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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO ECONÔMICO E SOCIOAMBIENTAL GILBERTO ALEXANDRE DE ABREU KALIL O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO E A TRIBUTAÇÃO: A EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA A SUA EFETIVIDADE CURITIBA 2016

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Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ … escola de direito programa de pÓs-graduaÇÃo em direito mestrado em direito econÔmico e socioambiental gilberto alexandre de abreu

   

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO ECONÔMICO E SOCIOAMBIENTAL

GILBERTO ALEXANDRE DE ABREU KALIL

O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO E A TRIBUTAÇÃO: A

EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA A SUA EFETIVIDADE

CURITIBA

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO ECONÔMICO E SOCIOAMBIENTAL

GILBERTO ALEXANDRE DE ABREU KALIL

O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO E A TRIBUTAÇÃO: A

EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA A SUA EFETIVIDADE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná na área de concentração Direito Econômico e Desenvolvimento e linha de pesquisa Estado, Economia e Desenvolvimento. Orientador: Prof. Dr. Oksandro Osdival Gonçalves

CURITIBA

2016

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Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central

               

                             

      Kalil, Gilberto Alexandre de Abreu K14d O direito fundamental social à educação e a tributação: a extrafiscalidade 2016 como mecanismo para a sua efetividade / Gilberto Alexandre de abreu Kalil; orientador, Oksandro Osdival Gonçalves. – 2016.   152 f. : il. ; 30 cm       Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná,   Curitiba, 2016   Bibliografia: f. 138-152       1. Direito à educação. 2. Direitos fundamentais. 3. Educação e Estado   4. Direito. I. Gonçalves, Oksandro Osdival. II. Pontifícia Universidade Católica   do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III.Título.     Doris 4. ed. –  340    

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GILBERTO ALEXANDRE DE ABREU KALIL

O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO E A TRIBUTAÇÃO: A

EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA A SUA EFETIVIDADE

Dissertação de conclusão de curso aprovada como requisito parcial à obtenção do

grau de Mestre em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito pela Pontifícia

Universidade Católica do Paraná.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

Prof. Dr. Oksandro Osdival Gonçalves

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

______________________________________

Prof. Dr. Daniel Wunder Hachem

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Universidade Federal do Paraná

______________________________________________

Prof. Dr. Paulo Antônio Caliendo Velloso da Silveira

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Curitiba, 16 de março de 2016.

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Para minha mãe Shirley e para minha tia Rosângela,

pelo amor e carinho que sempre me dedicaram.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado a saúde e a força necessárias nesses dois anos de muito

trabalho e dedicação, tanto na advocacia quanto no começo da minha jornada

acadêmica.

A minha mãe Shirley de Abreu pelo infinito amor que sempre me dedicou. Ao meu pai

José Gilberto Kalil, que tão cedo partiu, mas a tempo de ensinar lições para toda a

vida. A minha tia Rosângela Gonçalves de Abreu, pelo amor materno e por ter me

recebido em sua casa com tanto carinho durante a realização do mestrado. À Ana

Carolina, minha noiva, por todo amor e apoio incondicional desde o início do

mestrado.

Ao Prof. Dr. Oksandro Osdival Gonçalves, por ter me recebido como seu orientando,

por estar sempre disponível para o esclarecimento das inúmeras dúvidas e, mais do

que isso, por ser exemplo de dedicação e seriedade, que pretendo seguir na

construção da minha carreira acadêmica.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito Mestrado e Doutorado da

Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PPGD/PUCPR, em especial Daniel

Wunder Hachem, Luiz Alberto Blanchet, Luiz Alexandre Carta Winter, Carlos Frederico

Marés de Souza Filho, Heline Sivini Ferreira, José Querino Neto e Francisco Carlos

Duarte, com os quais tive a oportunidade de cursar os créditos necessários à

conclusão do mestrado. Ao Colegiado do PPGD/PUCPR e ao Prof. Dr. Marcus

Geandré Nakano Ramiro, coordenador do curso de Direito em Maringá/PR, que

permitiram a realização do estágio de docência no campus de Maringá/PR. Ao Prof.

Dr. Paulo Roberto Veroneze, pela supervisão durante o estágio de docência.

Ao meu sócio e amigo Samir Calil Miguel, por entender as inúmeras ausências e por

trabalhar dobrado para que eu pudesse concluir esta pesquisa. Ao amigo Tiago Freire,

pelo apoio durante a realização deste trabalho. Ao amigo Gustavo Alves, pela ajuda

com a formatação dos dados mencionados no último capítulo do presente trabalho.

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Aos amigos do mestrado, em especial Alcides Pinto, Bruna Alves, Vitor Borghi, Felipe

do Prado, Eloi Barreto, Joseliane Sonagli, Natália Dib, Suzana Rossetti, Carlos Dutra,

Carolina Motta e aos demais colegas que tive a oportunidade de conhecer.

À Secretaria do PPGD/PUCPR, na pessoa das secretárias Eva Curelo e Daiane

Kuster, bem como à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -

CAPES e à Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUC/PR pela isenção da taxa

de mensalidade.

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Se a educação sozinha não transforma a sociedade,

sem ela tampouco a sociedade muda.

(PAULO FREIRE)

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RESUMO

O direito à educação recebeu lugar de destaque na Constituição Federal de 1988. Além de ser enunciado como um direito de todos, foi elevado à categoria de direito fundamental social. Essa proteção constitucional reclama do Estado ações que visem promover a efetiva garantia do exercício desse direito pelos seus titulares em todos os seus desdobramentos, da educação básica ao ensino superior. Isso pode ser feito em colaboração com os agentes particulares, pois a Constituição Federal criou um sistema que conjuga a ação pública com a iniciativa privada. Para assegurar o direito à educação, o Estado pode utilizar as normas tributárias extrafiscais, aquelas concebidas sem a finalidade precípua de arrecadação, com objetivo de estimular os agentes econômicos privados a adotarem condutas que resultem na concretização do direito à educação. Nesse contexto, a presente pesquisa analisa quais os principais aspectos que decorrem da proteção constitucional outorgada aos direitos fundamentais sociais com especial ênfase ao direito à educação, bem como a função da tributação extrafiscal à luz dos valores, direitos e objetivos constitucionais e como ela pode colaborar na implementação do direito à educação. Com base nisso, investigou-se mais a fundo o Programa Universidade para Todos – Prouni, política pública instituída pelo governo federal no ano de 2005, que visa ampliar o acesso da população de baixa renda ao ensino superior, através da concessão de bolsas de estudo integrais e parciais pelas instituições de ensino superior privadas que, em contrapartida, são beneficiadas com a isenção de tributos federais. O resultado da pesquisa aponta para a possibilidade da utilização da tributação extrafiscal como instrumento capaz de aumentar o grau de efetividade do direito fundamental social à educação pela ampliação do acesso da população a esse bem.

Palavras-chave: Direito fundamental social à educação. Desenvolvimento. Tributação. Extrafiscalidade. Intervenção do Estado.

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ABSTRACT

The right to education received prominent place in the Federal Constitution of 1988. In addition to being stated as a right for all, was elevated to the rank of fundamental social right. This constitutional protection calls for the state actions for the effective guarantee of the exercise of this right by their holders in all its ramifications, from basic education to higher education. This can be done in collaboration with the private agents, because the Federal Constitution created a system that combines public action and private initiative. To ensure the right to education, the state can use the tax rules extrafiscal, those designed without the main purpose of storage, in order to stimulate private economic agents to adopt behaviors that result in the realization of the right to education. In this context, the present study mainly analyzes what the main issues arising from the constitutional protection afforded to fundamental social rights with special emphasis on the right to education and the role of extrafiscal taxation in the light of the values, rights and constitutional objectives and how it can collaborate in implementing the right to education. Based on this, it was investigated more fully the University for All Program - Prouni, public policy instituted by the federal government in 2005, which aims to increase the access of low-income to higher education by granting scholarships full and partial by private higher education institutions that are benefiting from the exemption of federal taxes in return. The result of the research points to the possibility of using extrafiscal taxation as an instrument to increase the degree of effectiveness of the fundamental social right to education by expanding the population's access to this right.

Keywords: Fundamental social right to education. Development. Taxation. Extrafiscality. State intervention.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AED Análise Econômica do Direito

ANADEP Associação Nacional dos Defensores Públicos

CF Constituição Federal

CIDE Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

CNPL Confederação Nacional de Profissionais Liberais

COFINS Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social

CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

CTN Código Tributário Nacional

Enade Exame Nacional de Desempenho de Estudantes

Enem Exame Nacional do Ensino Médio

FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICT Instituição Científica e Tecnológica

IGC Índice Geral de Cursos

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IRPJ Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas

ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

PIB Produto Interno Bruto

PIS Programa de Integração Social

PNE Plano Nacional da Educação

Promube Programa Municipal de Bolsas de Estudos

PRONIE Programa Nacional de Incentivo à Educação Escolar Básica Gratuita

Prouni Programa Universidade para Todos

Renavam Registro Nacional de Veículos Automotores

SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

STF Supremo Tribunal Federal

Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 12

2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1988 ......................................................................................................................... 15

2.1 A PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

DE 1988 ......................................................................................................................... 15

2.2 O REGIME JURÍDICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ..................................................................... 19

2.3 AS MÚLTIPLAS FUNÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ............ 23

2.4 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS .............................. 29

2.5 A DUPLA DIMENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ..................... 35

3 O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL DE 1988 ................................................................................................. 41

3.1 OS PRINCÍPIOS E OS DESDOBRAMENTOS DO DIREITO FUNDAMENTAL

SOCIAL À EDUCAÇÃO ........................................................................................... 41

3.2 O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA ....................................................................... 45

3.3 O DIREITO À EDUCAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ......................................... 50

3.4 O DIREITO À EDUCAÇÃO E A RESERVA DO POSSÍVEL ................................... 55

3.5 A IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO PELA VIA ADMINISTRATIVA

................................................................................................................................. 61

4 A EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA EFETIVAR O DIREITO À

EDUCAÇÃO ............................................................................................................ 68

4.1 A FUNÇÃO PROMOCIONAL DA TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL .......................... 68

4.2 OS CONTORNOS CONCEITUAIS DA EXTRAFISCALIDADE ............................... 74

4.3 A SOLIDARIEDADE NA TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL ........................................ 79

4.4 A TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE

CONTRIBUTIVA ...................................................................................................... 86

4.5 A TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL E O CONTROLE DE PROPORCIONALIDADE . 91

5 O PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS - PROUNI ................................. 97

5.1 PROUNI: O DELINEAMENTO DA POLÍTICA PÚBLICA ......................................... 97

5.2 PROUNI: A ISENÇÃO PARA SUPERAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL ........... 101

5.3 PROUNI: A AÇÃO AFIRMATIVA EXTRAFISCAL ................................................. 108

5.4 PROUNI: A MAXIMIZAÇÃO DO RESULTADO ..................................................... 115

5.5 PROUNI: A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES X A IGUALDADE DE

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POSIÇÕES ............................................................................................................ 126

6 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 134

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 138

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal (CF) de 1988 conferiu proteção a inúmeros direitos

fundamentais, dos clássicos direitos de liberdade aos mais recentes direitos difusos e

coletivos. Nela ganharam assento privilegiado os direitos fundamentais sociais como a

educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados.

Apesar disso, persiste uma realidade marcada pela desigualdade social e

econômica, que priva muitos brasileiros do acesso desses bens tão essenciais à

garantia de uma existência minimamente digna. Se já está superado o desafio inicial

de conferir proteção constitucional a um extenso catálogo de direitos fundamentais,

existe outro ainda maior e mais complexo para o Estado: concretizar todos esses

direitos, isto é, tornar possível o seu exercício por aqueles que titularizam a posição

jurídica tutelada.

A educação, objeto de estudo do presente trabalho, representa um dos

mais importantes fatores para o avanço de qualquer sociedade, pois permite aos

indivíduos o desenvolvimento de sua própria personalidade, além de estar

intimamente ligada ao desenvolvimento nacional, que não se limita apenas ao

crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em números absolutos.

Quando se trata da educação, embora as obrigações também sejam

compartilhadas com toda a sociedade e com a família (art. 205 da CF), o Estado

desempenha um importante papel na sua concretização, sobretudo porque grande

parcela da população não possui condições financeiras para pagar pelo acesso a esse

bem.1 Assim, a maior parte das posições jurídicas que decorrem do direito à educação

exige do Estado a concessão de prestações materiais necessárias ao seu exercício.

                                                                                                               1É o que ocorre com a educação básica. Segundo dados do Censo Escolar da Educação

Básica do ano de 2013, havia 190.706 estabelecimentos de educação básica no Brasil, nos quais estavam matriculados 50.042.448 alunos, sendo 41.432.416 (82,8%) em escolas públicas e 8.610.032 (17,2%) em escolas da rede privada. Além disso, naquele ano, as escolas municipais foram responsáveis por quase metade das matrículas (46,4%), o equivalente a 23.215.052 alunos, seguida pela rede estadual, que atendia 35,8% do total, com o total de 17.926.568 alunos, enquanto a rede federal respondia por 290.796 matrículas, participando com 0,6% do total. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo escolar da educação básica 2013: resumo técnico. Brasília: O Instituto, 2014, p. 12. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2013.pdf >. Acesso em: 20 jul. 2015.

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Para garantir o acesso à educação em seus diversos níveis, como o

ensino superior, o Estado pode atuar de várias formas. Pode valer-se, inclusive, das

normas tributárias, que além de necessárias para arrecadação de recursos

financeiros, podem funcionar como ferramentas capazes de estimular os agentes

econômicos a realizarem certas condutas desejáveis ou até desestimular aqueles

comportamentos contrários aos interesses do Estado, o que se conhece por função

extrafiscal dos tributos.

Nesse cenário, emerge a problemática central que se pretende investigar

no presente trabalho: quais deveres a Constituição Federal endereçou ao Estado no

que diz respeito ao direito à educação e em que medida a tributação extrafiscal pode

funcionar como mecanismo capaz de promover a concretização desse direito? Para

encontrar as respostas a essas indagações, dividiu-se o trabalho em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, a investigação residirá no estudo dos direitos

fundamentais sociais e nos desdobramentos jurídicos que decorrem da sua proteção

constitucional. É preciso verificar se há alguma característica peculiar a esses direitos

capaz de diferenciá-los dos demais direitos fundamentais consagrados na

Constituição Federal de 1988, em especial no que diz respeito ao seu regime jurídico,

à sua aplicabilidade imediata e efetividade e às múltiplas funções que decorrem da

sua proteção constitucional.

No segundo recorte, a finalidade é aprofundar o estudo específico do

direito à educação, concentrando-se a análise no tratamento dado a esse direito pela

Constituição Federal de 1988. Dentre outros aspectos, pretende-se investigar os

princípios e as diretrizes que devem nortear as atividades de ensino, os

desdobramentos do direito à educação, a relação da educação com o

desenvolvimento nacional e com a reserva do possível, bem como qual a melhor

forma para o Estado garantir a implementação desse direito.

No terceiro capítulo, a abordagem terá por foco a tributação extrafiscal

analisada a partir dos valores e objetivos do Estado Social e Democrático de Direito,

que foi instituído com a Constituição Federal de 1988. Serão investigados a função

promocional da tributação, o fundamento das normas tributárias extrafiscais, o critério

que diferencia os contribuintes na extrafiscalidade e os limites para a utilização desta

forma de tributar. Simultaneamente, serão analisados alguns casos da utilização da

tributação extrafiscal para efetivação do direito à educação.

O quarto e último capítulo terá por objetivo analisar se, na prática, a

utilização da tributação extrafiscal serve para implementar o direito à educação, bem

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como para maximizar o grau de efetividade desse direito. Para tanto, será analisado,

especificamente, o Programa Universidade para Todos (Prouni), instituído pelo

Governo Federal em 2005, que visa conceder bolsas de estudos, para alunos menos

favorecidos economicamente, em instituições privadas de ensino superior que, em

contrapartida, são beneficiadas com a isenção de tributos federais.

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2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1988

O escopo do presente capítulo reside na investigação dos direitos

fundamentais sociais a partir da Constituição federal de 1988 e dos principais

desdobramentos da proteção jurídica por ela outorgada a esses direitos.

2.1 A PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

DE 1988

O regime militar de exceção, imposto entre os anos de 1964-1985, ficou

marcado por uma atuação estatal repressiva e pela violação sistemática de direitos

fundamentais, muitas vezes promovida pelo próprio Estado. Com a redemocratização

do país, uma das principais reações àquelas circunstâncias residiu na promulgação da

Constituição Federal de 1988, que promoveu profundas mudanças políticas,

administrativas e jurídicas na estrutura estatal para possibilitar a instalação de um

Estado Democrático de Direito.

Edifica-se um novo Estado, fundado na proteção jurídica de um número

expressivo de direitos individuais e coletivos, marca estampada no início do texto

constitucional, que em seu art. 1o, elevou à categoria de princípios fundamentais da

República, dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Preocupado com a situação socioeconômica da nova sociedade, o

constituinte elegeu como objetivos da República a construção de uma sociedade livre,

justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das

desigualdades regionais, além da promoção do bem de todos sem qualquer forma de

discriminação (art. 3o da CF). Quando instituiu as bases da ordem econômica e

financeira (art. 170 da CF), a Constituição estabeleceu que ela é fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com objetivo de assegurar a todos

a existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Esses preceitos, embora dotados de elevado grau de generalidade,

constituem cânones para fornecer subsídios ao intérprete, porquanto apontam a

direção que deve seguir a ordem econômica.2 E, da sua interpretação conjunta, pode-

                                                                                                               2ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. Incentivos fiscais em tempos de crise: impactos econômicos

e reflexos financeiros. Revista da PGFN, v. 1, n. 1, p. 99-123, 2011, p. 102.

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se dizer que a Constituição consagrou uma economia de natureza capitalista,

norteada por valores de justiça social.3 Do mesmo modo, os fundamentos (art.1º da

CF) e os objetivos fundamentais da República (art.3º da CF) possuem caráter

obrigatório, constituem marcos do desenvolvimento do ordenamento jurídico e

apontam os fins perseguidos pelo Estado. Refletem, portanto, as opções ideológicas

sobre as finalidades sociais e econômicas do Estado, que impõem o dever de atuar

conforme o planejamento ditado pelo texto constitucional.4

Tais valores foram lançados no texto constitucional porque neles se

reconheceu um elevado grau de importância para o país que se esperava construir

após a instalação da nova ordem constitucional. Pelo mesmo motivo, no art. 5o, o

legislador constitucional destinou mais de 70 incisos para tratar dos direitos individuais

e coletivos, aos quais atribuiu a denominação de direitos e garantias fundamentais,

cuja aplicabilidade é imediata, nos termos do §1º do mencionado dispositivo,

característica que será melhor explorada ainda neste capítulo.

Com isso, deu-se início ao novo direito constitucional no Brasil, que tem

como um de seus marcos teóricos o reconhecimento de força normativa às

disposições constitucionais, que passaram a ostentar aplicabilidade direita e imediata.5

Isso significou um importante passo, pois a proteção dos direitos fundamentais exige

que, além do seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico, os direitos fundamentais

sejam concretizados, como também se verá ao longo deste capítulo.

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, essa força normativa de uma

Constituição “traduz-se na vinculação, como direito superior, de todos os órgãos e

titulares dos poderes públicos”.6 Isto é, a Constituição é o principal elemento do

universo jurídico, motivo pelo qual as normas nela veiculadas servem para estabelecer

as balizas que devem ser observadas em todas as esferas de poder do Estado, aí

compreendidas as ações dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Além dos direitos fundamentais mencionados em seu texto, a Constituição

não excluiu outros direitos decorrentes dos princípios por ela adotados, ou ainda dos

                                                                                                               3 GONÇALVES, Oksandro Osdival; RIBEIRO, Marcelo Miranda. Incentivos fiscais: uma

perspectiva da análise econômica do direito. Economic Analysis of Law Review, v. 4, n. 1, p. 79-102, 2013, p. 86.

4BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 105, 110.

5BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2009, p. 356-358.

6CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2001, p. 16.

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tratados internacionais de que o Brasil seja parte (art. 5o, § 2º, da CF). Revela-se,

nessa perspectiva, a concepção materialmente aberta dos direitos fundamentais, pois

existem direitos que, por seu conteúdo e substância, pertencem ao corpo fundamental

da Constituição, ainda que não estejam expressamente previstos em seu texto.7

Isso permite que a proteção dos direitos fundamentais acompanhe a

evolução da tutela desses direitos em âmbito internacional, pondo a salvo aquelas

posições jurídicas que estiverem em consonância com o texto constitucional. Reforça,

ainda, a estrutura protetiva engendrada pela Constituição Federal o art. 60, § 4º, inc.

IV, ao prever que as normas que instituem direitos e garantias individuais (direitos

fundamentais) constituem cláusulas pétreas, o que impede a elaboração de emendas

constitucionais objetivando aboli-las.

Essas cláusulas são necessárias “para a salvaguarda de determinados

valores fundamentais, que não podem ficar expostos nem mesmo à vontade das

maiorias qualificadas capazes de editarem alterações nas constituições”.8 Criou-se um

mecanismo de segurança para preservar o âmago da ordem constitucional, evitando

retrocessos como a instalação de um Estado autoritário nos moldes daquele que havia

sido superado com a redemocratização do país. Percebe-se, então, que os direitos

fundamentais ostentam um regime jurídico diferenciado, pois sua aplicabilidade é

imediata e são imutáveis pelo exercício do poder de revisão constitucional.

Na concepção de Robert Alexy, a fundamentalidade das normas

instituidoras de direitos fundamentais resulta da fundamentalidade formal e da

fundamentalidade substancial. A primeira é consequência da posição que essas

normas ocupam, o ápice do ordenamento jurídico, o que termina por vincular a

atuação de todo o Estado, isto é, dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A

segunda revela-se na medida em que, com base nessas normas, são tomadas

decisões sobre a estrutura normativa básica do Estado e da sociedade.9

De forma semelhante, Zulmar Fachin afirma que os direitos fundamentais

têm posição de fundamentalidade em dois sentidos: primeiro porque constituem a

base axiológica vigente em uma determinada sociedade; segundo porque eles

                                                                                                               7SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2011, p. 78-79. 8SARMENTO, Daniel. Direito adquirido, emenda constitucional, democracia e justiça social.

Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 12, p. 6, 2008.

9ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 522-523.

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      18  

ocupam um plano normativo especial, isto é, a Constituição.10 Com base nisso, é

possível afirmar que os direitos fundamentais, concebidos nos moldes do que fez a

atual Constituição funcionam como pilares de sustentação do Estado. Logo, permitir

sua violação, tanto pela transgressão do direito quanto pela falta de efetividade

decorrente da omissão estatal, significa caminhar no sentido do retrocesso, o que

justifica o elevado grau de proteção dado a esses direitos.

Além dos direitos alocados no art. 5o, a Constituição Federal também

agasalhou os direitos sociais, que “nas Cartas anteriores restavam pulverizados no

capítulo pertinente à ordem econômica e social”. 11 Na nova Constituição, esses

direitos foram incluídos em capítulo próprio (Capítulo II), além de também estarem

presentes em outros momentos do texto constitucional. É o que ocorre com o direito

fundamental social à educação, que tem previsão no art. 6o, mas os contornos e as

diretrizes sobre sua aplicação são dados pelos artigos 205 a 214, que estão inseridos

no Título VIII que trata da Ordem Social.

O art. 6o não se limitou ao direito fundamental social à educação. Conferiu

proteção jurídica, também, para outros direitos como a saúde, a alimentação, o

trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados. São direitos que

consistem em um conjunto de posições jurídicas que visa assegurar condições

materiais mínimas de sobrevivência aos indivíduos,12 o que depende, sobretudo, de

ações implementadas pelo Estado, no sentido de conceder as prestações materiais

necessárias para que os seus titulares possam exercê-los.

Operou-se, assim, uma significativa alteração na estrutura do Estado, para

impor a adoção de uma postura de intervenção na ordem social mediante a

implementação de políticas públicas com objetivo de melhorar as condições de vida da

população.13 Os direitos fundamentais sociais consistem em prestações positivas – ou

até mesmo negativas, como se verá ainda neste capítulo - proporcionadas direta ou

indiretamente pelo Estado, para possibilitar “melhores condições de vida aos mais

fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”.14

                                                                                                               10FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2010, p. 211. 11 PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Justicialidade dos direitos sociais e

econômicos no Brasil - desafios e perspectivas. Araucaria (Madrid), v. 8, p. 128-146, 2006, p. 131.

12RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 64. 13ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da intervenção do Estado no domínio social. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 19. 14SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 27. ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 286.

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      19  

Esse cenário demonstra que a Constituição Federal de 1988 inaugurou um

novo período na história do país, marcado pela consagração de um modelo de Estado

Social e Democrático de Direito, fundado na proteção de um extenso rol de direitos

fundamentais que confere aos indivíduos uma série de posições jurídico-subjetivas de

caráter social e, ao mesmo tempo, impõe ao Estado deveres da mesma natureza.15

Por isso, não obstante os direitos fundamentais sejam oponíveis a todos, o

principal destinatário do dever de implementá-los é o próprio Estado,16 que pode fazê-

lo de diversas formas, inclusive pela utilização de normas tributárias, sejam elas

arrecadatórias ou não, já que a tributação não está imune aos valores e aos objetivos

consagrados no texto constitucional, como se verá em especial no terceiro capítulo.

2.2 O REGIME JURÍDICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Embora o objetivo da presente sessão resida no estudo do regime jurídico

dos direitos fundamentais sociais à luz da Constituição brasileira, antes de fazê-lo, é

interessante analisar brevemente a Constituição de Portugal de 1976, já que ela

supostamente teria influenciado a Constituição Federal de 1988 a estabelecer um

regime jurídico para os direitos, liberdades e garantias e outro diferente para os

direitos econômicos, sociais e culturais.17

Segundo Canotilho, a Constituição daquele país estabeleceu um regime

jurídico geral para os direitos fundamentais, no qual estão incluídos os direitos, as

liberdades e as garantias, bem como os direitos econômicos, sociais e culturais. A

esse regime geral se aplicam o princípio da universalidade, o princípio da igualdade e

a garantia da tutela jurisdicional efetiva. Além disso, a Constituição portuguesa

estabeleceu um regime jurídico próprio para os direitos, liberdades e garantias,

composto por algumas características, dentre elas, a aplicabilidade direta das normas

instituidoras desses direitos e a garantia contra “leis de revisão” restritivas do seu

                                                                                                               15 O alerta é feito por Daniel Wunder Hachem, para quem os direitos fundamentais sociais

estão submetidos ao mesmo regime jurídico dos demais direitos fundamentais. HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 345.

16BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 243.

17 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 71.

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      20  

conteúdo, 18 traços semelhantes aos dos direitos fundamentais de acordo com a

Constituição brasileira.

De forma similar, Jorge Miranda sustenta que a Constituição portuguesa

não apresenta um regime sistemático explícito dos direitos econômicos sociais e

culturais, ao contrário do que se verifica com os direitos, liberdades e garantias.

Segundo o autor, essa ausência no texto constitucional português decorre da maior

atenção prestada aos direitos, liberdades e garantias, da heterogeneidade dos direitos

econômicos, sociais e culturais, da menor experiência jurisprudencial e da menos

desenvolvida elaboração dogmática com relação a esses últimos direitos. 19

Criticando essas posições, Jorge Reis Novais sustenta que todas as notas

supostamente identificadoras do regime específico dos direitos, liberdade e garantias,

na verdade, aplicam-se a todos os direitos fundamentais enquanto garantias

constitucionais. Por esse motivo, os traços caracterizadores dos direitos de liberdade

também são comuns aos direitos sociais, havendo uma dogmática unitária baseada na

jusfundamentalidade aplicável a todos os direitos de liberdade e aos direitos sociais.

Explica, ainda, que a distinção entre os regimes jurídicos dos direitos de liberdade dos

direitos sociais decorre, na maior parte das vezes, da ignorância ou desatenção em

relação à complexidade e à multifuncionalidade dos direitos fundamentais,20 temática

que será tratada no próximo item do presente capítulo.

A advertência feita por Novais aponta a necessidade de investigar se há

alguma característica dos direitos sociais capaz de diferenciá-los dos demais direitos

fundamentais, o que também será feito ao longo dos demais itens deste capítulo. Por

ora, é preciso investigar se há um regime jurídico diferenciado para os direitos sociais

na atual Constituição brasileira capaz de retirar desses direitos o atributo de

aplicabilidade imediata (art. 5o, §1º da CF) e a condição de cláusulas pétreas (art. 60,

§4º, inc. IV da CF).

Segundo Clèmerson Merlin Clève, ao contrário de Portugal, não há na

Constituição Federal de 1988 uma diferença de regime jurídico entre os direitos de

defesa e os direitos sociais,21 caraterística presente na Constituição portuguesa e que

deu origem ao debate entre os autores portugueses acima citados. No mesmo sentido,                                                                                                                18CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed.

Coimbra: Almedina, 2003, p. 407-423, 429. 19MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 383.

Tomo IV: Direitos Fundamentais. 20NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos

fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 11, 15 e 44. 21 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo

Horizonte: Fórum, 2012, p. 27.

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      21  

aponta Ingo Wolfgang Sarlet, para quem a Constituição brasileira não traça diferença

entre os direitos de liberdade e os direitos sociais, inclusive no que tange à eventual

primazia dos primeiros sobre os segundos.22

Daniel Wunder Hachem explica que, no Brasil, embora seja difícil

encontrar na doutrina autores que neguem expressamente a fundamentalidade dos

direitos sociais, há posicionamentos que não estendem aos direitos sociais as

características inerentes aos demais direitos fundamentais. 23 Nesse tocante, João

Pedro Gebran Neto afirma que a aplicabilidade imediata restringe-se somente ao art.

5o e aos incisos nele mencionados, já que a boa técnica legislativa ensina que os

parágrafos se referem ao artigo no qual estão incluídos, bem como porque a

interpretação extensiva resultaria em verdadeira negativa de validade ao dispositivo

constitucional.24

Por sua vez, Otávio Bueno Magano entende que a limitação de reforma da

Constituição alcança somente os direitos e garantias individuais do art. 5º, na medida

em que o art. 60, §4º, inc. IV da Constituição Federal foi expresso ao dizer “os direitos

e garantias individuais”. 25 Todavia, essas duas posições não parecem estar em

consonância com a melhor interpretação da proteção jurídica conferida aos direitos

sociais pela atual Constituição.

A expressão “direitos e garantias fundamentais”, presente no §1º do art. 5º,

não deve conduzir a uma interpretação restritiva, pois, ao que parece, o Constituinte

não pretendeu excluir do seu âmbito de incidência os direitos políticos e de

nacionalidade, bem como os direitos sociais.26 Embora esses direitos não estejam

topograficamente incluídos no art. 5o, é equivocado o raciocínio de que simplesmente

por esse motivo não seriam imediatamente aplicáveis.

Isso porque, a interpretação da Constituição deve ser feita a partir de uma

perspectiva teleológica e sistemática, que leve em conta, além dos valores individuais,

                                                                                                               22SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2011, p. 432-433. 23 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais

sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 70.

24GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais: a busca de uma exegese emancipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 158.

25MAGANO, Otávio Bueno. Revisão Constitucional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 7, 1994, p. 110-111.

26SARLET, ibid., p. 262.

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      22  

outros que também são fundamentais para o Estado, como os valores sociais.27 A

propósito, já no preâmbulo do texto constitucional, o legislador constitucional advertiu

que o Estado Democrático destina-se a “assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a

justiça [...]”.

Apesar dessa enunciação não gozar de força normativa, 28 não seria

exagero concluir que os direitos sociais foram elevados ao mesmo grau de

importância dos demais direitos fundamentais. Mesmo sem ser expresso, parece

inadequado entender que o legislador tenha outorgado um regime jurídico mais

restritivo aos direitos sociais, capaz de lhes retirar o atributo da aplicabilidade imediata

e possibilitar sua extirpação do texto constitucional pelo exercício do poder

reformador.

Não se deve fazer uma interpretação restritiva do art. 60, § 4º, inc. IV.

Considerá-lo apenas em sua literalidade, que confere aos “direitos e garantias

individuais” a condição de cláusulas pétreas, além de excluir dessa esfera de proteção

os direitos sociais (art. 6o a 11), também terminaria por afastar do seu âmbito de

incidência os direitos de nacionalidade (art. 12 e 13), os direitos políticos (arts. 14 a

17) e até mesmo os direitos de expressão coletiva constantes do rol do art. 5o da CF.29

Por isso, a rigidez formal de proteção estabelecida em favor do conteúdo

mencionado no art. 60, § 4º, inc. IV também se estende aos direitos fundamentais

sociais. A observância, a prática, e a inviolável contextura formal desses direitos são

pressupostos indispensáveis para que seja eficaz o princípio dignidade da pessoa

humana,30 que constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art.

1o, inc. III da CF).

Logo, admitir a elaboração de emendas à Constituição com relação aos

direitos fundamentais sociais, visando à sua exclusão ou a mitigação da sua

                                                                                                               27CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Os direitos sociais enquanto direitos fundamentais.

Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 99, p. 305-325, 2004, p. 311, 313.

28Nesse sentido, já se posicionou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.076-5/AC, que entendeu que o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo a posição ideológica do constituinte, contendo proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.076-5/AC, Relator: Min. Carlos Velloso. Tribunal Pleno. DJ. 08.08.2003.

29SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p .431.

30BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 674, 676.

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      23  

incidência, desconfiguraria o próprio sistema constitucional, já que significaria afronta

ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Nessa linha, Jorge Reis Novais explica que os direitos sociais nos atuais

Estados de Direito “são amplamente tidos como direitos fundamentais por força da sua

relevância material, enquanto exigências concretizadoras, ou a concretizar, da

dignidade da pessoa humana”.31Ademais, a falta de proteção a bens essenciais, como

educação e saúde, também constituiria verdadeiro óbice para a realização dos

objetivos fundamentais da República (art. 3o da CF). Não faz sentido falar em

desenvolvimento nacional, redução das desigualdades, construção de uma sociedade

justa e solidária se não houver proteção jurídica aos direitos fundamentais sociais e,

mais do que isso, a sua efetiva implementação.

Diante disso, a interpretação mais adequada do texto constitucional é

aquela que o enxerga de forma harmônica e sistêmica e, consequentemente, faz

concluir que os direitos sociais desfrutam do mesmo status constitucional dos demais

direitos fundamentais, sendo imediatamente aplicáveis (art. 5º, §1º, da CF) e, além

disso, blindados no que diz respeito à elaboração de emendas constitucionais com

vistas a sua abolição (art. 60, §4º, inc. IV da CF).

Além disso, conforme explica Ingo Wolfgang Sarlet, os partidários de uma

exegese restritiva, no que tange ao regime jurídico dos direitos sociais, partem da

premissa de que todos os direitos fundamentais sociais podem ser conceituados como

prestações estatais.32 Por isso, é preciso investigar se, de fato, essa característica é

exclusiva dos direitos sociais, de modo a excluí-los da incidência do regime jurídico

dos demais direitos fundamentais.

2.3 AS MÚLTIPLAS FUNÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Embora não seja um ponto central deste capítulo, para compreender os

direitos fundamentais sociais é necessário fazer um breve resgate histórico, pois a

dimensão protetiva desses direitos, assim como dos demais direitos fundamentais,

possui estreita ligação com as circunstâncias econômicas, sociais, jurídicas e culturais

do momento em que surgiram.

                                                                                                               31NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos

fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 32-33. 32SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2011, p. 432-433.

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      24  

Na lição de Ingo Wolfgang Sarlet, os direitos fundamentais de primeira

geração, frutos do pensamento liberal-burguês do século XVIII, consistem em direitos

de defesa do indivíduo frente o Estado, que delimitam uma zona de não intervenção

que visa preservar a esfera de autonomia individual em face do poder estatal. Naquele

cenário, ganharam relevo os direitos à vida, à propriedade, à liberdade e à igualdade

perante a lei, que não exigiam por parte dos poderes públicos uma conduta positiva.

No século XIX, como resultado do processo de industrialização e das suas

consequências sociais e econômicas, surgiram direitos cuja principal característica

reside na outorga de prestações sociais aos indivíduos, como saúde e educação. Isto

é, são direitos cuja nota distintiva é a sua dimensão positiva, já que não cuidam mais

de evitar a intervenção do Estado na autonomia individual.33

Nessa evolução histórica, a Constituição do México de 1917 e a

Constituição de Weimar da Alemanha de 1919 significaram o marco do

constitucionalismo social, pois conferiram proteção legal aos direitos dos

trabalhadores, ao direito a saúde, ao direito à educação, dentre outros.34 A origem

desses direitos reside em apoiar aqueles que não podem sozinhos alcançar esses

bens essenciais ao desenvolvimento humano,35 o que não havia ocorrido sob a égide

do Estado liberal.

Na sequência, Sarlet anota que, em um terceiro momento histórico,

cronologicamente situado na segunda metade do século XX, eclodem os direitos de

solidariedade e fraternidade da terceira dimensão, cuja principal caraterística reside na

sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, como direito à

autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente, dentre outros. 36

Além dessa divisão tripartida,37 há quem sustente a existência de uma

quarta e quinta dimensão de direitos fundamentais. Para esses autores são direitos da

                                                                                                               33SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2011, p. 46- 47. 34FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014, p. 96. 35PECES-BARBA, Gregorio. Reflexiones sobre los derechos sociales. In: ALEXY, Robert.

Derechos sociales y ponderación. 2. ed. Madrid: Fundación Coloquio Juridico Europeo, 2009, p. 85-103, p. 90.

36SARLET, Ibid., p. 48-49. 37Dentre os autores que adotam a divisão dos direitos fundamentais em três gerações, pode-se

citar: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 60; FEREIRA, Manoel Gonçalves Filho. Direitos humanos fundamentais. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 6; LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.860-863; TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, v. I, p. 24-25; PFAFFENSELLER, Michelli. Teoria dos direitos fundamentais. Revista Jurídica da

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      25  

quarta dimensão o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao

pluralismo, sendo o direito à paz um direito de quinta geração.38

Essa clivagem que assenta os direitos fundamentais em compartimentos

estanques e com características próprias que os diferenciam uns dos outros, embora

possa ter relevância para compreendê-los como decorrência de processos históricos,

não se afigura a perspectiva mais adequada para investigá-los, em especial quando

se leva em conta o contexto em que esses direitos se encontram tutelados na

Constituição Federal de 1988.

A inclusão dos direitos fundamentais em dimensões sugere uma sucessão

de direitos, como se uma dimensão substituísse a outra. Contudo, o que se verifica é

um avanço na proteção aos direitos fundamentais em resposta às novas exigências

das pessoas e das sociedades. 39 Os direitos anteriormente surgidos não foram

suprimidos pelo surgimento de novos direitos. Parece mais adequado entender que,

ao longo do tempo, os direitos que por último surgiram somaram-se àqueles anteriores

à sua eclosão, formando um grande plexo de direitos, como ocorre com a Constituição

Federal de 1988. Em seu bojo, foram protegidos direitos de todas as chamadas

dimensões de direitos, concebidos em diferentes momentos históricos, como o direito

fundamental social à educação.

No caso dos direitos fundamentais sociais, ganhou relevância o papel

estatal na sua realização, “já que a vocação principal dos direitos sociais está na face

prestacional, enquanto a dos direitos de liberdade está na face de defesa e de

proteção”. 40 Diversamente dos chamados direitos de primeira geração, cujo principal

traço distintivo repousa na abstenção estatal, surgiu uma nova categoria de direitos

que depende, na maior parte das vezes, de uma atuação estatal positiva, mas não

estão somente a ela limitados.

Há certas posições jurídicas dos direitos fundamentais sociais que não

reclamam a atuação estatal positiva. As denominadas liberdades sociais equivalem,

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   Presidência, v. 9, n. 85, p. 92-107, 2007, p. 98-100; LOPES, Ana Maria D’Ávila. Hierarquização dos direitos fundamentais? Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 34, 2001. p. 174-177.

38Dentre eles pode-se destacar: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 571; BONAVIDES, Paulo. A quinta geração de direitos fundamentais. Revista Direitos Fundamentais & Justiça, n. 3, p. 82-93, 2008, p. 85; FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2010, p. 201-206.

39MIRANDA, Jorge. O regime dos direitos sociais. Revista de Informação Legislativa, v. 47, n. 188, p. 23-36, out./dez. 2010, p. 24.

40BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 152-153.

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      26  

em razão de sua função essencialmente defensiva, aos clássicos direitos de liberdade,

pois reclamam uma abstenção por parte do Estado e, em regra, não exigem a

alocação de recursos. É o que ocorre com o direito de greve, previsto no art. 9o da

Constituição Federal.41 Para que os trabalhadores possam exercitar tal direito, basta a

abstenção estatal no sentido de não impedir a manifestação, característica

comumente associada aos chamados direitos fundamentais de primeira dimensão.

Do mesmo modo, se para efetivar o direito à saúde o Estado deve

possibilitar o acesso universal e igualitário a todos (art.196 da CF), como decorrência

da natureza prestacional do referido direito (o que exige recursos financeiros por parte

do Estado), por sua vez, “a dimensão defensiva do direito à saúde liga-se à obrigação

de não adoção de qualquer comportamento que possa lesar ou ameaçar a saúde do

seu titular”.42 Verifica-se aí uma posição do direito à saúde que somente se realiza se

não houver a ingerência do Estado.

Para que se realize o direito de propriedade, não basta que o Estado se

abstenha de tomar medidas que resultem em turbação do exercício pelo seu titular.

Deve, simultaneamente, manter instituições como a polícia e tipificar delitos para

criminalizar condutas que atentem contra o referido direito.43 É preciso, também, que o

Estado mantenha em funcionamento as atividades do Poder Judiciário que, em

determinadas hipóteses, pode ser chamado a prestar a tutela necessária ao exercício

desse direito. Isso põe em evidência uma faceta do direito de propriedade - cuja

proteção jurídica geralmente exige do Estado sua abstenção -, que somente se realiza

através do agir estatal.

Em interessante classificação, Robert Alexy propõe que os direitos sociais

são direitos a prestações que podem ser assim sintetizados: (i) direitos de proteção,

que podem ser compreendidos como os direitos do titular frente ao Estado para que

este o proteja de intervenções de terceiro; (ii) direitos de organização e de

procedimento, que impõem ao Estado a obrigação de instituir estruturas

organizacionais e procedimentais que permitam o exercício dos direitos sociais; (iii)

direitos a prestação em sentido estrito, que podem ser definidos como direitos do

indivíduo frente ao Estado a algo que, se o indivíduo possuísse meios financeiros

                                                                                                               41SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos

direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 276.

42SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 335.

43CLÈVE, Clémerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Fórum, 2014, p. 361.

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      27  

suficientes e encontrasse no mercado uma oferta suficiente, poderia obter de

particulares. 44

Em outra categorização, José Joaquim Gomes Canotilho afirma que os

direitos fundamentais realizam quatro funções, que podem ser assim sintetizadas: (i)

função de defesa ou de liberdade, que veda a ingerência do poder público na esfera

individual e, ao mesmo tempo, assegura ao titular do direito exigir omissões dos

poderes públicos, para evitar agressões lesivas do Estado; (ii) função de prestação

social, que significa o direito do particular a obter algo através do Estado, como

acesso à educação, já que não possui meios suficientes para obter no comércio

privado; (iii) função de proteção perante terceiros, que consiste na adoção de medidas

pelo Estado destinadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais contra

atividades lesivas praticadas por terceiros; (iv) função de não discriminação, que visa

assegurar que o Estado trate seus cidadãos de forma igual.45

Daniel Wunder Hachem, ao explorar as funções de defesa e de prestação

do direito fundamental social à educação, faz interessante observação com relação

aos desdobramentos que decorrem da sua proteção constitucional:

o mesmo se diga em relação ao direito à educação. Na sua condição de direito fundamental como um todo, ele engloba diversas pretensões jurídicas específicas, tais como: (i) a liberdade de aprender e ensinar, sendo defesa a imposição de métodos educacionais pelo Estado (função de defesa); (ii) a prestação de atendimento educacional especializado aos deficientes (função de prestação fática); (iii) a criação de órgãos e pessoas jurídicas que ofereçam gratuitamente o serviço público de educação (função de organização); (iv) a regulamentação de como se dará o acesso igualitário aos estabelecimentos públicos de ensino, tais como as universidades (função de procedimento); (v) a criação de normas que definam critérios de padrão de qualidade, bem como a sua fiscalização pelo órgão competente, para impedir que a exploração dessa atividade pelos particulares seja realizada abaixo dos níveis adequados (função de proteção). Nos exemplos citados, cada uma dessas pretensões jurídicas pode ser identificada em um dispositivo específico da Constituição Federal (art. 206, I, II, IV, VII e art. 208, III).46

                                                                                                               44ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São

Paulo: Editora, 2011, p. 434, 450, 474, 499. 45CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed.

Coimbra: Almedina, 2003, p. 407-411. 46 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais

sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 33.

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A construção teórica empreendida por Alexy e Canotilho, exemplificada por

Hachem com a abordagem do direito à educação, comprova que a implementação dos

direitos fundamentais sociais não ocorre de uma única maneira. Por vezes, pode exigir

a não ingerência do Estado, a exemplo da autonomia didático-científica, administrativa

e de gestão financeira e patrimonial, concedida às universidades para impedir a

interferência estatal (art. 207 da CF). Em outras situações, reclama do Estado a

concessão da prestação necessária à satisfação do direito, como a obrigação de

fornecer a educação básica (art. 208, inc. I da CF).

Além disso, há hipóteses nas quais os direitos fundamentais sociais

impõem ao Estado o dever de estabelecer regulamentações, sem o que o exercício do

direito não tem sentido.47 A Constituição estabelece os contornos gerais sobre a

educação nos art. 205 a 214, mas em razão das múltiplas funções que decorrem da

sua proteção jurídica, outros diplomas infraconstitucionais regulamentam a

aplicabilidade desse direito, como a Lei n.o 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, a Lei n.o 13.005/2014, que institui o Plano Nacional de

Educação, dentre outras.

Por isso, está superada a tradicional tipologia baseada na dicotomia

positivos/negativos dos direitos fundamentais.48 Logo, com relação às suas múltiplas

funções, não há diferenças entre os direitos fundamentais, ainda que, no caso dos

direitos fundamentais sociais, seja mais evidente a sua dimensão prestacional. Sobre

essa característica marcante dos direitos fundamentais sociais, pontua Jorge Reis

Novais:

no entanto, apesar de importante, ou até decisiva, essa características não esgota o direito social; como um todo, ele é muito mais amplo, não se reduz a essa característica e não pode ser bem compreendido – nem, eventualmente distinguido dos direitos de liberdade – se não se der conta das diferentes dimensões, deveres, faculdades, garantias ou direitos em que se desdobra e desenvolve. Como acontece com todos os direitos fundamentais, vistos como um todo, numa compreensão própria de Estado social de Direito – que é a concepção da nossa época -, também os direitos sociais, tal como os de liberdade, impõem ao Estado deveres de respeitar, de proteger e de promover o acesso individual aos bens jusfundamentalmente protegidos, mas, e consoante as circunstâncias concretas, os diferentes titulares, as diferentes épocas e desenvolvimento económico do Estado, a tónica pode ser pontualmente colocada

                                                                                                               47 ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos

exigibles. 2. ed. Madrid: Trotta, 2004, p. 33. 48ESTEVES, João Luiz M. Direitos fundamentais sociais no Supremo Tribunal Federal.

São Paulo: Método, 2007, p. 55.

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      29  

numa ou noutra dessas dimensões e, em cada uma delas, em termos objectivos ou subjectivos. 49

Isso demonstra o equívoco de incluir os direitos sociais em um regime

jurídico distinto dos demais direitos fundamentais, ao argumento de que somente eles

dependem de prestações estatais. A obrigação do Estado no que tange aos direitos

fundamentais sociais, assim como ocorre com os demais direitos fundamentais,

deverá corresponder à posição jurídica resguardada, como demonstra a análise do

direito à educação feita por Hachem.

Essas posições jurídicas que decorrem da proteção constitucional dada

aos direitos fundamentais sociais não são estáticas. “É provável que o rápido

desenvolvimento técnico e econômico traga consigo novas demandas, que hoje não

somos capazes de prever”, 50 o que impõe à ordem constitucional o dever de evoluir

na mesma medida pondo a salvo aquelas posições jurídicas surgidas no contexto do

avanço social, mas que evidentemente não signifiquem retrocesso no que tange aos

direitos fundamentais já tutelados.

2.4 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

A inclusão dos direitos fundamentais sociais no âmbito de proteção

constitucional foi indispensável à instalação do chamado Estado Social e Democrático

de Direito, inaugurado com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Contudo,

somente a proteção não é suficiente para garantir em sua essência a concretização de

um Estado que pretende ser social e democrático.

O Estado deve atuar para além da inserção dos direitos no ordenamento

jurídico. Isso exige que o estudo dos direitos fundamentais sociais não fique limitado

ao plano da eficácia,51 mas que seja simultaneamente acompanhando da investigação

                                                                                                               49NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos

fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 43-44. 50BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 33. 51Segundo Luís Roberto Barroso, a eficácia pode ser entendida como a aptidão da norma para

produção dos seus efeitos, isto é, para a irradiação das suas consequências. No entanto, não se insere no âmbito de análise da eficácia a verificação quanto à real produção desses efeitos. De forma semelhante, José Afonso da Silva explica que a eficácia das normas jurídicas consiste na capacidade de atingir os objetivos nela traduzidos, ou seja, a aptidão para atingir os objetivos previamente fixados. Nesse sentido, respectivamente: BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2009, p. 81; SILVA, José Afonso da. A aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 66.

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      30  

sobre a sua efetividade. A efetividade, ou eficácia social, nada mais é do que a

materialização da norma no mundo dos fatos, que aproxima o dever-ser normativo e o

ser da realidade social,52 sendo esta a finalidade última da proteção outorgada a todos

os direitos fundamentais.

Se isso não ocorre instala-se um abismo entre o ideal e a realidade, que

termina por destruir a crença no texto constitucional,53 tornando sem finalidade os

inúmeros direitos lá consagrados. De nada adianta conferir proteção constitucional ao

direito à educação se, concomitantemente, o Estado não cuidar de criar as condições

necessárias para que esse direito seja usufruído pelos seus titulares.

No plano da eficácia, a Constituição Federal endereça ao Estado o dever

de garantir a todos o acesso à educação básica (art. 208, inc. I). Todavia, segundo

pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano

de 2014, 8,5% da população brasileira ainda era analfabeta. A maior incidência de

analfabetismo ocorria entre os homens (8,8%), sobretudo entre os de cor preta ou

parda (11,5%). De acordo com a pesquisa, a taxa de analfabetismo era maior entre

aqueles que fazem parte do quinto mais pobre da população (13,9%), bem como entre

os que residem na Região Nordeste (16,9%) e entre aqueles que estavam nas áreas

rurais (20,8%).54 Esse dado revela que a norma constitucional que protege a educação

básica ainda não atingiu a efetividade que dela se espera, já que erradicar o

analfabetismo é um objetivo buscado com a proteção desse nível ensino.

No caso dos direitos fundamentais sociais, não raro a sua efetividade é

apontada como mais complexa do que a dos demais direitos fundamentais. Costuma-

se dizer que a realização desses direitos depende de prestações materiais do Poder

Executivo e providências normativas do Poder Legislativo.55 De certa forma, esse

raciocínio não está incorreto, mas não pode ser aplicado somente com relação aos

direitos fundamentais sociais.

Por exemplo, em abril de 2013, foi aprovada no Congresso Nacional a

Emenda Constitucional n. 72 que alterou a redação do parágrafo único do art. 7º da

Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os

trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. No entanto, a                                                                                                                52BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites

e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2009, p. 81-83. 53SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2004, p. 73. 54 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores

sociais. Rio de Janeiro: IBGE, 2014, p. 111. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv91983.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2015.

55BARROSO, ibid., p. 103, 109.

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regulamentação desses direitos, o que é essencial para que seus titulares possam

efetivamente exercitá-los, somente ocorreu em junho de 2015, com a edição da Lei

Complementar n. 150/2015.

Essa necessidade de regulamentação pelo Poder Legislativo não é

exclusiva dos direitos fundamentais sociais. Da mesma forma, que não é peculiaridade

inerente somente a esses direitos a dependência de prestações materiais por parte do

Poder Executivo para que determinadas posições jurídicas sejam concretizadas.

O exercício do direito fundamental à propriedade, comumente tratado

como um direito de primeira geração, cuja principal caraterística reside na abstenção

de ingerência estatal na esfera privada, também depende de providências legislativas.

Daniel Wunder Hachem lembra que o Código Civil cria limitações ao exercício do

direito de propriedade, além da Lei de Registros Públicos estabelecer as exigências

necessárias ao registro da propriedade. 56 Logo, o direito fundamental à propriedade

não se concretiza, na plenitude dos seus desdobramentos, se não houver essas

prestações normativas por parte do Poder Legislativo, o que demonstra a semelhança

com os direitos fundamentais sociais.

Além disso, para o exame da efetividade, é preciso entender o alcance da

aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5o, § 1º da CF), característica

que se estende também aos direitos fundamentais sociais, pois o seu regime jurídico é

o mesmo daqueles direitos, como já se sustentou acima. Segundo Sarlet, essa norma

possui cunho principiológico, isto é, trata-se de um mandamento de otimização (ou

maximização), que impõe aos órgãos estatais a tarefa de reconhecer a maior eficácia

possível aos direitos fundamentais.57

No entanto, isso não significa dizer que todos os direitos fundamentais são

sempre dotados de eficácia plena,58 ou ainda que esses direitos não reclamem a

                                                                                                               56 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais

sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 146-147.

57SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 270.

58Nos termos da classificação proposta por José Afonso da Silva, as normas constitucionais podem ser classificadas em: (i) normas de eficácia plena, concebidas como aquelas que desde sua entrada em vigor produzem todos os seus efeitos essenciais; (ii) normas constitucionais de eficácia contida, que desde sua entrada em vigor produzem todos os seus efeitos essenciais, mas que podem sofrer restrições pelo legislador; (iii) normas de eficácia limitada, que não estão aptas a produzirem efeito com a simples entrada em vigor, porque o legislador constituinte não estabeleceu uma normatividade para isso bastante, relegando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado. SILVA, José Afonso da. A aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 82.

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existência de ato administrativo ou legislativo para que se consume sua efetividade,

conforme entende Eros Roberto Grau.59 Na realidade, se os direitos fundamentais

reclamam prestações legislativas para que se realizem em sua plenitude, todos eles

são restringíveis e regulamentáveis, o que faz perder o sentindo a distinção entre

normas de eficácia plena e normas de eficácia contida ou restringível.60

Com relação ao direito à educação não é diferente. A Lei n.o 11.096/2005,

que instituiu o Programa Universidade para Todos (Prouni), ao estabelecer a isenção

de tributos federais para instituições de ensino superior que concederem bolsa de

estudo aos alunos de baixa renda, regulamentou a imunidade tributária prevista no art.

195, §7º da Constituição Federal em favor de entidades beneficentes. 61 Isso indica

que a norma tributária extrafiscal, instituidora de um benefício fiscal, pode funcionar

como a prestação legislativa necessária para conferir um maior grau de efetividade ao

direito à educação, o que será melhor abordado no terceiro e quarto capítulos do

presente trabalho.

Do mesmo modo, o aumento da carga tributária também pode funcionar

para promover os direitos fundamentais. Segundo Marciano Buffon, a extrafiscalidade

pode se manifestar através do agravamento da imposição tributária, com vistas a

desestimular aqueles comportamentos que sejam contrários à maximização da

eficácia social (isto é, a efetividade) dos direitos fundamentais,62 como ocorre com a

tributação que incide em produtos maléficos à saúde como as bebidas alcoólicas e o

cigarro.

Voltando ao exemplo da educação. A Constituição assegura o acesso aos

níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a

capacidade de cada um (art. 208, inc. V), contudo, a Lei n.o 12.771/2012, estabelece,

em seu art. 1o , que as instituições federais de educação superior reservarão, em cada

concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no

mínimo, 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham

                                                                                                               59GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo:

Malheiros, 2007, p. 321. 60 SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das

normas constitucionais. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, v. 4, p. 23-51, 2006, p. 47.

61 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 523.

62 BUFFON, Marciano. Tributação e direitos sociais: A extrafiscalidade instrumento de efetividade. Revista Brasileira de Direito, v. 8, n. 2, 2012, p. 46.

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cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Isso comprova que o

direito à educação também pode ser restringível.

Há quem diga, ainda, que as normas que instituem os direitos

fundamentais sociais são programáticas, cujo conteúdo veicula diretrizes e programas

para ditar a tônica da futura atuação do Estado.63 Paulo Roberto Lyrio Pimenta

sustenta que esses direitos se enquadram na categoria de normas programáticas

enunciativas ou declaratórias porque alguns desses direitos são extremamente

complexos “exigindo para a sua satisfação a realização de um leque grande de ações

estatais, que podem ir desde prestações em dinheiro até a elaboração de normas

gerais”.64

Esse raciocínio aparentemente ignora a multifuncionalidade dos direitos

fundamentais. Como já visto anteriormente, todos os direitos fundamentais, inclusive

os sociais, dependendo da posição jurídica que se pretende ver satisfeita, podem

exigir do Estado prestações materiais ou normativas. Apesar de os direitos

fundamentais sociais possuírem uma vocação predominantemente prestacional,

outros direitos fundamentais também ostentam essa característica.

O direito fundamental à liberdade reclama mais do que apenas a não

ingerência do Estado na esfera individual dos cidadãos. Em uma dimensão positiva,

para que esse direito não sofra restrições, o Estado deve garantir níveis adequados de

segurança pública, mantendo em funcionamento as atividades policiais, o que,

evidentemente, exige recursos financeiros. No ano de 2013, o gasto da União,

Estados e Distrito Federal com polícias e segurança pública atingiu o valor de valor R$

61,1 bilhões.65

Desfaz-se, assim, o equívoco de que os gastos sejam tidos como óbices

somente no que tange à implementação dos direitos fundamentais sociais.66 Portanto,

o argumento de que esses direitos exigem recursos financeiros do Estado não justifica

a inclusão dessas normas na categoria de programáticas, já que essa é uma nota

comum a todos os direitos fundamentais, mesmo daqueles cuja principal característica

                                                                                                               63SILVA, José Afonso da. A aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo:

Malheiros, 2007, p. 140. 64PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As normas constitucionais programáticas e a reserva do

possível. Revista de Informação Legislativa, v. 49, n. 193, p. 7-20, 2012, p. 11. 65FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança

Pública 2014. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2014, p. 8. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf>. Acesso em: 21 set. 2015.

66CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Os direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, v. 99, p. 305-325, 2004, p. 315.

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reside na abstenção estatal na esfera privada. Norberto Bobbio, em análise da

Constituição italiana, fez interessante constatação que pode ser aplicada ao

ordenamento constitucional brasileiro:

o campo dos direitos do homem - ou, mais precisamente, das normas que declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem - aparece, certamente, como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação. E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente no campo dos direitos sociais. Tanto é assim que, na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas pudicamente de “programáticas”. Será que já nos perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou permitem hit et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado? E, sobretudo, já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos é esse que tais normas definem? Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além de confinados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o programa é apenas uma obrigação moral ou, no máximo, política, pode ainda ser chamado corretamente de “direito”? 67

Logo, não faz sentido encerrar as normas que instituem os direitos

fundamentais sociais no conceito de normas programáticas, já que os valores nelas

consagrados constituem pilares do Estado Democrático de Direito,68 que não foram

incluídos no texto constitucional para lá serem esquecidos, pois não se tratam de

meras promessas simbólicas cujo cumprimento é facultativo ao Estado.

Os direitos fundamentais sociais reclamam uma dogmática constitucional

emancipatória, marcada pelo compromisso com a dignidade da pessoa humana e com

a plena efetividade das normas constitucionais. 69 Isso porque, a própria legitimidade

do Estado também repousa na efetivação desses direitos. Sem esses direitos não

serão atingidos os objetivos fundamentais da República, tais como o desenvolvimento

nacional, a erradicação da pobreza e a promoção do bem de todos, o que é

necessário à instalação de uma sociedade mais justa, livre e solidária.

Por isso, há uma verdadeira imposição constitucional legitimadora de

transformações sociais e econômicas na medida em que elas sejam necessárias à

                                                                                                               67BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 72. 68 ALMEIDA, Dayse Coelho de. A fundamentalidade dos direito sociais. Revista IOB

Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v. 17, n. 207, p. 86-96, set. 2006, p. 88. 69CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista de Direito

Constitucional e Internacional, v. 54, p. 28-39, 2006, p. 30.

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efetivação desses direitos.70 Tanto é assim que, a Emenda Constitucional n. 59/2009,

em seu art. 6o, estabeleceu que a educação básica deverá ser progressivamente

implementada até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio

técnico e financeiro da União.

Portanto, os direitos fundamentais sociais “possuem carga de eficácia

imediata, impõem o dever de legislar para sua eficácia plena e impedem uma vez

regulamentados, retrocesso arbitrário do patamar de concretização efetivado”. 71

Nenhum argumento justifica que os direitos fundamentais sociais fiquem adstritos

somente ao plano da eficácia.

Pelo contrário, a atuação estatal deve buscar possibilitar o exercício

concreto desses direitos ao maior número possível de indivíduos, o que, inclusive,

pode ser feito pelas normas tributárias extrafiscais, como ocorre no caso do Prouni.

Logo, no que diz respeito à efetividade, os direitos fundamentais sociais reclamam do

Estado as mesmas providências normativas e materiais dos demais direitos

fundamentais.

2.5 A DUPLA DIMENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Na análise dos direitos fundamentais, inclusive os direitos fundamentais

sociais, costuma-se investigar a feição subjetiva desses direitos. Essa dimensão liga-

se à ideologia burguesa e identifica-se com o Estado Liberal do século XVIII, que

conferiu proteção jurídica aos direitos como a propriedade privada e o direito à vida,

dentre outros. Formou-se uma concepção de Estado de Direito que, partindo do

reconhecimento desses direitos individuais, considerava como dimensão determinante

da racionalização do Estado as próprias técnicas de garantia daqueles direitos.72

Naquele paradigma liberal, ganhou relevo a dimensão subjetiva dos

direitos fundamentais, como meio de defesa do indivíduo contra abusos do poder

estatal em sua esfera particular.73 Era preciso criar um mecanismo para garantir que

os titulares dos direitos fundamentais pudessem exigir do Estado o seu cumprimento.

                                                                                                               70CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed.

Coimbra: Almedina, 2003, p. 478. 71BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 158. 72NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de Direito: do estado de

direito liberal ao estado social e democrático de direito. Coimbra: Almedina, 2006, p.105. 73DIAS, Dhenize Maria Franco. O direito público subjetivo e a tutela dos direitos fundamentais

sociais. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 14, n. 102, p. 233-250, 2012, p. 239.

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      36  

Essa feição “investe o seu titular na prerrogativa de exigir do destinatário da pretensão

o cumprimento de uma determinada prestação positiva ou negativa”.74

Considerando as múltiplas funções dos direitos fundamentais sociais, a

dimensão subjetiva é aquela que garante ao titular do direito a prerrogativa de exigir

do Estado o cumprimento de um dever que, em determinadas hipóteses pode ser de

abstenção, a exemplo do respeito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e

divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, inc. II, da CF), mas em outras tantas

de atuação do Estado, como o acesso à educação básica (art. 208, inc. I, da CF). Vale

dizer, a dimensão subjetiva assume a roupagem da posição jurídica que o indivíduo

pretende ver satisfeita.

Segundo Luís Roberto Barroso, cuja análise é feita a partir da Constituição

Federal de 1988, os direitos políticos, individuais, coletivos, sociais e difusos nela

consagrados geram direitos subjetivos, que investem os jurisdicionados no poder de

exigir do Estado, ou ainda de outro eventual destinatário, prestações positivas ou

negativas, que proporcionem a fruição dos bens jurídicos nela consagrados.75

Os direitos fundamentais passam a ser vistos além da clássica perspectiva

individual. Muitas vezes, a sua implementação pode ser necessária para garantir o

exercício de bens cuja titularidade não pertence somente a um indivíduo, mas sim a

uma coletividade, a exemplo do que ocorre com o meio ambiente ecologicamente

equilibrado (art. 255 da CF). No caso da educação, o art. 5o da Lei n. 9.394/1996

prevê que qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização

sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério

Público pode acionar o Poder Público para exigir o acesso à educação básica.

Sem prejuízo dessa dimensão subjetiva que, em muitos casos, é

indispensável para assegurar o exercício do direito, tanto de pretensões individuais

quanto coletivas, todos os direitos fundamentais, inclusive os sociais, devem ser

analisados também pelo prisma da sua dimensão objetiva. Isso porque os efeitos que

dela decorrem têm grande repercussão no que diz respeito às obrigações estatais.

Essa dimensão, conforme explica Ingo Wolfgang Sarlet, tem sua gênese

ligada ao caso Lüth, julgado pela Corte Federal Constitucional da Alemanha em 1958.

Naquela ocasião, entendeu-se que os direitos fundamentais não funcionam apenas

                                                                                                               74 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais

sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. Curitiba, 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 162.

75BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 302.

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como direitos subjetivos de defesa do indivíduo em face do Estado, mas, ao mesmo

tempo, desempenham o papel de decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da

Constituição, que influenciam todo o ordenamento jurídico.76 Isto é, trata-se de uma

dimensão objetiva de valores fundamentais, que não garante apenas direitos

subjetivos aos indivíduos.77

Rompeu-se, assim, o vínculo subjetivo cidadão-Estado, para impor a todo

Poder Público, aí compreendidas as ações do Poder Executivo, do Poder Legislativo e

do Poder Judiciário, obrigações gerais para possibilitar o exercício das pretensões

jusfundamentais de todos os cidadãos. 78 Essa dimensão não cria, diretamente,

situações jurídicas subjetivas de vantagem para o particular,79 mas a projeção dos

seus efeitos visa possibilitar a um maior número de indivíduos o exercício dos direitos

fundamentais sociais.

Por isso, fala-se em dimensão objetiva de um direito fundamental quando

se tem em vista seu significado para a coletividade, para o interesse público, para a

vida comunitária. 80 Apesar de os direitos fundamentais sociais se destinarem ao

atendimento de necessidades individuais, esses direitos possuem grande importância

coletiva, pois sem a sua implementação não se atinge o objetivo maior de construir

uma sociedade mais justa, solidária e menos desigual.

