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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Telma Cristina da Silva Frasca Castelhano
Um enfoque da organização composicional de textos “bem formados”,
segundo a Fuvest
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2016
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Telma Cristina da Silva Frasca Castelhano
Um enfoque da organização composicional de textos “bem formados”,
segundo a Fuvest
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para a obtenção
do título de MESTRE em Língua Portuguesa,
sob a orientação da Profª Dr.ª Regina Célia
Pagliuchi da Silveira.
SÃO PAULO
2016
4
Agradecimentos
À minha orientadora Regina Célia Pagluichi da Silveira, pelos ensinamentos,
encontros, beijos, cafés, desafios, abraços, carinho, incentivo, pelas conversas,
dedicação, paciência, exigência, atenção, ternura, simpatia, firmeza, solidez,
segurança e confiança;
À Professora Irenilde Pereira dos Santos, pela suavidade, leitura minuciosa e
pelas sugestões no momento de qualificação;
À Professora Jeni Silva Turazza, pela simpatia, leitura atenta e pelas questões
levantadas na qualificação;
A todos os meus professores : Neusa Barbosa Bastos, Luiz Antônio Ferreira,
Sueli Cristina Marquesi, Ana Rosa Ferreira Dias, João Hilton Sayeg Siqueira,
que participaram ativamente da minha formação profissional;
À Pontifícia Universidade Católica, instituição que tenho muito apreço e
carinho, pelo acolhimento;
À CAPES, pela bolsa concedida;
À Dinalva Torres Nelessen, pelo incentivo ao meu ingresso no mestrado, pela
confiança, pelo apoio e algumas dispensas do Colégio São Teodoro de Nossa
Senhora do Sion para cumprimento de compromissos do curso;
Ao meu marido, Carlos Eduardo, pela paciência e por ter sido minha base, meu
porto seguro, meu protetor em todos os momentos;
À minha família, que está sempre ao meu lado;
5
A todos os amigos que fiz durante o curso, em especial ao Carlos Mesquita,
que participou ativamente da revisão desta pesquisa.
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CASTELHANO, Telma Cristina da Silva Frasca. Um enfoque da organização
composicional de textos “bem formados”, segundo a Fuvest. Dissertação
de Mestrado. Programa de Estudos Pós-graduados em Língua Portuguesa.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2016.
RESUMO
Esta dissertação se insere na linha de pesquisa “Texto e Discurso nas
modalidades oral e escrita”, do Programa de Pós-Graduados em Língua
Portuguesa da PUC-SP. O objetivo geral é contribuir com professores e alunos
na situação de preparação para prestar o vestibular, com resultados que
possam oferecer orientações a respeito da produção de textos dissertativos. Os
objetivos específicos são: destacar as sequências textuais e suas incrustações
no esquema textual dos textos considerados modelo pela banca corretora da
Fuvest; confrontar o ponto de vista projetado pelo texto reduzido proposto pela
Fuvest como ponto de partida para a produção das redações pelo candidato,
com a projeção de um novo ponto de vista selecionado pelo candidato, tendo
por parâmetro a compreensão do tema reduzido proposto, ou seja, a estratégia
utilizada para a construção opinativa; evidenciar a tematização e expansões
por progressão semântica das redações consideradas “bem escritas”, ou seja,
a referenciação. A fundamentação teórica situa-se na Linguística Textual e,
mais especificamente, na Análise Textual dos Discursos. Para atingirmos
nossos objetivos, buscamos os estudos das sequências textuais em Adam
(2011) e os estudos de Silveira (2012) sobre o gênero dissertativo de uma tese
e de duas teses. Os resultados obtidos das análises apontam que: a sequência
explicativa hierarquizada é mais recorrente nos textos publicados pela Fuvest
que a sequência argumentativa; há progressão semântica por tematização por
meio do ponto de vista novo selecionado pelo candidato.
Palavras-chave: Texto dissertativo. Sequência textual argumentativa.
Sequência textual explicativa. Redações modelo segundo corretores da Fuvest.
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CASTELHANO, Telma Cristina da Silva Frasca. Focus on compositional organization of "Well formed" texts according to Fuvest. Master’s Thesis. Program of Postgraduate Studies in Portuguese Language. Pontifícia Universidade de São Paulo, SP, Brasil, 2016.
ABSTRACT
This work is related to the research line "Text and Discourse in oral and written
forms" of Postgraduate Program in Portuguese Language of PUC-SP. The
general objective is to contribute to teachers and students regarding the
preparation for taking entrance examinations with results that might provide a
guideline on textual production of dissertative texts. The specific objectives are:
highlight the text sequences and their encrustation on the textual scheme of the
texts that are considered as model by the board that corrects the exams of
Fuvest; confront the point of view projected by the reduced text proposed by
Fuvest as a starting point for the production of essays by the applicant, with the
projection of a new point of view selected by the candidate, having as
parameter the understanding of the reduced proposed theme, i.e. the strategy
used for the opinionated construction; highlight the theming and expansions by
semantic progression of essays considered "well written", i.e. referral. The
theoretical foundation is based on Textual Linguistics and, more specifically, in
Textual Analysis of Discourses. To achieve our goal, we followed the study of
textual sequences of Adam (2011) and the studies of Silveira (2012) on the
argumentative text of a thesis and two theses. The results of the analyzes
indicate that: the hierarchical explanatory sequence is most frequent in the texts
published by Fuvest compared with the argumentative sequence; there is
semantic progression by theming through the new point of view selected by the
candidate.
Keywords: Argumentative text. Argumentative textual sequence. Explanatory
text sequence. Model of Essays according to Fuvest.
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LISTA DE ESQUEMAS
Esquema 1: Níveis ou planos da análise do discurso ............................... 42
Esquema 2 : Operações de textualização ................................................. 44
Esquema 3: A sequência narrativa ............................................................ 48
Esquema 4: A superestrutura do texto argumentativo ............................... 48
Esquema 5: A sequência argumentativa ................................................... 49
Esquema 6: A sequência explicativa ......................................................... 49
Esquema 7: A sequência dialogal .............................................................. 50
Esquema 8: Estruturação sequencial ........................................................ 51
Esquema 9 : Ligações textuais .................................................................. 52
Esquema 10: Dissertativo de uma tese ..................................................... 60
Esquema 11: Dissertativo de duas teses .................................................. 61
Esquema 12: Esquema textual dos textos “Pontos de Vista” ................... 62
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................... 11 CAPÍTULO I: CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA .............................. 15 1.1 O problema ................................................................................ 15 1.2 O gênero dissertativo em manuais didáticos ............................ 16 1.3 A Fuvest .................................................................................... 20
1.4 Os critérios de correção da Redação, segundo o Manual do Candidato ........................................................................................ 30
CAPÍTULO II : UM BREVE HISTÓRICO DA LINGUÍSTICA TEXTUAL .... 34
2.1 Texto e Discurso ........................................................................ 34 2.2 A virada pragmática ................................................................... 38 2.3 A virada cognitivista ................................................................... 38 2.4 A perspectiva sociocognitivo-interacionista ............................... 40 2.5 Tendências atuais e principais perspectivas ............................. 41 2.6 A análise textual dos discursos ................................................. 42
CAPÍTULO III: AS SEQUÊNCIAS TEXTUAIS, O GÊNERO DISSERTATIVO E A REFERENCIAÇÃO ................................................................................. 45 3.1 As sequências textuais .............................................................. 45 3.1.1 A sequência descritiva ................................................. 46 3.1.2 A sequência narrativa .................................................. 47 3.1.3 A sequência argumentativa ......................................... 48 3.1.4 A sequência explicativa ............................................... 49 3.1.5 A sequência dialogal ................................................... 50 3.2 Incrustações, hierarquia e plano de texto ................................. 50
3.3 O texto expandido ..................................................................... 53 3.4 Gênero ....................................................................................... 55 3.5 O gênero dissertativo ................................................................ 59 3.5.1 O gênero dissertativo de uma tese .............................. 59 3.5.2 O gênero dissertativo de duas teses ........................... 60 3.6 O processo de referenciação .................................................... 62 CAPÍTULO IV: OS ESQUEMAS TEXTUAIS, A CONSTRUÇÃO OPINATIVA E A REFERENCIAÇÃO ................................................................................. 65 4.1 Procedimentos analíticos .......................................................... 65 4.2 A proposta ................................................................................. 66 4.3 Sobre o corpus .......................................................................... 68 4.4 Análise do corpus ...................................................................... 68
4.4.1 Texto 1: A perda de referências e o consumismo na globalização .......................................................................... 68
4.4.1.1 O esquema textual ......................................... 69 4.4.1.2 A construção opinativa ................................... 70 4.4.1.3 A referenciação .............................................. 72
4.4.2 Texto 2: Ditadura da propaganda ................................ 75 4.4.2.1 O esquema textual ......................................... 76
10
4.4.2.2 A construção opinativa ................................... 77 4.4.2.3 A referenciação .............................................. 79
4.4.3 Texto 3: As catedrais de Xangai .................................. 82 4.4.3.1 O esquema textual ......................................... 83 4.4.3.2 A construção opinativa .................................. 85 4.4.3.3 A referenciação .............................................. 87
RESULTADOS PARCIAIS ........................................................................ 91 4.4.4 Texto 4: Apenas uma contestação .............................. 92
4.4.4.1 O esquema textual ......................................... 93 4.4.4.2 A construção opinativa ................................... 94 4.4.4.3 A referenciação .............................................. 95
4.4.5 Texto 5: Consumismo e felicidade ............................... 98 4.4.5.1 O esquema textual ......................................... 99 4.4.5.2 A construção opinativa ................................... 100 4.4.5.3 A referenciação .............................................. 102
4.4.6 Texto 6: Do consumo ................................................... 105 4.4.6.1 O esquema textual ......................................... 106 4.4.6.2 A construção opinativa ................................... 107 4.4.6.3 A referenciação .............................................. 108
RESULTADOS PARCIAIS ......................................................................... 112 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 114 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 118 ANEXOS .................................................................................................... 123
11
INTRODUÇÃO
Esta dissertação se insere na linha de pesquisa “Texto e discurso nas
modalidades oral e escrita”, do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Temos,
como tema, a organização composicional de textos produzidos por alunos,
candidatos da Fuvest e avaliados como “bem formados” pela Banca Corretora
da Fuvest.
Justificamos o tema, pois, após a correção da Fuvest, os textos
considerados pela banca bem escritos são publicados como modelo para
orientar futuros candidatos ao vestibular. Todavia, não há a indicação dos
critérios seguidos pelos avaliadores para aprovação dos textos produzidos.
Sendo assim, esta dissertação tem, por objetivo geral, contribuir com
professores e alunos na situação de preparação para prestar o vestibular, com
resultados que possam oferecer orientações a respeito da produção de textos
dissertativos.
São objetivos específicos:
- destacar as sequências textuais e suas incrustações no
esquema textual dos textos considerados modelo pela banca
corretora da Fuvest;
- confrontar o ponto de vista projetado pelo texto reduzido
proposto pela Fuvest como ponto de partida para a produção das
redações pelo candidato com a projeção de um novo ponto de
vista selecionado pelo candidato, tendo por parâmetro a
compreensão do tema reduzido proposto, ou seja, a estratégia
utilizada para construção opinativa;
- evidenciar a tematização e as expansões por progressão
semântica das redações consideradas “bem escritas”, ou seja, a
referenciação.
A pesquisa realizada tem um procedimento teórico-analítico e um
método quantitativo-qualitativo para análise documental. Todos os documentos
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redacionais analisados correspondem ao total das redações modelo publicadas
pela Fuvest, Fundação para o vestibular, em 2013. Este total é de 27
documentos redacionais. Após as análises realizadas, verificamos que 24
foram compostos com a hierarquização textual da sequência explicativa e
apenas 3 com a sequência argumentativa. Foram selecionados, a título de
exemplificação, 6 documentos redacionais: 3 (o total) com a sequência
argumentativa e 3 (dos 24 por apresentarem tematizações diversificadas em
relação aos demais) com a sequência explicativa.
As análises realizadas foram orientadas pelas propostas de Adam
(2011) e de Silveira (2012). Segundo Adam (2011), a Linguística Textual
instaurou-se e desenvolveu-se separadamente da Linguística do Discurso. O
objeto de estudo da Linguística Textual é o texto bem formado e as tarefas
privilegiadas pelos linguistas textuais são tratar da coesão e coerência,
identificar a noção de completude de um texto e buscar uma tipologia textual.
Com o desenvolver da Linguística Textual, vários tipos de texto foram
propostos. Ocorreu uma variação tipológica, pois, segundo Isenberg (1987), os
estudiosos de textos adotaram critérios diferentes para organizar suas
tipologias.
Os tipos textuais apresentados, por exemplo, foram:
- as superestruturas textuais, entre as quais a da história, a do relato científico
ea da notícia;
- os tipos de texto de enunciação fixa (por exemplo, protocolo, B.O. e abaixo-
assinado);
- textos de enunciação variável;
- textos monológicos e textos dialógicos/ polifônicos etc.
O autor propõe que uma tipologia de texto deveria ser elaborada a partir
de classes de texto, por exemplo, textos poéticos, textos com predominância
da auto manifestação, textos com predominância exortativa, textos com a
predominância da informação etc.
Adam desenvolveu uma série de estudos a respeito da superestrutura
dos textos até que, em 2011, fez uma proposta de tratar não dos tipos, mas
também dos gêneros textuais. Portanto, seria necessário associar a Linguística
Textual à Linguística Discursiva: seria uma análise textual-discursiva dos
textos. Sendo assim, diferencia textos primitivos de gêneros textuais. Os tipos
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de texto passam a ser tratados pelo autor como sequências textuais a saber:
narrativa, descritiva, explicativa, argumentativa e dialogal.
Os gêneros textuais são textos em uso interacional comunicativo aceitos
socialmente e eles se definem por uma organização composicional hierárquica
de sequências, sendo que a mais alta é o eixo central em que se incrustam as
demais sequências selecionadas para a definição de um gênero textual.
Silveira (2012) tem, por objetivo, tratar dos textos do discurso científico
e, entre esses, situa os textos dissertativos acadêmicos, que, segundo ela, são
organizados por uma ou duas teses.
Os textos de uma tese são produzidos no contexto situacional e
discursivo em que os participantes são assim definidos: o locutor tem a posse
do saber e dirige-se a seus interlocutores que desconhecem a área e o tema
tratado por ele. Sendo assim, os interlocutores não têm nenhuma opinião já
formada acerca do que está sendo tratado no discurso.
Os textos de uma tese são definidos, na sua organização coesiva, por
redução > expansão e tem, por objetivo, oferecer ao interlocutor um conjunto
de conhecimentos de forma a produzir, para ele, as inferências que o autor
intenciona que ele faça. É a partir da redução > expansão que se apresenta a
justificativa da tese proposta.
O dissertativo de duas teses é produzido na situação discursiva
conflitante na qual o locutor tem a intenção de levar seus inerlocutores a
abandonar a opinião que eles já têm construída a respeito da área e do tema
tratado. Sendo assim, o texto dissertativo de duas teses progride com a
sequência: tese 1 (opinião já formada, atribuída aos interlocutores) > contra-
argumentos > argumentos > tese 2 (opinião do locutor).
O termo “tese” é definido como uma conclusão que contém a opinião do
locutor. Toda opinião, segundo van Dijk (1997), é um conhecimento avaliativo,
ou seja , uma crença.
Esta dissertação está composta por 4 capítulos. No primeiro,
contextualizaremos nossa pesquisa e definiremos o problema. No segundo,
faremos uma revisitação no percurso da Linguística Textual da segunda
metade da década de 1960 até os dias de hoje. No terceiro capítulo,
apresentaremos as sequências textuais, propostas por Adam; em seguida,
abordaremos o gênero; por fim, a referenciação, para verificarmos a
14
manutenção temática do nosso corpus. No quarto capítulo, procederemos à
análise do corpus e verificaremos as sequências textuais que organizam os
textos considerados “de bom nível” pela banca corretora da Fuvest.
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CAPÍTULO I : CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA
1.1 O problema
Diversos vestibulares utilizam o texto dissertativo, além das questões ou
testes, como forma de selecionar os candidatos que ingressarão na
universidade. Entendemos, portanto, que é um gênero textual que merece
destaque. É por meio dele que os corretores avaliam se o candidato foi capaz
de compreender a proposta, se soube selecionar, relacionar, organizar e
interpretar informações, fatos e opiniões para desenvolver a temática proposta
com adequação.
É por meio da escrita que o corretor, representante da universidade,
avalia as formações discursivas do estudante, a utilização da norma de padrão
gramatical, o conhecimento de mundo, o posicionamento do candidato em
relação ao tema, os interdiscursos presentes, ou seja, a capacidade de
relacionar diversas áreas do conhecimento com um mesmo tema, a coesão e a
coerência textual.
O texto dissertativo é privilegiado nas universidades como texto
acadêmico. Estudos já realizados, de forma geral, definem o texto dissertativo
acadêmico como opinativo.
A Fuvest é considerada o parâmetro para a elaboração de vestibulares e
também para os professores de Ensino Médio proporem suas aulas de
redação.
Anualmente a Fuvest publica redações consideradas, pela banca
examinadora, textos “bem formados”. A apresentação desses textos, no site,
inicia-se com a inscrição: Exemplos de redações consideradas de bom nível
pela Banca Corretora por terem atendido, total ou parcialmente, os aspectos
avaliados: tipo de texto e abordagem do tema, estrutura, expressão.
Portanto, há a pretensão de que aspectos linguísticos (“tipo de texto”,
“estrutura”) e discursivos (“abordagem do tema” e “expressão”) sejam
criteriosamente avaliados pela instituição.
Como se trata de um domínio público, todos podem ter acesso a esses
textos “de bom nível”. Os estudantes do 3º ano do Ensino Médio, estando em
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fase preparatória para o vestibular, frequentemente acessam o site (na maioria
das vezes, pela indicação do professor de educação básica, pois nem todos os
estudantes o conhecem) e tentam encaixar os textos lidos em uma “receita”
para assim reproduzi-la em diversas avaliações escolares ou vestibulares.
Todavia, a mídia publica, constantemente, a correção de textos
dissertativos feita pelos corretores do ENEM (Exame Nacional do Ensino
Médio). Recentemente, a rede Globo, por meio do programa Fantástico,
veiculou uma reportagem em que alguns jornalistas se inscreveram para a
realização do ENEM e, após obtenção da nota do texto dissertativo, a matéria
apresentou como resultado a ineficiência, falta de critérios, extrema
subjetividade e disparidade na menção alcançada.
A não concordância com a nota obtida sempre esteve em discussão
pelos estudantes, por meio da mídia. Sendo assim, entendemos que há uma
incongruência entre a correção dos examinadores e a que os alunos desejam
ou esperam.
Nesse sentido, revimos alguns manuais didáticos. Entendemos que essa
revisão era importante a fim de confrontá-la com a organização composicional
das redações consideradas de “bom nível” pelos corretores da Fuvest.
1.2 O gênero dissertativo em manuais didáticos
Selecionamos três manuais didáticos para representarem o que é
proposto pelas instituições escolares para o ensino do texto dissertativo. Eles
foram escolhidos tendo por critério o prestígio de seus autores entre os
professores do curso do Ensino Médio e cursos preparatórios para o vestibular.
Terra e Nicola (2002, p.43) descrevem:
Muitos dos textos que produzimos, sejam eles escritos ou falados, são
motivados pela nossa necessidade de expor um ponto de vista, defender uma
ideia ou questionar algum fato. São os chamados textos dissertativos.
Quando os produzimos, devemos observar certas normas de organização
bastante particulares.
Em geral, para se obter maior clareza na exposição do ponto de vista,
distribui-se a matéria em três partes:
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- introdução – em que se apresenta a ideia ou ponto de vista
que será defendido;
- desenvolvimento ou argumentação – em que se
desenvolve o ponto de vista (para convencer o leitor, é preciso
usar uma sólida argumentação, citar exemplos, recorrer a
opiniões de especialistas, fornecer dados etc.);
- conclusão – em que se dá um fecho coerente com o
desenvolvimento, com os argumentos apresentados.
Cereja e Magalhães (2005, p.289) intitulam um capítulo como “O texto
dissertativo- argumentativo” e afirmam:
Nas aulas de produção de textos, tradicionalmente a escola tem
trabalhado com um tipo de texto chamado dissertação. Alguns exames de
seleção, como os vestibulares e os chamados vestibulinhos para as escolas
técnicas e para escolas do ensino médio, também exigem a produção de um
texto dissertativo.
Dissertar é o mesmo que explanar sobre um tema, desenvolvê-lo. Em
princípio, o texto dissertativo não está comprometido com a persuasão, e sim
com a transmissão de conhecimentos. Apesar disso, os temas propostos para
o texto dissertativo são quase sempre polêmicos – maioridade penal,
desarmamento, violência urbana, meio ambiente, ética. Por essa razão, o que
se espera é um texto em que seu autor analise e discuta o tema proposto,
defenda seu ponto de vista e, às vezes, proponha soluções.
Além disso, a dissertação escolar apresenta uma estrutura formada por
três partes convencionais – a tese (ou a ideia principal), o desenvolvimento e a
conclusão -, que coincidem com a estrutura da maior parte dos gêneros
argumentativos.
Continuam:
O texto dissertativo apresenta três partes essenciais: uma introdução,
na qual é exposta e tese ou a ideia principal que resume o ponto de vista do
autor acerca do tema; o desenvolvimento, constituído pelos parágrafos que
explicam e fundamentam a tese; e a conclusão.
(Cereja e Magalhães, 2005, p.290)
18
Seguem:
O desenvolvimento é formado pelos parágrafos que fundamentam a
tese. Normalmente em cada parágrafo é apresentado e desenvolvido um
argumento. Cada argumento pode ser desenvolvido por meio de
procedimentos como: comparação, alusão histórica, citação, exemplificação,
oposição ou contraste, definição, apresentação de dados estatísticos, relação
de causa.
(Cereja e Magalhães, 2005, p.291)
Finalizam:
O texto dissertativo-argumentativo faz uso de dois tipos básicos de
conclusão: a conclusão-resumo, que retoma as ideias do texto, e a conclusão-
sugestão, em que são feitas propostas para a solução de problemas.
(Cereja e Magalhães, 2005, p.291)
Rosado (2011, p.73) afirma:
A rigor, a dissertação é uma estrutura tripartida: tese (ou proposta),
desenvolvimento (ou argumentação) e fecho (conclusão).
A tese equivale a uma proposta que fazemos ao nosso leitor-corretor: é
sobre o que vamos falar, defender. É como se você apresentasse seus pontos
de vista iniciais e que serão desenvolvidos ao longo do que escreverá.
O desenvolvimento é a grande “prova dos nove”: é argumentação pura,
com exemplos, aproximações, citações. É ali que seu corretor centrará a mais
aguda observação; e é ali também que você, caso não saiba adequadamente
sobre o assunto, poderá tirar sua menor nota apreciativa. Quem lê está
informado sobre os fatos e passa por esta parte com facilidade e rapidez.
O fecho é a parte última, a finalização de todos os registros, ideias e
especulações contidas no texto. A melhor maneira de “fechar” um texto é
supondo algo, fazendo uma hipótese.
