusive Ricardo
Henriques, certa vez se pronunciou diante da constatação que, a maioria dos cotistas trabalha,
se disse admirado com a energia que os estudantes cotistas assumem seus estudos,
(CARVALHO, 2012).
Neste sentido, quando a aprovação da Lei 12.711/2012 acontece, todas as
universidades federais estaduais, em todo o Brasil, com exceção das universidades públicas
paulistas, já contavam com algum tipo de cotas raciais e sociais. Neste caso, a UnB foi à única
instituição pública a adotar a cota pelo recorte plenamente racial, embora o atual reitor dessa
universidade, Ivan Camargo, seguisse (quase) à risca o acordo de 10 anos de cotas e, em
2014, reduziu o percentual das cotas raciais para 5%, em cumprimento ao documento que
garantia a reserva de 20% de cotas para negros por 10 anos, prazo que venceu em junho de
2014.147
O coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UnB, Nelson
Inocêncio, demonstrou grande insatisfação, mas disse que, diante do sistema de cotas adotado
pelo MEC, já podia se esperar por esta medida. O mesmo se refere à redução do percentual do
sistema de cotas raciais da UnB, pois, segundo ele, essa política de cota social não atende
plenamente aos estudantes negros, uma vez que se trata de uma desigualdade histórica que
precisa ser corrigida: “o racismo é um fenômeno que deve ser debatido, discutido e
criticado”.148
Sobre a cota efetivada pelo recorte puramente racial na UnB, de acordo com o
Professor José Jorge de Carvalho, essa medida foi tomada para não prejudicar um estudante
negro que em algum momento de sua vida possa ter estudado em uma escola particular. O
Professor Carvalho ilustra esse cenário com o seguinte exemplo:
147
SEGATO, 2005, p, 80..
148 Ibid.
80
[...] suponhamos que uma família negra, que anos atrás se mudou de seu
estado para o Distrito Federal, e, de imediato, não conseguiu matricular seu
filho (a) em uma escola pública. Enquanto aguardou uma vaga, se sacrificou e
pagou a escola de seus filhos. Pelo sistema de política afirmativa do MEC,
elaborado depois do sistema da UnB, esse estudante jamais poderá ser
beneficiado pelas políticas afirmativas, enquanto que, pelo recorte racial, o
que interessa é dar a este estudante a oportunidade de, através da educação
superior, se equiparar aos jovens de sua idade na sociedade brasileira.149
Assim, o Professor José Jorge de Carvalho defende que teríamos, no futuro, um país
menos desigual, mesmo porque a quantidade de negros em situação de ascendência social no
país, mesmo que alguém reivindicasse a cota racial, não é um número significante capaz de
prejudicar o recorte racial. Salienta ainda que em um país com uma política dominante contra
os negros, como a democracia racial, dificilmente alguém se encorajará de se dizer negro,
quando não há necessidade, a menos que seja muito consciente; e se é assim, não irá
reivindicar a cota racial porque reconhece nela uma necessidade dos negros excluídos150
,
(CARVALHO, 2012).
Para entender a discussão acima, analisamos que, em 1997, o contingente de negros e
pardos entre 18 e 24 anos, matriculados e já formados em algum curso superior no Brasil, se
configurava em: “pardos” = 2,2% e “negros” = 1,8%. Na ocasião, o acesso restrito de negros
ao ensino superior e a baixa qualidade do ensino público já estavam sendo discutidos havia
pelo menos uma década, conforme verificamos em, (HASENBALG, 1979).
Em CARVALHO (2005) refletimos quanto à importância das políticas afirmativas, as
cotas raciais, ao apresentar o resultado do estudo realizado em consequência de um incidente
racial conhecido por “caso Ari”, já discutido nesta dissertação. Foi quando começou o
levantamento no Instituto de Ciências Sociais da UnB, em 1999, e se constatou que havia
1.500 docentes brancos e 15 docentes negros; ou seja, em mais de 45 anos de existência da
UnB, em crescente crescimento no quadro de docentes, o percentual de professores negros
(as) atinge apenas 1%. Assim, verificou-se ser necessária a observação também nas principais
universidades públicas do País, o que aconteceu devido ao empenho de docentes e estudantes
negros nas diversas universidades em que o estudo foi realizado também por iniciativa do
Professor José Jorge de Carvalho, Departamento de Antropologia da UnB, (CARVALHO,
2005).
149
Ibid. 150
Grifos da autora ancorada na fala do Professor José Jorge de Carvalho em 02/08/2012 no IFRN, disponível
em: <www.youtube.com.br>. Acesso em: 10 nov. 2015.
81
O referido estudo foi batizado de “censo racial” e, ao final da investigação, o quadro
que se apresenta sobre a composição de docentes negros nas Universidades públicas
pesquisadas, segue abaixo:
UnB = 1,0%
UFSCAR = 0,5;
UFMG = 0,7%;
USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS = (não ultrapassa) 0,2%.
O levantamento apurou e somou entre as universidades acima, naquele período, o total
de 18.400 professores, dos quais 18.330 são brancos e, apenas 70 professores e professoras
são negros (as).
O Professor José Jorge de Carvalho observa outra situação que vem emperrando a
inclusão dos estudantes e pesquisadores negros nas universidades públicas, em especial nos
Programas de Pós-graduação. Pois, ele mesmo constatou que o racismo estrutural se consuma
dentro das universidades com “naturalidade”, inclusive na UnB. Ou seja, quando um
pesquisador ingressa nos Programas de Pós-Graduação das Ciências Humanas e Sociais, no
decorrer da realização de suas respectivas pesquisas, é então, orientado (a) tornar suas
pesquisas mais rasas ou até mudar a temática da pesquisa, quando o tema tem por objetivo
discutir as questões raciais.
A seguir, refletimos sobre o que disse o Professor José Jorge de Carvalho,
Antropologia, UnB,
Casos desse tipo se multiplicam nos depoimentos dos pós-graduandos de
Humanidades e Ciências Sociais, com quem converso constantemente:
sentimento crônico de inadequação, tendência ao disfarce para proteger suas
convicções mais profundas, asfixia diante do ambiente inteiramente branco,
dificuldade em colocar com franqueza suas posições teóricas sobre as relações
raciais no Brasil. E muitas vezes se veem forçados a ajustar seus temas de
pesquisa para não contrariar as posições ideológicas dos seus orientadores
sobre esse tema. O que me comentam, de 9 entre 10 pós-graduandos das áreas
próximas, é que os professores tendem a censurar os estudos sobre racismo e
discriminação racial, influenciando os seus orientandos para que “abrandem” a
discussão ou mesmo que a desloquem para outras correlações definidas, em
um regime de completa apartheid, (CARVALHO, 2005, p.90-91).151
151
O Confinamento Racial – José Jorge de Carvalho, 2005.
82
Há inclusive, relatos nessa discussão, posta aqui pelo Professor Carvalho que, um
doutorando ao submeter seu projeto de pesquisa no Programa de Sociologia da UnB, durante
a entrevista de seleção foi questionado se tinha alguma ligação com o Movimento Negro, e,
embora o pesquisador seja um militante do referido movimento, negou. Em conversa com o
Professor, esse doutorando se sentiu seguro para afirmar que, pertence às lutas do Movimento
Negro, mas precisou negar sua convicção para então ter seu projeto aprovado, pois, percebeu
que, se mencionasse sua militância, com certeza teria sido reprovado. Afirmou ainda que foi
interrogado o porquê de estudar as questões raciais e, o mesmo justificou que teria interesse,
apenas acadêmico, assim, foi aprovado, (CARVALHO, 2005, p.92-93).
Entendemos que, na situação discutida acima, temos um quadro de racismo estrutural,
e, assim, naturalizado, pois aqueles que demandam conhecimento deviam ter no mínimo a
obrigação de discutir e promover solução para uma questão profundamente abominável que é
o preconceito racial e os efeitos negativos dele decorrente.152
O Professor José Jorge de Carvalho chama atenção que, as cotas raciais são de
fundamental importância para equiparar um quadro alarmante de confinamento racial,
persistente, nas principais universidades públicas brasileiras. Em especial na USP, pelo fato
de sua política estar inserida na ideia de meritocracia, assim, incapaz de produzir a inclusão
racial e social, comprovada pelas estatísticas dos órgãos públicos, IBGE, IPEA, entre outros,
(CARVALHO, 2005/2006, 2012).
Neste sentido, as políticas afirmativas são medidas urgentes e, objetiva para diminuir
essa alarmante exclusão, uma vez que as cotas raciais propiciam o ingresso de estudantes
negros na vida acadêmica, os quais podem migrar para a Pós-Graduação. Pois, à medida que
eles vão se formando, seguem para os Programas de Pós-Graduação até atingirem os postos
mais altos dentro das universidades públicas do país. E, assim, vai se formando profissionais
negros dentro para atuarem dentro e também fora das universidades. Pois, é necessário que
existam pesquisadoras e pesquisadores negros nas funções mais elevadas das universidades e
nos demais quadros profissionais da sociedade, a fim de resolver a exclusão do exposto,
acima. O Professor Carvalho, salienta também que os sistemas desenvolvidos pela
meritocracia são insuficientes para solucionar esse problema, através do qual, o mesmo
poderá levar ainda séculos para ser erradicado, (CARVALHO, 2005/2006, 2012).
A fim de corrigir a exclusão de negros, indígenas e também dos alunos de baixa renda
no ensino superior, a lei de cotas possui o objetivo de ampliar o acesso dessas populações nas
152
Grifo da autora.
83
universidades públicas. De acordo com a (SEPPIR) Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial da Presidência da República, em agosto de 2015, quando Lei de Cotas, que
completou três anos de sua sanção “garantiu mais de 111 mil vagas para estudantes negros
em cursos superiores de universidades e institutos federais”. E, a perspectiva é que esse
acesso cresça ainda mais no decorrer do tempo.153
Em levantamento realizado pela SEPPIR mostra que, já em 2013, 50.937 vagas das
instituições federais de ensino superior e técnico foram ocupadas por estudantes negros. E, em
2014 o número subiu para 60.731. A notícia é recebida com entusiasmo pela secretaria que na
época afirmou que, até o final de dezembro de 2015, mais 40 mil vagas serão ocupadas por
negros, totalizando no final de 2015, cerca de 150 mil vagas.154
De acordo com o IPEA, entre 54 universidades públicas federais e estaduais que nos
últimos oito (8) anos adotaram as políticas afirmativas por cotas raciais e sociais no País, os
alunos negros apresentam desempenho próximo, igual ou até melhor em relação aos não
cotistas. Esse dado foi analisado pelo recorte de grandes universidades como, Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da
Bahia (UFBA) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Dados divulgados pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) colocam por terra “o mito de que, graças à
ação afirmativa, alunos negros estariam "entrando pela janela" das instituições superiores
da rede pública. As notas lhes abriram o caminho da porta da frente”.155
A partir dos resultados acima apontados, em especial, da UERJ que são considerados
surpreendentes, pois demonstram se tratar de um mito a discussão que os alunos negros não
conseguem acompanhar o desempenho dos demais e, atrapalham o desenvolvimento
educacional das universidades públicas. Segundo Teresa Olinda Caminha Bezerra,
pesquisadora e doutora em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), o resultado
dos dez anos (10) das políticas afirmativas nas universidades públicas é espetacular, porque
coloca por terra, o preconceito contra os estudantes negros, em todo o Brasil. 156
153
Agência Brasil — publicado 30/08/2015. Acesso em: 30 nov. 2015. 154
Ibid. 155
Disponível em: <http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=7102>.
Acesso em: 31 dez. 2015. 156
Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital>. Acesso em: 01 jan. 2016.
84
CAPÍTULO II A “CARTA ABERTA”, UMA OPOSIÇÃO DE TRÊS
PROFESSORES AO APARTHEID USPIANO
Debatemos acima as posições de alguns dirigentes da USP e do governador Geraldo
Alckmin. Cremos que a USP157
esteja mascarando as políticas afirmativas porque inventa
formas complexas e todas fundamentadas na ideia de mérito. A meritocracia tem função
excludente e não inclusiva, e entendemos que o sistema College seja o mais excludente de
todas as formas de exclusões já pensadas pela USP, o qual não está em funcionamento devido
à intervenção de alguns professores, alguns dos quais, inclusive, não concordam com o
sistema de cotas raciais e, mesmo assim, enxergaram no College o maior sistema
segregacionista já visto na história da USP.158
Felizmente, a sociedade pôde contar com a intervenção intelectual de pelo menos três
professores, os quais evitaram esta tragédia, senão preocupados com os estudantes
segregados, mas, talvez, com a reputação da USP; embora tais professores sejam adeptos do
PIMESP e dos demais sistemas que a USP adota para dizer que inclui os alunos negros e
indígenas. Assim, os professores (as) decidiram interceder e impedir a concretização física
dos cursos à distância (Plano de Inclusão com Mérito na USP).159
Os autores da “CARTA ABERTA”: Lilia Moritz Schwarcz (Departamento de Antropologia);
Maria Helena P. Toledo Machado (Departamento de História); e Vagner Gonçalves
(Departamento de Antropologia), coloca em relevo a discussão acerca dos “objetivos, metas e
estratégias” que a USP deva estabelecer na condição de “principal universidade do País”.160
Para os autores da “CARTA ABERTA” se faz necessário que a USP, abandone a ideia
de ensino a distância. Os mesmos defendem que, somente assim, a USP poderia responder à
altura, a um dos imensos desafios que no momento, a história da educação brasileira cobra. O
que se faz necessário perante a democratização e, concretização do processo de inclusão
social dos estudantes, provenientes da rede pública de ensino brasileiro, os quais, em geral,
são oriundos de famílias pobres, “os chamados PPIs (pretos, pardos e indígenas, conforme
denominação do IBGE)”. 161
157
Grifo da autora. 158
CARTA ABERTA, por: Lilia Moritz Schwarcz (Departamento de Antropologia), Maria Helena P. T.
Machado (Departamento de História) e Vagner Gonçalves (Departamento de Antropologia) – 2015. 159
Tahiane Stochero G1, 20/12/2012, SP. Disponível em:<http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-
lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-para-usp-unesp-e-unicamp.html>. Acesso: 30 maio 2015. 160
CARTA ABERTA, por: Lilia Moritz Schwarcz (Departamento de Antropologia), Maria Helena P. T.
Machado (Departamento de História) e Vagner Gonçalves (Departamento de Antropologia) – 2015. 161
Ibid.
85
Por outro lado, parece que, no discurso dos professores não conexão entre a inclusão e
a qualidade de ensino e de pesquisa na USP. Os mesmos defendem que a instituição deva,
sim, se preocupar com a excelência acadêmica e consideram que tal excelência tenha sido
uma conquista, ao longo do tempo, em especial no que tange à liderança em pesquisa, ensino
e inovação. Sem dúvida, este é um dos grandes desafios que a USP e as demais universidades
paulistas terão de enfrentar, argumentam:
Se fosse só para lembrar-se dessa faceta do projeto, a iniciativa já deveria
ser devidamente comemorada. O balanço da ampla discussão realizada em
torno do PIMESP, em nossa comunidade, indica uma grande aceitação do
projeto como um todo, mas, também, uma crítica contundente à ideia de
implantação de um estágio de 2 anos de ensino a distância, ou
semipresencial, dedicado ao aluno de escola pública e baixa renda, e PPIs:
o college. A proposta foi questionada, justamente, por manter este aluno
alijado da vida universitária no decorrer do curso, além de não permitir que
a comunidade mais ampla da USP tenha contato com modelos de vida, de
cultura e de sociabilidade diferentes daqueles a que se vê habituado. Tanto,
que nesse segundo documento não consta mais a introdução do college. Por
outro lado, já no primeiro PIMESP não se definia claramente como a meta
de inclusão seria lograda, indefinição que se mantém também nesse novo
documento. [...] 162
O documento (CARTA ABERTA) chama atenção para a necessidade da discussão
acerca dos objetivos, metas e estratégias da USP. E, joga luz na responsabilidade que a
referida instituição deve assumir no contexto das políticas afirmativas, além de reconhecer a
exclusão enraizada naquela universidade. Nesse sentido, fica claro; quando os professores
discutem que “dever incluir”, naturalmente, assumem a existência de exclusão naquela
universidade, oras, só há necessidade de se incluir aqueles cujo sistema um dia, os excluiu. E,
não enxergamos no discurso dos professores alguma proposta de inclusão e sim, um ponto de
partida para a discussão em uma universidade que sempre se negou debater o racismo
estrutural, nela presente. 163
[...] a questão da inclusão acadêmica, de forma ampla, é pauta prioritária das
políticas universitárias nacionais e vem sendo enfrentada pelas universidades
federais e órgãos de pesquisa e financiamento. Mais recentemente, o próprio
CNPq incluiu, entre seus quesitos voltados para a identificação do
pesquisador, questão sobre cor/raça, evidenciando como o tema tem se
tornando tão incontornável, como cada vez mais comprometido com uma
162
(Departamento de Antropologia) e das professoras Lilia Moritz Schwarcz (Departamento de Antropologia) e
Maria Helena P. T. Machado (Departamento de História), todos da USP - Campus Butantã, São Paulo. 163
Grifo da autora.
86
agenda cidadã.164
O professor e as professoras se manifestaram contra a implantação do sistema College,
por considerá-lo semelhante ao sistema Apartheid, mesmo olhando para o sistema PIMESP
como uma solução imediata, dada as circunstâncias do momento. Entretanto, reiteram que o
sistema PIMESP precisa ser alicerçado “por um bem-sucedido programa de inclusão”, e, que
o sistema de bônus precisa ser avaliado sistematicamente de forma que se verifiquem as
possibilidades objetivas e realização de meta. Justificam que só assim haverá, de fato, a
inclusão e destacam que era esse o objetivo do primeiro programa do INCLUSP, uma
avaliação sistemática de funcionamento e incremento. 165
Por fim, defendem que apenas desta forma seja possível não só avaliar, mas aplicar
adequadamente os mecanismos de bônus; criticam ainda dados do programa PIMESP, e
afirmam que, se este for o resultado, são ainda mais urgentes medidas de reavaliação de
inclusão.
[...] Não obstante, na atual proposta, o bônus específico para o quesito
raça/cor se resume a apenas 5%. Já no PASUP (cursinho vestibular),
proposto no mesmo projeto, aprece a meta de incluir os 35% de PPIs,
demonstrando assim certa contradição de procedimentos, que deveria ser
melhor explicada. Por fim, ao étnico-racial, ele não enfrenta a questão, em
suas propostas mais efetivas. Uma universidade de porte da USP, que detém
tal responsabilidade social, quando chamada a responder aos desafios da
inclusão universitária, necessita reagir à altura, gerando um projeto de alto
nível e que atenda necessidades acadêmicas e sociais.166
Na discussão dos professores, enxergamos as diversas formas que a USP forja para
escamotear as políticas afirmativas. Entendemos, portanto, que grosso modo, existe no debate
dos professores uma crítica contra a suposta política de “inclusão”, para os estudantes que a
USP diz incluir, os estudantes negros e indígenas. Porém, há uma crítica também sobre certa
confusão do dado apresentado acerca do percentual de estudantes negros. Além de certa
pressão contra a ausência da Universidade em medidas de inclusão, reconhecidas
Disponível em: <file:///C:/Users/Bia/Downloads/carta_APPIUSP_Schwarcz_Machado_Goncalves%20(9).pdf>.
Acesso: 12 nov. 2015. 165
Carta Aberta ao público sobre avaliação da proposta PIMESP pelos professores Schwarcz; Gonçalves;
Machado, USP. Disponível em:
<file:///C:/Users/Bia/Downloads/carta_APPIUSP_Schwarcz_Machado_Goncalves%20(9).pdf> Acesso em: 12
nov. 2015. 166
Carta Aberta ao público sobre avaliação da proposta PIMESP pelos professores Schwarcz; Gonçalves;
Machado, USP. Disponível em:
<file:///C:/Users/Bia/Downloads/carta_APPIUSP_Schwarcz_Machado_Goncalves%20(9).pdf> Acesso: 12 nov.
2015.
87
nacionalmente, denotando extrema preocupação mais com a imagem da universidade e menos
com a política de inclusão.167
2.1 A Origem do Racismo na Península Ibérica, sua Influência no Brasil e na USP
Nunca é demais retomar a gênese dos acontecimentos para melhor compreendê-los.
Retrocedemos, então, no tempo objetivando entender com mais profundidade como o racismo
foi concebido, ainda nos primórdios do século XV, na Europa, e exercido contra povos em
diversos continentes. O qual serviu para justificar o domínio de um povo sobre o outro que,
em geral, se deu pela cultura (crença), pela diferença étnica, mas sempre imbuído de interesse
político, social, entre outros (MUNANGA, 2011).168
Nesta construção histórica, seguimos a pista da Professora Maria Luiza Tucci Carneiro
(1982)169
e do Professor Kabengele Munanga, nos quais encontramos importante contribuição
para a nossa análise e interpretação, acerca da origem do racismo no Brasil. O qual marca
profundamente a nossa história, pois, desde os primórdios de sua formação, quando as
populações negras foram trazidas para esta terra na condição de escravos. E, ainda hoje são
vítimas do racismo institucional, presente em nossa sociedade, em especial nos espaços que
têm obrigação de extingui-lo, as universidades, em especial a USP, por se tratar de uma das
maiores universidades públicas deste país, e, ser mantida com o dinheiro de todos.170
A questão racial no Brasil perpassa as múltiplas discussões entre as quais se
configuram os conflitos, concordâncias e discordâncias que atravessam os séculos,
culminando com a recente legislação das políticas afirmativas.171
Tema este que tem sido
palco das diversas discussões que permeiam o mundo contemporâneo, pois o racismo no
Brasil está impregnado nas culturas e por isto, apesar de vivermos, mais de quinze anos
passados do século XXI, muito ainda não se libertaram da pobreza que é preconceito imbuído
em suas almas.172
O problema é que, o individuo que é contaminado por este sentimento, o
preconceito, de alguma forma ele acaba atrapalhando sua vítima. (CARNEIRO, 1988).
168
MUNANGA, Kabengele. Uma Abordagem Conceitual das Nações de Raça, Racismo e Etnia, 01/06/2011.
(Online). Acesso em: 05 jan. 2015. 169
M. Luiza Tucci Carneiro cuja obra “Preconceito Racial”, resultado de sua pesquisa de mestrado na USP,
orientada e prefaciada pela professora Anita Novinsky. Organização da autora. 170
Grifo da autora. 171
MUNANGA, Kabengele. Uma Abordagem Conceitual das Nações de Raça, Racismo e Etnia, 01/06/2011.
(Online). Acesso em: 05 jan. 2015. 172
Ibid.
88
Tais discussões fluem de acordo com a crença que cada indivíduo carrega consigo a
partir de seu meio cultural. Assim, o racismo em nossa sociedade tem sua origem na cultura
da construção colonial-capitalista, e ainda hoje, seus seguidores buscam apoio nessas teorias
ultrapassadas para justificar as atrocidades do racismo presente na sociedade e nas em
universidades públicas, (MUNANGA, LINO, 2010).173
A partir dessa discussão, entendemos que, a meritocracia adotada na Universidade de
São Paulo (USP) para avaliar os indivíduos “considerados” aptos a ocupar as suas vagas
acadêmicas, fatalmente seus dirigentes e profissionais a quem cabe à decisão de adotar ou não
o sistema de inclusão, são atingidos por essas culturas oriundas do colonialismo-capitalismo
e, sob essa influência promovem o emperramento das populações exploradas pelo prisma
racial.174
Neste sentido, elucidamos o debate acerca do racismo institucional, fizemos uma
viagem no tempo para então entender o presente. A origem do racismo tem fundamento
cultural que, em geral, possui cunho racial, ou seja, parte de culturas impostas por indivíduos
que nele enxergam “sua verdade como absoluta”175
e, desse modo, as impõem aos grupos ou
sociedade ao seu alcance, na maioria das vezes, objetivando interesses políticos, econômicos
ou religiosos (MUNANGA, 2011, p. 12-17).
Se olharmos para as políticas de superioridade, aplicadas nas “diversas sociedades”
pelas classes dominantes, observamos que, tais domínios se dão da mesma forma desde a
Idade Antiga, perpassou a Idade Média e sobrevive em pleno século XXI nas diversas
sociedades. Inclusive na sociedade brasileira e, pior, em universidades públicas, tendo em
vista que, seus dirigentes veem na meritocracia a expressão do saber e olham para as políticas
afirmativas pela lente da exclusão, apregoando as justificativas mais obsoletas do ponto de
vista do desenvolvimento educacional inclusivo, (MUNANGA, 2011, p. 12-17).
O racismo é um fenômeno cuja pesquisa histórica exige dupla investigação: o que
consiste em análise teórica e também em pesquisa empírica, contra a inclusão de estudantes
negros. Na Universidade de São Paulo, a partir de nossas pesquisas empíricas, pudemos
observar que seus dirigentes escamoteiam algumas ações, oferecendo aos estudantes negros
bônus, ensino a distância entre outros métodos que nem eles, os criadores desses bônus,
173
Os autores em referência, Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, cujos artigos são utilizados na
afirmação do parágrafo acima, figuram no livro: Epistemologias do Sul, de Boaventura Sousa Santos e Maria
Paula Meneses (org.), editora Cortez, 2010. 174
Grifo da autora. 175
MUNANGA, 2004
89
conseguem explicar sua objetividade, isso acontece porque todos estão atingidos pelo racismo
(CARVALHO, 2005, 2012). 176
Assim, julgamos pertinente adentrar aos estudos sobre o início do racismo no mundo a
fim de compreender os objetivos do Estatuto de Purificação de Sangue sobre o qual M. Luiza
Tucci se debruça e nos propicia problematizar esta questão. Pois nos parece que o racismo
institucional possui forte vínculo com esta cultura. A autora se pauta em estudos, a partir de
pesquisas de Albert Sicroff, que nos possibilita compreender que, sua estrutura é mais cultural
religiosa e menos cientificista. Porém, sempre justificada pela exclusão de todos que se
mostrassem indiferentes ou se manifestassem contra a fé cristã; neste viés, as convicções
assumem características racistas e discriminatórias contra os diferentes culturalmente. E, a
partir de suposição, aqueles cuja assimilação católica não estivesse impressa em seus
comportamentos eram rotulados de “tintas raciais”. (CARNEIRO, 1988, p. 22).
Antes da chegada dos mouros na Península Ibérica, os judeus a habitavam com
bastante mobilidade social e constituíam grande parte daquela população. Inclusive foram
grandes colaboradores dos reinos cristãos, “na guerra contra os invasores”. Porém, por serem
culturalmente diferente dos cristãos, acabaram por formar uma classe desigual em sua cultura
e, em consequência de tal diferença cultural, no século XII, já possuíam uma organização
social em comunidades, na Península Ibérica, onde existiam áreas cuja cultura era
absolutamente judia. Entretanto, naquela época, partilhavam de certa harmonia e até possuíam
cargos públicos naquele local. Embora fosse determinado pelos “Concílios o uso de
distintivos” para que os judeus se diferenciassem dos cristãos; essas determinações,
entretanto, não eram levadas a cabo e nem por isso tinham suas vidas afetadas. Afinal,
existiam interesses financeiros dos grupos dominantes, em especial da Alta Nobreza, que,
preocupados em manter esses benefícios, primavam por essa convivência. (CARNEIRO,
1988, p. 42-44).
Assim, o racismo na Península Ibérica, em especial em Portugal, oscilava de acordo
com os interesses econômicos dos reinos. Em 1383, quando D. João, Mestre de Avis, se torna
Regente do Reino e, posteriormente com apoio popular, inclusive do povo judeu, que doou
grande quantia financeira aos cofres públicos de Portugal, em 1385, é aclamado Rei,
beneficiando os judeus com um período de paz. Os judeus espanhóis, entretanto, não tiveram
a mesma oportunidade de negociar a paz e grande parte é massacrada. (CARNEIRO, 1988, p.
42-44).
176
CARVALHO, J. Jorge. SEMINÁRIO: As Ações Afirmativas e Educação: reflexões étnico-raciais. IFRN,
02/08/2012. Vídeo: Disponível em: <www.youtube.com>. Acesso em: 20 nov. 2015.
90
Mais tarde, o racismo, originado da cultura religiosa, se propaga a partir de lutas
financeiras entre os cristãos-novos e cristãos-velhos, culminando com a exclusão dos cristãos-
novos de ofícios públicos. Tal situação resulta de medidas de cunho racial que dá origem ao
Estatuto de limpeza de sangue, quando pela primeira vez é transformado em lei, em Castela,
no século XV. Essa política acaba por propiciar condição para o motim contra os cristãos-
novos em Toledo, no ano de 1449, (CARNEIRO, 1998, p. 121).
Neste contexto, a questão racial acaba sendo a fonte norteadora da política que vigorou
na Península Ibérica, a partir do século XV, a qual foi responsável pela semeadura do
preconceito racial que brota em grande parte do mundo. A mesma é responsável por inspirar a
discriminação racial no período conhecido por “Grandes navegações” e, mais tarde, na
“Guerra Nazifascista”. A qual se norteia nessa política para promover o maior genocídio da
história mundial, contra o povo judeu. Essas práticas racistas são enraizadas na cultura
europeia, e os portugueses a implantaram aqui, através do maior regime escravista das
Américas, quando o racismo foi um instrumento amplamente utilizado como garantia de
superioridade racial, (CARNEIRO, 1998, p. 28, 43-47).
A autora nos apresentam caminhos que nos possibilita interpretar que, o Estatuto de
pureza de sangue tenha sido utilizado na Colônia Portuguesa, por exemplo: ao estudarem o
caso do cristão-novo Bento Teixeira, sob o ponto de vista do “criptojudaismo”, fica nítida a
existência do preconceito também contra os judeus, aqui na América e de forma bastante
explícita e amplamente fortalecida no debate do Estatuto Racial, (Estatuto de Pureza de
Sangue). Pois esses “pensadores” são influenciados por esta tese e, até no século XX, no
Brasil, defendem a existência de raças superiores, sendo que o objeto de estudo, enquanto
raças inferiores, sempre são caracterizadas por: negros e mestiços. Entre esses pensadores
figuram: Silvio Romero, Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Oliveira Viana, entre outros,
que analisam os negros e mestiços pelo viés de “sub-raças”, (CARNEIRO, 1998, p. 28-31).
O conceito de raça, a partir da concepção cultural, tem origem no termo raça, em
italiano, que se origina “razza”, mas na época, naquela sociedade, o termo “razza” tinha uma
interpretação de sorte para algumas categorias ou espécies. Porém, no século XV, quando os
europeus, motivados pela ideia histórica conhecida por “Grandes Navegações177
”, ao
adentrarem o continente africano, observam por lá a existência de outros seres possuidores de
177
Disponível em: <http://www.edicoessm.com.br/files/pnld/2013/aj/his/Reproducao_capitulo_4_ano_ajh.pdf>.
Acesso em: 04 nov. 2015.
91
características que se assemelham às suas. Questionam, então, se são “bestas178
” ou se são
seres humanos como eles. Até aquele momento, explicam a história da humanidade a partir
das “escrituras sagradas”, assim se debruçaram em estudos sagrado e justificaram o racismo
sobre este prisma das sub-raças, ou seja, “raça inferior”, (MUNAGA, 2004, 2005).
Neste sentido, essa influencia predomina a nossa cultura, uma vez que somos uma
nação formada a partir dos três povos: africanos, europeus e indígenas. Assim, todos que
pertencemos às raízes africanas, cujo tom de pele possui mais quantidade de melanina, ou
seja, possuem pele mais escura, em geral somos prejudicados em consequência da
interpretação de cunho racista, o qual predomina a nossa cultura.179
Assim, os pesquisadores teológicos na Península Ibérica vasculham, então, as
“escrituras sagradas” a fim de conseguir respostas para explicar os “outros”; encontram,
então, prova parcial fundamentada no mito dos Três Reis Magos, cujos personagens se
projetam na representação das três raças: Baltazar, sendo o mais escuro de todos, representa a
raça negra, e o índio permanece incógnito, uma vez que não foi encontrado na bíblia nenhum
personagem com a mínima semelhança capaz de representar os povos considerados indígenas.
Nesse caso específico, sobre a não identificação de algum representante dos indígenas na
bíblia, talvez resida nessa hipótese à justificativa para o genocídio indígena nas Américas (no
Brasil); cabem pesquisas que elucidem tal hipótese180
(MUNANGA, 2005, p.49-55).
Tomando por base a análise do discurso religioso ao científico, o conceito de raça, tal
como o concebemos na sociedade brasileira atual, é, na realidade, uma construção histórica,
política e social. De acordo com a interpretação da “teologia”, justificava-se a escravidão
como única saída para que os negros e índios atingissem a humanidade plena (MUNANGA,
2004, 2005; CARNEIRO, 1982).
Ao relacionar a prática do racismo como critério utilizado pelos europeus contra
judeus e negros africanos. O Professor Munanga, chama para a questão dos corpos negros.
Pois, no genocídio da “Alemanha fascista” contra os judeus, ainda que remota, havia a
possibilidade de um judeu conseguir ultrapassar as barreiras impostas para se livrar do
aloucaste. Entretanto, tal possibilidade jamais pode ser observada entre os negros africanos,
por não terem a mesma aparência física dos judeus jamais poderiam burlar um cerco para se
178
Etimologicamente, o termo "besta" surgiu a partir do latim bestia e significa, literalmente, "fera" ou "animal".
Besta é um substantivo feminino utilizado para nomear animais quadrúpedes (que andam em quatro patas) que
podem ser utilizados para se cavalgar. Como um adjetivo, a palavra besta pode ser interpretada como sinônimo
de "indivíduo tolo", "ignorante" ou "estúpido". Disponível em: http://www.significados.com.br/besta/. Acesso
em: 02 nov. 2015. 179
Grifo da autora. 180
Ibid.
92
livrar da escravidão sem serem descobertos. Assim, os negros são mais vulneráveis aos
domínios do colonizador. E, nos dias de hoje, ainda são as maiores vítimas dos preconceitos
raciais culminando com sua exclusão nos espaços de poder (MUNANGA, 2005, p.49-55);
(SANTOS, 2004, 2008, p. 2-11) 181
.
Identificamos nessa discussão, forte ignorância a respeito das especificidades do outro,
o que produz a ausência da dignidade humana, a qual é responsável por essas construções
impostas, assimiladas e transportadas da ciência e da cultura para os livros, entre outros meios
de comunicabilidade, até serem difundidas no tecido social. Tais circunstâncias são perversas
porque as diferenças entre os povos devem servir de munição para a garantia da preservação
da espécie humana, (MUNANGA, 2005).
A partir do século XVI, novos estudos surgem com o objetivo de modernizar os
conceitos raciais, o que resulta na classificação da diversidade humana “em grupos
fisicamente contrastados, denominando-os por: raças”. No século XVIII, período
historicamente conhecido por “século das luzes”, ou século da razão, os filósofos iluministas
reivindicam para si a discussão teórica acerca dos estudos de questões ligadas às ciências
humanas e contestam a explicação cíclica da história da humanidade. Neste sentido, os
iluministas expandem seus estudos para o campo da biologia, e como é um traço da ciência
nomear os objetos de pesquisas, explicam que os negros pertencem à raça humana, mas por
suas diferenças biológicas são raças inferiores. Nesse aspecto, convergindo com a designação
teológica que justificou a escravidão como norte para que negros e índios se convertessem ao
catolicismo e aceitassem a escravidão para se tornarem plenamente humanos. (MUNANGA,
2005, p. 49-55).
Diante da exclusão observada nas universidades públicas, em particular na USP,
verificamos que, os aspectos raciais ainda são fortemente considerados como parâmetro de
ascensão social, em nossa sociedade. Tal realidade nos leva a lamentar. Pois, defendemos que,
a esta altura já está mais do que na hora da consciência brotar entre os povos brasileiros,
principalmente entre aqueles que demandam os acessos aos conhecimentos formais e
informais. Vivemos hoje a era da inclusão e, a diferença entre brancos e negros existe apenas
na quantidade de melanina que um povo tem em reação ao outro. Assim, os negros
brasileiros devem ser vistos e respeitados. 182
181
SANTOS, Hélio. Discriminação Racial no Brasil, 2008, p. 01-22. Disponível em:
<http://www2.tjce.jus.br:8080/esmec/wp-content/uploads/2008/10/discriminacao_racial_no_brasil.pdf>. Acesso
em:15 nov. 2015. 182
Grifo da autora, fundamentada no pensamento do Professor Munanga.
93
2.2 O Processo de Miscigenação no Brasil e o Mito da Democracia Racial
O mito da democracia racial no Brasil foi uma política perversa que, se as populações
negras não trouxessem em suas culturas a preservação de suas identidades teriam assimilado a
cultura imposta. Contudo, os negros brasileiros são desbravadores e, sobremaneira sempre
lutaram por manter suas culturas, identidades. Observamos a prova dessa questão nas lutas
dos negros que, grosso modo, mesmo isolados pelo sistema escravista português, faziam o
que podiam para sobreviver; aonde a voz serviu de mecanismo de luta, a qual funcionou
desde os porões dos navios, se estendendo pelos trabalhos nas roças, nos engenhos e em toda
parte aonde existiam negros, além de outros tantos mecanismos de resistência, fuga e
formação de seus redutos, através dos quilombos, entre outros, (ANTONACCI, 2015).
Neste sentido, a luta das negras e dos negros, vara os séculos até chegar ao XIX,
quando os “cientistas brasileiros” implantam na sociedade o modelo cientificista da
miscigenação. Vale lembrar, entretanto, que poucos estudiosos se dedicam aos estudos da
questão racial no Brasil, e, os poucos estudiosos dessa questão, o fizeram sempre pelo viés
dos positivistas, assim dando ênfase ao ponto de vista do dominador europeu.