No caso do direito à educação não é diferente. Foi o seu elevado grau de

importância que justificou a sua inclusão no rol dos direitos fundamentais sociais (art.

6o da CF). Não bastasse isso, o legislador constituinte fez questão de dizer, no art.

205, que a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família”, o que põe em

evidência a relevância coletiva desse direito para toda a sociedade. Assim, revela-se a

dimensão objetiva dos direitos fundamentais sociais, dentre eles o direito à educação,

que exerce influência sobre todo o ordenamento jurídico.

                                                                                                               76SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos

direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 143.

77SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 235.

78 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 163.

79CLÈVE, Clèmerson Merlin. Desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v. 3, p. 289-300, 2003, p. 297.

80CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1256.

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Do Poder Judiciário, a dimensão objetiva reclama “uma hermenêutica

respeitosa dos direitos fundamentais e das normas constitucionais”,81 sendo esta a

tônica que deve nortear a atuação jurisdicional.82 Ao mesmo tempo, a feição objetiva

impõe o dever da “Administração Pública de tutelar de forma espontânea, integral e

efetiva os direitos fundamentais sociais”, como destaca Daniel Wunder Hachem.

Aponta o autor que essa forma de implementação dos direitos sociais decorre em

especial de dois desdobramentos da dimensão objetiva dos direitos fundamentais: (i) a

eficácia irradiante, que espalha o conteúdo valorativo dos direitos fundamentais por

todo ordenamento jurídico (constitucional e infraconstitucional), e condiciona a

interpretação do sistema normativo à observância dos valores jusfundamentais; (ii) a

imposição aos Poderes Públicos de deveres autônomos de proteção dos direitos

fundamentais.83

Portanto, essa eficácia irradiante concretiza-se na medida em que os

direitos fundamentais, inclusive os sociais, estabelecem as diretrizes que devem

nortear a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional, além de apontar para

a necessidade de uma interpretação em consonância com os direitos fundamentais.84

Por isso, quando a legislação infraconstitucional for concebida de forma

individualista ou totalitária, deverá ser revista a partir da perspectiva dos direitos

fundamentais consagrados na Constituição.85 Essa produção de efeitos interpretativos

faz com que qualquer lei, anterior a Constituição de 1988 ou ainda posterior a ela,

                                                                                                               81 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo

Horizonte: Fórum, 2012, p. 21. 82Nesse sentido, caminhou bem o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI 3.330/DF), ocasião em que entendeu, por maioria de votos, pela constitucionalidade do Programa Universidade para Todos – Prouni. No acórdão, que será melhor explorado no quarto capítulo deste trabalho, a Corte Constitucional entendeu, em síntese, que a educação é um direito que deve alcançar a todos e que o valor constitucional da igualdade se concretiza pelo combate aos fatores reais de desigualdade. Por isso, o Prouni, que se operacionaliza pela concessão de bolsas aos alunos de baixa renda e adesão voluntária das instituições privadas de ensino superior estimuladas pela isenção de tributos federais, homenageia a máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. DJ. 22.03.2013.

83 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 162, 169.

84SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 147-148.

85SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 155-156.

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deixe de ser aplicável se estiver em dissonância com os direitos fundamentais e

valores consagrados na nova ordem constitucional.

Da eficácia irradiante decorre a eficácia horizontal dos direitos

fundamentais, que consiste na produção de efeitos no âmbito das relações privadas,86

o que torna o conteúdo axiológico dos direitos fundamentais oponível também aos

particulares. Em outras palavras, os direitos fundamentais “limitam a autonomia dos

atores privados e protegem a pessoa humana da opressão exercida pelos poderes

sociais não estatais”.87

Parece ser este o objetivo da norma prevista no art. 209 da Constituição

Federal, que preconiza que o ensino é livre à iniciativa privada, mas simultaneamente

prevê que as instituições privadas devem observar o cumprimento das normas gerais

da educação nacional, estando, ainda, sujeitas à avaliação de qualidade pelo Poder

Público, nos termos dos incisos I e II do referido dispositivo. Com isso, a eficácia

irradiante do direito à educação protege o indivíduo, mesmo na hipótese em que este

mantém uma relação somente com outro particular.

Com relação ao segundo desdobramento citado por Hachem, qual seja, a

característica das normas que instituem direitos fundamentais configurarem direitos

autônomos de proteção, explica o autor que a dimensão objetiva faz persistir a

obrigação estatal de criar as condições adequadas ao exercício do direito, ainda que

nenhum dos seus titulares o exija administrativa ou judicialmente, o que implica o

reconhecimento de uma obrigação transindividual que extrapola o vínculo subjetivo.88

Não basta prevenir a violação ou possibilitar o exercício do direito apenas pela via

judicial. A dimensão objetiva impõe mais do isso, deve o Estado antecipar-se, valendo-

se, para tanto, principalmente das ações do Poder Executivo e do Poder Legislativo

para implementar os direitos fundamentais pela via administrativa.

Isso porque, “a vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais

(dimensão objetiva) é suficiente para deles exigir a adoção de políticas voltadas para o

seu cumprimento (num horizonte de tempo, evidentemente)”.89 Como consequência

                                                                                                               86SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos

direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 147-149.

87SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 136.

88 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 173.

89 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 27.

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disso, o legislador deve estar atento aos direitos fundamentais sociais, quando edita

normas de qualquer natureza, até mesmo as normas tributárias, tanto as concebidas

com a finalidade precípua de arrecadação quanto aquelas em que o Estado utiliza a

tributação para direcionar condutas através de estímulos e desestímulos aos

indivíduos, conhecidas como normas tributárias extrafiscais.

Significa dizer que da dimensão objetiva também decorre o dever de

atuação extrafiscal na promoção dos direitos fundamentais sociais.90 Isto é, o Estado,

quando se vale de medidas extrafiscais, não pode se distanciar dos objetivos

constitucionais, pelo contrário, deve utilizá-las como instrumentos capazes de

colaborar na implementação dos direitos caros à ordem constitucional, como o direito

fundamental social à educação.

É o que ocorre com o Prouni. Nesse caso, o Estado se vale da indução

extrafiscal para estimular a concessão de bolsas para estudantes carentes no ensino

superior privado, oferecendo para estas instituições a isenção de tributos federais

como o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, a Contribuição Social sobre o Lucro

Líquido, a Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social e a

Contribuição para o Programa de Integração Social, o que será melhor analisado no

quarto capítulo.

Portanto, ao conferir a nota de fundamentalidade aos direitos sociais,

dentre eles a educação, a Constituição Federal de 1988 visou apenas um objetivo:

dirigir toda a atuação estatal, inclusive através das normas tributárias extrafiscais, para

tornar possível o seu exercício por todos aqueles que titularizam a posição jurídica

protegida, sendo essa a principal consequência da dimensão objetiva dos direitos

fundamentais sociais.

                                                                                                               90FOLLONI, André; PERON, Rita de Cássia Andrioli Bazila. Tributação extrafiscal e direitos

fundamentais: programa empresa cidadã e licença-maternidade. Revista Espaço Jurídico, v. 15, p. 399-420, 2014, p. 410.

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3 O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL DE 1988

O primeiro capítulo dedicou-se ao estudo de algumas características dos

direitos fundamentais sociais, conferindo, assim, as bases teóricas necessárias para a

análise específica de qualquer um dos direitos abarcados pelo regime jurídico dos

direitos fundamentais sociais, dentre eles, o direito à educação. As premissas teóricas

lá investigadas são comuns a todos os direitos fundamentais sociais e devem ser

levadas em conta pelo Estado para a sua adequada implementação.

Nesse segundo recorte, para aprofundar a análise específica do direito à

educação, será necessário voltar ao estudo da Constituição Federal de 1988. Embora

haja extensa regulamentação infraconstitucional sobre o referido direito, é o próprio

texto constitucional quem endereça os principais deveres ao Estado, indo muito além

da enunciação do direito à educação enquanto direito fundamental social (art. 6o).

3.1 OS PRINCÍPIOS E OS DESDOBRAMENTOS DO DIREITO FUNDAMENTAL

SOCIAL À EDUCAÇÃO

No capítulo anterior, afirmou-se que o primeiro passo rumo à concretização

de qualquer direito fundamental consiste em sua inserção no ordenamento jurídico. Na

evolução dos direitos fundamentais, costuma-se atribuir à Constituição de Weimar da

Alemanha de 1919 uma posição de destaque, pois ampliou o espectro protetivo

também para os direitos sociais, como a educação.

Aquela Constituição foi inovadora pelo conjunto de disposições sobre a

educação pública, principalmente por estabelecer a obrigação do Estado fornecer a

educação fundamental com duração de oito anos, a educação complementar até os

dezoito anos, além da gratuidade do material didático em ambos os níveis de ensino.91

Tratou-se, assim, de um importante marco jurídico para o avanço na proteção desse

direito.

Desde então, a educação já recebeu proteção jurídica em inúmeros

tratados,92 cartas de princípios e acordos internacionais que buscam estabelecer a

                                                                                                               91COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 207. 92Sem pretensão de aprofundar a análise quanto a tutela internacional do direito à educação,

basta registrar que o direito à educação encontra-se salvaguardado pela Declaração Universal de Direitos Humanos em seu art. 26, pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em seu art. 13, pelo Protocolo Adicional à Convenção

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pauta de direitos consagradores da dignidade da pessoa humana,93 que somente se

realiza quando os indivíduos têm acesso a bens indispensáveis, como a educação.

No Brasil, embora a educação já tivesse recebido disciplina jurídica nas

Constituições anteriores,94 nenhuma delas ocupou-se tanto do referido direito quanto a

atual, promulgada num contexto marcado, dentre tantos objetivos, pela busca da

democracia e por uma sociedade mais livre e menos desigual, o que não se atinge

sem o acesso à educação formal nos vários desdobramentos que decorrem da

proteção constitucional desse direito.

Por isso, o direito à educação foi incluído, juntamente com outros direitos,

no Capítulo II, da Constituição Federal, que trata, exclusivamente, dos direitos

fundamentais sociais (art. 6o), cujo regime jurídico é igual ao demais direitos

fundamentais, consoante já se viu no capítulo anterior. Além disso, o Capítulo III, Da

Ordem Social, trata exclusivamente do direito à educação, em seus artigos 205 a 214,

nos quais restaram delineados os contornos gerais que envolvem a aplicação do

mencionado direito.

Essas disposições, relativas ao direito à educação, constituem parâmetros

que devem nortear a atuação do legislador e do administrador público e, até mesmo,

oferecer determinados critérios ao Poder Judiciário quando invocado a julgar questões

que digam respeito à concretização do referido direito.95 Nesse caminho, pode-se citar

o art. 206, cujos incisos enunciam os princípios com base nos quais o ensino deverá

ser ministrado, tais como a igualdade de condições para o acesso e permanência na

escola, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e

o saber, a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, a garantia de

um padrão de qualidade, o atendimento aos portadores de deficiência, dentre outros.

Vale destacar, ainda, os incisos do art. 214, que estabelecem as diretrizes

que devem ser observadas pelo Estado quando institui ações relacionadas ao ensino,

tais como a erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a

melhoria da qualidade do ensino, a promoção humanística, científica e tecnológica do

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   Americana sobre Direitos Humanos também no seu art. 13, além de outros diplomas internacionais.

93GARCIA, Emerson. O direito à educação e suas perspectivas de efetividade. Justitia, São Paulo, v. 64, n. 197, p. 89-119, jul./dez. 2007, p. 94.

94 Para um maior aprofundamento quanto à tutela jurídica do direito à educação nas Constituições brasileiras anteriores, recomenda-se a leitura de: VIEIRA, Sofia Lerche. A educação nas constituições brasileiras: texto e contexto. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 88, n. 219, p. 291-309, 2007.

95DUARTE, Clarice Seixas. A educação como um direito fundamental de natureza social. Educação & Sociedade, v. 28, n. 100, p. 691-713, 2007, p. 691.

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país, dentre outros. Isso revela que o direito à educação exige o cumprimento de

determinadas pautas comuns de interesse geral, estabelecidas pelo texto

constitucional, que devem ser observadas pelo Estado.96

Nessa perspectiva, o art. 205 proclama que a educação é direito de todos

e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a

colaboração de toda sociedade, com vistas a atingir o pleno desenvolvimento da

pessoa, além do seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho. Além disso, tamanha é a importância desse direito que a Constituição

permitiu que também os agentes econômicos particulares sejam corresponsáveis pela

sua efetivação, nos termos do art. 209.

Criou-se, assim, um sistema ontologicamente híbrido, no qual devem

conviver a educação pública e a privada,97 o que, contudo, não afasta a obrigação

estatal de continuar investindo na ampliação da rede pública de ensino. Em razão

dessa sistemática, na qual convivem educação pública e privada, o Estado pode

lançar mão de políticas públicas como o Prouni, cujo objetivo é ampliar o acesso ao

ensino superior através da oferta de vagas em instituições privadas de ensino.

Apesar de o ensino ser livre à inciativa privada (art. 209 da CF), tal

circunstância não tem o condão de torná-lo uma atividade econômica qualquer, em

decorrência do caráter específico da educação como função pública. 98 Logo, as

diretrizes dadas pelo texto constitucional são oponíveis tanto ao sistema educacional

público quanto ao privado. Por isso, é que os incisos I e II do art. 209 estabelecem que

as instituições privadas de ensino devem observância às normas gerais da educação

nacional, além de estarem sujeitas a avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Além disso, analisando o texto constitucional, já considerando as

alterações inseridas pela Emenda Constitucional n. 59/2009,99 Ana Paula de Barcellos

                                                                                                               96TAVARES, André Ramos. Direito fundamental à educação. SOUZA NETO, Cláudio Pereira

de. SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 5-6.

97GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade: o Estado e a sociedade civil para além do bem e do mal. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 249.

98CEZNE, Andrea Nárriman. O direito à educação superior na Constituição Federal de 1988 como direito fundamental. Educação (UFSM), v. 31, n. 01, p. 115-132, 2006, p. 125.

99A Referida Emenda Constitucional acrescentou o §3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, deu nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e deu nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo do inciso VI.

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afirma que o direito à educação se desdobra em oito direitos mais específicos, cujos

regimes jurídicos não são idênticos: (i) o direito das crianças de até 5 anos de idade

ao acesso ao ensino infantil em creche e pré-escola (art. 208, IV); (ii) o direito ao

ensino fundamental regular (art. 208, inc. I); (iii) o direito ao ensino fundamental

noturno, adequado ao atendimentos das necessidades daqueles que não tiveram

acesso na idade própria (art. 208, inc.I e VI); (iv) o direito à progressiva

universalização do ensino médio para educandos na idade própria, isto é, os

adolescentes (art. 208, inc. I, II e EC nº 59/2009, art. 6º); (v) o direito à progressiva

universalização do ensino médio para aqueles que não tiveram acesso na idade

própria (art. 208, inc. I, II, VI e EC nº 59/2009, art. 6º); (vi) o direito à programas

suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à

saúde, que se estende aos alunos da educação básica como um todo, isto é, pré-

escola, ensino fundamental e médio (art. 208, inc. VII); (vii) o direito dos portadores de

deficiência ao acesso a atendimento educacional especializado (art. 208, III); (viii) o

direito de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação

artística, segundo a capacidade de cada um (art. 208, inc. V).100

Nesse passo, Nina Beatriz Stocco Ranieri afirma que o direito à educação

trata-se de “gênero do qual os demais direitos educacionais são ramificações”.101

Percebe-se, então, que a maior parte das posições jurídicas que decorre da sua

proteção constitucional, assim como ocorre com os demais direitos fundamentais

sociais, tem sua concretização diretamente ligada à concessão de uma prestação

material por parte do Estado, o que implica a disponibilidade de recursos financeiros.

Por força dessa conjuntura, o constituinte, revelando sua preocupação com

a educação, estabeleceu patamares mínimos, resultantes da receita dos impostos,

que devem ser investidos pelos entes federativos para a manutenção e

desenvolvimento do ensino, conforme determinam os arts. 211 e 212 da Constituição

Federal.102 Com o mesmo escopo, no § 5º do art. 212, estabeleceu que a educação

básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do

salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.

Esse formato de financiamento pressupõe as condições materiais

imprescindíveis para que a educação ofertada atinja certo padrão de qualidade, mas,

                                                                                                               100 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o

princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 213-216. 101RANIERI, Nina Beatriz Stocco. O direito à educação e o pleno exercício da cidadania.

ComCiência, n. 111, 2009. 102FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014, p. 304.

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para tanto, o Estado precisa contar com os recursos mínimos decorrentes da

vinculação de receitas. Mais do que isso, essa vinculação também impede o

sucateamento dos sistemas públicos de ensino,103 pois o direcionamento de recursos

para a educação básica não ficará sujeito à discricionariedade do administrador

público ou ainda às questões de ordem política.

Por esse motivo, é que a inobservância dessa regra de dotação

orçamentária poderá dar azo à intervenção federal naqueles Estados que deixarem de

aplicar o mínimo exigido da receita resultante de impostos na manutenção e

desenvolvimento do ensino (art. 34, inc. VII, “e” da CF). Do mesmo modo, o não

oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular,

importará responsabilidade da autoridade competente (art. 208, § 2o da CF).104 Essas

previsões demonstram o alto nível de proteção conferido ao direito à educação pelo

ordenamento constitucional.

Fica evidenciado, portanto, que a Constituição Federal de 1988 significou

um importante marco para o direito à educação. Além de outorgar ampla proteção

jurídica, estabeleceu princípios e diretrizes que direcionam toda atuação estatal,

irradiando seus efeitos na produção legislativa infraconstitucional, na concepção de

políticas públicas educacionais (inclusive aquelas baseadas na extrafiscalidade dos

tributos), na atuação do Poder Executivo e, até mesmo, sobre o Poder Judiciário,

quando chamado a prestar tutela jurisdicional com relação ao direito à educação.

3.2 O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA

A educação básica é um direito de indiscutível relevância. Por isso, o

acesso a esse nível de ensino, com qualidade e para todos, foi lançado como um dos

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), com o apoio de 191 nações.105

Revela-se aí, novamente, a importância do direito à educação, enquanto meta a ser

alcançada por quase todos os países do mundo. No Brasil, não é diferente.

                                                                                                               103 PINTO, José Marcelino de Rezende; ADRIÃO, Theresa. Noções gerais sobre o

financiamento da educação no Brasil. EccoS revista científica, v. 8, n. 1, p. 23-46, 2006. p. 41.

104Reforça, também, essa obrigação a redação do § 4º, do art. 5o da Lei 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, cujo teor é semelhante para declarar que comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.

105ODM BRASIL. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. 2015. Disponível em: <http://www.odmbrasil.gov.br/os-objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio> Acesso em: 17 jul. 2015.

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      46  

A Constituição Federal (art. 208, inc. I) determinou que o dever do Estado

com a educação será efetivado mediante “a garantia de educação básica obrigatória e

gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua

oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. Dando

regulamentação a esse dispositivo, o art. 21, inc. I, da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (Lei nº. 9.394/1996) preconizou que a educação básica compreende a

educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

Segundo Nina Beatriz Stocco Ranieri, nessas parcelas, o direito à

educação é compulsório, pois não se pergunta às pessoas se desejam exercê-lo ou

não. 106 Como consequência disso, é obrigação do Estado atuar com vistas a

universalizar essas posições jurídicas relativas à educação básica. Por isso, nos

termos do art. 6o da Emenda Constitucional n. 59/2009, estabeleceu-se que a

educação básica deverá ser progressivamente implementada até 2016, nos termos do

Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União.

Desde a promulgação da Constituição, restou consignado, no § 1º do art.

208, que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito constitui direito público subjetivo.

Segundo Luís Roberto Barroso, essa previsão não deve conduzir a uma interpretação

restritiva, pois todas as situações jurídicas constitucionais redutíveis ao esquema

direito individual - dever do Estado configuram direitos públicos subjetivos. No caso da

educação, Barroso destaca que isso “evita que a autoridade pública se furte ao dever

que lhe é imposto, atribuindo ao comando constitucional, indevidamente, caráter

programático e, pois, insusceptível de ensejar a exigibilidade de prestação positiva”.107

Dito de outra forma, apesar da feição subjetiva ser intrínseca a todos os

direitos fundamentais, no caso da educação básica, a norma constitucional,

expressamente, reforçou a obrigação estatal para permitir, sem margem para dúvidas,

que o titular do direito possa exigir o seu cumprimento. Nesse passo, o Supremo

Tribunal Federal já consolidou seu entendimento no sentido de que, em situações

excepcionais, o Poder Judiciário pode determinar ao Poder Executivo a

implementação de políticas públicas a fim de garantir o acesso à educação básica,

                                                                                                               106RANIERI, Nina Beatriz Stocco. O direito à educação e o pleno exercício da cidadania.

ComCiência, n. 111, 2009. 107BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas:

limites e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2009, p. 111.

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quando os órgãos competentes não observarem esse encargo, sem que isso implique

ofensa ao princípio da separação dos Poderes.108

Em outro caso analisado pela referida Corte, no qual se discutiu a

condenação do Munícipio de São Paulo a matricular crianças em unidades de ensino

infantil próximas de sua residência ou do endereço de trabalho de seus responsáveis

legais, o Ministro Relator Celso de Mello fez importantes considerações que ajudam a

melhor compreender os desdobramentos jurídicos da proteção dada à educação

básica, como se pode depreender do trecho abaixo transcrito:

a cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança.109

Com isso, não obstante a discussão quanto ao mínimo existencial esteja

reservada ao item 1 do quarto capítulo e à reserva do possível ao item 4 do presente

recorte, já se pode apontar que, ao menos com relação à educação básica, não há

escusa que legitime a omissão estatal com relação à educação infantil, o ensino

fundamental e o ensino médio. Esse cenário demonstra que o ordenamento jurídico

                                                                                                               108 No julgamento do Agravo Regimental n. 761.127, interposto pelo Estado do Amapá, contra

decisão monocrática que conheceu de agravo e negou seguimento ao Recurso Extraordinário interposto por aquele Estado, discutiu-se a obrigação do Estado do Amapá de oferecer condições estruturais e materiais mínimas do ambiente escolar para permitir o pleno desenvolvimento educacional das crianças e adolescentes em idade escolar na Comunidade Cojubim, no Município de Pracuúba/AM. No acórdão de relatoria do Ministro Luiz Roberto Barroso, negou-se provimento ao Agravo Regimental porque o aresto atacado pelo Estado do Amapá encontrava-se em consonância com o entendimento das duas Turmas do Supremo Tribunal Federal, que permitem ao Poder Judiciário, em situações excepcionais, determinar ao Poder Executivo que realize as providências necessárias para assegurar o exercício de direitos protegidos pela Constituição Federal, como a educação básica. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 761.127/AP. Relator Min. Roberto Barros, Primeira Turma, DJ. 18.08.2014.

109BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 639.337/SP. Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ. 15.09.2011.

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deu lugar de destaque à educação básica, definindo precisamente o conteúdo das

prestações que a compõem.

Não faria sentido que o Poder Público pudesse investir em níveis

superiores de ensino e não se pudesse exigir dele a oferta do ensino básico, cujo

fornecimento é obrigatório pela Constituição.110 Logo, cabe ao Poder Judiciário quando

chamado a prestar a tutela jurisdicional, na hipótese de omissão Estatal, determinar ao

Poder Público que realize as providências necessárias à efetivação das parcelas que

compõem educação básica.

Esse estabelecimento de parcelas mínimas torna mais fácil sua

justiciabilidade, já que a falta de delimitação do conteúdo dos direitos fundamentais

sociais pode dificultar a concessão da tutela jurisdicional.111Em outros termos, as

prestações estatais relativas à satisfação desse mínimo existencial, são sempre

exigíveis perante o Poder Judiciário, ainda que não haja regulamentação legislativa,

previsão orçamentária, disponibilidade e estrutura organizacional do Poder Público

para atendê-las.112

E, mesmo que determinado indivíduo não utilize os serviços públicos de

educação básica do Estado, porque pode pagar para tê-lo em instituições privadas,

essa circunstância não faz com que perca a titularidade do direito. Tanto é assim que,

o Estado tem o dever disciplinar a autorização e o funcionamento das instituições de

ensino particulares, bem como fiscalizar o cumprimento dos requisitos necessários a

assegurar o padrão de qualidade do ensino (art. 208, VII e 209, II da CF).113

Essa constatação confirma a natureza multifuncional dos direitos

fundamentais sociais, já vista no primeiro capítulo, no sentido de que esses direitos

encerram inúmeras posições jurídicas que impõem diferentes deveres ao Estado. Por

isso, ainda como desdobramento da feição subjetiva do direito à educação, torna-se

possível recorrer ao Poder Judiciário para exigir, por exemplo, que a Administração

Pública cumpra sua obrigação de fiscalizar se a oferta do ensino básico em

determinada instituição particular observa as diretrizes traçadas pela Constituição.

                                                                                                               110 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o

princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 247, 309. 111 ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos

exigibles. 2. ed. Madrid: Trotta, 2004, p. 122. 112 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais

sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 153.

113HACHEM, ibid., p. 515.

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Para efetivar o direito à educação básica, o Estado pode agir de diversas

formas, inclusive através das normas tributárias extrafiscais, aquelas cujo escopo

principal não é arrecadatório. Nesse sentido, pode-se citar o projeto de Lei nº

189/2013 de inciativa do Senador Blairo Maggi.114 A intenção legislativa é instituir o

Programa Nacional de Incentivo à Educação Escolar Básica Gratuita (PRONIE), com o

objetivo de captar recursos privados, de pessoas físicas e jurídicas, para fomentar a

adoção de políticas públicas de ampliação dos investimentos e da melhoria da

qualidade da rede de ensino do país.115

Para alcançar essa finalidade, basicamente, o projeto de Lei permite que

pessoas físicas e jurídicas possam aplicar, a título de doação ou patrocínio, parcelas

do imposto de renda por elas devido em projetos educacionais de instituições, que

ofereçam de forma gratuita a educação básica. Em contrapartida, as pessoas físicas e

jurídicas que adotarem essa conduta poderão deduzir da base cálculo do imposto

devido os valores despendidos com doações e patrocínios a projetos educacionais,

nos termos previstos no referido projeto.116

Se aprovado pelo Congresso Nacional, o projeto pode colaborar na

implementação do direito à educação básica, já que, via de regra, a possibilidade de

diminuir o valor da imposição fiscal estimula o contribuinte a adotar a conduta

pretendida pela norma que, por sua vez, visa realizar um objetivo maior do Estado,

isto é, fazer com que o contribuinte direcione mais recursos à educação básica. Assim,

manifesta-se a feição extrafiscal da tributação, que será melhor analisada no terceiro

capítulo do presente trabalho.

Com isso, percebe-se que a educação básica é prioridade para o Estado, o

que faz todo sentido, pois é o primeiro passo rumo à implementação dos demais

níveis de ensino e, como consequência, mudar a realidade de atraso educacional que

                                                                                                               114O projeto de lei foi baseado no anteprojeto de lei elaborado pela Ordem dos Advogados do

Brasil do Estado de São Paulo. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. SECÇÃO SÃO PAULO. OAB SP entrega ao ministro da educação anteprojeto da lei Rouanet do ensino. 2009. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2009/03/09/oab-sp-entrega-ao-ministro-da-educacao-anteprojeto-da-lei-rouanet-do-ensino>. Acesso em: 25 out. 2015.

115BRASIL. Congresso. Senado. Projeto de Lei do Senado nº 189, de 2013. Institui o Programa Nacional de Incentivo à Educação Escolar Básica Gratuita (PRONIE). Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=131246&tp=1>. Acesso em: 24 out. 2015.

116Art. 4o Atendendo aos critérios estabelecidos nesta Lei, as pessoas físicas ou jurídicas poderão aplicar parcelas do Imposto de Renda por elas devido, a título de doação ou patrocínio direto a projetos educacionais de instituições reconhecidas pelo órgão competente do sistema de ensino em que se enquadram, conforme o disposto na Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que ofereçam de forma gratuita a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

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o país ainda experimenta.117 O reconhecimento desse fato, contudo, não autoriza o

Estado a deixar de lado os demais níveis de ensino. A educação, em todos os

desdobramentos que decorrem da proteção constitucional, desempenha importante

papel para o desenvolvimento na perspectiva almejada pela atual Constituição.

3.3 O DIREITO À EDUCAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO

A educação e o desenvolvimento são temas imbricados. A Constituição

Federal de 1988, quando elevou a garantia do desenvolvimento nacional à categoria

de objetivo fundamental da República, impôs uma série de obrigações ao Estado que

não se limitam à busca pelo incremento do Produto Interno Bruto - PIB,118 vai muito

além disso para endereçar outros deveres ao Estado.

Emerson Gabardo sustenta que foi acertada a decisão do legislador

constitucional quando este se valeu da expressão “desenvolvimento nacional” ao invés

de utilizar a expressão “desenvolvimento econômico”, pois não existe desenvolvimento

apenas de caráter econômico.119 O desenvolvimento,120 na perspectiva constitucional,

exige um conjunto de fatores, dentre eles o avanço na implementação de direitos

fundamentais sociais, como a educação. Nessa linha aponta Luiz Carlos Bresser

                                                                                                               117 Em 2012, segundo pesquisa realizada pela Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE), que efetua uma avaliação comparativa entre 65 países, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos de idade, o aluno brasileiro obteve, em média, 402 pontos em provas de leitura, matemática e ciências, menos que a média da OCDE de 497 pontos. Nesse sentido, ver: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Educação antecedentes. Disponível em: <http://www.oecdbetterlifeindex.org/pt/quesitos/education-pt/>. Acesso em: 30 out. 2015.

118Segundo Celso Furtado, o desenvolvimento, do ponto de visa econômico, é basicamente o aumento do fluxo de renda real, que ocorre pelo incremento da quantidade de bens e serviços, por unidade de tempo, à disposição de determinada coletividade. Trata-se de um conceito relacionado a elementos quantificáveis. Explica, ainda, o autor que o desenvolvimento, na perspectiva econômica, é um processo acentuadamente desigual, pois propaga-se com maior ou menor facilidade em alguns lugares do que em outros. Isso porque o conjunto de recursos e fatores necessários a esse processo não é igual em todos os lugares. FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto/Centro Internacional Celso Furtado, 2009, p. 105, 111.

119GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade: o Estado e a sociedade civil para além do bem e do mal. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 245.

120O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), utilizado para medir o progresso de uma nação, não considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento, mas leva em conta critérios também como saúde e educação. No caso da educação, o índice afere dados como a média de anos de educação dos adultos e a expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade de iniciar a vida escolar. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. O que é o IDH. 2015. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/IDH/IDH.aspx?indiceAccordion=0&li=li_IDH>. Acesso em: 20 out. 2015.

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Pereira, cuja lição, a despeito de ter sido concebida antes da promulgação da atual

Constituição, dela não se distancia:

o desenvolvimento é um processo de transformação econômica, política e social, através da qual o crescimento do padrão de vida da população tende a tornar-se automático e autônomo. Trata-se de um processo social global, em que as estruturas econômicas, políticas e sociais de um país sofrem contínuas e profundas transformações. Não tem sentido falar-se em desenvolvimento apenas econômico, apenas político, ou apenas social. Na verdade, não existe desenvolvimento dessa natureza, parcelado, setorializado, a não ser para fins de exposição didática. Se o desenvolvimento não trouxer consigo modificações de caráter social e político; se o desenvolvimento não for a um tempo o resultado e causa de transformações econômicas, será porque de fato não tivemos desenvolvimento.121

O desenvolvimento é um processo de longo prazo, que deve ser induzido

por políticas públicas ou programas de ação governamental em três setores

interligados: econômico, social e político. O elemento econômico se realiza com o

aumento na produção de bens e serviços. O elemento social manifesta-se pelo avanço

na igualdade de condições básicas à existência dos indivíduos, o que depende da

implementação de direitos de caráter econômico, social e cultural, como o direito ao

trabalho, o direito à educação em todos os níveis, o direito à saúde, dentre outros.

Finalmente, o elemento político implica a participação do povo na democracia,

assumindo seu papel de sujeito político, enquanto fonte legitimadora do poder e

destinatário do seu exercício.122

Indo mais além, Melina Girardi Fachin explica que os planos econômico-

social e político-democrático do desenvolvimento devem ser conjugados também com

a seara ambiental. 123 Na concepção de Carla Abrantkoski Rister, os direitos

fundamentais sociais não consistem em meios ou ferramentas para atingir o

desenvolvimento, mas no próprio desenvolvimento,124 posicionamento que confirma o

grau de importância desses direitos para atingir esse estado de coisas.

Para Daniel Wunder Hachem, o conceito de desenvolvimento deve ser

associado à noção de igualdade, que se concretiza quando o Estado atua visando

                                                                                                               121PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil. 10. ed. São Paulo:

Brasiliense, 1976, p. 21. 122COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 411-412. 123FACHIN, Melina Girardi. Direitos humanos e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar,

2015, p. 227. 124RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e

consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 392, 402.

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reduzir as distâncias entre as posições sociais para diminuir as desigualdades entres

os indivíduos, sendo este o elemento chave da ideia de desenvolvimento à luz da

atual Constituição.125 Portanto, se a atuação estatal for insuficiente para mitigar as

desigualdades sociais e econômicas entre os indivíduos pode até haver crescimento

econômico, mas não haverá desenvolvimento.