Em síntese, a revisão dos manuais didáticos feita indica que a
composição do texto dissertativo tem suas origens em Aristóteles. Este
apresenta o texto a partir de três partes: introdução (do geral ao particular),
desenvolvimento (progressão de argumentos) e conclusão (o posicionamento
do autor). Sendo assim, verificamos que os manuais didáticos aperfeiçoam o
modelo de Aristóteles.
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No que diz respeito à introdução:
- Terra e Nicola (2002): a introdução apresenta a ideia ou ponto de vista
que será defendido;
- Cereja e Magalhães (2005): a introdução é designada tese (a ideia
principal);
- Rosado (2011): coincide com Cereja e Magalhães, designando a
introdução por tese.
No que se refere ao desenvolvimento:
- Terra e Nicola (2002): desenvolvimento é onde se desenvolve o ponto
de vista a partir de uma sólida argumentação;
- Cereja e Magalhães (2005): desenvolvimento são os parágrafos que
fundamentam a tese, sendo que cada parágrafo apresenta e desenvolve
um argumento;
- Rosado (2011): desenvolvimento é a argumentação pura.
No que se refere à conclusão:
- Terra e Nicola (2002): conclusão é o desfecho coerente com os
argumentos apresentados;
- Cereja e Magalhães (2005): desenvolvimento e conclusão são as
partes maiores da estrutura dos gêneros argumentativos. Há conclusão-
resumo, que retoma as ideias do texto, e conclusão-sugestão, que
compreende as propostas para a solução de problemas;
- Rosado (2011): a conclusão é designada fecho por ser a maneira de
fechar um texto, e a melhor forma de fazer isso é supondo algo, fazendo
uma hipótese.
A organização composicional do texto dissertativo, segundo os manuais
didáticos, indica uma não correspondência com a estrutura composicional das
redações consideradas de bom nível pelos corretores da Fuvest,
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principalmente no que se refere ao dissertativo de duas teses, que nem é
abordado pelo manuais.
Além disso, o texto dissertativo não é tratado como um texto opinativo.
Segundo Terra e Nicola (2002), dissertar é expor um ponto de vista, defender
uma ideia ou questionar algum fato. Segundo Cereja e Magalhães (2005),
dissertar é o mesmo que explanar sobre um tema, desenvolvê-lo. Segundo
Rosado (2011), a tese equivale a uma proposta a respeito do que vamos falar,
defender, logo nenhum dos autores revistos tratam da construção da opinião
de forma a considerá-la como um conhecimento avaliativo.
1.3 A Fuvest
Selecionamos como corpus de nossa pesquisa textos dissertativos
publicados como modelo pela Fuvest. Mas por que decidimos adotar como
referência os textos que a Fuvest publica anualmente? Nesta seção,
responderemos a essa pergunta.
Fuvest é acrograma de Fundação para o Vestibular, esta vinculada
fundamentalmente à USP, Universidade de São Paulo. Constitui-se em uma
fundação de direito privado, sem fins lucrativos e com a finalidade precípua de
cuidar do exame vestibular, de acordo com as diretrizes do Conselho de
Gradução.
A palavra “vestibular” surge como referente aos “vestíbulos”. Vestíbulo,
no que se refere aos espaços arquitetônicos, pode se referir ao espaço entre a
porta principal e a escadaria interior, à entrada de um edifício, ao espaço que
antecede a entrada desse edifício ou mesmo à porta principal. Sendo assim, o
vestibular é condição para ingresso em algo superior: o princípio de uma
“escada” social, o que o ensino universitário representa no Brasil. Esta é a
simbologia implícita no termo e, exatamente por causa dela, o vestibular
representa um momento de tanta importância na vida das famílias e das
universidades.
O exame vestibular surgiu em 1911. O ministro da Justiça e de Negócios
Interiores, Rivadário Corrêa, empreendeu uma reforma no ensino. E uma delas
foi a obrigatoriedade da realização de exames para a seleção de candidatos ao
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ingresso no ensino superior por meio de provas orais e escritas. Os
vestibulares passaram a ser feitos pelo corpo docente das faculdades e, por
muitas décadas, calcaram-se em questões dissertativas longas e provas orais.
As questões-testes e a redação foram introduzidas somente na década de
1950 pela Escola Paulista de Medicina.
Segundo Samara (2006), o ensino secundário no Brasil, começando no
Império e chegando até a chamada Reforma Francisco Campos, em 1931, era
eminentemente preparatório para o ensino superior – tanto que, ainda em
1930, o Governo Federal legislava sobre ambos de uma vez só. Após essa
reforma, não se popularizou tanto quanto deveria, permanecendo delegado
primeiramente a um número reduzido de particulares – por isso, até a década
de 1960 eram poucos os jovens que conseguiam concluir todas as séries
escolares e chegar às portas da universidade. Dessa forma, o vestibular era o
“grande exame final” que, se vencido, garantiria a continuidade dos estudos e
um futuro profissional diferenciado. Nesse momento, a demanda de candidatos
era menor que o número vagas oferecidas.
Mesmo assim, cada curso da Universidade de São Paulo aplicava os
exames de ingressos aos candidatos. Dessa forma, o vestibular possuía um
caráter fragmentado. Alguns cursos aplicavam testes orais, outros preferiam
cobrar a escrita também. As bancas eram formadas, geralmente, por três
professores.
Quando o aluno não tinha um bom conhecimento, realizava estudos
rápidos – cerca de dois meses – em locais que ofereciam aulas. Ou seja, já
existiam, na década de 1940, alguns “cursinhos”, pequenos ainda.
Os vestibulares daquela época feitos pelos cursos oferecidos pela
Universidade de São Paulo não apresentavam um preparo sistemático, embora
as provas já tivessem rigor e dificuldade. Em outras palavras, a simplicidade
desses exames contrasta com a sofisticação das atuais provas dos
vestibulares da Fuvest.
Segundo Roberto Celso Fabrício Costa, professor aposentado do
Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo e
atualmente consultor de operações, concursos e vestibular da Fuvest, em
entrevista concedida a Samara (2006, p.31):
22
Pedíamos aos professores de letras que fizessem questões
para nós, assim como pedíamos para os professores de física, química
etc. Também fazíamos questões para eles, e todos colaboravam
bastante a fim de que todos os vestibulares departamentais
ocorressem da melhor forma, a despeito de todo o amadorismo que
existia. Naquele tempo, a universidade não era obrigada a preencher
as vagas todas, então, se você tinha trinta vagas no diurno, elas
existiam para quem tirasse cinco no exame, no mínimo. Se não
houvesse trinta aprovados, só quinze, tudo bem. A obrigatoriedade do
preenchimento de vagas veio na década de 1970, na época do Jarbas
Passarinho, por causa do crescimento vertiginoso dos candidatos.
Em alguns cursos, no entanto, o problema de falta de vagas já se
apresentava: o número de vagas era bem menor que o de candidatos. No
vestibular da Escola Politécnica, por exemplo, bem antes da década de 1970,
já existia um excesso de candidatos. Em 1951, já havia 3 mil candidatos para
180 vagas.
Em síntese, pudemos verificar a heterogeneidade dos exames
vestibulares da Universidade de São Paulo entre as décadas de 1930 e 1960.
Cada unidade resolvia a questão do ingresso de alunos à sua forma, pedindo
diferentes matérias, mudando seu rol de cobranças em certos momentos, mas
sempre envolvendo o seu corpo docente e lidando com números muito
diversos de candidatos. Cada qual tinha o seu “estilo” de prova, de maneira a
imprimir no vestibular departamental as características do corpo docente e do
curso no qual os aprovados – ou seja, os considerados aptos – se adaptariam.
Com exceção dos cursos de engenharia (conforme supracitado o caso
da Escola Politécnica), Medicina e Direito, entre as décadas de 1930 a 1950, o
número de candidatos era baixo, mas, na segunda metade dos anos de 1960,
esse painel começou a se alterar. Enquanto em algumas poucas carreiras
ainda não havia mais de dois ou três candidatos por vaga, em outras tal
relação poderia subir tanto que colocava os responsáveis pelos exames em
situação difícil.
Em 1971, estatísticas do Ministério da Educação e Cultura do Brasil
registravam a existência de 1,9 inscrição para cada vaga nas universidades
brasileiras em geral – sendo que, em 1968, esse número chegara a 2,4,
23
incluindo a rede pública e privada. Sendo assim, aumentou bastante a
porcentagem de saídos do colegial, mas as vagas existentes nas universidades
públicas estavam longe de atender a demanda.
O resultado disso foi a contestação do sistema educacional feita por
manifestações estudantis. A mais famosa foi a daqueles estudantes
considerados “excedentes” nos vestibulares, pois, mesmo tendo atingido a nota
mínima exigida para aprovação, não conseguiam vagas. Nesse momento, os
aprovados eram sempre em número maior que a quantidade de vagas,
demonstrando uma inversão em relação à situação do período anterior.
Em 1967, o decreto-lei 252, de 28 de fevereiro, determinou que cada
unidade universitária fosse estruturada em núcleos menores, chamados
departamentos, que, por sua vez, deveriam reunir disciplinas afins.
Em 1969, por meio do decreto-lei 477, de 26 de fevereiro, foram
proibidos os movimentos de greve e as agitações de caráter político, visando a
acabar com todo protesto estudantil, inclusive com aquele por vagas no ensino
superior. Em 1971, o decreto 68.908, de 13 de julho, dispôs sobre o Concurso
Vestibular, instituindo de fato o vestibular classificatório e eliminando, assim, a
questão dos “excedentes”.
Foi durante essa Reforma Universitária que houve a formação de
agrupamento de docentes que se especializaram na criação, aplicação e
correção dos exames vestibulares. Esses grupos vieram atender às
dificuldades dos diferentes departamentos que, às voltas com o crescente
número de candidatos, passaram a contratá-los.
Dessa forma, Cescem, Cescea e Mapofei constituíram-se
espontaneamente, por intermédio da iniciativa de alguns professores (tanto da
casa quanto externos). Seriam coordenarias realmente pequenas, comparáveis
a microempresas, porém informais, que reuniam pessoas para trabalhar
somente em dado momento do ano letivo, sustentando-se das taxas que
cobravam nos exames vestibulares.
Os serviços prestados por esses profissionais tinham um padrão de
qualidade que foi muito apreciado, e o impacto dos vestibulares foi tão grande
que universidades do interior começaram também a agregar seus exames a
elas.
24
O Cescem – Centro de Seleção de Candidatos às Escolas Médicas –,
que partiu de uma iniciativa dos professores da Escola Pinheiros de Medicina
(USP) em 1964, acabou por agregar todo o pessoal da área de Biológicas da
USP, da Escola Paulista de Medicina, da Santa Casa e outras. Além de
atender ao problema do crescimento numérico de candidatos para várias
carreiras, o surgimento do Cescem envolvia também outro fator: o problema da
excessiva pessoalidade dos exames. (Havia boatos de que os filhos dos
professores da Pinheiros tinham lugar assegurado nos exames. Com a criação
do Cescem, isso acabou, pois a organização imposta aos exames vestibulares
era quase militar).
As provas eram aplicadas em dois dias. E, após a primeira fase, havia
exames práticos de física, química e biologia em laboratórios da Cidade
Universitária.
Alguns vestibulares já seguiam, havia alguns anos, a ideia de selecionar
os candidatos em duas fases, uma vez que isso facilitava o processo seletivo
quando a concorrência era grande. Na verdade, a estrutura de aplicação das
provas se tornara mais calculada para dar conta de números sempre
crescentes de candidatos.
A nova estruturação dos vestibulares trouxe uma efervescência
crescente por parte dos cursinhos preparatórios. Em 1965, já existiam vários: o
André Dreifus, o Nove de Julho, Castelões e o Anglo eram alguns dos mais
renomados, segundo Samara (2006). Eles ofereciam revisões de fim de ano,
ou mesmo algo que se aproximaria do “cursinho extensivo” que conhecemos
hoje.
Nesse momento, surgiu uma novidade: o sistema de opções. O
candidato escolhia duas opções de carreira, respeitando a ordem de primeiro a
mais concorrida e, em segundo lugar, a menos concorrida.
Pouco depois, em 1969, surgiu a Mapofei – Vestibulares Unificados de
Ciências Exatas e Engenharia Mauá, Poli e FEI. A partir dos resultados vistos
com a atuação dos Cescem, três professores, um de cada uma das
instituições, tiveram a ideia de agregar essas três grandes escolas de
engenharia.
As provas da Mapofei não possuíam duas fases. Tinham apenas uma.
Elas não eram compostas por questões-testes. Inicialmente, as quatro matérias
25
cobradas eram matemática, física, química e português, mas, com o tempo, à
medida que outras carreiras além das engenharias iam se agregando ao
sistema, as provas foram se tornando mais complexas. Passou-se a criar
questões de outras disciplinas. Tanto a Cescem quanto a Mapofei mantinham
uma rigidez na aplicação das provas e impessoalidade crescente.
O Cescea surgiu em 1967, pelas mãos dos professores da Faculdade de
Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Pouco depois,
passou a anexar vários vestibulares da área de Humanas. As provas do
Cescea eram aplicadas apenas em uma fase. Quanto ao conteúdo do exame,
assim descreveu Lúcia Helena Gama, socióloga, que prestou vestibular, em
1976, para Ciências Sociais:
Sempre tive dificuldades com testes, por isso o exame foi
horrível para mim. Na prova de história, fomos muito demandados
quanto a datas e detalhes. Os exames foram feitos em várias dias, mas
em uma fase só; tivemos provas de inglês, biologia, matemática,
geografia, história e português, não me lembro se tinha física e
química.
(Samara, 2006, p.43)
A ideia de unificar todos os vestibulares da Universidade de São Paulo
surgiu em 1973. Segundo Samara (2006), a criação da Fuvest pode ser
interpretada como uma forma de resistência da USP perante o processo de
reformas do ensino que vinha ocorrendo desde 1966.
Elas tratavam de dirigir boa parte do público escolar para a formação
técnica, esvaziando a demanda por vagas nas universidades. E, para isso, os
chamados “primeiro e segundo graus” passaram a constituir um nível de ensino
cujo objetivo primordial era a habilitação profissional.
Além disso, havia, conforme alguns relatórios preliminares à lei e ao
decreto-lei, a possibilidade de nomeação de reitores e diretores de unidades
que não fizessem parte do corpo docente.
Nesse momento, pareceu a muitos que, com a unificação do vestibular,
a Universidade de São Paulo daria seu recado ao governo e à rede de ensino
26
de primeiro e segundo graus, alicerçada na força moral que dispunha, por ser a
maior universidade do país.
Segundo Setembrino Petri (apud Samara, 2006, p.50), professor
aposentado do Departamento de Geologia da Universidade de São Paulo e
presidente do Conselho Curador da Fuvest de 1976 a 1980:
Entre tantas razões para se criar a Fuvest, a mais importante
era impormos um padrão de exigência bastante claro para o ingresso
na USP. Eu particularmente acho que os exames que estavam sendo
feitos não estavam a contento, pois cada uma das instituições que
existia enfocava um tipo diferente de exame, e havia até aqueles
vestibulares somente compostos por questões-testes. Ora, eu
lecionava para turmas de Geologia e de Geografia, e me ressentia
bastante disso tudo. Então, achei que o vestibular precisava melhorar
nesse aspecto; deveria, por exemplo, cobrar todo mundo em redação.
Havia muitos alunos que não sabiam se expressar direito em
português, pois só haviam estudado gramática para o vestibular.
De acordo com José Goldemberg (apud Samara, 2006, p.51), secretário
do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e professor aposentado do Instituto
de Física da Universidade de São Paulo:
A Mapofei unificou os exames das escolas de Engenharia não
usando o método de múltipla escolha, coisa pela qual sempre lutei
muito. Mas ela não era uma organização legal, no sentido de ter CNPJ;
quando chegava a época de se realizar os exames vestibulares, nos
reuníamos e saía o trabalho. Ela deu certo, fez muito sucesso, mas,
naquele momento, se precisava de algo mais palpável. A
responsabilidade de se fazer esses exames era muito grande, e ter
criado padrões de absoluta objetividade nos vestibulares, com
qualidade na prestação dos serviços, já não bastava mais.
Portanto, era necessária alguma instituição plenamente regularizada que
representasse a Universidade de São Paulo na seleção do futuro corpo
discente, dando conta do número crescente de candidatos, impondo um padrão
de exigência para admissão no ensino superior. E ela foi corporificada pela
Fuvest.
27
Conforme Motoyama (2007, p.26):
A Fuvest surgiu, de forma oficial, no dia 20 de abril de 1976,
época do início da distensão do regime militar, resultante do golpe de
1964. A Universidade de São Paulo tentava readquirir a normalidade
passados os anos de repressão durante o governo do general Emílio
Garrastazu Médici (1969 – 1974), quando vigorou o Ato Institucional
nº 5, o famigerado AI-5, editado em fins de 1968. Havia ainda o
decreto-lei 477, de fevereiro de 1969, que, entre outras, proibia
qualquer manifestação contra o regime no âmbito universitário.
Porém, com o advento do governo do general Ernesto Geisel (1974 –
1979), com a sua política de distensão gradual, o sistema repressivo
começou a enfraquecer. Os institutos de ensino superior, sobretudo
públicos, readquiriram certa autonomia. Ao final de 1978, decretou-se
o término do AI-5.
Retomando, as universidades tinham de aprimorar o seu sistema de
seleção estudantil, pois houve uma expansão quantitativa no ensino
fundamental e no antigo segundo grau, atual ensino médio. A qualidade dos
estudantes era desastrosa, uma vez que a lei nº 5692, de 1971, transformou
em profissionalizante todo o segundo grau. Os autores da obra “Fuvest 30 anos
da Fundação Universitária para o Vestibular” apresentam algum
questionamento quanto ao fato de somente essa transformação do segundo
grau ter causado o déficit da qualidade do segundo grau: “Qual a razão das
escolas técnicas federais, em curioso contraste, apresentarem excelente nível,
mormente em São Paulo?” (Motoyama, 2007, p.26)
Apontam, também, outro fator como falha do regime militar na falência
do ensino fundamental e o segundo grau. Os autores não discutem muito as
causas e nós também não a investigaremos, já que não é o foco desta
pesquisa.
O fato é que os estudantes que pleiteavam uma vaga nas universidades
se apresentavam com péssima qualidade e a concorrência para os
estabelecimentos afamados e conceituados aumentou. A referência para os
cursos de segundo grau em São Paulo era o vestibular aplicado pela
Universidade de São Paulo. E a ela caberia efetuar os exames da melhor forma
28
possível para escolher bem os discentes e assistir a elevação do nível do
segundo grau. E, por esses motivos, surgiu a Fuvest.
O primeiro vestibular foi em 1977 e as normas adotadas foram:
a) A matéria a ser exigida nos vestibulares não deve ir além do nível
do 2º grau;
b) Tendo em vista os reflexos no ensino do 2º grau, dever-se-á, na
medida do possível, realizar provas analítico-descritivas;
c) Como o número de candidatos deve ultrapassar muito as vagas
oferecidas, provas analítico-descritivas serão impraticáveis para todos
os candidatos. O vestibular deverá, portanto, ser realizado em duas
fases: a 1º, sob forma de testes de múltipla escolha, com cinco
opções, das quais uma certa. Para a 2º fase, será convocado número
de candidatos igual a três vezes o número de vagas para cada
carreira, e as provas dessa fase serão analítico-descritivas;
d) A prova de Comunicação e Expressão da 2º fase deve conter,
obrigatoriamente, um item de redação;
e) Para se evitar a especialização precoce do 2º grau, o vestibular
deve ser unificado para as três áreas de conhecimento.
(Motoyama, 2007, p.27)
É possível perceber que quase todas as normas continuam válidas
atualmente. Até hoje, o vestibular é realizado em duas fases, mas já houve
discussões acerca dessa forma de seleção. Heraldo Marelin Vianna, da
Fundação Carlos Chagas, colocou-se contra a aplicação da prova objetiva.
Segundo ele, o exame não era fidedigno, faltava validade, e havia uma
pequena quantidade de questões: 72. Para ele, um número grande de
perguntas poderia identificar os indivíduos mais talentosos.
Walter Borzani, professor aposentando da Escola Politécnica da USP,
coordenador do vestibular em 1979, não aderiu ao teste de múltipla escolha.
Para ele, a seleção deve ser feita para verificar a capacidade do estudante de
aprender e criar e não apenas saber o grau de conhecimento.
Mesmo com tantos questionamentos e indagações, a Fuvest manteve as
duas fases, mas vale ressaltar que nenhum dirigente defendeu,
persistentemente, as duas fases. A manutenção de tais provas parece ser
29
resultado de razões práticas e financeiras. A seleção fundamental fica por
conta da prova analítico-expositiva e, para os testes, um papel auxiliar.
Além de abordar as características do vestibular, Motoyama (2007) não
deixa de focar a questão da inclusão social. Sendo uma universidade pública, a
USP tem a obrigação de servir a qualquer camada da população. No entanto,
para poder servir bem a essa mesma sociedade, ela caracteriza-se por ser
uma instituição de alto nível e sua função é a de formar elites capazes de
enfrentar os desafios colocados nesse mundo globalizado, de competições
acerbas.
De certa forma, os exames vestibulares não conseguem escapar do
envolvimento com o processo de inclusão ou exclusão social. E, com o objetivo
de oportunizar que os alunos carentes possam participar do filtro do vestibular,
o Conselho Curador autorizou, em 1999, a isenção da taxa de inscrição para 5
mil candidatos para o vestibular de 2000. Para obter a isenção, além da
solicitação para tal, o candidato deveria estar entre os 5 mil classificados no
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Esse número de isenções foi
aumentando a cada ano, chegando, em 2007, a 65 mil alunos isentos.
Conforme Roberto Celso Fabrício Costa (apud Samara, 2006, p.111-
112), professor aposentado do Instituto de Matemática e Estatística da
Universidade de São Paulo e atualmente consultor de operações, concursos e
vestibular da Fuvest:
Poderíamos aumentar o ingresso da população mais pobre na
USP dando um ensino médio de melhor qualidade. A Fuvest é como
um termômetro. Ela não é responsável pelo ensino, é apenas um
mecanismo de aferição na porta da universidade. A isenção da taxa de
inscrição foi uma maneira de aliviar esse problema, mas é só um
processo tapa-buraco, não resolve o problema fundamental.
Além dessa política, o momentoso debate sobre as cotas de pessoas de
cor iniciou. Seria necessário possibilitar o acesso aos estabelecimentos
superiores de gente situada na periferia social e econômica, resultado até de
uma situação histórica injusta.
30
Em síntese, a palavra Fuvest tornou-se sinônimo de padrão de
excelência em exames vestibulares, isso se deve ao fato de que, nos últimos
39 anos, o corpo de funcionários, conselheiros e diretores demonstrou
responsabilidade, experiência e apoio técnico. Ano após ano, os trabalhos
desempenhados são revistos e aprimorados em qualidade sempre visando a
critérios claros e justos e, tentando minimizar possibilidades de falha numa
rotina incansável de planejamentos e discussões antes de cada nova ação.