No limiar do século XIX, as classes dominantes brasileiras exercem grande pressão
política e psicológica na sociedade, e neste sentido impõem um modelo
sincrético/assimilativo da identidade nacional, em detrimento à identidade do povo indígena e
de origens africanas. Embora, entre os séculos XIX e XX a ciência biológica, após muitos
estudos, explique que entre os diferentes grupos humanos não há diferença genética, ou seja,
não se comprova diferença biológica entre negros e brancos e que suas diferenças são apenas
na quantidade de melanina que uns possuem em relação aos outros. Assim, atenta para a nova
descoberta pela ótica da preservação da espécie. Na ocasião, muitos biólogos, alguns
estudiosos brasileiros e outros não, ao abandonarem suas teses (sobre raças) em solidariedade
aos povos negros, solicitam que o conceito de raça seja banido dos dicionários como forma de
diminuir os preconceitos entre as pessoas, (MUNANGA, 2003, 2010, 2011).
Todavia, no Brasil, este resultado não fora utilizado em benefício das populações
negras, até porque logo se introduziu no inconsciente coletivo a ideia de que, neste país, não
há racismo; então, quando não se reconhece a questão em curso, logo ela não existe. Ideia
abraçada no Brasil, em especial pelas classes dominantes, com o objetivo de manter a
predominância do poder, (MUNANGA, 2010, 2011, p. 445-447).
Neste contexto, não se elaboraram leis capazes de resolver as questões relacionadas
ao racismo porque se implantou na sociedade a ideia de democracia racial, emperrando as
94
lutas e os direitos sociais do negro na sociedade brasileira. E ainda as populações brancas são
vistas como: beleza superior, gente de cultura, “mais elevadas”, pessoas “mais inteligentes”,
mais “capazes”. Enquanto as populações negras e seus descendentes, como também as
populações indígenas, entre outras, livres de traços europeus, são considerados “raças
inferiores”; sobre este pressuposto se implanta no Brasil a cultura da democracia racial
abrindo um caminho ainda mais extenso para se chegar à equidade das populações negras
brasileiras, (MUNANGA, 2010; 2011).
Este discurso, acima, vem servindo de munição na USP, contra a inclusão dos
estudantes negros. Agora, seus dirigentes se apropriam de um resultado científico, o qual
atesta que, negros e brancos possuem igual capacidade cognitiva, para justificar o não
reconhecimento de suas especificidades. 183
A fim de caracterizar a ideia brasileira sobre a mestiçagem neste trabalho, se fez
necessário sintetizar, de forma crítica, seus elaboradores para, então, se compreender seus
efeitos e suas consequências no processo da construção da identidade nacional. Assim, como
seu contrapeso quanto à problemática que, naquele período histórico, é levada em conta para a
formulação da identidade negra no Brasil.
Para Carlos Hasenbalg184
, a mestiçagem no Brasil partiu do referencial teórico em que
predominou o pensamento cientificista brasileiro no século XIX, quando funciona como
desagrado da “boa raça”, cuja pretensão seria manter os traços da raça branca e
descaracterizar os traços originais da raça negra. Através do processo da mestiçagem que
funcionou como um laboratório humano, no Brasil, em convergência com o pensamento de
Hasembalg, também, (MUNANGA, 2010).
A miscigenação, portanto, da forma que foi idealizada e implantada no Brasil, traduz a
mais perversa ideia no que tange a questão acerca da democracia racial. Pois, este pensamento
produziu ação violenta contra os povos negros, a fim de colocá-los sob a implantação de uma
nova etnia nacional como modelo ideal de branqueamento. O qual traduz o processo de
unificação política da identidade brasileira.
Estas ações foram realizadas num clima antidemocrático e assim, explicaria porque a
confluência de tantas e tão variadas matrizes, formadas no Brasil de hoje, não resultou na
identidade desenhada pelo projeto cientificista da época. O qual que tentou a todo custo
transformar as diversas identidades e culturas aqui existentes em única, a nacional, cuja
183
Grifo da autora. 184
HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
95
construção “hegemônica” pensada e elaborada do ponto de vista europeu ainda nos dias de
hoje reflete as lutas por inclusão educacional e social na USP,185
(MUNANGA, 2003, p. 50-
59).
A construção de identidade das populações negras descolonizadas pressupõe o
resgate de uma cultura negada e falsificada em prol de interesses europeus desde a
colonização e pela implantação dos modelos cientificistas do século XIX. Desta forma,
colocamos em debate a descontextualizarão das epistemologias do Norte186
que, em
construções abstratas, exercem papéis estruturantes do imaginário imperialista das questões de
representação ideológica e do discurso de progresso calcado na “razão” que menospreza os
povos descolonizados, em geral de origens indígenas e africanas (SANTOS, 2008, p. 04-21);
(MUNANGA, 2003, p. 36-42).
Nesse sentido, as epistemologias elaboradas entre os séculos XIX e XX chegam
engendrando o caminho por onde as populações descolonizadas devam passar. E, de algum
modo, houve grande resistência por parte dos povos colonizados. E, grosso modo, acabaram
por assimilar a ideia de “identidade nacional”, a qual, objetivamente foi implantada para
integrar as diversas resistências à ideia de cultura nacional. Aonde o discurso sobre a
mestiçagem como construção de identidade negra e o sentido político pelo qual se conduziu
no Brasil o “processo de miscigenação” funcionou como a negação da “cultura e da
identidade” das populações com descendência africana. (MUNANGA, 2003, p.17-23).
No pensamento de Munanga (2010), o processo de democracia racial possui cunho
hegemônico sobre o qual as populações negras foram submetidas em repressão pelas elites e
pelo sistema político instituído no estado brasileiro durante todo o século XIX, de modo que
até o presente observam-se os resquícios desse processo. (MUNANGA, 2010).
A mestiçagem no Brasil foi desenhada para o progresso do clareamento de pele, cujo
resultado influi hoje nas diversas classificações raciais de negras e de negros brasileiros. Esse
foi um projeto promovido pelas elites da época, que pretendeu promover o engessamento do
negro, no meio educacional público brasileiro. Situação que resulta hoje na exclusão das
populações negras, nos mais diversos campos da sociedade brasileira. Assim, “esse
laboratório” da miscigenação vem promovendo rupturas entre as populações negras,
185
Grifo da autora (sobre a menção USP). 186
Existem Epistemologias do Norte, porque existem as do Sul. As Epistemologias do Sul, em geral, se
constituem por modelos cientificistas de cunho dominante, de poder. Enquanto que as Epistemologias do Norte,
não necessariamente estejam ligadas ao Norte ou ao Sul geográficos. Explicam-se, portanto, o sistema
colonialista-capitalista. Ou seja, uma ideia foi elaborada cientificamente para contrapor a outra. Organização da
resposta da autora com fundamentação em: SANTOS, Boaventura de Sousa: MENESES, Maria Paula Meneses.
Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.
96
emperrando as lutas e adesões às ações afirmativas187
nas universidades públicas do Brasil e
também nos demais âmbitos da educação brasileira. (HASEMBALG, 1979).
O fenômeno da mestiçagem parece ter menos implicação ideológica do que do
ponto de vista “racial”, embora aqui no Brasil, segundo a interpretação, não foi o primeiro
caso, já que a mestiçagem foi um projeto da ciência em que o negro foi o objeto de estudo de
transformação científica. Enquanto se visavam os interesses das classes dominantes, as quais
almejavam a construção de uma nova identidade para o povo negro brasileiro, dando assim
origem a um novo “ser” (MUNANGA, 2010, p. 445).
[...] No Brasil, onde a ênfase está na marca ou na cor, combinando a
miscigenação e a situação sociocultural dos indivíduos, as possibilidades de
formar uma identidade coletiva que aglutina negros e mestiços, ambos
descriminados e excluídos, ficam prejudicadas. [...]. O surgimento de uma
etnia brasileira, capaz de envolver e acolher a gente variada que no País se
juntou, passa tanto pela anulação das identificações étnicas de índios,
africanos e europeus quanto pela indiferenciada entre as várias formas de
mestiçagem [...] (MUNANGA, 2010, p. 445).
Na História do Brasil, há uma questão ambígua entre cor e classe social, onde
identificamos lacunas a serem preenchidas já que as populações negras não foram apenas
excluídas do processo do mundo do trabalho. Mas, além disso, negou-se o direito à
manutenção das culturas e das identidades africanas, através da implantação do processo da
“democracia racial” em funcionamento ainda hoje em universidades públicas. Embora esta
tenha a obrigação de colaborar para a equidade dos negros, afinal trata-se de uma
universidade pública e, por isso, sua disponibilização de vagas, por direito, pertence a todos e
não a um grupo restrito que trata os demais como se fossem inferiores, (HASEMBALG,
1979).
187
Ações afirmativas objetivam atingir dimensões práticas no cotidiano de uma comunidade/sociedade,
promovendo resultados concretos que a modifique positivamente, transformando a vida dos indivíduos excluídos
dos bens comuns nela produzidos. E por isso sua discussão deve continuar, como forma de sua implementação,
ampliação e conscientização de todos que fazem parte da sociedade, comunidade em discussão. São políticas
pensadas e elaboradas a partir dos processos históricos que hoje refletem como forma de reparação da
exploração do longo processo da escravidão. Mas que, se observado e refletido do ponto de vista jurídico, trata-
se de uma obrigação do Estado de Direito, da sociedade independente dos seus níveis de conhecimentos e
consciência acerca do problema, como forma de corrigir injustiças cometidas em determinado período histórico.
No caso aqui, referimos ao regime escravista e suas consequências ainda hoje presentes em toda a ordem social
especialmente no meio acadêmico da Universidade de São Paulo (USP). (MUNANGA, 2005, 2011). Elaborado
pela autora amparada na definição da fonte a seguir. Disponível em: <http://etnicoracial.mec.gov.br/acoes-
afirmativas-cotas-prouni–>. Acesso em: 04 jun. 2015.
97
Não raro, no presente, os negros reivindicam seus direitos e estes vão desde a
manifestação cultural até a exibição de suas características físicas, entre outros símbolos que
lhes identificam e aproximam da cultura de seus ancestrais, das Áfricas. Neste sentido, as
pessoas que possuem ancestralidades africanas, veem assumindo mais as suas identidades. a
partir da implantação das políticas afirmativas, senão material, mas culturalmente, pois, a
partir da implantação da Lei no 10.630/2003
188, as populações negras tomam mais consciência
de sua representação na sociedade se torna mais crescente, onde muitos fazem questão de
assumir seus estilos, fundamentados da cultura negra, (ANTONACCI, 2015).
Esse acontecimento vem engrossando as lutas do MNU e também aumentando o
percentual de negros autodeclarados no Censo IBGE, e, mesmo diante das estatísticas e da
legislação em vigor, a USP, bem como as universidades paulistas, continuam inflexíveis e
resistentes às mudanças necessárias, para a devida adaptação e incluir a população estudantil
negra e indígena conforme determina o STF189
(CARVALHO, 2012).190
2.3 A USP, uma Estratégia do Jornal “O Estado de São Paulo”
Está presente na idealização da “Comunhão Paulista” um projeto cultural, cujo
fundamento seria colocar São Paulo e o Brasil nas mãos de uma classe ou uma “elite”
devidamente esclarecida e independente dos interesses políticos partidários. A origem do
ritmo habitual da USP, em manter-se isolada dos centros e dos partidos políticos, já está em
suas práticas desde a sua fundação e pode ser verificada quando a “Comunhão Paulista”
afirma ser necessário a incrementação de um projeto cultural independente da prática política
imediata, (CARDOSO; BOSI, 1982, p. 14).
Sendo assim, as reformas que surgem na educação não conseguem atingir a USP, sua
força se vincula à estrutura de sua origem, ou seja, nos anos 1970, a educação passa por
reformas de modernização, por exemplo: dentro da política anterior, antes do processo
modernizador da educação, na esfera pública, se seguia necessariamente uma hierarquia de
poderes, “nominal das cátedras”, no qual essa distribuição de poder seria permanente. No
188
CARVALHO, 2012. 189
História da votação dos ministros, a favor da política de cotas pelo STF. (org. da autora). Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em: 12 jan. 2016. 190
Seminário Ação Afirmativa, IFRN em 02/08/2012. Disponível em www.youtube.com.br. Acesso em: 20 dez.
2015.
98
entanto, a partir da década de 1970, ocorrem alterações modernizadoras, e uma delas reside
exatamente na reforma de 70, como a extinção nominal de cátedras. Mas não “conseguiu
alterar de fato a distribuição de poderes”, tendo como resultado “horas de confronto”, onde as
interpretações a propósito são confundidas e “liberalismo” se caracterizou na “liberdade” de
práticas autoritárias, (CARDOSO; BOSI, 1982, p. 14-16).
Mas na origem é determinação absoluta, ou então a História [...] as situações
inaugurais. A universidade, instalada na região mais dinâmica do país e na
cidade que atingiu as mais elevadas taxas de industrialização e imigração,
não poderia, com o advento da civilização de massas, conter-se no projeto
ideal de seus fundadores, (CARDOSO; BOSI, 1982, p.15).
Os autores discutem que a USP fora gestada sobre o prisma da desigualdade, sua
forma embrionária se desenvolve em uma concepção política de elevação das camadas sociais
mais privilegiadas de São Paulo, enquanto as populações subjacentes ficam aquém dessa
discussão e concretização política educacional. Embora mantida pelo poder público, é
direcionada apenas a uma parte da sociedade, a mais privilegiada economicamente, afinal foi
esse o objetivo de sua fundação. Situação que não nos estarrece quando analisamos a obra de
Irene Rua Cardoso A Universidade da Comunhão Paulista, (CARDOSO; BOSI, 1982, p14-
15).
Neste contexto, traçamos um paralelo entre a discussão dos autores, na qual se coloca
que a USP deve se adequar à reforma educacional dos anos 1970 para abranger as populações
que emergiram no Pós-Segunda Guerra, (CARDOSO; BOSI, 1982).
Após a década de 1970, a “burguesia ilustrada paulista”, sofre influência
considerável dos efeitos da “Segunda Guerra”. Foi quando a “mesma hegemonia” se modifica
e apresenta-se diferente daquelas massas facilmente manipuladas nos anos 1920. Pois, mesmo
aquela parte da sociedade que se caracterizava como “revolucionária” até a segunda década
do século XX, não apresentava perigo real de revolução. “Até então, existiam apenas alguns
grupos gaiatos recebidos no Teatro Municipal” e não se tem notícia de outras formas de
protestos dessa burguesia. Por “outro lado” surgiam outros grupos diferentes das classes
dominantes, e tudo indica que souberam aproveitar as oportunidades oferecidas pelo governo
Vargas. O qual, grosso modo, procurou oferecer políticas sociais às classes menos abastadas e
isso permitiu chegar à “Universidade uma clientela cada vez mais diferenciada para a qual o
estudo não era só o pão já assado e partido pelo saber acadêmico, mas também em fermento
que poderia levedar as novas massas”. E, nesse sentido, o projeto do Grupo do jornal, “O
Estado de São Paulo” não foi assim, tão hegemônico, (CARDOSO; BOSI, 1982, p.14-16).
99
Verificamos que Bosi (1982) foi assertivo em sua análise histórica, ao revelar que a
USP precisaria se reformar para atender à demanda. Os novos sujeitos sociais que resistiram
às ditaduras e aos efeitos das Guerras, pois não se reformando para a adequação social ao
novo contexto histórico, significaria se cercar pela política antiga, hegemônica do ponto de
vista da inclusão social. Ignorar que essa mudança fosse necessária significaria, acima de
tudo, se preparar para encarar os movimentos sociais que se organizariam entre os novos
sujeitos. O que compreendemos no contexto da nossa pesquisa histórica, a manifestação do
Movimento Negro Unificado, entre outros. Caracterizados, assim, pela luta das populações
negras, as quais são maioria pobre. Mas como pensou Bosi (1982), os novos sujeitos não
seriam mais uma massa de manobra, por este motivo, apesar da resistência dos dirigentes e da
maior parte dos governadores daquela instituição, até hoje, as populações negras se mantêm
em ritmo acelerado pelas políticas afirmativas, e sua maior articuladora hoje, é a “mulher de
ferro, Jupiara Castro”.191
Problematizamos este contexto com o pensamento do professor José Jorge de
Carvalho, embora, já o discutimos no capítulo anterior, mas apenas para ilustrar o pensamento
dos autores acima. O mesmo alerta para o perigo de não se promover as ações afirmativas
para incluir as populações negras, de modo a se propiciar a formação de graduandos que
avancem nos estudos de pós-graduação para se tornarem professores. Assim, essa realidade
persistirá e a tendência nos espaços acadêmicos será sempre a mesma, ou seja, deixam de
serem espaços de conhecimento para se transformarem em espaços de poder, onde prevalece
o confinamento racial, (CARVALHO, 2005).
2.4 A USP na Interpretação de Marilena Chauí
A partir da análise acima, no pensamento de Chauí (2014), é possível compreender a
resistência da USP sobre a possibilidade de mudanças, em particular sobre as políticas
afirmativas, uma vez que a mesma se norteia por políticas universalistas, se fechando para o
diálogo a respeito da diversidade, tema comum em uma democracia.
A Professora Chauí traça um paralelo entre o objetivo da “Instituição de Ensino”
enquanto universidade democrática e a “Universidade Operacional”. Assim, especificando o
processo por meio do qual a universidade pública brasileira vem sendo transformada,
191
A mulher de ferro é um apelido carinhoso dos membros do NCN para se referir a sua líder, Jupiara Castro. E,
utilizá-lo aqui, fora uma organização da autora.
100
descaracterizando-se de sua função social, para tornar-se uma organização isolada, cuja
eficácia e sucesso se medem em termos da gestão de recursos e estratégias de desempenho.
Desse modo, sua articulação com as demais universidades públicas acontece por meio
da competição; política ainda estabelecida na Ditadura Militar, sistema ao qual a USP se
adapta. Mantendo-se até o presente momento, pois segundo Chauí, a atual estrutura da
Instituição corresponde à mesma estrutura imposta pela Ditadura, o que explica a razão de a
universidade nunca se integrar às lutas dos movimentos sociais, porque a USP faz parte do
sistema liberal-capitalista.192
Chauí (2014) elucida também que a USP se estabelece sobre modelos
epistemológicos ultrapassados perante a realidade atual, quando esta desconsidera os
movimentos negros e sociais, as lutas dos professores/pesquisadores e os sujeitos em geral; se
articula em uma posição antidemocrática calcada em estrutura construída ainda no período
ditatorial. Critica duramente a política do PSDB, sustentando que esse partido é o filho
rebelde do MDB. E os administradores dessa Universidade, em sua maioria, e em especial o
seu então reitor João G. Rodas são defensores dessas políticas excludentes, moldadas pelo
capitalismo selvagem, (CHAUÍ, 2014).193
A pensadora faz uma comparação entre a forma que os dirigentes da USP administram
uma instituição pública de ensino superior e de pesquisa e os administradores de empresas
como: Vale do Rio Doce, Volks e outras que são empresas capitalistas. Enfatiza que as ações
da USP, tanto quanto as dessas empresas, são marcadas pela política da equivalência,
(CHAUÍ, 2014).194
Sua articulação nos direciona para a compreensão do funcionamento do sistema de
cotas raciais na USP. Pois, sua posição contrária às ações afirmativas é consequência do
pensamento neoliberal, que destoa o sentido das políticas de ações afirmativas e coloca em
destaque a meritocracia. Como faz o sistema capitalista ao impelir as pessoas pobres para fora
da vida social. Atitude também dos reitores da USP, que segregam os negros do direito de
192
M. Damázio, da RBA, publicado 09/08/2014, última modificação 11/08/2014. 193
Ações Afirmativas e Educação: reflexões étnico-raciais, com José Jorge de Carvalho no IFRN, em
02/ago./2012. Disponível em: <Ihttps://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvoSSN/19809921>Acesso em:
02 dez. 2015. 194
Ações Afirmativas e Educação: reflexões étnico-raciais, com José Jorge de Carvalho no IFRN, em
02/ago./2012. Disponível em: <Ihttps://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvoSSN/19809921>Acesso em:
02 dez. 2015.
101
participar da vida universitária naquela instituição por meio do sistema de política afirmativa,
as cotas raciais, (CARVALHO, 2012).195
Para compreender a discussão acima, acerca dos sistemas de educação brasileira, em
especial sobre sua implementação nas universidades públicas paulistas, em especial sobre a
USP, retornamos a discussão em Irene Cardoso (1982), pois a mesma esmiunça, não apenas o
sentido do Inquérito de 1926, o qual norteou a instrução pública em São Paulo, bem como a
formação e estrutura da USP, uma vez que a mesma é nosso objeto de estudo.196
2.5 O Inquérito de 1926, a Educação Pública e a USP em Questão
O sistema de educação brasileiro passa por mudança considerável no início da
Primeira República, período conhecido por República da Espada, uma vez que os dois
primeiros presidentes eram militares, Marechal Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto,
(FAUSTO, 2003).
Apesar da dureza dos dois primeiros governos militares, nesse período, empreendem-
se dois importantes movimentos que se entrelaçam ideologicamente, mas com objetivos
diferentes: o primeiro defende a democracia liberal; o segundo defende a consolidação da
educação pública, os quais estavam em funcionamento nos países europeus.197
No pensamento brasileiro daquele período, considerou-se que esses dois movimentos
tenham representado grande avanço no que tange à demanda científica e educacional do
Brasil. Entretanto, pode-se afirmar que tal período fora marcado por certas inovações
tecnológicas, inclusive, nessa época, o Brasil já dispunha de avanço significativo na Medicina
e em outros âmbitos científicos. Porém, entre os anos 1914 e 1918, o advento da Primeira
Guerra Mundial provoca enorme desalento no mundo, atingindo o Brasil, que não havia se
refeito dos efeitos do longo e intenso regime escravista de sua história, (CARDOSO, 1982 p.
19-27, p. 82).
195
Ações Afirmativas e Educação: reflexões étnico-raciais, com José Jorge de Carvalho no IFRN, em
02/ago./2012. Disponível em: <Ihttps://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvoSSN/19809921>Acesso: 02
dez. 2015. 196
Grifo da autora. 197
AQUINO, Maria Aparecida. Disponível em: <https://umhistoriador.wordpress.com/2015/08/16/elites-
brasileiras-nao-evoluiram-desde-1964-diz-maria-aparecida>. Acesso em: 05 out. 2015
102
Havia um grande número de analfabetos cuja composição era maioria de origem
escravocrata.198
Se considerarmos a dificuldade de acesso às áreas mais afastadas do País,
onde os recenseadores nem sempre conseguiam chegar, o índice de analfabetos, em 1889,
superava 67,02%. Somente em 1932, no Brasil, entra em questão o “Manifesto” dos Pioneiros
da Escola Nova, “e os demais documentos que constituem os seus desdobramentos” que
também incorporam na discussão a criação da USP. O projeto da Escola Nova teve como
precursor Anísio Teixeira199
, que defendia uma educação obrigatória, pública, gratuita e laica
para os todos os brasileiros. Mais tarde, perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas, se alterna
entre as diversas funções públicas e locais diferentes, mas sempre de algum modo ligado à
educação, (CARDOSO, 1982, p.105-108).
Após esse período, o terceiro presidente do Brasil, e o primeiro governo civil foi
Prudente de Moraes. Ele e seus sucessores são conhecidos como governo oligárquico, por
darem grande ênfase aos setores oligárquicos (campo) e menos ao setor industrial que estava
se estruturando no Brasil. Assim, até o último governo da “República Oligárquica”, com
Washington Luís, quando em 1930 o mesmo entrega o Brasil nas mãos de Getúlio Vargas,
enfrentando problemas no sistema de educação semelhantes à posição inicial dos governos da
“República da Espada” e da “República Oligárquica”. Isto significa que, grande parte da
sociedade, continuava sem acesso à educação, em particular, o povo indígena, negros e
descendentes, (CARDOSO, 1982, p.78-82).
Nesse momento, o Brasil atravessava grande crise econômica, política, social e
cultural. Por todos os lados, surgem revoltas e movimentos de contestação como: “greve dos
operários”, “Movimento Tenentista”, entre outros, (CARDOSO, 1982).
Em 1922, a Internacional Comunista e a Frente Negra Brasileira (FNB) surgem com
grande articulação política, provocando forte preocupação nas classes dominantes, sobretudo
entre os paulistas que se sentiram ameaçadas e veem na educação a possibilidade de manter o
domínio, começando por São Paulo, por ser visto como futura potência econômica,
(CARDOSO, 1982).
A ideia do Inquérito de 1926 tem objetivo bem definido, o qual consiste em elaborar
um modelo de educação para São Paulo, que atendesse os anseios do “Grupo o Estado de São
Paulo”. Cujo pressuposto era justificar a “Crise Nacional” pelo antagonismo do cenário
político e social brasileiro, intrinsecamente articulado em políticas de estabilidades entre o
198
SANTOS, Irene da Silva Fonseca dos Santos; PRESTES, Reulcinéia Isabel; VALE, Antônio Marques do.
Programa de Mestrado em Educação: UEPG-PR - Revista HISTEDBR (online) - BRASIL, 1930 - 1961:
ESCOLA NOVA, LDB E DISPUTA ENTRE ESCOLA PÚBLICA E ESCOLA PRIVADA. 199
Ibid.
103
Regime “Império” e “Republicano”, nos quais a sociedade está alicerçada, assim continua
dialogando com o Regime escravista, (CARDOSO, 1982, p. 28-33).
O “Inquérito” de 1926, parte, inicialmente, da confirmação de lacuna de política
educacional, norteada por “princípios e não por homens”, o bastante para impulsionar a
“instrução pública de São Paulo”. Assim, dispensando a implantação de um novo sistema
educacional, o que significa maquiar o sistema já existente, a partir de retoques, de acordo
com o que o aparelho de ensino podia oferecer perante a circunstância “política e composição
precária dos governos”, (CARDOSO, 1982, p. 28-33).
Também, era exigência fundamental que a reformulação da instrução estivesse ausente
de interesses partidários, pois segundo a concepção do “Grupo do Estado”, apenas as elites
devidamente esclarecidas e formadas estariam à altura de responder sobre um projeto que
representasse a nacionalidade. Podemos perceber que a organização do Inquérito é enfática
quando determina a necessidade de distanciamento entre a Universidade e as relações
partidárias, devendo essa projetar unilateralmente um projeto cultural independente da prática
política imediata. Neste sentido, sobressaía-se a importância da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (FFLCH) como norte para se atingir a totalidade universitária e também
considerada instrumento fundamental para atingir a constituição “nacional”, (CARDOSO,
1982, p. 28).
O segundo ponto do Inquérito, existe a discussão de aproximação entre educação e a
política, então, ambos os setores estão em embate. Porém, existe no mínimo uma contradição
em questão: se de um lado se apregoa que o ensino público tenha sua prática distanciada da
política partidária, por outro se enfatiza que o ensino, enquanto instituição pública seja
transformada em “importante instrumento político de coesão”. E, neste caso, considerava-se
de fundamental importância remodelar o sistema de ensino público em vigor. Para os
elaboradores do Inquérito de 1926 o sistema de ensino, apresentava resultados ineficientes
para formar a nação dominante. Pois, o mesmo não estava à altura de formar pessoas capazes
de elevar-se ao “desenvolvimento” do Brasil. Esta foi à ideia originada do Grupo do jornal,
“O Estado de São Paulo”, o qual se preocupou em formar os sujeitos com elevado padrão de
conhecimento para dirigir o país. Ou segundo os Mesquitas, não havia evolução dos sistemas
enquanto “Projeto Educacional”, (CARDOSO, 1982, p. 28-29).
Daí a defesa de um modelo de educação, ancorado no padrão epistêmico unitário,
inspirado nos interesses políticos nacionais, onde, apenas as “elites” “têm condições de
governar, decidir o destino do povo brasileiro”. Assim, aqueles que se apresentavam enquanto
104
classes dominantes, sempre desconsideraram as especificidades que compõem o nosso
gigantesco Brasil, (CARDOSO, 1982, p. 29).
Neste caso, o objetivo do Inquérito de 1926, sobre a instrução pública, objetiva à
aproximação entre a “concepção democrática de sociedade” e a teoria das “elites”, destacando
que a ideia de democracia se concretizaria não a partir “de um governo do povo, com o povo
e para o povo”. Mas, nos governos cujos elementos sejam subtraídos do povo, e
constituídos a partir da educação, (CARDOSO, 1982, p32-34).
Outro detalhe essencial do “Inquérito”, em seu quinto ponto, refere-se à importância
de uma universidade ser fundada no Estado de São Paulo, versa intrinsecamente sobre a
superioridade deste estado no âmbito político e econômico. Estes aspectos justificariam o
desenvolvimento de São Paulo, mensurando o aprimoramento intelectual “das elites” para
engrandecer o país. Pois as classes dominantes (elites) acreditam serem responsáveis pelo
engrandecimento nacional, não apenas de São Paulo, mas da nação, e neste sentido, se
projetara a política do jornal “O Estado de São Paulo”, (CARDOSO, 1982, p.32).
Neste jogo de “desenvolvimento”, nasce a “naturalização” da usurpação de direitos
iguais para a nação brasileira, ou seja, a universidade formaria as pessoas que governariam, de
forma intelectual; nessa concepção de desenvolvimento, só as “elites” teriam o poder.
Segundo, o Grupo, a elas caberia dirigir às massas, o que de certa forma é uma política
adotada até os dias de hoje, senão em todo o País, mas na Universidade de São Paulo, frente à
dominação que exerce sobre os grupos excluídos de seu sistema educacional, (CARDOSO,
1982, p.32).
A Universidade de São Paulo surge de um projeto político ideológico que repousa
sobre o ideal de construção de uma nova sociedade “democrática”, baseada na ciência e na
“alta cultura”, cuja liderança seria a própria elite intelectual por ela formada. Neste contexto, a
Comunhão Paulista possui projetos nítidos e bem definidos, diretamente ligados a um projeto
de “regeneração política nacional”, (CARDOSO, 1982, p.32-34).
O “Grupo do Estado” nitidamente tem a intenção dos domínios sobre a instrução
pública, visando uma posição de “estado maior” intelectual, dando forma a um projeto de
hegemonia cultural e política. No qual a universidade aparece como condição “estratégica”
que determina e define a instituição ideológica da fundação da Universidade de São Paulo,
cuja metodologia serviu de munição para que a USP se tornasse o que é hoje. Uma
universidade predominantemente dirigida pelas classes dominantes, cuja política,
intrinsecamente abrangente dos interesses de um grupo que desde a década de 1920 está à
frente do jornal “O Estado de São Paulo”. E, todos desempenham relevante papel, enquanto
105
fundadores e idealizadores da USP; são os irmãos Júlio de Mesquita Filho, redator e secretário
do jornal; Francisco Mesquita, gerente; Armando Salles de Oliveira, diretor do jornal desde
1914; e Fernando de Azevedo, redator entre 1923-1926, (CARDOSO, 1982, P.32-37).
Em 1927, com o falecimento de Júlio de Mesquita, Armando Salles Oliveira o
substitui na presidência do jornal e Júlio de Mesquita Filho assume a direção. Momento em
que juntos empreendem as chamadas “campanhas” da educação paulista. Época em que o
jornal dispõe do seguinte quadro de redatores: Amadeu Amaral, Plínio Barreto, Paulo Duarte,
Vivaldo Coaracy, Léo Vaz e Fernando Azevedo, (CARDOSO, 1982, p. 43).
Assim, a ideia da Universidade de São Paulo resulta de um dos projetos-chave do
grupo da “Comunhão Paulista”, liderado por Júlio de Mesquita, então diretor-presidente do
jornal o “Estadão”. Na época, esses profissionais da comunicação social, que circulavam pelo
mundo “político e ideológico”, elaboram a campanha empreendedora da fundação da USP. E,
como já dito, objetivando a dominação da educação de São Paulo, através da formação de
professores na referida instituição e, principalmente, pela formação das chamadas “elites”,
supostamente responsáveis por controlar a política brasileira, (CARDOSO, 1982, p.43-47).
Contudo, para que este plano se concretizasse, seria preciso muita articulação política,
o que não fora obstáculo para o grupo do jornal “Estadão”, uma vez que possui vasta
influência no universo político e social brasileiro. Como bem afirmou Alfredo Bosi, tanto o
“Grupo Estado” quanto os membros políticos do Partido Democrático têm consciência da
crise política do país. A qual envolvia as oligarquias, e na tentativa de restaurar esse processo,
não medem esforços em articular alianças entre as duas correntes: a Aliança Liberal com a
Revolução de 1930, onde o intuito é que o “grupo do Estado” possa assumir para si a
responsabilidade de “regeneração política através da educação”. “A rigor, nada é
absolutamente unitário quando se trata no labirinto das ideologias”. (BOSI, 1982, p. 14).
2.6 O Sistema de Educação Brasileiro, a USP
Ao analisar as políticas afirmativas na Universidade de São Paulo se faz necessário
entender o funcionamento do Sistema de Educação implantado no Brasil, após o Inquérito de
1926200
, cuja influência se faz presente contra a adesão às cotas raciais naquela instituição.
200
CARDOSO, Irene R. A Universidade da Comunhão Paulista. São Paulo: Cortez, 1982.
106
Refletir, então, sobre o pensamento de Guimarães (2003, p. 250-254), acerca das políticas
adotadas pelo sistema de educação público e privado no Brasil, desde o ensino fundamental
até o ensino superior oferecido entre os dois sistemas, ou seja, pelo sistema de educação
público e gratuito e pelo sistema particular.
Na concepção da “Comunhão Paulista” a USP é responsável por conduzir a educação
pública do País, assim foi concebida e estruturada e permanece até os dias de hoje. Conforme
já discutido, e cujo esboço de organização geral, consistiu em um plano de educação nacional,
publicado pelo jornal “O Estado de São Paulo”, no dia primeiro de agosto de 1931. Plano
elaborado e destinado ao “desenvolvimento educacional do País em dez anos” e versa sobre a
criação das seguintes instituições:
8 Universidades Clássicas; *5 Universidades Técnicas; *8 Colégios;
*21 Ginásios; *5 Escolas de Agricultura e Veterinária; *2 Escolas de
Educação Doméstica e Rural; *8 Escolas de Comércio; *8 Escolas de
Música, Pintura e Escultura; *17 Escolas de Agricultura e *17 Escolas
de Artes e Ofícios.201
Em 27 de junho de 1931, entretanto, João Simplício apresentou uma segunda proposta,
diferente do Plano Nacional de Educação (PNE), na qual pedia a designação de uma ou mais
comissão para elaborar a redação que deveria ser aplicada na educação dentro de um período
ainda a ser estabelecido. Segundo suas observações, o plano seria construído considerando-se
as condições sociais do mundo. Porém, enfatiza a necessidade de conter na elaboração do
PNE o fortalecimento da unidade nacional, cujo desdobramento seria revigorar a raça
brasileira para garantir o êxito econômico do Brasil, (CARDOSO; BOSI, 1982).
Assim, em 04 de julho de 1931, foram designados para a comissão da educação: João
Simplício, Miguel Couto, Aloysio de Castro, Padre Leonel Franca e Leitão da Cunha. Mas,
esses tinham à sua disposição a colaboração dos técnicos que julgassem necessário para
realizar tal tarefa, (CURY, PUCMG).202
Segundo Cardoso (1982, p. 104), o plano apresentado por Simplício ganharia
importância na medida em que seu desdobramento imputasse a responsabilidade da educação
nacional ao governo federal, exigindo atenção e planejamento para todos os níveis de
educação de forma a atingir todos os estados da federação. Ressaltamos, portanto, que, nesse
momento da reforma da educação brasileira, o contexto político era bastante conturbado. De
201
O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE 1936/1937 (1) Prof. Carlos Roberto Jamil Cury – PUC-MG.
Disponível em: http://sbhe.org.br/novo/congressos. Acesso: 12 dez. 2015. 202
Ibid.
107
um lado, os paulistas lutam pela manutenção do poder, agindo como verdadeiros mandatários,
e de outro tendo que enfrentar a Aliança Libertadora (AL), impedindo Júlio Prestes empossar-
se do cargo para o qual foi eleito pelo voto direto, conquanto o Estado de São Paulo era
acusado de fraudar esta eleição203
, a disputa de poder se acirra entre Minas Gerias e São
Paulo, (FAUSTO, 2004).
Assim, foi estabelecido no País o Governo Provisório, assumido por Getúlio Vargas
entre 1930 e 1934.204
Situação que preocupa o grupo do jornal O Estado de São Paulo, pois
Getúlio Vargas acaba por afastar do grupo o acesso ao poder de interferir no sistema de
educação.205
Nestas circunstâncias, João Simplício pede ao Governo Provisório que contemple
o Plano Nacional de Educação (PND) como forma de maior iniciativa da democratização do
ensino nacional. Entretanto, em janeiro de 1933, Fernando Azevedo é nomeado diretor-geral
da instrução pública de São Paulo e realiza a reforma da educação no estado, dando corpo e
abrangência aos “diversos graus e tipos de ensino”, ao reorganizar a estrutura das escolas
normais, (CARDOSO, 1982, p. 107).
Pudemos observar que, a sociedade carente pagou o tributo dos desmandos da política
de São Paulo e do Brasil perante um governo de humor instável206
que se apropria das mais
diversas facetas políticas para manter-se no poder; enquanto inaugura a escola nova dialoga
com os políticos de São Paulo, (CARDOSO, 1982).
No âmbito do jogo político, um dado nos chama atenção: estavam estruturadas em São
Paulo as associações dos grupos negros, a imprensa negra e, em especial o Clube Negro da
Cultura Social, o Centro Cívico Palmares e a Frente Negra (FNB) que liderava a imprensa
específica para tratar da realidade do povo negro. Apesar do Centro Cívico se envolver na
política partidária, conviveu com o afastamento de grande parte dos associados, tendo sido
dissolvido em 1928; suas principais contribuições foram: a criação de uma ampla biblioteca, a
fundação de escolas elementares e uma escola de ensino secundário. Além disso, dispunha de
um refinado corpo docente negro, conseguindo, inclusive, colocar os estudantes negros da
escola secundária negra nos cursos superiores das faculdades públicas do País, (PAHIM,
2013, p.86-87).