Com base nessas concepções, não se pode considerar desenvolvido um

país que, mesmo figurando entre as maiores economias do mundo,126 ainda seja

marcado pela péssima distribuição de renda e,127 além disso, por um baixo de grau de

efetividade dos direitos fundamentais sociais, que impede que todos tenham acesso a

direitos tão essenciais quanto à moradia, a saúde, a educação, dentre outros.

Por isso, o Estado, através do planejamento, deve figurar como o principal

condutor dos processos necessários ao desenvolvimento.128 Nessa linha, Emerson

Gabardo explica que o processo de desenvolvimento previsto na atual Constituição

possui caráter centralizado com competências próprias para o Estado e para cada um

dos entes, além de regulamentação específica que é direcionada à iniciativa

privada.129 Isto é, além de partícipe, o Estado coordena o processo que conduz ao

desenvolvimento.

A análise do direito à educação comprova essa constatação. A

Constituição estabelece as obrigações específicas de cada ente federativo no que diz

                                                                                                               125HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés

econômico: reflexos sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 13, n. 53, p. 133-168, jul./set. 2013, p. 150.

126Segundo dados do Banco Mundial, em 2014 o Produto Interno Bruto brasileiro atingiu o valor de US$2.346 trilhões, o que colocou o país naquele ano na posição de 7a maior economia do mundo. Informações disponíveis em: THE WORLD BANK. Brasil. Disponível em: <http://data.worldbank.org/country/brazil/portuguese>. Acesso em: 20 set. 2015; BRASIL é 7ª maior economia, e China deve passar EUA logo, diz Banco Mundial. UOL, 30 abr. 2014. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/04/30/ranking-do-banco-mundial-traz-brasil-como-a-7-maior-economia-do-mundo.htm>. Acesso em: 20 set. 2015.

127Segundo notícia divulgada pelo site da Globo, com base nos dados das declarações de imposto de renda divulgados pela Receita Federal do Brasil, no ano de 2013, apenas 71.440 brasileiros concentravam aproximadamente 22% das riquezas do país. Informações disponíveis em: ALVARENGA, Darlan. 71 mil brasileiros concentram 22% de toda riqueza. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/08/71-mil-brasileiros-concentram-22-de-toda-riqueza-veja-dados-da-receita.html>. Acesso em: 29 set. 2015; BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Grandes números IRPF anos 2007-2013. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/11-08-2014-grandes-numeros-dirpf/gn-irpf-ac-2013.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015.

128BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 51.

129GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade: o Estado e a sociedade civil para além do bem e do mal. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 246-247.

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respeito à implementação do direito à educação. Ao fazê-lo, deixa a cargo

prioritariamente dos Estados e do Distrito Federal o ensino fundamental e médio (art.

211, § 3º), enquanto atribui aos Municípios o encargo de atuar principalmente na

educação infantil (art. 211, § 2º), o que vem confirmar a lição de Gabardo.

Na mesma linha, o art. 209, embora preceitue ser livre o ensino à iniciativa

privada, prescreve em seus incisos que as instituições devem observar o cumprimento

das normas gerais da educação nacional (art. 209, inc. I), além de estarem sujeitas a

avaliação de qualidade pelo Poder Público (art. 209, inc. II). Novamente, comprova-se

a tese de Gabardo, pois esses dispositivos nada mais fazem do que endereçar regras

aos agentes privados, que podem desenvolver as atividades de ensino, desde que

observem certos parâmetros legais.

Portanto, o Estado deve atuar no sentido de promover o acesso à

educação em todos os seus níveis, seja na rede pública ou mesmo na rede privada, o

que pode ser feito a partir da concessão de incentivos fiscais. Nesse passo, Oksandro

Osdival Gonçalves e Helena Gonçalves explicam que os tributos estão entre os

mecanismos capazes de promover o desenvolvimento, pois podem ser utilizados para

incentivar resultados nas mais variadas áreas, sejam eles econômicos, sociais,

políticos ou ambientais.130

O Estado pode criar um tratamento tributário diferenciado, que incentive a

adoção de condutas conformadoras dos direitos fundamentais sociais, como a

educação. No caso do Prouni, a isenção de tributos federais concedida em favor das

instituições de ensino superior funciona como um mecanismo que amplia o acesso ao

ensino superior e, ao fazê-lo, colabora com desenvolvimento nacional, pois realiza o

elemento social do desenvolvimento. Além disso, a educação estimula ainda o

desenvolvimento na perspectiva econômica.131

Segundo o Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos,

do biênio 2013/2014, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura (Unesco), somente com investimento em educação

                                                                                                               130GONCALVES, Helena de Toledo Coelho; GONÇALVES, Oksandro Osdival. Tributação,

concorrência e desenvolvimento econômico sustentável. In: GONÇALVES, Oksandro Osdival; FOLMANN, Melissa (Org.). Tributação, concorrência e desenvolvimento. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 15-45, p. 42.

131 Segundo relatório divulgado em 2015 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, o Produto Interno Bruto do Brasil pode crescer cerca de 750% até 2095 se nível o básico de educação for acessível a todos os jovens do país. PIB DO BRASIL PODERIA SER 7 VEZES MAIOR COM EDUCAÇÃO MELHOR. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/economia/noticias/pib-do-brasil-poderia-ser-7-vezes-maior-com-educacao-melhor >. Acesso em: 29 set.2015.

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equitativa, isto é, garantindo-se que os mais pobres completem mais anos na escola,

os países podem alcançar o crescimento que elimina a pobreza. Destaca, ainda, o

relatório que o aumento de um ano na média educacional pela população de um país

aumenta o crescimento anual do seu PIB per capita de 2% para 2,5%. Segundo o

mesmo relatório, a educação ajuda a explicar as diferenças nas trajetórias de

crescimento regional. Nesse sentido, cita que, no ano de 1965, os adultos do Leste

Asiático e do Pacífico passavam 2,7 anos a mais na escola do que os da África

Subsaariana. Como consequência, nos 45 anos seguintes, a taxa média de

crescimento foi quatro vezes maior no Leste Asiático e no Pacífico do que na África

Subsaariana.132

Nesse contexto, o Brasil ainda é um típico exportador de produtos

primários,133 necessitando importar aqueles produtos cuja falta de tecnologia impede a

produção em território nacional. Para industrializar produtos de maior valor agregado

e, consequentemente, incrementar a produção de bens e serviços (elemento

econômico do desenvolvimento), é fundamental que o Estado adote medidas para

universalizar o acesso da população à educação, da educação básica aos mais

elevados níveis de ensino.

Por esse motivo, a pesquisa científica e tecnológica, que é um

desdobramento do direito à educação (art. 214, inc. V da CF), ocupa lugar de

destaque principalmente nos países desenvolvidos, nos quais se transformou em

sinônimo de competitividade. 134 Além disso, “a inovação tecnológica vem sendo

crescentemente invocada como estratégia para redimir empresas, regiões e nações

de suas crônicas aflições econômicas e para promover o seu desenvolvimento”,135 o

que somente é possível com investimento em educação.

Em outra perspectiva, a educação também é indispensável para que os

indivíduos consigam a capacitação educacional necessária para os melhores

                                                                                                               132UNESCO. Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4. Paris:

Unesco, 2014, p. 23. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002256/225654por.pdf>. Acesso em: 8 nov.2015.

133É o que se pode verificar do resultado da balança comercial brasileira de fevereiro de 2015. Ver: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Balança comercial brasileira: fevereiro/2015. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1425329277.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015.

134SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 119.

135PLONSKI, Guilherme Ary. Bases para um movimento pela inovação tecnológica no Brasil. São Paulo em perspectiva, v. 19, n. 1, p. 25-33, 2005, p. 25.

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empregos, o que colabora na redução das desigualdades sociais e econômicas.136

Mais do que isso, a educação permite aos indivíduos um maior conhecimento dos

aspectos que envolvem o exercício da cidadania em um Estado Democrático de

Direito (elemento político do desenvolvimento), dentre eles, a importância do processo

eleitoral para a escolha de seus representantes.

Segundo Sérgio Cabral dos Reis, a concretização progressiva dos direitos

sociais, o que inclui a criação de políticas públicas educacionais, constitui pressuposto

indispensável para a consagração do conceito pós-moderno de democracia, o qual,

“superando a ideia de mera representatividade formal, pressupõe uma participação

consciente e com capacidade real de influência nas decisões políticas da

comunidade”.137

Portanto, somente haverá desenvolvimento, na concepção escolhida pela

atual Constituição Federal, quando o incremento econômico estiver acompanhado de

progresso social e político, que seja capaz de trazer consigo a redução das

desigualdades sociais e econômicas, o que exige uma distribuição mais equitativa da

renda e o acesso a bens como a educação.

3.4 O DIREITO À EDUCAÇÃO E A RESERVA DO POSSÍVEL

A concretização de qualquer direito fundamental, em sua dimensão

prestacional, implica a necessidade de recursos financeiros por parte do Estado.

Apesar de não ser esta uma exclusividade dos direitos fundamentais sociais, a maior

parte das posições jurídicas que decorrem da sua proteção constitucional depende da

concessão de prestações materiais por parte do Estado.

No caso do direito à educação não é diferente. Da educação básica ao

ensino universitário, o Estado brasileiro, mesmo sem atender a todos, precisa

direcionar grande quantidade de recursos à manutenção dos sistemas de ensino.138 E,

                                                                                                               136 Segundo pesquisa do Ministério da Educação, aqueles que possuem ensino superior

completo ganham, em média, 8,6 vezes mais que aqueles indivíduos que não possuem essa formação. Ver: BRASIL. Ministério da Educação. Pradime: Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação. Brasília: Ministério da Educação, 2006, p. 27. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Pradime/cader_tex_1.pdf >. Acesso em: 15 jul. 2015.

137DOS REIS, Sérgio Cabral. Educação emancipatória, trabalho decente e desenvolvimento do Brasil no capitalismo parasitário neoliberal: para além do mínimo existencial na jurisdição constitucional democrática. Dat@ venia, v. 7, n. 10, p. 7-28, 2015, p. 9.

138Segundo dados do Ministério da Educação, na última década, o orçamento da educação cresceu 205,7% passando de R$ 33,3 bilhões em 2003 para R$ 101,86 bilhões em 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Orçamento da educação cresceu 205,7% em uma

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se a vocação do Estado instituído pela nova ordem constitucional é superar o mínimo

existencial, 139 quanto mais se busca dar aos indivíduos, consequentemente, maior

será o gasto estatal.140

Por isso, o avanço na concretização de direitos como a educação encontra

obstáculos na capacidade orçamentária do Estado, o que torna inevitável a discussão

quanto à chamada reserva do possível.141 A reserva do possível surgiu na década de

70, quando a Corte Constitucional da Alemanha, discutia em um processo a

constitucionalidade das restrições ao direito de livre escolha da profissão, já que o

número de vagas nas universidades públicas de medicina era inferior à demanda

estudantil. Naquela ocasião, a decisão declarou que as pretensões individuais

estavam submetidas à reserva do possível, no sentido de que esses pleitos

formulados contra o Estado fossem analisados com a devida razoabilidade.142

Vale dizer, “aquilo que o indivíduo possa esperar razoavelmente da

sociedade”.143 Portanto, a reserva do possível condiciona a efetividade dos direitos

fundamentais sociais à capacidade financeira do Estado, que apesar de dispor dos

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   década. 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=19253>. Acesso em: 30 out. 2015.

139No caso da educação, já se disse acima que o legislador conferiu grande importância para a educação básica, que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. Segundo Ana Paula de Barcellos, estas são as parcelas que compõe o mínimo existencial no que tange ao direito fundamental social à educação, posição com a qual se concorda. BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 247, 305-306.

140Embora a discussão quanto ao mínimo existencial esteja reservada para o item I do quarto capítulo, importa anotar, desde já, que a atuação estatal não deve estar limitada somente à garantia do mínimo existencial dos direitos fundamentais sociais. A atuação do Estado deve visar atingir a maximização dos direitos fundamentais sociais, no sentido de permitir aos titulares o pleno exercício das posições jurídicas que decorrem da proteção constitucional. É nesse sentido que apontam os seguintes autores: BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 118, 144; CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 28; HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 370, 377, 381 e 385.

141Para um maior aprofundamento quanto ao surgimento da reserva do possível, recomenda-se a leitura de artigo escrito por Paulo Roberto Lyrio Pimental. Nele o autor explica de forma mais detalhada o processo judicial que deu origem a esse argumento na Corte Constitucional da Alemanha. PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As normas constitucionais programáticas e a reserva do possível. Revista de Informação Legislativa, v. 49, n. 193, p. 7-20.

142FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 141.

143LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 99.

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recursos financeiros não está obrigado a prestar algo que extrapole os limites do

razoável.144A avaliação dessa disponibilidade financeira é uma obrigação afeta ao

Poder Legislativo, pois, sendo sua a competência para elaborar o orçamento público,

é ele quem deve decidir o que corresponde a uma razoável exigência no âmbito da

capacidade financeira do Estado.145

A reserva do possível, enquanto argumento de defesa do Estado em

demanda judiciais em face de si ajuizadas visando à satisfação de direitos sociais,

impõe que sejam levadas em conta as circunstâncias econômicas, sem deixar de

observar as escolhas feitas pelo Poder Legislativo. Em certos casos, essas escolhas

orçamentárias decorrem da própria tutela constitucional conferida ao direito.

Como já visto anteriormente, a Constituição conferiu posição privilegiada à

educação básica, pois reforçou sua dimensão subjetiva, estabeleceu competências

próprias aos entes federativos, criou um sistema de financiamento próprio, além de

estipular prazo até o ano de 2016 para que o seu acesso seja progressivamente

universalizado (art. 6o EC n. 59/2009). Nessa hipótese, quando o Estado é chamado a

conceder a prestação jurisdicional necessária a viabilizar o exercício de qualquer uma

das parcelas que compõe a educação básica, o argumento da reserva do possível não

é válido para afastar a obrigação estatal.146

Logo, a reserva do possível não pode assumir a forma de argumento para

ocultar, quando injustificada, a inoperância estatal na concessão das prestações

necessárias ao exercício de um direito fundamental. 147 Ainda que a reserva do

possível configure justo motivo para afastar a pretensão judicial de determinada

parcela do direito à educação que extrapole o mínimo existencial, tal argumento não

tem o condão de mitigar a extensão da proteção constitucional conferida ao direito.

O fato de um direito estar condicionado à existência de recursos

financeiros não destrói a qualidade jusfundamental da garantia em causa.148 Dizer que

um direito fundamental social não pode ser tutelado em determinado caso concreto                                                                                                                144SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo

existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & Justiça, n. 1, out./dez. 2007, p. 189.

145PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As normas constitucionais programáticas e a reserva do possível. Revista de Informação Legislativa, v. 49, n. 193, p. 7-20, p. 13.

146Conforme já dito acima, o Supremo Tribunal Federal entende que o Poder Judiciário pode determinar a implementação de políticas públicas com objetivo de garantir o acesso à educação básica, quando essa obrigação é inobservada pelos órgãos competentes.

147 PEREIRA, Ana Lucia Pretto. A reserva do possível na jurisdição constitucional brasileira: entre constitucionalismo e democracia. 2009. 287 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009, p. 3.

148NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 279.

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pela via judicial não atenua a obrigação da Administração Pública de atuar com vistas

à sua efetivação. Reconhecer judicialmente que a demanda estudantil pelo curso de

medicina é superior à capacidade orçamentária do Estado de criar vagas, como fez a

Corte Constitucional da Alemanha, ou ainda que determinada parcela do direito à

educação escapa dos limites orçamentários previstos pelo Poder Legislativo, não

autoriza o Estado a deixar de lado o objetivo de atuar no sentido universalizar o

acesso àquelas posições jurídicas que extrapolam o conteúdo do mínimo existencial.

Por exigência de um constitucionalismo igualitário, torna-se imprescindível

o dever do Estado de buscar garantir a integralidade do conteúdo dos direitos

fundamentais sociais.149 A Constituição Federal, quando enunciou que a educação é

um direito de todos (art. 205), não fez outra coisa senão recorrer ao princípio da

igualdade. Mesmo que seja utópico cogitar que as prestações materiais devidas pelo

Estado com relação ao direito à educação possam ser distribuídas igualmente entre

todos os cidadãos, já que a reserva possível “não é algo artificialmente construído pela

doutrina, mas um condicionamento real”,150 tal circunstância não pode ser óbice para

que o Estado busque maximizar a satisfação das posições jurídicas que decorrem do

direito à educação, como o acesso ao ensino superior.

Em interessante posicionamento, Josué Mastrodi sustenta que, em países

como o Brasil, cuja economia é uma das maiores do mundo, a reserva do possível

nada mais é do que pretexto para justificar a negativa de intervenção estatal em

prioridades sociais, tratando-se de verdadeira reserva de injustiça.151 Todavia, não se

pode concordar integralmente com esse raciocínio.

Em certas hipóteses, a reserva do possível pode funcionar como

argumento válido para negar a prestação jurisdicional,152 a exemplo das demandas

                                                                                                               149 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais

sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 87.

150NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 278.

151MASTRODI, Josué. Direitos sociais fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 103-104.

152Muitas vezes, o Poder Judiciário não leva em conta os efeitos econômico-financeiros de suas decisões e termina por baseá-las unicamente na compreensão da Constituição Federal e dos direitos fundamentais, como ocorre com as decisões judiciais que condenam o Poder Público ao fornecimento de prescrições médicas que não estão arroladas nos protocolos de fornecimento de medicamentos gratuitos ou cuja eficácia ainda precisa ser comprovada. Em razão disso, impõe-se custos excessivos ao Estado, o que impede que os recursos escassos sejam alocados de forma mais eficiente, isto é, em políticas públicas que visem atender os interesses coletivos. Nessas hipóteses, a atuação do Poder Judiciário termina por adentrar na competência dos demais Poderes, interferindo no orçamento estatal. Nesse

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cujos pleitos dizem respeito a tratamentos de saúde de alto custo no exterior, muitas

vezes de eficácia não comprovada, e que não podem ser estendidos a todos os

indivíduos, terminado por prejudicar a alocação de recursos para atendimento das

necessidades coletivas.153

Todavia, do entendimento de Mastrodi extrai-se a lição de que a reserva

do possível não pode ser utilizada de forma indiscriminada para negar efetividade aos

direitos fundamentais sociais, como a educação. Entretanto, se a reserva do possível

é um tema imbricado com a capacidade orçamentária estatal, esse argumento parece

perder força na medida em que aumenta a disponibilidade financeira do Estado.

Se, por um lado, o desenvolvimento não está circunscrito somente ao

incremento em números absolutos do PIB, por outro, para que o Estado possa

avançar na concretização de direitos como a educação e aplicar os recursos públicos

de forma mais justa, é imprescindível que haja incremento econômico. Isso porque, via

de regra, é da tributação das relações econômicas privadas que o Estado retira os

recursos necessários para financiar a efetivação dos direitos fundamentais sociais.

Quanto mais cresce a atividade econômica, possivelmente maior será o

volume de tributos arrecadados e, consequentemente, maior será a quantidade de

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   sentido, explicam: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; HUNGARO, Luis Alberto. Ativismo do Poder Judiciário na Concessão de Medicamentos x Concretização das Políticas Públicas Constitucionais. Revista Direito, Estado e Sociedade, n. 45, p. 98-118, 2015.

153 Em abril 2008, o Supremo Tribunal Federal deu início ao julgamento do Recurso Extraordinário 368.564/DF interposto pela União. No caso, um grupo de portadores de uma rara doença ocular chamada retinose pigmetar, que causa perda progressiva da visão, havia impetrado mandado de segurança para ver assegurado o direito ao tratamento da enfermidade oftalmológica em Cuba. Na primeira sessão de julgamento, o Ministro Relator Carlos Alberto Menezes Direito destacou que o pedido de tratamento em Cuba não poderia ser deferido, votando no sentido de dar provimento ao Recurso Extraordinário da União, ao argumento de que, segundo laudo do Conselho Brasileiro de Oftalmologia - CBO, a doença não teria cura no Brasil e tampouco no exterior, motivo pelo qual a viagem dos portadores da doença para Cuba seria inócua causando prejuízos ao erário. No entanto, o julgamento foi adiado por indicação do Ministro Marco Aurélio Mello, que pediu vista do processo. Posteriormente, em 2011, quando do julgamento do final do recurso, a 1a Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário da União para assegurar o tratamento da doença oftalmológica em Cuba, ao argumento de que o direito à saúde é fundamental e um dever do Estado, sendo função da Suprema Corte tutelar a dignidade da pessoa humana. Entretanto, a partir da lógica protetiva da Constituição Federal que visa estender a todos o acesso aos direitos fundamentais sociais, fazem mais sentido as teses levantadas pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que juntamente com o Ministro Relator foram votos vencidos. Lewandowski argumentou que o Judiciário não pode definir de maneira pontual e individualizada como a Administração Pública deve distribuir os recursos públicos destinados à saúde. Explicou, ainda, que conferir a alguns indivíduos direitos que deveriam ser comtemplados de forma universal fere o princípio da isonomia, na medida em que estabelece que o tratamento da referida doença oftalmológica no exterior deve ter prioridade em relação a outras enfermidades que acometem os cidadãos. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 368.564/DF, Relator Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Primeira Turma, DJ 10.08.2011.

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recursos disponíveis ao Estado para levar a efeito seus objetivos. Por isso, se a

reserva do possível não pode servir como escusa para o Estado furtar-se aos seus

objetivos constitucionais, do mesmo modo, o Estado deve implementar medidas para

tornar a economia mais dinâmica, criando as condições necessárias para que haja

crescimento econômico na mesma medida em que deve evoluir a concretização dos

direitos fundamentais sociais.

A propósito, por força da EC n. 59/2009, incluiu-se o inc. VI ao art. 214,

para determinar que a meta de aplicação de recursos públicos em educação seja

estabelecida em proporção do Produto Interno Bruto. Ora, se o investimento em

educação fica atrelado ao PIB, quanto maior for o crescimento da economia,

consequentemente, maior será o direcionamento de recursos às atividades de

manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis.

Diante disso, apesar da reserva do possível não excluir os direitos sociais

do regime jurídico dos direitos fundamentais,154 não se pode negar que há um limite

orçamentário decorrente da natural escassez de recursos financeiros para o

atendimento de todos. Tal cenário, muitas vezes, pode ser agravado pela dificuldade

de crescimento econômico do Estado, sobretudo em períodos de crise.155

Ocorre que, se, mesmo ante essas circunstâncias, a Constituição

pretendeu dar mais do que apenas a educação básica, é preciso que o Estado

administre de forma racional os recursos públicos adotando medidas que resultem na

máxima efetivação das parcelas do direito à educação ao menor custo possível e de

modo a atingir a maior quantidade possível dos seus titulares.

Para alcançar esse objetivo, a tributação tem grande importância. Não

somente porque é fonte de recursos do Estado, mas também porque pode funcionar

como instrumento capaz de estimular os agentes econômicos a realizarem condutas

que resultem na concretização desse direito a um custo menor para o Estado.156 As

                                                                                                               154 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais

sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 138.

155Em razão da crise econômica experimentada pelo Brasil no ano de 2015, o Governo Federal anunciou corte do orçamento destinado à educação de cerca de R$ 9 bilhões de reais. FOREQUE, Flávia; CRUZ, Valdo. Prioridade de Dilma, educação deve ter corte de R$ 9 bilhões. Folha de São Paulo, São Paulo, 22 maio 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1632333-prioridade-de-dilma-educacao-deve-responder-por-13-do-corte-de-r-70-bi.shtml>. Acesso em: 2 nov. 2015.

156Em artigo publicado em coautoria com Oksandro Osdival Gonçalves, a análise preliminar de dados da renúncia fiscal do Prouni referentes aos anos de 2011 e 2012 indicou que é mais barato ao Estado ampliar o acesso ao ensino superior na rede privada de ensino do que na rede pública. Esse estudo será aprofundado no quarto capítulo do presente trabalho. KALIL,

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políticas públicas, mesmo aquelas baseadas na extrafiscalidade dos tributos, não

podem ignorar o fato de que os recursos financeiros do Estado são escassos e, por

isso, devem ser adequadamente empregados no sentido de buscar o atendimento

coletivo e igualitário dos cidadãos.

3.5 A IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO PELA VIA ADMINISTRATIVA

A implementação dos direitos fundamentais sociais como a educação

depende de um conjunto de medidas por parte do Estado, aí entendidas as ações dos

poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Como se sabe, esses poderes têm

atribuições que lhes são típicas e outras que, embora sejam atípicas, também podem

ser desempenhadas em determinadas hipóteses.

Essa divisão das esferas do poder estatal é essencial à manutenção do

Estado Democrático de Direito cujo funcionamento é incompatível com a concentração

de poder. Para isso, é preciso impedir que apenas um Poder titularize as funções de

legislar, aplicar a lei e julgar. A Constituição Federal expressamente estabeleceu que

são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo

e o Judiciário (art. 2o), vedando, ainda, a elaboração de Emenda Constitucional com

vistas à abolição dessa divisão (art. 60, § 4º, inc. III).

Segundo Felipe de Melo Fonte, a separação dos poderes é uma técnica a

serviço de três propósitos: (i) resguardar a democracia; (ii) proteger os direitos

fundamentais; e (iii) permitir a racionalização no exercício das funções públicas. Com

relação a este último, aponta, também, que o princípio da separação dos poderes

preconiza a especialização funcional das atividades estatais, com o objetivo de

prevalecer a competência técnica. Assim, o escopo dessa separação reside em

atender ao imperativo de racionalização das atividades públicas, função extremamente

relevante em um cenário de ampliação das tarefas do Estado e escassez de recursos

para concretizá-las.157

No caso da educação, pode-se dizer que o Poder Legislativo é o

responsável por conferir proteção jurídica ao direito, regulamentar sua aplicação e,

além disso, estabelecer políticas públicas educacionais. Por sua vez, ao Poder

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   Gilberto Alexandre de Abreu; GONÇALVES, Oksandro Osdival. PROUNI: estudo preliminar sobre a eficiência a partir da análise econômica do direito. In: BIER, Clerilei Aparecida; BADR, Eid; XIMENES, Julia Maurmann (Org.). Direitos sociais e políticas públicas. 1. ed. Florianópolis: CONPEDI, 2015, v. 1, p. 667-698.

157FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 169.

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Executivo incumbe a tarefa de aplicar a lei e executar as políticas públicas, por

exemplo, universalizando o acesso da população mais pobre ao ensino superior. Ao

Poder Judiciário cabe agir quando chamado a prestar a tutela jurisdicional, naquelas

situações em que se omite o Poder Executivo, ou, até mesmo, na ausência de

regulamentação por parte do Poder Legislativo, hipótese em que se abre a via do

mandado de injunção (art. 5o, inc. LXXI da CF).

Embora a atuação de todos os Poderes deva ter em mira a realização dos

direitos fundamentais sociais, como a educação, a inversão desses papéis pode

dificultar o atendimento de forma coletiva da população. Nesse sentido, explica Luís

Roberto Barroso que o excesso de judicialização das decisões políticas conduz a não

realização prática da Constituição Federal, tratando-se da concessão de privilégios a

alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que depende,

sobretudo, das políticas universalistas implementadas pelo Poder Executivo.158

A prestação dos serviços públicos deverá ser assegurada a todos,

mediante um caráter genérico e universal. 159 Quando se trata dos direitos

fundamentais, o termo universal significa a possibilidade jurídica de qualquer cidadão

exercer o direito, desde que se encontre na situação descrita pela previsão

normativa.160 No caso do direito à educação, é bom lembrar que a Constituição, no art.

206, inc. I, quando enuncia os princípios com base nos quais o ensino será ministrado,

expressamente, prevê a igualdade de condições para o acesso e a permanência na

escola, sem excluir aqueles que não podem acessar o Poder Judiciário para reclamar

o atendimento do seu direito.

Não obstante o Estado tenha o dever de prestar assistência jurídica

integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5o, inc. LXXIV

da CF), segundo pesquisa realizada em 2013 pela Associação Nacional dos

Defensores Públicos (ANADEP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

                                                                                                               158BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,

fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coords.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 875-904, p. 876.

159 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Regime jurídico do serviço público: garantia fundamental do cidadão e proibição de retrocesso social. 2009. 224 f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009, p. 176.

160NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 49.

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(IPEA), ainda faltam defensores públicos em 72% das comarcas brasileiras.161 Logo, o

Poder Judiciário não é acessível para todos, sobretudo porque grande parte da

população não tem acesso à Defensoria Pública.

Em regra, quem reclama o cumprimento judicial de um direito é aquela

parcela da população economicamente mais favorecida, que pode contratar um

advogado particular e que, além disso, conta com grau de instrução suficiente para ter

conhecimento da possibilidade de exigir judicialmente a satisfação do seu direito.

Aliás, via de regra, aqueles que reúnem essas duas condições tiveram acesso à

educação formal.

A Administração Pública possui melhores condições para implementar os

direitos através da alocação racionalizada e planejada dos escassos recursos públicos

em ações que visem o atendimento universal e igualitário da população.162 Não se

pode atribuir ao Poder Judiciário essa escolha, porque sendo outro o seu encargo

técnico, não está preparado para gerenciar os recursos públicos escassos, cujo

destino correto é o atendimento das necessidades coletivas e não somente das

pretensões individuais veiculadas em demandas judiciais.163

Assim, a decisão judicial que concede o direito de forma individualizada

ultrapassa a relação cidadão-Estado para projetar efeitos sobre os outros membros da

coletividade, cujas necessidades poderão deixar de ser atendidas pelo Estado em

razão da escolha alocativa determinada judicialmente somente para aqueles que

ajuizaram a demanda.164 Isto é, se os recursos são escassos, o cumprimento de

condenações para atender a pretensões individuais pode trazer como consequência a

diminuição de recursos destinados às ações estatais que visem atender a todos, o que

não parece ser a intenção da ordem constitucional.

                                                                                                               161INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. ANADEP e Ipea lançam Mapa da

Defensoria Pública no Brasil. 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria>. Acesso em: 19 jul. 2015.

162HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, jan./jun. 2013, p. 352.

163O caso do direito à saúde ilustra bem essa circunstância. Segundo estudo elaborado pela Advocacia Geral da União, somente no ano de 2012, para cumprimento das decisões judiciais proferidas em 18 demandas, que condenaram o Estado a fornecer medicamentos de alto custo, a União Federal necessitou desembolsar a quantia R$ 278.904.639,71, montante que beneficiou apenas 523 pacientes. Isso revela um grave desequilíbrio na distribuição dos recursos destinados à saúde, quando o atendimento ocorre pela via judicial. ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Intervenção judicial na saúde pública. Disponível em: <http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/29/Panorama-da-judicializa----o---2012---modificado-em-junho-de-2013.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2015.

164WANG, Daniel Wei Liang. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Direito Sanitário, v. 10, n. 1, p. 308-318, 2009, p. 309.

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Essas decisões judiciais isoladas lançam sobres os demais titulares dos

direitos fundamentais sociais custos de transação que não estavam previstos, 165

fazendo com que estes últimos suportem o prejuízo econômico decorrente das

decisões judiciais cumpridas individualmente pelo Estado. Esses custos de transação

são “aqueles custos em que se incorre, que de alguma forma oneram a operação,

mesmo quando não representados por dispêndios financeiros feitos pelos agentes,

mas que decorrem do conjunto de medidas tomadas para realizar uma transação”.166

Contudo, o direito pode desempenhar um papel relevante na redução

desses custos de transação. Para isso, deve funcionar como mecanismo social de

implementação de decisões políticas via políticas públicas tendentes a superar o

problema da ação coletiva no fornecimento bens públicos pela convergência de

interesses. 167 Significa dizer que, mais do que resguardar o direito à educação

daqueles que o reclamam na via judicial, deve o Estado implementar políticas públicas

para garantir o exercício dos direitos fundamentais de forma coletiva.

Nesse passo, Daniel Wunder Hachem defende que a Constituição Federal

reconhece ao cidadão o direito fundamental à tutela administrativa efetiva. Como

decorrência desse direito, torna-se incumbência da Administração Pública criar as

condições materiais e jurídicas para possibilitar o exercício dos direitos sociais em sua

integralidade, além de atender de forma igualitária a todos. Para isso, é necessário

adotar, de ofício, medidas aptas a universalizar as prestações que são concedidas

                                                                                                               165Rafael Augusto Ferreira Zanatta explica que o conceito de custos de transação foi criado por

Ronald Coase para identificar quais fatores determinavam os tipos de transação e contratos que as partes celebravam, bem como qual o papel das leis e das instituições no desenvolvimento do mercado. Explica, ainda, que existem custos de transação gerados pelo direito. Portanto, para evitar altos custos de transação entre os agentes econômicos, o Estado deve facilitar tais transações com o objetivo de maximizar a riqueza. Para um maior aprofundamento sobre o conceito de custos de transação, recomenda-se a leitura do artigo “Desmistificando a Law & Economics: a receptividade da disciplina Direito e Economia no Brasil”, bem como do artigo “O problema do custo social” escrito por Ronald Coase, no qual o autor expõe o conceito sobre custos de transação. Nesse sentido ver: ZANATTA, Rafael Augusto Ferreira. Desmistificando a Law & Economics: a receptividade da disciplina Direito e Economia no Brasil. Revista dos Estudantes de Direito da UnB, n. 10, p. 25-53, 2012; e COASE, Ronald. O problema do custo social. Trad. Francisco Kummel e Renato Caovilla. The Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies, v. 3, n. 1, art. 9, 2008. Disponível em: <http://services.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1035&context=lacjls>. Acesso em: 15 dez. 2015.