Esse breve histórico sobre a Fuvest é apenas para demonstrar que se
trata de uma Fundação com 39 anos de existência e que, atualmente, o
ingresso à Universidade de São Paulo, por meio da Fuvest, é almejado por
alguns estudantes.
Dessa forma, selecionamos os textos “de bom nível” publicados no site
da Fuvest, por se tratar de uma instituição que, ao longo do percurso, não
enfrentou questionamentos mais sérios quanto à correção das provas.
1.4 Os critérios de correção da redação, segundo o Manual do Candidato
O Manual do Candidato é um documento que o candidato recebe. Nele,
há diversas instruções, como documentos a serem apresentados, relação de
endereços dos postos de inscrição, calendário de provas e conteúdos exigidos.
Os pesos das matérias nas provas de cada carreira, das provas de aptidão,
informações sobre as escolas participantes e os locais de publicação dos
resultados também constam na publicação. A partir de 2003, o material passou
a ter o kit do vestibulando, contendo o Manual, a ficha de inscrição em
separado e o guia A Universidade e as Profissões.
Segundo Samara (2006), esse Manual não é simples de ser feito e
mudou várias vezes de formato conforme as necessidades de cada ano e das
possibilidades econômicas da Fundação. Interessa sobremaneira descrevê-lo,
tanto no conteúdo como no formato, pois é a partir dele que os candidatos
formam a primeira imagem da Fuvest e do exame vestibular que prestarão,
além do caráter oficial que tem, trazendo, muitas vezes, até excertos do Diário
Oficial com a regulamentação do vestibular.
31
Um dado fundamental dos manuais é que eles incluem o questionário
que pede os dados socioeconômicos dos candidatos, que deve ser entregue
com a ficha de inscrição. Este, o questionário, se tornou um elemento
fundamental não só de reconhecimento da população de vestibulandos, mas
também de análise visando a ações de inclusão social por parte da
Universidade de São Paulo. Além disso, ele vem sendo reelaborado, ganhando
mais questões através dos anos. O de 2006 trouxe 26 questões, todas de
múltipla escolha. Elas diziam respeito a: que outros vestibulares o candidato
prestou/ está prestando; onde cursou os ensinos fundamental e médio, e em
que período; se fez cursinho pré-vestibular; se possui alguma outra formação
superior; o grau de instrução e a situação profissional dos pais; estado civil; cor
e dados variados sobre a renda e bens familiares.
Além dessas informações, o Manual também traz os “mecanismos”1 de
correção das provas. Reproduzimos abaixo o “mecanismo” de correção da
Redação (Manual do Candidato, 2013, p.37):
A Redação merece uma correção especial, descrita a seguir.
Logo que as provas chegam à Fuvest, procede-se a uma leitura
eletrônica do texto preparado pelo candidato. Em seguida, são feitas
duas cópias desse texto, sem identificar o candidato pelo nome, que
são encaminhadas a dois corretores independentes, previamente
treinados. Eles deverão atribuir nota a essa Redação, levando em
conta três características: Tipo de texto e abordagem do tema,
Estrutura e Expressão.
Cada uma de tais características recebe notas 0, 1, 2, 3 ou 4.
Se as duas avaliações independentes não convergirem (discrepância
detectada pelos computadores), a Redação é encaminhada a uma
“banca superior”, que analisa tudo novamente e atribui a nota definitiva.
A fuga ao tema proposto anula a Redação, que receberá nota zero.
1 O termo “mecanismos” é utilizado pelo Manual do Candidato; por isso, preferimos mantê-lo.
No entanto, acreditamos ser mais adequada a utilização do termo “parâmetros” ou “critérios” de
correção.
32
Mais adiante, na seção Programas – Português e Inglês, há um
detalhamento sobre o processo de correção. Reproduzimos o que se refere à
Redação (Manual do Candidato, 2013, p.59):
A redação deverá ser, obrigatoriamente, uma dissertação, na
qual se espera que o candidato demonstre capacidade de mobilizar
conhecimentos e opiniões, argumentar coerentemente e expressar-se
de modo claro, correto e adequado.
Na correção da redação, serão avaliados três aspectos (Tipo
de texto e abordagem do tema, Estrutura e Expressão), sendo que a
cada um deles poderão ser atribuídos 0, 1, 2, 3, ou 4 pontos.
1- Tipo de texto e abordagem do tema
Verifica-se aqui se o texto do candidato configura-se como uma
dissertação e se atende ao tema proposto. Pressupõe-se, então, que o
candidato demonstre a habilidade de compreender a proposta de
redação e, quando esta contiver uma coletânea, que ele se revele
capaz de ler e de relacionar adequadamente os trechos que a
integram. A simples paráfrase da coletânea, da proposta e/ou das
instituições não é, em princípio, um recurso recomendável para o
desenvolvimento adequado do tema. A elaboração de um texto que
não seja dissertativo ou a fuga completa do tema proposto farão com
que a redação não seja objeto de avaliação em qualquer outro de seus
aspectos, recebendo, portanto, nota zero em sua totalidade. No que diz
respeito ao desenvolvimento, verificar-se-á, além da efetiva progressão
temática, também a capacidade crítico-argumentativa que a redação
revele.
2- Estrutura
Avaliam-se aqui, conjuntamente, os aspectos de coesão textual (nas
frases, períodos e parágrafos) e de coerência das ideias. O grau de
coerência reflete a capacidade do candidato para relacionar
argumentos e organizá-los de forma a deles extrair conclusões
apropriadas e, também, sua habilidade para o planejamento e a
construção significativa do texto. Serão considerados aspectos
negativos a cópia ou a simples transposição de elementos da proposta,
bem como a presença de contradições entre frases ou parágrafos, a
falta de encadeamento das ideias, a circularidade ou a quebra da
progressão argumentativa, a falta de conclusão ou a presença de
conclusões que não decorram do que foi previamente exposto. Serão
33
tidos também como fatos negativos referentes à coesão, entre outros, o
estabelecimento de relações semânticas impróprias entre palavras e
expressões, assim como o uso inadequado de conectivos.
3- Expressão
Avaliam-se nesse item o domínio do padrão culto escrito da língua e a
clareza na expressão das ideias. Serão examinados aspectos
gramaticais como ortografia, morfologia, sintaxe e pontuação. Espera-
se que o candidato revele competência para expor com precisão os
argumentos selecionados para a defesa do ponto de vista adotado e,
também, que demonstre capacidade de escolher e utilizar
expressivamente o vocabulário, evitando o uso abusivo de clichês ou
frases feitas.
Em síntese, ao confrontarmos os resultados obtidos da pesquisa feita
com o Manual do Candidato da Fuvest, com os manuais didáticos e com os
objetivos propostos por esta pesquisa, entendemos que:
- no que se refere às orientações da Fuvest: há a apresentação de uma
série de critérios utilizados pelos corretores do vestibular e que tais
critérios podem contribuir para a construção de textos “bem formados”;
- no que se refere aos manuais didáticos: há uma apresentação do texto
delimitada à proposta aristotélica: tese, desenvolvimento e conclusão.
Nesse sentido, o conteúdo do manual didático não é adequado aos
critérios propostos pela Fuvest.
Dessa forma, numa outra etapa da pesquisa, buscamos analisar a
estrutura composicional das redações consideradas “bem formadas”, a fim de
constatarmos quais processos de produção textual foram utilizados e os
resultados serão apresentados a seguir em outro capítulo.
Os dois próximos capítulos apresentam as bases teóricas que foram
utilizadas no referido processo composicional das redações.
34
CAPÍTULO II : UM BREVE HISTÓRICO DA LINGUÍSTICA TEXTUAL
Este capítulo tem por objetivo revisitar o percurso da Linguística Textual
da segunda metade da década de 1960 até os dias de hoje.
2.1 Texto e Discurso
A Linguística Textual e a Linguística do Discurso aparecem na metade
do século XX. Elas foram instauradas e desenvolvidas de forma isolada. A
Linguística Textual tem por objeto de análise o texto, em busca de uma
tipologia e de um modo de completude, trata também da coesão e da
coerência. A Linguística do Discurso tem, por objeto, o discurso, em busca da
construção dos sentidos. Atualmente, a tendência é juntar os resultados da
Linguística do Texto com a Linguística do Discurso, construindo uma
Linguística Textual Discursiva, que é proposta por Adam (2011), ou seja, não
há como dissociar texto de discurso e/ou discurso de texto.
Segundo Koch (2013), desde a segunda metade da década de 1960 até
meados dos anos de 1970, a Linguística Textual teve por preocupação inicial o
estudo dos mecanismos interfrásticos, ou seja, o objeto de indagação não é o
texto em si, mas os tipos de ligação entre enunciados em uma série de
enunciados. A maior parte das pesquisas, nessa época, baseava-se nas
relações referenciais. Além disso, a seleção de artigos, a ordem das palavras,
a concordância dos tempos verbais e as relações entre enunciados não ligados
por conectores explícitos, entre outros, eram temas de pesquisas também.
Nesse momento, o texto era concebido como “uma ‘frase complexa’,
‘signo linguístico primário’ (Hartmann, 1968), ‘cadeia de pronominalizações
ininterruptas’ (Harweg, 1968), ‘sequência coerente de enunciado’ (Isenberg,
1971), ‘cadeia de pressuposições’ (Bellert, 1970)” (apud Koch,2013, p.3).
Um dos principais fatores da coesão textual eram as relações
referenciais, uma vez que eram os pronomes que iriam constituir uma
sequência de frases em texto. O termo “pronome” deve ser entendido como
toda expressão linguística que retoma outra expressão linguística.
35
Portanto, o texto é resultado de um múltiplo referenciamento e era
definido como uma sucessão de unidades linguísticas constituída mediante
uma concatenação pronominal ininterrupta.
Essa fase inicial da Linguística Textual, a da pesquisa interfrástica, foi,
na verdade, uma fase preparatória para a da gramática textual, a segunda fase
da Linguística Textual. As tarefas básicas de uma gramática de texto seriam as
seguintes:
- verificar o que faz com que um texto seja um texto, ou seja,
determinar seus princípios de constituição, os fatores
responsáveis pela sua coerência, as condições em que se
manifesta a textualidade;
- levantar critérios para a delimitação de textos, já que a
completude é uma de suas características essenciais;
- diferenciar as várias espécies de textos.
Nesse momento, o nível do enunciado e das relações entre eles é
extrapolado. Há um novo objeto que modifica as perspectivas de abordagem
até então feitas: a existência da competência textual.
O texto foi considerado a unidade hierarquicamente mais alta e é a partir
dele que se pretende chegar, por meio da segmentação, às unidades menores
para classificá-las. Entretanto essa segmentação e classificação só poderiam
ser feitas sem se perder de vista a função textual dos elementos individuais, ou
seja, o texto não poderia ser definido simplesmente como uma sequência de
cadeias significativas.
O texto, na verdade, era visto como a unidade linguística
hierarquicamente mais elevada e constituía uma entidade do sistema
linguístico, cujas estruturas possíveis em cada língua devem ser determinadas
pelas regras de uma gramática textual.
Weinrich (1964), van Dijk (1972) e Petöfi (1973) são exemplos de
autores, entre outros, que tratam da gramática textual. Seus modelos
compreenderam três características: um quadro teórico gerativo, instrumentos
conceituais e operativos da lógica e a integração da gramática dos enunciados
na gramática textual.
36
Weinrich (1964) era estruturalista e sempre teve em mira a construção
de uma gramática textual. Ele preconizava a elaboração de uma macrossintaxe
do discurso, com base no tratamento textual de categorias gramaticais.
Promoveu também como método heurístico o da “partitura textual”, que
consistia em unir a análise por tipo de palavras e a estrutura sintática do texto
num só modelo, como se se tratasse de uma partitura musical a duas vozes.
Weinrich (1964) definia o texto como uma sequência linear de lexemas e
morfemas que se condicionam reciprocamente e que, também, constituem o
contexto. O texto seria uma estrutura determinativa, em que tudo está
interligado.
O modelo apresentado por van Dijk (1972) apresenta três características
principais:
- insere-se no quadro teórico gerativo;
- utiliza em grande escala o instrumental teórico e metodológico
da lógica formal;
-busca integrar a gramática do enunciado na gramática do texto,
sustentando, porém, que não basta estender a gramática da
frase, como faziam muito autores da época, mas que uma
gramática textual tem por tarefa principal especificar as estruturas
profundas a que denomina macroestruturas textuais.
O ponto de partida, para o autor, é a distinção entre a estrutura profunda
e a estrutura textual superficial, que introduz as noções de macro e
microestruturas, respectivamente.
O modelo elaborado por Petöfi (1973) refere-se a uma gramática textual
com base estabelecida não-linearmente, ou seja, a base textual consta de uma
representação semântica indeterminada no que se refere à manifestação linear
da sequência dos enunciados. A parte transformacional determina a
manifestação linear do texto.
O modelo de gramática textual elaborado por Petöfi (1973) demonstra
ser possível a análise de textos, a síntese de textos e a comparação de textos.
Esse modelo revela que o léxico tem uma função eminente com suas
representações semânticas intencionais.
37
A gramática textual, para Petöfi (1973), é apenas um componente de
toda a teoria de texto por ele projetada, em que distingue um componente co-
textual de um componente con-textual.
Ligado ao componente co-textual, há dois subcomponentes: um
gramatical (que é a gramática textual) e um não-gramatical (que circunscreve
as questões internas ao texto, como metro, rima e eufonia). Ao componente
con-textual, estão ligadas a interpretação semântica extensional (mundos
possíveis, modelos) e questões da produção de texto e de sua recepção (ou
seja, do contexto pragmático no qual ocorre o texto).
Para Marquesi (2004), foi exatamente o trabalho de Petöfi (1973) que
estabeleceu ponte entre o segundo momento da Linguística Textual (o da
gramática de texto) e o terceiro (o de uma teoria de texto), em que a visão
pragmática é inserida à análise dos textos, ou seja, a pesquisa estende-se do
texto ao contexto (segundo Petöfi, do co-texto – regularidade interna ao texto –
ao con-texto - conjunto de condições externas ao texto, referentes à sua
produção, recepção e interpretação).
O ponto de partida, nesse momento, é o ato de comunicação (com todos
os seus complexos pressupostos psicológicos e sociais) inserido numa
situação comunicativa.
Para Marcuschi (1983), a amplitude de campo de investigação da
Linguística Textual é sintetizada em dois focos maiores de definições:
- de critérios internos ao texto, em que esse é observado do ponto
de vista imanente do sistema linguístico;
- de critérios temáticos ou transcendentes ao sistema, em que o
texto é considerado unidade de uso ou unidade comunicativa.
Sendo assim, a Linguística de Texto é a descrição da correlação entre a
produção, a constituição e a recepção de textos, comportando a implicação de
dois tipos de elementos: os internos ao texto e os externos a ele,
respectivamente.
38
2.2 A virada pragmática
Na metade da década de 1970, os linguistas de textos sentiram a
necessidade de ir além da abordagem sintático-semântica, visto que o texto é a
unidade básica de comunicação/ interação humana.
Surgem, assim, as teorias de base comunicativa e a Linguística Textual
ganha uma nova dimensão: já não se trata de pesquisar a língua como sistema
autônomo, mas sim o seu funcionamento nos processos comunicativos de uma
sociedade concreta.
O ouvinte não se limitava a “entender” o texto, no sentido de “captar”
apenas o seu conteúdo referencial, mas necessitava reconstruir os propósitos
comunicativos que tinha o falante ao estruturá-lo, isto é, descobrir o “para que”
do texto. A enunciação é sempre movida por uma intenção de atingir
determinado objetivo ilocucional.
Para Koch (2013), van Dijk foi um dos responsáveis pela “virada
pragmática”. Conforme o autor, a compreensão de um texto obedece a regras
de interpretação pragmática, de modo que a coerência não se estabelece sem
se levar em conta a interação, bem como as crenças, os desejos, as
preferências, as normas e os valores dos interlocutores.
2.3 A virada cognitivista
Na década de 1980, delineia-se uma nova orientação nos estudos do
texto. Todo fazer (ação) é necessariamente acompanhado de processos de
ordem cognitiva. Quem age precisa dispor de modelos mentais de operações e
tipos de operações. Portanto, o texto passa a ser considerado resultado de
processos mentais. O texto produto é resultado de um processo de escolhas
reais motivadas por preferências e valores em resposta a perguntas que se faz
do mundo e com base nas possibilidades que ele apresenta.
Para o estudo das operações cognitivas, há diferentes teorias sobre a
memória. Kintsch e van Dijk (1983) priorizam a teoria da memória por
armazéns, que distingue Memória de Curto Prazo, Memória de Médio Prazo e
Memória de Longo Prazo.
39
A Memória de Curto Prazo possibilita a entrada da informação, levando-
a para a Memória de Trabalho. Essa entrada é realizada com a informação
estruturada em algum código semiótico que é captado por um dos sentidos
humanos. De forma geral, para a informação linguística, os sentidos que dão
entrada à informação para o processamento desta seriam os da audição e da
visão.
A Memória de Trabalho opera tanto com a Memória de Curto Prazo
quanto com a de Longo Prazo. A de Curto Prazo transforma as expressões
linguísticas em sentidos secundários, as proposições. Ela é quantitativa,
portanto há um limite que é determinado pelo chunk. Quando este está
sobrecarregado, a informação nova fica perdida.
Para esvaziar o chunk, os sentidos mais globais são armazenados na
Memória de Médio Prazo, formando nela um contexto cognitivo. As
proposições da Memória de Médio Prazo são também modificadas, pois, ao
processar a informação, o sujeito constrói suas proposições orientadas por
uma hipótese de leitura, relativa aos conhecimentos já armazenados da
Memória de Longo Prazo.
Como um dos fatores da textualidade é a informatividade, ao deparar
com o novo, o processador precisa reformular o seu contexto cognitivo, porque
é necessário fazer uma inferência ostensiva a ele.
Para Heinemann e Viehweger (1991), o processamento textual concorre
com três grandes sistemas de conhecimento:
- o linguístico: relativo aos conhecimentos gramaticais e lexicais,
sendo assim, o responsável pela articulação som-sentido. É
responsável pela organização do material linguístico na superfície
textual;
- o enciclopédico: também pode ser chamado de conhecimento
semântico ou conhecimento de mundo e é aquele que se
encontra armazenado na memória de cada indivíduo. Esse
conhecimento representa as experiências que vivenciamos em
sociedade e serve de base aos processos conceituais. Constitui
conhecimentos sobre cenas, situações e eventos, como
40
conhecimentos procedurais sobre como agir em situações
particulares (estocados na memória episódica). Após uma série
de experiências do mesmo tipo, tais modelos tornam-se
generalizados e passam a fazer parte da memória enciclopédica;
- o interacional: é o conhecimento sobre as formas de inter-ação
por meio da linguagem. Engloba conhecimentos ilocucional,
comunicacional, metacomunicativo e superestrutural.
-ilocucional: significa reconhecer o objetivo do falante;
- comunicacional: diz respeito à quantidade de informação
necessária para que o parceiro seja capaz de reconstruir o
objetivo do produtor do texto;
- metacomunicativo: possibilita que se evitem perturbações
previsíveis na comunicação. Trata-se do conhecimento
sobre os vários tipos de ações linguísticas que permitem ao
locutor assegurar a compreensão do texto;
- superestrutural: permite aos falantes reconhecer textos
como exemplares de determinado gênero ou tipo.
Sendo assim, o processamento textual é estratégico e implica a
mobilização on-line dos diversos sistemas de conhecimento: cognitivo,
sociointeracionais e textualizador.
2.4 A perspectiva sociocognitivo-interacionista
Para o cognitivismo, interessa explicar como os conhecimentos que um
indivíduo possui estão estruturados em sua mente e como são acionados para
resolver problemas postos pelo ambiente. No entanto, a cultura e a vida social
exigiriam a representação, na memória, de conhecimentos especificamente
culturais. Entender a relação entre cognição e cultura seria entender que
conhecimentos os indivíduos devem ter para agir dentro da sua cultura.
Se, na visão cognitivista, a concepção de mente desvinculada do corpo
predominou, na perspectiva sociocognitivista-interacional, não. A partir desse
41
momento, as várias áreas (ciências, neurobiologia, antropologia, linguística
etc.) dedicam-se a investigar essa relação (corpo e mente) e constatam que
muitos dos nossos processos cognitivos têm por base a percepção e a
capacidade de atuação física no mundo.
Uma visão que incorpore aspectos sociais, culturais e interacionais à
compreensão do processamento cognitivo baseia-se no fato de que existem
processos cognitivos que acontecem na sociedade e não exclusivamente nos
indivíduos. Essa visão têm se mostrado necessária para explicar tanto
fenômenos cognitivos quanto culturais.
Nesse momento, na base da atividade linguística, está a interação e o
compartilhar de conhecimentos, ou seja, os eventos linguísticos não são a
reunião de vários atos individuais e independentes, na verdade, são uma
atividade que se faz com os outros, conjuntamente. A língua é um tipo de ação
conjunta.
Portanto, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e
os interlocutores, sujeitos ativos que, dialogicamente, nele se constroem e por
ele são construídos.
2.5 Tendências atuais e principais perspectivas
Com o desenvolvimento cada vez maior das investigações na área da
cognição, as questões relativas ao processamento do texto, em termos de
produção e compreensão, à representação do conhecimento na memória, aos
sistemas de conhecimento posto em ação por ocasião do processamento e às
estratégias sociocognitivista-interacional nele envolvidas, entre muitas outras,
vêm ocupando o centro dos interesses dos diversos estudiosos do campo.
Muitos autores (Heinemann e Viehweger, Koch e Oesterreicher, Adam,
van Dijk, Marcuschi, Koch) dão ênfase em seus estudos aos processos de
organização global dos textos, à questão da referência textual, ao tratamento
da oralidade e da relação oralidade/ escrita, bem como ao estudo dos gêneros
textuais. Este último, agora conduzido na perspectiva bakhtiniana, ocupa lugar
de destaque nas pesquisas sobre o texto e revela-se um terreno bastante
promissor.
42
Cabe mencionar a obra de Adam (2011) que, com base nos estudos dos
gêneros textuais, vem propondo unir os níveis do discurso e do texto,
apresentando a Linguística Textual Discursiva.
Em síntese, o conceito de texto sofreu profundas alterações: visto
primeiramente como simples unidade transfrástica ou como unidade
comunicativa e, mais recentemente, como unidade de processamento
cognitivo, ele passa agora a ser conceituado como um evento discursivo, no
qual convergem ações de ordem linguística, cognitiva e social.
2.6 A análise textual dos discursos
Segundo Adam (2011), há níveis de análise de discurso e níveis de
análise textual que podem ser sintetizados no esquema abaixo:
Esquema 1: Níveis ou Planos da Análise do Discurso (Adam, 2011, p.61)
NÍVEIS DA ANÁLISE DO DISCURSO
FORMAÇÃO INTERAÇÃO SOCIAL AÇÃO DE LINGUAGEM
SOCIODISCURSIVA (VISADA, OBJETIVOS)
(N2) (N1)
(N3)
INTERDISCURSO
Socioletos
Intertextos
GÊNERO(S)
TEXTO
Textura Estrutura Semântica Enunciação Atos do discurso
(proposições Composicional (representação (responsabilidade (ilocucionários)
enunciadas e (sequências e discursiva) enunciativa) e orientação
períodos) plano de textos) (N6) e coesão polifônica argumentativa
(N4) (N5) (N7) (N8)
NÍVEIS OU PLANOS DA ANÁLISE TEXTUAL
43
Todo discurso possui uma intencionalidade, e, a partir disso, dá-se início
ao fazer comunicativo, logo à interação social (as condições de produção e
recepção, interação em EU-TU).