Todavia, o Centro Cívico foi formado por lideranças negras, exatamente para
neutralizar a hegemonia das classes dominantes “brancas”, embora fosse frequentado por eles,
pois “Júlio Prestes” era frequentador assíduo do Centro Cívico, “assim como: jornalistas,
203
Disponível em: <http://www.historiabrasileira.com>. Acesso em: 25 dez. 2015. 204
Ibid. 205
Grifo da autora. 206
Ibid.
108
poetas, escritores célebres, músicos famosos” entre outras personalidades das elites paulistas,
(PAHIM, 2013, p.87).
Para encerrar esta discussão sobre a instrução pública dos anos 1920, olhamos também
para outro pensamento a fim de pontuar outras possíveis observações. Segundo a análise
histórica dos movimentos educacionais do referido período, se estabelece então, uma
dependência entre o sistema de educação pública e as condições econômicas, políticas e
sociais “da estrutura em que ele se realiza”. Mas, sobre qualquer hipótese, a instrução pública
seria planejada e estruturada “como um fenômeno isolado do processo global”. Este
pensamento converge com o que já discutimos até aqui.207
Concluímos que a educação "moderna" e "de caráter científico", preconizada
por Fernando de Azevedo, tinha a função de conter a agitação política e os
levantes armados - que marcaram os anos vinte - pela preparação de elites
competentes e esclarecidas entre as classes dirigentes, por sua vez
responsáveis de "educar adequadamente" as massas populares, isto é, segundo
do as exigências do lugar que elas devem ocupar na estrutura social. Tal
projeto educacional visaria, com isso, recuperar para as oligarquias rurais - das
quais os promotores do Inquérito eram porta-vozes - sua hegemonia
ameaçada.208
Observamos, então, que em nenhum momento o povo se conformou com os padrões
impostos pelos homens que se estabelecem enquanto dirigentes de São Paulo e deste país. E,
“educar adequadamente” sobre o ponto de vista das classes dominantes não significa que tais
epistemologias foram aceitas, prova disso, são os movimentos sociais em verdadeira explosão
no tempo presente, em especial, a representação do Movimento Negro Unificado (MNU) na
luta por equidade na universidade que foi elaborada pela supremacia da dominação
econômica, política social e, principalmente cultura, sobre as populações oprimidas, em geral
as de descendência africanas e indígenas.209
207
Autor: Manoel de Jesus Araújo Soares. A educação Preventiva. RJ, 1978. Disponível:
https://bibliotecadigital.fgv.br/ - Acesso em: 05 jan. 2016. 208
Ibid. 209
Grifo da autora.
109
2.7 As Populações Negras no Cenário Educacional Brasileiro
Sobre a continuação da política educacional do País, a partir dos aspectos
apresentados, seguimos a pista do Professor Antônio Sergio Alfredo Guimarães, do
Departamento de Sociologia da USP. O qual nos apresenta um panorama do resultado do
embate de poder da educação no estado de São Paulo e no Brasil, sendo que o tributo recaiu
nas populações negras pobres e nos pobres em geral.210
O principal objetivo sobre o qual a
USP foi idealizada, estruturada e fundada, para manter o controle sobre as populações que não
pertencessem às classes dominantes; acreditava-se e continuam acreditando que suprimir uma
parte da sociedade representasse “desenvolvimento” para o estado de São Paulo (CARDOSO,
1982). 211
Em meados do século XX, os governos brasileiros haviam deixado de investir na
ampliação de vagas universitárias públicas, fator que dificultou ainda mais as populações
negras ingressarem nas universidades de ensino público do país. Mesmo a pequena parcela de
negros pertencentes à classe média, nesse período, não escapa dessa exclusão, que se dilata
com o modelo de educação adotado pelo Estado brasileiro. (GUIMARÃES, 2003, p.250-252).
Esse acontecimento ocorre a partir de 1964, com o advento da derrota das forças
socialistas que empreendem, naquele momento, um projeto progressista para o País. Trata-se,
das forças que se ancoram principalmente nos três movimentos sociais, a saber: as Ligas
Camponesas, cuja atuação gira em torno do desenvolvimento do campo e cuja demanda
fundamenta-se na luta por reforma agrária; o Movimento Operário, que se restringe às lutas
nas cidades e vincula-se aos interesses fundamentados em trabalho urbano e aumento salarial,
e o Movimento Estudantil, que luta pela ampliação das vagas das universidades públicas,
(GUIMARÃES, 2003, p.250-252).
Naquela ocasião, o movimento negro tinha lutas articuladas em São Paulo. A primeira
grande manifestação antirracista no Brasil foi liderada pela Frente Negra Brasileira, dando
continuidade à discussão aos projetos de políticas públicas do Centro Cívico Palmares.
(PAHIM, 2013, p. 84-86).212
Mas, a repressão aos movimentos foi brutal, colocando-os na ilegalidade e
dificultando a articulação política, que a partir daquele momento se tornou clandestina.
210
Grifo da autora, fundamentada no texto acima, em CARDOSO, 1982; e, em: CURY, PUCMG. 211
CARDOSO, Irene R. A Universidade da Comunhão Paulista. São Paulo: Cortez Editora, 1982. O termo
desenvolvimento é gripo da autora. 212
PINTO, Regina Pahim. O Movimento Negro em São Paulo: luta e identidade. Fundação Carlos Chagas.
Editora; UEPG. 2013.
110
Assim, ocorreu o fortalecimento das oligarquias e do setor industrial em detrimento aos
interesses da luta dos movimentos sociais e do movimento negro, que acabaram sendo
desarticulados pela política do Estado brasileiro, num período de efervescência política e de
dominação social, (CARDOSO, 1982, p. 30).
Desse modo, o Brasil atravessa as décadas do século XX até 1985, quando se dá
ênfase à educação elementar e secundária em “termos quantitativos”, que se revezou entre o
sistema de ensino supletivo e Mobral 213
e o ensino regular, oferecidos às “classes baixas”.
Mas, não houve a mínima preocupação dos governos em propiciar oportunidade para que
esses estudantes recém-formados adentrassem as universidades públicas; o ensino privado
começa a ser implantado e, logo no início, não dá conta da demanda. Além disso, muitos não
dispunham de condição financeira para custeá-lo, (GUIMARÃES, 2003, p.251-254).
Essa direção em que rumou a política brasileira do período em referência culminou
com o quadro de abandono da educação pública brasileira por parte dos governos ditatoriais.
Com a redemocratização, os governos de José Sarney, Fernando Collor de Melo, Itamar
Franco e Fernando Henrique Cardoso também não empreenderam investimentos para a
ampliação de vagas nas universidades públicas, resultando em uma demanda de insuficiência
profunda, (GUIMARÃES, 2003).
Diante desse quadro, em 1985, o percentual de estudantes universitários na educação
superior pública federal corresponde a 40% do universo acadêmico brasileiro. Em 1998, esse
percentual cai para 19%. (Brasil, 1999214
- Ministério da Educação e Cultura, INEP.
Evolução do ensino superior – graduação: 1980-1998. Brasília, 1999215
), (GUIMARÃES,
2003, p. 250).
Caminharam então, na contramão a quantidade de vagas e o nível de qualidade entre o
ensino oferecido na rede publica brasileira. Ou seja, os estudantes que cursavam o ensino
213
Programa criado em 1970 pelo governo federal com objetivo de erradicar o analfabetismo do Brasil em dez
anos. O Mobral propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando “conduzir a pessoa humana a
adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores
condições de vida”. O programa foi extinto em 1985 e substituído pelo Projeto Educar. Disponível em:
<www.educabrasil>. Acesso em: 28 dez. 2015. 214
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Inep. Evolução do ensino superior – graduação: 1980-1998.
Brasília, 1999 – A fonte que figura entre aspas foi utilizada por Guimarães (2003), figura na bibliografia usada
por ele. “Deve-se salientar, entretanto, que a solução dada pelos governos militares ao “problema educacional”
do país não foi alterada pelos quatro governos democráticos depois de 1985 (as administrações Sarney, Collor,
Itamar e Fernando Henrique). A linha mestra continuou sendo a expansão do sistema superior de educação
privada e a estagnação da rede pública. A rede privada de ensino superior, que já congregava 59% dos alunos,
em 1985, passou a concentrar 62%, em 1998” (GUIMARÃES, 2003, p. 250). 215
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. INEP. Evolução do ensino superior – graduação: 1980-1998.
Brasília, 1999. – Fonte citada pelo Professor (GUIMARÃES, 2003, p. 250). Salienta-se que assumimos as
informações disponibilizadas pelo autor no artigo “TEMAS EM DEBATES - Ações Afirmativas” sem prévia
consulta dessa fonte. A autora.
111
fundamental e médio pelo sistema de educação pública e gratuita, dificilmente conseguiam
ingressar nas universidades públicas brasileiras. Frente ao despreparo proveniente do nível de
ensino e as cobranças de conhecimento abrangente dos vestibulares nas universidades
públicas. Enquanto o ensino privado, oferecido pela rede particular de ensino prioriza o
crescimento de vagas, mas, também a “qualidade” do ensino. Nessas circunstancias, as classes
médias que dispõem de condições financeiras para custear o ensino privado,
consequentemente tinham maior chance de ocupar as vagas disponibilizadas nas
universidades públicas brasileiras.216
Em resumo, a quantidade das vagas do ensino superior privado se expande, enquanto
no ensino superior público (gratuito) se retrai desordenadamente, porque o Estado brasileiro
não investe nas universidades públicas e estas permanecem estagnadas. Da mesma forma, não
investe na qualidade de ensino público, ou seja, no “ensino elementar” que é o alicerce das
primeiras séries do nível fundamental, nem no ensino médio, (GUIMARÃES, 2003).
Neste contexto, os estudantes negros que são maiorias pobres, ao deixarem a escola
pública seguem para o ensino superior privado. Assim, o setor privado acaba por absorver
esses estudantes. Mas o mercado de trabalho, em grande medida, despreza seus diplomas, ao
dar preferencia aos estudantes formados nas universidades públicas, (GUIMARÃES, 2003).
No período (1964-2001) em discussão, muitos estudantes que se formam nas
universidades públicas, após, formados, muitos entram no mercado como empresários da
educação em face da demanda de estudantes das classes dominantes. Então, oferecem um
ensino de “qualidade” do nível fundamental ao médio. Enquanto no ensino superior oferecem,
um preço relativo de acordo com o que aqueles estudantes podiam pagar, pois as
universidades privadas dispunham de cursos de acordo com as condições financeiras das
classes mais baixas (mais pobres), (GUIMARÃES, 2003).
Ademais, a maioria dos estudantes de classes financeiramente mais abastadas, além de
frequentar as melhores escolas, se prepara paralelamente, através dos cursinhos pré-
vestibulares da rede privada de ensino217
. E, a maioria dos estudantes negros, que depende de
trabalhar para se manter e muitas vezes ajudar no sustento da família, continua mais excluída,
assim é duplamente discriminada, primeiro por seu tom de pele e depois por apresentar
216
Grifo da autora, fundamentada na discussão de Guimarães, 2003. 217
Prof. José Jorge de Carvalho; Professora Rita Laura Segato. Departamento de Antropologia da Universidade
de Brasília. Disponível em:
<http://afrolatinos.palmares.gov.br/_temp/sites/000/6/download/biblioteca/arquivos/PROJETO_DE_COTAS_Pr
oposta%20de%20JJCarvalcho.pdf>. Acesso em: 13ago. 2015.
112
diplomas oriundos da rede particular, desvalorizados, (GUIMARÃES, 2003); (CARVALHO;
SEGATO, 2002).
Não que os estudantes negros, pobres e indígenas sejam considerados incapazes de
acompanhar o desenvolvimento do ensino das universidades públicas. Pois, observamos que,
a dificuldade central reside na forma como se prepara os vestibulares e o ensino público
oferecido. Enquanto os vestibulares são elaborados para um nível de conhecimento muito
acima do que se oferece na rede pública de ensino do Brasil. Os estudantes da rede particular,
além do mais, recebem uma educação condizente com a exigência do conhecimento
estipulado pela FUVEST e pelos demais vestibulares das universidades públicas brasileiras.
(GUIMARÃES, 2003, p. 251-255).
Retomamos a discussão acerca da educação pública superior para ilustrar as estatistas
educacionais. Assim, continuamos na trilha de Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (USP) que
reflete quanto o fato dos quatro governos que sucederam o período ditatorial não ter investido
na educação brasileira. Sendo, portanto, responsáveis pela queda educacional que ver-se a
seguir: jovens de idade entre 18 e 24 anos218
, em 1998, apenas 7,8% frequentam as
universidades públicas, e, neste universo, de acordo com os indicadores, os negros não estão
representados, (GUIMARÃES, 2003).
Neste contexto, analisamos a seguir, a reflexão em Guimarães,
[...] motivadas pelo afunilamento da oferta de ensino superior de
“qualidade”, assegurado pelo mecanismo do vestibular, as famílias de
classe média e alta demandaram em proporção crescente a rede
privada de ensino elementar e médio, permitindo não apenas a sua
expansão física, mas a melhoria da oferta dos seus serviços, reforçada
ainda mais pela concorrência entre as escolas particulares. Quanto
mais se acentuava a concorrência, entretanto, mais difícil ficava para
os filhos das classes médias, situados na sua franja mais pobre,
cursarem os melhores colégios e atingirem a universidade pública,
(GUIMARÃES, 2003, p.251).
Apesar dessas evidências do racismo estrutural no Brasil, de acordo com Guimarães,
(2003), pouco foi feito enquanto medida objetiva capaz de amenizar essa situação. Em 1988, a
Constituição da República proibia todas as formas de racismo, mas tudo parecia não passar da
teoria, pois na prática os resquícios do racismo continuavam operando.219
218
Guimarães se apoia em informações de estudos realizados por IBGE/PNAD Apud: Sampaio, Limongi, Torres
(2000) e também em HASENBALG (1978) para nos trazer esta discussão. 219
Grifo da autora, fundamentada em Guimarães, 2003.
113
Entre os anos de 1980 e 1990, pouco antes da eleição e posse de Fernando Henrique
Cardoso e, por ocasião do Centenário da Abolição e dos 300 anos de Zumbi dos Palmares,
aconteceram os primeiros diagnósticos sobre as desigualdades raciais no Brasil. Assim,
possibilitando a discussão no espaço universitário, e pela primeira vez, o assunto foi parar na
mídia. Em 1998, com o advento da nova Constituição Federal Brasileira tornou-se crime a
prática de preconceito racial, fortalecendo assim o Movimento Negro Unificado (MNU),
(GUIMARÃES, 2003).
Foi então, quando o governo FHC iniciou algumas mudanças significativas em
diversos setores, mas as mesmas não acontecem no quesito educacional contra o racismo. Não
foi surpresa, portanto, que alguns setores do governo, mesmo diante do diagnóstico de que as
barreiras educacionais são o principal entrave a desigualdade racial e social no país, (SILVA,
2001).220
O ministro da educação Paulo Renato de Souza resistiu duramente, assumir a
possiblidade que o problema da educação brasileira estaria ligado às questões de ordem
“racialistas”. Recusou-se aceitar, sobretudo, o caráter racial das desigualdades educacionais,
preferindo atribuir ao mau funcionamento do ensino fundamental público e a questão de renda
classe social. Para o ministro Paulo Renato de Souza (2001) o problema de acesso do negro às
universidades só poderia ser resolvido pela universalização do ensino de nível fundamental e
médio e da melhoria e da melhoria de suas condições de funcionamento, (GUIMARÃES,
2003, p. 254).
Neste total descaso pela educação pública brasileira, em 2001, Paulo Renato de
Souza, então ministro da educação, no governo de Fernando Henrique Cardoso, ao ser
informado das estatísticas de exclusão racial, em particular no ensino superior público, o
mesmo defendeu a necessidade de melhoria na educação básica e média do País. Assim,
ignorou as especificidades dos estudantes negros e indígenas. Limitando-se a pensar essas
questões pelo âmbito universal, (GUIMARÃES, 2003).
Sobre este assunto, o Prof. José Jorge de Carvalho e se inspira no alto desempenho dos
estudantes cotistas da UnB. Ele ressalta que, mesmo os estudantes cotistas dividindo o seu
tempo entre o trabalho e os estudos, ainda conseguem produzir resultados iguais ou superiores
aos estudantes não cotistas. O Prof. José Jorge de Carvalho critica o discurso da meritocracia,
que apenas se justifica pelo racismo estrutural, presente nas universidades paulistas, em
220
A referência é de Guimarães (2003). O mesmo ancora-se em: SILVA, N. do V. ExtentAndnatureof racial
inequalities In Brazil.
114
especial na USP onde a exclusão de estudantes negros, é uma prática do racismo estrutural
desvelado, (CARVALHO, UnB, 2012).221
.
O sistema racista, disfarçado na ideia de mérito, desconsidera as especificidades dos
estudantes negros e indígenas, que, apesar de suas reivindicações políticas, as cotas raciais,
veem-se encurralados sem seus direitos respeitados, (CARVALHO, UnB, 2012).222
.
Para debater este assunto, do ponto de vista jurídico, seguimos a reflexão em ROZAS,
Tudo isso leva a crer que, ao contrário daqueles que negam o caráter
racializado da exclusão dos negros do ensino superior, tal exclusão não é
apenas consequência da pobreza, mas também um dos fatores explanatórios
da maior incidência da pobreza entre os negros. É justamente aí que está o
ponto nevrálgico da manutenção do círculo vicioso a que Borges Pereira se
refere: os negros seriam mais pobres porque teriam menos instrução formal,
e teriam menos instrução formal porque seriam mais pobres.223
(ROZAS,
2009, p.57).
De acordo com a autora, grande parte dos esforços públicos que dispõe a lei, sobre as
políticas de ação afirmativa, está concentrada na concessão de benefícios garantidos pela
proporcionalidade, objetivando, possibilitar o ingresso desses estudantes historicamente
excluídos, em universidades públicas, em cumprimento ao direito da igualdade, (ROZAS,
2009).
A violência racial contra as populações negras é perpetrada pela sociedade brasileira,
mas também por indivíduos, em suas relações no cotidiano político e social, assim como pelo
próprio Estado. Existem formas diferentes de lutas no sentido de conter tais resultados que,
são por si, violentos em suas formas mais eficazes dessa perpetração, que funciona de forma
perversa e suas lutas contrárias ocorrem sempre no sentido de inverter essas políticas, ou seja,
se há comprovação da desigualdade racial instituída no Brasil, não se justifica que a sociedade
ou outros quaisquer façam tramitar ação pública contra esse direito, (BERTULIO, 2006, p.
52-53).224
Nessas circunstâncias, entendemos que o sistema jurídico-político tem o papel
estruturador na definição do lugar que as populações negras ocupam na sociedade brasileira.
Logo, as denominações pretas e pardas entre outras tantas existentes são construções
221
Ibid. 222
Ibid. 223
Disponível em: <http://www.redeacaoafirmativa.ceao.ufba.br/uploads/usp_dissertacao_2009_LBRozas.pdf
Acesso em: 26 dez. 2015. 224
Artigo: Maria Lúcia Lima Bertulio, faz parte do livro organizado pelos autores: PACHECO, Jairo Queiroz
Pacheco; SILVA, Maria Nilza da Silva (Org.). O negro na universidade: o direito à inclusão – Ministério da
Cultura – Fundação Cultural Palmares, 2006.
115
impostas, uma vez que sempre se apresentou essa opção como identificação das populações
negras, (BERTULIO, 2006, p. 52-53).
Note-se que essa padronização, até hoje, não é autoaplicável. As pessoas não
dizem sou pardo, apenas incluem-se nesse grupo como alternativa para não
se incluírem no grupo preto, no qual ironicamente identifica-se cor e não
grupo racial. Via de regra, mulato, moreno ou brasileirinho são nomes mais
utilizados na autoidentificação livre. Então, o movimento negro nacional, de
há muito, diante desse arranjo institucional e favorável ao movimento da
ideologia racista no inconsciente coletivo nacional, tem juntado os grupos
preto e pardo da nomenclatura oficial na categoria negro. Assim, em uma
linguagem racialmente consciente, branco designa os indivíduos nos quais os
traços europeus são predominantes, (BERTULIO, 2006, p.52-53).
Entendemos que negras são pessoas cujos traços negroides são preponderantes e que,
em nossa sociedade, são socialmente reconhecidos como pardos, mulatos, morenos ou pretos.
Nesse contexto, a discussão das políticas afirmativas para as populações negras, tem criado
certa mudança comportamental nos indivíduos com ascendência negra. Entretanto, os negros,
socialmente são identificados como brancos, quer pelo distanciamento entre eles e seus
ascendentes negros, quer pelo processo de miscigenação que permite “a uma família mista, ter
filhos brancos ou negros”, (BERTULIO, 2006, p.52-53).
Enfim, esses fenômenos no contexto do racismo estrutural imbuído nas relações
sociais permitem que certo indivíduo sinta-se preocupado em demonstrar parentesco com
pessoas negras na família, mas não deve esse ser motivo de afastamento entre esse indivíduo e
as políticas afirmativas, pois tal inclusão dá-se pela própria declaração; como afirma o
Professor Carvalho (2012), em uma sociedade racista como é a nossa dificilmente alguém se
arrisca se apresentar afro-descente só para ter acesso às cotas raciais.
No que tange as especificidades dos estudantes negros, a questão racial no Brasil não
recebeu a devida atenção do governo de Fernando Henrique Cardoso, na educação superior,
uma vez que, o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, recusou-se a aceitar o caráter
racial das desigualdades educacionais no Brasil. Porém, a partir da “Conferência de
Durban” (África do Sul), FHC foi convidado a assumir compromisso de olhar para a
educação brasileira, prioritariamente, para as populações negras em suas especificidades.
Conforme já discutido no capítulo anterior. Assim, somente no governo Lula as
reivindicações do MNU entram em pauta, sendo consideradas, (GUIMARÃES, 2003, 251-
254).
116
Estudos realizados pelo IPEA225
demonstram que as populações negras não estão
representadas entre os pobres, porque elas, em geral, compõem o quadro brasileiro dos que
estão abaixo da linha da pobreza. O estudo nos fornece um amplo campo de visão para esta
discussão, uma vez que o índice de rendimento das populações brancas gira em torno de 2,5%
superior ao das populações negras. Esta realidade atinge tanto os negros no segmento mais
pobre, quanto no intermediário e no mais rico das populações negras, fazendo com que
estejam em desvantagem, principalmente na educação superior pública brasileira,
(GUIMARÃES, 2003, p. 254).
No âmbito educacional nacional, o IBGE e o IPEA apontam um diferencial de 2,3
anos a mais de estudos das populações brancas em relação às populações negras. Estes
resultados ressaltam a desigualdade expressiva nas universidades públicas brasileiras,
incluindo a Universidade de São Paulo. E, ainda, tendo em vista que, a escolaridade média
dos adultos negros, no Brasil, em geral, gira em torno de seis anos. Essa situação revela a
elevação da escolaridade média de brancos em detrimento à média da escolaridade dos
negros, o que por si só explica que as políticas adotadas pela Universidade de São Paulo
(USP) não são suficientes para resolver a desigualdade racial entre negros e brancos.
Entendemos então, que o contexto, o qual se configura no presente, no interior das
universidades públicas, seja consequência dos sistemas implantados desde as primeiras
décadas do século XX, entre outras. 226
As políticas adotadas pela USP, sobretudo, o PIMESP são insuficientes, porque
possuem caráter universalista e a questão do bônus através do sistema PASUSP e
INCLUSP,227
também não resolvem a questão da desigualdade racial na USP, uma vez que,
como o PIMESP também, são ancoradas na meritocracia.228
225
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Disponível em: <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 31 dez.
2015. 226
Este termo é uma colocação de livre escolha da autora, que em sua concepção entende que a instituição
pública deve ser de uso igualmente de todos e a USP em seu contingente de estudantes brancos se assemelha a
uma instituição privada de caráter segregacionista. 227
Esclarecemos que, no decorrer deste capítulo, discutiremos questões sobre a forma de ações afirmativas na
USP e, por isso, se faz necessário refletir sobre o *INCLUSP/ *PASUSP.
* O INCLUSP - Programa de Inclusão Social da USP é o Programa de Inclusão Social da USP, criado para
incentivar a participação de estudantes de escolas públicas no vestibular, potencializarem as chances de ingresso
desses candidatos por meio de bônus (fator de acréscimo) e propiciar a permanência dos aprovados que tenham
desvantagens socioeconômicas. O INCLUSP ainda possui outra especificidade, ou seja, a partir do Programa
INCLUSP, seus organizadores criam outra ideia que é denominada parte importante do INCLUSP.
*PASUSP é um programa voltado para alunos ainda matriculados no Ensino Médio público e que cursaram o
Ensino Fundamental integralmente em escolas públicas. Tem por objetivo estimular esses estudantes a
considerar a USP como uma meta alcançável e integrá-los no processo do vestibular, ou seja, pretende mostrar
aos alunos da escola pública que a USP pode ser um projeto de vida atraente após a conclusão do Ensino Médio.
O PASUSP atribui bônus a ser utilizado no processo seletivo para ingresso na Universidade de São Paulo e
destina-se aos interessados que se enquadrem em uma das seguintes situações: I- cursaram integralmente o
117
O Professor Milton Santos também traça um paralelo entre a situação do negro na
educação do Brasil e as consequências no mercado de trabalho. Cujo ponto de partida, a
observação a partir de sua experiência na USP, aonde ele considera que um olhar lançado no
campus dispensa questionamentos se há racismo na USP, simplesmente porque não têm
negros estudando na Universidade e concorda que os negros, em geral, estão no ensino
superior privado.
E continua o Professor Milton Santos, em sua reflexão:
[...] Hoje é que o negro deixa a faculdade e não tem (emprego)... O que é um
problema diferente. E tem um papel, eu acho. Os negros se tornaram mais
ativos. Porque descobriram que a educação não é a saída. Para nós podiam
dizer, “está vendo, ele estudou, triunfou”. Hoje os negros sabem que não é
bem assim. Que isso não basta. Sobretudo porque você tem diversos tipos de
ensino. Os negros não vão para os melhores ensinos, não têm a melhor
educação. Isso acontece muito raramente. Basta ver aqui, a USP229
, que é um
deserto de negros.230
Na reflexão do Professor Milton Santos, está impressa denuncias da discriminação racial sobre
o povo negro brasileiro. Pois, o Professor reconhece que mesmo as populações negras reconhecendo a
sua realidade, que são discriminados racialmente, mesmo que lutem para se incluírem esbarram em
barreiras monstruosas construídas pelo próprio sistema de educação. O que é ainda mais grave, quando
analisamos as freses: “Os negros se tornam mais ativos”, “Porque descobrem que a educação não é
Ensino Fundamental e o 1º e o 2º ano do Ensino Médio em escolas públicas brasileiras e estão cursando, em
2015, o 3º ano do Ensino Médio em escolas públicas brasileiras; II- cursaram integralmente o Ensino
Fundamental e o 1º ano do Ensino Médio em escolas públicas brasileiras e estão cursando, em 2015, o 2º ano do
Ensino Médio em escolas públicas brasileiras.
O bônus do PASUSP 2015 incidirá sobre a nota da 1ª fase e sobre a nota final do Concurso Vestibular FUVEST
2016, nos seguintes termos: Disponível em: <http://www.prg.usp.br/?page_id=5466>. Acesso: 18 jul. 2015.
Forma de bônus PASUSP: I- bônus de 15% para os candidatos que satisfaçam as seguintes
condições: cursaram integralmente o Ensino Fundamental e o 1º e o 2º ano do Ensino Médio em escolas públicas
brasileiras e estão cursando, em 2015, o 3º ano do Ensino Médio em escolas públicas brasileiras. Para aqueles
que tenham participado do PASUSP em 2014 e obtido, pelo menos, 27 pontos na prova de 1ª fase do Concurso
Vestibular FUVEST 2015, terá um bônus adicional de 5%, perfazendo um total de 20%;
II- bônus de 5% para os candidatos que satisfaçam as seguintes condições: cursaram integralmente o Ensino
Fundamental e o 1º ano do Ensino Médio em escolas públicas brasileiras e estão cursando, em 2015, o 2º ano do
Ensino Médio em escolas públicas brasileiras; III- bônus adicional de 5% para os candidatos que se
declararem pertencentes ao grupo PPI (cor ou raça: Preta, Parda ou Indígena) e que desejarem receber bônus
por pertencer a esse grupo. Os bônus descritos aqui se aplicam somente aos candidatos não eliminados na 1ª fase
do Concurso Vestibular FUVEST 2016. Disponível em: <http://www.prg.usp.br/?page_id=5466>Acesso: 18 jul.
2015. No site a seguir encontram-se dados referentes ao levantamento IPEA/2001 elaborados por Ricardo
Henriques. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0807.pdf>. Acesso em:
03 jul. 2015. 228
Grifo da autora. 229
Disponível em: <http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/duas-entrevistas-joel-zito-araujo-e-milton-santos/>.
Acesso: 03 jul. 2015. 230
Disponível em: <http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/duas-entrevistas-joel-zito-araujo-e-milton-santos>. Acesso
em: 03 jul. 2015.
118
a saída”. Aqui esta colocada a expressividade da luta do movimento negro, uma vez que não basta
tentarem se colocar com conhecimento formal, é preciso à luta pelo fim do preconceito racial, em
geral nunca pronunciada, mas implícito nas ações.
Na reflexão do Professor Milton Santos, observamos que o mesmo procura direcionar
os olhares para a exclusão das populações negras, ressaltando a própria realidade, ou seja, o
preconceito do qual vítima, inclusive dentro da Universidade de São Paulo. O Professor
Milton Santos foi uma das poucas exceções, enquanto docente negro na imensidão que é a
USP.
Ressaltamos ainda, que a posição do Professor Milton Santos não foi à mesma da
maioria negra, pois o acesso de negros nas universidades públicas, seja enquanto discente ou
docente, sempre foi extremamente limitado. Neste contexto, as oportunidades são subtraídas
dos negros, em especial na Universidade de São Paulo (USP) onde sempre se adotou o critério
de classificação da meritocracia, seja em seus vestibulares ou nos processos seletivos para o
ingresso de docentes.
A fim de contrapor a ideia da suposta “inclusão” que a Universidade de São Paulo
afirma oferecer aos estudantes negros através dos sistemas PIMESP entre os demais métodos
por ela utilizados enveredamos por uma análise de Ricardo Henriques (2001). Se analisarmos
a rigor os dados disponibilizados na referida tabela, temos subsídio o suficiente compreender
essa discussão segregacionista nas universidades públicas brasileiras, em especial na USP.
Antes de nos expressarmos sobre esta analise produzida a partir das universidades
públicas, nos atentemos para um dado apresentado também em 2001, no mesmo estudo:
Entre o total de estudantes universitários de todo o país, 97% são brancos, 2% são
negros e 1% representa as etnias, amarela, vermelha e outras. Entendemos que este dado seja
inclusive, motivo de vergonha, uma vez ele que representa um país que, já em 2000-2001,
mais de 40% da população se declara negra ou afrodescendente, e em 2015 mais de 53% da
população brasileira se declara negra ou afrodescendente.
Apesar da evidencia que estas estatísticas nos apresentam, não são suficientes para
sensibilizar os dirigentes das universidades paulistas, em particular a Universidade de São
Paulo (USP), onde o sistema de avaliação, como já dito, continua sendo a meritocracia.
Infelizmente, este sistema não serve para medir desempenho, ele é suficiente apenas para
barrar os estudantes negros e indígenas do ensino público superior.231
A seguir refletimos sobre o diagnostico apresentado por (HENRIQUES, 2001), em um
quadro expressivo acerca da desigualdade racial instituída no País, em uma análise, a partir
231
Grifo da autora.
119
das informações colhidas em domicílios e, extraídas através da PNAD232
, realizada entre 1999
a 2000 e publicada em 2001. E, posteriormente avaliamos o segmento até 2013 e 2014.
Tabela 1 - Distribuição dos estudantes segundo a cor entre as universidades do quadro
em 2001
UFRJ UFPR UFMA UFBA UNB USP
Branca 76,8 86,5 47 50,8 63,7 78,2
Negra 20,3 8,6 42,8 42,6 32,3 8,3
Amarela 1,6 4,1 5,9 3 2,9 13
Indígena 1,3 0,8 4,3 3,6 1,1 0,5
Total 100 100 100 100 100 100
FONTE: Censo Étnico/Racial da USP/IBGE – 2000.
Os demais estudos que seguem após o ano de 2001, embora não sejam referentes
especificamente às universidades públicas apresentam mapeamento geral sobre o total dos
estudantes de todo o Brasil, até 2013. Quando 40,7% da população negra brasileiras na faixa
etária de 18 e 24 anos estão matriculados em algum curso de ensino superior, o percentual de
universitários brancos, em 2013, corresponde a 69,4%.233
Uma análise geral sobre o total dos candidatos inscritos no sistema de vestibular
FUVEST/USP em 2002 nos apresenta um abismo a partir de um olhar para equidade na
educação do País. O total de candidatos inscritos em todas as áreas para a FUVEST naquele
ano representaram 3,1% de negros autodeclarados, deste total geral 1,4% representa a
realidade dos negros aprovados no exame da FUVEST/2002, os pardos representaram 11,4%
dos inscritos e 7% dos aprovados. Enquanto os brancos, respectivamente, correspondem a
80,5% inscritos e 77,5% dos aprovados. E, para a área de medicina, os negros representavam
1,6% dos inscritos e 0,5% dos aprovados, pardos 7% inscritos para 4,5% dos aprovados, e o
restante é dirigido em grande parte aos brancos.234
(OLIVEIRA, 2003, p.17).
233
Ana Carolina Moreno. “Número de negros na faculdade em 2013 é menor que o de brancos em 2004”.
Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/12/n-de-negros-na-faculdade-em-2013-e-menor-
que-o-de-brancos-em-2004.html>. Acesso em: 15 dez. 2015 234
Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. MEC/INEP – Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003.
120
Podemos verificar que houve um crescimento de universitários negros no Brasil, no
entanto, o recorte racial apresenta uma desigualdade nesse crescimento, pois, em 2013, 40,7%
dos estudantes eram negros, enquanto o público estudantil branco com a mesma idade
corresponde a 69,4%, (OLIVEIRA, 2003).
Para uma interpretação do presente, analisamos os dados de 2002, quando estudos do
PNAD/IBGE235
se apresentam com o seguinte dado: entre os estudantes brancos matriculados
em algum curso universitário no referido ano (2002) o percentual corresponde a 43,4%, e, em
2012, este percentual saltou para 66,6%. Em 2002, o percentual de negros e pardos em algum
curso superior corresponde a 12,2% e, em 2012 este índice saltou para 37,4%. Embora as
populações negras sejam maioria no Brasil, ainda são profundamente atingidos entre os
índices de desenvolvimento educacional, mediado pela falta de justiça social que impera entre
os sistemas da instrução pública, sobre todos os níveis e aspetos. 236
O resultado do Censo IBGE, sobre o recorte temporal de dez anos, ou seja, entre 2002
e 2012 publicados em 2013, versa sobre a desvantagem dos negros em relação aos brancos.
Num espaço de tempo de apenas dez anos, ou seja, entre os anos 2002 e 2012, a população
negra, em todo o Brasil, não conseguiu se aproximar do percentual de brancos universitários
observado no ano de 2002 e 2012, mesmo em termos gerais, sendo mais numerosa do que a
população branca em todo o Brasil, configurando-se uma discrepância cada vez mais
acentuada, grosso modo vexatória.237
O mesmo estudo traz à tona que, boa parte dos negros brasileiros não consegue entrar no
ensino superior na idade própria como acontece com a maioria das populações brancas, pois
muitos estudantes negros na faixa etária, entre 18 e 24 anos ainda estão matriculados no ensino
médio, quando o ideal da escolaridade dos jovens, na idade citada (18-24) é estarem já
matriculados no ensino superior, 238
E, também no levantamento do IBGE, em 2013, a porcentagem de pretos e pardos nessa
faixa etária mencionada (18-24) matriculados no ensino médio é de 43,4%, enquanto que os
estudantes brancos o percentual é de apenas 22,4%.239
Vale ressaltar que, de acordo com o referido estudo, o baixo desempenho educacional
atinge também a população estudantil negra nos primeiros anos de escolarização.
235
Disponível em <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 01 nov. 2015. 236
Grifo da autora, com fundamento na análise em questão. 237
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Estudo divulgado em 29/11/2013. Acesso em: 01jan. 2016. 238
Grifo da autora, segundo análise estatística IBGE, 2013. 239
Ana Carolina Moreno. “Número de negros na faculdade em 2013 é menor que o de brancos em 2004”.
Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/12/n-de-negros-na-faculdade-em-2013-e-menor-
que-o-de-brancos-em-2004.html>. Divulgado em 29/11/2013. Acesso em: 29 dez. 2015.
121
De acordo com estatísticas do IBGE/PNE (Plano Nacional de Educação), os
candidatos para o vestibular FUVEST, no ato da inscrição de 2013, 4,3% ao se inscreveram se
autodeclararam pretos, 15,1% pardos, 5,1% amarelos e 0,2% indígenas. E, no momento da
matrícula, a presença de pretos e pardos passa a ser menor. Entre os estudantes que efetivaram
matrículas em 2013, 2,4% são pretos, de acordo com informações da FUVEST. “Os pardos
compõem 11,3% dos calouros, os amarelos são 7,5% e os indígenas formam 0,2% dos
alunos” e as demais vagas têm predominância de brancos.240
240
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 29 dez. 2015.