166SZTAJN, Rachel. Law and economics. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 74-83, p. 83.

167GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. A tragédia do judiciário: subinvestimento em capital jurídico e sobreutilização do Judiciário. 2012. 146 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade de Brasília, Brasília, 2012, p. 11-12.

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individualmente, sejam elas decorrentes de requerimento administrativo ou de

condenações judiciais. 168

Dessa forma, as normas instituidoras de direitos fundamentais sociais

tornam-se mais eficientes, pois a eficiência pode ser entendida como aptidão para

“obter ou visar o melhor rendimento, alcançar a função prevista de maneira mais

produtiva, pois a perda de recursos/esforços representa custo social”. 169 Logo,

implementar direitos sem que seja necessária a provocação judicial produz resultados

melhores, porque a ação estatal visa atender coletivamente a população.

Voltando à lição de Hachem, explica o autor que a ideia-chave do direito à

tutela administrativa efetiva reside no dever imposto à Administração Pública de

realizar de forma espontânea e, em sua máxima medida, toda a potencialidade dos

direitos fundamentais. O direito à tutela judicial é apenas a última ratio, a que os

indivíduos devem recorrer em hipóteses excepcionais, isto é, quando o direito à tutela

administrativa tiver sido inobservado.170

No mesmo sentido, aponta Clarice Seixas Duarte, para quem a

participação de todos nos bens da coletividade constitui um dos fundamentos do

Estado. Somente quando essa participação for negada, deve-se buscar a proteção

jurídica para corrigir esta situação indesejada.171 No julgamento do já citado Agravo

em Recurso Extraordinário 639.337/SP, no qual se discutiu a condenação do

Município de São Paulo a matricular crianças em unidades de ensino infantil próximas

de sua residência ou do endereço de trabalho de seus responsáveis legais, o Ministro

Relator Celso de Mello consignou importante advertência sobre a omissão estatal no

que diz respeito às suas obrigações constitucionais:

a inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à

                                                                                                               168 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais

sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 9, 483.

169SZTAJN, Rachel. Law and economics. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 74-83, p. 81.

170HACHEM, ibid., p. 8. 171DUARTE, Clarice Seixas. Direito público subjetivo e políticas educacionais. São Paulo em

Perspectiva, v. 18, n. 2, p. 113-118, 2004, p. 116.

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conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. 172

No referido julgado, concluiu-se, ainda, que reside, primariamente, nos

Poderes Legislativo e Executivo a prerrogativa de formular políticas públicas para a

efetivação do direito à educação. Todavia, ao deixar de fazê-lo, o Estado transgride a

Constituição, o que autoriza a intervenção do Poder Judiciário para neutralizar os

efeitos provocados pela omissão estatal, motivo pelo qual o Supremo Tribunal Federal

manteve a sentença condenatória proferida contra o Município de São Paulo.

Embora o caso julgado pelo STF diga respeito à parcela da educação

básica (ensino infantil), a premissa parece se estender aos demais direitos

fundamentais sociais e, claro, aos demais níveis de ensino que receberam tutela

constitucional, como o acesso ao ensino superior. Tornar possível o exercício do

direito à educação somente para aqueles que podem acessar o Poder Judiciário

aprofunda ainda mais a desigualdade, pois exclui todos os indivíduos que não reúnem

as condições necessárias para bater às portas da Justiça.

Portanto, com lastro na ideia de igualdade e desenvolvimento contemplada

pela Constituição Federal, é obrigação do Estado instituir uma Administração Pública

inclusiva, que proporcione, de ofício, para todos a realização integral dos direitos

fundamentais sociais.173 A propósito, essa é uma exigência que decorre da dimensão

objetiva do direito fundamental social à educação que espalha o conteúdo axiológico

desse direito por todo o ordenamento jurídico, como já visto no primeiro capítulo.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, por força da aplicabilidade imediata dos

direitos fundamentais (art. 5o, § 1º, da CF), os órgãos estatais encontram-se na

obrigação de tudo fazer no sentido de realizá-los, isto é, devem resguardar o interesse

público, agindo como guardiões e gestores da coletividade.174 Essa força jurídica dos

direitos fundamentais sociais, que impõe ao Estado o dever de implementá-los

espontaneamente, reclama que a tributação extrafiscal também seja utilizada como

instrumento para a concepção de políticas públicas no caso do direito à educação.

                                                                                                               172 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 639.337/SP, Relator: Min. Celso de Mello,

Segunda Turma, DJ. 15.09.2011. 173 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais

sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 65.

174SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 375, 378.

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      67  

Oksandro Osdival Gonçalves e Marcelo Miranda Ribeiro explicam que as

normas tributárias impactam fortemente os custos de transação, pois aumentam a

complexidade do ambiente de negócios e, consequentemente, alteram a perspectiva

da tomada de decisões.175 Assim, se a extrafiscalidade for utilizada no sentido de

mitigar ou até mesmo excluir a incidência de um tributo, terminará por reduzir os

custos de transação e, como consequência, induzirá o contribuinte a praticar uma

determinada conduta, que resultará na implementação de determinado direito pela via

administrativa.

É o que se verifica com o Prouni. Nesse caso, o Estado, para estimular a

concessão de bolsas de estudo aos estudantes menos favorecidos economicamente,

oferta para as instituições de ensino superior privadas a isenção de tributos federais,

diminuindo parcela dos custos de transação desses agentes privados. Percebe-se aí a

utilização da tributação para promover o acesso ao ensino superior, sem a

necessidade de provocação judicial, o que será aprofundado no quarto capítulo.

                                                                                                               175 GONÇALVES, Oksandro Osdival; RIBEIRO, Marcelo Miranda. Incentivos Fiscais: uma

perspectiva da Análise Econômica do Direito. Economic Analysis of Law Review, v. 4, n. 1, p. 79-102, 2013, p. 85-86.

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4 A EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA EFETIVAR O DIREITO À

EDUCAÇÃO

No capítulo anterior, analisaram-se mais a fundo alguns aspectos do direito

fundamental social à educação, chegando-se à conclusão de que o Estado deve

direcionar esforços, sobretudo na via administrativa, isto é, sem que haja provocação

judicial, para possibilitar a todos o exercício do direito à educação. Conforme se verá,

dentre os mecanismos para fazê-lo, o Estado pode lançar mão das normas tributárias.

O estudo do Direito Tributário, comumente associado àquelas normas que

se ocupam de instituir e arrecadar tributos, deve ser feito sob novos enfoques. Mesmo

sob a égide de um Estado Fiscal, cuja principal fonte de financiamento reside na

tributação das relações econômicas privadas, os tributos podem ir além da

arrecadação de recursos para funcionar como instrumentos capazes de promover os

direitos caros à ordem constitucional, como o direito à educação.

4.1 A FUNÇÃO PROMOCIONAL DA TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL

Em uma perspectiva tradicional, o Direito é concebido como um conjunto

de normas instituidoras de direitos e deveres, estes últimos entendidos como normas

que prescrevem determinados comportamentos, que, se violados, trazem como

consequência imediata a aplicação de uma sanção. A partir disso, a análise do

fenômeno jurídico fica concentrada principalmente na coatividade do ordenamento

jurídico e na própria estrutura das normas jurídicas.

Essa forma de enxergar o Direito encontra raízes na teoria pura do direito

de Hans Kelsen. Sem pretensão de aprofundar a análise da mencionada teoria, pois

não é este o objetivo do presente capítulo, pode-se apontar, com base em Norberto

Bobbio, que o significado histórico da obra kelseniana reside na análise estrutural do

direito como ordenamento normativo específico, cuja finalidade consiste no modo pelo

qual as normas estão unidas umas às outras e não nos conteúdos normativos por elas

veiculados,176 isto, é importa mais o aspecto estrutural do que o funcional das normas

jurídicas.

O Direito Tributário padece do mesmo problema. Muitas vezes, estuda-se

apenas o aspecto estrutural das normas que instituem e arrecadam tributos,

                                                                                                               176BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri:

Manole, 2007, p. 205.

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concebidas com objetivo de que o contribuinte não deixe de destinar aos cofres

públicos parcela do seu patrimônio e renda. Ignora-se, com frequência, que as normas

tributárias escapam à mera vigência do ordenamento jurídico para produzirem efeitos

concretos. Em interessante diagnóstico sobre a ciência do Direito Tributário, André

Folloni explica que:

o imperativo reducionista prescreveu a redução do Direito Tributário a norma positiva, uma proposição sobrejacente a uma estrutura proposicional sempre idêntica, em qualquer espaço-tempo. (...) Essa forma de proceder enraíza-se no pensamento científico simplificador. (...) O resultado desse esforço simplificador foi a incompreensão do todo no qual o Direito Tributário está imerso e das permanentes alterações de sentido que as interações entre o sistema e seu meio provocam. Não se conhece o sentido e o significado das múltiplas manifestações do Direito Tributário na vida econômico-sócio-ambiental, em outputs, e desse entorno nas normas tributárias, como inputs. Não se sabe nada para além da norma posta. Fica inviabilizado o conhecimento daquilo que, de fora, condiciona o Direito Tributário e, tampouco, dos condicionamentos que o Direito Tributário devolve a seu entorno, e das significações que apenas emergem nessas interações.177

Percebe-se que, além da perspectiva estrutural e arrecadatória, as normas

tributárias produzem impactos na realidade na qual estão inseridas. Elas podem

influenciar os agentes econômicos a praticarem, ou até mesmo, se absterem de certas

condutas, de acordo com os interesses do Estado. A essa feição dos tributos costuma-

se atribuir o nome de extrafiscalidade, cujos contornos conceituais serão melhor

explorados ainda neste capítulo.

Marco Aurélio Greco explica que a Constituição Federal de 1988 inaugurou

um Estado para servir, que se concretiza quando a atuação estatal se direciona no

atendimento dos objetivos constitucionais. O Estado não está originariamente

investido de poder, ao contrário, a ele originariamente é atribuída uma função que se

qualifica como a busca de objetivos no interesse de outrem (a sociedade civil).178 Por

isso, as normas tributárias não encerram um fim e si mesmas, isto é, não existem

apenas para arrecadar. Aí ganha importância a análise do fenômeno jurídico pelo viés

promocional.

                                                                                                               177 FOLLONI, André. Reflexões sobre complexity science no direito tributário. In: MACEI,

Demetrius Nichele et al. (Org.). Direito tributário e filosofia. 1. ed. Curitiba: Instituto Memória, 2014, p. 24-25.

178GRECO, Marco Aurélio. Do poder à função tributária. In: FERRAZ, Roberto. Princípios e limites da tributação: os princípios da ordem econômica e a tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 175.

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Noberto Bobbio explica que o incentivo e o prêmio são as duas formas

pelas quais se manifesta a função promocional do direito. O primeiro é um expediente

para obter uma boa ação. O segundo é uma resposta positiva para aqueles que

tenham praticado uma conduta desejada pelo Estado. Segundo o autor, muitas vezes,

é difícil distinguir um prêmio de um incentivo, no entanto, somente os prêmios se

inserem na categoria de sanções positivas, já que o contrário de prêmio é a pena

(caso típico de sanção negativa). Contudo, isso não significa que o desincentivo, face

contrária do incentivo, possa ser inserido no conceito de sanção negativa.179

A natureza promocional do direito tributário manifesta-se pela criação de

situações em que o contribuinte será premiado ou penalizado, apenas

economicamente, pela prática de determinada conduta.180 A tributação extrafiscal é

prova disso. A Lei n. 9.250/1995,181 que regulamenta o imposto de renda das pessoas

físicas, permite, em seu art. 8º, inc. II, “b”, que os valores gastos com educação sejam

deduzidos da base de cálculo do imposto devido, mecanismo que, além de estimular o

contribuinte a direcionar recursos para educação, também funciona como uma espécie

de prêmio para aqueles que praticam a conduta desejável pelo Estado.

Em outro exemplo, confirma-se novamente a explicação de Bobbio. O

aumento da carga tributária em produtos nocivos à saúde, como bebidas alcoólicas e

cigarro, pode ser feito com objetivo de desestimular o consumo desses produtos.

Beber e fumar são condutas socialmente indesejáveis pelo Estado, porém, lícitas.

Logo, se um indivíduo escolhe fazê-lo, não sofrerá qualquer penalidade, apenas

pagará mais caro por esses produtos, já que essa norma não tem natureza punitiva.

Isso porque, “o desincentivo refere-se a atos lícitos, na medida em que o ilícito não

pode ser coibido pela via tributária”.182

Explica-se. A tributação extrafiscal realiza a intervenção indireta do Estado

no domínio econômico, com base no art. 174 da Constituição Federal, que permite ao

Estado exercer o papel de agente normativo e regulador da atividade econômica, para                                                                                                                179BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri:

Manole, 2007, p. 71-73. 180ADAMY, Pedro Guilherme Augustin. Instrumentalização do direito tributário. In: ÁVILA,

Humberto (Org.). Fundamentos do direito tributário. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 301-330, p. 303.

181Paulo de Barros Carvalho explica que a legislação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR) permite o abatimento de verbas gastas em determinados investimentos, tidos como de interesse social ou econômico. Isto é, na composição de sua base de cálculo, seja entre as deduções ou entre abatimentos da renda bruta, inserem-se medidas que caracterizam com nitidez a extrafiscalidade, com a possibilidade de abater despesas com educação e saúde. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 287.

182LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 44.

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desempenhar funções de fiscalização, incentivo e planejamento da atividade

econômica. Ao atuar dessa forma, o Estado condiciona, externamente, a atividade

econômica privada sem assumir a posição de agente econômico.183

Essa modalidade de intervenção pode ocorrer de duas formas, por direção

ou por indução. Ocorrerá a intervenção por direção quando o Estado exercer pressão

sobre a atividade econômica, criando normas de natureza cogente que devem ser

observadas pelos sujeitos da atividade econômica,184 sob pena de sanção. No caso da

indução, o Estado atua por meio de normas dispositivas para estimular determinada

atividade econômica em detrimento de outra, através da concessão de incentivos aos

agentes,185 aí se inserem as normas tributárias extrafiscais.

Portanto, no caso da extrafiscalidade, é lícito aos agentes econômicos

aderir ou não à conduta pretendida pelo Estado, de acordo com uma ponderação de

interesses e valores.186 Ao contrário do sistema tributação fiscal (isto é, arrecadatória),

no qual a inadimplência das obrigações gera consequências negativas (como multa e

outros encargos). Isso demonstra que o desincentivo não funciona como punição

(sanção negativa), mas como mecanismo indutor para que o agente não incorra na

conduta indesejável pelo Estado.

Luiz Eduardo Schoueri,187 cuja análise é feita a partir de uma perspectiva

econômica, explica que na indução por estímulo o Estado proporciona vantagens que

não decorrem do livre funcionamento do mercado. No caso do desestímulo, o Estado

faz com que o destinatário da norma tributária incorra em custos cuja origem também

não reside no funcionamento do livre mercado.188

                                                                                                               183 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito econômico. 2. ed., rev. e atual. Coimbra: Coimbra,

1986, p. 37. 184Como exemplo de norma cogente que impõe um direcionamento aos agentes privados,

pode-se citar a Lei n. 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispondo ainda sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica.

185GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 147-148.

186ELALI, André de Souza Dantas. Tributação e regulação econômica: um exame da tributação como instrumento de regulação econômica na busca por redução das desigualdades regionais. São Paulo: MP, 2007, p. 99.

187SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 54.

188É o que ocorre, por exemplo, quando o Estado minora a incidência dos tributos que oneram o setor automobilístico, com vistas a induzir os contribuintes a adquirem veículos e, via de consequência, fomentar o desenvolvimento econômico. Valendo-se da mesma técnica, mas com objetivo inverso, o Estado pode majorar a imposição tributária de produtos que causam poluição, para dissuadir os indivíduos de consumi-los, em prol da proteção ao meio ambiente. A esse respeito ver: GONÇALVES, Oksandro Osdival; VOSGERAU, Douglas. A extrafiscalidade como política pública de intervenção do Estado na Economia e

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Para Paulo Caliendo, fiscalidade e extrafiscalidade são funções dos

tributos, isto é, instrumentalizações que a ordem constitucional permite para que a

imposição tributária busque recursos para o financiamento dos direitos fundamentais

ou, então, para que promova a realização desses direitos mediante a indução de

comportamentos.189 Todavia, essas funções não são excludentes entre si.

Isso porque, “no poder de tributar se contém o poder de eximir, como o

verso e reverso de uma medalha”.190 Por exemplo, para o ano de 2015, a Lei n.o

9.250/1995,191 que regulamenta o imposto de renda das pessoas físicas, permitiu que

o contribuinte deduzisse da base de cálculo do referido tributo valores gastos com

educação, até o limite anual de R$ 3.375,83 (três mil, trezentos e setenta e cinco reais

e oitenta e três centavos), para o ano-calendário de 2014.

Imagine, contudo, que o limite dedutível referido tivesse sido reduzido para

um terço do valor indicado, com objetivo de aumentar a arrecadação do tributo. Essa

alteração poderia desestimular o contribuinte a investir em educação, pois seu

benefício econômico seria menor, já que a incidência do tributo se faria sentir com

mais força. Isso revela que uma norma tributária concebida com a finalidade precípua

de arrecadar, também pode gerar efeitos extrafiscais. Por outro lado, ainda que se

permitisse deduzir todos os gastos com educação da base de cálculo do imposto de

renda,192 com objetivo de estimular o contribuinte a investir mais em educação,193 a

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   desenvolvimento: o ICMS ecológico e o IPI de veículos automotores. Ciências Sociais Aplicadas em Revista, v. 13, n. 24, p. 207-221, 2014.

189CALIENDO, Paulo. A extrafiscalidade como instrumento de implementação dos direitos fundamentais sociais no Brasil. Revista Jurídica do Cesuca, v. 2, p. 62-86, 2014, p. 73.

190BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 31.

191Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas: I - de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva; II - das deduções relativas: b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de: 9. R$ 3.375,83 (três mil, trezentos e setenta e cinco reais e oitenta e três centavos) para o ano-calendário de 2014; e (Redação dada Medida Provisória nº 670, de 2015).

192No Supremo Tribunal Federal, tramita a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI 4.927/DF) ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em março de 2013. Segundo a OAB, a imposição de limites reduzidos de dedutibilidade dos gastos com educação da base de cálculo do imposto de renda viola comandos constitucionais relativos ao conceito de renda, de capacidade contributiva, de dignidade humana, da razoabilidade e o próprio direito à educação. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Supremo recebe ADI contra limites de dedução com educação no imposto de renda. 2013. Disponível em:

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cobrança do imposto de renda das pessoas físicas tampouco deixaria de gerar

recursos ao Estado.

Por isso, não se pode ignorar o finalismo fiscal ou sequer o extrafiscal dos

tributos, porquanto ambos podem coexistir na mesma figura, havendo, em

determinadas hipóteses, maior ou menor prevalência deste ou daquele finalismo,194 o

que dependerá do objetivo estatal perseguido. Percebe-se, com isso, que as normas

tributárias não estão circunscritas apenas à finalidade arrecadatória. Elas podem e

devem ir muito além disso, em especial quando a carga tributária já consome boa

parte das riquezas do país.195

Um ordenamento jurídico protetivo-repressivo diferencia-se de um

ordenamento jurídico promocional (parece ser este o caso da Constituição Federal de

1988). Ao primeiro, interessam principalmente os comportamentos socialmente não

desejados, motivo pelo qual seu fim é impedir a prática desses atos. Ao segundo, por

sua vez, interessam as condutas socialmente desejáveis e, por isso, a finalidade

passa a ser estimular a sua realização,196 para isso, a tributação extrafiscal é um

importante instrumento.

Isso porque, o “Direito Tributário de um Estado de Direito não é Direito

técnico de conteúdo qualquer, mas ramo jurídico orientado por valores”. 197

Evidentemente, isso não afasta o poder de tributar do Estado com a finalidade

precípua de arrecadação ou sequer de punir aqueles contribuintes que cometem

crimes contra a ordem tributária, mas as normas tributárias podem ir além disso.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=234353>. Acesso em: 01 nov. 2015.

193Na Câmara dos Deputados, tramita o projeto de Lei no 7.475/2010 cujo objetivo é alterar o art. 8º da Lei no 9.250/1995 para permitir ao contribuinte a dedução integral da base de cálculo do imposto de renda as despesas relacionadas com a educação. BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 7.475, de 2010. Dispõe sobre dedução integral das despesas de educação, na apuração da base de cálculo do imposto de renda das pessoas físicas. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=778453&filename=Tramitacao PL+7475/2010>. Acesso em: 24 out. 2015.

194BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 624.

195O Brasil é detentor de uma pesada carga tributária, tanto que não raro os tributos são tratados como entraves ao crescimento econômico. Segundo dados da Receita Federal do Brasil, em 2013, a Carga Tributária Bruta (CTB) atingiu 35,95% do Produto Interno Bruto (PIB). BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Carga tributária bruta atinge 35,95% do PIB em 2013. 2014. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2014/dezembro/carga-tributaria-bruta-atinge-35-95-do-pib-em-2013>. Acesso em: 18 ago. 2015.

196BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007, p. 15.

197 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 15.

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Assim é que, o Estado pode antecipar-se por meio da tributação extrafiscal

e estimular condutas conformadoras dos objetivos que persegue, como a garantia do

exercício do direito à educação.

4.2 OS CONTORNOS CONCEITUAIS DA EXTRAFISCALIDADE

A imposição tributária não é criação recente. “O tributo é vetusta e fiel

sombra do poder político há mais de 20 séculos. Onde se ergue um governante, ela se

projeta sobre o solo de sua dominação”.198 Assim, manifesta-se a feição fiscal dos

tributos199 como forma de desdobramento do próprio poder do Estado, que para

concretizar suas finalidades, necessita contar com recursos financeiros.

Não obstante o Estado tenha mudado de feição no curso do tempo, jamais

deixou de reclamar a existência de recursos financeiros à sua disposição. Contudo,

isso não significa que a tributação, enquanto forma de financiamento do Estado,200

tenha permanecido estática ao longo do tempo.201 Pelo contrário, assim como os

direitos fundamentais, sua evolução é marcada pelas circunstâncias sociais e

econômicas que permeiam a sua manifestação.

                                                                                                               198BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1997, p. 01. 199Paulo de Barros Carvalho explica que a fiscalidade manifesta-se quando a organização

jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram a sua instituição repousem no fim exclusivo de abastecimento dos cofres públicos, sem que outros interesses, políticos, sociais e econômicos interfiram no direcionamento da atividade impositiva. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 286.

200Segundo Ricardo Lobo Torres, desde o surgimento do Estado moderno, com o fim do feudalismo, é possível distinguir alguns tipos de Estados. Até o final do século XVII e início do século XVIII, desenvolveu-se o chamado Estado Patrimonial, que tinha como uma das suas principais características o patrimonialismo financeiro, que consistia em financiar a manutenção estatal principalmente das rendas provenientes do patrimônio do príncipe, apoiando-se secundariamente na receita extrapatrimonial dos tributos. No decurso do século XVIII, na fase do absolutismo esclarecido, formou-se o Estado de Polícia, que aumentou as receitas tributárias e centralizou a fiscalidade na pessoa do soberano. Posteriormente, a centralização da fiscalidade na pessoa do soberano foi se enfraquecendo e foi substituída pelo liberalismo, pelo capitalismo e pelo Estado Fiscal. TORRES. Ricardo Lobo. A ideia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 1, 13 e 53.

201Em complementação ao que afirma Torres, Luís Eduardo Schoueri explica que, no Estado Patrimonial, o Estado funciona com um poderoso agente econômico, que atua ao lado do particular, na incipiente economia. No Estado de Polícia, o Estado assume características intervencionistas e deixa a posição de agente econômico, para tornar-se a autoridade que se vale de todos os meios ao seu dispor, dentre eles os tributos, para dirigir a atividade econômica. Finalmente, no Estado Fiscal, também conhecido como Estado do Imposto, não é o Estado que gera sua riqueza, mas é o particular quem se torna a fonte originária de riquezas, estando obrigado a transferir uma parcela dela para o Estado. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 24-25.

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Nessa evolução, a tributação ganhou novos contornos e, além da função

puramente arrecadatória (fiscal), passou a ser utilizada como instrumento capaz de

estimular os agentes econômicos a praticarem certas condutas ou, até mesmo, a não

praticá-las, com objetivo de atingir determinados objetivos estatais. Aí repousa a

extrafiscalidade.

Segundo James Marins e Jeferson Teodorovicz, nas primeiras

manifestações extrafiscais do século XX, tais medidas eram direcionadas à

intervenção econômica, em especial no que diz respeito à tributação alfandegária e à

proteção do mercado interno. Explicam, ainda, que a teoria da extrafiscalidade é

fundamentada em uma escolha política de tributar a atividade de certos indivíduos e

não tributar de outros,202 o que dependerá das finalidades que o Estado pretende

atingir.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo tributos com clara feição

extrafiscal, a exemplo do imposto sobre produtos industrializados e do imposto de

importação, cujas alíquotas podem ser alteradas pelo Poder Executivo justamente

para permitir o direcionamento da atividade econômica (art. 153, § 1º da CF). Contudo,

não há em seu texto e, tampouco, nas normas infraconstitucionais uma definição do

que seja o fenômeno da extrafiscalidade ou, sequer, quais fins o seu uso deve

perseguir. Por esse motivo, é preciso traçar alguns contornos conceituais da tributação

extrafiscal.

Na compreensão de José Souto Maior Borges, a teoria da extrafiscalidade

não considera a atividade financeira um simples instrumento ou meio de obtenção de

receita para o custeio das despesas estatais. Através das normas extrafiscais, o

Estado pode provocar modificações nas estruturas sociais, sendo, por isso, um

importante fator na dinâmica socioestrutural.203 Na concepção de Paulo de Barros

Carvalho:

a experiência jurídica mostra-nos, porém, que, vezes sem conta, a compreensão da legislação de um tributo vem pontilhadas de inequívocas providências no sentido de prestigiar certas situações, tidas como social, política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso. A essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração

                                                                                                               202 MARINS, James; TEODOROVICZ, Jeferson. Extrafiscalidade socioambiental. Revista

Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, n. 90, p. 73-123, jan./fev. 2010, p. 77, 83. 203BORGES, José Souto Maior. Introdução ao direito financeiro. São Paulo: Max Limonad,

1998, p. 97.

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dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade. 204

Para José Casalta Nabais, a extrafiscalidade pode ser compreendida como

um conjunto de normas que, apesar de fazerem parte do Direito Fiscal, não possuem

como finalidade dominante a consecução de receitas para o Estado, mas objetivam

realizar determinada finalidade econômica ou social.205 Isto é, os tributos escapam aos

limites da arrecadação e da clássica concepção de que se tratam apenas de

prestação pecuniária entregue ao Estado (art. 3o do CTN), 206 para produzirem outros

resultados não arrecadatórios.

A extrafiscalidade é um instrumento capaz de preordenar condutas no

sentido de provocar certos resultados econômico-sociais buscados pelo Estado. Ela

pode ser utilizada, por exemplo, para promover o desenvolvimento de certas regiões,

proteger a indústria nacional, reduzir as desigualdades sociais, estimular o emprego,

proteger o meio ambiente, 207 e, até mesmo, promover a efetivação de direitos

fundamentais como a educação.

No entanto, isso não autoriza que o manejo da tributação seja feito de

forma descriteriosa pelo Estado. Por isso, a extrafiscalidade não pode ser orientada

por critérios aleatórios ou ocasionais, mas por interesses coletivos que repercutam

para toda a sociedade.208 Poderia se acrescentar, ainda, que as normas tributárias

extrafiscais encontram o seu fundamento e as finalidades para as quais devem ser

utilizadas no próprio texto constitucional, na medida em que os direitos e valores nele

consagrados influenciam todo o ordenamento jurídico.

Nessa linha, Paulo Caliendo explica que o fim a ser atingido com a

tributação extrafiscal deve estar expresso no texto constitucional. Assim, não é a

                                                                                                               204CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2012,

p. 290. 205NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina,

1998, p. 629. 206Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se

possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

207KALIL, Gilberto Alexandre de Abreu; GONÇALVES, Oksandro Osdival. Incentivos fiscais à inovação tecnológica como estímulo ao desenvolvimento econômico: o caso das Start-ups. Revista Jurídica da Presidência, v. 17, n. 113, p. 497-520, 2016, p. 507.

208GONCALVES, Helena de Toledo Coelho; GONÇALVES, Oksandro Osdival. Tributação, concorrência e desenvolvimento econômico sustentável. In: GONÇALVES, Oksandro Osdival; FOLMANN, Melissa (Org.). Tributação, concorrência e desenvolvimento. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 44.

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destinação do recurso ou a técnica utilizada que determinará a natureza da norma

extrafiscal, mas a finalidade constitucional para qual a norma foi concebida. 209

De forma semelhante, Marciano Buffon entende que a extrafiscalidade

exige que o Estado utilize a tributação como instrumento de intervenção na sociedade,

sobretudo no campo econômico e social, para concretizar os objetivos

constitucionalmente previstos, em especial aqueles constantes do art. 1°

(fundamentos da República), art. 3º (objetivos fundamentais da República), art. 6°

(direitos fundamentais sociais, como a educação) e art. 170 (princípios gerais da

atividade econômica) da Constituição Federal.210

Dessa forma, pode-se dizer que a extrafiscalidade tem conteúdo aberto,

porém, determinado pelos objetivos e valores consagrados na Constituição. Fora

desses parâmetros, a extrafiscalidade manifesta-se de forma inconstitucional.211 Vale

dizer, “toda a tributação deve estar orientada à promoção daquele estado de coisas

cuja promoção é determinada constitucionalmente”.212 Com isso, percebe-se que a

legitimidade do uso da extrafiscalidade repousa no atendimento dos objetivos

constitucionais.

A educação, como já visto no capítulo anterior, recebeu ampla proteção

constitucional. Reconheceu-se nela um valor tão importante e homogêneo para a

comunidade, que a sua realização deve ser perseguida pelo Estado e por todos (art.

205 da CF). Isso autoriza que a tributação extrafiscal também seja utilizada com o

objetivo de alcançar a sua efetividade, inclusive como desdobramento da feição

objetiva desse direito, que faz com que as normas tributárias possam ser concebidas

com a finalidade de promover o direito à educação.

José Casalta Nabais explica que a extrafiscalidade concretiza-se em dois

grandes domínios, cada um deles representando uma técnica de intervenção ou

conformação social pela via fiscal, quais sejam: (i) os impostos extrafiscais, que são

concebidos para dissuadir ou evitar determinados comportamentos, através de

agravamentos extrafiscais de impostos fiscais; (ii) os benefícios fiscais dirigidos a

fomentar ou incentivar determinados comportamentos, para a concretização de

                                                                                                               209CALIENDO, Paulo. A extrafiscalidade como instrumento de implementação dos direitos

fundamentais sociais no Brasil. Revista Jurídica do Cesuca, v. 2, p. 62-86, 2014, p. 65. 210 BUFFON, Marciano. Tributação e direitos sociais: A extrafiscalidade instrumento de

efetividade. Revista Brasileira de Direito, v. 8, n. 2, 2012, p. 47, 53. 211GOUVÊA, Marcus de Freitas. Questões relevantes acerca da extrafiscalidade no direito

tributário. Interesse Público, Porto Alegre, v. 34, p. 175-200, nov./dez. 2005, p. 185. 212FOLLONI, André. Direitos fundamentais, dignidade e sustentabilidade no constitucionalismo

contemporâneo: e o Direito Tributário com isso? In: ÁVILA, Humberto (Org.). Fundamentos do direito tributário. 1. ed. Madri: Marcial Pons, 2012, p. 11-34, p. 30.

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objetivos econômicos-sociais. É no domínio dos benefícios fiscais, que a

extrafiscalidade se revela em termos mais frequentes e significativos.213

Isto é, a extrafiscalidade repousa mais no incentivo à pratica da conduta

desejável do que no desestímulo ao comportamento reprovável. A extrafiscalidade

pode se manifestar sob diversas formas ou instrumentos, como por exemplo:

imunidades tributárias; instituição de isenções; reduções de alíquotas (inclusive a

zero); reduções da base de cálculo; concessões de créditos presumidos; postergação

do prazo de recolhimento de tributos; concessão de anistia ou moratória, dentre outras

formas. Além disso, pode ser considerado incentivo fiscal qualquer instrumento de

caráter tributário ou financeiro com o objetivo de realizar finalidades

constitucionalmente previstas através da intervenção estatal por indução. Essas

vantagens podem operar subtrações ou exclusões no conteúdo de obrigações

tributárias, ou mesmo adiar os prazos de adimplemento dessas obrigações.214

Todas essas medidas mitigam a imposição fiscal e, em algumas hipóteses,

chegam a eliminá-la, com o objetivo de direcionar condutas. Um exemplo de mitigação

da carga tributária pode ser encontrado na Lei n.o 11.487/2007 que alterou a Lei nº.