A formação sociodiscursiva determina o que se pode e deve dizer.
Utiliza-se o socioleto (dialeto social) e, no seio de um interdiscurso, o texto
media-se por um gênero. Segundo Adam (2011, p.63) “toda ação de linguagem
inscreve-se (...) em um dado setor do espaço social, que deve ser pensado
como uma formação sociodiscursiva, ou seja, como um lugar social associado
a uma língua (socioleto) e a gêneros de discurso.”
Os gêneros, efetivamente, circulam pela sociedade e, por isso, no
Esquema 1, situam-se na fronteira entre texto/ discurso ou discurso/ texto.
No nível da análise textual, os níveis 4 e 5 correspondem, de forma
ampla, à sequencialidade ou linearidade dos textos. Os demais são “dimensões
constantes ao longo do texto, tanto em nível local como global, pois cada
enunciado elementar do texto expressa, simultaneamente, um conteúdo
semântico, um ponto de vista e um valor ilocucionário/ argumentativo”. (Bentes,
2010, p.268)
Adam (2011) define que a linguística textual tem como papel, na análise
do discurso, “teorizar e descrever os encadeamentos de enunciados
elementares no âmbito da unidade de grande complexidade que constitui um
texto. Ela tem como tarefa detalhar as ‘relações de interdependência’ que
fazem de um texto uma ‘rede de determinações’ ” (Weinrich, 1973, p.174).
Adam (2011) determina ainda que cabe à linguística textual descrever e
definir as diferentes unidades como as operações, em todos os níveis de
complexidade, que são realizadas sobre os enunciados.
As unidades textuais são submetidas a dois tipos de operações de
textualização:
- segmentação: a segmentação permanente das palavras na escrita,
marcação de parágrafos ou estrofes e subdivisões em partes de um
texto escrito;
- ligação: consiste na construção de unidades semânticas e de
processos de continuidade pelos quais se reconhece um segmento
textual.
44
Esquema 2 : Operações de Textualização (Adam, 2011, p. 64)
Nossa pesquisa focará as operações de ligação (continuidade) e
analisaremos as sequências textuais a fim de se verificar a unidade semântica
do texto.
Portanto, no próximo capítulo, enfocaremos as sequências textuais, o
gênero dissertativo e a referenciação.
OPERAÇÕES DE SEGMENTAÇÃO (DESCONTINUIDADE)
[9]
[8] [6] [5] [3] [1]
Partes de (Parágrafos Períodos (Frases Palavras
um plano ou estrofes) e/ou e/ou versos Proposições signos
de texto [7] sequências [4] enunciadas [2]
OPERAÇÕES DE LIGAÇÃO (CONTINUIDADE)
TEXTO
P
E
R
I
T
E
X
T
O
45
CAPÍTULO III : AS SEQUÊNCIAS TEXTUAIS, O GÊNERO DISSERTATIVO
E A REFERENCIAÇÃO
Para tratar do gênero, no caso desta pesquisa o dissertativo, é
necessário verificar qual é a sequência textual hierárquica e as incrustações.
Para isso, apresentaremos, neste capítulo, as sequências textuais, propostas
por Adam (2011); em seguida, abordaremos o gênero, segundo Bazerman
(2006) e Silveira (2012) e, por fim, a referenciação, de acordo com Koch
(2010), a fim de verificar a manutenção temática do nosso corpus.
3.1 As sequências textuais
Conforme o Esquema 2, há operações de segmentação de um texto:
- palavras-signos;
- proposições-enunciadas;
- frases e/ou versos;
- períodos e/ou sequências;
- parágrafos ou estrofes;
- partes de um plano de texto.
As proposições-enunciadas estão sujeitas a dois grandes tipos de
agrupamentos que as mantêm juntas: os períodos e as sequências.
O período, segundo Aristóteles (apud CHARAUDEAU &
MAINGUENEAU, 2014, p.373), “é uma frase que tem um começo e um fim nele
mesmo, e uma extensão que se deixa abarcar de um relance”. Mais tarde, o
período é definido como uma frase complexa, cujo conjunto forma um “sentido
completo” e no qual cada proposição constitui um membro, o último formando
um fechamento.
As sequências são unidades textuais complexas, compostas de um
número limitado de conjuntos de proposições-enunciados: as
macroproposições. Para Adam (2011, p.205), “macroproposição é uma espécie
de período cuja propriedade principal é a de ser uma unidade ligada a outras
46
macroproposições, ocupando posições precisas dentro do todo ordenado da
sequência”. Cada macroproposição obtém seu sentido em relação às outras,
na unidade hierárquica complexa da sequência. Sendo assim, uma sequência
é uma estrutura, isto é:
- uma rede relacional hierárquica: uma grandeza analisável em
partes ligadas entre si e ligadas ao todo que elas constituem;
- uma entidade relativamente autônoma, dotada de uma
organização interna que lhe é própria e, portanto, em relação de
dependência-independência com o conjunto mais amplo do qual faz
parte (o texto).
(Adam, 2011, p.205, grifos do autor)
Um conjunto de tipos de sequências guia o empacotamento de tipos de
proposições que formam as diversas macroproposições (narrativas, descritivas,
explicativas, argumentativas, dialogais) e, segundo Silveira (2012, p. 22), “as
sequências são unidades textuais elementares que, por si só, não constituem a
estrutura global do texto”.
A teoria das sequências foi elaborada em virtude da grande
generalização das tipologias de texto. As sequências são consideradas um
nível intermediário entre a frase e o texto. Para Adam (2011), as sequências
são mais originais que os gêneros textuais e o autor propõe cinco sequências:
a descritiva, a narrativa, a argumentativa, a explicativa e a dialogal.
3.1.1 A sequência descritiva
Segundo Adam (2011), a sequência descritiva não comporta uma ordem
de agrupamento das proposições-enunciados em macroproposições ligadas
entre si. Por esse motivo, é de frágil caracterização. As sequências descritivas
podem ser agrupadas em quatro macrooperações: tematização,
aspectualização, relação, de expansão por subtematização.
A macrooperação tematização é a principal e “dá unidade a um
segmento e faz dele um período tão fortemente característico que aparece
como uma espécie de sequência” (Adam, 2011, p.218). A tematização pode ser
47
aplicada de três formas: pré-tematização, pós-tematização ou retematização. A
primeira anuncia um todo, abre o período descritivo, nomeia de imediato; a
segunda somente nomeia o quadro da descrição no curso ou no fim da
sequência; a terceira não nega uma primeira nomeação, mas há uma nova
denominação do objeto descrito, interrompendo o escopo.
A macrooperação aspectualização se apoia na tematização e pode ser
classificada em: fragmentação ou qualificação. A primeira fragmenta as partes
do objeto a ser descrito; a segunda evidencia propriedades do todo.
A macrooperação de relação agrupa as seguintes operações:
contiguidade e analogia. Aquela situa o objeto do discurso no tempo (situação
temporal) ou no espaço (situação espacial); esta compara o objeto descrito
com outros por analogia.
A macrooperação de expansão por subtematização consiste em
expandir a descrição pelo acréscimo de operações (supracitadas) que se inter-
relacionam. Uma qualificação (macrooperação aspectualização) combinando-
se com uma analogia (macrooperação relação), por exemplo.
3.1.2 A sequência narrativa
A sequência narrativa é construída a partir de cinco momentos: situação
inicial, nó, re-ação ou avaliação, desenlace e situação final.
A situação inicial corresponde ao período anterior ao processo; o nó, ao
início do processo, o desencadeador; a re-ação ou avaliação corresponde ao
“durante o processo”; o desenlace, ao fim do processo; e a situação final, ao
depois do processo.
Segue o esquema resumidor, proposto por Adam (2011 p. 226):
48
Esquema 3: A sequência narrativa (Adam, 2011 p. 226)
3.1.3 A sequência argumentativa
A sequência argumentativa tem como característica evidenciar dois
movimentos: demonstrar-justificar uma tese e refutar uma tese. Os dois
movimentos partem de premissas que não poderiam ser admitidas sem levar
em conta outras considerações para chegar a uma conclusão-assertiva. Van
Dijk (1980, p.119, apud Adam 2011, p.233) propôs um modelo simplificado da
superestrutura do texto argumentativo:
Dados Asserção
(Premissas) Conclusiva
Fato(s)
Apoio
Esquema 4: A superestrutura do texto argumentativo (Van Dijk, 1980, p.119, apud Adam 2011,
p.233)
A sequência argumentativa mantém um princípio dialógico, uma vez que
defender uma tese consiste em defendê-la contra outras teses. Sendo assim,
segundo Adam (2011, p. 234) a sequência argumentativa deve dar lugar à
contra-argumentação:
Limites do processo
Núcleos do processo
Situação Inicial Nó Re-ação ou Desenlace Situação
(Orientação) (Desencadeador) Avaliação (Resolução) Final
49
Esquema 5: A sequência argumentativa (Adam, 2011, p. 234)
3.1.4 A sequência explicativa
A sequência explicativa apoia-se nos operadores POR QUE/ PORQUE.
O primeiro apresenta um objeto complexo e questiona-o; o segundo apresenta
a esquematização explicativa, chegando assim a uma terceira
macroproposição: ratificação, conclusão ou avaliação. Segundo Grize (1990,
p.107), a estrutura da sequência explicativa é a seguinte:
Esquema 6: A sequência explicativa (Grize, 1990, p.107)
A explicação conduz à construção final de um objeto, por meio do
compartilhamento de crenças, tendo por objetivo uma ação; dessa forma, a
explicação funciona como um ato intermediário entre ilocução primária
(partilhar crenças ou conhecimentos) e ilocução final ou do último ato
(persuadir para fazer agir).
Conclusão (nova)
tese Tese
anterior
Dados
Fatos
Sustentação A menos que
Portanto,
provavelmente
Objeto complexo POR QUÊ? Problema PORQUE Explicação
50
3.1.5 A sequência dialogal
A sequência dialogal marca uma concepção interacionista em que toda
declaração (enunciação) estabelece um réplica ao que o locutor precedente
acaba de estabelecer, ou seja, a alternância entre EU e TU garante a
articulação dialogal.
Há dois tipos de sequências dialogais: fática e transacional. A primeira
marca a abertura e o fechamento do texto e a segunda constitui o corpo da
interação. Adam (2011, p.250) propõe o seguinte esquema para a estrutura da
sequência dialogal:
Esquema 7: A sequência dialogal (Adam, 2011, p.250)
Os cinco tipos de sequências apresentadas encontram-se em pé de
igualdade quando se trata de texto escrito, ou seja, um texto pode apresentar
diversos tipos de sequências. No caso dos gêneros textuais, pode-se fixar um
tipo dominante.
3.2 Incrustações, hierarquia e plano de texto
As sequências podem se encadear de forma homogênea (sequências do
mesmo tipo) ou heterogênea (sequências de tipos diferentes). Elas podem se
Sequências fáticas
Sequência transacional
Pergunta Resposta Avaliação
Intercâmbio
de abertura
Intercâmbio
de
fechamento
51
combinar de maneira coordenada (sucessão), inseridas (encaixadas) ou
alternadas (montagem em paralelo).
Conforme Travaglia (2007), após analisar alguns gêneros, pôde-se
observar que os tipos (descrição, dissertação, injunção e narração) podem se
cruzar, conjugar ou se intercambiar para compor um gênero. Tanto Adam
(2011) quanto Travaglia (2007) propõem que, num texto, pode haver a
conjugação de tipos (Travaglia, 2007) ou sequências (Adam, 2011) e que essa
conjugação pode transparecer:
- um tipo dominante necessário, como o caso dos romances,
contos e novelas, mesmo que não haja predominância de sequências
narrativas;
- um tipo predominante, mas não necessariamente, como é o
caso das cartas em que todos os tipos de sequências podem estar
conjugadas, mas não há uma dominante, ou pode haver a dominância
de um tipo de sequências;
- tipos conjugados, mas nunca algum deles é dominante, como as
bulas de remédio, em que há todos os tipos, mas nenhum tipo é
subordinado a outro.
Adam (2011) propõe o seguinte esquema:
Estruturação sequencial
1- Tipos de sequência da base dos agenciamentos
- agenciamento unissequencial (o mais simples e o mais raro);
- agenciamento plurissequencial :
-homogêneo (um único tipo de sequências
combinadas);
- heterogêneo (mistura de sequências diferentes).
2- Combinações de sequências:
- sequências coordenadas (sucessão);
- sequências alternadas (montagem em paralelo);
- sequências inseridas (encaixamento).
3- Dominante:
- pela sequência encaixante (que abre e fecha o texto);
- pelo maior número de sequências de um mesmo tipo;
52
- pela sequência pela qual o texto pode ser resumido.
Esquema 8: Estruturação sequencial (Adam, 2011, p. 272)
Na elaboração do gênero dissertativo, diversos tipos de sequências
podem se conjugar para a construção da argumentação ou exposição das
ideias, mas há um ato ilocucionário definido: a exposição de opinião acerca de
um tema proposto pela instituição. Portanto, ressalta-se como sequência
hierárquica dominante a argumentativa ou explicativa.
Adam (2011, p.257) propõe este esquema de conjunto de ligações de
alto nível que faz toda a complexidade da organização textual:
Esquema 9 : Ligações Textuais (Adam, 2011, p.257)
Dois tipos de operação fazem de um texto um todo configurado: o
estabelecimento de uma unidade semântica (temática) global e (pelo menos)
um ato de discurso dominante. Unidade temática e unidade ilocucionária
determinam a coerência semântico-pragmática global de um texto ou de uma
parte.
LIGAÇÕES TEXTUAIS
ESTRUTURAÇÃO SEQUENCIAL ESTRUTURAÇÃO
COMPOSICIONAL NÃO-SEQUENCIAL
Plano de texto Sequências RETICULAR CONFIGURACIONAL
Convencional Ocasional Léxico Colocações
Série de Dominante Temática Ilocucionária
sequências (macroestrutura (macroatos
semântica) de discurso)
Tipos de texto
Homogêneas Heterogêneas
_
53
O corpus desta pesquisa são textos dissertativos. Portanto, em sua
estrutura sequencial composicional, adotam um plano de texto convencional e
possuem uma sequência textual dominante e, por isso, inserem-se no gênero
“dissertativo”.
3.3 O texto expandido
Um conjunto de frases pode não constituir um texto. A coerência
de texto está diretamente ligada à ordem de aparição dos segmentos. A
coerência de um enunciado deve ser conjuntamente determinada de um ponto
de vista local e global, pois um texto pode ser coerente microestruturalmente
sem o ser macroestruturalmente. Charolles (1988) propõe quatro condições ou
metarregras de coerência textual:
- repetição;
- progressão;
- não contradição;
- relação.
Portanto, há critérios eficientes de boa formação que instituem uma
norma mínima de composição textual.
A repetição designa que é necessário que haja elementos de
recorrência escrita. Para isso, existem vários recursos da língua que
asseguram essas repetições, como pronominalizações, referenciações
contextuais, substituições lexicais e retomadas de inferência.
A progressão infere que é necessário que haja uma contribuição
semântica constantemente renovada a fim de evitar a circularidade do texto.
Não se pode repetir indefinidamente um assunto. Deve-se haver um equilíbrio
entre as repetições e a progressão. Charolles (1988) afirma que é difícil avaliar
exatamente tal equilíbrio, uma vez que a informação “nova” deve estar
ancorada na “velha”.
A não contradição postula que nenhum elemento deve se contradizer.
Não é possível que uma proposição seja, ao mesmo tempo, verdadeira e não
54
verdadeira. As informações “novas” não podem contradizer o já posto ou o
pressuposto.
A relação designa que os fatos que se denotam no mundo representado
devem estar relacionados. Segundo Charolles (1988, p.72), “para que uma
sequência seja admitida como coerente, é necessário que as ações, estados
ou eventos que ela denota sejam percebidos como congruentes no tipo de
mundo reconhecido por quem a avalia”.
Essas quatro metarregras designam “certo número de condições, tanto
linguísticas como pragmáticas, que um texto deve satisfazer para ser
considerado bem formado (por um receptor dado, numa situação dada)”.
(Charolles, 1988, p.74)
No momento atual, os estudos linguísticos tratam a coerência definindo-
a como o sentido mais global do texto. Tal sentido global é de natureza
memorial e não de língua. Charolles (1988) situa a coerência no texto produto e
define-a como a boa formação do texto na organização textual da informação.
Na década de 1970, ainda eram privilegiadas as bases teóricas da
gramática de texto. Esta era definida como um conjunto finito de regras capaz
produzir um número infinito de textos. Neste texto revisto de Charolles (1988),
ele usa a terminologia “regras”. A partir da década de 1980, os estudiosos do
texto entenderam que a produção do texto não é realizada por regras, e sim
por estratégias aplicadas para a produção do texto (cf Kintsch e van Dijk,
1983). Na ocasião, o emprego do termo estratégia é justificado, pois, para uma
gramática, o uso das regras é obrigatório; porém, o uso de estratégias é
variável. Os estudiosos do texto entendem que os textos não se repetem, pois
o ato da enunciação é único.
Nesta dissertação, foram tomados por fundamento os termos utilizados
por Charolles (1988), ou seja, tema, manutenção temática e progressão
semântica, mas, entendemos que a produção de texto é variável, pois ela é
resultado da aplicação de estratégia de produção.
Segundo Kintsch e van Dijk (1983), as estratégias são aprendidas. Esta
dissertação buscou verificar em que medida os produtores de texto bem
formados avaliados pelos corretores da Fuvest conheciam tais estratégias.
55
3.4 Gênero
Segundo Marcuschi (2010), gêneros textuais são fenômenos históricos e
estão vinculados à vida cultural e social. Contribuem para ordenar e estabilizar
as operações comunicativas do dia a dia, além de serem entidades
sociodiscursivas. Não são instrumentos estanques e enrijecidos, são
maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem a partir de necessidades e atividades
socioculturais, por isso é perceptível a grande quantidade de gêneros textuais
atualmente existentes em relação a realidades anteriores.
Os gêneros caracterizam-se mais por suas funções comunicativas,
cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e
estruturais. São práticas sociodiscursivas de difícil definição formal. Há uma
diversidade de formas e, assim como surgem, podem desaparecer. Embora os
gêneros não se caracterizem nem se definam por aspectos formais, sejam eles
estruturais ou linguísticos, e sim por aspectos sociocomunicativos e funcionais
conforme supracitado, não significa que a forma esteja sendo desprezada. Há
casos em que as formas determinam o gênero. Em outros, serão as funções
que determinam ou até mesmo o suporte em que os textos aparecem que vão
determinar o gênero.
A intensidade de uso das novas tecnologias e suas inferências nas
atividades comunicativas diárias dão origem a novos gêneros. E esses não são
inovações absolutas, estão ancorados em outros gêneros já existentes.
Bazerman (2006) baseia-se em uma série de conceitos para fazer um
exame do trabalho realizado pelo texto na sociedade. Tal série de conceitos
circunscreve: fatos sociais, atos de fala, gêneros, sistemas de gêneros e
sistemas de atividades. Esses conceitos sugerem como as pessoas criam
novas realidades de significação, relações e conhecimento, fazendo uso de
textos.
O autor exemplifica com uma sequência de eventos típicos dos meios
acadêmicos em que muitos textos são produzidos, além de fatos sociais. Tais
fatos não poderiam existir se as pessoas não os realizassem por meio da
criação de textos: requerimentos de graduação, programas definindo o trabalho
das várias disciplinas, matrícula de cada aluno em disciplinas etc. Nesse ciclo
de textos e atividades, vemos sistemas organizacionais bem articulados dentro
56
dos quais tipos específicos de textos circulam por caminhos previsíveis, com
consequências familiares e de fácil compreensão (principalmente para os
familiarizados com a vida universitária, segundo o exemplo do autor). Sendo
assim, temos gêneros altamente tipificados de documentos e estruturas sociais
que afetam as ações, os direitos e os deveres das pessoas.
Com esse exemplo, o autor sugere que cada texto se encontra
encaixado em atividades sociais estruturadas e depende de textos anteriores
que influenciam a atividade e a organização social. Cada texto bem-sucedido,
ou seja, cumprindo seu papel, atingindo seu objetivo, cria um fato social.
Os fatos sociais consistem em ações sociais significativas realizadas
pela linguagem ou atos de fala. Esses atos são realizados por meio de formas
textuais padronizadas, típicas e, portanto, intelegíveis, ou gêneros, que estão
relacionados a outros textos e gêneros que ocorrem em circunstâncias
relacionadas. Juntos, os vários tipos de texto se acomodam em conjuntos de
gêneros dentro de sistemas de gêneros, os quais fazem parte dos sistemas de
atividades humanas.
Bazerman (2006) afirma que compreender esses gêneros e seu
funcionamento dentro dos sistemas e nas circunstâncias para as quais são
desenhados pode ajudar o escritor a satisfazer as necessidades da situação,
de forma que esses gêneros sejam compreensíveis e correspondam às
expectativas dos outros.
Retomando os conceitos propostos por Bazerman (2006), os fatos
sociais são coisas que as pessoas acreditam que sejam verdadeiras. Portanto,
afetam o modo como elas definem uma situação. As pessoas agem como se
esses fatos fossem verdades. Por exemplo, embora muitas pesquisas apontem
que os aviões possuem estatísticas de segurança bem melhores do que os
meios de transporte terrestres, muitas pessoas não acreditam de forma segura
nesses fatos e preferem o deslocamento terrestre.
Os fatos sociais dependem dos atos de fala e, segundo Searle (1969),
toda declaração realiza alguma coisa, mesmo que apenas declare um certo
estado de coisas como verdadeiro, logo todo enunciado incorpora atos de fala.
Searle (1969) demonstra que os atos de fala operam em três níveis:
57
- ato locucionário: é literalmente o que é dito;
- ato ilocucionário: é aquilo que se pretende que o ouvinte
reconheça;
- efeito perlocucionário: é o modo como as pessoas
recebem os atos e determinam as consequências deste ato
para futuras interações.
Essa distinção em três níveis mostra como é difícil coordenar o que é
dito com o que realmente pretendemos e como as pessoas entendem que
estamos tentando fazer. A comunicação por meio da escrita pode agravar esse
problema, uma vez que não podemos ver gestos e atitudes uns dos outros.
Uma maneira de melhor coordenar nossos atos de fala é agir de modo
típico, ou seja, modos facilmente reconhecidos como realizadores de
determinados atos em determinadas circunstâncias. Essas formas de
comunicação reconhecíveis e autorreforçadoras emergem como gêneros.
O processo de mover-se em direção a formas de enunciados
padronizados, que realizam certas ações em determinadas circunstâncias, e de
uma compreensão padronizada de determinadas situações é chamado de
tipificação.