122
CAPÍTULO III A ORIGEM DAS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA
NO BRASIL, UM LEGADO DOS EUA
A discussão sobre as políticas de ação afirmativa no Brasil surge a partir influência de
sua prática nos Estados Unidos, onde essa questão ainda se constitui enquanto referência na
história daquela sociedade, na atualidade. E, aparece em nossa cultura acompanhada por
diversas interpretações, refletindo as variadas formas de como o debate é colocado em ação na
sociedade brasileira, (MOEHLECKE, 2002). 241
Como no Brasil, os negros nos Estados Unidos também não foram agraciados com as
políticas de ação afirmativa, sem que antes tenham se articulado pela implementação das
referidas políticas, as quais visam à equidade entre negros e brancos, frente as perdas que os
negros sofreram pelo processo de escravidão, tanto nos EUA quanto no Brasil. Eessas
políticas advêm de acirradas lutas e imposições do movimento negro, em ambos os países.
Neste sentido, as instituições e os organismos governamentais estadunidenses, só resolvem
constituir as políticas de ação afirmativa a partir de pressão do movimento negro. O qual não
242abria mão em suas reivindicações, de que os negros fossem atingidos pelos mesmos direitos
direcionados aos brancos. Suas pautas eram ancoradas nas seguintes exigências: à proteção de
grupos em desvantagem social, em consequência da exclusão cometida pela exploração
escravista naquele país, (MOEHLECKE, 2002).
Um dos principais movimentos contra as leis segregacionistas nos Estados unidos
aconteceu em Montgomery, capital do Alabama, onde as primeiras filas dos ônibus eram, por
lei, reservadas para passageiros brancos, nas quais, os negros só podiam sentar-se na ausência
de passageiros desses passageiros. Atrás vinham os assentos nos quais os negros poderiam
sentar-se. Assim, no dia 1° de dezembro de 1955, Rosa Parks, ao entrar no ônibus, no qual
fazia uso habitualmente no deslocamento entre sua casa e o trabalho, já na volta do trabalho,
sentou-se em um dos lugares situados ao meio do ônibus, destinados exclusivamente ao uso
de pessoas brancas. E, durante o percurso, quando entraram os passageiros brancos, o
motorista (branco) exigiu que Rosa Parks e os outros três negros que estavam sentados
próximo à Rosa, se levantassem para ceder os lugares aos passageiros brancos, conforme a lei
em vigor. Entretanto, Parks se recusou cumprir a determinação do motorista e continuou
241
Disponível em: <www.scielo.br>. Acesso em: 31 dez. 2015.
123
sentada. Motivo que culminou em sua prisão por desacato à legislação segregacionista
daquele país. 243
Na ocasião, Martin Luther King junto com o Conselho Político Feminino, enquanto
Park estava presa, lideraram o Movimento que ficou conhecido por “Boicote”. O qual durou
aproximadamente um ano. Na época, o contingente de negros (as) naquele Estado
representava cerca 70% do total da população do Alabama e o Movimento “Boicote” contou
com a participação maciça dos negros que, passaram a andar a pé, de bicicletas, automóvel
próprio, carona, menos de transporte público, (CARDOSO, 2008).
Em 13 de novembro de 1956, a Suprema Corte dos EUA decreta a ilegitimidade das
leis segregacionistas em Montgomery e no estado do Alabama, fazendo cessar o movimento
Boicote. Em 20 de dezembro de 1956, Martin Luther King anuncia o fim do referido
movimento. Mas, os outros movimentos seguiram em lutas por outros direitos sociais,
inclusive com participação de Rosa Parks, (CARDOSO, 2014, p.8-9).
Neste contexto, um dos primeiros reconhecimentos e legitimidade dessas
reivindicações, pós o Boicote, foi o Ato nº 10.925, de 10 de março de 1961, instituído pelo
presidente John Kennedy, responsável por iniciar e implementar a Comissão Presidencial
sobre Igualdade no Emprego. Naquele período, essas novas medidas são articuladas nos EUA
em reconhecimento à mobilização dos negros em lutas, a qual ganhou dimensão em todo o
país, culminando com outros direitos, entre eles, a reserva de vagas na educação superior,
conhecidas por Cota Racial, (CARDOSO, 2014, p.8).
Rosa Parks, por sua resistência contra a segregação que repercutiu em todo o país, foi
a grande percursora dessa luta, promovendo forte entusiasmo no Conselho Político Feminino,
o qual se fortificou e contribuiu significativamente com o movimento Boicote de ônibus
urbanos no Alabama, entre outros. E, Rosa Park ficou conhecida como a "mãe dos
movimentos pelos direitos civis" nos EUA. Pois, logo após ser libertada da prisão, assumiu a
liderança desses movimentos e, junto com Luther King deram novas características à
realidade dos negros estadunidenses. 244
As lutas dos negros nos EUA foram necessárias para então, transformar e modificar
positivamente aquela realidade. Refletimos a seguir:
243
Michael Kleff. Disponível em: <http://www.dw.com/pt/1955-rosa-parks-se-recusa-a-ceder-lugar-a-um-
branco-nos-eua/a-340929>. Acesso em: 01 já. 2016. 244
Ibid.
124
Em junho de 1999, o então presidente Bill Clinton condecorou Rosa Parks,
então com 88 anos, com a medalha de ouro do Congresso norte-americano.
Durante a cerimônia da condecoração, Clinton acentuou que Parks foi capaz
de lembrar aos EUA que a promessa de liberdade vinha sendo apenas uma
ilusão para milhares de cidadãos do país. Em seu discurso de agradecimento,
Parks ressaltou que a homenagem deveria servir para encorajar todos os que
lutam pela igualdade de direitos em todo o mundo.245
Rosa Park faleceu com mais de 90 anos de idade e, sempre se demonstrou orgulhosa
diante do feito que realizou antes dos 23 anos de vida, deixando seu legado para as gerações
futuras em todo o mundo.246
As políticas afirmativas no Brasil têm como objetivo planejar, implementar e atuar no
sentido de propiciar reparação a “certos tipos de pessoas” ou grupos que tenham sido
submetidos a qualquer situação de exclusão social, racial ou outros. Sejam, empregos, escolas
ou em qualquer outro setor no âmbito social brasileiro. Santos (2004) afirma que, as decisões
das políticas afirmativas, ou seja, a cota racial deve ter a finalidade de romper com as
tradições de reserva dos espaços de poder unicamente para brancos, a partir das vagas
universitárias públicas, (SANTOS, 2004); (MOEHLECKE, 2002, p.198-199).
No Brasil, este é um fenômeno muito recente na ideologia antirracista, tendo fins
objetivos definidos tanto quanto nos países que as conceberam e as implantaram antes de nós,
como Índia, Canadá, Alemanha, Estados Unidos, Malásia, Nova Zelândia, entre outros. Em
todos estes países se procurou formas de compensação material ou cultural e outros, advindos
do racismo, oferecendo aos grupos ‘discriminados e excluídos’ um tratamento diferenciado
para compensar as desvantagens à sua situação de vítima do racismo e de outras formas de
discriminação. (MOEHLECKE, 2002, p.198-199).
Desta ideia, surge à terminologia “equaloportunity policies”, ou seja, ação afirmativa,
ação positiva, discriminação positiva ou políticas compensatórias. Em nossa sociedade, tais
termos causam estranheza, no entanto, é uma forma simples de separar o que foi prejudicado
pela diferença, para compensar a diferença a ele imposta, por consequência do preconceito
racial e da discriminação negativa dele decorrente, (MUNANGA, 2003).247
Entretanto, no Brasil, esse movimento não é recente entre a ideologia das populações
negras, que se reflete na organização da Frente Negra Brasileira (FNB), na segunda década do
século XX. Assim, Abdias Nascimento e os demais membros do Movimento Negro Unificado
245
Ibid. 246
Grifo da autora, com base no artigo de Michael Kleff – Acessado em 01 de janeiro de 2016. 247
MUNANGA, Kabengele. Política de Ação Afirmativa em Benefício da População Negra no Brasil – Um
Ponto de Vista em Defesa das Cotas. Revista espaço Acadêmico, v. II, n. 22 p. 1, março de 2003.
125
(MNU) reivindicaram que essa luta no Brasil fosse reconhecida a partir de Zumbi dos
Palmares.
Neste contexto, a partir da luta do MNU, que se organiza nacionalmente em prol de
reconhecimento, entram em questão as reivindicações das políticas de ação afirmativa. Elas
“assumem desenhos diferentes”, a serem determinados de acordo com a legislação, governo
ou instituição. Sendo que, a mais conhecida é a lei de cotas, cujo objetivo demanda sobre o
percentual “a ser ocupado na era específica por grupo (s) definido (s). Mas, este sistema, pode
se concretizar de maneira proporcional ou não, e de forma mais ou menos flexível”, nas quais
suas especificidades precisam ser observadas e respeitadas para se promover políticas
públicas realmente inclusivas. Tais políticas consistem em superar a desigualdade através da
educação pública superior e também pelos programas do governo, como o PROUNI.
(MOEHLECKE, 2002, p. 200).
[...] ações voluntárias, de caráter obrigatório, ou uma estratégia mista;
programas governamentais ou privados; leis e orientações a partir de
decisões jurídicas ou agências de fomento e regulação. Seu público-alvo
variou de acordo com as situações existentes e abrangeu grupos como
minorias étnicas, raciais, e mulheres. As principais áreas contempladas são o
mercado de trabalho, com a contratação, qualificação e promoção de
funcionários; o sistema educacional, especialmente o ensino superior; e a
representação política, (MOEHLECKE, 2002).
A autora usa o termo “ações voluntárias” porque o sistema de políticas afirmativas, no
Brasil, varia de acordo com a interpretação dos dirigentes das universidades públicas, ou seja,
são ações que caracteriza certa liberdade para sua realização, entretanto, são obrigatórias,
(MOEHLECKE, 2002).
Em 13 de maio de 2002, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,
assinou o decreto nº 4.228, que instituiu, na esfera da administração pública federal, o
Programa Nacional de políticas de Ação Afirmativa e de outras providências. O que consiste
em atendimento a outras formas de inclusão social, além da reparação aos negros brasileiros
que, no decreto, são tratados por afrodescendentes. No mesmo decreto, em seu Art. 3o,
instituiu o Comitê de Avaliação e Acompanhamento do Programa de Ação Afirmativa, que
determina a adoção de medidas administrativas e de gestão estratégica destinadas a
implementar os programas de políticas afirmativas, com objetivos definidos e capazes de
promover justiça social a partir de amplas medidas de políticas de inclusão.248
248
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4228.htm>. Acesso em: 12 dez. 2015.
126
No Brasil, as políticas afirmativas não são privilégio de discussão apenas da educação,
ao contrário, desde os anos 1980 se configuravam na pauta do MNU. Inclusive Jupiara Castro
nos informa que este foi um dos motivos de suas longas viagens pela Confederação das
Universidades, que se iniciou logo após a organização do NCN.
Ao analisarmos o “Dossiê do Governo Lula”, entre outros que seguem nesta discussão,
documento elaborado pela Professora Márcia Lima, do Departamento de Sociologia da USP,
vimos que a professora enfatiza as ativistas do movimento negro feminista, na década de
1980, que exercem forte pressão neste debate. Os demais ativistas se mobilizam por direitos
de atendimento específico, e os ativistas masculinos se mobilizam no campo acadêmico,
tendo esses sido iniciados por Carlos Hasenbalg, Nelson do Vale Silva e Elza Berquó.
As políticas afirmativas na saúde antecedem o acirramento das lutas pelas políticas
afirmativas da educação. A Professora Márcia Lima fundamenta-se na IV Conferência
Mundial sobre a Mulher em Beijing, reflete sobre políticas específicas, em especial na área da
saúde para negros, negras e descendentes. (RIBEIRO, 2014, p.76-79).249
A construção de uma agenda de direitos em saúde pelas mulheres
negras contribuiu para o desenvolvimento de argumentos em defesa de
ações específicas. Também foram relevantes na consolidação desse
processo a V Conferência Mundial de População e Desenvolvimento
(Cairo, 1994) e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing,
1995250
(LIMA, 2010).
Estas políticas públicas na saúde, no âmbito federal, se destacam quando ganham
legitimidade pela Constituição de 1988, sendo considerado um “marco histórico”, asseguram
o direito ao promoverem mudanças sociais no país. Entretanto, tais direitos permanecem
apenas na Constituição Federal e o movimento negro continua na luta para colocá-los em
prática, o que acontece lentamente no governo FHC e se expande no governo Lula; ainda
assim, a mortandade das populações negras continua alarmante. (LIMA, 2010, p.8).
No decorrer de muito tempo, o mito da democracia racial funcionou como fundamento
para a permissividade das práticas racistas e discriminatórias contra as populações negras
brasileiras. Tal prática pode ser observada a partir de um olhar na forma como se elaborou e
se conduziu a educação deste País, quando se valorizavam as culturas “eurocentristas” em
249
RIBEIRO, Matilde. Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil. (1986-2010). Rio de Janeiro:
Garamoud Universitária, 2014. 250
MÁRCIA LIMA, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo e pesquisadora
associada ao Centro de Estudos da Metrópole do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEM -
CEBRAP). (Dossiê do Governo Lula, Nº 87). Disponível em: <www.scielo.br>. Acesso em: 21 dez. 2015.
127
detrimento às culturas negras, que, no máximo, entravam para os currículos escolares como
“expressão folclorista”, (CARDOSO, 2008, p. 59-60).
Nesse sentido, a redemocratização no Brasil, enquanto processo recente está mediado
por lacunas a serem preenchidas, dentre as quais se sobressai à permanência de características
não mutáveis inerentes aos indivíduos. Então, para que haja mudanças neste cenário, não pode
ser quesito de influencia em nenhum dos âmbitos da sociedade brasileira, a cor da pele, as
características físicas dos indivíduos, entre outras formas de identificação, (LIMA, 2010).
Entendemos que, enquanto a sociedade for influenciada pelos preconceitos, pela
definição das características físicas dos indivíduos, as oportunidades nos espaços de poder,
que abarca desde o desempenho educacional até a oportunidade de trabalho, os cuidados com
a saúde, entre outros, não podemos nos pensar enquanto uma sociedade plenamente inclusiva
e desenvolvida. Estamos, pois, em um Brasil que mede a capacidade humana a partir dos
traços físicos, influenciando, assim, na progressão da carreira profissional, no acesso ao
ensino superior, na participação na vida política, entre outros, (LIMA, 2010).
Nos últimos anos, diversos órgãos públicos apresentam dados substanciais sobre
discriminação e desigualdades em diferentes áreas. A divulgação desses dados tem
repercussão nacional e internacional, forçando os organismos públicos brasileiros a
contemplar esta questão, adotando medidas para combater o preconceito, o racismo e a
discriminação, (LIMA, 2010).
Contudo, na prática, existem controvérsias sobre quais seriam as soluções mais
adequadas para resolver tais questões. Daí a necessidade das políticas de ação afirmativa
como resposta ao problema, as quais recebem designações diversas, tais como: reserva de
vagas, ação afirmativa, política compensatória, cotas raciais, entre outras, (RIBEIRO, 2014, p.
254-259).
3.1 A Lei nº 10.639, as Ações Afirmativas, o Governo Lula e o NCN/USP
A Lei nº 10.639/2003 que altera a Lei nº 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), de 20 de dezembro de 1996, pode ser considerada uma das primeiras
políticas de ação afirmativa no âmbito educacional brasileiro no que tange à inclusão das
populações negras brasileiras. O ensino de História e Cultura Afro-brasileira tornou-se
obrigatório nas escolas de ensino fundamental e médio de todo o Brasil. Pode ser
contemplado no ensino superior como medida para preparar os estudantes das licenciaturas
128
que têm a responsabilidade de disseminá-la por meio do ensino na educação formal ou
informal do país, através do ensino. 251
A implementação da Lei 10.639 é uma das mais altas conquistas do Movimento Negro
Unificado (MNU), no que se refere à educação inclusiva, no entanto, foi necessária a
contribuição e a sensibilidade do primeiro presidente brasileiro com raízes nas lutas sindicais
do operariado do ABC paulista. (CARVALHO, UnB, 2012).
Durante a entrevista com Jupiara Castro NCN/USP, conversamos sobre a lei no
10.639/2003 quando também discutimos um comentário de Carvalho (2012), proferido
durante o Seminário sobre Cotas Raciais e Cultura Étnico-racial no Instituto Federal do Rio
Grande do Norte (IFRN), em 02 de agosto de 2012. No seminário, Carvalho discorreu sobre a
qualidade do texto, por ser curto e objetivo; com uma redação bem elaborada conseguiu a
adesão do Congresso Nacional. Segundo ele, se tivesse sido profundamente analisado, muitos
congressistas conservadores não a teriam assinado, porque “infelizmente temos um Congresso
formado por pessoas racistas”, (CARVALHO, 2012).252
.
Tivemos, então, a oportunidade de mais uma vez, ouvir a opinião de Jupiara Castro a
respeito da emenda da Lei no 10.639/2003. E, Jupiara diz acreditar que, realmente, grande
parte do Congresso Nacional não deve ter se atentado ao teor da redação da referida lei.
Segundo ela, muitos realmente a assinaram sem conhecer a dimensão política e as
contribuições que essa emenda daria à história do Brasil, promovendo, assim novos rumos
para as negras e os negros brasileiros, (CASTRO, 02/10/2015, em São Paulo).
A seguir refletimos sobre o que disse Jupiara Castro, em entrevista para esta
dissertação, em 02/10/2015, em São Paulo, acerca da aprovação da Lei 10.639.
Alguns parlamentares eu acredito que votaram conscientes para a
aprovação dessa lei 10.639, mas a maioria não. Em primeiro lugar, por
ignorância. E, em segundo lugar por arrogância deles, que levaram a
subestimar a relatora da lei, penso que por ser mulher e especialmente por
ser negra. A Profa.. Dra. Petronília Beatriz – é uma estudiosa, uma
intelectual na área da educação, hipercompetente. A Petrô como sempre
mostra que nós mulheres negras somos capazes. A Petrô sempre esteve
apoiando o NCN, embora ela esteja a mais de trezentos quilômetros de
distância, em São Carlos. Mas, sempre nos apoiou, sempre, sempre...Uma
mulher que sempre está à frente das lutas dos negros e das negras pelos
direitos civis. É isso, a Petrô no Conselho Nacional de Educação fez uma
redação maravilhosa e a emenda da lei 10.639/2003 contribuiu e contribui
muito na discussão que ocorre ainda nos dias de hoje, mudou o rumo de
251
Debate mesa redonda no Anfiteatro da Geografia - USP, em 19 de abril de 2013, com Petronilha Beatriz
Goncalves e Silva e Nilma Lino.
129
nossa história, a partir da conscientização de nossa história, de nossa
cultura na educação.253
Para Jupiara Castro, a facilidade da aprovação da emenda da Lei 10.639, dar-se,
principalmente pelo machismo e arrogância dos deputados, no Congresso Nacional, contra as
mulheres, porque as subestimam. Em especial, no caso da Professora Petronilha Beatriz por
se tratar de uma mulher negra, ou seja, uma situação de dupla discriminação.
Conforme afirmação de nossa entrevistada, (Jupiara) observamos que a articulação do
movimento negro se fortalece em prol das políticas afirmativas desde o governo FHC, pelo
menos nos discursos. Entretanto, a ampliação e implementação ocorre somente no governo
Lula, em 2003, a partir da aprovação da referida emenda conhecida por Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), 9394 de 1996 que foi alterada para a Lei nº 10.639/2003.
De acordo com Carvalho (2012), da Antropologia da UnB254
, essa foi uma das ações mais
importantes tomadas pelo então Presidente Lula, afirmou.
De acordo com Antônio Sergio Alfredo Guimarães (USP), a concepção da Lei nº
10.639 sancionada pelo então presidente Lula fortaleceu as lutas dos movimentos negros. A
partir de sua implementação, ocorre à discussão na academia, na mídia, em aulas nas escolas
em geral, ainda que de forma precária. O efeito político para as populações excluídas da
sociedade brasileira foi imediato. (GUIMARÃES, 2003), (CARVALHO, 2012/2013) 255
.
A partir da aprovação da Lei nº 10.639/2003 e de sua prática no cotidiano da
sociedade, acirraram-se os debates sobre as cotas raciais. Nesse sentido, após um ano da
implementação da Lei 10.639/2003, no dia 28 de abril de 2004, o então Presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da mensagem de nº 025, anuncia o Projeto
3.627/2004256
, no qual expressa a necessidade de outras políticas afirmativas que pudessem
incluir as populações negras no ensino superior. Pois, reconhecia-se que só o debate não era o
suficiente, era então preciso a provação das cotas raciais entre outras políticas de inclusão.
Retomamos a discussão acerca do texto inicial da lei no 10.639/2003, juntamente com
a análise de nossa entrevistada, podemos observar que o conteúdo programático do estudo da
História da África e das culturas negras brasileiras e as lutas dos negros, sejam considerados
no currículo nacional. Pois, esta significa uma contribuição no conhecimento sobre a história
dos povos de origens africanas e não apenas na valorização das culturas Europeias como
253
Jupiara Castro em entrevista para esta pesquisa em 02/10/2015, em São Paulo. 254
Disponível em: <www.youtube.com.br. Acesso em: 01 jan. 2016. 255
Ibid. 256
Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 01 out. 2015.
130
sempre o foi, no currículo nacional. Isso porque há o sentido de resgatar e reconstruir a
história do povo negro nos diversos ângulos e setores da sociedade brasileira, principalmente
sua participação na construção da história do Brasil, até então ignorada, pois apareciam
somente nos discursos historiográficos, sem a participação dos sujeitos ativos e participativos
do discurso histórico, (PACHECO; SILVA, 2004).
A partir da discussão da Lei nº 10.639/2003, uma nova forma de articulação entre o
movimento negro entra em conformidade com o Estado, ou seja, representantes do
movimento e organizações nacionais e internacionais se articulam pela luta das políticas de
ação afirmativa. Essa luta está em conformidade com a reserva de vagas universitárias para as
populações negras, ao se relacionar efetivamente com órgãos-chave da administração federal,
responsáveis por implementar as políticas afirmativas que atendam aos interesses dos negros
brasileiros, (GUIMARÃES, 2003).
Neste sentido quisemos também ouvir a opinião de nossa entrevistada e, principal
sujeito histórico e social, Jupira Castro, sobre a relação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, com a aprovação da emenda da Lei 10.639. Se de fato ele estaria ciente do teor do
documento que resultou na Lei no 10.639/2003, ou seja, se o mesmo teria consciência da
interpretação da redação dessa emenda de Lei, e Jupiara Castro responde o seguinte:
O presidente Lula... (sorriso). Sim, ele sabia... (silêncio) - Acredito que sim,
ele sabia sim. Uma coisa que ninguém pode negar ou tirar dele é a
inteligência. O ex-presidente Lula é um homem muito inteligente, muito,
muito... Mas ele foi muito apoiado pelo Movimento Negro e pelos negros
que, mesmo não estando ligados ao movimento negro, acreditaram que o
presidente Lula lhes representava. E, Lula também foi pressionado naquele
momento pela mobilização dos intelectuais negros e outros. Assim, ele
incorporou as reivindicações apresentadas. Não podemos esquecer que
nada foi nos dado, cada pedacinho, cada coisa foi conquistada com muita
luta das negras e dos negros que há muito vinham exigindo políticas de
Estado para esta parcela da população que ao longo da existência desse
imenso país foram alijados dos direitos mais elementares enquanto
cidadãos. Mas, precisou da mão do ex-presidente Lula.257
Depois, a entrevistada seguiu comentando que tudo que o ex-presidente Lula fez
foi em atendimento às reivindicações do MNU, mas afirmou: “temos de reconhecer que o ex-
presidente Lula fez em conjunto com o movimento negro tudo que nenhum doutor se propôs
fazer por nós negros durante toda a história do Brasil”.
257
Jupiara Castro em entrevista para esta pesquisa em 02/10/2015, em São Paulo.
131
Então, os nomes dos doutores que a entrevistada fazia referência e sua resposta
segue: sabe aquele cidadão que foi professor daqui da USP e também foi presidente do
Brasil? Ela não quis citar o nome da pessoa a quem se referia. Então, questionamos: estamos
falando de FHC? Jupiara respondeu: sim dessa pessoa que tem esse nome aí mesmo. E, por
fim Jupiara diz que a única coisa que se lembra “dessa pessoa” (se referindo de novo a FHC),
ter feito em prol dos negros dentro da USP foi se reunir com alguns professores em uma
audiência com o reitor a fim de resolver um problema do Professor Milton Santos.
Mas, seguimos o rumo de nossa conversa, afinal havia muito ainda para saber e
o tempo era precioso diante das informações que precisamos colher para esta realização. Pois,
em conversa informal anterior, já tínhamos sido brevemente informados acerca da influencia
do NCN na criação das leis de inclusão das populações negras. Assim questionamos as
formas como isso dá e Jupiara Castro nos respondeu:
Naquele momento, fizemos uma parceria com o então Deputado Paim, Luiz
Alberto, no Congresso Nacional para introduzir esta pauta no Congresso
Nacional. Tanto Paim como Luiz Alberto se empenharam em nos atender. O
primeiro do Sul e, o segundo, baiano, com a mesma origem sindicalista de
forma acolhedora e sensível à questão racial, por serem negros também,
eles são os políticos que em conversa com o Movimento Negro se
propuseram a representar naquele espaço a pauta da população negra.
Como você sabe a luta do povo negro no Brasil não teve início na
universidade. Desde o momento que fomos arrancados da África, lutamos e
resistimos. Nossa resistência criou os diversos quilombos, fizemos diversas
revoltas, pelas políticas adotadas, que nos “coisificaram”, que tentaram nos
desumanizar, que quiseram quebrar a nossa capacidade de luta. Portanto,
as ações afirmativas buscam responsabilizar o Estado de Direito, pelas
mazelas que nossos antepassados enfrentaram aqui, e também estes dois
políticos negros, articulam as políticas de ações afirmativas dentro do
Congresso que representa os negros aqui no NCN e fora daqui, sobre as
cotas raciais que, são cruciais para a permanência deles, embora a USP se
nega atender, ter esse reconhecimento.258
O MNU, no NCN representado por Jupiara Castro, consegue elevar a pauta das
reinvindicações dos negros de forma sutil, ágil e prática, através da representação política nos
órgãos, aos quais cabem, sua votação e aprovação até ser sancionado pelo presidente da
República, o que também já estava em negociação.259
A implantação de um plano de ação para a reestruturação da educação universitária
pública democrática, entre outras medidas para a educação étnico-racial, em grande parte se
deve ao esforço do MNU e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pois, o então
259
Grifo da autora, fundamentada na citação de Jupiara Castro.
132
Presidente Lula manteve aberto o acesso às reivindicações do MNU, inclusive articulando o
Grupo Interministerial, visando o “desenvolvimento e democratização das Instituições
Federais de Ensino Superior – IFES”. 260
O Grupo de Trabalho Interministerial fora criado por Decreto de 20 de outubro de
2003, em sua composição estavam presentes: membros da Casa Civil e da Secretária-Geral da
Presidência da República e dos Ministérios da Ciência e também da Tecnologia, do
Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e da Educação, e tem o objetivo de juntos,
pensar e elaborar documentos capazes de enfrentar a crise atual das universidades federais,
mas, cabia também, “orientar o processo de reforma da universidade brasileira, para fazer dela
um instrumento decisivo da construção do Brasil ao longo do século XXI”.261
Refletimos no trabalho do Grupo Interministerial, no que tange as primeiras medidas
elaboradas para o enfretamento urgente do ensino público superior,
[...] A primeira apresenta o elenco de ações emergenciais para o
enfrentamento imediato da crítica situação das universidades federais. A
segunda ressalta a necessidade da efetiva implantação de autonomia à
universidade federal. A terceira parte aponta para linhas de ação imediata,
que possam complementar recursos e ao mesmo tempo propiciar um
redesenho do quadro atual. A quarta indica as etapas necessárias para a
formulação e implanta da reforma universitária brasileira.262
Como vimos acima, as medidas para a inclusão racial e social no governo do ex-
presidente Lula foi de suma importância para fazer decolar as políticas afirmativas e provocar
o debate em todos os âmbitos da sociedade brasileira, em particular nas universidades
públicas, em geral. 263
Assim, outros Projetos de Lei foram apresentados como o de nº 615/04, nº 1313/03 e o
nº 73/99, os quais tramitaram no Congresso Nacional aguardando aprovação, sendo que quase
todos os projetos de inclusão racial e social. Sobremaneira, esses projetos são atendidos com a
decisão do STF favorável à adoção das cotas raciais e sociais e depois com a aprovação da lei
12.711.2012. Todos partem do interesse em promover políticas de ação afirmativa para
estudantes negros, indígenas e estudantes pertencentes à família de baixa renda, nas
universidades, faculdades e institutos federais. 264
260
Jupiara Castro em entrevista para esta pesquisa em 02/10/2015, em São Paulo. 261
Disponível em: <www.sintunesp.org.br>. Acesso em: 31 dez. 2015. 262
Ibid. 263
Jupiara Castro em entrevista para esta pesquisa em 02/10/2015, em São Paulo. 264
Ibid.
133
O Projeto de Lei nº 3.627/04 partiu de estudos do Grupo de Trabalho Interministerial,
constituído pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a Secretaria Especial de Políticas
de Promoção de Igualdade Racial (SEPPI). Nesse grupo se fez presente entidades de classe de
professores e estudantes, que de algum modo estão envolvidas com a luta contra o racismo e a
discriminação dos povos negros, assim como de estudantes pertencentes à família de baixa
renda e depois, por reinvindicações dos indígenas, também foram incluídos.
[...] desde 1967, o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial da Organização das
Nações Unidas ONU. Na Convenção, o Estado brasileiro comprometeu-se a
aplicar ações afirmativas como forma de promoção da igualdade, para a
inclusão de grupos étnicos historicamente excluídos no processo de
desenvolvimento social. (SILVÉRIO, 2006, p.48) 265
.
Valter Roberto Silvério foi o relator do PL 73/99, aprovado em 2004, e presidiu a
comissão do mesmo. Em 21/09/2004, participa de audiência pública com o Secretário de
Educação Superior do Ministério de Educação (MEC), Nelson Maculan. Ocasião em que foi
informado de que muitas universidades e instituições federais de ensino superior estavam
“sofrendo ações judiciais” por parte das classes dominantes, quando o mesmo compromete-se
atender outras universidades públicas interessadas em aderir ao sistema de ação afirmativa.
Pois, grande parte ainda tinha dúvida quanto ao procedimento de reserva de vagas por cota
racial e social. Dessa maneira, coube transformar em lei o que em muitas universidades
brasileiras tornara-se uma prática (SILVÉRIO, 2006, p.49).
Neste contexto, a “democratização do acesso” e da permanência por meio do sistema
das políticas afirmativas, seja por cota racial ou quaisquer outras formas de acesso das
camadas historicamente excluídas, na educação universitária pública, realiza-se de forma
sólida e racional. Assim, promovendo políticas de expansão e “fortalecimento” da educação
pública universitária, propiciando resultados visíveis entre as instituições públicas em geral,
(SILVÉRIO, 2006, p.49).
265
PACHECO, Jairo Queiroz; SILVA, Maria Nilza Da. (Org.). O Negro na Universidade: o direito à inclusão.
Ministério da Cultura – Fundação Cultural Palmares. In: Ação Afirmativa: uma política pública que faz a
diferença, 2006, p. 21-49.
134
[...] a reforma da educação superior, o sistema de reserva de vagas nas
instituições federais de ensino será um marco no resgate e fortalecimento da
educação pública, gratuita e de qualidade. Temas, ambientes, tempos,
espaços, pesquisas, sons, linguagens, serão seguramente alterados. Mais
diversos, mais plurais, mais ricos em densidade e extensão. Mais parecidos
com o Brasil real. Mais promotores de mudanças significativas para a nossa
geração e para as próximas gerações. (SILVÉRIO, 2006, p.49)
O Projeto de Lei 3.627/04, enfim, foi aprovado em 2012, dando origem à Lei nº
12.711/2012, conhecida por lei de cotas. Esta lei determina às universidades e institutos
federais do país que, reservem no mínimo 50% de suas vagas em cada concurso e turno de
seleção, possibilitando, assim, o ingresso nos cursos de graduação, aos estudantes que
tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, (SILVÉRIO, 2006).
Dentre as vagas reservadas para os estudantes oriundos da rede pública, haverá um
percentual mínimo para as populações negras e indígenas de acordo com a região atendendo
sempre o percentual local, pelos índices populacionais do IBGE, (SILVÉRIO, 2006).
No seminário que dirigiu no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), o Prof.
José Jorge de Carvalho (UnB) levanta o debate sobre a Lei 12.711/2012 e as universidades
públicas de São Paulo. Considera um absurdo as políticas de ação afirmativas por cotas
raciais não terem sido instituídas nas estaduais, sobretudo nas universidades paulistas,
especialmente na USP, onde o universo é predominantemente branco e não dá para negar o
racismo naquela instituição. “Oras, somos uma sociedade constituída de mais de 50% da
população de negros e a universidade brasileira sempre foi construída de um universo
completamente branco. Se isto não é racismo, então é o que?” (CARVALHO, 2012).266
E segue o professor: “se os negros não estão na universidade é porque a eles não foi
dada essa oportunidade”. Atualmente, após a eclosão do movimento negro e o
reconhecimento do Estado de Direito de que os negros foram prejudicados pelo processo de
segregação exercido por diversos séculos de escravidão instituída no Brasil, a exclusão dos
negros está presente nos imaginários comunitários, construída pelas classes dominantes.
Apesar da legislação em funcionamento para garantir esses direitos, as universidades
paulistas, no debate sobre as ações afirmativas, continuam em escala muito inferior às demais
universidades públicas federais e estaduais que praticam esta política. O acesso e permanência
no ensino superior público brasileiro, de fato, foi enfrentado no governo do então Presidente
da República Luiz Inácio Lula da Silva. A partir de então, o sistema de reserva de vagas sai
do palanque para o debate e para a prática, enquanto política pública; a discussão se acirra não
266
Ibid.
135
só nas universidades, mas também em toda a sociedade, inclusive na mídia brasileira,
(CARVALHO, 2012/2013). 267
.
3.2 As Políticas de Ação Afirmativa / Cotas e Outras Considerações Sobre Questões
Raciais nos Governos: Lula e Dilma
O debate acerca do racismo, da discriminação e do preconceito racial, até pouco tempo
era tabu, ou seja, não existia fórum para a discussão racial; era como se o problema não
existisse em um país que teve sua primeira Constituição marcada pelo preconceito racial, pois
o início dessa discussão aconteceu somente cem anos após o Brasil elaborar e sancionar a
Constituição Federal em 1988, momento em que em que reconheceu o problema.
A partir de 1999, na Universidade de Brasília, o Prof. Dr. José Jorge de Carvalho, do
Departamento da Antropologia da UnB, junto com sua equipe somada à luta do movimento
negro e dos indígenas, iniciam o debate dentro daquela universidade. Antes desse período,
apenas alguns poucos professores e acadêmicos trataram isoladamente da questão. Como
exemplo, temos a reflexão a seguir268
da Professora Eunice Prudente, sua contribuição para a
compreensão e aplicação real do direito das populações negras e sua relação com a legislação
brasileira, indo desde o período da escravidão e seus efeitos presentes até hoje. A Professora
Eunice Aparecida de Jesus Prudente é uma das poucas docentes negras a ocupar uma vaga na
Faculdade de Direito da USP.
O grupo afro-brasileiro sofrerá ininterrupta agressão aos seus direitos de
personalidade, direitos inerentes à pessoa. Não se torturou, espancou os
negros inconscientemente, mas para anular a personalidade (a aptidão para
ser pessoa) e transformar um homem em escravo. Trata-se de direitos que
integram o homem, são essenciais à pessoa: a vida, a liberdade, o direito ao
nome, à reputação, à honra, à imagem, à criação intelectual, [...].
(PRUDENTE, 1989, p. 137)
Nesse contexto, Prudente (1989, p. 135-137) nos traz a orientação para o debate sobre
política de cotas raciais. Ora, se há o reconhecimento que o Estado tratou com diferença o
65
Disponível em:
<http://www.fflch.usp.br/sociologia/asag/Desigualdades%20raciais%20em%20novo%20regime%20de%20estad
o.pdf>. Acesso: 21 jun. 2015. 268
Eunice Aparecida de Jesus Prudente - Professora Assistente do Departamento de Direito do Estado da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em “O NEGRO NA ORDEM JURÍDICA
BRASILEIRA”.
136
povo que compõe a nacionalidade brasileira, é no mínimo obrigação do próprio Estado e da
sociedade “reparar este erro”, que é um direito assegurado pelo Estatuto da Igualdade Racial,
o qual é questionado conforme palavras da Professora Eunice Prudente:
A despeito da igualdade jurídica, estabelecida pela Constituição Federal,
contradições da própria ordem jurídica, educação oficial preconceituosa,
ação contínua dos meios de comunicação de massa veiculando estereótipos,
mantêm a situação terrível em que se encontram os afro-brasileiros. A
discriminação racial no mercado de trabalho urgia mudanças nesta ordem
injusta com a tipificação da discriminação racial como crime, reavaliação da
presença do negro na História do Brasil, autêntica participação política do
povo brasileiro. (PRUDENTE, 1989, p. 135)
Por ocasião da aprovação do Estatuto de Igualdade em 21/06/2010, o secretário
executivo da Secretaria de Políticas de Promoção Racial, Mario Lisboa Theodoro solicita a
aprovação do Projeto nº 180/80. Tendo como objetivo a obrigatoriedade da adoção das cotas
raciais nas universidades públicas, para estudantes negros e indígenas, oriundos de escolas da
rede de ensino público. 269
Em novembro de 2011, houve uma audiência pública que tratou de assuntos relativos à
educação e cultura, promovida pela Comissão de Educação e “Cultura da Câmara”, a qual
Mario Lisboa Theodoro também acompanhou e participou. E, ao final, Mario Lisboa se disse
satisfeito com o rumo que tomava essa discussão. A deputada federal Erika Kokay (PT-DF)
foi uma das autoras do pedido de audiência pública, e enfatizou que a educação pública de
qualidade é a via de solução mais importante para acabar com a desigualdade no Brasil.