11.196/2005, conhecida como Lei do Bem,215 para modificar a redação do art. 19-A

desta última lei, permitindo que a pessoa jurídica possa excluir do lucro líquido, para

efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o

Lucro Líquido (CSLL), os dispêndios efetivados em projeto de pesquisa científica e

tecnológica e de inovação tecnológica a ser executado por Instituição Científica e

Tecnológica (ICT), cujo conceito é dado pelo inc. V do art. 2o da Lei n.o 10.973/2004.216

Nesse caso, a intenção do legislador foi criar um instrumento de estímulo à

pesquisa científica e tecnológica, mediante a instituição de um benefício fiscal em

favor de grandes empresas contribuintes do imposto de renda.217 Essa sistemática

pode colaborar na efetivação do direito à educação. Isso porque, a promoção

                                                                                                               213NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina,

1998, p. 630-632. 214 ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. Incentivos fiscais em tempos de crise: impactos

econômicos e reflexos financeiros. Revista da PGFN, v. 1, n. 1, p. 99-121, 2011, p. 106. 215A chamada Lei do Bem instituiu regimes especiais de tributação e aquisição de bens de

capital, para pessoas jurídicas que realizarem pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica.

216Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se: V - Instituição Científica e Tecnológica (ICT): órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico;

217DE ARAÚJO, Maria Lírida Calou; ALMEIDA, Saulo Nunes de Carvalho. A extrafiscalidade tributária como mecanismo de concretização do direito fundamental à educação. Pensar-Revista de Ciências Jurídicas, v. 16, n. 2, p. 678-704, 2012, p. 698.

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humanística, científica e tecnológica do país fazem parte das metas do plano nacional

de educação (art. 214, inc. V da CF), além de estar em consonância com o art. 218 da

Constituição Federal, que endereça ao Estado a obrigação de incentivar o

desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a

inovação.218

Portanto, toda a tributação deve estar em sintonia com os objetivos

constitucionais. Quando isso ocorre, além dos recursos gerados serem destinados ao

financiamento de direitos fundamentais como a educação, ela também pode ser usada

como instrumento capaz de dirigir condutas que colaborem na efetivação desse

direito. Ao utilizar a tributação dessa forma, o Estado estará implementado direitos

pela via administrativa, de forma espontânea e com a colaboração dos agentes

privados, o que atende ao art. 205 da Constituição, que partilha com toda a sociedade

a responsabilidade pela concretização desse direito.

Contudo, é importante ressalvar que as normas tributárias extrafiscais são

apenas uma das vias para alcançar tal objetivo. Na realidade, como já se viu no

segundo capítulo, a implementação de direitos sociais como a educação exige um

conjunto de iniciativas estatais com caráter coletivo, sobretudo tomadas pelo Poder

Legislativo e Executivo, que tenham por objetivo assegurar ao maior número de

cidadãos o seu exercício.

4.3 A SOLIDARIEDADE NA TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL

O desejo de transformar a realidade social e econômica do país fez com

que se elevasse ao status constitucional o compromisso com a dignidade da pessoa

humana, com os direitos fundamentais (dentre eles, a educação), com a redução das

desigualdades sociais e regionais, com a erradicação da pobreza e da marginalização,

com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3, inc. I da CF), com o

desenvolvimento nacional, dentre outras prioridades.

A justiça social foi expressada com grande amplitude na Constituição

Federal de 1988, manifestando-se com maior força nos direitos sociais constantes do                                                                                                                218Segundo o Relatório Anual de Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da

Ciência, Tecnologia e Inovação, o número de empresas que optam por participar da Lei do Bem, no que diz respeito aos incentivos fiscais concedidos, vem crescendo a cada ano. Em 2003, 130 empresas declaram ter usufruído dos incentivos fiscais, tendo atingido o número de 1158 empresas participantes no ano de 2013. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Relatório Anual de Atividades de P&D: Ano Base 2013. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0238/238494.pdf >. Acesso em: 20 dez. 2015.

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art. 6o e 7o e no Título VIII sobre a Ordem Social, embora neles não se esgote. Vai

além disso, para iluminar a Constituição como um todo,219 irradiando seus efeitos

também sobre as normas tributárias, sejam ela concebidas com a finalidade precípua

de arrecadação, ou ainda, com a intenção de induzir comportamentos

(extrafiscalidade), já que todas as normas infraconstitucionais estão submetidas às

normas constitucionais.

Esse quadro alterou o fundamento último da tributação, que passa a

repousar na ideia de solidariedade ou coesão social. É a partir delas que se

identificam os objetivos buscados com a instituição e arrecadação dos tributos, o que

se materializa pelo ato de contribuir para as despesas estatais, de acordo com a

capacidade contributiva. 220 Isso tudo também influencia as normas da tributação

extrafiscal, pois “as normas tributárias não deixam de sê-lo pelo simples fato de

objetivarem alcançar fins não fiscais”.221

O direito à educação guarda em sua concepção um ideal de solidariedade

que aponta para o objetivo de possibilitar a todos o acesso a esse bem. Nesse

cenário, a tributação é indispensável para a sua implementação. Primeiro, porque é

com os recursos por ela gerados que o Estado investirá na educação pública em todos

os seus níveis. Segundo, porque o Estado pode utilizar os tributos como meio de

indução comportamental dos agentes privados, incentivando ações que visem à

implementação desse direito.

Em matéria tributária, o princípio da capacidade contributiva é o reflexo do

princípio da solidariedade e dos valores de justiça social. 222 É por força dele que a

imposição tributária deve se projetar com mais intensidade contra aqueles que têm

mais patrimônio e renda e, ao mesmo tempo, com menos força sobre os mais

desfavorecidos economicamente, nos termos do que determina o art. 145, § 1º, da

Constituição Federal.

Douglas Yamashita explica que há dois tipos de solidariedade. A

solidariedade de grupos sociais homogêneos, que se refere a direitos e deveres de um

                                                                                                               219YAMASHITA, Douglas. Princípio da solidariedade em direito tributário. In: GRECO, Marco

Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 57-58.

220GRECO, Marco Aurélio. Do poder à função tributária. In: FERRAZ, Roberto. Princípios e limites da tributação: os princípios da ordem econômica e a tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 174.

221VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio da isonomia tributária: da teoria da igualdade ao controle das desigualdades impositivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 169.

222SCHOEURI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 285.

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grupo social específico, a exemplo da família. Há, ainda, a solidariedade genérica, que

diz respeito à sociedade como um todo, que está prevista no art. 3o, inc. I, da

Constituição Federal, o que chama de princípio da solidariedade genérica.223 Em

interessante conceituação sobre a solidariedade, José Casalta Nabais explica que:

daí que a solidariedade, enquanto fenômeno estável ou duradouro e mais geral, se refira à relação ou sentimento de pertença a um grupo ou formação social, entre os muitos grupos ou formações sociais em que o homem manifesta e realiza atualmente a sua affectio societatis, dentre os quais sobressai naturalmente a sociedade paradigma dos tempos modernos – o Estado. Do que resulta que a solidariedade pode ser entendida em sentido objetivo, em que se alude a relação de pertença e, por conseguinte, de partilha e de co-responsabilidade que liga cada um dos indivíduos à sorte e a vicissitudes dos demais membros da comunidade, quer em sentido subjetivo e de ética social, em que a solidariedade exprime o sentimento, a consciência dessa mesma pertença à comunidade.224

Por estarem inseridos em um contexto de convívio social, os indivíduos

tornam-se, de certa forma, responsáveis uns pelos outros. Quando se trata da

comunidade por excelência, o Estado, é fácil visualizar essa circunstância. Os tributos

que incidem sobre aqueles que possuem manifestações de riqueza (renda, patrimônio

e consumo) destinam-se ao atendimento das necessidades coletivas.

Nesse aspecto, Ricardo Lodi Ribeiro explica que, sob a perspectiva da

solidariedade, uma das tarefas do Estado Social e Democrático é a garantia da

dignidade da pessoa humana. Para isso, é necessário angariar recursos daqueles cuja

sobrevivência digna não depende das prestações estatais, para atender às

necessidades daqueles que, por não possuírem recursos, necessitam das prestações

estatais.225

Por isso, o Estado Fiscal226 implica “uma cidadania de liberdade cujo preço

reside em sermos todos destinatários do dever fundamental de pagar impostos”. Esse

                                                                                                               223YAMASHITA, Douglas. Princípio da solidariedade em direito tributário. In: GRECO, Marco

Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 59-60.

224NABAIS, José Casalta. Solidariedade social, cidadania e direito fiscal. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 112.

225RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 8, n. 46, p. 87-109, jul./ago. 2010, p. 93.

226Luís Eduardo Schoueri explica que, em uma primeira fase, o Estado Fiscal assume uma feição minimalista, em razão do liberalismo econômico. Por isso, não cabia ao Estado intervir na economia, não sendo admissível nenhum ato arbitrário do Estado que violasse a propriedade, o que conduzia a necessidade de aprovação dos tributos pelo parlamento. Este

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dever constitui uma posição passiva do contribuinte face ao Estado, mas,

simultaneamente, configura-se como uma posição ativa do contribuinte, traduzida no

direito de exigir do Estado que todos os membros da comunidade sejam destinatários

desse dever fundamental, na medida da sua capacidade contributiva.227

Logo, os direitos fundamentais e o dever de pagar tributos constituem as

faces de uma mesma moeda. Sua coexistência é indissociável em um Estado que

pretenda dar aos indivíduos o máximo que a proteção jurídica dos direitos

fundamentais oferece, como ocorre no Brasil. Se aos cidadãos é legítimo exigir do

Estado a implementação dos direitos fundamentais, na mesma medida, é legítimo ao

Estado determinar aos particulares que entreguem, em tempo oportuno, parcela do

seu patrimônio e renda ao cofres públicos.

Ao lado da solidariedade engendrada pela fiscalidade, tem-se, também, a

solidariedade suportada pela extrafiscalidade, que ganhou importância com o advento

do Estado Social,228 o que faz todo sentido. Isso porque, no quadro desse Estado, as

normas tributárias não arrecadatórias também são influenciadas pelos valores e

objetivos constitucionais.

Nessa linha, Marciano Buffon explica que a solidariedade pela

extrafiscalidade se manifesta tanto pelo viés da oneração do tributo, quanto pela sua

redução (benefícios fiscais). Na primeira hipótese, aqueles que suportam uma

tributação mais elevada estão cumprindo um dever de solidariedade com o restante da

coletividade e, no segundo caso, toda sociedade reparte o ônus decorrente da

concessão do benefício fiscal, de forma solidária.229

Na Constituição Federal, um exemplo de norma que onera a incidência do

tributo com base no valor da solidariedade social, pode ser encontrado no art. 182, §

4º, inc. II, que determina a progressividade do imposto sobre a propriedade predial e

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   Estado Fiscal minimalista foi sucedido pelo Estado Social, que não deixou de ser Fiscal pois o particular continuou a ser fonte de financiamento do Estado. Entretanto, no Estado Social aumentam as obrigações estatais e igualmente cresce a necessidade de recursos financeiros. A carga tributária agiganta-se para sustentar o Estado Social. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 26, 29.

227NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Revista de Direito Público da Economia - RDPE, Belo Horizonte, ano 5, n. 20, p. 153-181, out./dez. 2007, p. 168.

228NABAIS, ibid., p. 133. 229 BUFFON, Marciano; BASSANI, Mateus. Benefícios fiscais: uma abordagem à luz da

cidadania fiscal e da legitimação constitucional da extrafiscalidade. Revista da AJURIS, v. 40, n. 130, 2013, p. 253.

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territorial urbana, como instrumento de política urbana.230Além disso, a solidariedade

também é o fundamento que legitima as contribuições sociais de natureza

previdenciária sobre a folha de salários, as contribuições sociais e as econômicas,231

sendo estas duas últimas espécies tributárias conhecidas como Contribuição de

Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), previstas no art. 149 da Constituição

Federal.

Essas contribuições possuem natureza regulatória e interventiva que as

diferencia de outros tributos, cuja natureza precípua é arrecadatória, já que a

consequência pretendida com a sua instituição é desejada e calculada

antecipadamente pelo Estado. Por isso, elas são utilizadas para intervenção na ordem

econômica e social, com objetivo de induzir condutas.232Dito de outra forma, as

contribuições pretendem direcionar comportamentos úteis ao interesse coletivo, o que

faz com que sejam utilizadas como instrumento de extrafiscalidade.233 O mecanismo

pode, por exemplo, ser utilizado para estimular a pesquisa científica e tecnológica que

é um desdobramento do direito à educação.

Isso ocorre com a Lei n.o 10.168/2000, 234 que instituiu a contribuição de

intervenção no domínio econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à

Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, também conhecida como

CIDE-Royalties. Nos termos do art. 1o da referida lei, o principal objetivo é estimular o

desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e

tecnológica entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo, motivo pelo

qual o produto da arrecadação é destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico - FNDCT (art 4o). 235

                                                                                                               230GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio;

GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 164.

231TORRES, Ricardo Lobo. Existe um princípio estrutural da solidariedade? In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 201.

232LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 59. 233CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. São Paulo:

Malheiros, 2008, p. 583. 234A Lei n.o 10.168/2000 foi regulamentada pelo Decreto n.o 4.195/ 2002, que estabeleceu, a

divisão do produto da arrecadação para as regiões do país (art. 1o), quais as finalidades que os recursos arrecadados devem estimular (art. 2o), quais as finalidades compreendem o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, dentre outras providências.

235O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) foi criado em 1969, por meio do Decreto-Lei nº 719, como um instrumento financeiro de integração da ciência e tecnologia com a política de desenvolvimento nacional, tendo por base a experiência do Fundo de Apoio à Tecnologia – FUNTEC, constituído em 1964 e gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDES. FUNDO NACIONAL DE

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Para alcançar essa finalidade, a lei estabeleceu que a contribuição será

devida pela pessoa jurídica, detentora de licença de uso ou adquirente de

conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem

transferência de tecnologia firmados com residentes ou domiciliados no exterior (art.

2o). A contribuição incidirá à alíquota de 10% (§4o do art. 2o), sobre os valores pagos,

creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou

domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações indicadas

no caput e no § 2o do art. 2o, 236 conforme determina o § 3o do mesmo artigo.

Nesse caso, a imposição tributária é feita a partir de uma norma que atinge

apenas uma determinada categoria de contribuintes, entretanto, os resultados por ela

produzidos podem beneficiar uma coletividade mais ampla do que aqueles contra

quem a medida tributária incidiu. O direcionamento de recursos para a pesquisa

cientifica e tecnológica, em regra, visa produzir resultados que tragam benefícios para

a sociedade como um todo, o que parece indicar o ideal de solidariedade como

fundamento para instituição da referida contribuição.

No entanto, apesar da solidariedade ser aprioristicamente associada ao

aumento da carga tributária, 237 como ocorre no caso da CIDE-Royalties, o Estado

também pode realizar a solidariedade tributando menos e, em determinadas situações,

até mesmo não tributando, como ocorre com o Prouni. Nesse caso, a isenção de

tributos federais concedida em favor das instituições de ensino superior privadas

parece encontrar respaldo na ideia de solidariedade, pois o objetivo é ampliar o

acesso ao ensino superior da parcela mais carente da população, que não poderia

pagar pelo ensino privado.

No mesmo sentido, pode-se citar o caso do Programa Municipal de Bolsas

de Estudos (Promube), instituído pela n. 7.359/2006 do Município de Maringá/PR, que

visa disponibilizar bolsas parciais e integrais para cursos de graduação em instituições

privadas de ensino superior da cidade. Os beneficiados são estudantes de baixa renda

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO (BRASIL). Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 2015. Disponível em: <http://fndct.mcti.gov.br/>. Acesso em: 10 nov. 2015.

236A Lei n.o 10.332/2001 alterou o § 2o do art. 2o da Lei n.1o10.168/2000 para determinar que, a partir de 1o de janeiro de 2002, a Cide passasse a ser devida também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.

237 SACCHETTO, Claudio. O dever de solidariedade no direito tributário: o ordenamento italiano. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 31-32.

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egressos da rede pública de ensino, cuja renda familiar mensal seja de até um salário

mínimo e meio, por pessoa da família, para bolsa integral (art. 1o § 2º), e de, até três

salários mínimos, por pessoa da família, para bolsa parcial (art. 1o § 3º).238

Em contrapartida, a Prefeitura de Maringá mitiga a incidência do imposto

sobre serviços de qualquer natureza incidente sobre a receita proveniente do ensino

de graduação devido pelas instituições de ensino superior da cidade que estiverem

cadastradas no programa. Para isso, a lei autoriza que as instituições recolham

somente 40% do referido tributo, sendo o restante utilizado pelas instituições para

custear despesas do curso (art.4º). Durante a realização do curso, o estudante fica

obrigado a prestar serviços, na condição de voluntário, em repartições municipais ou

eventos promovidos pelo município de Maringá, quando requisitados (art. 3o).

A iniciativa do município de Maringá funciona de forma complementar ao

Prouni, pois beneficia aqueles estudantes que não foram contemplados pelo programa

do Governo Federal. Percebe-se aí, novamente, o ideal de solidariedade, tanto no que

diz respeito à instituição do incentivo fiscal com objetivo de beneficiar estudantes de

baixa renda, quanto na obrigatoriedade de prestação de serviços pelos beneficiários

em favor da comunidade como forma de retribuição, já que o custo do benefício fiscal,

de certa forma, é suportado pelos demais cidadãos do município, pois provoca

diminuição na arrecadação.

Entretanto, a solidariedade não permite que o poder de tributar seja feito à

revelia das regras que descrevem os aspectos materiais das hipóteses de incidência,

bem como da divisão de competências.239 Isso porque, além da solidariedade, há no

texto constitucional outros valores, princípios e normas que devem ser observados

pelo Estado no exercício da atividade de tributar, a exemplo da vedação de tributos

com efeitos de confisco (art. 150, inc. IV da CF). Vale dizer, o dever fundamental de

pagar tributos e também as normas tributárias extrafiscais devem observância às

garantias constitucionais dos contribuintes.

Além disso, a tributação, na sua feição fiscal ou extrafiscal, não deve

constituir óbice ao desenvolvimento do país (desenvolvimento aqui entendido, como

processo que implica avanço econômico, social e político, como já se disse no

segundo capítulo). Não deve onerar a ponto de desestimular as atividades

                                                                                                               238MARINGÁ. Prefeitura do Município. Lei no 7.359, de 20 de dezembro de 2006. Disponível

em: <https://isse.maringa.pr.gov.br/doc/leis/LM7359_2006.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2015. 239ÁVILA, Humberto. Limites à Tributação com base na solidariedade social. In: GRECO, Marco

Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 31-32.

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econômicas privadas, porque delas é que se originam os recursos, mas, tampouco,

pode incidir de modo a não arrecadar os recursos necessários ao financiamento dos

direitos, como a educação.

Seja qual for a finalidade do tributo, fiscal ou extrafiscal, “o sistema

tributário deve ser produtivo, elástico, compatível com a renda nacional e com as

ideias de justiça da época”. 240 Por isso, o conteúdo axiológico do princípio da

solidariedade influencia a tributação como um todo. No âmbito fiscal, materializa-se

pelo princípio da capacidade contributiva e, na perspectiva extrafiscal, reclama que os

tributos sejam usados como promotores dos direitos consagrados no texto

constitucional, como a educação.

4.4 A TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE

CONTRIBUTIVA

A tributação implica restrição à liberdade econômica, pois incide de forma

compulsória sobre o patrimônio e a renda dos indivíduos. Por isso, foi preciso conter a

voracidade arrecadatória do Estado, o que se fez através da instituição de garantias

aos contribuintes. Essas garantias estabelecem uma zona de proteção para que o

Estado se abstenha de tributar além de certo limite. Uma delas é o princípio da

capacidade contributiva (art. 145, § 1º da CF), que determina que, sempre que

possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade

econômica do contribuinte.

Como já se disse acima, quanto mais patrimônio e renda um indivíduo

possui, mais deve destinar aos cofres públicos. Esse princípio significa a negação de

parâmetros injustos de distribuição da carga tributária que foram utilizados no período

anterior às revoluções liberais, como a classe social, a nacionalidade e a

religião.241Revela-se, portanto, como uma das marcas da evolução do próprio sistema

tributário, que aponta para uma imposição tributária mais justa, pois interessa ao

Estado tão somente a possibilidade econômica do indivíduo de pagar tributos de

acordo com sua riqueza.

                                                                                                               240BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 15. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1998, p. 233. 241GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio;

GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 155.

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Assim, a tributação só pode produzir resultados desiguais, quando se

desigualam as capacidades contributivas individuais,242 isto é, quando um indivíduo

possui mais manifestação de riqueza do que outro. Por isso, a capacidade contributiva

é um fim interno à tributação. No sistema da tributação fiscal (arrecadatória), ela é o

critério de diferenciação dos contribuintes cujo objetivo é distribuir de forma igualitária

a carga tributária. 243

De certa forma, no sistema da tributação fiscal, a capacidade contributiva

faz as vezes do princípio da igualdade (art. 5o da CF). Sobre esse princípio aplicado à

tributação, Roque Antônio Carrazza explica que:

I – O princípio da igualdade exige que a lei, tanto ao ser editada, quanto ao ser aplicada: a) não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação jurídica equivalente; b) discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em situação jurídica equivalente. No caso dos impostos, estes objetivos são alcançados levando-se em conta a capacidade contributiva das pessoas (físicas ou jurídicas). A lei deve tratar de modo igual os fatos econômicos que exprimem igual capacidade contributiva e, por oposição, de modo diferenciado os que exprimem capacidade contributiva diversa. 244

Ocorre que, quando o Estado se vale das normas tributárias extrafiscais, o

princípio da capacidade contributiva é afetado. Por exemplo, quando o Estado majora

a imposição fiscal de produtos importados, não leva em consideração a capacidade

econômica do importador, já que objetiva realizar valores diversos da arrecadação, por

exemplo, garantir o desenvolvimento nacional ou, ainda, proteger as micro e pequenas

empresas de determinado setor.

Para José Casalta Nabais, quando um tributo é majorado, o princípio da

igualdade não se aplica, pois os agravamentos de impostos não são retiradas do

rendimento ou da riqueza para satisfazer as necessidades financeiras do Estado ou de

outras entidades públicas, mas medidas conformadoras de aspectos econômicos ou

sociais.245 Há quem diga, ainda, que “um tributo ou norma de finalidade extrafiscal é

                                                                                                               242TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 19. ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2013, p. 93. 243ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

160-161. 244CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 26. ed. São Paulo:

Malheiros, 2010, p. 97. 245NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina,

1998, p. 659.

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aquele que de nenhuma forma se deixa justificar com ponderações de capacidade

contributiva”.246

No entanto, é mais razoável entender que a incidência do princípio da

capacidade contributiva fica atenuada pela perseguição de outros objetivos, que

podem ser mais facilmente alcançados, do que através da graduação dos impostos

consoante a capacidade econômica do contribuinte. 247 A capacidade contributiva,

então, passa a ser apenas um entre os vários fatores de discriminação. 248 Em

determinadas situações, mesmo na tributação extrafiscal, a capacidade contributiva é

essencial para que os destinatários da norma sigam a finalidade que ensejou a

medida.

É o que explica André Folloni. Se um tributo destinado a impedir o

desmatamento ou ainda a produção industrial poluidora puder ser suportado por

empresas com grande capacidade econômica, “será tão ineficaz quanto desigual:

apenas impedirá a conduta daqueles contribuintes menos capazes economicamente,

mas não de todos”.249 Nesse caso, seria necessário que a intensidade da medida

extrafiscal fosse graduada levando-se em conta a condição econômica daqueles

contribuintes cujo comportamento a norma visa desestimular, sob pena de ser

ineficiente o tributo extrafiscal.

Portanto, a extrafiscalidade não configura exceção absoluta ao princípio da

capacidade contributiva. Na realidade, quando o Estado se vale das normas tributárias

extrafiscais, pode ocorrer um distanciamento do ideal de igualdade, em prol da

realização de outras finalidades econômicas e sociais. A distinção é feita a partir de

elementos exteriores aos contribuintes e sem lastro na distribuição igualitária da carga

tributária, porque o Estado busca outra finalidade para validar a medida,250 como, por

exemplo, uma maior implementação do direito à educação.

A potencial violação da isonomia ocorre porque, ao utilizar a tributação

extrafiscal, o Estado termina por dividir os contribuintes em dois grupos distintos

“aqueles que já seguem a orientação finalística que a tributação extrafiscal pretende

                                                                                                               246 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade

contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 64. 247 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2012, p. 77. 248SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. 1. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 291. 249FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista Direito GV, v. 10, p. 201-220,

2014, p. 208, 214. 250ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

160-162.

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atingir e, por isso, não são seus destinatários; e aqueles que não a seguem e, por isso

mesmo, são seus destinatários”. 251 Essa diferenciação somente será permitida se o

objetivo pretendido com a medida extrafiscal residir no texto constitucional.

Nesse sentido, Paulo Caliendo explica que as únicas discriminações

legítimas permitidas pela Constituição são aquelas derivadas de formas de incentivo a

determinados grupos e ao combate de desigualdades sociais e econômicas. Nesse

caso, a tributação extrafiscal “constitui um mecanismo de ajuste fino utilizado pelos

instrumentos de política fiscal para garantir o objetivo constitucional de combate às

desigualdades sociais econômicas e regionais.”252

No caso da educação, pode-se citar a Lei no 10.034/2000, que alterou a

Lei n.o 9.317/1996, que dispunha sobre o regime tributário das microempresas e das

empresas de pequeno porte para permitir que pré-escolas e estabelecimentos de

ensino fundamental pudessem fazer a opção pelo regime simples de tributação.253 O

inc. XIII, do art. 9º da Lei n.o 9.317/1996 não permitia que optasse pelo simples a

pessoa jurídica que prestasse serviços de “professor”, dentre outras atividades. 254

Marcus de Freitas Gouvêa explica que há institutos que, a despeito de não

serem normas tributárias impositivas, também se classificam como benefícios fiscais

porque apresentam efeitos extrafiscais, a exemplo do Simples Nacional,255que é um

                                                                                                               251FOLLONI, op. cit., p. 208. 252CALIENDO, Paulo. A Extrafiscalidade como Instrumento de Implementação dos Direitos

Fundamentais Sociais no Brasil. Revista Jurídica do Cesuca, v. 2, p. 62-86, 2014, p. 80-81. 253A evolução legislativa ocorreu da seguinte forma: A Lei n.o 9.317/1996 (revogada pela Lei

Complementar 123/2006, que atualmente institui o estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte), dispunha sobre o regime tributário das microempresas e das empresas de pequeno porte. O inc. XIII, do art. 9º da Lei n.o 9.317/1996 não permitia que optasse pelo simples a pessoa jurídica que prestasse serviços de “professor”, dentre inúmeras outras atividades. Essa vedação foi revogada pelo art. 1o da Lei n.o 10.034/2000, cuja redação originária previa que ficavam excetuadas das restrições que tratava o inc. XIII, do art. 9º da Lei n.o 9.317/1996 as creches, pré-escolas e estabelecimentos de ensino. Posteriormente, por força da Lei n.o 10.684/2003 a redação do art. 1o da Lei n.o 10.034/2000 foi alterada para estender para outras atividades a possibilidade de adoção do simples, mas mantendo-se a permissão no tange às creches, pré-escolas e estabelecimentos de ensino fundamental, nos termos dos incisos I e II do art. 1o. A Lei Complementar 123/2006, que é posterior às mencionadas alterações legislativas, não revogou a permissão dada a esses estabelecimentos, de modo que as creches, pré-escolas e estabelecimentos de ensino fundamental atualmente podem optar pelo regime simples de tributação.

254 Para colocar fim à discussão quanto à irretroatividade da Lei n.o 10.034/2000, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 448 cuja redação prevê que: A opção pelo Simples de estabelecimentos dedicados às atividades de creche, pré-escola e ensino fundamental é admitida somente a partir de 24/10/2000, data de vigência da Lei 10.034/2000

255GOUVÊA, Marcus de Freitas. Questões relevantes acerca da extrafiscalidade no direito tributário. Interesse Público, Porto Alegre, v. 34, p. 175-200, nov./dez. 2005, p. 188.

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regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos criado em

favor das microempresas e empresas de pequeno porte.256

O inc. XIII, do art. 9º da Lei n.o 9.317/1996, que não permitia que a pessoa

jurídica que prestasse serviços de “professor” optasse pelo simples, foi objeto da Ação

Direta de Inconstitucionalidade nº 1.643-DF, proposta pela Confederação Nacional de

Profissionais Liberais (CNPL), que argumentou, em síntese, que essa restrição

ofendia o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º da CF), pois fazia

distinção não derivada das condições econômicas, mas tão somente em razão da

profissão de quem contribuiu. Naquele julgamento, o Ministro Relator Maurício Corrêa

consignou, em seu voto, interessante análise sobre o princípio da capacidade

contributiva com relação às medidas tributárias extrafiscais:

a lei tributária - esse é o caráter da Lei nº 9.317/96 - pode discriminar por motivo extrafiscal entre ramos de atividade econômica, desde que a distinção seja razoável, como na hipótese vertente, derivada de uma finalidade objetiva e se aplique a todas as pessoas da mesma classe ou categoria. A razoabilidade da Lei nº 9.317/96 consiste em beneficiar as pessoas que não possuem habilitação profissional exigida por lei, seguramente as de menor capacidade contributiva e sem estrutura bastante para atender a complexidade burocrática comum aos empresários de maior porte e os profissionais liberais. Essa desigualdade factual justifica tratamento desigual no âmbito tributário, em favor do mais fraco, de modo a atender também à norma contida no §1º, do art. 145, da Constituição Federal, tendo-se em vista que esse favor fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, visando o interesse social. Portanto, é ato discricionário que foge ao controle do Poder Judiciário, envolvendo juízo de mera conveniência e oportunidade do Poder Executivo. 257

Naquela ocasião, o STF entendeu pela constitucionalidade do inc. XIII do

art. 9º da Lei n.o 9.317/1996. De certa forma, essa discussão perdeu a importância,

porque o referido dispositivo foi excluído do ordenamento jurídico pela Lei n.o

10.034/2000. No entanto, o que se quer extrair do referido julgado é a possibilidade,

constitucionalmente válida, de que a tributação extrafiscal possa causar

discriminações com objetivo de realizar a própria igualdade.

                                                                                                               256 Para mais informações sobre a sistemática de funcionamento do Simples Nacional,

recomenda-se a leitura do site da Receita Federal. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Simples nacional. 2015. Disponível em: <http://www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/Default.aspx>. Acesso em: 29 set. 2015.

257BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1.643/DF. Relator: Min. Maurício Corrêa. Tribunal Pleno, DJ 19.12.1997.

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Portanto, a capacidade contributiva deve atuar ao lado de outros princípios

constitucionais, em uma relação de integração.258 Isso permite ela seja mitigada em

determinadas situações para que o Estado possa realizar outras finalidades,

sobretudo, aquelas que visem reduzir as desigualdades sociais e econômicas. É o que

ocorre, por exemplo, com o Prouni, em que a tributação extrafiscal (isenção) funciona

como fator de estímulo para que as instituições concedam bolsas de ensino aos

estudantes carentes, que, via de regra, enfrentam mais dificuldades para acessar o

ensino superior público.

Todavia, o manejo da extrafiscalidade não pode ser feito de forma

descriteriosa, isto é, sem submissão a qualquer tipo limite. O mau uso das normas

tributárias extrafiscais pode favorecer, injustamente, determinados contribuintes em

detrimento de outros, causando, por exemplo, problemas como o desequilíbrio

concorrencial entre os agentes econômico no mercado, 259 isto é, em vez realizar a

igualdade, a medida extrafiscal torna-se a causa da desigualdade. Isso faz com que a

tributação extrafiscal seja balizada por outro critério de controle, que a doutrina chama

de controle de proporcionalidade, que será explorado no item subsequente.

4.5 A TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL E O CONTROLE DE PROPORCIONALIDADE

Viu-se, acima, que as medidas tributárias extrafiscais provocam uma

atenuação do princípio da capacidade contributiva em prol da realização de outros

objetivos constitucionais. Por isso, o manejo da função extrafiscal dos tributos deve

estar submetido ao controle da sua constitucionalidade, à luz do princípio da

                                                                                                               258LEÃO. Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p.

106. 259 Sobre essa temática, recomenda a leitura de: GONÇALVES, Oksandro Osdival. Os

incentivos tributários na Zona Franca de Manaus e o desequilíbrio concorrencial no setor de refrigerantes. Economic Analysis of Law Review, v. 3, n. 1, p. 72-94, 2011. No referido artigo, o autor analisa os principais aspectos do desequilíbrio na concorrência do setor de bebidas, especialmente no de fabricação de refrigerantes, decorrentes de incentivos fiscais oferecidos na Zona Franca de Manaus – ZFM. Segundo sua análise, se a criação da Zona Franca de Manaus justificou-se para permitir a ocupação territorial e o desenvolvimento daquela região, atualmente a ausência de uma ampla revisão dos benefícios fiscais concedidos tem contribuído para gerar uma importante distorção na concorrência porque, a partir dos créditos gerados e sua transferência, é afetada a competitividade com reflexos diretos sobre o preço, elemento de grande sensibilidade para a concorrência no referido setor.