A definição de gênero apresentada por Bazerman (2006) é um pouco
diferente daquela noção trivial que temos acerca do tema. Para o autor, a
definição de gênero como apenas um conjunto de traços textuais ignora o
papel dos indivíduos no uso e na construção dos sentidos; ignora as diferenças
de percepção e compreensão, o uso criativo da comunicação para satisfazer
novas necessidades percebidas em novas circunstâncias e a mudança no
modo de compreender o gênero com o decorrer do tempo.
Ele afirma que gêneros “são fatos sociais sobre os tipos de atos de fala
que as pessoas podem realizar e sobre os modos como elas os realizam.
Gêneros emergem nos processos sociais em que pessoas tentam
compreender umas às outras suficientemente bem para coordenar atividades e
compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos” (Bazerman,
2006, p.31).
58
Para caracterizar como os gêneros se enquadram em organizações, o
autor propõe vários conceitos que se sobrepõem: conjunto de gêneros, sistema
de gêneros e sistema de atividades.
Um conjunto de gêneros é a coleção de tipos de textos que uma pessoa
num determinado papel tende a produzir; um sistema de gêneros compreende
os diversos conjuntos de gêneros utilizados por pessoas que trabalham juntas
de uma forma organizada e também as relações padronizadas que se
estabelecem na produção, na circulação e no uso desses documentos.
Um professor, em sua rotina diária, pode utilizar diversos gêneros para
desempenhar suas funções, ou seja, um conjunto de gêneros. A junção do
conjunto de gêneros usados por um professor e o conjunto de gêneros
empregados por um aluno compreende um sistema de gêneros.
Esse sistema de gêneros é parte do sistema de atividades que se
desenvolve numa sala de aula, por exemplo. Levar em consideração o sistema
de atividades junto com o sistema de gêneros é focalizar o que as pessoas
fazem e como os textos ajudam as pessoas a fazê-lo, em vez de focalizar os
textos como fins em si mesmo.
Segundo Silveira (2012), o uso social dos textos (ponto de vista
discursivo) possibilita que as pessoas reconheçam quando uma organização
textual funciona bem em determinada situação e que pode ser compreendida
em outra circunstância similar. Portanto, seguir padrões comunicativos (formas
padronizadas e reconhecíveis) com os quais as pessoas estão acostumadas é
usar gêneros textuais.
Do ponto de vista textual, o gênero é entendido como a organização dos
textos em sua regularidade composicional. Como a tendência atual é aproximar
a Linguística textual da discursiva, Adam (2011) propõe integrar os planos
discursivos e textuais, por meio dos atos intencionais do discurso (ilocucional) e
sua orientação argumentativa.
Sendo assim, para esta pesquisa, analisaremos a estrutura
composicional do gênero dissertativo e o macroato deveria estar guiado pela
intenção de se expressar da melhor forma possível por estar em situação
avaliativa e de exclusão.
59
3.5 O gênero dissertativo
Segundo Adam (2011), o texto dissertativo apresenta estrutura
composicional fixa e, conforme Silveira (2012), manifesta um tipo de crença,
uma emissão de opinião, que é guiada pelas cognições sociais, apresentando
uma dimensão avaliativa. Um ponto de vista é guiado por objetivos, interesses
e propósitos sociais e pessoais.
O gênero dissertativo, solicitado por diversos vestibulares, enquadra-se
na classe opinativa e apresenta como objetivo avaliar a criticidade (Dias, 1986)
do candidato perante um tema proposto.
Essa criticidade pode apresentar-se com uma organização textual de
sequências explicativas ou argumentativas. De acordo com Silveira (2012), os
textos dissertativos organizados com a sequência explicativa são expositivos
ou de uma tese e os textos organizados com a sequência argumentativa são
argumentativos ou de duas teses.
3.5.1 O gênero dissertativo de uma tese
O texto dissertativo que adota a sequência explicativa como plano
pretende fazer o outro “saber” aquilo que “não sabia”, ou seja, explicitar o que
está implícito. Portanto, “trata-se da expansão das informações (PORQUE), por
explicitações de conhecimentos não compartilhados pelo auditório, de forma a
conduzi-lo a fazer inferências e a hierarquizar a construção do sentido global, a
fim de que aceite a conclusão (tese) comunicada pelo cientista.” (Silveira, 2012,
p.100)
A sequência explicativa aparece incrustada na categoria Justificativa:
60
Esquema 10: Dissertativo de uma tese (Silveira, 2012, p. 100)
Na categoria “Apresentação - síntese informativa”, o autor começa seu
texto com uma série de palavras e frases para situar o fato; na categoria
“Justificativa - explicação informativa”, o autor, por uma estratégia
argumentativa, apresenta informações necessárias que comprovem e
justifiquem a tese a ser comunicada. Nesse momento, o autor faz a expansão
dos sentidos específicos mencionados no texto reduzido, ou seja, há a
progressão semântica; na categoria “Conclusão”, há a tese defendida pelo
autor.
Utilizar a sequência explicativa (texto-reduzido e texto-expandido) no
texto dissertativo de uma tese trata-se de uma estratégia argumentativa para
propiciar que o autor faça as inferências fundamentais para que o leitor aceite a
tese proposta (conclusão).
3.5.2 O gênero dissertativo de duas teses
O texto dissertativo que adota a sequência argumentativa é organizado
com a oposição do candidato à cognição social. Sendo assim, o leitor é
representado como aquele que conhece a tese 1, à qual o autor do texto se
opõe, e, por isso, defende a tese 2, que é de sua criação. Para isso, o autor
contra-argumenta para fazer o leitor abandonar a tese 1 e argumenta para ele
(o leitor) aderir à tese 2.
Silveira (2012, p.103) propõe a seguinte sequência textual:
Dissertativo de uma tese
Apresentação-síntese informativa Justificativa-explicação informativa Conclusão
Texto síntese Texto expandido Tese defendida
61
Esquema 11: Dissertativo de duas teses (Silveira, 2012, p.103)
A autora inclui a categoria “Paradigma científico” unido à categoria
“Cognições sociais”, mas, como nossa pesquisa tem como corpus textos em
que os alunos não consultam nenhum tipo de material físico para produzi-lo,
preferimos não incluir essa categoria nesta pesquisa.
Na categoria “Tese 1”, o autor apresenta as palavras e frases que
representam as cognições sociais, ou seja, o saber atribuído ao leitor; na
categoria “Contra-argumento”, o autor, a partir do “saber” do leitor, constrói
contra-argumentos para fazer com que o leitor abandone o que sabia. Nem
sempre os contra-argumentos aparecem explícitos. Eles podem estar implícitos
e podem aparecer em menor quantidade que os argumentos enunciados; na
categoria “Argumentos”, o autor reforça a tese 2 com argumentos para que o
leitor aceite-a e é apresentada como um “saber novo”; a categoria “Tese 2” é o
resultado da discordância do autor em relação à tese 1, no caso, o saber do
leitor, a cognição social. A tese 2 é o “saber novo”.
A seguir, Silveira (2012) propõe um esquema simplificador dos textos
que abordam “Pontos de vista”:
Dissertativo argumentativo de duas teses
Apresentação Justificativa Conclusão
Tese 1 Cognições sociais Circunstância Tese 2
Pontos de partida Fato
Contra-argumentos
da tese 1 x argumentos
da tese 2
Outra versão do Fato para a tese 2
62
Esquema 12: Esquema textual dos textos “Pontos de Vista” (Silveira, 2012, p. 335)
3.6 O processo de referenciação
Segundo Koch (2010, p.33), “a remissão textual por meio de formas
nominais referenciais consiste na construção e na reconstrução de objetos-de-
discurso”, que são representações semióticas instáveis (constantemente
reformuláveis) e não entidades da realidade preexistentes à interação.
Continua a autora:
[...] defendemos em Koch & Marcuschi que a discursivização
ou a textualização do mundo por meio da linguagem não consiste em
um simples processo de elaboração de informações, mas em um
processo de (re)construção do próprio real. Os objetos-de-discurso
não se confundem com a realidade extralinguística, mas
(re)constroem-na no próprio processo de interação: a realidade é
construída, mantida e alterada não apenas pela forma como
nomeamos o mundo, mas, acima de tudo, pela forma como,
Ponto de vista
Texto reduzido Texto expandido
Título Apresentação Justificativa Conclusão (tese 2)
Objeto Tema Cognições sociais Circunstância
extra e intergrupais
Síntese: tese 1 x tese 2 exposição-informativa
uma versão (tese 1)
Dissertativo de uma tese
Pontos de Partida Fato
Legitimidade Reforço Questão social
valores das cognições sociais de domínio
contra-argumentos da tese 1 x argumentos tese 2 público com
outra versão, a
do escritor
cientista
Dissertativo de duas teses
Valores negativos - tese 1 x valores positivos – tese 2
versão 1 do fato versão 2 do fato
63
sociocognitivamente, interagimos com ele. Interpretamos e
construímos nossos mundos na interação com o entorno físico, social
e cultural.
(Koch, 2010. p. 33-34)
A autora cita Mondada para distinguir referência de referenciação e
referente de objeto-de-discurso. Mondada propõe a substituição dos termos.
A questão da referência é um tema clássico da filosofia da
linguagem, da lógica da linguística: nestes quadros, ela foi
historicamente posta como um problema de representação do mundo,
de verbalização do referente, em que a forma linguística selecionada
é avaliada em termos de verdade e de correspondência com ele (o
mundo). A questão da referenciação opera um deslizamento em
relação a este primeiro quadro: ela não privilegia a relação entre as
palavras e as coisas, mas a relação intersubjetiva e social no seio da
qual as versões do mundo são publicamente elaboradas, avaliadas
em termos de adequação às finalidades práticas e às ações em curso
dos enunciadores.
No interior dessas operações de referenciação, os
interlocutores elaboram objetos do discurso, i.e., entidades que não
são concebidas como expressões referenciais em relação especular
com objetos do mundo ou com sua representação cognitiva, mas
entidades que são interativamente e discursivamente produzidas
pelos participantes no fio da enunciação. Os objetos de discurso são,
pois, entidades constituídas nas e pelas formulações discursivas dos
participantes: é no e pelo discurso que são postos, delimitados,
desenvolvidos e transformados objetos de discurso que não
preexistem a ele e que não têm uma estrutura fixa, mas que, ao
contrário, emergem e se elaboram progressivamente na dinâmica
discursiva. Dito de outra forma, o objeto do discurso não remete a
uma verbalização de um objeto autônomo e externo às práticas
linguageiras; ele não é um referente que teria sido codificado
linguisticamente.
(Koch, 2010, p. 34)
Sendo assim, o processo de referenciação constitui-se uma atividade
discursiva. Visando à concretização de sua proposta de sentido, o sujeito
seleciona dentro do material linguístico os vocábulos que melhor traduzem o
64
estado de coisas. O processo de referenciação constitui escolhas do sujeito a
fim de demonstrar um querer-dizer. O fenômeno não se limita à remissão e à
retomada de elementos linguísticos, explicitados no co-texto.
O perfil do que hoje se entende como referente, em Linguística Textual,
sofreu radical transformação: saiu da relação entre expressões referenciais e
marcas co-textuais explícitas para uma entidade construída de forma conjunta,
negociada e, ao mesmo tempo, representada na mente dos participantes da
enunciação. Os processos referenciais são recategorizados no transcurso da
interação.
Sendo assim, nessa perspectiva, o referente é um objeto-de-discurso, ou
seja, uma criação que vai se reconfigurando não somente pelas pistas que as
estruturas sintático-semânticas e os conteúdos lexicais fornecem, mas também
por dados do entorno sociodiscursivo e cultural que vão sendo mobilizados
pelos participantes da enunciação.
A referenciação pode se dar por meio de formas nominais ou
pronominais. Essas expressões anafóricas remetem a algum tipo de
informação anteriormente alocada na memória discursiva; não são utilizadas,
simplesmente, para localizar um segmento linguístico no texto.
As anáforas podem ser de dois tipos: diretas ou indiretas. A primeira é
qualquer ocorrência em que um objeto-do-discurso seja recuperado de alguma
maneira (com formas nominais ou pronominais), mesmo que passe por
processos de recategorização. A segunda se refere a um objeto novo no
discurso, que ainda não foi mencionado no co-texto anterior, de modo que sua
interpretação só é alcançada dentro do universo do discurso que permeia o
texto com os conhecimentos compartilhados entre os participantes da
enunciação.
Em síntese, a retomada do mesmo objeto-do-discurso são as anáforas
diretas e a não retomada do mesmo objeto-do-discurso são as anáforas
indiretas.
No próximo capítulo, procederemos à análise do nosso corpus, tendo
por fundamento este capítulo e o anterior.
65
CAPÍTULO IV : OS ESQUEMAS TEXTUAIS, A CONSTRUÇÃO OPINATIVA E A REFERENCIAÇÃO
Neste capítulo, procederemos à análise do corpus e temos como
objetivo destacar o tipo de sequência textual que organiza os textos
considerados de “bom nível” pela banca corretora da Fuvest, verificar a
estratégia utilizada para a construção opinativa e evidenciar a progressão
semântica por meio da referenciação.
4.1 Procedimentos analíticos
Com base nos aspectos teóricos apresentados nos dois capítulos
anteriores, apresentaremos, nesta seção, a análise de algumas redações
expostas no painel de textos da Fuvest em 2013. Tal publicação compreende
27 textos. Após nossa análise, dividimos essa totalidade em dois grupos: os
dissertativos de uma tese e os dissertativos de duas teses.
Para cada bloco, selecionamos três textos para representar um modelo
de análise seguindo nossa fundamentação teórica. Orientamo-nos pelas
categorias de análise:
- as sequências textuais e suas incrustações no esquema textual;
- a estratégia utilizada para a construção opinativa;
- o processo de referenciação.
As redações foram digitadas para uma facilidade durante a leitura, mas
enfatizamos que a digitação está ipis litteris, conforme o anexo.
As cores, negritos e sublinhados utilizados nas análises dão suporte
para identificarmos o processo de referenciação ou relação. Sendo assim, a
escolha do pigmento não categoriza os objetos-do-discurso em principais ou
secundários. As cores encaminharão a visão do leitor para a identificação dos
termos com que se relacionam.
66
4.2 A proposta
A Fuvest, em 2013, apresentou como proposta o seguinte tema
(http://www.fuvest.br/vest2013/bestred/temared.html) :
67
O texto multimodal2 selecionado para a prova de redação da Fuvest
2013 é um texto do gênero publicitário3 e apresenta uma imagem com cores
dispostas em gradação: branco, amarelo e laranja. Tais cores apresentam
similitude com as dos cartões de crédito do tipo gold4, ou seja, pessoas com
alto poder aquisitivo, portanto aptas para comprar. O desenho pretende retratar
o interior de um shopping, onde há seis andares e diversas pessoas bem
vestidas, elegantes que circulam pelos andares. Algumas carregam sacolas, a
maioria está acompanhada, formando pequenos grupos, e estes podem
simbolizar a união e harmonia com que um dia de compras no shopping pode
proporcionar.
É uma imagem interativa, pois as pessoas retratadas se olham, mas não
é interacional, pois não há uma comunicação com o leitor. Numa leitura
vertical, há uma centralização para a distribuição uniforme dos corredores. A
imagem destaca a leitura vertical e não horizontal, uma vez que não há leitura
horizontal. 2 texto multimodal: Kress e van Leeuwen (1996) definem o texto multimodal como aquele
construído com imagens, cores e o verbal. Segundo os autores, toda mudança social produz
uma mudança no discurso e vice-versa. Sendo assim, a pós-modernidade com as altas
tecnologias e a globalização propiciaram a preferência pelos textos multimodais. A Fuvest, por
vezes, tem dado, também, preferência aos multimodais. Esses autores buscam estratégias de
leitura para os textos multimodais e publicaram uma gramática desses textos de forma a
considerar linhas de espaçamento geográfico do texto, na vertical e na horizontal; a
centralização das imagens em relação à moldura, a posição direcional das imagens na
transitividade das imagens nas relações intratextual e interacional; os valores culturais das
cores e dos matizes das cores para diferenciar ou identificar figura e fundo.
3 gênero publicitário: Nota apenas para diferenciar publicidade e propaganda: Rabaça e
Barbosa (1987) afirmam que a publicidade divulga, torna público, informa a respeito de um
produto; já a propaganda está relacionada à comunicação persuasiva de ideias.
4 gold: Os cartões de crédito são divididos em algumas categorias. As instituições bancárias
adotam categorias diferentes, porém similares. Uma instituição, que preferimos chamá-la por X,
determina as seguintes categorias (em ordem crescente de limites para gastos): nacional,
internacional, gold, platinum, personnalité e black. Essas categorias classificam o poder
aquisitivo do consumidor. Embora o cartão do tipo black denote um consumidor mais
“poderoso” financeiramente, o anúncio preferiu utilizar cores que remetem ao ouro. Para as
cognições sociais brasileiras, o ouro é mais valioso e simboliza o poder. Culturalmente o ouro é
considerado o metal mais precioso desde sua descoberta no século XVII pelos bandeirantes
em Minas Gerais.
68
Há um texto reduzido: “Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer
com o Cartão de Crédito X”, que corrobora para a interpretação da imagem. É
um anúncio de cartão de crédito, mas, ao mesmo tempo, vende a ideia de um
shopping ser o local ideal para consumir. O texto evidencia que o melhor que o
mundo tem a oferecer é um dia de compras. E, para ter acesso a esse mundo,
o cartão de crédito anunciado será a chave. A proposta solicita que o estudante
assuma um ponto de vista sobre o assunto.
4.3 Sobre o corpus
Os 27 textos que compõem o corpus de análise desta pesquisa foram
extraídos do site http://www.fuvest.br/vest2013/bestred/bestred.html, acessado
em dezembro de 2014.
A Fuvest apresenta como texto que introduz a publicação das
dissertações o seguinte enunciado:
“Exemplos de redações consideradas de bom nível pela Banca Corretora por terem
atendido, total ou parcialmente, os aspectos avaliados: tipo de texto e abordagem do
tema, estrutura e expressão.”
4.4 Análise do corpus
4.4.1 Texto 1: A perda de referências e o consumismo na globalização (Texto
1 do Anexo)
O shopping center talvez seja, hoje em dia, o maior símbolo da
globalização. Em qualquer lugar do mundo, o interior de um shopping é
praticamente o mesmo. Este símbolo apenas, é um grande exemplo de dois
dos mais importantes aspectos da globalização: a perda de referências e o
consumismo.
O historiador Nicolau Sevcenko, ao caracterizar o processo de
globalização comparou o sujeito inserido neste processo a uma pessoa em
69
uma viagem de montanha russa, mais especificamente no loop de uma. Para
Sevcenko, a perda de referências sofrida no loop de uma montanha russa é
semelhante à sofrida na constante corrida de avanço tecnológico e progresso
da sociedade contemporânea. Seja na arte ou nas relações sociais, o sujeito
globalizado parece estar sozinho, desorientado e à procura de algo. Esta
procura muitas vezes se traduz na compra e apologia de mercadorias, o
consumismo.
O shopping center funciona exatamente como a montanha russa.
Bombardeados por anúncios, luzes e lojas, os consumidores entram em um
estado de frenesi, que os induz a comprar mais. A perda de referências se dá
pela ausência de marcadores de tempo (relógios ou entradas de luz natural) e
pela rapidez com que os produtos se renovam. Absolutamente tudo é novo e
melhor. Com a inovação constante, o velho se torna obsoleto e a felicidade se
encontra em obter as novidades, dispensando até mesmo o seu
aproveitamento.
Ideologia, no seu sentido marxista é uma ideia que tem como objetivo
ofuscar a visão da realidade. Utilizando este conceito, é possível situar o
shopping center como ferramenta de uma ideologia da classe dominante. No
estágio em que o capitalismo se encontra hoje, de progresso pelo progresso e
reprodução não produtiva do capital, a única engrenagem que mantém o
sistema de produção é o consumismo, que por sua vez é mantido por anúncios
veiculados na mídia. É preciso desacelerar a montanha russa da globalização
ou perderemos todas as nossas referências e nos tornaremos apenas
consumidores.
4.4.1.1 O esquema textual
O texto do candidato apresenta a sequência explicativa na sua
organização composicional. É um texto dissertativo de uma tese e apresenta
em sua estrutura: Texto Reduzido > Texto Expandido > Tese, como estratégia
argumentativa. Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do candidato,
podemos construir a seguinte visualização:
70
TEXTO REDUZIDO: TEXTO EXPANDIDO: TESE DEFENDIDA:
- shopping é símbolo de
globalização
- dois aspectos da
globalização: perda de
referências e o
consumismo
Nicolau Sevcenko –
perda da referência em
uma viagem de
montanha russa, assim
como a corrida de
avanço tecnológico e o
progresso da sociedade
contemporânea.
- sujeito globalizado está
sozinho, desorientado e
à procura de algo –
portanto consome.
- shopping center=
montanha russa, que
ocasiona a perda de
referência (sem
marcador temporal) e
renovação rápida de
produtos.
É preciso desacelerar a
montanha russa da
globalização ou
perderemos todas as
nossas referências e
nos tornaremos apenas
consumidores.
4.4.1.2 A construção opinativa
O texto reduzido da proposta afirma:
Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o
Cartão de Crédito X.
O texto reduzido do candidato afirma:
O shopping center talvez seja, hoje em dia, o maior
símbolo da globalização. Em qualquer lugar do mundo, o interior
de um shopping é praticamente o mesmo. Este símbolo apenas, é
um grande exemplo de dois dos mais importantes aspectos da
globalização: a perda de referências e o consumismo.
71
Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de
vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o seu texto reduzido
recategoriza os objetos-do-discurso:
Texto reduzido da Fuvest Texto reduzido do candidato
“o melhor” shopping center
“o mundo” globalização
“cartão de crédito” consumismo
Nesse sentido, há uma opinião opositiva em relação à opinião expressa
na proposta. Logo a mudança de ponto de vista para representar o shopping
center e o cartão de crédito propicia a construção de uma nova opinião que
está intertextualizada com a anterior, embora oposta a ela.
Todas as vezes que ocorre a mudança do ponto de vista ocorre também
a mudança do tema:
- proposta da Fuvest: valor positivo atribuído aos shoppings centers para
consumir produto gastando dinheiro e pagando com cartão de crédito;
- proposta do candidato: valor negativo atribuído aos shoppings centers para
consumir produto gastando dinheiro e pagando com cartão de crédito.
No texto multimodal da proposta, a cor ouro e a imagem do interior de
um shopping por andares é sintetizada nas palavras: Aproveite o melhor que o
mundo tem a oferecer com o Cartão de Crédito X.
No texto reduzido do candidato, por haver oposição com o gasto pelo
consumo de produtos existentes no shopping, houve a mudança para palavras
que sintetizam a leitura feita por ele: “perda de referência” e “consumismo”.
O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza
produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:
- relexicaliza palavras do texto base;
- muda o foco, portanto há tematização;
72
- seleciona no seu texto expandido algumas palavras do seu texto reduzido e
insere outras que serão também expandidas a fim de construir seus
argumentos, preservando a manutenção temática.
4.4.1.3 A referenciação
Abaixo o texto foi reescrito e dividido novamente em Texto Reduzido >
Texto Expandido > Tese.
As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras do texto e
como se relacionam, conforme descrito nos Procedimentos Analíticos.