Porém, a medida é uma forma de correção emergencial, que visa superar essa desigualdade
historicamente construída.
De acordo com Erika Kokay:
[...] não dá para pensar nas políticas públicas de ação afirmativa para
diminuir a desigualdade entre brancos e negros sem considerar que existem
casas grandes e senzalas na nossa contemporaneidade. Que elementos da
escravidão vêm de uma forma muito cruel porque não aparecem, mas suas
ações têm efeitos nocivos, porque eles são invisíveis, provocando tropeços
na construção da democracia.270
269
Disponível em: <http://www.une.org.br/2011/11/secretaria-de-promocao-da-igualdade-racial-cobra-projeto-
sobre-cotas/>. Acesso: 13 set. 2015 270
UNE/ AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 11/2011. Disponível em:
<http://www.une.org.br/2011/11/secretaria-de-promocao-da-igualdade-racial-cobra-projeto-sobre-cotas/>.
Acesso: 13 set. 2015.
137
Embora a deputada Erika Kokay esteja se referindo a todos que se negam a
reconhecer a exclusão das populações negras, pode-se traçar um paralelo entre seu
pensamento e a luta dos negros para adentrar na USP. Mesmo com o movimento de
conscientização conhecido por “Ocupação Preta” não se consegue apoio nem por parte da
maioria do corpo docente nem pelos alunos, e menos ainda da administração, tampouco da
reitoria, a qual reage contra essas políticas, frequentemente, (SOBRINHO; CARTA
CAPITAL, 17/04/2015).271
Em geral, aqueles que se opõem à política de cotas raciais, alegam que no Brasil é
difícil identificar quem são os negros e quem são os brancos, frente a miscigenação existente
na sociedade, entretanto, esta é apenas mais uma desculpa das classes dominantes, pois as
questões raciais, os preconceitos são evidentes e dirigidos às vitimas do processo da
escravidão. 272
Seguimos, então, a reflexão da deputada Erika Kokay273
sobre a lei274
de cota racial:
“A polícia sabe identificar muito bem quem são os negros”. Na oportunidade a parlamentar
criticou a falta de política para este segmento: “Muitas vezes, a única política que alcança os
negros é a de segurança”, reforçou275
. E reiterou que a educação de qualidade para todos é o
início da solução que visa o fim do racismo e da desigualdade, principalmente para mudar a
cultura do preconceito racial que, para ela, funciona de forma invisível, mas seus efeitos são
fortemente sentidos, percebidos.
Seguimos o pensamento de Kokay, a seguir,
Não dá para se pensar em nenhuma política pública sem considerar que
existem casas grandes e senzalas na nossa contemporaneidade; que
elementos da escravidão vêm de uma forma muito cruel porque vêm
invisíveis. Eles são invisíveis, mas provocam tropeços na construção da
democracia e do desenvolvimento real do País, portanto, é preciso dar
visibilidade276
.
271
Disponível em: <www.cartacapital.com.br>. (Wanderley P. Sobrinho, 17/04/2015). Acesso em: 02 jan. 2016. 272
Grifo da autora. 273
CÂMARA NOTÍCIAS, 21/11/211. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/205919-SECRETARIA-DE-
PROMOCAO-DA-IGUALDADE-RACIAL-COBRA-APROVACAO-DO-PROJETO>.
Acesso em: 10 set. 2015. 274
Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia/169432-1>. Acesso em: 15 ago. 2015
275
Disponível em: <http://www.une.org.br/2011/11/secretaria-de-promocao-da-igualdade-racial-cobra-projeto-
sobre-cotas/>. Acesso: 13set.b2015. 276
UNE/ AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 11/2011. Disponível em:
<http://www.une.org.br/2011/11/secretaria-de-promocao-da-igualdade-racial-cobra-projeto-sobre-cotas/>.
Acesso: 13 set. 2015.
138
Erika Kokay rebate o argumento de pessoas que são contra o sistema de cotas, que
dizem ser impossível identificar quem é negro, ou não, para então, se saber quem tem direito
às vagas nas universidades. De acordo com Valter Roberto Silvério, no plano político, os
programas de ação afirmativa são resultado da consciência de que a igualdade concreta não
deve ser pensada pela mesma regra do direito igual para todos. Para que a equidade realmente
se materialize são necessárias regras diferentes na aplicação do Direito, que deve considerar
as situações particulares e específicas de grupos historicamente em desvantagem em relação à
parte da sociedade brasileira que “detém maior poder financeiras”, melhor educação e melhor
saúde, (SILVÉRIO, 2006, p. 22).277
Grande parte dos esforços públicos, as políticas de ação afirmativa, está concentrada
na concessão de benefícios, a fim de possibilitar aos estudantes negros, historicamente
excluídos, o ingresso nas universidades públicas brasileiras e, através do conhecimento
profissionalizante, possibilitar a inclusão nos demais segmentos da sociedade que exige a
educação superior, (SILVÉRIO, 2006).
3.3 Uma Análise da Lei no 12.711/2012.
A Lei nº 12.711/2012 tem foco nas universidades públicas federais brasileiras. Entretanto,
como as instituições estaduais permanecem fora do escopo dessa lei, que são as políticas
afirmativas adotadas pelas universidades brasileiras, seja no âmbito federal ou estadual, apresentam
caráter diverso e são frutos de iniciativas individuais das próprias universidades ou de legislação
estadual. Entretanto, fica uma abertura para que essas universidades elaborem suas formas de
incluir juntamente com seus conselhos universitários as determinações que pretendem seguir para
essa adesão.278
Apresentamos resultados do acompanhamento das políticas de ações afirmativas realizado
anualmente pelo GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa)279
da UERJ,
cujo foco consiste em analisar as universidades públicas estaduais brasileiras em consonância com
a lei de cotas raciais. As universidades estaduais, tais como a Universidade de São Paulo, mesmo
277
Valter Roberto Silvério, em seu artigo: Ação Afirmativa: uma política pública que faz a diferença. É
professor Adjunto do departamento de Ciências Sociais e do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Coordenador do Núcleo de Estudos Afro – NEAB/UFSCar. 278
Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br Acessado por diversas vezes, a última em 31 dez. 2015. 279
Ibid.
139
não se submetendo a esta lei federal, não podem se refutar a criar ação afirmativa semelhante, em
face da determinação da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), que após análise sobre a
Lei nº 12.711/2012 concluiu que a USP deve seguir a mesma determinação legal e implementar a
ação afirmativa em forma de cotas raciais para incluir no âmbito acadêmico as populações negras e
indígenas que foram colocadas às margens desse direito,280
De acordo com Carmem Maria Crady, em sua reflexão sobre a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB):
As leis são consequências de propostas que podem ser originárias do próprio
governo ou de setores da sociedade, se organizada. Elas são sempre votadas no
poder legislativo, ou seja, no Congresso Nacional quando são leis federais, na
Assembléia Legislativa quando são leis estaduais, e na Câmara de Vereadores
quando são leis municipais. (CRADY; KAERCHER, 2001, p.23) 281
Portanto, uma instituição pública de ensino superior, como a USP, não pode estar blindada
contra as determinações da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP). Portanto,
necessita criar ação afirmativa em forma de cotas raciais para negros e indígenas, conforme
determina a Lei nº 12.711/2012.
Em estudo anterior, Feres Júnior (2013) analisou as políticas de ação afirmativa,
especificamente as cotas raciais nas universidades federais, sob o impacto da Lei nº 12.711/2012.
Assim, analisamos essas instituições no que tange a dois eixos: 1. Os aspectos procedimentais
dessas políticas; 2. A magnitude e distribuição dos benefícios. O levantamento se baseia na leitura
e “análise dos editais, resoluções universitárias, leis estaduais, termos de adesão ao SISU”, nos
manuais de candidatos ao vestibular para ingresso no ano de 2013, “complementados por dados do
INEP e IBGE”.
A luta do movimento dividida por a “Ocupação Preta”, e Frente Pró-Cotas, reivindica que
a USP se adéque à lei federal, abrangendo esse direito adquirido aos estudantes negros das
instituições federais perante a determinação da Lei nº 12.711 que diz em seu Art. 1º:
280
Ibid. 281
CRADY, Carmem Maria; KAERCHER, GLÁDIS ELISE P. DA SILVA. Educação Infantil, pra que te
quero? Rio de Janeiro: Artmed, 2001, p. 23.
140
As instituições federais de educação superior vinculada ao Ministério da
Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de
graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas
vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em
escolas públicas282
.
O Art. 1º afirma que devem ser reservados, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das
vagas existentes em cada processo seletivo para o ingresso nos cursos de graduação, das
instituições federais vinculadas ao Ministério de Educação (MEC).
Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art.
1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos,
pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e
indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição,
segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do
(IBGE).283
Ora, o movimento negro paulista que luta pelo ingresso na Universidade de São Paulo se
encaixa nesse direito. Todavia, não tem suas reivindicações atendidas porque a lei se restringiu às
instituições educacionais públicas federais, respeitando a independência das instituições e de seus
conselhos estaduais e municipais. Cabe discutir a razão de uma lei federal ser elaborada e
sancionada em atendimento a uma parte da sociedade que comprovadamente está prejudicada pelo
racismo e pelas ações discriminatórias dele decorrentes. 284
Entendemos, portanto, que uma lei federal elaborada e sancionada com intuito de proteger
uma parte da sociedade comprovadamente excluída da academia pública brasileira, tanto no
seguimento federal quanto estadual, não pode ser fragmentada, deve assegurar esse direito de ação
afirmativa não apenas para uma pequena parte desse grupo, ou seja, deve ser expandida em todas
as universidades públicas independente de pertencer ao governo federal, estadual ou municipal.285
282
Presidência da República/casa civil - subchefia para assuntos - LEI Nº 12.711, DE 29 DE AGOSTO DE 2012.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm>. Acesso em: 12
ago. 2015 e em 14 ago. 2015. 283
Ibid. 284
Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br Acessado por diversas vezes, a última em 31 dez. 2015. 285
Redação de Beth Avelar em18/07/2013. Agência de Notícia da Assembleia Legislativa do Estado de São
Paulo – Transparência ALESP. Disponível em:<http://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=336735>. Acesso em: 12
jun. 2015.
141
3.4 O Movimento Negro no Brasil: entre o passado e o presente
Analisar o contexto social do negro hoje exige a tarefa inicial de recuperação dos
aspectos de nossa história. Predispomo-nos a olhar para o contexto histórico da luta do
movimento negro no limiar do século XX, sem perder de vista as importantes lutas que
antecederam este período, as quais suscitam profundo reconhecidamente histórico,
intrinsecamente vinculado ao movimento negro que se verifica no Brasil de hoje.
(NASCIMENTO; ALMADA, p. 19-20)286
.
Abdias Nascimento se preocupa em anexar a história de Zumbi dos Palmares à luta
do Movimento Negro no presente. Esse ícone da luta negra ficaria no anonimato histórico se
não fosse à luta dos negros por seu reconhecimento. E, Abdias Nascimento foi um dos lideres
dos militantes da FNB a pedir o reconhecimento de Zumbi como marte e como líder dos
primeiro movimento negro de que temos notícia, (ZESITO ARAUJO, UFAL).
Foi no início da década de 1980, quando Abdias Nascimento e a Mãe Hilda convocam
militantes do MNU e sobem a Serra da Barriga, em Palmares, onde Zumbi passou grande
parte de sua vida em combate contra os bandeirantes e soldados português. Porém tendo sido
assassinado por bandeirantes que apoiavam os portugueses contra a resistência do povo negro.
Nas diversas visitas e manifestação na Serra da Barriga, Abdias Nascimento e outros
membros da FNB reivindicaram que aquele lugar fosse oficialmente reservado para a
memória do líder negro e que o espaço seja valorizado com exposição, publicações e cultura
das populações negras. (NACMENTO; ALMADA, 1989).
Seguindo a pista de Abdias Nascimento, os negros se organizam em lutas, desde o
início da colonização portuguesa e essa organização continua no presente, através da sintonia
do movimento negro. As mesmas têm caráter de resistência e, sua reivindicação é diferente,
apenas pelo o contexto histórico em que se vive. (NASIMENTO; ALMADA, 1989, P128-
130).
José João Reis, em “Negociação e Conflito: A Resistência Negra no Brasil Escravista”
defende que a luta das populações negras sempre esteve presente na vida brasileira, até
mesmo no regime da escravidão.
O autor coloca uma ideia muito discutida nas lutas camponesas: “A Brecha
Camponesa”, a qual se deriva da luta dos escravos em pleno século XVIII, quando na área
rural eles lutavam por melhores condições de vida, ou seja, eles negociavam com seus
286
ABDIAS NASCIMENTO. Sandra Almada. Retratos do Brasil Negro, São Paulo, 1989.
142
senhores um pedaço de terra aonde pudessem desenvolver sua própria economia para viverem
melhor, e não apenas sobreviver. Tais negociações eram comuns, pois os senhores sabiam o
risco que corriam de terem seus produtos derivados do açúcar sabotados, caso não atendessem
às reivindicações dos negros. Também se negociava o culto às suas religiões e folgas aos
domingos e dias-santos. Obviamente, havia fuga quando esses acordos eram quebrados, em
geral eram rompidos por parte dos senhores, (REIS; SILVA, 1989).
Neste sentido, fica aqui uma sugestão de estudo acerca desta problematização,
enquanto a historiografia tradicional atribui esse legado ao PCB. Segunda a qual, durante o
governo ditatorial de Getúlio Vargas e nas vésperas do fim do fim da Segunda Guerra
Mundial, essas lutas foram estabelecidas no Brasil. E, alinhava-se então com os Estados
Unidos, e, no contexto internacional do início da Guerra Fria, posicionava-se contra os
socialistas da União Soviética. Em 1947, a nova postura do Estado colocou o PCB na
ilegalidade, abafando também as Ligas Camponesas.287
Essas lutas dão sentido à Reforma
Agrária no Brasil, e mais tarde, em 1964, culmina com o Golpe Militar contra o então
Presidente da República Brasileira, João Goulart. Não desmerecemos a luta e sua elevação
com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), entretanto, sugerimos atenção com a reflexão que
fizemos fundamentada em288
, REIS; SILVA (1989).
O MNU trouxe para debate outra questão importante acerca da prática das culturas,
como forma de luta e resistência contra os desmandos da escravidão, por exemplo, o culto à
Mãe Preta. Esse movimento durante muito tempo foi visto como símbolo de passividade e
aceitação da condição “inferior do negro” em relação ao branco, mas, essa versão é contestada
por maioria dos pesquisadores ligados ao MNU. Os mesmos passam a entender esta discussão
como abominável, (REIS; SILVA, 1989).
Até o dia 13 de maio, data em que se comemora o dia da libertação da escravatura,
transforma-se em Dia Nacional de Denúncia Conta o Racismo. (E, além disso, o MNU
consegue transformar o dia 20 de novembro, data em que se presume ser o dia do assassinato
de Zumbi dos Palmares)289
para se discutir a “consciência negra”, aproveitando para divulgar
sua luta acumulada ao longo do tempo, procurando visibilizar as suas especificidades, em
todo o Brasil. (REIS; SILVA, 1989).
287
PRESTES, ANITA LEOCÁDIA. DA Declaração de Março de 1958 à renúncia de Jânio Quadros: as
vicissitudes do PCB na luta por um governo nacionalista e democrático. Revista Crítica Marxista, n. 32, p.
147-174, 2011, p. 163. 288
Grifo da autora. 289
A palavra assassinato foi uma escolha da autora para deixar claro que Zumbi foi morto por resistir a
dominação escravista no Brasil.
143
De acordo com a historiografia tradicional, aos 15 anos de idade, Francisco foge e
retorna ao Quilombo290
, onde segundo a tradição africana recebeu o nome que o torna
conhecido hoje: Zumbi. Mais tarde, em reconhecimento à sua liderança, ganha o nome do
território que governa: Zumbi dos Palmares, onde lutou por anos para preservar a liberdade de
seu povo, até 1695, quando houve uma investida das tropas coloniais que visavam destruir
Palmares, assassinando-o, (ARAÚJO, UFAL, 2011) 291
.
É importante lembrar que no Quilombo de Palmares292
negros e negras viviam livres,
porém submetidos às regras sociais locais, até porque se trata de um imenso território entre
Pernambuco e Alagoas cuja produção agrícola supria em grande medida a Vila do Recife, ou
a “Cidade Portuguesa” como era conhecido naquela época. E, por isto, o território que
pertencia à Capitania de Pernambuco se torna tão cobiçado pelos colonos portugueses que já
residiam nas terras que hoje é Brasil, (ARAÚJO, UFAL, 2011) 293
.
Esse ícone da luta pela liberdade negra ficaria no anonimato histórico se não fosse a
continuidade de sua luta a partir da consciência e da organização da Frente Negra Brasileira
(FNB). E depois, pelo Movimento Negro Nacional ou simplesmente Movimento Negro
Unificado (MNU), que hoje conta também com a preservação histórica do Professor Zezito
Araújo, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Entre os precursores do MNU que se
preocupou em recuperar a história de Zumbi dos Palmares, figura um importante nome:
Abdias Nascimento e seus discípulos, responsáveis por colocar em pauta o reconhecimento de
Zumbi dos Palmares como mártir e, o mais significativo, como líder dos primeiros
movimentos negros na história do Brasil, (ARAÚJO, UFAL, 2011). 294
.
No início da década de 1980, o Professor Abdias Nascimento e Mãe Hilda são os
principais líderes entre os militantes do movimento negro a se preocuparem com a
manutenção da memória de Zumbi e, reivindicam oficialmente o direito do reconhecimento
de Zumbi, até então, pouco conhecido e difundido inclusive pela educação formal,
(NACMENTO; ALMADA, 1989, p.128-130).
3.5 Negros Sobrevivendo em São Paulo
Estando a USP situada na capital paulista, onde já funcionavam algumas faculdades,
inclusive a Faculdade São Francisco (Direito) quisemos analisar a posição das populações
290
ABDIAS NASCIMENTO; ALMADA, 1989, p.128-130. 291
Entrevista à Revista Sankofa, por: Irânia M. Franco (Ano IV, Nº 7) 2011. 292
Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/quilombos/quilombo_dos_palmares.htm.
Acesso em: 15 out. 2015. 293
Entrevista à Revista Sankofa, por: Irânia M. Franco (Ano IV, Nº 7) 2011. 294
Ibid.
144
negras ainda na Primeira República na cidade de São Paulo, assim, nos favorece compreender
suas ausências na referida universidade, entre outras universidades públicas, em pleno século
XXI. 295
Podemos conferir que a expansão industrial, em especial em São Paulo, se faz presente
naquele momento, contexto em que os parece que os negros e as negras continuavam no lugar
de seus cativeiros, pois, máximo prestavam serviços muito baratos aos seus ex-senhores.
Assim, os negros representavam a maioria pobre que circula pelo centro da cidade em busca
de trabalho, “biscates”, vendedores ambulantes, lavadeiras, entregadores, entre outros. Os
desocupados também se faziam presentes no cento da cidade de São Paulo em busca de
formas de manutenção para seus sustentos, (SANTOS, 1998, p.15-18).
Em São Paulo, a ordem política, social e econômica, em especial daqueles que podiam
ser negros ou “quase negros”, é bastante diversificada296
, marcada pela ascensão social de
poucos, os quais repousavam sobre a exploração dos ex-escravos. Podemos traçar um paralelo
entre duas situações: a luta dos negros por reserva de vagas na Universidade de São Paulo e a
garantia de emprego nas fábricas brasileiras para os italianos. (SANTOS, 1998, p, 15-18).
Nesta análise, lutar por reserva de vagas nas universidades públicas297
, como
mecanismo para equiparação social entre brancos e negros, na realidade é uma ideia das
classes dominantes, cunhada pelos negros pobres. E, neste sentido, Pierre Bourdieu (1983)
nos lega a compreensão que, os sujeitos ocupam o espaço social segundo os estilos de vida
neles sistematizados, sendo este um fator determinante para a “retradução simbólica das
diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência”. Neste sentido, os sujeitos
excluídos as sistematizam e, não necessariamente as utilizam da mesma forma do dominador,
mas, em geral de forma a produzir seus símbolos e existir naquele espaço, (BOURDIEU,
1983, p. 82).
Conforme Santos (1998) os negros estavam submetidos aos agentes urbanos e eram
considerados não portadores de “bons costumes”, o que contribuiu para que fossem excluídos
das vagas do trabalho nas fábricas, cujos empregadores preferiam os brancos, de “bons
costumes”, os italianos. A exclusão das oportunidades de trabalho projeta os negros para o
trabalho desqualificado, como: lavadeiras, carroceiros, catadores de lixo, limpador de trilhos,
mulheres com tabuleiros, entre outros. Embora houvesse o interesse de se anular a presença
295
Grifo da autora. 296
Carlos José Ferreira dos Santos em “Nem Tudo Era Italiano”, onde discute a situação econômica e social de
São Paulo, entre os anos de 1890-1915, em sua tese de mestrado, orientada pela Professora Maria Antonieta M.
Antonacci, PUC-SP. 297
Grifo da autora.
145
desses personagens da história paulista, eram eles os responsáveis pelo trabalho pesado e sujo.
(SANTOS, 1998, p.11-16).
Contudo, as classes dominantes, ao perceberem a possibilidade de inclusão, daqueles
que através de seus sistemas foram excluídos, buscam novos arranjos para continuar a
segregação de modo que, tal exclusão consegue transcender o tempo e o espaço. Neste caso,
em particular, observarmos a continuação desta segregação pontuada por nosso colega
Francisco José, cuja discussão aponta que as oportunidades de trabalho na cidade de São
Paulo, no âmbito da industrialização, que decolava a todo vapor, foram destinadas aos
imigrantes italianos em detrimento dos ex-escravos e seus descendentes, (SANTOS, 1998,
p.11-1). Apesar, de terem sido os africanos e seus descendentes, até aquele período histórico,
(Século XVI-XIX) os responsáveis pelo desenvolvimento da indústria açucareira, desde o
Brasil Colonial até o Brasil Republicano, quem em grande medida também sustentou os
portugueses e parte da Europa, (ANONACCI, 2015); (OLIVEIRA, 2006).
Oliveira nos oferece informação sobre a FNB no final do último período ditatorial,
quando se observa sua (re)organização, no jornal “Voz da Raça”, do dia 29/04/1983, onde se
apresenta estampado um artigo de Arlindo Veiga dos Santos, então presidente da Frente:
[...] “o ideal da FNB era de defender a integração absoluta, completa do
negro, em toda a vida brasileira - política, social, religiosa, econômica,
operária, militar, diplomática, etc.”1. Ele começou o artigo fazendo um
chamado: “frente negrinos! Negros em geral! A postos contra a onda
estrangeira, que além de vir tomar o nosso trabalho, ainda quer dominar
por um regime iníquo e bandalho, o Brasil de nossos avós”. Veiga dos
Santos afirmava que a Frente Negra Brasileira ergueu-se no Brasil, neste
grande centro – a cidade de São Paulo, para a defesa e valorização da gente
negra nacional. Em função disso, não se poderia, pois “compactuar com a
canalha298
que, sob a capa de “comitê antiguerreiro” ou qualquer outra
tapeação, faz um trabalho infame, no sentido de propagar, nos meios
operários incultos e ingênuos, as ideologias beócias de luta de classes”.
Enquanto isso os negros estariam “ficando completamente à margem da
vida do trabalho, visto que, em quase toda parte, não se aceitam
empregados de cor”. Segundo Arlindo Veiga, a “camorra que vem de fora
era paga pelo ouro Judeu-russo para aniquilar a nossa nacionalidade”.
Tratava-se, pois de “piratas que além de comerem o nosso feijão, deixa-nos
sem emprego (porque tudo no Brasil, e especialmente em São Paulo, é mais
para eles imigrantes que para nós negros)”.
Desse modo, a luta da FNB está muito além de meras reivindicações de cumprimento
da “ordem social” estabelecida pelo Estado e de reuniões recreativas. Ao contrário, fica nítido
298
Canalha, era um boletim, do movimento anarquista-comunista-socialista. A Voz da Raça. São Paulo,
09/12/1933, p. 1. Informação retirada da dissertação de mestrado em análise. Autor: Oliveira, José de Gedeon.
2006, p. 5-6.
146
que os negros que lideram a FNB têm objetivos definidos, se estabelecer enquanto classe
negra na sociedade brasileira. O que significa, terem se apropriado das armas do opressor,
dominador. 299
Nesse sentido, seguimos a nossa análise guiada pelo pensamento de diversos autores
uns muito renomados, outros nem tanto. De qualquer modo o fizemos com a mais absoluta
certeza de que a diversidade de pensadores torna a nossa análise mais abrangente, nos
propiciando a oportunidade de disseminar o legado dessas ações para as lutas do movimento
negro. Pois, observamos que ainda hoje, pairam sobre este movimento as mais controversas
opiniões300
.
Colocar em debate, o movimento “Frente Negra Brasileira” no presente, significa que
esta luta não se esvaziou no tempo e espaço; as perspicácias fluíram em resposta à segregação
racial imposta pela política dominante, racista, que permeou a história do Brasil. O que não se
imaginava é que, ao mesmo tempo em que os corpos negros expressam suas intenções,
também as omitem quando se faz necessário à sobrevivência. Talvez esteja nesta ideia a
resposta para a resistência negra no meio de uma sociedade opressora, de predominância
branca. Assim, os negros e seus descendentes, mesmo diante da assimilação das culturas
europeias, são capazes de incorporar a sua maneira, a “inculturação”. Assim, possibilitando
posicionar-se sobre novas formas de viver, se reinventando e se superando entre as formas de
expressão, através dos “usos do corpo” pela arte e pela performance as quais dominador não
consegue suprimir, (ANTONACCI, 2015, p. 130-133).
Durante o exílio forçado, Abdias do Nascimento, conseguiu denunciar o mito da
democracia racial brasileira, assim fortalecendo novas articulações da Frente que ressurge sob
o nome Movimento Negro Unificado. Situação que chama atenção da imprensa internacional,
que passou a destacar tais acontecimentos em seus noticiários, (SANTOS, p. 35).301
A discussão da Frente Negra Brasileira ganha contornos diversos na discussão
acadêmica e na mídia onde influenciou o imaginário comunitário expandindo-se no tecido
social, como um movimento organizado apenas para fins recreativos, fator que favoreceu
transpor-se no espaço.
299
Grifo da autora, fundamentada em Oliveira, 2006. 300
Ibid. 301
SANTOS, Evair Augusto Alves dos. O Movimento Negro e o Estado (1983-1987). Dissertação de Mestrado
pelo Programa de História PUC-SP, defendido em 2001 e publicado em 2006. CONE – São Paulo.
147
Porém, no livro do sociólogo Márcio Barbosa, observa-se que o movimento supera a
expectativa do imaginário coletivo, de existir apenas para diversão e recreação.302
Esta
questão ruma pelos caminhos da construção da classe dominante, cuja interpretação
impregnou a sociedade, a de que os negros tinham mais preocupação com o divertimento e
menos com o trabalho. Além de ter sido disseminado no tecido social que a Frente Negra seria
uma entidade cuja política estaria vinculada à direita, ao fascismo. (BARBOSA, 2007, p.11-
12).303
Chama atenção, à semelhança entre a luta da FNB, iniciada no século XX, como os
protestos que lideravam e o movimento Negro no presente. Nota-se que ambos estavam
sempre pautados na luta contra a discriminação racial e na superação dos mesmos através do
conhecimento formal. Além da interação da situação dos negros em outros países, em especial
nos Estados Unidos. Pois, através da imprensa estadunidense, os membros da FNB são
fortemente influenciados, de forma que, se verificam muitas semelhanças entre as
reivindicações do movimento negro, desde a FNB e do MNU e líderes Rosa Parks e Martin
Luther King, nos Estados Unidos da América.304
Já em Florestan Fernandes, o processo que originou o movimento Frente Negra,
(FNB) denota que esse tem foco na efervescência política, econômica e social de São Paulo,
cujo resultado sistematizou o processo de industrialização quando o capitalismo se estabelece
no Brasil. Assim, emperrando as lutas das populações negras que visavam sua integração em
uma sociedade de classe.
[...] Aos poucos a situação de miséria, o tratamento diferencial e o
isolamento irão provocar um doloroso processo de auto-afirmação e de
protesto, que projetará o “homem de cor” no cenário histórico, como agente
de reivindicações econômicas, sociais e políticas próprias. O sentido dessas
reivindicações é bem conhecido. Correspondendo ansiosamente às
expectativas assimilacionistas da sociedade inclusiva, as inquietações e os
movimentos sociais amparam-se sob o signo de uma revolução moral. Eles
não vão contra a ordem econômica, social e política estabelecida. Mas contra
a espécie de espoliação racial que ela acobertava, graças aos mecanismos
imperantes de acomodação entre “negros” e “brancos”. Por isso, ao contrário
do que pensavam os círculos dominantes, tratava-se de uma rebelião de
cunho nítida e expressamente intregracionalista, [...] (FERNANDES, 1978,
p.10). 305
302
Boitatá-Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL 16 ISSN 1980-4504 – Autor: Marcos
Hidemi de Lima. 303
BARBOSA, Marcio. Frente Negra Brasileira, 2007. 304
Grifo da autora, fundamentada nas diversas leituras para esta pesquisa. 305
FERNANDES, Florestan. A integração do Negro na Sociedade de Classes. Volume 2, São Paulo, Editora
Ática, 1978, p.10.
148
Segundo a reflexão acima, esta situação provocou uma anomalia no meio negro,
propiciando aos negros que solicitassem uma solução. Isso suscitou o protesto negro
expressado pelo “Clarim da Alvorada”, reivindicando a “Segunda Abolição”, ou seja, se os
negros se apropriam da imprensa por eles organizada e fundada como forma de protestar, de
denunciar a exclusão a que foram sujeitados, exigiam o reconhecimento de que ainda naquela
época continuavam escravizados, (FERNANDES, p.8-13).
Nessas circunstâncias, os negros não conseguem se integrar no conjunto da que
organiza a chamada sociedade de classe, para uma nova era, da ‘industrialização’. Pois estava
presente na sociedade dominante a associação ao preconceito de cor e este emperrava a vida
das populações negras, que precisaram disfarçar-se para serem aceitos no campo de trabalho
que emergia das fábricas, as quais se instalavam em São Paulo, (FERNANDES, p.8-13).
Os negros e os mulatos não ameaçavam a ordem social instituída pela
Abolição e pela República, pois nem chegavam a pôr em causa os
fundamentos materiais e morais em que ela repousava. Partiam de dois
pressupostos: 1º) que essa questão fora resolvida no âmbito da situação de
interesses e dos valores da raça “dominante”; 2º) que uma minoria
desorganizada e impotente, como a população de cor, devia-se concentrar-se
na luta pela conquista efetiva de oportunidades e garantias sociais
legalmente consagradas pelo regime vigente. (FERNANDES, 1978, p.10). 306
Desse modo, compreende-se que a luta dos negros ocorre como “uma revolução
dentro da ordem”, ou seja, mais uma vez identificamos que esta foi uma das formas
encontradas pelos negros para sobreviver no mundo de brancos em plena estruturação racial,
hegemônica, dominante. Embora, a pretensão dos negros era realmente um Brasil igual para
todos, sem diferença racial, 307
. Assim, observamos as palavras de Arlindo Veiga dos Santos:
“Queremos um Brasil fraternal, despojado, sem preconceitos mesquinhos, afirmando braço-
a-braço o irmão Negro e o irmão”. (OLIVEIRA, 2006, p. 35-39).308
Para Regina Pahim, os negros do início do século XX se recriam, inventam sua própria
imprensa e denunciam os maus-tratos das pessoas brancas praticadas contra si, além da
ausência de atendimento por parte do Estado de Direito, (PAHIM, 2014, p. 188-189).
Segundo ela, a FNB tinha a permanente preocupação de criação de escolas dirigidas aos
negros, em especial às crianças negras a quem dirigia um nível de ensino com bastante rigor,
306
Ibid. 307
Grifo da autora. 308
Frase proferida por Arlindo Veiga dos Santos, no jornal: A Voz da Raça. São Paulo, 29/04/1933, p. 1. Dado
retirado da dissertação de mestrado de Gedeon José Oliveira, p.39.
149
sempre com professores e professoras negros. Entretanto, Pahim concorda com Florestan
Fernandes quando analisa que a imprensa negra trazia crítica ferrenha aos negros; muitas
vezes, estampavam artigos estrangeiros em suas páginas (cópia), os quais disseminavam a
necessidade dos negros “assumir seu próprio destino, construir sua própria história e não
ficar apenas esperando que o branco lhe criasse oportunidade”. Entendemos que esse tipo de
manifestação tinha o objetivo de impulsionar os negros para as lutas e se integrarem, não
aceitar que as classes dominantes os manipulassem e também, se integrarem ao movimento
negro da época, à Frente Negra brasileira, (FNB), (PAHIM, 2014, p.189).
Identificamos que o movimento negro, liderado pela Frente Negro Brasileiro (FNB),
exerceu sobre seu povo uma pressão jamais vista em toda a nossa história, neste sentido, se
apropriam da mesma arma que lhes feriram o golpe, contra seu próprio povo. Ademais,
consideramos sua luta extraordinária para a elevação social dos negros recém-libertos do
também processo, mais perverso de nossa História, a escravidão de negros e indígenas. 309
3.6 A Frente Negra na interpretação da Frente Negra
Na década de 1980, Márcio Barbosa e Vera Lúcia Benedito, movidos pela curiosidade
profissional e também por conhecer mais acerca dos laços familiar, iniciaram uma
investigação informal sobre a história da FNB. O mesmo é filho de Osvaldo Pereira Barbosa e
sobrinho de Abélicio, ambos foram atuantes e viveram no auge desse movimento FNB,
(BARBOSA, 2007).
Passados alguns anos, Márcio Barbosa analisa as diversas opiniões e trabalhos sobre a
Frente Negra Brasileira (FNB) e sobre as interpretações existentes, como do próprio Florestan
Fernandes em: Integração do Negro na sociedade de Classe, (BARBOSA, 2007).
A FNB foi entidade desprovida de força transformadora, já que a Frente
jamais teria tomado uma posição dogmática e utópica diante do preconceito
de cor. Segundo Florestan a entidade se limitara a afirmar que o preconceito
existia e emparedava o negro na sociedade e a propagar mecanismos
societários de reação ativa contra ele, sem se propor, entretanto a extirpá-lo
para sempre. “As tensões, os conflitos”, escreve Florestan, que fossem
provocados por causa de casos concretos de “preconceito de cor”, podiam
ser resolvidos independentemente de qualquer alteração mais profunda da
personalidade do “branco” ou da ordem social. [...] (BARBOSA, 2007,
p.10).
309
Grifo da autora, amparada em sua crítica nas diversas leituras dos diversos autores.
150
Analisamos, portanto os depoimentos dos sujeitos sociais e suas construções
históricas, quando a FNB, a qual foi fundada em 16 de setembro de 1931, cujo primeiro
diretor Arlindo Veiga dos Santos. Sua sede inicial foi no salão onde hoje funciona a sede das
Classes Laboriosas, no coração de São Paulo, ao lado da Praça da Sé,310
(BARBOSA, 2007,
p.13-16).
Em 1932, com o advento da Revolução Constitucionalista, logo após a estruturação da
Frente Negra, sua organização foi bastante abalada quando convocada pelo governo paulista
da época para fazer um pelotão contra Minas Gerias e a maioria de seus membros se nega a
participar. Todos pensaram nos “irmãos negros” que estariam espalhados pelo País,
especialmente no Estado de Minas Gerais. Assim, brigar contra Minas Gerais, lutar na
Revolução Paulista, seria assassinar os irmãos negros mineiros. Motivo pelo qual os afastaram
da Revolução e formaram a “União de Negros Brasileiros”. Os negros que participaram da
Revolução se desentenderam dos que não participaram, embora tenha sido bem poucos os que
seguiram para a luta contra os mineiros. Esta turma que até então era unida, nunca mais se
juntou ao grupo, de modo que, quando a FNB lançou sua candidatura política a União preferiu
não lançar nenhum candidato, embora se respeitassem mutuamente, (BARBOSA, 2007).
A FNB não foi à única instituição organizada por negros naquela época, teve outras
que nem sempre tinham vínculos associativos com a FNB, embora todas frequentassem seus
eventos. O jornal “A Voz da Raça”, foi criado para o enfrentamento do racismo. Naquele
momento a imprensa não negra trazia em seus noticiários denúncias que o grupo de negros,
associados à FNB pretendia retornar à África. Outras vezes a acusavam, da pretensão de criar
uma África dentro do Brasil. A Frente rebatia, pois não era esse o seu interesse e sim, queriam
garantir que os negros não fossem demolidos pela sociedade racista que se organizava em São
Paulo, (BARBOSA, 2007).
Lucrécio revela que, na entrada da sede da FNB, de ambos os lados, havia salas de
aulas equipadas para atender os estudantes negros, e todos que se dispusessem estudar junto
dos negros, eram aceitos. Havia quatro salas oficiais mantidas pelo governo, enquanto nas
salas de alfabetização, todas as professoras e professores negros eram voluntários, ou seja, à
medida que os negros iam se formando, se propunham a trabalhar de graça, lecionando para
crianças e jovens, o qual, em sua maioria ainda não estava alfabetizado. Inclusive,
observaremos a foto que segue, e consideramos que; há duas professoras negras atuando ao
310
Depoimentos de Membros da Frente Negra Brasileira, autor: Márcio Barbosa, (Obra digital), 2007.