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igualdade, no intuito de averiguar se as disparidades causadas pelo tributo extrafiscal

obedecem às exigências impostas pelo mandado de proporcionalidade.260

Antes de adentrar ao exame desse postulado, vale lembrar que o princípio

da capacidade contributiva é acompanhado pelo princípio da isonomia, que proíbe ao

Estado instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em

situação equivalente (art. 150, inc. II da CF). Segundo Kiyoshi Harada esse princípio

“veda o tratamento jurídico diferenciado de pessoas sob os mesmos pressupostos de

fato; impede discriminações tributárias, privilegiando ou favorecendo determinadas

pessoas físicas ou jurídicas”. 261

É um desdobramento do princípio da igualdade, previsto no art. 5o da

Constituição Federal, que enuncia que “todos são iguais perante a lei”. Isso porque, a

igualdade é o princípio estruturante dos direitos fundamentais e, além da sua

dimensão subjetiva, ostenta uma dimensão objetiva que informa toda a ordem

jurídica.262 A força desse princípio vai muito além da previsão de igualdade perante a

lei. O seu alcance e intensidade devem ser suficientes para determinar a realização

das metas constitucionais, dentre elas, a redução das desigualdades sociais e

econômicas.

Isso faz com que, muitas vezes, a igualdade não se faça apenas com o

tratamento igual. Ao contrário do que supõe a interpretação literal da matriz

constitucional da isonomia, o princípio da igualdade, em muitas incidências, não

apenas veda o estabelecimento de desigualdades jurídicas, como impõe que o

tratamento seja desigual,263 o que ocorre, por exemplo, com a previsão contida no art.

179 da Constituição Federal.264

Além disso, o princípio da isonomia impõe que a diferenciação dos

contribuintes ocorra de forma adequada e razoável com a finalidade indutora

                                                                                                               260VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio da isonomia tributária: da teoria da igualdade ao

controle das desigualdades impositivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 310. 261HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2010, p. 363. 262CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.

ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 426. 263BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo:

Saraiva, 1996, p. 231. 264O art. 179 da Constituição Federal prevê tratamento jurídico diferenciado às microempresas

e às empresas de pequeno porte, com objetivo de incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, e até mesmo pela eliminação ou redução dessas obrigações. Logo, quando uma medida extrafiscal é instituída com base nesse dispositivo, o seu objetivo deve ser permitir que esse pequenos negócios possam concorrer em igualdade de condições no mercado com as empresas de grande porte.

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perseguida pelo tributo extrafiscal.265 A partir do exposto, passa-se a análise do

controle de proporcionalidade da tributação extrafiscal. A tributação extrafiscal

submete-se a esse mandado, enquanto forma de controle de aplicação da própria

igualdade,266 seja quando a medida for utilizada para agravar a imposição fiscal ou,

ainda, quando o seu objetivo é atenuar a incidência do tributo.

A proporcionalidade funciona como metanorma para estruturar o modo de

aplicação dos princípios que prescrevem os fins visados pela tributação extrafiscal,

bem como das normas que prescrevem os direitos fundamentais eventualmente

restringidos pela medida extrafiscal. Colocada num plano diverso das normas objeto

de aplicação, a proporcionalidade presta-se a aferir a validade da medida extrafiscal

implementada pelo Estado, com objetivo de promover os valores constitucionais.267

Assim, quando ocorre a colisão de princípios – que podem ser entendidos

como mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas que

determinam a realização do direito em seu grau máximo – a proporcionalidade é via

para solucionar esse choque, funcionando como uma norma para regular a aplicação

de outra norma.268

Humberto Ávila explica que a proporcionalidade é aplicável somente

quando houver uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente

discerníveis, um meio e um fim concreto, no qual “fim” significa um estado de coisas

almejado. A partir disso, será possível proceder aos três exames fundamentais, quais

sejam: (i) o da adequação; (ii) o da necessidade; (iii) o da proporcionalidade em

sentido estrito.269 Se não resistir a esse teste, a medida tributária extrafiscal não estará

em consonância com o que dela se espera, isto é, ser instrumento na promoção dos

direitos, valores e objetivos constitucionalmente consagrados.

Será adequada aquela medida que ao ser realizada contribua para a

promoção gradual do escopo extrafiscal, isto é, a medida deve ser adequada ao fim

que o Estado pretende atingir. Por exemplo, se o fim da tributação é proteger o meio

ambiente, o mecanismo pelo qual ela é exteriorizada deve produzir efeitos para a

                                                                                                               265LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p.

333. 266ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

162. 267FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista Direito GV, v. 10, p. 201-220,

2014, p. 212. 268ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p

116-120. 269ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.

4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 112-113.

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proteção desse direito. 270 Dito de outra forma, o “remédio precisa ser adequado para

o enfretamento da doença.” Para isso, a medida extrafiscal deve realizar ou, no

mínimo, avançar na direção do propósito subjacente à lei.271

No caso do Prouni, desde sua criação, no ano de 2005, a política pública já

beneficiou mais de 2,5 milhões de estudantes com bolsas parciais e integrais, 272 o que

será melhor abordado no quarto capítulo. Houve, portanto, significativa ampliação do

acesso ao ensino superior, em especial da população mais carente, tornando mais

efetivo o direito à educação, o que aponta para a adequação da medida extrafiscal.

Isto é, a isenção dos tributos federais atingiu o resultado com ela pretendido.

Além disso, ao exame da adequação, é desnecessário que a medida

escolhida seja aquela que, dentre todas, mais promova a finalidade para a qual foi

concebida, bastando que se revele adequada à realização do direito que visa

implementar.273 Aproveitando-se do exemplo do Prouni, admitindo-se, por hipótese,

que outras modalidades de benefícios fiscais pudessem produzir um resultado melhor,

tal circunstância não afastaria a adequação da norma que instituiu a isenção, pois os

dados revelam que, de fato, o incentivo estimulou a concessão de bolsas.

Mostrando-se adequada, inicia-se a segunda fase do controle de

proporcionalidade. Para fazê-lo, o exame da necessidade demanda a aferição da

existência de meios alternativos àquele inicialmente escolhido pelo Poder Executivo

ou Poder Legislativo, e que sejam hábeis a promover igualmente o fim sem restringir,

na mesma intensidade, os direitos fundamentais afetados.274 Isto é, o Estado deve

escolher a medida menos restritiva relativamente ao princípio da igualdade, ainda que

existam outras medidas também adequadas para concretizar a finalidade.275

Logo, “se houver meio que promova igualmente aquela finalidade

constitucional sem restringir, ou restringindo menos, a isonomia ou a liberdade, ele

                                                                                                               270Id., Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 162. 271LEÃO. Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p.

141. 272BRASIL. Ministério da Educação. PROUNI Programa Universidade para Todos: bolsas

ofertadas por ano. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Representacoes_graficas/bolsas_ofertadas_ano.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2015. BRASIL. Ministério da Educação. PROUNI Programa Universidade para Todos: número de bolsas ofertadas pelo Prouni para o segundo semestre de 2015. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Quadros_informativos/numero_bolsas_ofertadas_por_uf_segundo_semestre_2015.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2015.

273FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista Direito GV, v. 10, p. 201-220, 2014, p. 212-213.

274ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 122.

275Id., Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 162-163.

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deverá ser adotado, em lugar do meio mais restritivo”.276 No Prouni, a isenção não

parece restringir o princípio da igualdade. Pelo contrário, dele se aproxima, na medida

em que a sistemática criada pelo programa permite o acesso dos estudantes que, em

razão de condições econômicas e sociais desfavoráveis, enfrentam mais dificuldades

para acessar o ensino superior.

O Prouni trata de forma igual os iguais e desigualmente os desiguais, na

medida em que se desigualam, o que será melhor abordado no quarto capítulo. Assim,

com arrimo em José Souto Maior Borges, pode-se dizer que, no caso do Prouni, a

isenção concilia-se com a promoção do bem comum, sendo apenas aparente o

conflito com o princípio da isonomia, pois a exclusão da incidência dos tributos é

ditada pelo interesse coletivo, 277 consistente na ampliação do acesso ao ensino

superior.

Ao exame da proporcionalidade em sentido estrito interessa a comparação

entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos

fundamentais. É preciso indagar se o grau da importância do fim justifica o grau de

restrição ao direito fundamental. 278 A medida extrafiscal deve trazer mais efeitos

positivos do que negativos no que tange à promoção dos princípios constitucionais,

isto é, um conjunto de princípios deve ser realizado simultaneamente. 279 Vale dizer, é

preciso que a medida extrafiscal “traga mais vantagens do que desvantagens à

sociedade como um todo”.280

No caso do Prouni, além do direito à educação, um conjunto de metas

constitucionais parece ser atendido com o programa. A educação, como já se disse no

capítulo anterior, é essencial à garantia do desenvolvimento nacional, que é mais do

que apenas o crescimento econômico. Permitir o acesso dos mais pobres ao ensino

superior colabora, ainda que por via reflexa, na erradicação da pobreza e na redução

das desigualdades sociais e regionais, o que é essencial para a construção de uma

sociedade mais justa, livre e solidária.

Mesmo partindo da premissa de que a avaliação do grau de importância de

determinado direito pode ser subjetiva, quanto maior a relevância da finalidade

                                                                                                               276FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista Direito GV, v. 10, p. 201-220,

2014, p. 214. 277BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 70-71. 278ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.

4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 124. 279Id., Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 163. 280LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p.

280.

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almejada com a tributação extrafiscal, maior poderá ser a restrição a outro direito em

rota de colisão.281 Parece inquestionável o alto grau de importância do direito à

educação, o que permite a restrição ao princípio da capacidade contributiva, pois a

isenção não leva em conta o potencial econômico das instituições de ensino superior

destinatárias da norma.

Portanto, quando se trata da indução extrafiscal, o controle de

proporcionalidade pode ser concebido como uma diretriz para harmonizar os conflitos

entre princípios constitucionais,282 razão pela qual deve ser observado quando da

elaboração de medidas extrafiscais e, até mesmo, para avaliar se determinado

benefício fiscal já concedido atende a esse critério. Em interessante análise sobre a

proporcionalidade, Paulo Caliendo alerta que:

uma tentação simplificadora seria imaginar que os tributos com função fiscal estão submetidos ao princípio da isonomia, enquanto que a extrafiscalidade é limitada pelo princípio da proporcionalidade. Este entendimento decorre da compreensão de que o princípio da proporcionalidade trata da correta adequação entre os meios escolhidos e os fins pretendidos pela norma tributária. Assim, se as finalidades são extrafiscais então a proporcionalidade indicaria os parâmetros para a correta utilização de meios e técnicas extrafiscais na promoção dos direitos fundamentais. Tal argumento é falso. Tanto a fiscalidade, quanto a extrafiscalidade se submetem inquestionavelmente ao princípio da isonomia. (...) O princípio da proporcionalidade, contudo, possui importante função de controle normativo no caso de restrições de direitos fundamentais, por meio da aplicação dos critérios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito.283

Por isso, a tributação deve perseguir a realização da igualdade em

quaisquer de suas formas de manifestação. Em última análise, esse é o critério que

deve orientar a tributação fiscal e extrafiscal. Se os recursos gerados com a tributação

fiscal devem ser direcionados à ampliação do acesso aos direitos fundamentais como

a educação, com objetivo de reduzir as desigualdades sociais e econômicas, do

mesmo modo, o manejo da tributação extrafiscal deve direcionar condutas no intuito

de atingir essa finalidade.

                                                                                                               281FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista Direito GV, v. 10, p. 201-220,

2014, p. 214. 282PAPADOPOL, Marcel Davidman. A extrafiscalidade e os controles de proporcionalidade

e igualdade. 2009. 130 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre, 2009, p. 64.

283CALIENDO, Paulo. A extrafiscalidade como instrumento de implementação dos direitos fundamentais sociais no Brasil. Revista Jurídica do Cesuca, v. 2, p. 62-86, 2014, p. 73-74.

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5 O PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS - PROUNI

O objetivo do presente capítulo é analisar o Prouni, política pública que

tem a isenção de tributos federais como fator de estímulo para as instituições privadas

de ensino superior. Desde já, é preciso anotar que a investigação não pretende

esgotar todos os aspectos do referido programa, mas, sobretudo, verificar, à luz dos

objetivos constitucionais, se a iniciativa confere maior efetividade ao direito

fundamental social à educação através da ampliação do acesso ao ensino superior.

5.1 PROUNI: O DELINEAMENTO DA POLÍTICA PÚBLICA

Conforme se abordou no primeiro capítulo deste trabalho, a Constituição

Federal de 1988 criou uma série de obrigações para o Estado no sentido de assegurar

os direitos fundamentais, dentre eles o direito fundamental social à educação. Nesse

contexto, as políticas públicas existem para tornar efetivos esses direitos. Segundo

Maria Paula Dallari Bucci, “o fundamento mediato das políticas públicas, o que justifica

o seu aparecimento, é a própria existência dos direitos sociais”. 284

Uma política pública é formada por um conjunto organizado de atos e

normas tendentes à realização de um objetivo determinado.285 Segundo Felipe de

Melo Fonte, no âmbito da produção legislativa, o termo política pública é usado para

designar sistemas legais “com pretensão de vasta amplitude, os quais definem

competências administrativas, estabelecem princípios, diretrizes e regras, e em alguns

casos impõem metas e preveem resultados específicos”. 286

O Prouni insere-se nesse quadro das políticas públicas.287 Foi instituído

pela Medida Provisória nº. 213/2004, 288 posteriormente convertida na Lei nº.

                                                                                                               284 BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Revista de

informação legislativa, v. 34, n. 133, p. 89-98, jan./mar. 1997, p. 90. 285COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas

públicas. Revista de Informação Legislativa, v. 35, n. 138, p. 39-48, abr./jun. 1998, p. 44. 286FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014, p. 304, p. 38. 287A definição de políticas públicas dada por Elenaldo Celso Teixeira pode ser útil para

aprofundar a análise do Prouni e dos seus efeitos. Segundo Teixeira, as políticas públicas constituem princípios norteadores da ação do Poder Público, funcionando também para regular as relações entre o Estado e os atores da sociedade. As políticas públicas são sistematizadas em leis, programas e linhas de financiamento que orientam ações que geralmente envolvem a aplicações de recursos públicos. As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e implantação e, principalmente, em seus resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição do poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a repartição dos custos e benefícios sociais. Ainda na concepção do autor, as políticas públicas podem ter os seguintes objetivos: (i) responder

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11.096/2005, regulamentada pelo Decreto nº. 5.493/05. Nos termos do art. 1º da Lei

nº. 11.096/2005, o programa objetiva conceder bolsas de estudo integrais e parciais

para estudantes de baixa renda em cursos de graduação e sequenciais de formação

específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos.

O art. 2o da Lei nº. 11.096/2005 estabelece os requisitos para ter o direito

de ingressar no sistema, podendo participar aqueles estudantes que ainda não

possuam diploma de curso superior e que preencham um dos seguintes requisitos: (i)

ter cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições

privadas na condição de bolsista integral; (ii) ser portador de deficiência, nos termos

da lei; (iii) ser professor da rede pública de ensino, em cursos de licenciatura, normal

superior e pedagogia, destinados ao magistério da educação básica,

independentemente de renda.

Os estudantes que pretendem concorrer às bolsas integrais devem possuir

renda familiar bruta mensal de até um salário mínimo e meio, por pessoa (art.1º, §1º

da Lei nº. 11.096/2005), enquanto as bolsas parciais de 50% são destinadas para os

estudantes cuja renda brutal mensal seja de até três salários mínimos, por pessoa

(art.1º, § 2º da Lei nº. 11.096/2005).

O programa visa beneficiar, também, aqueles que se autodeclarem

indígenas e negros. Nesse caso, o percentual de vagas deverá ser, no mínimo, igual

ao percentual de cidadãos autodeclarados indígenas, pardos ou pretos, na respectiva

unidade da Federação, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE (art. 7º, inc. II, § 1º da Lei 11.096/2005).

Nos termos do § 4º do art. 1º do Decreto nº. 5.493/05, incumbe ao

Ministério da Educação dispor sobre os procedimentos operacionais para a adesão                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    

as demandas dos setores marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis; (ii) ampliar e efetivar os direitos de cidadania, gestados nas lutas sociais e que passam a ser reconhecidos institucionalmente; (iii) promover o desenvolvimento, criando alternativas para a geração de empregos e renda como forma compensatória dos ajustes criados por outras políticas de viés mais econômico; (iv) regular conflitos entre os diversos atores sociais que têm contradições de interesses que não se solucionam por si mesmas ou pelo mercado e necessitam de mediação. Ao longo deste capítulo, será possível perceber que certos aspectos dessa conceituação se identificam com o Prouni, em especial no que diz respeito à melhor distribuição dos benefícios sociais, ao atendimento de setores mais excluídos da sociedade, a ampliação do acesso a direitos e a promoção do desenvolvimento. Nesse sentido, ver: TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O papel das políticas públicas no desenvolvimento local e na transformação da realidade. Salvador: AATR, 2002, p. 2-3.

288Na exposição de motivos da Medida Provisória n.o 213/2004, feita por Fernando Haddad (Ministro da Educação) e por Antonio Palocci Filho (Ministro da Fazenda), apontou-se como principal objetivo do Prouni a democratização do acesso ao ensino superior. BRASIL. Presidência da República. Exposição Interministerial nº 061/2004/MEC/MF. Diário Oficial da União, Brasília, 27 set. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/Exm/EMI-061-MEC-MF-04.htm>. Acesso em: 30 nov. 2015.

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      99  

das instituições de ensino superior ao Prouni, sobre o processo de seleção dos

bolsistas, especialmente quanto à definição de nota de corte, sobre os métodos para

preenchimento de vagas eventualmente remanescentes, inclusive aquelas oriundas do

percentual legal destinado aos portadores de deficiência e dos autodeclarados negros

e indígenas.

Durante o ano são realizadas duas seleções, uma no primeiro semestre e

a outra no segundo semestre, sendo o processo seletivo composto por duas fases,

quais sejam: (i) processo regular; e (ii) processo de ocupação das bolsas

remanescentes, isto é, aquelas que não forem ocupadas no decorrer do processo

regular do programa. Para participar dos processos, o candidato deve ter participado

do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), além de obter pontuação mínima de 450

pontos na média das notas das provas do exame, bem como nota acima de zero na

redação.289

Para concretizar a adesão das instituições de ensino superior ao Prouni, a

Lei nº. 11.096/2005 oferece, em contrapartida, a isenção de tributos federais, nos

termos do art. 8º. De acordo com caput do art.8o e seu §1a, a isenção recairá sobre o

lucro nas hipóteses do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuição

Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e sobre a receita auferida, nas hipóteses de

Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e

Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), decorrentes da realização

de atividades de ensino superior, proveniente de cursos de graduação ou cursos

sequenciais de formação específica.

Revela-se, neste ponto, a natureza extrafiscal da política pública,

porquanto desonera os destinatários da norma (instituições de ensino superior) para

estimulá-los a concederem bolsas. Essa sistemática foi criticada pelo Tribunal de

Contas da União que, no Relatório de Auditoria Operacional sobre o Prouni de 2009,

recomendou avaliar a conveniência de alterar o mecanismo da isenção fiscal, de modo

que ele passasse a abranger o número de bolsas efetivamente ocupadas, a fim de

que o benefício ofertado pelas instituições fosse equivalente à contrapartida recebida

do Estado.290 A recomendação foi acolhida pela Lei nº. 12.431/2011 que incluiu o §3º

                                                                                                               289BRASIL. Ministério da Educação. Programa Universidade para Todos – Prouni. Disponível

em: <http://siteprouni.mec.gov.br/tire_suas_duvidas.php#conhecendo>. Acesso em: 15 nov. 2015.

290BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria operacional: Programa Universidade para Todos (ProUni) e Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Brasília: TCU, 2009, p. 117. Disponível em:

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      100  

no art. 8o da Lei nº. 11.096/2005 para determinar que a isenção seja calculada na

proporção da ocupação efetiva das bolsas concedidas.

O Prouni também possui dois pontos de ligação com Financiamento

Estudantil (Fies), que visa ampliar o acesso ao ensino superior pela concessão de

financiamento a juros baixos.291 Nos termos do art. 14 da 11.096/2005, as instituições

que aderirem ao Prouni terão prioridade na distribuição dos recursos disponíveis ao

Fies. Além disso, desde 2007, existe a possibilidade dos bolsistas parciais do Prouni

contratarem junto ao Fies o financiamento de metade da parcela da mensalidade que

não é coberta pela bolsa.292

No ano de 2004, a Confederação Nacional dos Estabelecimento de

Ensino, o Partido Democratas e a Federação Nacional dos Auditores-fiscais da

Previdência Social propuseram junto ao Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI 3.330/DF), tendo por objeto a Medida Provisória nº

213/2004, posteriormente convertida na Lei nº 11.096/2005 (Lei do Prouni).

Argumentaram, em síntese, que: (i) a Medida Provisória nº 213/2004 havia sido

editada sem observância aos critérios constitucionais da urgência e da relevância; (ii)

a reserva de vagas por critérios raciais desrespeita o princípio da isonomia; (iii) o

programa ofende o princípio da autonomia universitária (art. 207 da CF); (iv) a isenção

operou uma limitação ao poder estatal de tributar, motivo pelo qual o benefício seria

matéria reservada à lei complementar.293

Em março de 2012, o Supremo Tribunal Federal por maioria de votos (7

votos favoráveis, restando vencido o Ministro Marco Aurélio Mello), nos termos do voto

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   <http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?inline=1&fileId=8A8182A14D92792C014D9283C47B77D7>. Acesso em: 10 dez. 2015.

291Segundo notícia divulgada no site da Globo, com base em dados oficiais, o Fies sofreu uma redução de quase 50% no número de novos contratos entre o primeiro semestre de 2014 e o primeiro semestre de 2015. No primeiro semestre de 2014, foram cerca de 480 mil contratos, número que caiu para cerca de 252 mil contratos no primeiro semestre de 2015. Segundo a matéria, a queda no ritmo da expansão do programa decorreu de alguns fatores, tais como a obrigatoriedade da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que entrou em vigor em 30 de março de 2015, bem como em razão do financiamento passar a privilegiar cursos com melhor avaliação. Nesse sentido ver: MORENO, Ana Carolina. Número de novos contratos do Fies caiu quase 50% entre 2014 e 2015. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/05/numero-de-novos-contratos-do-fies-caiu-quase-50-entre-2014-e-2015.html>. Acesso em: 15 dez. 2015; PORTAL PLANALTO. Fies já obteve 252,4 mil novos financiamentos. 2015. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/noticias/2015/05/janine-fies-ja-teve-252-4-mil-novos-financiamentos>. Acesso em: 15 dez. 2015

292BRASIL. Ministério da Educação. Programa Universidade para Todos – Prouni. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/prouni-sp-1364717183/como-funciona>. Acesso em: 15 dez. 2015.

293BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. DJ 22.03.2013.

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do Relator Ministro Ayres Britto, julgou improcedente a ADI 3.330/DF, reconhecendo,

portanto, a constitucionalidade do Prouni. A Corte Constitucional entendeu, em

síntese, que o Prouni é uma medida de natureza afirmativa, que consiste em tratar

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.

Embora não seja objetivo central do presente capítulo analisar todos os argumentos

constantes do acórdão proferido na ADI 3.330/DF, alguns deles serão trazidos nos

itens subsequentes do presente capítulo, quando houver pertinência com a temática

neles abordada.

5.2 PROUNI: A ISENÇÃO PARA SUPERAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL

Conforme já dito no capítulo anterior, a incidência dos tributos pode ser

mitigada de diversas formas. No caso do Prouni, a extrafiscalidade manifesta-se

através da técnica da isenção. Nos termos dos arts. 175 e 176 do Código Tributário

Nacional (CTN), a isenção é modalidade de exclusão do crédito tributário que decorre

de lei que especifique as condições e os requisitos exigidos para a sua concessão ao

tributo a que se aplica e o seu prazo de duração. Leandro Paulsen, ao investigar a

natureza jurídica da isenção, explica que:

a isenção exclui o crédito tributário, nos termos do art. 175, caput. Ou seja, surge a obrigação, mas o respectivo crédito não será exigível; logo, o cumprimento da obrigação resta dispensado. Para Rubens Gomes de Souza, favor legal consubstanciado na dispensa do pagamento do tributo. Para Alfredo Augusto Becker e José Souto Maior Borges, hipótese de não-incidência da norma tributária. Para Paulo de Barros Carvalho, o preceito de isenção subtrai parcela do campo de abrangência do critério antecedente ou do consequente da norma tributária, paralisando a atuação da regra-matriz de incidência para certos e determinados casos. 294

Para Hugo de Brito Machado, a isenção é “a exclusão, por lei, de parcela

da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de tributação, sendo objeto da

isenção a parcela que a lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da

regra de tributação”. 295 Na concepção de Marco Aurélio Greco, a isenção é um

                                                                                                               294PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e

da jurisprudência. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 1129. 295MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2009,

p. 231.

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fenômeno típico dos impostos, 296 cuja função é gerar receitas para o Estado. Segundo

o autor, a extrafiscalidade não é conceito pertinente às contribuições, pois essas

espécies de tributos não existem em função da arrecadação, mas em razão da

finalidade a que se preordenam.297

No entanto, discorda-se da posição de Greco. Mesmo com relação às

contribuições que têm natureza de ingresso parafiscal, pois são arrecadadas em favor

dos órgãos paraestatais incumbidos de prestar serviços paralelos aos da

administração pública,298 parece adequado entender que a extrafiscalidade também

pode se manifestar através delas.

Isso porque, ao isentá-las, o Estado põe fim à imposição tributária e, ao

fazê-lo, induz aquele comportamento desejável que ensejou a lei que concedeu a

isenção. No caso do Prouni, o objetivo do benefício é estimular a concessão de bolsas

para alunos carentes. Se a extrafiscalidade (isenção) tivesse se limitado somente ao

imposto de renda, possivelmente a adesão das instituições ao programa seria menor,

em razão do benefício econômico menos significativo, isto é, menos estimulante.

Sem prejuízo sobre a discussão conceitual da isenção enquanto

manifestação extrafiscal, pode-se dizer que, quando o ordenamento jurídico prescinde

dos fins estritamente fiscais, a isenção converte-se em instrumento de política social e

econômica, podendo ser manejada por razões sociais para assegurar o bem estar

geral, passando a exercer função regulatória extrafiscal de setores da vida social,299

sendo útil, inclusive, para que o Estado possa fornecer mais do que o mínimo

existencial do direito à educação.

O conteúdo do mínimo existencial costuma ser atrelado aos bens

indispensáveis à proteção da vida e à garantia da dignidade da pessoa humana. 300 No

                                                                                                               296Nos termos do art. 16 do Código Tributário Nacional, imposto é o tributo cuja obrigação tem

por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.

297GRECO, Marco Aurélio. Contribuição de intervenção no domínio econômico – parâmetros para sua criação. In: GRECO, Marco Aurélio (Coord.). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. São Paulo: Dialética, 2001, p. 25-26.

298TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 19. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p. 415.

299BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 70-72.

300Segundo Ana Paula de Barcellos, o mínimo existencial é formado por um “conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana digna; existência aí considerada não apenas como experiência física — a sobrevivência e a manutenção do corpo — mas também espiritual e intelectual.” Explica, ainda, que a partir da Constituição Federal, o mínimo existencial é formado por quatro elementos, três materiais e um instrumental, quais sejam: (i) a educação básica; (ii) a saúde básica; (iii) a assistência aos desemparados; e (iv) o acesso à Justiça, como elemento instrumental. Em outra categorização, Eurico Bittencourt

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Brasil, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, apesar de não haver um direito geral à garantia

do mínimo existencial, esse direito decorre dos princípios e objetivos da ordem

constitucional econômica (art. 170 da CF) e também dos próprios direitos sociais

específicos (art. 6o da CF), que acabam por abarcar algumas dimensões do mínimo

existencial.301

Pode-se acrescentar, ainda, que o mínimo existencial também decorre dos

fundamentos (art. 1o da CF) e objetivos fundamentais da República (art. 3o da CF),

porque neles foram cristalizados valores que não toleram uma existência sem o

acesso a bens básicos como alimentação, moradia, saúde e educação. No caso da

educação, o legislador conferiu especial importância à educação básica, que

compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

Segundo Ana Paula de Barcellos, estas são as parcelas que compõem o

mínimo existencial do direito fundamental social à educação,302 posição com a qual

outros autores também concordam. 303 A definição das parcelas que formam o

conteúdo mínimo de um direito fundamental social é importante na medida em que

aponta uma obrigação mínima do Estado, desde logo sindicável, 304 tanto que o

Supremo Tribunal Federal já consolidou seu entendimento no sentido de que essas

parcelas da educação são de fornecimento obrigatório pelo Estado, como já dito no

segundo capítulo.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   Neto afirma que o reconhecimento do mínimo para uma existência digna assegura o respeito “ao núcleo axiológico do Estado de Direito democrático e social: a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade, a socialidade e a democracia.” Nesse sentido ver, respectivamente: BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 247; e BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 115-116.

301SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & Justiça, n. 1, out./dez. 2007, p. 25.

302 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 247, p. 305-306.

303As parcelas que compõe a educação básica também são identificadas como o núcleo que compõe o mínimo existencial por outros autores, dentre eles: FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 219-220; BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 120-121; HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 359; DA ROCHA, Enivaldo Carvalho. A educação como direito universal. Revista Direito e Política, v. 9, n. 2, p. 892-910, 2014, p. 905;

304CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 28.

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Ao mesmo tempo, as construções teóricas do mínimo existencial impedem

que toda e qualquer prestação estatal destinada à satisfação de um direito

fundamental seja considerada parcela integrante do mínimo existencial.305 No caso do

ensino superior, embora seja um desdobramento da proteção constitucional dada ao

direito fundamental social à educação, trata-se de parcela que extrapola o mínimo

existencial desse direito. Em razão disso, há quem diga que as parcelas além do

conteúdo do mínimo existencial não estariam abarcadas pelo regime jurídico dos

direitos fundamentais.

Segundo Ricardo Lobo Torres, a jusfundamentalidade dos direitos sociais

encontra-se circunscrita às parcelas indispensáveis à garantia do mínimo existencial,

entendidas como aquelas prestações estatais individuais necessárias para a garantia

da liberdade (isto, é condições mínimas para sobreviver com dignidade). Por isso, as

políticas públicas devem garantir apenas o máximo do mínimo existencial.306 De forma

semelhante, Alceu Maurício Junior entende que os direitos sociais são exigidos em

razão do princípio da liberdade fática, pois, sem o mínimo necessário, desaparecem

as condições de liberdade.307

Ocorre que, conforme explica Daniel Wunder Hachem, essa concepção

minimalista a respeito da fundamentalidade dos direitos sociais conduz ao raciocínio

de que o Estado não estaria obrigado a instituir políticas públicas com objetivo de

assegurar o conteúdo pleno dos direitos fundamentais sociais, mas somente o mínimo

necessário para viver dignamente.308 Se assim fosse, políticas públicas como o Prouni

cujo objetivo é conferir mais do que o mínimo existencial seriam desnecessárias. Essa

não parece ser a posição mais adequada com a proteção constitucional dada aos

direitos fundamentais sociais.

Embora o mínimo existencial aponte uma obrigação mínima do Estado, na

realidade, esses direitos reclamam um horizonte eficacial progressivamente mais

                                                                                                               305 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais

sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 94, 116.

306TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 30-40, 41-43,121-125.

307MAURÍCIO JR., Alceu. A revisão judicial das escolhas orçamentárias: a intervenção judicial em políticas públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 51, 55-56.

308HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico: reflexos sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 13, n. 53, p. 133- 168, jul./set. 2013, p. 147-148.

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vasto, que indica para uma ideia de máximo possível.309 Prova disso, é que a Lei n.

9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu art.

5o, § 2º, determina que o Poder Público deve assegurar, em primeiro lugar, o acesso

ao ensino obrigatório (educação básica), mas, em seguida, contemplar também os

demais níveis de ensino.

“O desenvolvimento da personalidade humana é garantido, inicialmente,

pela educação básica”.310 Todavia, a existência digna vai além da mera subsistência,

para reclamar condições que permitam o pleno desenvolvimento da personalidade. O

reconhecimento de um conteúdo mínimo para a existência digna não faz com que os

direitos sociais, naquelas parcelas que extrapolam o mínimo necessário à proteção da

dignidade, deixem de ser fundamentais.311 Isto é, o ensino superior não é mais nem

menos fundamental apenas porque o seu conteúdo supera o mínimo para viver

dignamente.

Segundo Hachem, o dever de atuação maximizada do Estado decorre de

dois fundamentos: (i) a igualdade material; e (ii) o direito ao desenvolvimento. A

concretização da igualdade material exige que, além de oferecer as condições iniciais

de vida, o Estado atue no sentido de reaproximar as posições distribuídas na

sociedade, mediante a redução das disparidades de renda e condições de vida, para o

que é necessária a melhor distribuição dos recursos. No que diz respeito ao

desenvolvimento, os objetivos fundamentais da República (art. 3o da CF) configuram

uma decisão política do constituinte cujo objetivo é compelir o Estado a otimizar a

qualidade de vida da população. Para isso, não basta eliminar as condições

miseráveis dos brasileiros, mas, também, a desigualdade social existente entre os

indivíduos.312

Daí a importância de garantir os direitos fundamentais sociais na maior

medida possível.313 Admitir que basta ao Estado fornecer aos indivíduos apenas o

mínimo para viver dignamente, distancia a atuação estatal desses dois fundamentos.