A perda de referências e o consumismo na globalização
TEXTO REDUZIDO:
O shopping center talvez seja, hoje em dia, o maior símbolo da globalização.
Em qualquer lugar do mundo, o interior de um shopping é praticamente o
mesmo. Este símbolo apenas, é um grande exemplo de dois dos mais
importantes aspectos da globalização: a perda de referências e o
consumismo.
No Texto Reduzido, o candidato apresenta uma série de palavras para
situar o fato: shopping center, globalização, perda de referências e
consumismo.
TEXTO EXPANDIDO:
1º parágrafo:
globalização- O historiador Nicolau Sevcenko, ao caracterizar o processo de
globalização comparou o sujeito inserido neste processo a uma pessoa em
uma viagem de montanha russa, mais especificamente no loop de uma.
perda de referências- Para Sevcenko, a perda de referências sofrida no loop
de uma montanha russa é semelhante à sofrida na constante corrida de avanço
tecnológico e progresso da sociedade contemporânea.
73
sujeito- Seja na arte ou nas relações sociais, o sujeito globalizado parece estar
sozinho, desorientado e à procura de algo.
No primeiro parágrafo do Texto Expandido, o candidato expande os
termos globalização e perda de referências citados no Texto Reduzido e faz
uma nova expansão do termo sujeito, citado no Texto Expandido.
2º parágrafo:
procura- Esta procura muitas vezes se traduz na compra e apologia de
mercadorias, o consumismo.
shopping center- O shopping center funciona exatamente como a montanha
russa. Bombardeados por anúncios, luzes e lojas, os consumidores entram em
um estado de frenesi, que os induz a comprar mais.
perda de referências- A perda de referências se dá pela ausência de
marcadores de tempo (relógios ou entradas de luz natural) e pela rapidez com
que os produtos se renovam.
produtos se renovam- Absolutamente tudo é novo e melhor. Com a inovação
constante, o velho se torna obsoleto e a felicidade se encontra em obter as
novidades, dispensando até mesmo o seu aproveitamento.
No segundo parágrafo do Texto Expandido, o candidato expande os
termos shopping center e perda de referências, ambos citados no Texto
Reduzido. O candidato também faz novas expansões: dos termos procura e
produtos se renovam, ambos citados no Texto Expandido.
Cita novamente o termo consumismo, já mencionado no Texto
Reduzido e relaciona-o ao termo procura.
CONCLUSÃO (TESE):
Ideologia- Ideologia, no seu sentido marxista é uma ideia que tem como
objetivo ofuscar a visão da realidade.
shopping center- Utilizando este conceito, é possível situar o shopping center
como ferramenta de uma ideologia da classe dominante.
74
consumismo- No estágio em que o capitalismo se encontra hoje, de progresso
pelo progresso e reprodução não produtiva do capital, a única engrenagem que
mantém o sistema de produção é o consumismo, que por sua vez é mantido
por anúncios veiculados na mídia.
TESE: É preciso desacelerar a montanha russa da globalização ou
perderemos todas as nossas referências e nos tornaremos apenas
consumidores.
No último parágrafo, ele apresenta o conceito de Ideologia para
introduzir sua conclusão e relaciona-o a shopping center, citado no Texto
Reduzido.
Num processo de “amarramento”, apresenta como Tese o seguinte
enunciado: “É preciso desacelerar a montanha russa da globalização ou
perderemos todas as nossas referências e nos tornaremos apenas
consumidores.”, ou seja, das quatro palavras citadas no Texto Reduzido e
expandidas no Texto Expandido, três figuram na Tese: globalização, perda da
referência, consumismo.
Sendo assim, o candidato expandiu as suas palavras atualizadas no seu
Texto Reduzido e fez novas expansões a partir do Texto Expandido.
Relacionou a Tese/ Conclusão com as palavras citadas no Texto Reduzido.
A expansão do texto analisado foi realizada da seguinte forma:
- durante toda a expansão, houve a manutenção temática << shopping center
com globalização dos produtos é pernicioso, pois ocasiona com o consumismo
a perda financeira para as pessoas>>
- o texto é expandido com a progressão semântica, ou seja, embora haja a
manutenção temática, ocorre a progressão semântica pela construção dos
argumentos de legitimidade e de reforço.
O candidato utilizou a estratégia argumentativa de sequenciar Texto
Reduzido> Texto Expandido > Palavras reduzidas (no Texto Expandido –
sujeito, procura e produtos se renovam) > novas expansões para fazer com
que seu auditório aceite a tese proposta.
75
Adotou na organização composicional a sequência explicativa ou o
gênero dissertativo de uma tese. Além disso, utilizou a norma de padrão
gramatical para se expressar.
Portanto esse texto apresenta uma boa formação e atende totalmente
aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema, estrutura e
expressão.
4.4.2 Texto 2: Ditadura da propaganda (Texto 10 do Anexo)
A propaganda é uma das mais usadas e mais eficazes formas de
difundir determinadas mensagens com o objetivo de promovê-las, ou vendê-
las, para um grande público. Largamente utilizada por Estados totalitários, a
propaganda, por ter um caráter não violento, tornou-se um importante
instrumento de manipulação social. Assim, quando a força física era inviável
para conter a desaprovação popular em relação ao governo, anúncios
publicitários que promoviam a prosperidade e o desenvolvimento do país,
mentirosos ou não, eram feitos frequentemente. Porém, o uso da propaganda
vai além da promoção de governos e governantes: as imposições de valores e
as regras ditadas pelos anúncios publicitários de empresas fazem a
propaganda ser tão coercitiva em democracias quanto em ditaduras.
A ditadura militar brasileira foi marcada por uma enorme repressão aos
opositores e por uma rígida censura da imprensa e da cultura. Assim,
principalmente durante o período de grande crescimento econômico do país, o
chamado “milagre brasileiro”, o governo buscou o apoio popular através de
anúncios e slogans como o “Brasil, grande potência”, manipulando as massas,
de modo a mascarar o caráter repressor do Estado e divulgar uma
prosperidade que duraria pouco. Logo, a propaganda foi fundamental, através
da manipulação, para transmitir o sentimento de progresso e diminuir o
descontentamento com o governo.
Soma-se, ainda, à característica manipuladora da propaganda, a
natureza impositora que os anúncios publicitários têm. Ao relacionar um
shopping com o “melhor que o mundo pode oferecer”, pressupõe-se que tal
76
“melhor” possa somente ser encontrado nas vitrines e à venda. Dessa forma, a
hábil combinação entre a imposição de valores, como o “melhor” sendo
comprar num shopping e a função do produto promovido, como um cartão de
crédito, permite que valores pré-concebidos sejam abandonados em virtude
dos apresentados nos anúncios, levando a pessoa a consumir o produto
exposto por eles.
Portanto, o uso da propaganda e dos anúncios publicitários não é tão
grande por acaso: a união entre manipulação e a imposição é capaz de gerar
resultados muito satisfatórios para quem a emprega, seja o governo de um
país, uma comissão partidária, ou uma empresa de cartões de crédito. Para
algumas pessoas, um cartão de crédito pode fazê-las aproveitar um shopping,
tornando-o a melhor coisa do mundo; para outras, a melhor do mundo não é
um shopping, mas este passa a o ser.
4.4.2.1 O esquema textual
O texto do candidato apresenta a sequência explicativa na sua
organização composicional. É um texto dissertativo de uma tese e exibe a
estrutura: Texto Reduzido > Texto Expandido > Tese, como estratégia
argumentativa. Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do candidato,
podemos construir a seguinte visualização:
TEXTO REDUZIDO: TEXTO EXPANDIDO: TESE DEFENDIDA:
- propaganda é a
melhor forma de difundir
determinadas
mensagens
- propaganda é um
importante instrumento
de manipulação social
- anúncios publicitários
promoviam prosperidade
- ditadura foi marcada
por uma enorme
repressão aos
opositores
- durante o “milagre
brasileiro”, o governo
buscou apoio popular
por meio de anúncios
que retratavam o slogan
O uso da propaganda e
dos anúncios
publicitários não é tão
grande por acaso: a
união entre a
manipulação e a
imposição é capaz de
gerar resultados muito
77
quando a força física era
inviável para conter o
descontentamento da
população com o
governo
- os valores impostos
pela propaganda são
coercitivos
“Brasil, grande potência”
- as massas eram
manipuladas
- o caráter opressor do
Estado era mascarado
- a propaganda foi
fundamental para
transmitir o sentimento
de progresso e para
diminuir o
descontentamento
- propaganda possui
natureza impositora
satisfatórios
4.4.2.2 A construção opinativa
O texto reduzido da proposta afirma:
Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão de
Crédito X.
O texto reduzido do candidato afirma:
A propaganda é uma das mais usadas e mais eficazes
formas de difundir determinadas mensagens com o objetivo de
promovê-las, ou vendê-las, para um grande público. Largamente
utilizada por Estados totalitários, a propaganda, por ter um
caráter não violento, tornou-se um importante instrumento de
manipulação social. Assim, quando a força física era inviável
para conter a desaprovação popular em relação ao governo,
anúncios publicitários que promoviam a prosperidade e o
desenvolvimento do país, mentirosos ou não, eram feitos
frequentemente. Porém, o uso da propaganda vai além da
78
promoção de governos e governantes: as imposições de valores
e as regras ditadas pelos anúncios publicitários de empresas
fazem a propaganda ser tão coercitiva em democracias quanto
em ditaduras.
Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de
vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o seu texto reduzido
recategoriza o objeto-do-discurso em quatro termos dispostos em gradação
crescente, pois é nesta ordem que aparecem em seu texto reduzido:
Texto reduzido da Fuvest Texto reduzido do candidato
“Aproveite” propaganda, manipulação,
imposição, ditadura
Nesse sentido, o candidato assumiu seu ponto de vista explorando a
função conativa das propagandas e foca a sua dissertação no caráter
imperativo delas. O espectador é praticamente “forçado” a executar as ordens
impostas pelas propagandas, mesmo que ele não concorde com elas.
O candidato assumiu uma opinião opositiva em relação à imposição das
propagandas e à comunicação persuasiva de ideias veiculadas por elas.
Como ocorreu a mudança do ponto de vista, ocorreu também a
mudança do tema:
- proposta da Fuvest: valor positivo atribuído às ideias que a propaganda
veicula: a felicidade está em realizar compras num shopping center, então seja
feliz e compre;
- proposta do candidato: valor negativo atribuído às ideias que a propaganda
veicula: a propaganda é uma forma de manipular a sociedade, impondo valores
e ditando regras como numa ditadura.
79
No texto multimodal da proposta, a cor ouro e a imagem do interior de
um shopping por andares é sintetizada nas palavras: Aproveite o melhor que o
mundo tem a oferecer com o Cartão de Crédito X.
No texto reduzido do candidato, por haver oposição à manipulação que a
propaganda exerce na sociedade, houve a mudança para palavras que
sintetizam a leitura feita por ele: “imposição de valores”, “regras ditadas pelos
anúncios” e “ditadura”.
O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza
produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:
- relexicaliza palavras do texto base;
- muda o foco, portanto há tematização;
- seleciona no seu texto expandido algumas palavras do seu texto reduzido e
insere outras que serão também expandidas a fim de construir seus
argumentos, mantendo a manutenção temática.
4.4.2.3 A referenciação
Abaixo o texto foi reescrito e dividido novamente em Texto Reduzido >
Texto Expandido > Tese.
As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras do texto e
como se relacionam, conforme descrito nos Procedimentos Analíticos.
Ditadura da propaganda
TEXTO REDUZIDO:
A propaganda é uma das mais usadas e mais eficazes formas de difundir
determinadas mensagens com o objetivo de promovê-las, ou vendê-las, para
um grande público. Largamente utilizada por Estados totalitários, a
propaganda, por ter um caráter não violento, tornou-se um importante
instrumento de manipulação social. Assim, quando a força física era inviável
para conter a desaprovação popular em relação ao governo, anúncios
publicitários que promoviam a prosperidade e o desenvolvimento do país,
80
mentirosos ou não, eram feitos frequentemente. Porém, o uso da propaganda
vai além da promoção de governos e governantes: as imposições de valores
e as regras ditadas pelos anúncios publicitários de empresas fazem a
propaganda ser tão coercitiva em democracias quanto em ditaduras.
No Texto Reduzido, o candidato apresentou a seguinte série de palavras
para situar o fato: propaganda, manipulação social, as imposições de
valores, as regras ditadas pelos anúncios publicitários e ditaduras.
TEXTO EXPANDIDO:
1º parágrafo:
ditaduras: A ditadura militar brasileira foi marcada por uma enorme repressão
aos opositores e por uma rígida censura da imprensa e da cultura.
propaganda instrumento de manipulação social: Assim, principalmente
durante o período de grande crescimento econômico do país, o chamado
“milagre brasileiro”, o governo buscou o apoio popular através de anúncios e
slogans como o “Brasil, grande potência”, manipulando as massas, de modo a
mascarar o caráter repressor do Estado e divulgar uma prosperidade que
duraria pouco. Logo, a propaganda foi fundamental, através da manipulação,
para transmitir o sentimento de progresso e diminuir o descontentamento com
o governo.
No primeiro parágrafo do Texto Expandido, há a expansão dos termos:
ditaduras, propaganda (“anúncios e slogans” citados no Texto Expandido)
e manipulação social.
2º parágrafo:
as imposições de valores: Soma-se, ainda, à característica manipuladora da
propaganda, a natureza impositora que os anúncios publicitários têm. Ao
relacionar um shopping com o “melhor que o mundo pode oferecer”,
pressupõe-se que tal “melhor” possa somente ser encontrado nas vitrines e à
venda.
as regras ditadas pelos anúncios publicitários: Dessa forma, a hábil
combinação entre a imposição de valores, como o “melhor” sendo comprar
81
num shopping e a função do produto promovido, como um cartão de crédito,
permite que valores pré-concebidos sejam abandonados em virtude dos
apresentados nos anúncios, levando a pessoa a consumir o produto exposto
por eles.
No segundo parágrafo do Texto Expandido, há expansões dos termos :
as imposições de valores e as regras ditadas pelos anúncios
publicitários, ambos citados no Texto Reduzido do candidato.
Apresenta também o termo cartão de crédito que será expandido
adiante.
CONCLUSÃO (TESE):
TESE: Portanto, o uso da propaganda e dos anúncios publicitários não é tão
grande por acaso: a união entre manipulação e a imposição é capaz de gerar
resultados muito satisfatórios para quem a emprega, seja o governo de um
país, uma comissão partidária, ou uma empresa de cartões de crédito.
cartões de crédito : Para algumas pessoas, um cartão de crédito pode fazê-
las aproveitar um shopping, tornando-o a melhor coisa do mundo; para outras,
a melhor do mundo não é um shopping, mas este passa a o ser.
No último parágrafo, o candidato cita, novamente, as palavras
atualizadas no Texto Reduzido: propaganda, manipulação, imposição e
ditadura (por meio da expressão mas este passa a o ser) e expande o termo
cartões de crédito, citado no segundo parágrafo do texto reduzido.
Sendo assim, o candidato expandiu as suas palavras atualizadas no seu
Texto Reduzido e fez novas expansões a partir do Texto Expandido.
Relacionou Tese/ Conclusão com as palavras citadas no seu Texto Reduzido.
A expansão do texto analisado foi realizada da seguinte forma:
- durante toda a expansão, houve a manutenção temática <<a propaganda
manipula a sociedade e impõe valores determinando as regras que devem ser
obedecidas>>
82
- o texto é expandido com a progressão semântica, ou seja, embora haja a
manutenção temática, ocorre a progressão semântica pela construção dos
argumentos de legitimidade e de reforço.
O candidato utilizou a estratégia argumentativa de sequenciar Texto
Reduzido> Texto Expandido > palavra reduzida (no Texto Expandido - cartões
de crédito) > Nova Expansão (na Conclusão) para fazer com que seu auditório
aceite a tese proposta.
Adotou, na organização composicional, a sequência explicativa ou o
gênero dissertativo de uma tese. Além disso, utilizou a norma de padrão
gramatical para se expressar.
Portanto esse texto apresenta uma boa formação e atende totalmente
aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema, estrutura e
expressão.
4.4.3 Texto 3: As catedrais de Xangai (Texto 4 do Anexo)
Um anúncio publicitário de cartão de crédito exibe como ponto de vista a
imagem de um vão. O vazio é o elemento comum aos seis pavimentos
(adivinham-se seis, mas poderiam ser sete ou setenta e sete) e bem uma
centena de pessoas estão debruçadas nas amuradas; são pequenas escalas
humanas de cabelos negros, traços achinesados, que servem para dar a
dimensão desse enorme edifício que, na foto, só vemos por dentro. Das
escadas rolantes alguns chineses contemplam os patamares que se deram
sucessivamente nessa construção que tem características de catedral gótica,
ainda que a iluminação que inunda o edifício apresente um aspecto amarelado,
baço e artificial.
A comparação não é arbitrária. É possível encontrar hoje literatura em
que autores se recusam a empregar o termo “shopping center” adotando, ao
invés, “catedrais de consumo”. O ganho teórico implicado na adoção dessa
nomenclatura seria dar a entender uma espécie de sacralização do consumo
nos dias de hoje, o que consiste um tremendo desfavor à ideia de religiosidade.
83
O viés arquitetônico, fugindo da mania de culpar a religião por tudo, é,
no entanto, bastante interessante. Assim como as catedrais góticas o
“shopping center” se configura como um edifício fechado, amplo e iluminado,
que diminui o indivíduo e engradece as práticas ali realizadas (nenhuma das
duas construções tem o homem como escala)
Talvez pareça despropositado, mas o desenvolvimento do consumismo
rumo ao que temos hoje está bastante relacionado com o surgimento de
determinados tipos de edifícios e algumas alterações no espaço urbano. O
Flanêur foi a personagem símbolo da modernidade, flanando pelas ruas recém-
ampliadas de Paris, observando toda a nova dinâmica da cidade. Essa
personagem parisiense do século XIX encontra sua morte, como nos mostra
Marshal Berman, justamente nas galerias, quando estas se transformam em
grandes magazines.
A existência de Flanêur hoje estaria restrita a observar vitrines em uma
das tais “catedrais de consumo”, uma vez que não existem experiências
possíveis fora delas. O mais assustador é o mundo, enquanto universo de
possibilidades, ter se transformado em algo estritamente consumível, mas o
quanto essa nova dinâmica afeta o comportamento das nossas cidades.
Os espaços onde o consumo acontece de maneira acirrada tem
somente qualidades nocivas: o alheamento, em um espaço fechado, em
relação ao tempo “natural” e ao restante da cidade, essa alienação com a qual
as pessoas consentem ao entrar em um shopping center e que cada uma das
características da construção tem como principal objetivo agravar. O mais
assustador no anúncio que mostra os seis pavimentos de um shopping é sem
dúvida o texto que insinua que aquilo tudo é o melhor que o mundo tem a
oferecer.
4.4.3.1 O esquema textual
O texto do candidato apresenta a sequência explicativa na sua
organização composicional. É um texto dissertativo de uma tese e apresenta
em sua estrutura: Texto Reduzido > Texto Expandido > Tese, como estratégia
84
argumentativa. Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do candidato,
podemos construir a seguinte visualização:
TEXTO REDUZIDO: TEXTO EXPANDIDO: TESE DEFENDIDA:
- imagem de um vão é
exibido no anúncio,
“vazio” é o elemento
comum
- comparação da
imagem com os prédios
de Xangai, por meio de
descrição
- na literatura é utilizado
o termo “catedrais de
consumo” ao invés de
“shopping center”,
significando
sacralização do
consumo, oposto à
religiosidade
- o projeto arquitetônico
de um shopping diminui
o indivíduo e
engrandece as práticas
ali realizadas
- o desenvolvimento do
consumismo provocou
alterações no espaço
urbano
- argumento de
autoridade: Marshall
Berman, citação de uma
personagem parisiense
que morre em galerias,
quando estas se
transformam em
magazines.
- não existe experiência
possível fora das
“catedrais de consumo”
- o consumo afeta o
O mais assustador no
anúncio que mostra os
seis pavimentos de um
shopping é sem dúvida
o texto que insinua que
aquilo tudo é o melhor
que o mundo tem a
oferecer.
85
comportamento da
cidade
4.4.3.2 A construção da opinião:
O texto reduzido da proposta afirma:
Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão de
Crédito X.
O texto reduzido do candidato afirma:
Um anúncio publicitário de cartão de crédito exibe como ponto de
vista a imagem de um vão. O vazio é o elemento comum aos seis
pavimentos (adivinham-se seis, mas poderiam ser sete ou setenta e
sete) e bem uma centena de pessoas estão debruçadas nas amuradas;
são pequenas escalas humanas de cabelos negros, traços achinesados,
que servem para dar a dimensão desse enorme edifício que, na foto, só
vemos por dentro. Das escadas rolantes alguns chineses contemplam os
patamares que se deram sucessivamente nessa construção que tem
características de catedral gótica, ainda que a iluminação que inunda o
edifício apresente um aspecto amarelado, baço e artificial.
Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de
vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o seu texto reduzido
recategoriza os objetos-do-discurso:
Texto reduzido da Fuvest Texto reduzido do candidato
“o melhor” o vazio
“shopping center” catedrais de consumo
86
Nesse sentido, o candidato assumiu seu ponto de vista comparando o
melhor que o mundo tem a oferecer com uma das catedrais de Xangai, uma
das maiores cidades da China e uma das maiores áreas metropolitanas do
mundo. Possui uma localização favorável devido ao porto e, por isso, floresceu
como centro comercial. Em 2005, Xangai tornou-se o maior porto de cargas do
mundo. A cidade também é famosa por seus pontos turísticos, pois possui
alguns marcos históricos. Atualmente, Xangai é conhecido como o maior centro
comercial e financeiro e tem sido descrita como o grande exemplo da pujança
da economia chinesa.
O candidato aproxima “catedrais de Xangai” e “o melhor que o mundo
tem a oferecer” para demonstrar o processo de sacralização que o consumo se
transformou. Ele assumiu um ponto de vista pautado em construções de viés
arquitetônico moderno e fechado e isso leva o consumidor a se sentir “menor”
diante das gigantescas edificações.
Há uma opinião opositiva em relação à opinião expressa na proposta. A
mudança do ponto de vista faz com que ocorra, também, a mudança do tema:
- proposta da Fuvest: valor positivo que a imagem retratada apresenta: o
melhor que o mundo tem a oferecer;
- proposta do candidato: valor negativo que a imagem retratada apresenta: o
vazio.
No texto multimodal, a cor ouro e a imagem do interior de um shopping
por andares é sintetizada nas palavras: Aproveite o melhor que o mundo tem a
oferecer com o Cartão de Crédito X.
No texto reduzido do candidato, por haver oposição com o valor que a
imagem retratada apresenta, houve a mudança para palavras que sintetizam a
leitura feita por ele: “vazio” e “catedrais de consumo”.
O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza
produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:
- relexicaliza palavras do texto base;
- muda o foco, portanto há tematização;
87
- seleciona no seu texto expandido algumas palavras do seu texto reduzido e
insere outras que serão também expandidas a fim de construir seus
argumentos, mantendo a manutenção temática.
4.4.3.3 A referenciação
Abaixo o texto foi reescrito e dividido novamente em Texto Reduzido >
Texto Expandido > Tese.