151
mesmo tempo em sala de aula. Sabemos que, na educação oficial do País, até recentemente
isso não acontecia, o que nos leva a entender que se trata de uma sala de aula de alfabetização
mantida pelos professores e professoras da FNB, (BARBOSA, 2007).
Fonte: Livro Frente Negra Brasileira. 2007, p.37.
Na interpretação dos próprios sujeitos, a FNB discute o papel da mulher negra e
descreve o brilhante trabalho dessas mulheres, representado pelas Rosas Negras. Afirmam que
essas mulheres além de ministrar aulas tinham outros papéis na sociedade. Organizavam
bailes entre outras atividades. Entre elas, a maior parte que possuía formação, eram
professoras. Sendo mais atuantes: Lino Guedes, Celina Campos e Raul Amaral. (BRABOSA,
2007, p.58).
Poucos negros tinham instrução, o que colaborava para o desemprego entre eles.
Assim, enquanto os homens estavam desempregados, sobravam empregos domésticos para as
mulheres, embora com salários muitos baixos, os tornavam a única fonte de sustento de
muitas famílias negras, no período Pós Abolição. Segundo Lucrécio, os negros estavam
aglutinados nos cortiços da Bela Vista e dividiam aquela região com os imigrantes italianos,
com os quais mantinham uma vivência cordial. Mas, os últimos possuíam mais oportunidade
152
de emprego, em especial os homens, uma vez que as empresas davam preferência por
empregar homens brancos (as), (BARBOSA, 2007, p.36-37).
As políticas, lutas e as articulações sociais da FNB, desde sua fundação até 1937,
quando foi suprimida pelo então presidente da República Getúlio Vargas, ficam funcionando
na clandestinidade. Desse modo, as negras e os negros engajados no movimento contra a
segregação racial, sobremaneira superam as políticas colonialista-capitalistas que era à base
das classes dominantes e, através de suas culturas e supremacia, priorizam o ensino
aprendizado. Pois quando a FNB é proibida de permanecer aberta, seus organizadores abrem
um salão com o aparente objetivo de encontros para lazer e no local montam salas de aulas,
para a continuidade da alfabetização das populações negras, de modo que, mesmo a FNB
sendo desarticulada fisicamente, ideologicamente continuou organizada e operante.
Assim, a FNB atravessa o regime ditatorial do chamado Estado Novo, colocando os
negros, nas universidades públicas. Neste sentido, essa organização têm raízes tão profundas
que inspirou os demais movimentos que surgem após este período, através da luta negra que
explode no ano de 1975, em Porto Alegre, e, posteriormente em São Paulo, em 1978.
Observamos, então, que mesmo durante a Ditadura Militar, os negros já estavam em
pleno movimento e, já havia formado alguns intelectuais negros. Inclusive, muito bem
articulados e politizados, os quais se organizam na política partidária, elegendo negros que
lhes representem e atendam seus interesses, (SANTOS, 2006).
3.7 O Movimento Negro em São Paulo na Contemporaneidade: uma breve discussão
política
No início dos anos 1978, “importantes rupturas” no cenário político paulista e
brasileiro ganham corpo, cujos desdobramentos impulsionam as críticas às antigas concepções
políticas brasileiras. Naquele momento, a filosofia conservadora estava em pleno auge,
abrindo caminho para a articulação do movimento negro na cidade de São Paulo, onde tem
início as primeiras organizações negras contra tal dominação, tanto no referido século quanto
posteriormente, no período pós Golpe Militar conhecido por Golpe de 1964, (SANTOS, 2006,
p. 33-35).
Com o advento, conhecido por Golpe de 1964, os movimentos sociais, incluindo o
movimento negro, são desarticulados, conforme já discutido. Os negros, entretanto, se
organizam clandestinamente, a exemplo de Abdias Nascimento, um importante líder negro
153
que, mesmo no exílio forçado, não se afastou da luta negra brasileira. Assim, propiciando
condições para que o movimento negro não recuasse. Pois em seu início, negros e negras que
se organizavam contra a segregação racial e nas lutas por direitos civis estavam entre os
movimentos sociais, sem uma definição própria para o grupo. Neste sentido, os negros
estavam sem uma articulação de lutas que fossem compreendidos em suas especificidades.
Dessa forma, nasce a consciência da necessidade de políticas específicas, uma vez que o
Estado de Direito não reconhecia tais especificidades, das populações excluídas pelas classes
dominantes, (SANTOS, 2006).
Nesse contexto, os negros são submetidos às políticas universais, iguais às políticas da
Primeira República, do governo Vargas e por último, do regime militar. Mas, diante da
consciência de sua própria realidade, os negros se organizam e incluem em suas pautas
reivindicações de políticas específicas para que sejam atingidos até chegarem á equidade na
sociedade paulista e brasileira, (SANTOS, 2006), (NASCIMENTO, 1976).
Neste contexto, desponta a nomenclatura: Movimento Negro Unificado (MNU) cuja
política se posiciona a partir de suas articulações e, para esta organização, Abdias Nascimento
(1976) foi o percussor. O qual, mesmo no exílio forçado, manteve e influencia através de
denúncias à imprensa internacional contra o racismo estrutural no Brasil. E, para este debate,
seguimos a pista do Professor Ivair dos Santos (UnB) que ao analisar o pensamento de
Hasenbalg sobre a discussão em questão, observa-se que, apesar do contingente de negros
analfabetos, já existia, certo percentual de intelectuais negros, recém-formados e infiltrados
nos movimentos antirraciais:
[...] O renascimento do Movimento tem sido associado à formação de um
surgimento ascendente e educado da população negra que, por motivos
raciais, sentiu bloqueado seu projeto de mobilidade social. A isso deve ser
acrescentado o impacto nesse grupo de novas configurações no cenário
internacional, que funcionavam como fonte inspiradora ideológica: a
campanha pelos direitos civis e o movimento do poder negro nos Estados
Unidos e as lutas de libertação nacional das colônias portuguesas na África
(HASENBALG; SANTOS, 2006).
Conforme menção dos pensadores acima, o movimento negro, ressurge no sentido de anular,
através de suas lutas, os bloqueios gerados pela parte da sociedade opressora, cujo legado possui
vinculo com as lutas dos Estados Unidos, conforme já discutido anteriormente, neste trabalho.
É preciso considerar que, o Movimento Negro, contou com apoio político também da
esquerda brasileira, a União Democrática Nacional (UDN). Quando a UDN do Rio de
Janeiro, em 14 de março de 1946 se expressa em nome deste partido político e imprime dura
154
crítica as políticas excludentes sobre os negros, vigente no País e reafirma a urgente
necessidade de reconhecimento da questão racial no Brasil. Na ocasião, os mentores políticos
da UDN, contrapõem inclusive às teses de cunho racista defendidas por Conde Gobineau e de
Alfred Rosemberg. E, submete-os às teses antropológicas que atestam sobre a inexistência de
superioridade racial, reafirmando esperar que a “Nova Constituição inscreva o respeito dos
direitos de todos os cidadãos, de toda a condição e de toda raça”. (ANAIS DA
CONSTITUINTE, 1946, Imprensa em 08/04/2013).311
Através do trabalho de Bolivar Lamounier,312
sobre as eleições de 1974 e 1978, se
verifica que o sistema bipartidário313
havia transformado as eleições em plebiscitos, assim
reduzindo a vontade do eleitor, ou seja, diminuindo as chances de participação do eleitor que
lhe restava a apenas duas opções. Neste caso, coube ao MNU se aproximar do MDB, mesmo
com todas as falhas político-ideológicas deste partido, conforme sinalizamos na fala da
Professora Marilena Chauí ainda no segundo capítulo deste trabalho, pois era o que tinha
depois da Aliança Renovadora Nacional, (ARENA), (SANTOS, 2006).314
Não poderíamos sair desta discussão sem apresentar uma hipótese fundamentada em
nossa investigação até aqui. Embora, neste trabalho, não haja tempo para esmiuçar
profundamente o nosso estudo nesse sentido, tampouco o próprio debate em si, a ponto de nos
mantermos seguros em uma discussão antagônica. Na qual “o Movimento Negro Unificado”
não é filho da explosão educacional315
da década de 1970, mas é sim, herdeiro do movimento
negro articulado no início do século XX. E, assim, possui raízes profundas na articulação
política da Frente Negra Brasileira, apenas fundamenta suas reinvindicações, a partir das
especificidades do povo negro brasileiro e não o contrário, (SANTOS, 2006).316
Entendemos, pois, que um movimento político como foi a Frentenegrina, cuja energia
fluía entre o povo negro como flui o sangue em nossas veias. Inclusive, se aventurando,
311
Disponível em: http://www2.camara.leg.br Livro: Anais da Constituinte da Câmara dos Deputados –
Impresso em 08/04/2013. (25.* S. em 14 de março de 1946, sob a Presidência do Sr. Melo Viana e Presidente
Otaviano Mangabeira, 1º VI, às 14horas, p. 411-412. 312
Nota sobre Bolivar Lamounier, sociólogo e cientista político brasileiro. Fora o primeiro diretor-presidente do
Instituto de Estudos Econômicos sociais e políticos de São Paulo escrevendo frequentemente para os mais
importantes veículos da imprensa brasileira e em 1997 entram para Academia Paulista de Letras, além de possuir
numerosos estudos de Ciência Política publicados no Brasil. Organização da autora com fundamentação em:
wikipedia.org. Acesso em 10/01/2015. 313
Nota: Bipartidarismo caracteriza-se por sua relevância política em um momento em que apenas dois partidos
ou lideranças políticas tinham relevância no país. Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em
linha]. Porto: Porto Editora, 2003- 2016. Disponível na Internet: http://www.infopedia. 314
Os dados têm fundamentação na análise de ( SANTOS, Evair, 2006), entretanto a reflexão entre os dois
partidos, quanto a falta de opção entre ambos, é grifo da autora. 315
A observação e comparação, apresentando o oposto da história, é grifo da autora. 316
Os dados têm fundamentação na análise de (SANTOS, Evair, 2006), entretanto a reflexão entre os dois
partidos, quanto a falta de opção entre ambos, é grifo da autora.
155
propiciar oportunidade para que os negros, já naquela época, tenham oportunidade de cursar
uma universidade pública. Mesmo diante do quadro político de governo Vargas, das pressões
e opressão. Assim, defendemos que uma instituição com esse potencial não pode ter sido se
esvaziado em sua luta, em sua ideologia. Parece-nos que se absolveu a versão da oposição e
não se olhou para traz. Compreendemos que o recorte do autor em análise, após o ano de
1983, então julgamos conveniente e adequado colocar em discussão o antagonismo ao seu
recorte temporal, olhando atentamente para os depoimentos dos atores sociais negros do
primeiro movimento negros do século XX, ( BARBOSA, 2007, p.32-34).
Compreendemos, entretanto, que a FNB, possui falhas, as quais foram observadas, no
decorrer de nossa pesquisa, dentre elas, a exigência que, os negros lutassem contra seus
opressores, com as mesmas armas que lhes fizeram vítimas. Muitas vezes, ignorando a cultura
do povo negro e exigindo deles, se colocar em pé de igualdade contra as classes dominantes,
maioria branca.317
Observamos que a FNB tinha a preocupação de manter as escolas funcionando,
inclusive quando o ex-presidente Vagas fecha a sede da FNB, ela reabre como se fosse um
salão de festa na Liberdade. Neste sentido, a maior preocupação do grupo foi manter a escola
funcionando, com todas as disciplinas da escola pública até mesmo cursos de línguas: inglês,
francês, entre outros. Alguém acredita que os estudantes das escolas da Frente foram
dispersos no tempo e espaço? 318
Esta luta do MNU se (re) organiza a partir de certa classe que tem estrutura originada
no legado da Frente Negra Brasileira, a qual se fundamenta no pensamento do Professor
Florestan e apresenta alguns pontos sobre os quais militantes da FNB. Os quais se amparam
mutualmente, tentando mudar a realidade do povo negro no Brasil. E, vão desde a
“valorização do ambiente familiar” que inclui a preocupação com trabalho, aquisição de
moradia própria, “terrenos” entre outras coisas. Estas foram às formas de respostas contra a
discriminação racial instituída no Brasil, no período Pós-escravidão. Estavam presentes nas
pautas da FNB, que os negros deveriam mostrar-se superior às ações preconceituosas,
empenhando-se na luta por uma “Segunda Abolição”. Assim, realizar-se-á uma “Segunda
Abolição” sem depender da boa vontade dos brancos e, se precisasse usar a força e responder
a agressão, com violência, deveria fazê-lo. Mas, jamais permitir que os brancos,
manifestassem seus preconceitos e a discriminação racial sem serem combatidos. Acreditava
317
Grifo da autora, fundamentada em discussão nas aulas da Professora ANTONACCI, PUC-SP. 318
Grifo da autora.
156
a FNB, que desse modo, eliminaria as injustiças sociais contra a negritude brasileira,
(SANTOS, 2006); (BARBOSA, 2007).
A seguir, olhamos para a reflexão de Francisco Lucrécio, para ilustrar a nossa
hipótese, acima discutida.
A Frente negra foi um movimento social que ajudou muito nas lutas pela
posição do negro aqui em São Paulo. Existiam diversas entidades negras.
Todas essas entidades cuidavam da parte recreativa e social, mas a Frente
veio com um programa de lutas para conquistar posições para o negro em
todos os setores da vida brasileira. Um de seus departamentos, inclusive,
enveredou pela questão política, porque nós chegamos à conclusão de que,
para conquistar o que nós queríamos, teríamos de lutar no campo político,
teríamos de ter um partido que verdadeiramente nos representasse.
(BARBOSA, Aristide apud BARBOSA Márcio, 2007, p.38) 319
O movimento da FMB coloca em relevo que, a consciência negra existente em sua
época era muito mais forte do que a que existe nos dias atuais. Lembrando que as entrevistas
com seus militantes e fundadores, foram realizadas na década de 1980 em diante. Entretanto,
o militante da FNB está se referindo exatamente aos negros em movimento desde o fim da
ditadura de Vargas. Observamos também que muitos órgãos de imprensa aliados à Frente
Negra, sobrevivem ao Vaguíssimo e, em 1979, está atuante. Inclusive, cobrindo, a
manifestação da Consciência Negra em 20 de novembro de 1979, na Praça Ramos de
Azevedo, em frente o Teatro Municipal, quando registra o ato, inclusive fotografa o jornalista
Hamilton Cardoso em manifestação na frente do Teatro e nas imediações do antigo
Mappin.320
Tal como a Frente Negra, os organizadores do MNU iniciados neste período percebem
que precisam se introduzir na política partidária para então lutar pelos direitos e interesses dos
negros e esta movimentação se inicia por São Paulo, conforme debate (SANTOS, 2006) e,
sobre um registro que considera importante: “sobre a identificação da população negra com
o MDB, tomando como parâmetro o trabalho pioneiro de Amaury de Souza”. Evair dos
Santos, em Lamounier, discute a tendência das populações negras se identificarem mais com
os movimentos trabalhistas uma vez que suas especificidades estão além da questão de
trabalho e emprego. Logo, identificamos que no Brasil os negros são excluídos em
duplicidade, pela questão de classe social em que ocupa na sociedade e de raça. Neste sentido,
havia a discussão de que se os movimentos negros se organizassem separados para reivindicar
319
O depoimento de Aristide Barbosa figura no livro: Frente Negra Brasileira, organizado pelo Sociólogo
Márcio Barbosa, edição digital, 2007. 320Disponível em: <http://omenelick2ato.com/memoria/HAMILTON-CARDOSO>. Acesso em: 04 jan. 2016.
157
direitos civis, apartados dos movimentos trabalhistas, tal fato poderia se tornar uma luta
agressiva. Santos (2006) traz um depoimento de Fernando Henrique Cardoso, então senador
da República em 1978, discutindo sobre esta questão.
“Um movimento negro agressivo não pode levar a um novo tipo de racismo?” Em
seguida apresenta a fala de FHC321
:
Fernando Henrique Cardoso – pode, mas não necessariamente. E é um risco
que devemos correr. Afinal, o mínimo que se espera de uma democracia é
que reconheça e legitime a existência da diversidade social e até mesmo
cultural. O que não se pode é algemar duplamente as minorias, primeiro com
a opressão que sofre, segundo, condenando o seu esforço para liberta-se
sobre o pretexto de uma igualdade abstrata que, para as minorias, nunca
funcionou na prática. (SANTOS, 2006, p.70-71).
Mas não seria mais eficaz, e talvez mais justo, somar as reivindicações das populares
negras à maioria? E FHC responde:
Somar não, pois se trata de coisas homogêneas. Eu diria multiplicar. As
reivindicações dos movimentos monocitários passam, repito, pela
reivindicação básica da igualdade e supõem a liberdade de organização, de
expressão e de reivindicação mobilizada em torno da democracia – isto é,
você soma, mas principalmente você soma as razões para reivindicar.
Acreditamos que, mais justo do que o bipartidarismo seria observar as reivindicações
dos movimentos minoritários, consistindo o caminho para a democracia, para então,
pressupor a regra da igualdade. A parir dessa ação, se permitir à liberdade de expressão, aí
sim, residiriam os novos polos de articulação e de interesse, consistindo assim, o pleno
exercício da democracia, sem a qual, seria atender o oposto, (SANTOS, 2006, p.70-71).
A disposição dos militantes do movimento negro, grosso modo, se articula com os
militantes do partido e, se destaca no decorrer da discussão anterior, à reformulação
partidária, quando em 1979, o MNU ainda está em sua fase de estruturação. Pois naquele
ano, o MNU, ganha maior participação nos partidos políticos, após Esmeraldo Tarquínio322
321
Não há na obra do autor grifo sobre quem realizou a entrevista com FHC (questionou), mas o mesmo
apresenta a fonte em (Cardoso, 1979) e reflete acerca da questão acima discutida. Acreditamos que, se houver
interesse nesta referência, deve-se recorrer à referida obra, (mencionado no livro de SANTOS, Evair Augusto
Alves Dos). O Movimento Negro e o Estado (1983 -1987), dissertação defendida em 12/12/ 2001 pela PUC-SP e
publicada em 2006 pelo CONE (p. 70-71). A autora.
322
Esmeraldo Soares Tarquínio de Campos Filho, (negro*grifo da autora) nasceu em 12 de abril de 1927, em São
Vicente. Após o falecimento de seu pai, a família enfrentou dificuldades. Esmeraldo começou a trabalhar aos
nove anos de idade, sem abandonar os estudos. Depois de muito esforço, ingressou na Faculdade de Direito, e
158
recuperar seus direitos políticos e, como membro do recém-criado PMDB, se transforma em
polo dos militantes negros no referido partido, (SANTOS, 2006).
Uma marca da luta do MNU se caracterizava pela eliminação de todas as formas de
discriminação racial, já que no distante ano de 1965 o Brasil foi uma das primeiras nações a
assinar a Convenção para a Eliminação de todas as formas de “Discriminação Racial” junto a
ONU. Sendo também um dos primeiros países a condenar o Apartheid na África do Sul, tendo
assim, se tornado tema consensual entre a discussão do MNU e também dos partidos políticos
no País. De forma que, em 1985 o Brasil já figurava nos noticiários internacionais como um
país cuja negritude registrava forte adesão na luta contra o regime Apartheid, (BARBOSA,
p.137-139).
Ainda em 1985, quando o Movimento Negro Unificado, de certa forma, já estava
organizado, aproximadamente duzentas pessoas fazem uma passeata em São Paulo visando
protestar contra o julgamento de lideranças sul-africanas que se declaravam contra o
Apartheid naquele país. Esta passeata contou com a participação de Eduardo Matarazzo
Suplicy (PT) e Benedito Cintra (PC do B) e outras lideranças do PDT. Na ocasião,
representantes dos partidos políticos foram convocados pelo Conselho da Comunidade Negra,
o qual entregou ao governado Franco Montoro exigência do rompimento das relações
diplomáticas entre o Brasil e a África do Sul. Na ocasião solicitou-se também do então
presidente do Brasil, José Sarney, apoio efetivo ao povo sul-africano pelo fim do Apartheid,
(SANTOS, p.137-139).
O Cônsul sul-africano John Sunde solicitou de Montoro a proibição das manifestações
sob a alegação que fugiria da incumbência de um governo de Estado se envolver com
aspectos da política externa, explicando que o assunto seria de responsabilidade do Ministério
das Relações Exteriores. E, como a solicitação foi realizada por carta, em um gesto de
protesto, o então governador Franco Montoro a devolveu ao Itamaraty e pessoalmente se
pronunciou ao Ministério acerca do teor inaceitável da referida Carta, (SANTOS, p.138-141).
aos 30 anos formou-se advogado. Atuou ainda como despachante aduaneiro e jornalista. Foi eleito vereador em
1960 e deputado estadual dois anos depois, cargo para o qual foi reconduzido em 1966. Disputou e venceu as
eleições para a prefeitura em 1968, com Oswaldo Justo como vice. Foi cassado em 13 de março de 1969, antes
de assumir o cargo. Esmeraldo continuou a advogar e passou a lecionar. Faleceu em 1982, aos 55 anos, antes da
cidade recuperar sua autonomia. Entre as homenagens já prestadas ao ex-prefeito, a entrega póstuma do título de
Cidadão Santista, conferida em 2007, quando completaria 80 anos. Seu nome também foi dado ao salão nobre do
Palácio José Bonifácio, sede da prefeitura. [...] Livro sobre sua vida: a obra é permeada com acontecimentos
históricos, sociais e políticos da cidade, do Estado e do Brasil, entre as décadas de 1910 1990 (antes do
nascimento e depois da morte de Tarquínio). Político regional de origem popular mais importante da história
de Santos no século 20, Tarquínio foi eleito em 1968 o primeiro e único prefeito negro da história da cidade,
cassado um mês antes de tomar posse. Seus direitos políticos foram suspensos até 1979, motivo que o
transformou no símbolo da luta pela democracia. Fontes:
http://www.portal.santos.sp.gov.br/raçabrasil.uol.com.br – Acessado em: 04/01/2016.
159
Alheio à vontade do Cônsul Sunde, em 22 de agosto de 1985, o então governador de
São Paulo, Professor André Franco Montoro, envia um apelo ao ex-presidente Sarney
solicitando que as relações diplomáticas entre Brasil e África do Sul fossem rompidas, em
atendimento à manifestação do Conselho da Comunidade Negra. A referida manifestação
aconteceu na forma de um evento no anfiteatro do Palácio dos Bandeirantes e na presença dos
convidados foi entregue à Montoro a redação da manifestação. Foram convidados para o
evento os embaixadores do Zaire, da Costa do Marfim, Senegal, Gabão, Camarões e Haiti.
Em seu discurso, o Presidente do Conselho da Comunidade Negra reivindica que fosse
oferecida a maior homenagem do Estado de São Paulo ao líder da África do Sul, Nelson
Mandela, que na ocasião estava preso, (SANTOS, 2007, p.141).
Os grupos que formavam o Movimento Negro de 1972 em diante faziam parte de certa
classe média negra, de maioria universitária e outros que, já formados, desempenhavam
funções enquanto “profissionais liberais” no Grupo de trabalho de Profissionais Liberais e
universitários Negros (GTPLUN) que teve como líder Iracema de Almeida; ela foi à
primeira negra a ingressar e se formar médica na Faculdade Paulista de Medicina, não mede
esforço para transformar positivamente a vida dos negros, assim, colabora de todas as formas
com o seu povo. Inclusive, observamos um depoimento do jornalista Hamilton Cardoso,323
um dos principais líderes do MNU, quando em 1978 organizam o encontro do Movimento
Negro Unificado na Praça Ramos de Azevedo, a proposito em frente ao Teatro Municipal,
ponto de encontro das classes dominantes. E, Hamilton Cardoso conduz e incentiva no local,
a explosão da luta negra, e também cobra a participação de políticos, estudantes e intelectuais
na luta contra o preconceito racial que culmina com a segregação dos negros em todo o
Brasil.324
A luta pela liberdade, pelo respeito e pelo fim do preconceito racial, estava presente na
bandeira levantada pelos negros, conforme reflexão a seguir,
Desde o fim da escravatura os negros brasileiros vinham buscando se
organizar em defesa de seus direitos e no combate à discriminação
racial. Entretanto, durante a ditadura militar, todos os esforços nesse
sentido foram reprimidos e esvaziados pela propaganda do regime,
323
Dulce Maria Pereira, Diretora do INTERFÓRUM Global. Disponível em: http://arquivo.geledes.org.br.
Acesso em: 01 dez. 2015. Conformado em 17/01/2016. 324
Foi fundador do Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial em 1978 – hoje MNU, consultor de
Comunicações da OAB e do Instituto da Mulher Negra, Geledés e co-fundador da revista Lua Nova/Cedec. Em
1981, no Brasil, criou a revista Ébano, entre outras atividades nacionais e internacionais, em prol da luta do
MNU.
160
que exaltava a “democracia racial brasileira” e estigmatizava os
ativistas como imitadores dos negros americanos. 325
Neste sentido, a repressão consegue conter o povo negro por certo tempo, porém perde
o controle sobre os mesmos quando unidos pelo MNU.326
Em 07 de julho de 1978, o MNU promoveu um ato para ser realmente o que foi: uma
manifestação histórica que rompeu com o silêncio até então necessário entre seus militantes.
Afinal, estávamos em um momento histórico de maior repressão contra a liberdade de
expressão e contra a vida. No ato, foi distribuída uma carta aberta, a qual denunciava as
condições em que o povo negro vivia no Brasil. O protesto teve o apoio de entidades de “São
Paulo, Bahia, Minas Gerais, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro”. Até os “Prisioneiros da
Casa de Detenção” se manifestam enviando um documento de apoio ao movimento. A partir
de então, o dia 07 de julho de 1978 entra calendário das lutas contra a discriminação racial e
por direitos civis.327
A discussão do Movimento Negro unificado (MNU) em 07 de julho de 1978 tem
como objetivo reivindicar e discutir as condições de vida em que os negros brasileiros são
submetidos. Inclusive a mortandade de negros, prisões entre outras atrocidades, nas quais
existiam e ainda existem dois pesos e duas medidas nas formas de punição e julgamento.
Assim, a Carta de apoio ao movimento negro naquele ato, vinda dos “Prisioneiros” é um
documento imbuído de denuncias contra os preconceitos de que são vitimas além da total
ausência de oportunidade de inclusão social.328
Hamilton Bernardes Cardoso, jornalista e militante do MNU, são um dos articuladores
deste ato, inclusive responsável por narrar os acontecimentos os acontecimentos de 07 de
julho de 1978 “nas páginas” da seção afro-latino-América do jornal “Versus”. No mesmo
ano, em novembro, o “MNUCDR participaria do 1º Congresso Nacional pela Anistia,
denunciando a violência policial contra os negros no Brasil, as condições subumanas da
população carcerária e as torturas nos presídios”.
325
Disponível em: <http://www.memorialdademocracia.com.br/card/ato-reorganiza-o-movimento-negro>.
Acesso em: 25 jan. 2016. 326
Grifo da autora. 327
Disponível em: <http://www.memorialdademocracia.com.br/card/ato-reorganiza-o-movimento-negro>.
Acesso em: 25 jan. 2016. 328
Grifo da autora.
161
Após o ato, e depois da redemocratização, o delegado Alberto Abdalla, responsável
pela prisão e assassinato de Robson Silveira da Luz, foi condenado pela morte do jovem,
juntamente com outros policiais, entretanto, o delegado não chegou a ser punido.329
É importante lembrar que Robson Silveira da Luz, foi preso, torturado e assassinado
porque foi acusado de roubar frutas em uma feira livre em São Paulo. E, o MNUCDR nasceu
em resposta à discriminação racial sofrida por quatro garotos do time infantil de voleibol do
Clube de Regatas Tietê, quando representantes de várias entidades se reuniram em resposta à
discriminação racial contra as jovens e também, em função do referido assassinato. 330
Esta situação não é novidade em nosso país, uma “autoridade” que deveria obrigação
preservar a vida, faça ao contrário e a extermine. Até porque, a maioria tem consciência
quanto à impunidade que a beneficia. Matar um jovem negro que rouba uma fruta para se
alimentar, talvez não atormente a consciência de quem nunca sofreu exclusão, pobreza.
A seguir, analisamos a reflexão sobre o que significou a luta do MNU, na
contemporaneidade,
.
O MNU foi e ainda é o espaço de reflexão e formação de importantes
quadros da política e da intelectualidade brasileira e, por isso, entre
outros aspectos, necessita ter esta história contada para que a atual e
futuras gerações compreendam os processos políticos e sociais
enfrentados anteriormente e consigam usufruir hoje de direitos e
garantias antes desconsideradas para as populações negras do Brasil.
Por conta disso continuamos firmes na defesa do que foi estabelecido
em nossa Carta de Princípios em 1978; perseveramos na luta pelo
respeito, reconhecimento e resgate da história de negras e negros,
assim como das culturas afro-brasileira e africana razões que
justificam plenamente a celebração desta data. Afinal, contar a história
do MNU é retomar as razões que fazem da luta pela igualdade de
direitos indispensável, não só para a população negra do Brasil, mas
para a humanidade.331
A seguir, refletimos sobre a imagem de Hamilton Cardoso, em 07 de julho de 1978,
quando o jornalista e militante liderava o MNU em frente ao Teatro Municipal, em São Paulo.
329
Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?p=21311>. Acesso em: 01 dez. 2015. 330
Ibid. 331
Disponível em: <https://agenciapanfletaria.files.wordpress.com/2011/04/panfleto_mnu_30_anos-1.pdf>.
Acesso em: 1 dez. 2015.
162
Fonte: jornal Versus, julho/agosto de 1978.
Desse modo, atentar contra a vida alheia é mais fácil do que lutar por um sistema de
educação igual para todos.332
Nossa indignação aqui traduz a consciência da ausência do
Estado de Direito na distribuição dos bens e serviços públicos. Conforme discussão em toda
esta dissertação, os bens e serviços públicos, sempre foram destinados às classes dominantes,
em especial, à educação superior, (CARDOSO, 1982).
Refletimos acerca dos participantes do 1º ato, ocorrido em 07 de julho de 1978,
quando o Movimento negro Unificado (MNU) reúne cerca de 2 mil pessoas nas escadarias do
Teatro Municipal, na Praça Ramos de Azevedo. Todos os presentes expressam indignação
contra o sofrimento, a desumanidade com a qual os negros eram tratados, no Brasil. “O ato
foi o marco inicial” da organização do “Movimento Negro Unificado”, primeiro com a sigla
(MNUCDR), ou seja, Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
(MNUCDR), depois rebatizado apenas, Movimento Negro unificado (MNU).333
332
Ibid. 333
. Disponível em: <http://www.memorialdademocracia.com.br/card/ato-reorganiza-o-movimento-negro> (na
qual figura a revista Versus, na qual a mesma foi publicada em julho/agosto de 1978). Acesso em: 25 jan. 2016.
163
Observamos a imagem da luta do MNU, em 1978, em frente ao Tetro Municipal em São
Paulo.
Fonte: jornal Versus, julho/agosto de 1978.
334
Observa-se que, participam do Ato, mulheres, homens, jovens e crianças, todos
negros. Não visualizamos nesta foto nenhuma presença de participante branco. Permitindo-
nos analisar que, naquela época, em 1978, a consciência estaria ausente da maioria das
pessoas não negras, afinal, hoje mais do que nunca temos a certeza, esta luta é de todos. 335
Neste contexto, refletimos também acerca da imagem do jornal “O Menelik 2º ato”
onde Hamilton Cardoso continua sobre o comando expressivo, em sua performance
denunciando o racismo contra o povo negro. 336
O Teatro municipal, na Praça Ramos de Azevedo em São Paulo, passou a ser o ponto
de encontro, manifestação e denuncia acerca do racismo e segregação contra os negros.
Observamos que o jornal faz menção ao “2º ato”, ou seja, estavam reunidos pela segunda vez,
em luta contra o racismo institucional no Brasil.
334
Ibid. 335
Grifo da autora. 336
Ibid.
164
Refletimos sobre a imagem expressiva do militante e jornalista Hamilton Cardoso:
Fonte: jornal O Menelik 2º ato.
Após o evento, Hamilton Cardoso escreve a “Carta Aberta” a Nelson Mandela, a fim
de documentar o que se passa no Brasil, sobremaneira, enxergamos nesta Carta, a rigor, uma
série de denúncias acerca do racismo estrutural do Brasil. Não podemos esquecer que na
ocasião, o Brasil desfilava para a Europa, sobre o mito da democracia racial. Assim, a “Carta
Aberta” está impressa as formas como os poucos negros que ascendem socialmente no Brasil,
em geral, dependem da solidariedade entre si, ou não saem de seus lugares de origem, ou seja,
do cativeiro.337
Neste documento, Hamilton conta sobre sua origem pobre na cidade de Catanduva –
SP e explica como conseguiu ascender socialmente. Entendemos que, na qualidade de
jornalista, Hamilton encontra neste documento, em plena Ditadura Militar, formas de
denunciar. Infelizmente este líder já não vive fisicamente entre nós. Perdemos assim a
oportunidade de esmiuçar cada detalhe que se esconde por traz de cada frase dita na
linguagem poética que já se sabe, fora esta a forma de expressão mais apropriada naquele
337
Jornal O Menelik 2º ato.
165
período de trevas (Ditadura). Onde os intelectuais usavam para ludibriar a censura, esta que,
na maioria das vezes, fora executada por pessoas cuja capacidade intelectual era pouco
desenvolvida, favorecendo assim as denúncias que, em geral, se expressavam através da
musicalidade, da arte e em documentos como esta “Carta Aberta a Nelson Mandela”.
Expomos a “CARTA ABERTA” de Hamilton Cardoso a Nelson Mandela, iniciada
pela frase “Meu caro Rei e presidente Mundial”:
Escrevi para lhe falar do Brasil, - o meu país.
Aqui no Brasil, onde o racismo não é e nunca foi legal, - é péssimo, por sinal
- existe a condecoração, concedida no plano individual e emocional - o
Negro de Alma Branca - que foi rejeitada, inclusive, pelos negros da África
do Sul e é utilizada para muitos dos nossos, até publicamente. Mas você, ao
que me consta, e pelo que demonstra, rejeitou as duas...338
E continua Hamilton Cardoso:
Mas como bom e fiel súdito, eu lhe peço: lembre-se sempre desta
contribuição do Cedec. Nele, eu tenho amigos de verdade. Não que eles não
tenham compromissos com a branquitude deles, mas é que a branquitude - e
a minha companheira me ensinou - não é como a negritude: uma condição.
Eles, e muitos deles - a maioria dos que tenho - são meus amigos. Quero
manifestar e demonstrar-lhe a minha gratidão ao Cedec - Centro de Estudos
e Cultura Contemporânea do Brasil. Eles me ajudaram a escrever-lhe esta
carta. São meus amigos e o José Álvaro Moisés, de lá e, hoje na Inglaterra
estudando, contribuiu decisivamente para que eu pudesse retirar as primeiras
gotas de lama do país - cadáveres de todos nós - dos ombros. Ele me revelou
- e eu demorei a concluir - que esta história de "jeitinho brasileiro" e da
"malandragem compulsiva inerente do negro" são cadáveres siameses em
nós.
Hamilton Cardoso segue em seus relatos a Mandiba, em “A CARTA ABERTA”,
documento este que foi por ele próprio elaborado e entregue nas mãos do destinatário, na
oportunidade da visita de Mandela ao Brasil. Na ocasião, Hamilton Cardoso, enquanto líder
do MNU atende o convite do governador de São Paulo para recepcionar Nelson Mandela. Foi
em 1990 quando Mandela, recém-liberto na África do Sul, realiza sua primeira viagem
internacional, incluindo o Brasil. Na qual, objetiva receber apoio contra para a luta contra o
regime de “apartação racial” (Apartheid) naquele país.
O Marcos Faermam, um jornalista judeu como a maioria dos personagens de
Richard Wright e da vida anti-racista negra norte-americana além de mostra-
me, indicando livros para ler e me dar tempo para fazê-lo - garantiu, e criou
338
Fonte: Jornal Irohin - Edição nº 11/ arquivo.geledes.org.br – Acesso em 11/01/2015.
166
condições para eu pensar e refletir sobre eles. E me convencer que eu sou
uma ostra. Convenceu-me também de que o que eu gosto mesmo é
jornalismo literário, e que poderia fazer uma grande reportagem. Tentei. Este
é o esforço das ostras - e eles as nossas esperanças.
Continua a narrativa do jornalista a Nelson Mandela, na qual, além de observarmos o
teor da inclusão do Brasil, na primeira visita internacional de Mandiba, conseguiu interpretar
no pensamento deste militante e ativista do movimento negro Hamilton Cardoso, o Brasil
racista dos recentes vinte anos.
De qualquer modo, se não fosse o Cedec, onde há mais de meia década eu e
o Weffort - que conversava muito comigo e me revelou, mostrando a
inutilidade deles, que um dia eu teria que derrubar cadáveres - ele escreveu
sobre isto em relação ao socialismo, sem o Cedec eu não teria como lhe
entregar esta carta. Ela poderia ser mais um cadáver da minha vida. E diante
dela. E eu o desconheceria. Não saberia que estes defuntos existem. Como
você vê, eu estou por conta própria - mas nem tanto assim. O Orestes
Quércia, ex-governador, quando eu estava quase afogado - e com a ajuda do
ex-secretário dele, o Oswaldo Ribeiro, negro como nós - mostrou-me como
sair do lodo. E a minha companheira, a mulher, Maria Cristina Brito
Barbosa, sempre olhava para mim cuidadosamente e, por receio, talvez, - ela
é branca - não deixava eu me liberar repentinamente dos entulhos. Ela temia,
em mim, um choque anafilático e a loucura em minha mente. Eu seria um
dos cadáveres dela. E Ela sabia que eu precisava do equilíbrio que você, meu
caro Rei, demonstra. E também que eu não sou - talvez não tenha nascido
para isto - um Estadista. E antes do meu isolamento - nos buracos das
periferias repórter do povo - eu vi a loucura mental e a miséria (é uma
loucura!) social dos descendentes dos seus compatriotas escravizados. Como
muitos eu colocava a mão na cabeça e chorava... Você estava preso na
África do Sul.339
Olhamos para a última reflexão selecionada por nós, da “Carta” do jornalista Hamilton
Cardoso a Nelson Mandela e consideramos que a parte analisada nos foi suficiente para este
trabalho, mas continuamos crendo que esta “Carta” em si é uma obra poética e histórica que,
assim como para nós, poderá auxiliar ou mesmo servir de estudos em dissertação para os
interessados na luta negra brasileira.
Aliás, falando dos meus amigos, principalmente os do Cedec, lembrei-me
da historiadora Maria Victória Benevides - que é de lá -, e eu a ouvi muitas
vezes citar o Getúlio Vagas, que dizia: “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a
339
Na frase: “ela pagou matrícula na faculdade”, não fica muito óbvio, mas dada as condições de vida de seus
pais e sobre o empurrão dado pela doutora Iracema de Almeida, primeira médica negra a se formar pela
faculdade de medicina de São Paulo e atuante no MN, passa a impressão de que fora ela que pagou a matrícula
de Hamilton Cardoso na faculdade. Fonte: Jornal Irohin - Edição nº 11/ arquivo.geledes.org.br – Acesso em
11/01/2015.
167
Lei”. Eu não sei, e gostaria de ouvir ou ler a sua opinião à respeito, sobre o
ditado do Getúlio Vargas, pai dos pobres -, se ele é certo... O fato é que é
assim que as coisas funcionam aqui no Brasil, na democracia racial.340
Um líder negro e ativista político que, por ocasião das “Diretas Já”, em 25 de abril de
1984, fora um dos primeiros líderes do MNU a se fazer presente e ocupar os microfones para
apoiar à democracia. “Certamente, se aqui estivesse faria um balanço para dizer que, além
das formalidades e de obtermos alguma representação e visibilidade, como coletivo, pouco
caminhou. E, apoiaria os programas de cotas, mas certamente diria que são insuficientes”.
341
A formação do MNU é marcada por um inconveniente político, do ponto de vista dos
ativistas negros, pela tendência peemedebista. Mas, alheios a essa adversidade, militantes e
políticos negros, a exemplo do deputado federal Adalberto Camargo e Theodosina Ribeiro
deixam o MDB pelo PDS, com negociata de cargos na administração de Paulo Salim Maluf, o
que levou militantes do MNU à exibição de agravo sobre o ocorrido. Dentre eles estava:
Professor Milton Santos, Esmeraldo Tarquínio, Eduardo Oliveira e o vereador Benedito
Cintra. Foi criada na ocasião, uma organização política de oposição, cujo nome era
FRENAPO - Frente Negra de Ação Política de Oposição. A qual absorveu todos os militantes
negros que faziam oposição ao regime militar. Com essa organização, se renova a atuação
política dos militantes negros, por se declararem oposicionistas a qualquer ação de caráter
conservador, de direita, (SANTOS, 2010, p.136-138).
A criação do Conselho da Comunidade Negra (CCN) em São Paulo configurou-se por
difícil tarefa. Pois, com as organizações da Frente Negra, o CCN foi interpretado como sendo
uma entidade de instrumento político e, naquele período histórico, o racismo e a
discriminação racial se faziam presentes na sociedade, sobremaneira, se expressava no
cotidiano das pessoas, como ocorre ainda hoje.342
3.8 Docentes e Discentes da PUC-SP Contribuem na Articulação dos Sociais; Movimento
Negro em São Paulo.
O corpo docente e discente da PUC-SP exerce papel fundamental na luta contra o
racismo, formando pesquisadores nesta temática, já a partir dos anos 1970 e 1980 embora,
340
Fonte: Jornal Irohin - Edição nº 11/ arquivo.geledes.org.br – Acesso em 11/01/2015.
342
Grifo da autora.
168
seja parte da Igreja Católica e tenha sua manutenção proveniente das classes dominantes. Nos
primórdios década de 1970, com “o surgimento da teologia da libertação”, grandes mudanças
foram observadas no cenário da Igreja (religião). Na ocasião, se observa mais apego à teoria
dominante para abraçar as teorias da nova teologia latino-americana, cuja ideologia determina
que o compromisso cristão tenha princípio orientador em raízes profundas nas lutas contra
quaisquer formas de segregação, (SANTOS, 2006).
Neste contexto, sua política administrativa (em geral) não interfere na qualidade de um
ensino aprendizado crítico, tampouco em sua produção científica, até porque os profissionais
desta instituição são bastante resistentes ao pensamento dominante, o que, grosso modo,
contribui para que esta intuição seja o que é hoje. Dentre todas as universidades de capital
privado em São Paulo, a PUC ganha destaque na produção científica de temáticas
relacionadas à pesquisa sobre a cultura afro-brasileira e africana, e sobre temáticas
relacionadas aos grupos excluídos. Em quase todas as áreas do conhecimento,343
além de
permanecer em sua política de liberdade ao estudante pesquisar, nos propiciando motivação
para realizar a pesquisa sem interferências externas344
.
Para discutir esse assunto, contamos com material de pesquisa do mestrado do
Professor Evair dos Santos pela PUC, concluído em 2001, em que analisou o Movimento
Negro no Estado de São Paulo entre o período de 1983 – 1987, tendo resultado na obra de
mesmo nome que analisamos para esta e outras discussões, (SANTOS, 2006).
Assim, segundo sua interpretação, reflexão:
O movimento negro é, pois, filho da explosão educacional dos anos 70 –
proliferação de faculdades particulares, [...] Com efeito, os jovens que
fundam, nos anos 70, entidades negras de luta contra o racismo são, quase
sempre, dessa geração universitária. Dentre os vários grupos, destacamos o
grupo negro da PUC de São Paulo do depoimento de Antonio Carlos Arruda,
seu principal articulador: (Entrevista, 1991), (SANTOS, 2006, p38).
Consideramos que o Movimento Negro contou com a “explosão educacional”
estimulada pelos discentes e docentes de algumas universidades privadas em São Paulo.
Neste contexto, a PUC-SP, cujo quadro docente, já naquele momento, estava preparado para o
debate, contra a exploração das camadas sociais mais baixas. Momento em que se inclui o
343
Grifo da autora fundamentada na própria experiência enquanto estudante do Lato Sensu, da extensão de
línguas (espanhol) e atualmente no curso enquanto aluna do Stricto Sensu (mestrado). 344
Grifo da autora.
169
debate das populações negras e da educação em geral. Essa ação abre caminhos para que os
discentes negros e interessados nas questões, pudessem iniciar essa discussão. Assim como
também, a PUC-SP abraça boa parte dos estudantes negros paulistas e até os dias de hoje, esta
universidade continua nos proporcionando esta proeza. Inclusive cedendo espaço para que
mantenhamos a Cecafro funcionando hoje dentro da própria instituição, sobre a
responsabilidade da Professora Maria Antonieta Antonacci e do Professor Amailton Magno
Azevedo. Os quais mobilizam estudantes negros e interessados nesta questão, a fim de
elucidar a disseminação o preconceito racial e suas ações correlatas.
Prova que o corpo docente da PUC-SP, e a própria PUC-SP abraçam este debate, é a
existência de uma instituição como a Centro de Estudos Africanos e da Diáspora
(CECAFRO) a qual discute temas como a presente dissertação. Sendo que a mesma parte da
pesquisa empírica com os sujeitos sociais excluídos em luta pelas políticas afirmativas na
Universidade de São Paulo. Assim como outras pesquisas tão ou mais importantes que esta,
que se desenvolveram e continuam a se desenvolverem em seus Programas de Pós-
Graduação, inclusive com auxílio de bolsas, como é o caso desta pesquisa.
A seguir, fala de Antônio Carlos Arruda, aluno da PUC-SP, em entrevista para a
pesquisa do Professor Evair dos Santos, narrando à trajetória da luta antirracista a partir da
CACUPRO/PUC-SP.
Entrei na PUC em 1977. Em 1978 criamos o Grupo Negro da PUC na
Cacupro. Eu me lembro de que uma das discussões era de que se “entrava
negro na universidade e se saia branco”. Eu via todo mundo preocupado com
isso. Aí passa 74, 75 e o movimento negro fala isso, discute isso. Em 1977,
eu entro na PUC-SP e, logo após o “pacote de abril”, o movimento estudantil
começou a pegar fofo. Mas eu estava preocupado com a questão do negro,
não tinha negro na minha classe. Nós éramos poucos e alguns eram meus
conhecidos. Então fiz uma carta para os negros da PUC-SP, convidando todo
mundo para uma reunião no Centro Vinte e Dois de Agosto. Fiquei
esperando. Fiquei de plantão lá. A carta dizia que nós negros, precisaríamos
nos reunir, estar juntos, para discutir essa coisa de entrarmos negros na
universidade e sairmos brancos. (ARRUDA; SANTOS, 2006, p. 39).
Continuamos com a narrativa de Arruda (1991) acerca da organização do Grupo
Cacupro:
Quando entrei na Cacupro, quando ajudei a organizá-lo, era o período de
volta à África: usamos roupas afro, tranças, éramos contra alisar o cabelo. Eu
estava com 21 anos. Neste período tentávamos fazer outras coisas como
montar peças e exposições. Era tudo muito ligado à África, à redescoberta da
África. Estávamos muito próximos dos movimentos revolucionários de
170
Angola e Moçambique. Não podia aparecer um africano que nós
carregávamos o sujeito para ele falar alguma coisa. (ARRUDA; SANTOS,
2006, p. 41).
Na década de 1970, os estudantes da PUC-SP, já carregavam impresso em suas
discussões à intenção do resgate das culturas negras (africanas) naquele espaço. O que
consideramos relevante, em especial, quando se tratando de alunos de cursos de graduação,
em um país marcado pelo mito da democracia racial, se não tivessem professores e
articuladores por traz dessa discussão, esta façanha não se realizaria. 345
Consideramos que a PUC-SP e seu corpo docente tem contribuído para a luta contra o
preconceito racial e contra os desmandos das classes dominantes, contra os grupos desvalidos
que foram impedidos de se integrar na sociedade paulista e brasileira, com o mesmo
desenvolvimento propiciado a parte da sociedade branca, (SANTOS, 2006). 346
Como bem apontou o Professor Antônio Sergio Guimarães que, a partir do governo
Vargas e, com o advento da Ditadura Militar, nos anos 1964 em diante, inclusive nos quatro
governos do período pós “Ditadura Militar”, no Brasil, houve uma completa estagnação de
vagas nas universidades públicas. Este fator propiciou uma queda brutal na qualidade do
ensino fundamental e médio público. Nesse sentido, o Estado, visando escamotear esta
realidade, também com o advento da expansão da doutrina capitalista; o número de
universidades privadas cresce assustadoramente e estas abocanham a maior parte dos
estudantes oriundos da rede pública, porque são barrados pelos sistemas de vestibulares das
universidades públicas, em especial pela FUVEST. Dado o baixo nível de ensino da rede de
pública no Brasil. Assim, os estudantes das escolas públicas não conseguem competir com os
estudantes da rede particular destinado aos filhos das classes dominantes. (SANTOS, 2006).
Neste sentido, as universidades privadas oferecem um ensino de acordo com as
condições do preço que esses estudantes conseguem pagar, em geral, cursos em cujo currículo
não oferece o aprendizado através de pesquisas. E, esse fator contribui para a predominância
345
A partir da educação cidadã crítica, é possível mudanças, capazes de transformar a realidade de uma de um
grupo, de uma sociedade. Elaboração da autora fundamentada em (“A Escola e o Conhecimento, CORTELLA,
2006), 10ª edição. Cortez Editora e Editora Instituto Paulo Freire. O Professor Mario Sergio Cortella nos inspira
nesta obra e em tantas outras no qual se expressa acerca da educação inclusiva e de uma e defende que, a
educação deve servir de instrumento para a igualdade social de todos. A autora. Nota sobre o Professor Mario
Sergio Cortella: É mestre o doutor pela PUC-SP, pelo Departamento de Teologia e Ciências da Religião e do
Programa de Pós-Graduação em Educação, dos quais, hoje é professor/pesquisador. Entre 1983 – 1984 foi
membro da diretoria da APROPUC/Associação de Professores da PUC-SP. Além de ter exercidos funções
públicas relevantes para a Educação Pública de São Paulo, ao lado do saudoso Paulo Freire. A autora. 346
Grifo da autora, fundamentada em Santos, (2006).
171
das classes mais altas, inclusive nos dias de hoje, na rejeição das políticas afirmativas na
Universidade de São Paulo (USP).
Somando este fator à nossa experiência com o nível de pesquisa que temos realizado
na PUC-SP para então concluir nossos cursos, consideramos que a PUC-SP sempre operou
nas condições das melhores universidades deste País e, no quesito igualdade, supera muitas
universidades, como a USP. A qual se mantém cada vez mais fechada para o debate das
questões étnico racial, sobre a diversidade humana e social, se mantendo em redoma.347
Ainda na década de 1970, a PUC-SP contribui com a articulação do movimento negro
em São Paulo, se destacando entre os vários grupos e entidades de liderança negra que fazem
decolar as lutas negras em São Paulo. Ressaltamos, então, sobre os nomes das entidades e
grupo de liderança negra em São Paulo, além do Grupo Cacupro/PUC-SP; Casa de Cultura e
Progresso Afro-Brasileira; Ceab (Centro Afro-brasileiro); Grupo de Teatro Evolução de
Campinas; Grupo de Teatro Rebu; Teatro Zumbi, entre outros. Todos esses grupos tinham a
participação efetiva de universitários negros e profissionais liberais, resultando na criação do
Núcleo Negro Socialista, que contribui imensamente para a Organização do Movimento
Negro Unificado contra a “Discriminação Racial”. (SANTOS, 2006, P. 39-40).
“Se a luta pela emancipação do povo negro em São Paulo, no decorrer do Estado
Novo, “quase” foi desarticulada, no Período Ditatorial, “quase” assistimos a sua completa
extinção”. Entretanto, o povo negro reagiu e, em 1978, em pleno Regime Ditatorial no
Brasil, podemos observar a sua explosão chegando a todo vapor em 2016. 348
347
Grifo da autora fundamentada em levantamentos de pesquisas para esta dissertação em (Guimarães, USP,
2003). 348
Grifo da autora.
172
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer de nossa pesquisa constatamos que, a luta do povo negro foi organizada
desde o primeiro século de escravidão quando Zumbi dos Palmares substitui Ganga Zumba,
em 1678, sendo este o primeiro negro a se refugiar na Serra da Barriga conhecida por
Macaco, no atual Quilombo dos Palmares. Abrigando outros negros que conseguiam fugir da
escravidão nos engenhos.349
Naquele ano, Ganga Zumba se rende aos anseios de Portugal que
já vinha negociando a desocupação da região por intermédio do donatário (governador) Pedro
de Almeida da Capitania de Pernambuco. Na ocasião, os poucos negros que tentaram ocupar
“Cacau”, as terras oferecidas em troca da Serra da Barriga em Macaco, foram dominados e
conduzidos aos seus senhores. 350
Zumbi dos Palmares entrou em luta política com Ganga Zumba em desacordo com sua
posição de negociar a saída do povo negro da Serra da Barriga - Macaco, cedendo-a a
Portugal. Sem conseguir convencê-lo a desistir da infame ideia, um dos homens colaborador
de Zumbi, o envenenou, dando cabo de sua vida, para evitar que as tropas portuguesas se
apossassem de suas terras. Neste sentido a luta de Zumbi, hoje considerado símbolo da
resistência negra no Brasil, iniciou-se fortemente a partir do ano de 1678 até 1695 quando foi
assassinado em luta de resistência contra a dominação de seu povo e de seu território (FILHO,
1998).
Este reconhecimento foi possível graças à luta do movimento negro contemporâneo,
intermediada por Abdias Nascimento, mãe Hilda e seus discípulos, em 1980. Na ocasião,
ambos sobem a Serra da Barriga – Quilombo dos Palmares e documentam suas presenças
como um marco da luta e resistência do movimento negro, iniciado por Zumbi dos Palmares.
Neste contexto, cobraram do Estado Brasileiro, o reconhecimento e a demarcação da região
como patrimônio histórico da humanidade, em especial das populações negras, quando
exigem que Zumbi dos Palmares seja tratado como líder e símbolo da resistência negra,
(NASCIMENTO; ALMADA, 1989).
Observarmos outras lutas e formas de resistências, ocorridas durante o longo processo
de escravidão e no “pós-escravidão”. Cujas variações são de acordo a performance cultural de
cada região e interesse dos povos negros, podendo ser “implícita” ou explicita, ou seja, sua
performance hibrida lhes possibilitam arranjos que se sobrepõem aos interesses: econômico,
social e, especialmente cultural impostos pelo colonialismo, pelo dominador, propiciando a
349
Disponível em: https://esquiva.wordpress.com/historia/ganga-zumba/. Acesso em: 23 fev. 2016. 350
ALVES FILHO, Ivan. ''Memorial dos Palmares''. Rio de Janeiro: Xenon, 1988.
173
superação de suas dores e, acima de tudo, a perpetração de suas culturas, (ANTONACCI,
2015).
A “Abolição” promulgada pela então Princesa Izabel, em 1888, não foi capaz de
emancipar o povo negro, até porque não foi preparada pera tal, uma vez que ofereceu apenas
meia liberdade aos povos negros. Pois, em 1900, quando as primeiras indústrias se
estabelecem no Brasil, suas vagas são reservadas para o imigrante italiano. Antes, porém,
enquanto a “indústria açucareira” conhecida por engenho de açúcar e as casas de farinha
estavam em no auge do desenvolvimento, cuja mão de obra era 100% escravista e, o povo
negro era suficientemente capaz de desenvolvê-las, na relação do processo econômico
escravocrata. 351
Excluídas pala sociedade “elitizada”, as populações negras viram-se obrigados a
reagir. Assim, entre as duas primeiras décadas do século XX, o movimento denominado
Frente Negra Brasileira (FNB) decola cada vez mais fortalecido. Seus lideres pretendiam
preparar o povo negro para o enfrentamento das ações racistas e discriminatórias, através do
conhecimento letrado. Mas, esses também eram ensinados que deveriam reagir de todas as
formas, nos momentos em que se vissem ameaçados por preconceito e discriminação racial, o
que era um comportamento “naturalizado”. Acreditavam que assim, poderiam encarar o
mundo hegemônico que se formava em São Paulo e consequentemente em todo o Brasil,
(BARBOSA, 2006).
Na ocasião, a maior preocupação do grupo do jornal o “Estado de São Paulo”, era
formar uma universidade para garantir uma classe dominante em São Paulo, o que significa a
criação da Universidade de São Paulo (USP). Com a idealização do Inquérito de 1926, sobre a
instrução pública no estado de São Paulo, os professores formados pela a USP, seriam
“intelectualmente desenvolvidos” para dominar a parte da sociedade brasileira negra não
letrada ou socialmente empobrecida. E neste quesito se incluía a maioria da população negra
naquele momento. Pois nessa universidade, se formariam os professores que, iriam conduzir o
ensino público em São Paulo e também em todo o Brasil, (CARDOSO, BOSI, 1982).
Esse modelo de educação, conhecido por Escola Nova, é idealizada para bloquear cada
vez mais, os estudantes negros e pobres, uma vez que esta parte da sociedade era maioria
analfabeta. E, no “novo sistema” de ensino, exigia inclusive, teste de conhecimento tanto para
as crianças quanto para os jovens que pretendiam adentrar a escola pública. Neste quadro de
exclusão em que os negros são colocados pelo Estado de Direito, a FNB inaugura suas
351
Grifo da autora.
174
próprias escolas de ensino fundamental, médio e de alfabetização, em geral, mantidas por
professoras e professores voluntários, negros, (BARBOSA, 2006); (CARDOSO, 1982).
Neste contexto, a ideia do Inquérito de 1926 possui objetivo muito bem definido, o
qual consistiu em elaborar um modelo de educação que atendesse os anseios do “Grupo o
Estado de São Paulo”. Um artificio para justificar a “Crise Nacional” pelo antagonismo do
cenário político e social brasileiro, intrinsecamente articulado em políticas de estabilidades
entre o Regime “Imperial” e “Republicano”, nos quais a sociedade brasileira foi alicerçada,
(CARDOSO, 1982, p. 28-33).
Assim, o Inquérito de 1926, parte da confirmação de lacuna de política educacional,
norteada por “princípios e não por homens”, o bastante para impulsionar a “instrução pública
de São Paulo”. O que significa criar um sistema de educação maquiando o sistema já
existente, a partir de retoques, de acordo com o nível de ensino que o aparelho do Estado
podia oferecer perante a circunstância “política e composição precária dos governos”. E neste
cenário, os negros que são a parte da sociedade maioria empobrecida, fica a deriva da
educação pública e também do ensino universitário público. Realidade esta que promove a
exclusão que se presencia no presente, na Universidade de São Paulo (USP), entre outras,
(CARDOSO, 1982, p. 28-33).
Apesar da repressão exercida no governo Vargas, inclusive, em 1937 ordenando o
fechamento da FNB. Ainda assim, observamos que, uma pequena parcela dos excluídos,
grosso modo, é atingida com alguns benefícios e, consegue adentrar as escolas públicas de
São Paulo e, em alguns casos, até as faculdades públicas. Até porque naquele momento,
muitos negros já haviam sido preparados pela escola da FNB que, mesmo impedida de
funcionar, mantinha suas salas de aulas clandestinas no salão onde era permitido funcionar
apenas para a realização de bailes entre as populações negras, (BARBOSA, 2006).
Verificamos que repressão sobre os movimentos sociais foi brutal, ultrapassando o
Estado Novo e chegando a década de 1960. E, quando o primeiro governo tenta prover
políticas sociais inclusivas, como a Reforma Agrária, as classes dominantes apoiam o Golpe
de 1964, contra o então Presidente da República João Goulart, (AQUINO, 2015)
Após o Golpe de 1964, os militares restringem cada vez mais os movimentos sociais,
assim, colocando-os na ilegalidade e dificultando a articulação política, que a partir daquele
momento, os poucos que se arriscam, operam na clandestina. Essa situação propicia o
fortalecimento das oligarquias e do setor industrial, em detrimento das lutas dos movimentos
sociais. Os quais são enfraquecidos e desestruturados pela política do Estado brasileiro
175
transcendendo o período em que o País se encontra em efervescência política entre o sistema
político democrático e o maior sistema ditatorial de nossa história, (GUIMARÃES, 2003).
Ocorre então, um quadro de total abandono da educação pública brasileira por parte
dos governos ditatoriais, seguido pelos governos do período conhecido por,
“redemocratização”. Pois, os quatro governos sucessores do regime ditatorial, iniciado por de
José Sarney, e, continuado com Fernando Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando
Henrique Cardoso, também não empreenderam investimentos para melhorar a qualidade da
educação pública de nível fundamental e médio e, não ampliaram as vagas nas universidades
públicas. Culminando com a exclusão das populações negras, pobres e indígenas, presente nas
universidades públicas, em particular na Universidade de São Paulo,352
(GUIMARÃES,
2003).
Este quadro de abandono da educação pública propiciou as classes dominantes se
tornarem os grandes empresários da educação privada, oferecendo aos seus, uma educação de
“qualidade” o suficiente para abocanharem as vagas das universidades públicas, as quais,
como sabemos, são mantidas por todos, inclusive por negros, pobres, indígenas entre outros.
Enquanto crescem desenfreadamente as universidades e faculdades privadas, oferecendo aos
excluídos um nível de ensino de acordo com o preço que os mesmos podem pagar. O
problema dessa realidade reside na rejeição dos diplomas adquiridos por estas instituições, os
quais são rejeitados no mercado de trabalho, uma vez que as empresas brasileiras dão
preferências aos diplomas expedidos pelas universidades públicas, e, neste sentido os negros
são duplamente discriminados e prejudicados, (GUIMARÃES, 2003).
Neste contexto, chegamos em 1997, quando o contingente de negros e pardos entre 18
e 24 anos, matriculados e já formados em algum curso superior no Brasil se configurava em:
“pardos” = 2,2% “pardos” e 1,8% negros, (HASENBALG, 1979).
Vale lembrar que, nesta ocasião o acesso restrito de negros ao ensino superior e a
baixa qualidade do ensino público já estavam sendo discutidos havia pelo menos uma década,
conforme observamos no parágrafo anterior.353
E, em 2001, outro dado estarrecedor nos salta
aos olhos. Entre o percentual de estudantes brasileiros 97% são brancos, 2% são negros e 1%
abrange as descendências: indígenas, amarelos e outras,354
(MUNANGA, 2006).355
352
A citação sobre a USP é grifo da autora. 353
Grifo da autora. 354
Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital/138/sistema-de-cotas-completa-dez-anos-nas-
universidades-brasileiras>. Acesso em: 31/12/2015. 355
O NEGRO NA UNIVERSIDADE o direito a inclusão. In: Considerações Sobre as Políticas Afirmativas no
Ensino Superior; O Debate no Contexto Brasileiro, (Munanga, Kabengele, 2006, p.11).
176
Verificamos, então, que havia um grande contingente de pessoas “impedidas” de
estudar em nosso País por “sua cor de pele ou condição social”. Nesse sentido, já naquela
época, medidas foram providenciadas no sentido de “abrir caminho para a inclusão de negros
e pobres nas universidades”. Embora, reconhecemos que no Brasil, os negros são maioria
pobre.356
Observou a pesquisadora e doutora em Educação da Universidade Federal
Fluminense (UFF), Teresa Olinda Caminha Bezerra. 357
Neste contexto, a resolução em resposta do déficit histórico da presença de estudantes
negros e pobres no meio acadêmico público brasileiro foi seguir o exemplo da UnB quando
grande parte das universidades públicas adota o sistema de reserva de vagas universitárias. O
qual ficou nacionalmente conhecido por políticas afirmativas ou simplesmente sistema de
cotas raciais, (CARVALHO, 2005; 2012).
Essa medida suscitou polêmica a aguçou o debate nos mais diversos meios sociais, em
especial nas universidades públicas brasileiras, culminando com processos judiciais por parte
de pessoas pertencentes as classes dominantes, uma vez que se fazia presente nas culturas, o
hábito do preconceito racial, da discriminação contra os povos negros e seus descentes. E,
acima de tudo, as classes dominantes estavam acostumadas terem as vagas das universidades
públicas, exclusivamente reservadas para elas. Frente às dificuldades impostas pelos
vestibulares, em especial pela FUVEST. Já que o nível de ensino oferecido na educação
pública nem de longe acompanha o que se cobra de conhecimento nos vestibulares. Embora,
muito do que se cobra jamais será discutido ou posto em prática no decorrer dos cursos nas
respectivas faculdades públicas, (CARVALHO, 2012).
A Universidade Estadual do estado de Mato Grosso do Sul (UEMGS), a exemplo
desta discussão, praticou o mais alto grau de preconceito racial. Pois inadvertidamente, em
2003, "começou a usar fotos enviadas por estudantes para decidir quais poderiam ter acesso às
vagas”, em cumprimento às determinações de uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa
daquele estado. “O ‘fenótipo’ exigido era composto por ‘lábios grossos, nariz chato e cabelo
pixaim’”. (CARVALHO, 2012). 358
O movimento negro tomou conhecimento, reagiu e protestou contra o professor
Adriano Manoel dos Santos. Assim, uma ação por crime de racismo correu no tribunal de
justiça daquele Estado, movida pelo estudante Carlos Lopes dos Santos. O qual se sentiu
atingido, ofendido, quando em sala de aula, o referido professor proferiu um discurso contra
356
Grifo da autora. 357
Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital/138/sistema-de-cotas-completa-dez-anos-nas-
universidades-brasileiras>. Acesso em: 31 dez. 2015. 358
Ibid.
177
as políticas afirmativas e defendeu que a universidade deveria nivelar o ensino, “por cima” e
não “por baixo”. Ficou nítido, então, que as críticas foram dirigidas aos alunos negros
presentes matriculados em sua disciplina, ou possivelmente a outros que por ventura não
estavam presentes, (CARVALHO, 2012). 359
Em 2004, enquanto a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciava sua
posição, pretendendo não adotar as políticas afirmativas em seu sistema educacional, o
assunto ainda estava em debate na justiça e na sociedade devido o conhecido “Caso Ari” na
Universidade de Brasileira (UnB), amplamente discutido no corpo desta dissertação. Na
mesma época, a UERJ já em 2003, adotava cotas raciais e sociais, visando à inclusão de
negros e estudantes das camadas sociais excluídas da educação superior pública.
Posteriormente, outras universidades estaduais, como a UEL (Universidade Estadual de
Londrina), a UFAL (Universidade Federal de Alagoas), frente às estatistas de exclusão, já
reconheciam que, no âmbito da educação universitária pública precisava se incluir os
estudantes negros. Inclusive, em 2004, a UERJ, já anuncia o resultado de estudantes
ingressos por cotas raciais e sociais em seu vestibular referente ao ano de 2003, como índice
positivo e otimista de inclusão. (CARVALHO, 2012).
Em seguida a UERJ cria o Grupo Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa
(GEMAA), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. O qual vem oferecendo subsídio
dentro e fora da UERJ para pesquisas nesta temática, e define as ações afirmativas enquanto
políticas que destinam recursos para beneficiar pessoas de “grupos discriminados e vitimados pela
exclusão racial e socioeconômica”, com base em históricos do passado e também do presente. Seu
objetivo visa “combater as discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero, ou de casta,
aumentando, assim, a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde,
emprego, bens materiais, redes de proteção social, ou no próprio reconhecimento cultural”.
(CARVALHO, 2012);360
(GEMAA, 2012).
Enquanto esta revolução educacional acontece na UERJ, na UnB e em outras universidades
públicas em todo o Brasil, o Ministério Público Federal (MPF) do Paraná, em 2004, entra com
um recurso na Justiça pedindo intervenção para que a Universidade Federal do Paraná
(UFPR), “não adotasse o sistema de cotas em seu vestibular”. Assim, o poder Judiciário do
estado barrou a implantação do sistema de cotas naquele estado sob o pretexto de que o
referido sistema (cotas) afrontaria “o princípio constitucional de isonomia e reforça práticas
359
Ibid. 360
Ibid.
178
sociais discriminatórias.” (CARVALHO, 2012)361
. Entretanto, o movimento negro,
intelectuais, professores, políticos entre outros, conseguem manobrar esta decisão judicial,
pois, em 23 de junho de 2004, a Universidade Estadual de Londrina – Paraná aprova as cotas
raciais e sociais. Na ocasião, o então Secretário Municipal da Cultura, André Galvão, profere
o seguinte discurso: “A universidade Estadual de Londrina (UEL) ao aprovar as cotas para
negros e alunos das escolas públicas, neste histórico de 23 de julho de 2004, fez justiça a um
povo que mesmo escravizado sempre foram os primeiros a defender essa nação, Axé.”.
(PACHECO; SILVA, 2006). 362
Seguimos a reflexão do Professor José Jorge de Carvalho (UnB) quanto à importância
das políticas afirmativas e como estas ganharam espaço na UnB, impulsionando o debate para
o que é hoje. No final da década de 1998, após mais de vinte anos de existência do Programa
de Pós-Graduação da UnB, um doutorando negro ingressou discutindo as questões raciais
naquele Programa cujo orientador: José Jorge de Carvalho. Trata-se de Ariovaldo Lima,
história que ficou conhecida por “caso Ari”. O mesmo, apesar de ter sido avaliado com nota
máximo em todas as disciplinas, foi reprovado com um professor e de imediato recebeu o
aviso que não adiantaria recorrer porque seria da mesma forma reprovado, configurando
assim, um caso de extremo racismo. (CARVALHO, 2005; 2012).
A partir do empenho dos referidos professores, entre outros que não concordavam com
aquela situação de racismo desvelado dentro da UnB, se implantou o primeiro sistema de
cotas raciais em uma universidade federal no Brasil. Na qual 20% de suas vagas, em todas as
faculdades e em todos os turnos, são reservadas pelo sistema de cotas raciais para estudantes
autodeclarados e comprovadamente fossem negros. Paralelamente, começou um
levantamento no Instituto de Ciências Sociais da UnB, em 1999, e se constatou que havia
1.500 docentes brancos e apenas 15 docentes negros na UnB, ou seja, em mais de 45 anos de
existência da UnB, em crescente desenvolvimento, no quadro de docentes, o percentual de
professores negros (as) atinge apenas 1%. Assim, verificou-se ser necessária, também a
realização dessa pesquisa nas principais universidades públicas do País, o que ocorreu devido
ao empenho de docentes e estudantes negros nas diversas universidades em que o estudo foi
realizado. O qual apresentou um quadro de absoluto confinamento racial de professores e
pesquisadores negros, (CARVALHO, 2005; 2012).
361
Ibid. 362
O discurso citado por André Galvão, figura no livro: (última capa): O Negro na Universidade o direito à
inclusão, MEC. Fundação Cultural Palmares, 2006. Organizadores: Jairo de Queiroz Pacheco e Maria Nilza da
Silva (professores da UEL).
179
Neste estudo Após o censo racial docente na UnB, o Professor José Jorge de Carvalho
passou então a solicitar a ajuda dos colegas negros para conhecer o porcentual de docentes
negros em outras universidades públicas. Segundo o Professor, mesmo admitindo uma
margem de erro nas amostragens por eles reunidas e ainda colocando um percentual de 20%
acima do número encontrado, o resultado foi chocante. Pois, como a “USP, Unicamp, UFRJ e
UFRGS, instituições em que a proporção de professores negros não passa de 0,2%”.
Enquanto na UFSCAR atinge 0,5% e a UFMG 0,7%. Estamos falando de aproximadamente
dez anos atrás, onde em número e não mais em percentual, pois este estudo liderado pelo
Professor José Jorge foi concluído entre 2005/2006 quando foi publicado, (CARVALHO,
2005/2006).
Ironicamente, o Professor José Jorge de Carvalho afirma que o dado apresentado em
sua pesquisa, o qual foi severamente discutido em nossa dissertação, tem efeito ilustrativo.
Sabemos que seu objetivo é provocar olhares, minimamente críticos, para a denominação:
“Confinamento Racial no Mundo Acadêmico Público Brasileiro”. Neste artigo, o Professor
traz expresso, o resultado da pesquisa por ele realizada, e afirma: “se juntarmos todos os
professores (as) de algumas das principais universidades de pesquisa do país (por exemplo,
USP, UFRJ, Unicamp, UnB, UFRGS, UFSCAR e UFMG), teremos um contingente de
aproximadamente 18.400 acadêmicos, a maioria dos quais com doutorado”. De acordo com
suas perspectivas, esse universo está racialmente dividido entre 18.330 brancos e 70 negros.
Neste contexto, pensando em termos de percentual, temos o seguinte dado, entre 99,6% de
docentes brancos, 0,4% de docentes negros, e 0% de docentes ou pesquisadores indígenas. E,
afirma: se arriscarmos “aleatoriamente” questionar um professor ou professora desse grupo,
apresentado no total de brancos, o perfil geral será o seguinte: “esse professor (ou professora)
foi um(a) estudante branco(a) que teve poucos colegas negros no secundário, pouquíssimos
na graduação e praticamente nenhum no mestrado e no doutorado; como aluno(a), sempre
estudou com professores brancos”, (CARVALHO, 2005/2006).
Estudo recente (2015), realizado pelo Inep, apresenta um grande avanço no quadro de
docentes UnB, demonstrando que, em 15 anos a cota racial dirigida a estudantes negros vem
surtindo efeito positivo. Pois, nesse período, o número de professores negros saltou para 65,
mas o número de brancos também subiu para 1915. Neste caso, considerando que a UnB vem
adotando cotas raciais desde o ano de 2004, assim, contribuiu para aumentar este percentual
de professores, os quais já conseguiram concluir a graduação, cursar a Pós-graduação e
ingressar na docência e pesquisas dentro da referida universidade, (CARVALHO, 2012).
180
Entre as universidades estaduais e federais que aderiram ao sistema de cotas raciais de
ação afirmativas por cotas, o índice apresentado em 2001 pelo IPEA, sofre importante
modificação, ou seja, o percentual de negros que em 2001 = 1,8%, em 2013 sobe para 8,8%.
E, o percentual de afrodescendente que em 2001 era de 2,2%, em 2013 subiu para 11%%.
Este dado é do Ministério da Educação (MEC), em levantamento de 2013. Para o qual
olhamos pela a ótica do reconhecimento que, a inclusão promovida após o governo Lula, foi
de fundamental importância para fazer decolar o percentual aqui apresentado. Entretanto, o
abismo que tange as oportunidades, ainda é muito latente. Situação que envergonha os
brasileiros que não concordam com os domínios exercidos nas universidades públicas,
especialmente na USP, universidade possui sua história profundamente marcada pelo
preconceito e discriminação racial. Essas ações reverteram-se na exclusão dos povos negros e
indígenas, mesmo assim, seus dirigentes permanecem ancorados, nos velhos e ultrapassados
conceitos, na meritocracia. 363
Percebe-se que as cotas raciais são de fundamental importância para equiparar este
quadro alarmante de confinamento racial nas principais universidades públicas brasileiras.
Sem o qual, o índice “alarmante” de exclusão não será corrigido. O sistema de políticas
afirmativas tem o objetivo propiciar o ingresso desses alunos e, à medida que vão se
formando, ingressam nos Programas de Pós-Graduação até atingirem os postos mais altos
dentro das universidades. Pois, consideramos, os sistemas desenvolvidos pela meritocracia
são insuficientes para resolver o problema que, diante do quadro alarmante de confinamento
racial, poderá levar ainda séculos para ser resolvido, (CARVALHO, 2012).