As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras do texto e
como se relacionam, conforme descrito nos Procedimentos Analíticos.
As catedrais de Xangai
TEXTO REDUZIDO:
Um anúncio publicitário de cartão de crédito exibe como ponto de vista a
imagem de um vão. O vazio é o elemento comum aos seis pavimentos
(adivinham-se seis, mas poderiam ser sete ou setenta e sete) e bem uma
centena de pessoas estão debruçadas nas amuradas; são pequenas escalas
humanas de cabelos negros, traços achinesados, que servem para dar a
dimensão desse enorme edifício que, na foto, só vemos por dentro. Das
escadas rolantes alguns chineses contemplam os patamares que se deram
sucessivamente nessa construção que tem características de catedral gótica,
ainda que a iluminação que inunda o edifício apresente um aspecto amarelado,
baço e artificial.
No Texto Reduzido, o candidato apresentou a seguinte série de palavras
para situar o fato: enorme edifício e catedral gótica.
TEXTO EXPANDIDO:
1º parágrafo:
88
catedral gótica: A comparação não é arbitrária. É possível encontrar hoje
literatura em que autores se recusam a empregar o termo “shopping center”
adotando, ao invés, “catedrais de consumo”.
catedrais de consumo: O ganho teórico implicado na adoção dessa
nomenclatura seria dar a entender uma espécie de sacralização do consumo
nos dias de hoje, o que consiste um tremendo desfavor à ideia de religiosidade.
No primeiro parágrafo do Texto Expandido, o candidato expandiu o
termo catedral gótica, citado no Texto Reduzido e fez novas expansões não
citadas co-textualmente no Texto Reduzido, mas introduzidas no discurso pela
descrição do texto imagético da propaganda comparando-o a uma catedral, no
caso de consumo.
2º parágrafo:
enorme edifício: O viés arquitetônico, fugindo da mania de culpar a religião
por tudo, é, no entanto, bastante interessante.
catedral gótica : Assim como as catedrais góticas o “shopping center” se
configura como um edifício fechado, amplo e iluminado, que diminui o
indivíduo e engradece as práticas ali realizadas (nenhuma das duas
construções tem o homem como escala)
No segundo parágrafo do Texto Expandido, o candidato expandiu os
termos enorme edifício e catedral gótica, ambos citados no Texto Reduzido.
Apresenta a expressão edifício fechado, que será expandida adiante.
3º parágrafo:
edifício fechado: Talvez pareça despropositado, mas o desenvolvimento do
consumismo rumo ao que temos hoje está bastante relacionado com o
surgimento de determinados tipos de edifícios e algumas alterações no espaço
urbano.
(exemplificação): O Flanêur foi a personagem símbolo da modernidade,
flanando pelas ruas recém-ampliadas de Paris, observando toda a nova
89
dinâmica da cidade. Essa personagem parisiense do século XIX encontra sua
morte, como nos mostra Marshall Berman, justamente nas galerias, quando
estas se transformam em grandes magazines.
No terceiro parágrafo do Texto Expandido, o candidato expandiu o termo
edifício fechado. Trata-se de uma nova expansão não citada no Texto
Reduzido. Apresenta como reforço o escritor e filósofo de tendência marxista
Marshall Berman.
4º parágrafo:
catedrais de consumo: A existência de Flanêur hoje estaria restrita a observar
vitrines em uma das tais “catedrais de consumo”, uma vez que não existem
experiências possíveis fora delas. O mais assustador é o mundo, enquanto
universo de possibilidades, ter se transformado em algo estritamente
consumível, mas o quanto essa nova dinâmica afeta o comportamento das
nossas cidades.
No quarto parágrafo do Texto Expandido, o candidato expande,
novamente, o termo catedrais de consumo e relaciona-o com Flâneur, termo
que vem do francês e tem o significado de "vagabundo", "vadio", "preguiçoso",
que, por sua vez, vem do verbo francês flâner, que significa "para passear” ou
seja, não há como “passear” fora dos shoppings centers.
CONCLUSÃO (TESE):
Os espaços onde o consumo acontece de maneira acirrada tem somente
qualidades nocivas: o alheamento, em um espaço fechado, em relação ao
tempo “natural” e ao restante da cidade, essa alienação com a qual as pessoas
consentem ao entrar em um shopping center e que cada uma das
características da construção tem como principal objetivo agravar.
TESE: O mais assustador no anúncio que mostra os seis pavimentos de um
shopping é sem dúvida o texto que insinua que aquilo tudo é o melhor que o
mundo tem a oferecer.
90
Na conclusão, o candidato cita espaço fechado, já expandido no Texto
Expandido e enorme edifício (características da construção), já mencionado
no Texto Reduzido.
Sendo assim, o candidato expandiu as suas palavras atualizadas no seu
Texto Reduzido e fez novas expansões a partir do Texto Expandido.
Relacionou a Tese/ Conclusão com as palavras citadas no Texto Reduzido.
A expansão do texto analisado foi realizada da seguinte forma:
- durante toda a expansão houve a manutenção temática << os shoppings
centers são comparados a catedrais de consumo, demonstrando a
sacralização do consumo e o viés arquitetônico dos shoppings centers
engrandece as práticas consumistas realizadas no local.>>
- o texto é expandido com a progressão semântica, ou seja, embora haja a
manutenção temática ocorre a progressão semântica pela construção dos
argumentos de legitimidade e de reforço.
O candidato utilizou a estratégia argumentativa de sequenciar Texto
Reduzido> Texto Expandido > Nova redução (catedrais de consumo, edifício
fechado, utilizado no Texto Expandido) > Nova Expansão (no próprio Texto
Expandido) para fazer com que seu auditório aceite a tese proposta.
Adotou na organização composicional a sequência explicativa ou o
gênero dissertativo de uma tese. Além disso, utilizou a norma de padrão
gramatical para se expressar.
Dessa forma, esse texto apresenta uma boa formação e atende
totalmente aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema,
estrutura e expressão.
91
Resultados parciais
No que se refere ao esquema textual: as três análises realizadas
anteriormente representam modelos de textos dissertativos que selecionaram a
sequência explicativa na sua organização composicional. Apresentaram uma
tese e esta foi explicitada na conclusão. A estratégia argumentativa adotada foi
sequenciar Texto Reduzido > Texto Expandido > Tese/Conclusão.
No que se refere à construção opinativa : os três textos assumiram
pontos de vista opositivos ao ponto de vista da proposta da Fuvest. No entanto,
apresentaram tematizações diferentes, pois recategorizaram os objetos-do-
discurso do texto reduzido proposto pela Fuvest:
Texto 1: o shopping center com a globalização dos produtos é nocivo, pois
ocasiona com o consumismo a perda financeira para as pessoas;
Texto 2: a propaganda é um instrumento de manipulação social que impõe
valores e determina regras que devem ser obedecidas por toda a sociedade;
Texto 3: o shopping center é comparado a uma catedral gótica, pois aquele
sacraliza o consumo e o viés arquitetônico da construção das catedrais de
consumo corroboram para as práticas consumistas ali realizadas.
No que se refere à referenciação: Os três textos apresentaram uma
série de palavras para situar seu ponto de vista no Texto Reduzido. Esses
vocábulos foram expandidos no Texto Expandido e novas palavras foram
expandidas a partir do Texto Expandido. Os textos mantiveram a manutenção
temática e progrediram semanticamente.
92
4.4.4 Texto 4: Apenas uma contestação (Texto 7 do Anexo)
A infinidade de relações sociais que caracterizam o mundo do século
XXI seria excelente meio de intercâmbio entre diversas mentalidades,
concepções de vida e culturas. Contudo, verifica-se o oposto: a massificação
de comportamentos e de opiniões.
A sociedade está se degradando com a imposição de um Império do
Consumo por um fantasma capitalista e as pessoas estão sendo reduzidas a
meros objetos, que, como tais, podem ser facilmente descartadas com um
piparote. A riqueza e a complexidade emocional de cada indivíduo sublimaram.
E o que surge do lugar da antiga diversidade humana é um exército de
transfigurados.
F.kafka não poderia ser mais contemporâneo: o homem está literalmente
tornando-se um repugnante inseto, alienado do contexto histórico-político ao
qual está inserido e preocupado de maneira assustadora com o trabalho, com o
lucro e com quantas horas de compras consegue arcar. Os valores que
supostamente cuidariam das interações humanas para estas serem morais e
éticas decretaram greve e o sentido da vida passou a ser explicado com uma
bela locução: cartão de crédito. Antes seguíssemos o pessimismo de
Schopenhauer e crêssemos que não há sentido algum.
Contudo, ainda que o mundo esteja enfrentando essa situação caótica,
há uma esperança (por sorte, Pandora não a deixou escapar): basta o homem
se conscientizar de que a felicidade não é comprável, de que não devemos
permutar nossa individualidade por um padrão social e de que satisfazer-se
através de uma “tarde de compras no shopping” é um indício de um intelecto
infantil, já que o consumo não traz nenhum avanço a ninguém.
Quando o homem, ao ver um anúncio com os dizeres “aproveite o
melhor que o mundo tem a oferecer com o cartão de crédito X”, conseguir
gargalhar com essa ironia ou rasgar a página da revista por considerar a
propaganda uma ofensa a sua capacidade intelectual, então o mundo terá
conquistado uma perspectiva real de evolução e talvez possamos aprender a
sermos felizes.
93
4.4.4.1 O esquema textual
O texto do candidato apresenta a sequência argumentativa na sua
organização composicional. É um texto dissertativo de duas teses e apresenta
em sua estrutura: Tese 1 > Contra-argumentos > Tese 2 > Argumentos. O
modelo de Silveira (2012) sequencia: Tese 1 > Contra-argumentos >
Argumentos > Tese 2.
Sendo assim, entendemos que o candidato não utilizou adequadamente
a sequência argumentativa. Entendemos que expor a tese antes de apresentar
os argumentos pode enfraquecer a argumentação, pois o auditório poderá
questionar a tese. Os argumentos antepostos à tese são uma estratégia
argumentativa para fazer com que o auditório aceite mais facilmente a tese 2 (a
proposta pelo candidato).
Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do candidato, podemos
construir a seguinte visualização:
Tese 1 Contra-
argumentos
Argumentos Tese 2
Há massificação
de
comportamentos
e de opiniões.
- degradação da
sociedade devido
ao Império do
Consumo
- pessoas são
reduzidas a
objetos e podem
ser descartadas
- não há mais
diversidade
humana, há
exército de
transfigurados
- argumento de
autoridade: F.
Kafka se torna
contemporâneo: o
homem torna-se
- conscientização
do homem que a
felicidade não é
comprável; o
consumo não traz
avanço.
- ainda há uma
esperança
(Pandora não
deixou escapar):
94
um inseto
- o sentido da
vida passou a
ser: cartão de
crédito
- era melhor
termos seguido o
pessimismo de
Schopenhauer e
crêssemos que
não há sentido
algum
4.4.4.2 A construção opinativa
O texto reduzido da proposta afirma:
Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão de
Crédito X.
O texto do candidato:
A tese 1 (opinião já formada pelo interlocutor): As relações sociais
propiciam a massificação de comportamentos e de opiniões.
A tese 2 (opinião do locutor): Há uma esperança.
Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de
vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o candidato recategorizou
os objetos-do-discurso:
Texto reduzido da Fuvest Tese 1 (opinião já formada pelo
interlocutor)
“o melhor que o mundo tem a
oferecer”
massificação de comportamentos e
opiniões
95
Nesse sentido, o candidato aproximou o texto reduzido da proposta da
Fuvest à tese 1, a opinião já formada pelo interlocutor. Há uma opinião
opositiva em relação à opinião expressa na proposta da Fuvest. Dessa forma,
há uma mudança de ponto de vista, pois a tese 1 é vista com valor negativo,
portanto deve ser abandonada.
Todas as vezes que ocorre mudança de ponto de vista ocorre também a
mudança do tema:
- proposta da Fuvest: o cartão de crédito pode proporcionar o melhor que o
mundo tem a oferecer;
- proposta do candidato: As relações sociais podem massificar os
comportamentos e opiniões, mas há uma esperança, basta a conscientização
do homem de que a felicidade não é comprável.
No texto multimodal da proposta, a cor ouro e a imagem do interior de
um shopping por andares são sintetizadas nas palavras: Aproveite o melhor
que o mundo tem o oferecer com o Cartão de Crédito X.
Na proposta do candidato, por haver oposição com a felicidade
comprável, houve a mudança para palavras que sintetizam a leitura feita por
ele: “massificação de comportamentos e opiniões”
O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza
produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:
- relexicaliza palavras do texto base;
- aproxima o texto base da tese 1, a ser abandonada;
- seleciona, na sua tese 1, algumas palavras que serão expandidas a fim
construir seus argumentos, mantendo a manutenção temática e insere outras
que também serão expandidas.
4.4.4.3 A referenciação
Abaixo, o texto foi reescrito e dividido novamente em Tese 1 > Contra-
argumentos > Tese 2 > Argumentos.
96
As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras, conforme
descrito nos Procedimentos Analíticos.
Apenas uma contestação
TESE 1:
A infinidade de relações sociais que caracterizam o mundo do século XXI seria
excelente meio de intercâmbio entre diversas mentalidades, concepções de
vida e culturas. Contudo, verifica-se o oposto: a massificação de
comportamentos e de opiniões.
A categoria Tese 1 reúne palavras e frases do texto que representam “o
saber” atribuído ao auditório. Sendo assim, é tomado como marco de cognição
social: a massificação de comportamentos e de opiniões.
CONTRA-ARGUMENTOS:
1º parágrafo:
massificação: A sociedade está se degradando com a imposição de um
Império do Consumo por um fantasma capitalista e as pessoas estão sendo
reduzidas a meros objetos, que, como tais, podem ser facilmente descartadas
com um piparote. A riqueza e a complexidade emocional de cada indivíduo
sublimaram. E o que surge do lugar da antiga diversidade humana é um
exército de transfigurados.
No primeiro parágrafo da categoria Contra-argumentos, o candidato
expande o termo massificação citado na Tese 1.
2º parágrafo:
exército de transfigurados: F.kafka não poderia ser mais contemporâneo: o
homem está literalmente tornando-se um repugnante inseto, alienado do
contexto histórico-político ao qual está inserido e preocupado de maneira
assustadora com o trabalho, com o lucro e com quantas horas de compras
97
consegue arcar. Os valores que supostamente cuidariam das interações
humanas para estas serem morais e éticas decretaram greve e o sentido da
vida passou a ser explicado com uma bela locução: cartão de crédito. Antes
seguíssemos o pessimismo de Schopenhauer e crêssemos que não há sentido
algum.
No segundo parágrafo da categoria Contra-argumentos, o candidato
utiliza como argumento de autoridade Kafka e expande o termo exército de
transfigurados citado no parágrafo anterior.
TESE 2:
Contudo, ainda que o mundo esteja enfrentando essa situação caótica, há uma
esperança (por sorte, Pandora não a deixou escapar):
Na metade do texto, o candidato apresenta a Tese 2. A categoria Tese
2 é proposta como o “saber novo” comunicado pelo candidato, resultado de
uma insatisfação em relação ao “saber” atribuído ao auditório. Portanto o
auditório não tem conhecimento de que há uma esperança para o que fora
apresentado na Tese 1.
ARGUMENTOS:
basta o homem se conscientizar de que a felicidade não é comprável, de que
não devemos permutar nossa individualidade por um padrão social e de que
satisfazer-se através de uma “tarde de compras no shopping” é um indício de
um intelecto infantil, já que o consumo não traz nenhum avanço a ninguém.
Quando o homem, ao ver um anúncio com os dizeres “aproveite o melhor
que o mundo tem a oferecer com o cartão de crédito X”, conseguir
gargalhar com essa ironia ou rasgar a página da revista por considerar a
propaganda uma ofensa a sua capacidade intelectual, então o mundo terá
conquistado uma perspectiva real de evolução e talvez possamos
aprender a sermos felizes.
98
Na categoria Argumentos, o candidato apresenta as justificativas para
que o auditório abandone a Tese 1 e aceite a Tese 2 proposta por ele. Afinal, a
Tese 2 concretizar-se-á caso o homem mude sua postura.
Identificado pelas cores, vemos, ao final, um confronto entre a Tese 1 e
a Tese 2.
Sendo assim, o candidato utilizou a estratégia argumentativa de
sequenciar Tese 1 > Contra-argumentos > Tese 2 > Argumentos. Fez também
expansões e utilizou argumentos de autoridade.
Adotou, na organização composicional, a sequência argumentativa ou o
gênero dissertativo de duas teses. Além disso, utilizou a norma de padrão de
gramatical para se expressar.
Portanto, esse texto apresenta uma boa formação e atende parcialmente
aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema, estrutura e
expressão, uma vez que o item “estrutura” não está de acordo com a
sequência proposta por Silveira (2012).
4.4.5 Texto 5: Consumismo e felicidade (Texto 13 do Anexo)
O mundo vive uma época de consumismo e individualismo cada vez
mais exacerbados. Os homens são constantemente incentivados a produzir
mais para que possam ganhar mais e, consequentemente, consumir mais.
Apregoa-se essa ideia de que quanto maior o sucesso financeiro do indivíduo e
maior a quantidade de bens e serviços que este possa adquirir, mais próximo
ele estará da felicidade. Mas será que isso é verdade? Ou melhor, será que é
toda a verdade?
A florescência de “shoppings centers” cada vez mais opulentos e
destinados às camadas mais ricas da população faz parecer que a realidade
desta sociedade de consumo seja uma experiência muito bem sucedida e que
responda plenamente a um dos supostos anseios mais primevos (sic) do ser
humano: o ter para ser.
99
A facilidade da obtenção de financiamento e crédito junto a instituições
bancárias e a procura cada vez maior da população por estes recursos
parecem sinalizar na mesma direção.
Na contramão desta realidade, porém, diversos pesquisadores e
ativistas sociais e ambientais sinalizam que seriam necessárias várias “Terras”
para suprir esta ânsia consumista desenfreada caso a totalidade da população
global tivesse a mesma taxa de produção e consumo dos países mais ricos.
Isto mostra que se todos os cidadãos do planeta assumissem esta mesma
postura dos “mais bem sucedidos” a Terra se tornaria um lugar insustentável,
para todos.
Enganamo-nos se pensamos que esta crítica à posse desmedida seja
exclusividade da sociedade contemporânea. Já no século XVIII, o filósofo
francês Rousseau aludia ao fato de que nenhum homem fez tanto mal à
humanidade quanto aquele que pela primeira vez cercou suas terras e as
declarou como propriedade sua. A diferença é que o planeta nunca teve uma
população tão grande como a atual e este desejo de possuir é
exponencializado cotidianamente. Vivenciamos uma quantidade crescente de
bens de consumo e serviços “imprescindíveis” que, até ontem, nem existiam.
Faz-se necessário, então, que a sociedade global repense seus valores
e assuma um modelo de produção e consumo mais humanizado e responsável
e que seja capaz de abranger a totalidade da população mundial de forma
sustentável, afinal, todos os indivíduos devem ter direito ao acesso aos
mesmos bens, à mesma dignidade e à mesma felicidade. Somente assim cada
indivíduo poderá desfrutar do melhor que o mundo tem a oferecer, de maneira
mais comedida, coletiva e verdadeira.
4.4.5.1 O esquema textual
O texto do candidato apresenta a sequência argumentativa na sua
organização composicional. É um texto dissertativo de duas teses e apresenta
em sua estrutura: Tese 1 > Contra-argumentos > Argumentos > Tese 2, como
estratégia argumentativa. Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do
candidato, podemos construir a seguinte visualização:
100
Tese 1 Contra-
argumentos
Argumentos Tese 2
- quanto maior o
sucesso
financeiro do
indivíduo e maior
a quantidade de
bens e serviços
que este possa
adquirir, mais
próximo ele
estará da
felicidade.
- os shoppings
fazem parecer
que o consumo é
bem sucedido
- faz o homem ter
para ser
- a facilidade para
obter
financiamento e a
procura por este
serviço sinalizam
na mesma
direção
- pesquisadores
sinalizam que
várias Terras
seriam
necessárias para
suprir a ânsia
consumista
- argumento de
autoridade:
Rosseau – o
homem fez mal à
sociedade
quando cercou
suas terras e as
declarou sua
- a sociedade
global deve
repensar seus
valores e assumir
um modelo de
produção e
consumo mais
humanizado e
responsável e
que seja capaz
de abranger a
totalidade da
população
mundial de forma
sustentável.
4.4.5.2 A construção opinativa
O texto reduzido da proposta afirma:
Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão de
Crédito X.
O texto do candidato:
Tese 1: Quanto maior o sucesso financeiro do indivíduo e maior a
quantidade de bens e serviços que este possa adquirir, mais próximo ele
estará da felicidade;
Tese 2: A sociedade global deve repensar seus valores e assumir
um modelo de produção e consumo mais humanizado.
101
Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de
vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o candidato recategorizou
os objetos-do-discurso:
Texto reduzido da Fuvest Tese 1 (opinião já formada pelo
interlocutor)
o melhor maior o sucesso financeiro do
indivíduo
o mundo tem a oferecer a quantidade de bens e serviços
que este [o indivíduo] possa adquirir
com o Cartão de Crédito X mais próximo ele [o indivíduo] estará
da felicidade
Nesse sentido, o candidato aproxima o texto reduzido da proposta da
Fuvest à Tese 1. A seguir propõe o abandono dessa tese e apresenta uma
nova tese a fim de que o auditório aquiesça a ela. Há uma opinião opositiva em
relação à opinião expressa na proposta.
Como ocorreu a mudança do ponto de vista, ocorreu também a
mudança do tema:
- proposta da Fuvest: A felicidade está em consumir bens materiais;
- proposta do candidato: A busca desenfreada pela “felicidade” deve ser
repensada para que se assuma um modelo de produção e consumo mais
humanizado e responsável.
No texto multimodal da proposta, a cor ouro e a imagem do interior de
um shopping por andares é sintetizada nas palavras: Aproveite o melhor que o
mundo tem a oferecer com o cartão de crédito X.
102
No texto do candidato, por haver oposição com a busca desenfreada
pela felicidade, houve a mudança para palavras que sintetizam a leitura feita
por ele: “sucesso financeiro”, “quantidade de bens” e “felicidade”.
O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza
produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:
- relexicaliza palavras do texto base;
- aproxima o texto base da tese 1, a ser abandonada;
- seleciona, na sua tese 1, algumas palavras que serão expandidas a fim
construir seus argumentos, mantendo a manutenção temática e inserindo
outras que também serão expandidas.
4.4.5.3 A referenciação
Abaixo o texto foi reescrito e dividido novamente em Tese 1 > Contra-
argumentos > Argumentos > Tese 2.
As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras do texto,
conforme descrito nos Procedimentos Analíticos.
Consumismo e felicidade
TESE 1:
O mundo vive uma época de consumismo e individualismo cada vez mais
exacerbados. Os homens são constantemente incentivados a produzir mais
para que possam ganhar mais e, consequentemente, consumir mais. Apregoa-
se essa ideia de que quanto maior o sucesso financeiro do indivíduo e
maior a quantidade de bens e serviços que este possa adquirir, mais
próximo ele estará da felicidade. Mas será que isso é verdade? Ou melhor,
será que é toda a verdade?
103
O candidato apresenta como Tese 1 - ou seja, o saber atribuído ao
auditório - o fato de que quanto maior o sucesso financeiro do indivíduo e
maior a quantidade de bens e serviços que este possa adquirir, mais
próximo ele estará da felicidade.
CONTRA-ARGUMENTOS:
1º parágrafo:
consumismo: A florescência de “shoppings centers” cada vez mais opulentos
e destinados às camadas mais ricas da população faz parecer que a realidade
desta sociedade de consumo seja uma experiência muito bem sucedida e que
responda plenamente a um dos supostos anseios mais primevos (sic) do ser
humano: o ter para ser.
a quantidade de bens: A facilidade da obtenção de financiamento e crédito
junto a instituições bancárias e a procura cada vez maior da população por
estes recursos parecem sinalizar na mesma direção.
Na categoria Contra-argumentos, no primeiro parágrafo, o candidato
expande o termo consumismo e a expressão a quantidade de bens citados
no parágrafo introdutório. Este último também se relaciona com o ter, termo
anterior.
ARRGUMENTOS:
2º parágrafo:
Na contramão desta realidade, porém, diversos pesquisadores e ativistas
sociais e ambientais sinalizam que seriam necessárias várias “Terras” para
suprir esta ânsia consumista desenfreada caso a totalidade da população
global tivesse a mesma taxa de produção e consumo dos países mais ricos.
Isto mostra que se todos os cidadãos do planeta assumissem esta mesma
postura dos “mais bem sucedidos” a Terra se tornaria um lugar insustentável,
para todos.
Na categoria Argumentos, o candidato convida o auditório a ir
abandonando a Tese 1, apresentando seus argumentos antes de evidenciar a
104
Tese 2. Apresenta os termos ânsia consumista desenfreada e taxa de
produção e consumo, que serão expandidos adiante.
3º parágrafo:
ânsia consumista desenfreada : Enganamo-nos se pensamos que esta
crítica à posse desmedida seja exclusividade da sociedade contemporânea. Já
no século XVIII, o filósofo francês Rousseau aludia ao fato de que nenhum
homem fez tanto mal à humanidade quanto aquele que pela primeira vez
cercou suas terras e as declarou como propriedade sua. A diferença é que o
planeta nunca teve uma população tão grande como a atual e este desejo de
possuir é exponencializado cotidianamente.
taxa de produção e consumo: Vivenciamos uma quantidade crescente de
bens de consumo e serviços “imprescindíveis” que, até ontem, nem existiam.
Neste parágrafo, o candidato apresenta mais argumentos a favor da
Tese 2, expandindo os termos ânsia consumista desenfreada e taxa de
produção e consumo.
TESE 2:
Faz-se necessário, então, que a sociedade global repense seus valores e
assuma um modelo de produção e consumo mais humanizado e
responsável e que seja capaz de abranger a totalidade da população mundial
de forma sustentável, afinal, todos os indivíduos devem ter direito ao acesso
aos mesmos bens, à mesma dignidade e à mesma felicidade. Somente assim
cada indivíduo poderá desfrutar do melhor que o mundo tem a oferecer, de
maneira mais comedida, coletiva e verdadeira.
No último parágrafo, o candidato apresenta a Tese 2: Faz-se
necessário, então, que a sociedade global repense seus valores e assuma
um modelo de produção e consumo mais humanizado e responsável.
Sendo assim, o candidato utilizou a estratégia argumentativa de
sequenciar Tese 1 > Contra-argumentos > Argumentos > Tese 2. Selecionou
algumas palavras e expandiu-as no decorrer do texto e utilizou argumentos de
autoridade.
105
Adotou, na organização composicional, a sequência argumentativa ou o
gênero dissertativo de duas teses. Além disso, utilizou a norma de padrão de
gramatical para se expressar.
Sendo assim, esse texto apresenta uma boa formação e atende
totalmente aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema,
estrutura e expressão.
4.4.6 Texto 6: Do consumo (Texto 19 do Anexo)
Dado que os anúncios publicitários têm o objetivo de atingir determinado
público para difundir determinada ideia, é fato que ela reflete os valores desse
mesmo público e do tempo em que foi produzido. Nesse sentido, se mudam os
valores, muda o anúncio: se antes chaminés expelindo fumaça eram
propaganda do progresso, são hoje o contrário devido à preocupação
ambiental a que a opinião pública tem aderido. Desse modo, um anúncio que
associa “o melhor que o mundo tem a oferecer” a um shopping center não é
menor indicativo de que o consumo é, hoje, parte central do modo de vida
urbano, fundamental no que se entende por lazer e, muitas vezes, o objetivo do
cidadão comum.
Não é, pois, à toa que o “melhor que o mundo tem a oferecer” não seja
um laço afetivo forte com outra pessoa ou as maravilhas do mundo natural,
mas sim o consumo, já que, afinal, ele tem um valor social muito grande hoje
por ser um indicador de status social, associado a poder financeiro e, portanto,
a prestígio: o tipo de consumo que alguém pode sustentar é fundamental na
formação de sua identidade perante aos outros.
No entanto, se o incentivo ao consumo tem lógica no raciocínio
macroeconômico, no sentido de se acompanhar a oferta crescente de uma
sociedade industrial, transformá-lo em ideologia tem implicações muito maiores
na vida cotidiana do que a manutenção do funcionamento das engrenagens do
sistema: as relações interpessoais passam a seguir lógica do consumo e se
tornam mais líquidas, nos termos de Bauman, sendo mais frágeis e superficiais
já que, afinal, são agora muitas vezes mediadas por bens materiais. Nesse
106
sentido e ainda mais, o individualismo tende a crescer atrelado a esse
processo, provocando junto uma valorização excessiva do espaço privado em
detrimento do espaço público.
Surge, então, o shopping center como refúgio de lazer dentro desse
modo de vida. Afinal, ele oferece o que há de “melhor” nesse mundo do
consumismo: um espaço à parte do resto da cidade, repleto de lojas, exclusiva
para quem nele pode comprar. É, pois, símbolo tanto do poder financeiro dos
bancos, que oferecem cartões de crédito que facilitam o aproveitamento desse
“ melhor” que há, como também é símbolo de reificação das relações sociais e
de segregação econômica. A publicidade, enfim, pode vender em um anúncio o
que há de melhor em determinada visão de mundo, mas existem muitas outras,
e a do consumo pode muito bem não ser a melhor delas.
4.4.6.1 O esquema textual
O texto do candidato apresenta a sequência argumentativa na sua
organização composicional. É um texto dissertativo de duas teses e apresenta
em sua estrutura: Tese 1 > Contra-argumentos > Argumentos > Tese 2, como
estratégia argumentativa. Aplicando o modelo de Silveira (2012) à redação do
candidato, podemos construir a seguinte visualização:
Tese 1 Contra-
argumentos
Argumentos Tese 2
- o consumo é,
hoje, parte central
do modo de vida
urbano,
fundamental no
que se entende
por lazer e,
muitas vezes, o
- o consumo tem
valor social muito
grande por indicar
status e é
fundamental na
formação da
identidade
perante os outros
- transformar o
consumo em
ideologia tem
implicações: as
relações pessoais
se tornam
líquidas
(argumento de
- o consumo pode
muito bem não
ser a melhor
visão do mundo.
107
objetivo do
cidadão comum.
autoridade :
Bauman), o
individualismo se
destaca e há
valorização do
espaço privado
4.4.6.2 A construção opinativa
O texto reduzido da proposta afirma:
Aproveite o melhor que o mundo tem a oferecer com o Cartão de
Crédito X.
O texto do candidato afirma:
Tese 1: o consumo é parte central do modo de vida urbano,
fundamental no que se entende por lazer e, muitas vezes, o objetivo do
cidadão comum;
Tese 2: o consumo pode muito bem não ser o que há de melhor
no mundo.
Confrontando o texto reduzido da proposta da Fuvest com o ponto de
vista novo assumido pelo candidato, verificamos que o candidato recategorizou
os objetos-do-discurso:
Texto reduzido da Fuvest Tese 1 (opinião já formada pelo
interlocutor)
o melhor que o mundo tem a oferecer o shopping center
com o Cartão de Crédito X consumo
108
Nesse sentido, o candidato aproximou a Tese 1 ao saber atribuído ao
auditório. Há uma opinião opositiva em relação à opinião expressa na proposta
da Fuvest. Como ocorreu uma mudança de ponto de vista, houve também
mudança de tema:
- proposta da Fuvest: o melhor que há no mundo é consumir em um shopping
bens materiais e utilizar o cartão de crédito como forma de pagamento;
- proposta do candidato: o consumo é o principal objetivo do cidadão comum,
mas este objetivo não é o único e pode não ser o melhor [objetivo] do mundo.
No texto multimodal da proposta, a cor ouro e a imagem do interior de
um shopping por andares são sintetizadas nas palavras: Aproveite o melhor
que o mundo tem a oferecer com o Cartão de Crédito X.
No texto do candidato, por haver oposição com aquilo que seria a melhor
coisa do mundo, houve a mudança para palavras que sintetizam a leitura feita
por ele: “shopping center” e “consumo”.
O candidato, após a leitura do texto multimodal, ressemantiza
produzindo uma nova opinião. Para tanto, utiliza os seguintes procedimentos:
- relexicaliza palavras do texto base;
- aproxima o texto base da tese 1, a ser abandonada;
- seleciona na sua tese 1 algumas palavras que serão expandidas a fim
construir seus argumentos, mantendo a manutenção temática e insere outras
que também serão expandidas.
4.4.6.3 A referenciação
Abaixo, o texto foi reescrito e dividido novamente em Tese 1 > Contra-
argumentos > Argumentos > Tese 2.
As cores servem para visualizarmos a expansão das palavras do texto,
conforme descrito nos Procedimentos Analíticos.
109
Do consumo
TESE 1:
Dado que os anúncios publicitários têm o objetivo de atingir determinado
público para difundir determinada ideia, é fato que ela reflete os valores desse
mesmo público e do tempo em que foi produzido. Nesse sentido, se mudam os
valores, muda o anúncio: se antes chaminés expelindo fumaça eram
propaganda do progresso, são hoje o contrário devido à preocupação
ambiental a que a opinião pública tem aderido. Desse modo, um anúncio que
associa “o melhor que o mundo tem a oferecer” a um shopping center não
é menor indicativo de que o consumo é, hoje, parte central do modo de vida
urbano, fundamental no que se entende por lazer e, muitas vezes, o
objetivo do cidadão comum.
O candidato apresenta como Tese 1 que o consumo é, hoje, parte
central do modo de vida urbano, fundamental no que se entende por lazer
e, muitas vezes, o objetivo do cidadão comum.
No parágrafo que introduz essa tese, o estudante apresenta uma análise
sobre o que as propagandas projetam: os valores do homem. Essa já seria
uma forma de apresentar contra-argumentos antes de evidenciar a Tese 1, o
“saber” atribuído ao auditório.
CONTRA-ARGUMENTOS:
“o melhor que o mundo tem a oferecer” : Não é, pois, à toa que o “melhor
que o mundo tem a oferecer” não seja um laço afetivo forte com outra pessoa
ou as maravilhas do mundo natural, mas sim o consumo, já que, afinal, ele tem
um valor social muito grande hoje por ser um indicador de status social,
associado a poder financeiro e, portanto, a prestígio: o tipo de consumo que
alguém pode sustentar é fundamental na formação de sua identidade perante
aos outros.
Na categoria Contra-argumentos, o candidato expande o termo “o
melhor que o mundo tem a oferecer”, citado no parágrafo introdutório da
Tese 1 e enfatiza que esse seja o consumo.
110
ARGUMENTOS:
No entanto, se o incentivo ao consumo tem lógica no raciocínio
macroeconômico, no sentido de se acompanhar a oferta crescente de uma
sociedade industrial, transformá-lo em ideologia tem implicações muito
maiores na vida cotidiana do que a manutenção do funcionamento das
engrenagens do sistema: as relações interpessoais passam a seguir lógica
do consumo e se tornam mais líquidas, nos termos de Bauman, sendo mais
frágeis e superficiais já que, afinal, são agora muitas vezes mediadas por bens
materiais. Nesse sentido e ainda mais, o individualismo tende a crescer
atrelado a esse processo, provocando junto uma valorização excessiva do
espaço privado em detrimento do espaço público.
Para apresentar os argumentos a favor da Tese 2, a ser apresentada, o
estudante eviencia as consequências dessa manutenção constante do
incentivo ao consumo: as relações interpessoais se tornam líquidas (Bauman
é citado como reforço) e o individualismo imperará.
ARGUMENTOS:
espaço privado : Surge, então, o shopping center como refúgio de lazer
dentro desse modo de vida. Afinal, ele oferece o que há de “melhor” nesse
mundo do consumismo: um espaço à parte do resto da cidade, repleto de lojas,
exclusiva para quem nele pode comprar. É, pois, símbolo tanto do poder
financeiro dos bancos, que oferecem cartões de crédito que facilitam o
aproveitamento desse “ melhor” que há, como também é símbolo de reificação
das relações sociais e de segregação econômica.
Reforçando os argumentos já apresentados, o candidato expande o
termo espaço privado, citado no parágrafo anterior e relaciona-o a shopping
center, citado no parágrafo introdutório da Tese 1.
111
TESE 2:
A publicidade, enfim, pode vender em um anúncio o que há de melhor em
determinada visão de mundo, mas existem muitas outras, e a do consumo
pode muito bem não ser a melhor delas.
Por fim, a Tese 2 aparece: o consumo pode muito bem não ser a
melhor visão do mundo.
Sendo assim, o candidato utilizou a estratégia argumentativa de
sequenciar Tese 1 > Contra-argumentos > Argumentos > Tese 2. Selecionou
algumas palavras e expandiu-as no decorrer do texto e utilizou argumentos de
autoridade.
Adotou, na organização composicional, a sequência argumentativa ou o
gênero dissertativo de duas teses. Além disso, utilizou a norma de padrão
gramatical para se expressar.
Portanto, esse texto apresenta uma boa formação e atende totalmente
aos itens avaliados pela Fuvest: tipo de texto, abordagem do tema, estrutura e
expressão.
112
Resultados parciais
No que se refere ao esquema textual: as três análises realizadas
anteriormente representam modelos de textos dissertativos que selecionaram a
sequência argumentativa na sua organização composicional. Apresentaram
duas teses. A primeira se refere ao “saber” atribuído ao auditório e esta tese foi
aproximada ao texto reduzido da proposta da Fuvest. A segunda tese se refere
ao “saber novo” que será proposto pelo candidato. Ou seja, o auditório deve
abandonar a tese 1 e as ideias veiculas pela proposta da Fuvest e aquiescer à
tese 2, a proposta pelo candidato. A estratégia argumentativa adotada foi
sequenciar Tese 1 > Contra-argumentos > Argumentos > Tese 2 (Silveira,
2012). Apenas o texto 4 apresentou outra estratégia: Tese 1 > Contra-
argumentos > Tese 2 > Argumentos. Entendemos que a estratégia adotada
pelo candidato não é tão eficiente quanto à proposta por Silveira (2012): expor
a tese antecedendo a justificativa enfraquece a argumentação.
No que se refere à construção opinativa: Os três textos assumiram pontos
de vista opositivos ao ponto de vista da proposta da Fuvest. No entanto,
apresentaram tematizações diferentes, pois recategorizaram os objetos-do-
discurso do texto reduzido proposto pela Fuvest:
Texto 4: As relações sociais acabam massificando os comportamentos e
opiniões, por isso é necessário o homem se conscientizar de que a felicidade
não é comprável;
Texto 5: A felicidade reside na quantidade de bens e serviços que um indivíduo
possa adquirir causando, assim, prejuízos para o meio ambiente, no entanto a
sociedade necessita repensar esses valores e assumir um modelo de produção
e consumo mais humanizado;
Texto 6: O consumo é, hoje, parte central do modo de vida do cidadão, porém
esta é apenas uma visão, pois existem muitas outras e a do consumo pode não
ser a melhor.
113
No que se refere à referenciação: Os três textos expandiram termos citados
na categoria Tese 1. Apresentaram novos termos que também foram
expandidos nas categorias Contra-argumentos e Argumentos a fim de chegar à
Tese 2.
114
Considerações Finais
No término desta dissertação, revemos o objetivo geral, que orientou a
pesquisa realizada:
- contribuir com professores e alunos na situação de preparação
para prestar o vestibular, com resultados que possam oferecer
orientações a respeito da produção de textos dissertativos.
Acreditamos que o objetivo geral foi atingido, pois os resultados
apresentados aqui mostram a inadequação existente entre os conteúdos dos
manuais didáticos em relação aos critérios propostos pela Fuvest no Manual do
Candidato e a estrutura composicional das redações produzidas pelos
vestibulandos, consideradas textos bem formados pela Banca Corretora.
Alguns autores de manuais didáticos apresentam a seguinte estrutura
organizacional: tese (ou introdução) > argumentação (ou desenvolvimento) >
conclusão para elaborar um texto dissertativo. No entanto, vimos que essa
estrutura tão disseminada pelos manuais didáticos não atende aos critérios de
correção da Banca Corretora da Fuvest.
Sendo assim, enfatizamos a necessidade de reestruturação dos
manuais didáticos de maneira a tornar mais clara, objetiva, concisa, unânime e
adequada a estrutura do texto dissertativo. Dizemos unânime, pois Adam
(2011) enquadra o texto dissertativo como uma estrutura composicional fixa.
Essa inadequação precisa ser modificada a fim de que professores e
alunos tenham mais sucesso na produção textual desde o ensino fundamental,
passando pelo médio e chegando ao vestibular.
Revemos também os objetivos específicos e para atingirmos todos os
objetivos específicos propostos, analisamos os 27 textos que compõem o bloco
de “exemplos de redações consideradas de bom nível”, segundo a Banca
Corretora da Fuvest 2013:
1-) destacar as sequências textuais e suas incrustações no esquema
textual dos textos considerados modelo pela banca corretora da Fuvest;
No que se refere a esse objetivo, chegamos a duas estruturas
composicionais: os dissertativos de uma tese (ou que adotaram a sequência
115
explicativa) e o dissertativo de duas teses (ou que adotaram a sequência
argumentativa).
Em dados quantitativos, 3 textos foram organizados em torno da
sequência argumentativa e 24, organizados em torno da sequência explicativa.
Como exemplificação, apresentamos seis análises nesta pesquisa: 3 para
representar os dissertativos de uma tese e 3 para representar os dissertativos
de duas teses.
Entendemos que, para que um texto dissertativo seja considerado de
bom nível, não há a obrigatoriedade de que apareça uma contra-
argumentação. A sequência explicativa, que fora explorada pela maioria dos
textos, 24, talvez seja a preferência da Banca Corretora da Fuvest, de 2013.
2-) confrontar o ponto de vista projetado pelo texto reduzido proposto
pela Fuvest como ponto de partida para a produção das redações pelo
candidato com a projeção de um novo ponto de vista selecionado pelo
candidato tendo por parâmetro a compreensão do tema reduzido
proposto, ou seja, a estratégia utilizada para a construção opinativa;
No que se refere a esse objetivo, analisamos o anúncio e o texto
reduzido da proposta de redação. Por meio do confronto entre o texto reduzido
da proposta e o ponto de vista assumido pelos candidatos, observamos que
cada um recategorizou os objetos-do-discurso do texto reduzido da proposta, e
isso conferiu tematizações diferentes aos textos, logo progressões semânticas
também distintas.
Texto 1: o shopping center com a globalização dos produtos é nocivo, pois
ocasiona com o consumismo a perda financeira para as pessoas;
Texto 2: a propaganda é um instrumento de manipulação social que impõe
valores e determina regras que devem ser obedecidas por toda a sociedade;
Texto 3: o shopping center é comparado é a uma catedral gótica, pois aquele
sacraliza o consumo e o viés arquitetônico da construção das catedrais de
consumo corroboram para as práticas consumistas ali realizadas;
116
Texto 4: As relações sociais acabam massificando os comportamentos e
opiniões, por isso é necessário o homem se conscientizar de que a felicidade
não é comprável;
Texto 5: A felicidade reside na quantidade de bens e serviços que um indivíduo
possa adquirir causando, assim, prejuízos para o meio ambiente, no entanto a
sociedade necessita repensar esses valores e assumir um modelo de produção
e consumo mais humanizado;
Texto 6: O consumo é, hoje, parte central do modo de vida do cidadão, porém
esta é apenas uma visão, pois existem muitas outras e a do consumo pode não
ser a melhor.
3-) evidenciar a tematização e expansões por progressão semântica das
redações consideradas “bem escritas”, ou seja, a referenciação.
No que se refere a esse objetivo, os textos que adotaram a sequência
explicativa como estrutura organizacional (os de uma tese) apresentaram no
Texto Reduzido algumas palavras e/ou frases que foram expandidas no Texto
Expandido. Mas novas palavras e/ou frases foram introduzidas no Texto
Expandido e novas expansões também ocorreram.
Na verdade, nos demais textos que adotaram a sequência explicativa,
mas não expusemos sua análise nesta pesquisa, também ocorreram novas
expansões a partir do Texto Expandido. Sendo assim, um texto dissertativo de
uma tese pode conter novas expansões a partir do Texto Expandido, não
necessitando expandir apenas o que fora citado no Texto Reduzido. Todos
apresentaram a tese no último parágrafo e tal estratégia tornou os textos
altamente persuasivos. Expor a tese antecedendo a justificativa enfraquece a
persuasão, uma vez que o auditório poderia questionar a tese
antecipadamente.
Os textos que adotaram a sequência argumentativa como estrutura
organizacional (os de duas teses) apresentaram Tese 1> Contra-argumentos >
Argumentos > Tese 2. Apenas um deles, da totalidade de 3, sequenciou Tese 1
> Contra-argumentos > Tese 2 > Argumentos.
117
Como a Fuvest apresenta este enunciado antes da publicação dos 27
textos: “Exemplos de redações consideradas de bom nível pela Banca
Corretora por terem atendido, total ou parcialmente, os aspectos avaliados: tipo
de texto e abordagem do tema, estrutura e expressão”, entendemos que é
provável que alguns do textos publicados tenham alguns deslizes quanto a sua
estrutura organizacional ou manutenção temática. E exemplificamos com uma
amostra.
Os três textos analisados expandiram termos citados na categoria Tese
1 e apresentaram novos termos que também foram expandidos nas categorias
Contra-argumentos e Argumentos a fim de se chegar à Tese 2.
O gênero dissertativo é frequentemente solicitado por grande parte dos
principais vestibulares e as correções ainda são motivo de recurso (no caso,
dos vestibulares ou ENEM) ou discordância (no caso das instituições escolares
ou cursos preparatórios para o vestibular).
Não acreditamos, porém, que nossa pesquisa encerrará a discussão
sobre o tema. Achamos necessário investigar os interdiscursos presentes nas
dissertações. Nossa pesquisa tratou de como organizar textualmente o gênero
dissertativo, mas é necessário, ainda, investigar “o que dizer”, para dar conta
da construção de novos pontos de vista a serem projetados sobre um tema e
da organização textual-discursiva das opiniões.
118
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