Assim, consideramos o que a Professora Segato, chamar de “o ponto cego da
sensibilidade brasileira”, e considera que, cada época e cada cultura tiveram uma área
específica de insensibilidade além de ter se utilizado de artifícios sobre a invisibilidade dos
males do racismo com sua sequela de sofrimentos irreparáveis. Pois, “o padecimento moral” e
a insegurança das pessoas negras na nossa sociedade brasileira “são inaudíveis”. Isto é, não
encontram meios para expressar suas dores e se manifestar. E, não encontram registro nem no
discurso midiático nem no acadêmico e pouco apoio popular, uma vez que, o processo da
miscigenação foi implantado no Brasil, sobre o mito da democracia racial, fazendo com que,
os povos negros não reconheçam suas ancestralidades, suas identidades. Além disso, muitos
teóricos das ciências sociais que utilizam, propositadamente do senso comum e os descrevem
como “parte de uma tradição, prática habitual, estilo de convivência, traço idiossincrático e
363
Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital/138/sistema-de-cotas-completa-dez-anos-nas-
universidades-brasileiras>. Acesso em: 31 dez. 2015.
181
até pitoresco da civilização brasileira,” Esse sofrimento, que tem como causa pura e
exclusivamente a cor da pele, é particularmente grande precisamente onde menos poderia ser
admitido”, nos espaços de poder, em especial nas “institucionais da esfera pública, dos quais
a universidade é uma instância crucial”, (SEGATO, 2005,2006).364
Recente estudo realizado pelo Inep indica que o total de docentes brasileiros entre
universidades públicas e privadas é de 383.683 e que, entre estes, somente 5.154 docentes se
declaram negros, o que confirma a urgente necessidade de políticas afirmativas, as cotas
raciais, a fim de contribuir para diminuir esta visível desigualdade. 365
Oras como seria
possível mudar o quadro alarmante de exclusão que atinge toda a população negra brasileira,
senão pelo sistema de cotas raciais? Não há mais o que se esmiunçar, assim como nos EUA,
as políticas afirmativas são de suma importância para diminuir a desigualdade instituída nas
universidades públicas pelos processos seletivos da meritocracia.366
Passados mais de dez anos das primeiras políticas de ação afirmativa implantadas no
Brasil, por cotas raciais, o assunto ainda suscita debate e provoca incômodo Brasil afora.
Impedi-las é uma forma de extirpar os direitos sociais dos negros e seus atores se expressam
das mais diversas formas, exprimindo extremo desrespeito pela pessoa humana independente
da condição social que ela ocupa na sociedade. Essas questões esclarecem o quão necessárias
são as políticas das cotas raciais para romper estas imensas barreiras que, pelos caminhos da
meritocracia apresentam os descaminhos aos estudantes negros e indígenas na USP,
impedindo-os do direito à educação, ao ensino superior em suas faculdades. 367
No meio de grande parte das universidades públicas que adotam as políticas de ação
afirmativas, a USP ainda mantem um formato bastante criticado por especialistas, pelos
movimentos sociais, em especial pelo MNU. Para Douglas Belchior, o bônus oferecido pela
USP não inclui de fato, porque não reserva vagas, não estabelece uma condição para que o
estudante negro possa acessá-la. As alternativas que foram colocadas, do College até a atual
bonificação são ineficazes e infelizes, uma vez que o sistema College foi criticado, até
mesmo por professores daquela universidade que se expressam contrários às políticas
afirmativas por cotas raciais.368
Esperamos que essa dissertação possa contribuir com outras pesquisas, referentes ao
exposto, no sentido de alertar a sociedade brasileira sobre as práticas racistas,
364
REVISTA USP, São Paulo, n.68, p. 76-87, dezembro/fevereiro 2005-2006. 365
Disponível em:< http://www.ceert.org.br/>. Acesso em: 19 jan. 2016. 366
Grifo da autora. 367
Ibid. 368
Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital/138/sistema-de-cotas-completa-dez-anos-nas-
universidades-brasileiras>. Acesso em: 31 dez. 2015.
182
preconceituosas, no extremo limite de exclusão contra os povos negros brasileiros. Sendo a
Universidade de São Paulo, um lugar de exclusão, limitando-os os acessos dos negros na
educação superior em todo e qualquer segmento da sociedade, uma vez que a inclusão nos
demais âmbitos, em geral, dar-se primordialmente pela educacional formal, (CARVALHO,
2012).
Afirmamos aqui o quão importantes são às políticas afirmativas para que se reduzam
as desigualdades impostas às populações negras e cada vez mais, negros e negras possam ter o
direito, garantido pela Constituição deste País, ao estudo, a inclusão e não continuem sendo as
vitimas da sociedade que detém o poder. Esperamos sinceramente, através deste trabalho,
termos contribuído com o debate sobre as políticas de ação afirmativas, expressando-nos
objetivamente para a inclusão dos povos negros e indígenas, em nossa sociedade. E, que
todos, em geral, conscientizem-se da importância da educação pública na construção deste
país, através da proporcionalidade da justiça social. Pois só assim, reinará a igualdade de
oportunidades para todos, onde a Universidade de São Paulo (USP), não encontre terreno para
impor o sistema da meritocracia como parâmetros de exclusão, fingindo-se incluir. 369
No mundo acadêmico, o preconceito racial ainda sobrevive e com baste vigor na
memória de professores, estudantes e outros que não se conformam em dividir os espaços
universitários com aqueles há centenas de anos são colocados às margens do conhecimento
formal. Muitos não se pronunciam e agem sutilmente, nessas circunstâncias, produzem os
efeitos de forma mais velada, disfarçada. Outros, porém, possuem um grau de preconceito tão
aguçado que além de exibir seus preconceitos, o fazem de maneira expressiva e ofensiva,
provocando constrangimento nos estudantes cotistas, seja por via da cota racial ou social.
Neste contexto, analisamos um caso de racismo desvelado ocorrido na Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES). Durante uma aula o “professor” Manoel Luiz Malaguti
afirmou que cotistas são “pretos, pobres, sem cultura, sem leitura e analfabetos funcionais”.
Mas, considerou pouco, os agravos acima descritos, então afirmou que “detestaria ser
atendido por um médico ou advogado negro”.
O “professor” Manoel Luiz Malagutti foi denunciado pelos alunos da faculdade de
Ciências Sociais que imediatamente ao ocorrido, entraram em movimento por sua saída da
UFES, assim procurado pela imprensa ele se defendeu e afirmou que disse o seguinte: se um
dia precisar de atendimento médico e se deparar com um médico negro e outro branco, sem
dúvida nenhuma optará pelo médico branco. Ele disse que faria isto porque “os negros, em
369
Grifo da autora.
183
média, vêm de sociedades, de comunidades menos privilegiadas, para a gente não usar um
termo mais forte, e nesse sentido eles não têm uma socialização primária na família que os
tornem receptivos aos trâmites da universidade”.
O comportamento do “professor” Manoel Luiz Malaguti, reflete o de outros
professores (as), inclusive nas universidades públicas onde as lutas antirracistas estão em
prática e funcionamento, como na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC).
Mesmo assim, em 2015, Y, estudante de Arquitetura ingressa pelo sistema de cotas, recorte
racial, sentindo-se hostilizada por um “professor” e também por seus colegas de turma, os
quais exibiam com frequência, ações racistas contra ela, com "naturalização". Assim,
incomoda e envergonhada, em situação de exposição diária. Ainda buscou apoio na direção, a
qual a encaminhou para o coordenador da faculdade que ela cursava (Arquitetura e
Urbanismo). Porém, o coordenador e o professor que contribuía para a sua dor, era a mesma
pessoa. Sentindo-se em um beco sem saída, Y desistir da tão sonhada faculdade porque além
de sofrer racismo, não encontrou apoio em quem buscou. Parece-nos que Y estava no lugar
certo, mas na hora errada e com pessoas erradas. 370
Os estudantes cotistas são hostilizados nas universidades públicas brasileiras,
principalmente na USP, sobre pressupostos de ocupar o lugar de estudantes ingressos por
“mérito”, enquanto os últimos são maioria oriunda das classes dominantes. Assim, demanda
poder financeiro para bancar escolas e cursinhos caros, o que lhes garantem aprovação nos
vestibulares das universidades públicas, em particular na USP, o qual cobra vasto
conhecimento, mesmo aquele que nunca se utiliza na vida prática em suas faculdades.
Os negros, entretanto esbarram nas dificuldades impostas por essa instituição
(FUVEST) porque estudam na rede pública e esta oferece um ensino lacunoso em relação ao
ensino privado oferecido para as classes dominantes, fazendo com que, as vagas das
universidades públicas, sejam reservadas exclusivamente para elas.
Sabemos, entretanto, que a meritocracia não existe entre aqueles cujas oportunidades
são diferentes, desiguais, portanto, injustas, uma vez que as populações negras brasileiras
foram engessadas pelo longo processo de escravidão, cujos resquícios estão presentes na
sociedade brasileira, através do preconceito racial que lhes tiram as oportunidades de
ascensão social. Dessa forma, os negros ficam relegados dos espaços de poder já que a nossa
sociedade está estruturada sobre o sistema capitalista, o qual exige dos indivíduos, o
370
Documento figura nos anexos, enviada por Camila Evaristo. Em atendimento ao pedido da estudante, seu
nome não foi divulgado. A, tratamos aqui por; Y.
184
conhecimento formal para a distribuição das oportunidades e do empoderamento371
no mundo
corporativo, competitivo, movido pelo sistema capitalista.372
Verificamos que o preconceito racial está impregnado nas culturas brasileiras e,
difundiu-se profundamente no tecido social, de modo que sua prática se “naturalizou”, pois
muitos o exibem sem que se deem conta dessa prática monstruosa e maléfica. Entretanto,
outros o fazem consciente, simplesmente, porque desejam exercer o pleno domínio contra os
povos negros e indígenas que são maioria pobre, vítimas do processo de exclusão promovido
pelas classes dominantes, em particular, na Universidade de São Paulo (USP). Neste contexto,
quando a Universidade de São Paulo (USP), se afirma no sistema da meritocracia, ultrapassa
todos os limites da legislação brasileira, Lei 10.630, 12.711 e, particularmente a decisão da
Suprema Cote Brasileira (STF), já que a mesma, em abril de 2012 reconhece por
unanimidade, as políticas afirmativas por cotas raciais e sociais, enquanto um direito dos
estudantes negros, em geral. 373
Neste contexto, consideramos que a Universidade de São
Paulo, além de escamotear a legislação brasileira, despreza uma decisão da Suprema Corte do
País em detrimento inclusão do povo negro brasileiro, em seus espaços.
FIM
Espero que, o Universo que nos propiciou esta realização jogue luz para que sua leitura
seja devidamente interpretada. Na certeza do dever cumprido esperamos que este seja o fim
de uma etapa e o início de outra...
Diante dos longos dias e noites aqui dedicados, sentirei saudades...
Agradecemos infinitamente as energias recebidas... Axé
A autora.
371
Empoderamento significa uma ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de
espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais. 372
Grifo da autora. 373
Ibid.
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universidades-brasileiras - Acessado em 31/12/2015>.
<https://www.youtube.com/watch?v=OCWVC6WLbk4>
<https://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvo>
<http://www.fflch.usp.br/sociologia/asag/Desigualdades%20raciais%20em%20novo%20regi
me%20de%20estado.pdf>
<http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/06/ficamos-ilhados-por-muito-tempo-diz-reitor-
da-usp-sobre-uso-do-enem.html - Acessado em 28/06/2015 e em 13/08/2015>
<http://afrolatinos.palmares.gov.br/_temp/sites/000/6/download/biblioteca/arquivos/PROJET
O_DE_COTAS_Proposta%20de%20JJCarvalho.pdf>
<http://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=336735/Beth Avelar>
<https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>
<http://www.memorialdademocracia.com.br/card/ato-reorganiza-o-movimento-
negro/www.memorialdademocracia.com.br/card/ato-reorganiza-o-movimento-negro -
/www.palmares.gov.br/?p=21311>
<https://esquiva.wordpress.com/historia/ganga-zumba/>
191
<http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-programa-de-cotas-sociais-e-
raciais-para-usp-unesp-e-unicamp.html>
<http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/tag/cotas-raciais/>
<www.fuvest.br>
<www.noticiasR7.com.br>
<http://www.ebc.com.br/educacao/2015/04/documentario-mostra-luta-pela-implantacao-das-
cotas-raciais-na-usp
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-para-
usp-unesp-e-unicamp.html>
<http://www.ebc.com.br/educacao/2015/04/documentario-mostra-luta-pela-implantacao-das-
cotas-raciais-na-usp>
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.htm>
<app.fearp.usp.br/documentos/arquivos/imprensa/pimesp/pimesp.pdf>.
<http://noticias.terra.com.br/educacao/ves;
tibular/unesp-reserva-1134-vagas-no-primeiro-vestibular-com-cotas,8dbc8d655>.
<http://www.inaldosampaio.com.br/2012/11/ufpe-entrega-titulo-de-doutor-honoris-causa-
%E2%80%9Cpost-mortem%E2%80%9D-a-luiz-gonz>.
<http://www.cartacapital.com.br/educacao/em-tres-anos-lei-de-cotas-garantiu-mais-de-111-
mil-vagas-para-negros-6>
<arquivo.geledes.org.br>
<http://www.une.org.br/2011/11/secretaria-de-promocao-da-igualdade-racial-cobra-projeto-
sobre-cotas/>.
https://agenciapanfletaria.files.wordpress.com/2011/04/panfleto_mnu_30_anos-1.pdf -
http://www.dw.com/pt/1955-rosa-parks-se-recusa-a-ceder-lugar-a-um-branco-nos-eua/a-
340929 -
http://reporterbrasil.org.br
www.planalto.gov.br/
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-
para-usp-unesp-e-unicamp.htm
192
ANEXOS
Anexo 1
Jornal que noticiou o movimento negro em 1978, inclusive as fotos publicadas nos documentos com suas
respectivas fontes.
193
Anexo 2
Documento enviado por Camila Evaristo em Dezembro de 2015.
Sobre o caso de uma estudante cotista da UDESC, a quem trataremos por Y a fim de
preservar a sua identidade.
Fui estudante cotista de Arquitetura e Urbanismo. (período) Foi uma experiência, cujos
desdobramentos me decepcionaram por completo, pois não imaginava o quanto existe de
intolerância e ignorância no meio acadêmico. Não imaginei também, que fosse me sentir tão
excluída, quando estava ali para socializar conhecimentos e experiências,mas foram formando
grupinhos e eu por mais que tentasse me aproximar, não havia lugar, me sentia excluída. As
pessoas disfarçavam, desconversavam, dissimulavam e eu sempre sozinha sem saber a quem
recorrer e tudo aquilo passou a me fazer mal.
Havia um professor que mostrava nitidamente a sua preferência por alunas loiras e de olhos
azuis, inclusive participava das festas e já havia 'ficado' com algumas meninas da sala. Ficava
com muita vergonha ao perguntar e pedir á ele para repetir a explicação, pois sua resposta era
sempre grosseira e eu me sentia muito pior.
Na sala de aula, o pior sentimento era o da rejeição, da humilhação. Às vezes eu mesma me
excluía do grupo porque observei que todos haviam feito cursinho, faziam intercambio e eu
tinha muita dificuldade em algumas disciplinas. Procurei ajuda na direção e fui encaminhada
ao meu coordenador de curso que era o mesmo professor que criava essa apartheid em sala de
aula, ai me vi sem saída.
Procurei um psicólogo, pois não me sentia aceita e sem qualquer sinal de pertencimento ao
grupo, ainda que eu só estivesse ali alimentando o meu sonho: Ser Arquiteta e Urbanista e
isso incomodava. Um exemplo que me serviu como desestímulo foi às palavras de outro
professor, que em sala de aula, fez a seguinte colocação: "Ahhhh eu não sei por que os negros
ficam lutando por esse tal de racismo, eu tenho um amigo que é doutor em Floripa, o Paulino
e pra mim a gente é tudo igual, racismo não existe são os próprios negros quem fazem." Eu
entendi a gravidade dessa frase e foram agressivas pra mim, as pessoas que diziam minhas
“amigas” e eram muito poucas, não entenderam a minha reação. Enfim, acabei-me afastando,
pois não queria e nem deveria ser conivente com quem acha que piada não é racismo. Em
uma turma de cinquenta alunos, somente quatro eram negros, a maioria (brancos) riam de
tudo, tudo era piada. Enfim me via sozinha, me sentia estranha e comecei a ter indícios de
tristeza e ficar muito deprimida. Muitas vezes eu preferia me trancar em casa e chorar a ir a
aula.
A UDESC-CERES é totalmente despreparada para receber alunos negros, é um ambiente
branco e elitizado. Alunos, professores, administradores e direção desta faculdade, são
agentes e cúmplices do crime de racismo institucional. Os professores deveriam contribuir
com a visão política e o engajamento social, bem como a valorização humana e o respeito ás
diferenças sociais e culturais, mas infelizmente não é o que acontece. Aquele modelo de
educação só faz perpetuar a lógica de pais pedreiros e mães diaristas (no meu caso). Era dessa
forma que me apresentava, todas as vezes que solicitada, pois jamais negaria minhas origens.
Penso que uma Universidade pública, ao incorporar um projeto de tamanha magnitude,
deveria sensibilizar todo o corpo docente e discente, inserindo o Movimento Negro no
campus, no sentido de dar visibilidade á cultura Negra. O que esperar de professores e
formandos (futuros profissionais) com essa conduta egoísta e excludente? O sonho da
Universidade ficou na minha lembrança, como espaço de opressão, quando eu buscava ser
exemplo de luta por libertação para tantos jovens provenientes das mesmas realidades sociais.
Concluí o terceiro, e ao ingressar no quarto semestre, apesar de toda perseverança que
194
empreendi, pois nunca me acovardei, fui vencida por uma barreira que se tornou
intransponível para mim. Abandonei o curso.
195
ANEXO 3
“Meu caro Rei e presidente Mundial”:
http://www.geledes.org.br/atlantico-negro/movimentos-lideres-
pensadores/afrobrasileiros/hamilton-cardoso/1003-hamilton-bernardes-cardoso
Carta Aberta (Parte 1) que Hamilton Cardoso escreveu e entregou ao líder sul-africano
Nelson Mandela em 1991. Um texto crítico, polêmico e poético a espera de um editor.
Quero manifestar e demonstrar-lhe a minha gratidão ao Cedec - Centro de Estudos e Cultura
Contemporânea do Brasil. Eles me ajudaram a escrever-lhe esta carta. São meus amigos e o
José Álvaro Moisés, de lá e, hoje na Inglaterra estudando, contribuiu decisivamente para que
eu pudesse retirar as primeiras gotas de lama do país - cadáveres de todos nós - dos ombros.
Ele me revelou - e eu demorei a concluir - que esta história de "jeitinho brasileiro" e da
"malandragem compulsiva inerente do negro" são cadáveres siameses em nós.
O Marcos Faermam, um jornalista judeu como a maioria dos personagens de Richard Wright
e da vida anti-racista negra norte-americana além de mostra-me, indicando livros para ler e
ma dar tempo para faze-lo - garantiu, e criou condições para eu pensar e refletir sobre eles.
E me convencer que eu sou uma ostra. Convenceu-me também de que o que eu gosto mesmo é
jornalismo literário, e que poderia fazer uma grande reportagem. Tentei. Este é o esforço das
ostras - e eles as nossas esperanças.
Tudo depois que o ex-deputado federal Adalberto Camargo me financiou os estudos na
faculdade e o Wanderlei José Maria leu para mim a frase do Marx que diz que "quem tem
fome não tem tempo para ver o por do sol". Ele, o Wanderlei, me ensinou a escrever o que
realmente penso. A Dra. Iracema de Almeida deu-me o primeiro empurrão e o "catiça" e a
Deodô, meus pais, carregavam-me, sobre os ombros deles.
Ela pagou matrícula da faculdade. Caí no mundo.
O meu irmão Airton (fale rápido!) B. Cardoso, ao meu lado era invisível. E continua. Ele está
morto e é um cadáver, belo e leve, como o do Eduardo de Oliveira e Oliveira, o sociólogo
que dizem, suicidou-se porque não agüentou, mestiço, a tortura de ser negro e refletir sobre
si mesmo e viver entre e, nos Dois Mundos. Ele me abriu as portas para escrever aquele
artigo que o Francisco Weffort, com o Paulo Sérgio Pinheiro, Passado sem Mácula!,
adoraram. Ele abriu as portas da minha auto-confiança.
De qualquer modo, se não fosse o Cedec, onde há mais de meia década eu e o Weffort - que
conversava muito comigo e me revelou, mostrando a inutilidade deles, que um dia eu teria
que derrubar cadáveres - ele escreveu sobre isto em relação ao socialismo, sem o Cedec eu
não teria como lhe entregar esta carta. Ela poderia ser mais um cadáver da minha vida. E
diante dela. E eu o desconheceria. Não saberia que estes defuntos existem.
Como você vê, eu estou por conta própria - mas nem tanto assim. O Orestes Quércia, ex-
governador, quando eu estava quase afogado - e com a ajuda do ex-secretário dele, o
Oswaldo Ribeiro, negro como nós- mostrou-me como sair do lodo. E a minha companheira, a
mulher, Maria Cristina Brito Barbosa, sempre olhava para mim cuidadosamente e , por
receio, talvez, - ela é branca - não deixava eu me liberar repentinamente dos entulhos. Ela
196
temia, em mim, um choque anafilático e a loucura em minha mente. Eu seria um dos
cadáveres dela. E Ela sabia que eu precisava do equilíbrio que você, meu caro Rei,
demonstra. E também que eu não sou - talvez não tenha nascido para isto - um Estadista. E
antes do meu isolamento - nos buracos das periferias repórter do povo - eu vi a loucura
mental e a miséria (é uma loucura!) social dos descendentes dos seus compatriotas
escravizados. Como muitos eu colocava a mão na cabeça e chorava... Você estava preso na
África do Sul.
Mas como bom e fiel súdito, eu lhe peço: lembre-se sempre desta contribuição do Cedec.
Nele, eu tenho amigos de verdade. Não que eles não tenham compromissos com a
branquitude deles, mas é que a branquitude - e a minha companheira me ensinou - não é
como a negritude: uma condição. Eles, e muitos deles - a maioria dos que tenho - são meus
amigos.
Um ex-governador, por exemplo, se elegeu sendo chamado de brega. E ele, que agora "e um
dos homens mais poderosos deste país, gargalha com o porta voz, à respeito disto - a
acusação ou xingo. E ele é adorado e admirado, por uns, por muita gente, inclusive, que
discorda dele na política - com raiva e inveja, até. E foi rindo e gargalhando dos acusadores,
que ele construiu o prestigio o poder e a tranqüilidade. A Beatriz do Nascimento, a socióloga,
do filme Ori, é a melhor que conheci na área e invisibilizada, por bem menos é o que é. Ela
não matou ninguém - nunca foi chamada de japonesa, apesar de Ter os olhos puxados. E eu
penso, às vezes, que ela deglutiu ou teve a língua deglutida...
Aliás, falando dos meus amigos, principalmente os do Cedec, lembrei-me da historiadora
Maria Victória Benevides - que é de lá -, e eu a ouvi muitas vezes citar o Getúlio Vagas, que
dizia: "Aos amigos, tudo, aos inimigos, a Lei."
Eu não sei, e gostaria de ouvir ou ler a sua opinião à respeito, sobre o ditado do Getúlio
Vargas, pai dos pobres -, se ele é certo... O fato é que é assim que as coisas funcionam aqui
no Brasil, na democracia racial.
Se eu lembrasse, antes de lhe escrever, talvez eu pudesse, ao invés desta longa carta, enviar-
lhe um bilhete com aquela frase. Ela sintetiza o Brasil e os mitos da de democracia racial e
do país cordial. E, ao que parece, é no que o Frederico quer transformar a África do Sul. O
De Klerk. O nome dele é Frederico, não é? O nome é popular no Brasil...
Mas existe o Mandela lá, - a Pérola, e o ANC. São populares lá...(O que eu penso sobre LÁ é
positivo - e sua passagem, ela é "purificadora" pelo Planeta. E sobre o Conselho, acho que
você dirá o seguinte: "TEMOS QUE MUDAR A LEI".
É por isto que eu gosto de afirmar: TEREMOS A NOSSA CHANCE.
Aliás: acho que criarei um jornal com este nome. Este, esta carta, é o registro. O meu
registro de nomes, marcas e patentes. Direto com o Rei.
Bem..., agora eu vou pegar o meu ganzê e o ganzá e ao invés de Não sei por que sou tão
preto e azul, de Louis Amstrong, eu vou ouvir a festa para o rei negro. Com a minha mulher...
Afinal, o Mandela é tão preto, mais azul que eu. E eu sei o porquê disto...
197
Os dois Mundos
Meu caro: estamos organizados, no Brasil. Temos os nossos movimentos sociais, integramos
os Partidos Políticos em comissões esportivas e o Estado em Conselhos e Coordenadorias
especiais municipais ou estaduais, ou Fundações e repartições específicas, para organizar a
nossa gente. Mas existe o Rap, são os rappers da Massa que em São Paulo se desenvolveram
à partir dos EUA, mas foram impulsionados pelos FATOS do Zimbabwe. São do outro
mundo!.
Ele é formado pelos sobreviventes do extermínio de crianças, colocado em andamento nos
últimos dez anos. O jornal da Tarde, de São Paulo, do dia 19 de julho de 1991 entrevista um,
e o pai de outro deles, Bezerra da Silva, o cantor dos bandidos, e revela isto: eles estão
revoltados.
O jornal afirma que eles são os "sem nada". Basta ser sensível: eles são uns macacos!
Meu caro:
Eu sou jornalista e repórter e você, advogado e ex-preso político, atual presidente do
Congresso Nacional Africano nasceu, viveu, foi criado e estudou; defendeu, ou tentou
defender as causas justas na África do Sul, colonizada por diferentes nacionalidades
européias que se impuseram ao mundo e transformaram o seu país, onde criaram o sistema
do apartheid, no lodo da civilização. O seus antepassados esperavam que você fosse um
homem, e eles fizeram de você uma ostra...
Existe um samba no país onde nasci - dizem e eu acredito que é meu - que diz o seguinte "o
ouro afundo afunda, madeira bóia por cima; a ostra nasce do lodo, mas gera pérola fina..."
O seu país deu ao mundo os mais belos e os maiores diamantes da humanidade e o meu, o
ouro - ou parte considerável dele - que foi necessário, durante o mercantilismo para que
surgisse o capitalismo - este tipo de economia tão contestado desde a Europa, condenado por
milhões de pessoas, mas que se impõe cada vez mais, de forma definitiva sobre todos. Muitos
o abominam, mas vários deles, quando podem, dele se apropriam. A escravidão, aqui no meu
país, que atingiu a maioria dos meus antepassados de mais de três gerações, que custou caro
até hoje, acabou oficialmente em 1988, dia 13 de maio, mas até hoje uma frase perturba-nos
a vida: "todo mundo tem seu preço..." (Conduzindo Miss Dayse- filme dirigido por Bruce
Beresford). Nós já não custamos nada. Deixamos de ser VENDIDOS
Mas eu não escrevi para fazer digressões. Todo negro, digo a maioria, tem esta tendência, de
querer falar de tudo de uma só vez. E se prejudica por causa dela. Mas eu, um prejudicado
como todos os negros do mundo até Collin Powel, que é o chefe do Estado Maior dos EUA -
atuais donos do mundo e que há algumas semanas decidiram tirar a África do Sul do
isolamento - também tenho esta tendência.
Escrevi para lhe falar do Brasil, - o meu país.
Você, que nasceu confinado no seu país, foi preso depois do massacre de Shaperville e, mais
confinado ainda numa prisão, ficou nela por 27 anos, desde os 45 - de vida confinada pelo
apartheid, submetida a uma maior -, foi à força no fundo do lodo onde, certamente se
encontrou com outras ostras. Dentre elas, por causa do seu reconhecimento como líder e
198
dirigente delas e de outros é, certamente, a mais fina das Pérolas - Você poderia, e nós
sabemos que até por razões táticas, beneficiar-se como o fez e corretamente o guiano, sul
americano, como eu, E. R. Braithwaite, da mania dos racistas de todo o mundo que, na África
do Sul recebeu o título de Branco honorário.
Ele denunciou, a partir desta brecha, (ou honra, sei lá), a tragédia sul-africana, uma
tragédia da humanidade deles e não nossa. Mas você, um negro, negou-se. Ninguém é o que
não é. Você combateu a tragédia.
Recentemente um brasileiro, filho de imigrantes japoneses, Terumi Maeda, que foi para o
Japão trabalhar na Honda do Japão, foi contratado lá como imigrante, entrou em depressão,
visitou uma japonesa - que dizem, ele queria conquistar ou seduzi e foi recusado. Ele a
estrangulou. Agora corre o risco de ser condenado à morte.
Os jornais brasileiros disseram algo interessante: ele tinha cara de japonês, jeito de japonês,
mas não era. Era brasileiro. O ex-embaixador guiano que foi condecorado com o título de
"Branco Honorário" por sorte não acreditou na história. E denunciou o fato em um livro
publicado em 75 na Inglaterra, com este título: Branco honorário. Ajudou a matar um
pouquinho do apartheid.
Aqui no Brasil, onde o racismo não é e nunca foi legal, - é péssimo, por sinal - existe a
condecoração, concedida no plano individual e emocional - o Negro de Alma Branca - que
foi rejeitada, inclusive, pelos negros da África do Sul e é utilizada para muitos dos nossos,
até publicamente. Mas você, ao que me consta, e pelo que demonstra, rejeitou as duas...
Tudo isto, meu caro, o torna uma Pérola Fina.
← História recente dez anos do movimento negro...
Continua aqui:
http://www.geledes.org.br/atlantico-negro/movimentos-lideres-
pensadores/afrobrasileiros/hamilton-cardoso/1003-hamilton-bernardes-cardoso
199
ANEXO 4
Avaliação da “Proposta de Plano Institucional da Universidade de São Paulo para o
Recrutamento de Estudantes Capacitados e Participantes dos Grupos Sociais Previstos no
Regime de Metas do PIMESP”
Desde o início do presente ano, quando a reitoria encaminhou às diferentes unidades da
universidade a proposta de criação “Programa de Inclusão com Mérito do Estado de São
Paulo” (PIMESP), estabeleceu-se uma profícua, necessária e democrática discussão a respeito
dos objetivos, metas e estratégias que a USP, como principal universidade do país, deveria
abraçar de forma a responder, à altura, um dos grandes desafios do momento. Tratava-se de
estabelecer metas e construir caminhos para a concretização do tão almejado processo de
inclusão social do aluno da escola pública e de baixa renda e, entre eles, dos chamados PPIs
(pretos, pardos e indígenas, conforme denominação do IBGE), ao mesmo tempo, preservando
a excelência acadêmica conquistada ao longo de décadas de liderança em pesquisa, ensino e
inovação. Com toda certeza, este é um dos grandes desafios que a USP, junto com as demais
universidades paulistas, enfrenta hoje, uma vez que a questão da inclusão acadêmica, de
forma ampla, é pauta prioritária das políticas universitárias nacionais e vem sendo enfrentada
pelas universidades federais e orgãos de pesquisa e financiamento. Mais recentemente, o
próprio CNPq incluiu, entre seus quesitos voltados para a identificação do pesquisador,
questão sobre cor/raça, evidenciando como o tema tem se tornando tão incontornável, como
cada vez mais comprometido com uma agenda cidadã. O projeto PIMESP representa, pois,
uma iniciativa da maior relevância, mas significa igualmente – e tendo em vista a consulta
aberta à toda comunidade a que foi submetido --, um primeiro ensaio das universidades
paulistas no sentido de se inserir no amplo esforço que a sociedade brasileira faz hoje, na
direção da inclusão. Se fosse só para lembrar dessa faceta do projeto, a iniciativa já deveria
ser devidamente comemorada. O balanço da ampla discussão realizada em torno do PIMESP,
em nossa comunidade, indica uma grande aceitação do projeto como um todo, mas, também,
uma crítica contundente à ideia de implantação de um estágio de 2 anos de ensino à distância,
ou semi-presencial, dedicado ao aluno de escola pública e baixa renda, e PPIs: o college. A
proposta foi questionada, justamente, por manter este aluno alijado da vida universitária no
decorrer do curso, além de não permitir que a comunidade mais ampla da USP tenha contato
com modelos de vida, de cultura e de sociabilidade diferentes daqueles a que se vê habituado.
Tanto, que nesse segundo documento não consta mais a introdução do college. Por outro lado,
já no primeiro PIMESP não se definia claramente como a meta de inclusão seria lograda,
indefinição que se mantém também nesse novo documento. De toda maneira, respondendo às
críticas e sugestões apresentadas pelas diferentes unidades, a “Proposta de Plano Institucional
da Universidade de São Paulo para o Recrutamento de Estudantes Capacitados e Participantes
dos Grupos Sociais Previstos no Regime de Metas do PIMESP” propõe, agora, novos
encaminhamentos. De imediato, é fundamental valorizar o fato de que o projeto atual mantém
a meta de inclusão na USP de 50% de alunos de escolas públicas e baixa renda e, entre estes,
35% de PPIs, acompanhando assim o perfil demográfico da população em nosso Estado. Na
proposta mais recente, a realização da meta foi postergada para o ano de 2018, o que, em
nossa opinião, revela uma avaliação objetiva, por parte dos dirigentes de nossa universidade,
uma vez que se trata de avaliar as reais dificuldades para a realização dos objetivos. Uma vez
que o novo documento basicamente se resume a compilar as reações vindas das diferentes
unidades da universidade, diante do primeiro PIMESP, entendemos que esta nova versão
comporta-se antes como uma proposta de trabalho; um processo de discussão. Ela não possui,
em nosso entender, um planejamento mais orgânico e sistemático para a aquisição da meta
almejada, a despeito de introduzir algumas medidas intentando concretizar o objetivo maior;
200
qual seja, a inclusão de alunos até hoje pouco atendidos pelas universidades paulistas. Nesse
sentido, o projeto atual lista alguns mecanismos para a implantação e ampliação da inclusão
social, sendo todas iniciativas independentes entre si, quais sejam: aprimoramento e
ampliação do sistema de bônus do INCLUSP e PASUSP; criação de um cursinho pré-
vestibular; difusão do Embaixadores da USP, e ampliação dos locais de realização da
FUVEST. Todas estas inovações e aprimoramentos de medidas já existentes, são, em si
mesmas, positivas e meritórias. Cabe, no entanto, refletir se elas serão suficientes para a
aquisição da meta estabelecida nesse mesmo documento. Dentre o conjunto das iniciativas, a
única que parece possuir maior impacto, já que poderá ser monitorada e avaliada
sistematicamente, é o sistema de bônus já vigente, o qual será ampliado. O sistema
INCLUSP/PASUSP tem certamente muitas virtudes, e organizou-se pioneiramente como
mecanismo positivo de inclusão. No entanto, este mesmo sistema já mostrou que suas
possibilidades permanecem aquém das metas estabelecidas. Embora funcione desde 2006, o
sistema de bônus conseguiu a inclusão de apenas 24 a 28% de alunos de escola pública nas
salas de aula da nossa universidade. Somados, os PPIs passaram de cerca de 7,5%, em 2000, a
14%, em 2012. Como se vê, trata-se de um índice muito aquém do perfil da participação
demográfica deste segmento em nosso Estado, fato que se agrava quando consideramos que a
razão matriculados/inscritos para o grupo pretos+pardos é muito maior para o segmento
oriundo de escolas particulares (7,8%), em comparação com o mesmo setor oriundo de
escolas públicas (5,7%). Além disso, é notório que a inclusão via bônus não atinge todas as
faculdades de maneira similar. Os índices têm mostrado que nas escolas de maior competição,
a inserção do aluno de escola pública e baixa renda e PPIs tem sido bem menor, o que sugere
que as distorções sociais e raciais vigentes entre discentes de diferentes escolas vêm se
mantendo. Nosso projeto de inclusão universitária necessariamente terá que enfrentar este
espinhoso problema e propor estratégias específicas voltadas para diminuição e futura
eliminação das diferenças sociais e raciais vigentes entre as diferentes escolas e institutos da
USP. Além do mais, para funcionar como alicerce de um bem sucedido programa de inclusão,
o sistema de bônus precisaria receber avaliações sistemáticas, que analisassem suas
possibilidades objetivas de realização da meta. Esse era, por sinal, o objetivo do primeiro
programa do Inclusp, o qual previa que a medida seria avaliada e reorientada no decorrer de
sua implementação. Só dessa forma será possível não só avaliar e adequar o mecanismo de
bônus, como elaborar novas políticas nesse sentido. Por outro lado, se a meta estabelecida
pelo PIMESP é 35% de PPIS, tal mecanismo de avaliação/ adequação mostra-se ainda mais
urgente. Não obstante, na atual proposta, o bônus específico para o quesito raça/cor se resume
a apenas 5%. Já no PPVUSP (cursinho vestibular), proposto no mesmo projeto, aparece a
meta de incluir os 35% de PPIS, demonstrando, assim, certa contradição de procedimentos,
que deveria ser melhor explicitada. Por fim, ao mesmo tempo em que o novo projeto
reconhece a necessidade de inclusão étnico-racial, ele não enfrenta a questão, em suas
propostas mais efetivas. Uma universidade de porte da USP, que detém tal responsabilidade
social, quando chamada a responder aos desafios da inclusão universitária, necessita reagir à
altura, gerando um projeto de alto nível e que atenda necessidades acadêmicas e sociais.