Primeiro, porque excluiria do ensino superior todos aqueles indivíduos que não podem

                                                                                                               309CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo

Horizonte: Fórum, 2012, p. 28. 310FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014, p. 220. 311BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 118, 144. 312HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais

pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 370, 377, 381 e 385.

313PESSANHA, Érica. A eficácia dos direitos sociais prestacionais. Revista da Faculdade de Direito de Campos, v. 7, n. 8, p. 297-333, 2006, p. 308.

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      106  

pagar por esse bem e que também não conseguem ingressar nas universidades

públicas, tanto pela falta de vagas para todos, quanto pela impossibilidade de

concorrer em igualdade de condições com aqueles que tiveram acesso ao ensino

básico privado.314

Não se atinge o desenvolvimento, na concepção escolhida pela

Constituição, somente garantindo o acesso à educação básica. O ensino superior é

essencial para uma melhor distribuição de renda.315 Por isso, a isenção, que é fruto de

uma escolha legislativa preordenada para o alcance de um objetivo, pode funcionar

como mecanismo para a superação do mínimo existencial do direito à educação.

Segundo dados disponíveis no site Prouni, desde a instituição do programa em 2005,

já foram concedidas mais de 2,5 milhões de bolsas parciais e integrais, como se pode

observar no gráfico abaixo:316

                                                                                                               314Segundo dados do Ministério da Educação, em 2015 foram ofertadas somente 205.514

vagas, em 5.631 cursos de 128 instituições públicas de educação superior do Brasil. BRASIL. Ministério da Educação. Candidatos já podem consultar vagas para primeira edição de 2015. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/busca-geral/410-noticias/sisu-535874847/21021-candidatos-ja-podem-consultar-vagas-para-primeira-edicao-de-2015-inscricoes-comecam-dia-19>. Acesso em: 15 nov. 2015.

315 Segundo pesquisa do Ministério da Educação, aqueles que possuem ensino superior completo ganham, em média, 8,6 vezes mais que aqueles indivíduos que não possuem essa formação. BRASIL. Ministério da Educação. Pradime: Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação. Brasília: Ministério da Educação, 2006, p. 27. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Pradime/cader_tex_1.pdf >. Acesso em: 15 jul. 2015.

316BRASIL. Ministério da Educação. Programa Universidade para Todos – Prouni. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Representacoes_graficas/bolsas_ofertadas_ano.pdf>. < http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Quadros_informativos/numero_bolsas_ofertadas_por_uf_primeiro_semestre_2015>. <http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Quadros_informativos/numero_bolsas_ofertadas_por_uf_segundo_semestre_2015.pdf >. Acesso em: 01 nov.2015

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      107  

Gráfico 1 – Bolsas concedidas

Fonte: BRASIL. Ministério da Educação, 2015.

Até o final de 2014, o programa havia formado cerca de 430 mil

profissionais em todas as áreas do conhecimento, quantia que corresponde a quatro

vezes o número de formandos nas universidades federais brasileiras, que somam 105

mil estudantes por ano.317 Portanto, o Prouni confirma a intenção constitucional de

proporcionar aos indivíduos mais do que o mínimo existencial, que, no caso, se

concretiza a partir da utilização da isenção de tributos federais.

Como decorrência da concepção de justiça social contemplada pela

Constituição Federal, o Estado deve atuar para superar o mínimo existencial, devendo

fornecer prestações maximizadas para a plena efetivação do direito à educação.318

Ora, se como um dos reflexos da injusta distribuição de renda do país o ensino

superior costumava ser mais acessível à parcela mais favorecida economicamente da

                                                                                                               317BRASIL. Ministério da Educação. Prouni eleva nível das faculdades particulares nos

últimos dez anos. 2015. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/01/prouni-eleva-nivel-das-faculdades-particulares-nos-ultimos-dez-anos>. Acesso em: 19 nov. 2015.

318HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 345, 370 e 371.

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      108  

população, a atuação do Estado deve visar também à inclusão do estudante de baixa

renda nesse nível de ensino.

Isso porque, para todas as normas de direitos fundamentais “há de se

outorgar a máxima eficácia e efetividade possível”.319 Daí decorre o dever do Estado

atuar visando permitir o pleno exercício dos direitos fundamentais sociais como a

educação. Claro que isso não significa ignorar o fato de que a efetividade dos direitos

fundamentais sociais encontra limite na disponibilidade financeira do Estado.

Tampouco significa dizer que o Estado deve ser provedor universal de todas as

necessidades dos indivíduos.

Trata-se, apenas, de reconhecer que as ações do Estado devem ter por

objetivo reduzir as disparidades sociais e econômicas, porque esta foi uma escolha da

ordem constitucional para que seja garantida a igualdade material e atingido o

desenvolvimento. Para isso, não basta superar a miséria. As políticas públicas devem

ter por objetivo universalizar o acesso aos direitos fundamentais sociais também

naquelas parcelas que extrapolam o mínimo existencial, ainda que, para tanto, seja

necessário contar com auxílio dos agentes privados estimulados pela concessão de

um benefício fiscal, como acontece com o Prouni.

5.3 PROUNI: A AÇÃO AFIRMATIVA EXTRAFISCAL

 

Dentre os inúmeros direitos consagrados na Constituição Federal de 1988,

o direito à igualdade (art. 5o da CF) ocupa posição central, sobretudo, porque se

encontra diretamente imbricado com a busca pelo desenvolvimento nacional e com a

efetivação dos direitos fundamentais. De forma simples, esse direito pode ser

compreendido como aquele que visa garantir a aplicação uniforme da lei para todos. É

o que acontece com a educação, que foi tratada como um direito de todos (art. 205 da

CF).

Todavia, essa concepção de igualdade puramente formal não basta. No

reconhecimento dos direitos fundamentais sociais é preciso levar em conta

determinadas diferenças que justificam um tratamento desigual, isto é, características

específicas que são relevantes para distinguir um grupo de indivíduos de outro grupo

de indivíduos.320 Não se pode ignorar o fato de que, em razão de certas condições

                                                                                                               319SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo

existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & Justiça, n. 1, out./dez. 2007, p. 17.

320BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 65-66.

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      109  

econômicas e sociais desfavoráveis, há indivíduos que enfrentam maiores dificuldades

do que outros para ter acesso a bens indispensáveis como a educação.

Garantir o acesso individual à educação é uma obrigação intrinsecamente

diferenciada. Apesar do dever do Estado de promover o acesso universal, a forma

como esse direito repercute em cada indivíduo está essencialmente ligada, por força

do princípio da igualdade, à necessidade diferente de ajuda estatal que cada indivíduo

apresente. 321 Disso resulta a possibilidade do Estado, na busca pela igualdade

material, instituir tratamento diferenciado para atender determinados grupos mais

desfavorecidos.

Para assegurar a igualdade material, o Estado deve adotar estratégias

promocionais que estimulem a inclusão desses grupos socialmente vulneráveis nos

espaços sociais, aí se situam as chamadas ações afirmativas.322 Elas podem ser

compreendidas como aquelas ações e políticas públicas implementadas com objetivo

de efetivação do princípio constitucional da igualdade, 323 aí entendido como a

isonomia material, que reclama a eliminação ou, ao menos, a atenuação daquelas

circunstâncias, sobretudo econômicas e sociais, que privam determinados indivíduos

do acesso a bens como a educação superior.

Ocorre que, na tentativa de concretizar a igualdade material ou

substancial, as ações afirmativas causam uma discriminação positiva, pois

proporcionam um tratamento prioritário para determinados grupos sociais.324 Parece

ser esse o caso do Prouni, porquanto seu principal objetivo é o atendimento daqueles

indivíduos que não possuem renda suficiente para pagar pelo acesso ao ensino

superior e também não conseguem ingressar na rede pública. É em favor desses

indivíduos que a política pública cria discriminações positivas.

Conforme explica Celso Antônio Bandeira de Mello, a discriminação não

pode ser gratuita ou fortuita. Ao contrário, reclama a existência de uma adequação

racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu

de supedâneo. Para isso, devem concorrer quatro elementos: (i) que a

desequiparação não atinja de modo absoluto um só indivíduo; (ii) que as pessoas

desequiparadas sejam distintas entre si, isto é, possuam características que as                                                                                                                321NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos

fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 49-50. 322PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.

199. 323CLÈVE, Clémerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed., rev. atual. São Paulo:

Fórum, 2014, p. 167. 324RABELO NETO, Luiz Octavio. Direito tributário como instrumento de inclusão social: ação

afirmativa fiscal. Revista da PGFN, v. 1, p. 253-273, 2011, p. 247.

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diferenciem; (iii) que exista uma correlação lógica entre os fatores diferenciais

existentes e a distinção de regime jurídico em função deles; (iv) que, concretamente,

essa correção lógica seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente

protegidos.325

No caso do Prouni, é possível identificar a presença desses elementos. A

diferenciação é feita em favor um grupo de pessoas economicamente desfavorecidas.

Isso faz com esses indivíduos tenham como característica comum uma maior

dificuldade para acessar o ensino superior, o que os diferencia de outros indivíduos

(isto é, aqueles que não enfrentam essas dificuldades). A renda é, portanto, o principal

fator diferencial que determina a instituição de um regime jurídico distinto que permite

o acesso ao ensino superior daqueles indivíduos economicamente desfavorecidos.

Tudo isso para aumentar o grau de efetividade do direito à educação,

protegido constitucionalmente, e cuja implementação colabora na realização de outros

objetivos constitucionais, como a igualdade material, o desenvolvimento nacional, a

erradicação da pobreza, dentre outros. Além disso, para investigar a adequação do

Prouni, enquanto medida afirmativa extrafiscal que cria uma discriminação positiva, é

interessante analisar alguns fatos sobre o acesso ao ensino superior no país.

Desde a época colonial, a educação superior esteve voltada a uma classe

social economicamente mais favorecida, cujos filhos eram enviados para estudar nas

universidades europeias. Com a instalação da corte portuguesa no Brasil, criam-se as

primeiras escolas isoladas de educação superior, com cursos para formar os

profissionais essenciais ao funcionamento da sociedade e, também, à formação dos

quadros necessários à burocracia do Estado. No entanto, persistia o baixo acesso da

população mais pobre a esse nível de ensino.326

Essa situação não se modificou com a instalação da República em 1889.

Segundo o diagnóstico do ensino superior constante do Plano Nacional da Educação,

aprovado pela Lei n. 10.172/2001, que estabeleceu metas para a década

compreendida entre o período de 2001 a 2010, na América Latina, no ano de 2001, o

Brasil apresentava menos de 12% dos jovens entre 18 a 24 anos matriculados no

                                                                                                               325MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed.

São Paulo: Malheiros, 1993, p. 39, 42. 326APRILE, Maria Rita; BARONE, Rosa Elisa. Políticas públicas para acesso ao ensino superior

e inclusão no mundo do trabalho - o Programa Universidade para Todos (PROUNI) em questão. In: CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA, 6., Lisboa, 2008. Anais... Lisboa: Universidade Nova Lisboa, 2008, p. 4. v. 1, p. 1-17. Disponível em: <http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/182.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2015.

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ensino superior. No Chile o índice era de 20,6%, na Venezuela de 26% e, na Bolívia,

de 20,6%, nessa mesma faixa etária. 327

No mesmo sentido, apontou o Censo da Educação Superior do ano de

2004, segundo a pesquisa, a taxa de escolarização líquida - que expressa as

matrículas na educação superior de estudantes na faixa etária de 18 a 24 anos-,

atingia somente 10,4% da população brasileira nessa idade naquele ano.328 Além

disso, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do ano de

2003, somente 5% dos jovens de 18 a 24 anos das famílias com renda per capta de

até um salário mínimo e 5% de não brancos (pretos, pardos e indígenas) chegavam

ao ensino superior.329

A percepção dessa desigualdade, seja no acesso ao direito à educação ou

a outros direitos fundamentais, é que deve servir de justificativa para ações como o

Prouni, que também pode ser compreendido como uma política pública

compensatória. Esse tipo de iniciativa visa equilibrar a balança que “sempre tendeu a

favorecer grupos hegemônicos no acesso aos bens sociais, conjugando assim ao

mesmo tempo, por justiça, os princípios de igualdade com o de equidade”.330

No julgamento da ADI 3.330/DF, que entendeu pela constitucionalidade do

Prouni, essa característica foi reconhecida pelo Ministro Relator Carlos Ayres Britto

quando destacou que “a lei existe para, diante dessa ou daquela desigualação que se

revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor uma outra

desigualação compensatória. A lei como instrumento de reequilíbrio social”.331

Nesse passo, para alcançar a igualdade material, o Estado tem certa

liberdade, por meio da sua função legislativa, podendo valer-se, inclusive, da política

                                                                                                               327BRASIL. Lei n. 10.172 de 09 de janeiro de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2001.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.

328Os dados do Censo da Educação Superior de 2004 não levam em conta o Programa Universidade para Todos cujos efeitos só foram registrados a partir de 2005. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da educação superior 2004: resumo técnico. Brasília: O Instituto, 2005, p. 29. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/superior/2004/censosuperior/Resumo_tecnico-Censo_2004.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2015.

329 Os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2003 são disponibilizados pelo IGBE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2003. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Indicadores_Sociais/Sintese_de_Indicadores_Sociais_2003/>. <http://dados.gov.br/dataset/microdados-do-censo-escolar >. Acesso em: 05 dez. 2015.

330CURY, Carlos Roberto Jamil. Políticas inclusivas e compensatórias na educação básica. Cadernos de Pesquisa (35), n. 124, p. 11-32, São Paulo: FCC, jan./abr. 2005, p. 24.

331 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Carlos Ayres Britto. Tribunal Pleno. DJ. 22.03.2013.

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fiscal, 332 sobretudo, no quadro da Constituição Federal de 1988, que consagrou

inúmeros valores e objetivos que irradiam seus efeitos sobre todo o ordenamento

jurídico. Isso faz com que as normas tributárias extrafiscais possam ser usadas para

veicular ações afirmativas, como faz o Prouni.

Assim, a ação afirmativa reflete a dinâmica do tributo em atendimento da

sua função social.333 O poder fiscal não deve aprofundar o processo de exclusão, pelo

contrário, deve servir como ferramenta para dissuadir a discriminação e estimular

comportamentos (públicos e privados) voltados à erradicação dos efeitos da

discriminação de cunho histórico.334 Nesse campo, é que se inserem as iniciativas

como o Prouni, cujo estímulo extrafiscal é direcionado à iniciativa privada.

A função extrafiscal dos tributos enquanto instrumento de ação afirmativa

já foi referendada pelo Supremo Tribunal Federal.335 Com o Prouni não foi diferente.

No julgamento da ADI 3.330/DF, o Ministro Joaquim Barbosa anotou que o programa

é uma ação afirmativa, pois todos conhecem a natureza elitista e excludente “do nosso

sistema educacional, se é que podemos qualificar como sistema o que era reservado

há até não muito tempo a um pequeno grupo de ungidos”. Para o Ministro Gilmar

Mendes, o Prouni “é um ótimo exemplo de política pública de ação afirmativa que

conseguiu atingir o objetivo de gerar altos índices de inclusão social. Os critérios

utilizados pela lei instituidora do PROUNI são eminentemente socioeconômicos”.336

Isso não significa que o programa não possua falhas. No ano de 2009, o

Tribunal de Contas da União, em Relatório de Auditoria Operacional sobre o Prouni,

apontou inúmeras delas. Dentre outros problemas, destacou que: (i) existiam usuários

que possuíam renda superior aos limites estabelecidos pelo programa, tanto no caso

de bolsistas parciais quanto bolsistas integrais. Havia beneficiários que auferiram

renda superior a R$ 200 mil por ano; (ii) através do cruzamento de dados do Registro

                                                                                                               332BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 106. 333VAREJÃO, José Ricardo do Nascimento. Princípio da igualdade e direito tributário. São

Paulo: MP, 2008, p. 173. 334GOMES, Joaquim B. Barbosa. A recepção do instituto da ação afirmativa pelo direito

constitucional brasileiro. Revista de informação legislativa, Brasília, ano 38, jul./set. 2001, p. 147.

335Exemplo disso pode ser encontrado no julgamento da ADI 1.276/SP, de relatoria da Ministra Ellen Gracie. Naquela ocasião, o Supremo Tribunal Federal entendeu que ao conceder incentivos fiscais para empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, a Assembleia Legislativa Paulista usou o caráter extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular a conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1.276/SP. Relatora: Min. Ellen Gracie. Tribunal Pleno. DJ. 22.11.2002.

336BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. DJ. 22.03.2013.

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Nacional de Veículos Automotores (Renavam), identificou-se que mais de 1.700

bolsistas (1.000 integrais e 700 parciais) possuíam veículos em seus nomes, sendo

que muitos desses veículos não estavam na categoria de populares, o que aponta

para uma incompatibilidade da renda com o programa; (iii) cerca de 1.000 bolsistas

encontravam-se cumulando bolsa no Prouni com a realização de graduação em

instituição pública e gratuita; (iv) dos 15.876 cursos ofertados pelo programa, 5.501

deles, isto é, 34,65% nunca haviam sido avaliados pelo Exame Nacional de

Desempenho dos Estudantes (Enade); (v) dos cursos avaliados, a quantia de 20,9%

obteve nota inferior a três no Enade, o que compromete a qualidade da formação dos

beneficiários do programa; (vi) no período de 2005 a 1º/2008, 9.496 bolsistas

evadiram-se do programa, uma média de 2,8% do número de bolsas concedidas por

semestre. No mesmo período, 54.84436 bolsas foram encerradas pelos mais diversos

motivos, tais como, rendimento acadêmico insuficiente, falsidade de documentos e

informações prestadas, substancial mudança de condição socioeconômica do bolsista,

inexistência de matrícula, dentre outros motivos.337

Falhas dessa natureza atentam contra os próprios fundamentos

socioeconômicos que levaram à instituição do programa, em especial aquelas que

permitem o ingresso de estudantes que não necessitam dos benefícios

proporcionados pelo Prouni. No entanto, a existência de certos efeitos negativos é

característica comum às políticas públicas de um modo geral. Em qualquer que seja a

sua ação, dificilmente a atuação estatal será perfeita. Por isso, as ações afirmativas

como o Prouni necessitam de aperfeiçoamento constante para reduzir ao máximo as

externalidades negativas.

O cruzamento de dados dos beneficiários com os dados do Registro

Nacional de Veículos Automotores e também com dados da Receita Federal do Brasil

podem funcionar como mecanismos para mitigar a inclusão de estudantes que não

tenham o perfil exigido pelo programa.338 Além disso, a falta de qualidade de algumas

                                                                                                               337BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria operacional: Programa

Universidade para Todos (ProUni) e Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Brasília: TCU, 2009, p. 52-53, 64, 65, 92, 111, 121. Disponível em: <http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?inline=1&fileId=8A8182A14D92792C014D9283C47B77D7>. Acesso em: 10 dez. 2015.

338 O Ministério da Educação possui uma iniciativa chamada Supervisão do Programa Universidade para Todos. Trata-se de uma atividade permanente que possui dois focos: (i) No caso das instituições, a supervisão consiste na verificação da regularidade da oferta de bolsas por parte das instituições de ensino superior cadastradas no programa; (ii) No caso dos bolsistas, é feita uma verificação, a partir do cruzamento de informações com outros cadastros oficiais, do atendimento aos critérios exigidos pela legislação do programa aos estudantes beneficiados. BRASIL. Ministério da Educação. Supervisão do Programa

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instituições de ensino, como indicou o Tribunal de Contas da União, é dos aspectos

mais críticos do programa.

No entanto, a própria lei instituidora do Prouni (Lei n.o11.906/2005) permite

que o Ministério da Educação desvincule do programa o curso considerado

insuficiente, segundo critérios de desempenho do Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Superior (SINAES), por duas avaliações consecutivas (art. 7o, § 4o).339 Com

base nessa previsão, no ano de 2014, o Ministério da Educação iniciou inúmeros

processos administrativos para aplicação de penalidade em face das instituições de

ensino superior que obtiverem resultados insatisfatórios no Índice Geral de Curso

(IGC).340

A efetiva fiscalização da qualidade de ensino nas instituições credenciadas

no programa é essencial para que a política pública não se torne inócua. Não basta

possibilitar o acesso, é preciso que esses indivíduos possuam condições profissionais

para se inserem no mercado de trabalho e concorrerem às vagas que exigem mais

qualificação, porque é justamente aí que estão os melhores salários.341Isso pode

permitir uma melhor distribuição da riqueza e, consequentemente, a redução das

desigualdades econômicas e sociais, objetivos que parecem ser as finalidades últimas

do Prouni.

Em outra crítica lançada ao programa, argumenta-se que existe dificuldade

de permanência dos estudantes nos cursos, pois é tão baixa a renda de algumas

famílias que a locomoção e os materiais mínimos para a realização da graduação

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   Universidade para Todos (Prouni). 2015. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/instituicoes-credenciadas-sp-1781541355/supervisao?id=13708>. Acesso em: 15 dez. 2015.

339Para um maior aprofundamento sobre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e sobre o Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição – IGC, recomenda-se a consulta ao site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio – INEP. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinaes. 2015. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/superior-sinaes>. Acesso em: 18 dez. 2015; INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição - IGC. 2015. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/educacao-superior/indicadores/indice-geral-de-cursos-igc>. Acesso em: 18 dez. 2015.

340BRASIL. Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior. Portaria nº 361, de 17 de junho de 2014. Diário Oficial da União, seção 1, n. 115, 18 jun. 2014. Disponível em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=15&data=18/06/2014>. Acesso em: 20 dez. 2015.

341 Segundo pesquisa do Ministério da Educação, aqueles que possuem ensino superior completo ganham, em média, 8,6 vezes mais que aqueles indivíduos que não possuem essa formação. Ver: BRASIL. Ministério da Educação. Pradime: Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação. Brasília: Ministério da Educação, 2006, p. 27. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Pradime/cader_tex_1.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015.

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      115  

tornam-se fatores que dificultam a conclusão do curso.342 Para mitigar os efeitos deste

problema, aqueles estudantes beneficiários de bolsa integral do programa,

matriculados em cursos presenciais com duração mínima de seis semestres e cuja

carga horária seja igual ou superior a seis horas diárias de aula, poderão receber

bolsa permanência para auxiliar no custeio das despesas educacionais, com o valor

máximo equivalente ao praticado na política federal de bolsas de iniciação científica,343

nos termos do que definir o edital publicado pela Secretaria de Educação Superior do

Ministério da Educação.344

Com isso, percebe-se que as ações afirmativas são uma espécie de

desdobramento que decorre do conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Isso

porque, são instituídas com vistas a favorecer grupos socialmente vulneráveis para

colocá-los em situação de igualdade material com outros grupos sociais. Por isso, as

ações afirmativas, mesmo aquelas baseadas na extrafiscalidade dos tributos, devem

funcionar como medidas de combate às disparidades sociais e econômicas.

5.4 PROUNI: A MAXIMIZAÇÃO DO RESULTADO

Para avaliar os efeitos de uma política pública, mesmo daquelas baseadas

na extrafiscalidade dos tributos, como é o caso do programa em análise, deve-se

recorrer à interdisciplinaridade, que pode ser compreendida como a comunicação

entre diferentes áreas do conhecimento humano com objetivo de estabelecer entre

elas uma interação. Neste campo, ganha espaço a Análise Econômica do Direito

(AED), movimento que surgiu nos Estados Unidos na segunda metade do século XX,

país onde é conhecida como “law and economics”. 345

Embora aprofundar a investigação quanto à AED não seja o objetivo

central deste capítulo, é preciso introduzir algumas premissas teóricas dessa

                                                                                                               342CATANI, Afrânio Mendes; HEY, Ana Paula. A educação superior no Brasil e as tendências

das políticas de ampliação do acesso. Atos de pesquisa em educação, v. 2, n. 3, p. 414-429, 2007, p. 422.

343 A bolsa de iniciação científica para graduação paga pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico tem valor máximo de R$ 400,00. CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO. Bolsas. 2015. Disponível em: <http://www.cnpq.br/web/guest/apresentacao13/>. Acesso em: 10 dez. 2015.

344BRASIL. Ministério da Educação. PROUNI Programa Universidade para Todos: bolsa permanência. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/bolsa-permanencia>. Acesso em: 19 dez. 2015.

345KALIL, Gilberto Alexandre de Abreu; GONÇALVES, Oksandro Osdival. PROUNI: estudo preliminar sobre a eficiência a partir da análise econômica do direito. In: BIER, Clerilei Aparecida; BADR, Eid; XIMENES, Julia Maurmann (Org.). Direitos sociais e políticas públicas. 1. ed. Florianópolis: CONPEDI, 2015, v. 1, p. 667-698, p. 683.

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      116  

disciplina, para que a partir disso seja possível avaliar determinados impactos

econômicos do Prouni. Segundo Bruno Salama, a AED consiste na aplicação do

instrumental analítico e empírico da economia, sobretudo da microeconomia e da

economia do bem-estar social, na tentativa de compreender, explicar e prever as

consequências fáticas das normas jurídicas.346

Para Marcia Carla Pereira Ribeiro e Irineu Galeski Junior, a AED consiste

na aplicação da teoria microeconômica, em especial, do seu método para a análise da

formação e impacto da aplicação de normas e instituições jurídicas, o que significa

trazer o método econômico para a realidade do Direito. Segundo os autores, os

princípios em torno dos quais gravita a ciência econômica são: (i) a escolha racional

ou maximização; 347 (ii) o equilíbrio; (iii) e a eficiência; eles funcionam também como

bases sobre as quais estão fixadas as premissas da AED. Esses postulados revelam

que os indivíduos tomam decisões e fazem suas escolhas, de forma racional, visando

à melhoria de sua própria condição individual, isto é, a maximização de seu bem-

estar.348

No caso do Prouni, a isenção de tributos federais desonera as instituições

privadas de ensino superior e, ao fazê-lo, estimula a concessão de bolsas, porque

esse é um comportamento que economicamente conduz à maximização dos

resultados dessas instituições. Na concepção de Paulo Caliendo, a AED possui como

principais características: (i) a rejeição da autonomia do Direito frente a realidade

social e econômica; (ii) a utilização de métodos de outras áreas do conhecimento,

como a economia; (iii) a crítica à interpretação jurídica baseada somente no direito,

sem referência ao contexto econômico e social. 349

Portanto, a AED vai além da análise isolada e dogmática do Direito para

levar em conta também os efeitos reais do ordenamento jurídico. Por isso, a AED

                                                                                                               346SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos Direito GV, São Paulo, v. 5, n. 2, mar. 2008, p. 9.

347Ilustra bem a escolha racional o caso do veículo Ford Pinto, fabricado nos Estados Unidos na década de 70, que incendiava após colisões traseiras, em razão de problemas no tanque de combustível. Naquela ocasião, a montadora optou por não realizar os reparos estruturais nos veículos, pois os custos para fazê-lo seriam superiores ao pagamento de indenizações e despesas médico-hospitalares nos casos de ferimentos e morte dos consumidores. THE UNSW AUSTRALIA BUSINESS SCHOOL. The Pinto Case. 2015. Disponível em: <http://www.agsm.edu.au/bobm/teaching/BE/Cases_pdf/Pintocase.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2015.

348RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; GALESKI JUNIOR, Irineu. Teoria geral dos contratos: contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2009, p. 71, 77.

349CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do direito: contribuições e limites. Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, ano 1, n. 7, 2009, p. 205.

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      117  

serve para uma melhor compreensão das normas jurídicas, na medida em que fornece

instrumentos que permitem avaliar e, até mesmo tentar prever, as consequências

econômicas e sociais de uma determinada política pública. Para fazê-lo, a AED vale-

se de dois níveis epistemológicos, uma vertente chamada positiva e outra normativa.

A dimensão positiva (ou descritiva) da AED, também conhecida como

Direito e Economia Positiva, ocupa-se com das repercussões do Direito sobre o

mundo real dos fatos. A dimensão normativa (ou prescritiva), à qual se atribui o nome

de Direito e Economia Normativa, tem por objetivo investigar como as noções de

justiça se comunicam com os conceitos de eficiência econômica, maximização da

riqueza e maximização do bem-estar social. 350

Em interessante perspectiva, Ivo Teixeira Gico Junior explica que, a partir

dessas duas vertentes, os juseconomistas visam dar respostas a duas indagações: “(i)

quais as consequências de um dado arcabouço jurídico, isto é, de uma dada regra; e

(ii) que regra jurídica deveria ser adotada”. Explica, ainda, que, quando se utiliza a

AED para fazer uma análise positiva, realiza-se um exercício de prognose, isto é, uma

verificação da eficiência de determinada norma jurídica. Contudo, isso não permite

que o juseconomista seja capaz de fornecer sugestões de políticas públicas ou de

como certa decisão deve ser tomada, o que somente é possível quando o

juseconomista recorre à análise normativa, que o auxiliará a escolher dentre as

alternativas possíveis aquela que for a mais eficiente, isto é, “escolher o melhor

arranjo institucional dado um valor (vetor normativo) previamente definido”. 351

No caso do Prouni, como a política pública já foi instituída desde o ano de

2005, é possível valer-se da dimensão positiva para a investigação de alguns de seus

efeitos. Conforme explicam Oksandro Gonçalves e Douglas Vosgerau, a AED fornece

importante contribuição para a análise da tributação extrafiscal e seus efeitos a partir

de duas perspectivas distintas. A dimensão positiva investiga a norma que institui o

tributo extrafiscal e sua eficiência, enquanto a dimensão normativa visa uma análise

mais profunda da política pública a ser adotada para, caso seja necessário, propor

uma alternativa mais eficiente. 352

                                                                                                               350SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos Direito GV,

São Paulo, v. 5, n. 2, mar. 2008, p. 9. 351GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Metodologia e epistemologia da análise econômica do direito.

Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, p. 7-33, 2010, p. 20-21. 352GONÇALVES, Oksandro Osdival; VOSGERAU, Douglas. A extrafiscalidade como política

pública de intervenção do Estado na economia e desenvolvimento: o ICMS ecológico e o IPI de veículos automotores. Ciências Sociais Aplicadas em Revista, v. 13, n. 24, p. 207-221, 2014, p. 211.

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      118  

A eficiência costuma ser associada ao bem-estar, à diminuição de custos e

à maximização da riqueza. 353 Em termos jurídicos, “uma lei será mais eficiente que

outra se for capaz de atingir os mesmos resultados através de custos menores”.354 Por

isso, as políticas públicas, mesmo aquelas baseadas na extrafiscalidade dos tributos,

como ocorre no caso do Prouni, devem visar atingir os melhores resultados e,

simultaneamente, onerar o mínimo possível o Estado.

Para Paulo Caliendo, a eficiência é a maximização de determinados bens

sociais entendidos como de grande importância (a educação é um desses bens). Na

economia do bem-estar, existem dois importantes aspectos: a eficiência econômica

(economic efficiency) e a distribuição de renda (income distribution). A primeira visa

fazer crescer o bolo econômico, ao passo que a segunda ocupa-se de como repartir o

bolo econômico. A eficiência distributiva é a capacidade de distribuir melhor os bens

para aqueles que realmente necessitam.355 Parece ser este o caso do Prouni, na

medida em que seu objetivo é ampliar o acesso da população economicamente mais

carente ao ensino superior.

As políticas públicas formuladas com este escopo redistributivo devem ser

eficientes. Isso porque, sendo os recursos escassos e as necessidades

potencialmente ilimitadas é injusto o desperdício. 356 Por isso, a alocação dos recursos

públicos para concretizar determinado objetivo estatal deve ser feita da maneira mais

eficiente possível (isto, é maximizando seus efeitos), sob pena de ser injusta e

desviada da finalidade para a qual foi concebida a política pública.

Na AED, a eficiência costuma ser analisada sob dois enfoques. Os critérios

de eficiência de Pareto e de Kaldor-Hicks. O ótimo de Pareto se realiza quando não for

possível melhorar a situação de alguém, sem piorar a situação de outrem. Será

Pareto-eficiente uma situação que produza benefícios para um indivíduo sem que haja

prejuízos à condição de outro agente. Esse critério tem pouca aplicação prática, pois a

maioria das transações tem repercussões sobre terceiros. Por isso, ganha relevância

o critério de eficiência de Kaldor-Hicks, que parte do pressuposto de que as normas

                                                                                                               353SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos Direito GV,

São Paulo, v. 5, n. 2, mar. 2008, p. 22. 354 GONÇALVES, Oksandro Osdival; RIBEIRO, Marcelo Miranda. Incentivos fiscais: uma

perspectiva da análise econômica do direito. Economic Analysis of Law Review, v. 4, n. 1, p. 79-102, 2013, p. 83.

355CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do direito: contribuições e limites. Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, ano 1, n. 7, 2009, p. 217-219.

356GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Metodologia e epistemologia da análise econômica do direito. Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, p. 7-33, 2010, p. 28.

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      119  

devem ser planejadas visando causar o máximo de bem-estar para o maior número de

pessoas. Isto é, os ganhos totais devem compensar as eventuais perdas sofridas por

alguém. 357

O critério de Kaldor-Hicks permite que mudanças sejam implementadas

ainda que haja perdedores.358 Para atender a este critério, as normas tributárias

extrafiscais concebidas para realizar objetivos não arrecadatórios, como a

concretização do direito fundamental social à educação, devem produzir a maior

quantidade de bem-estar possível para o maior número de pessoas sem que isso

importe custos adicionais superiores aos benefícios para outros agentes

econômicos.359

Logo, o critério de Kaldor-Hicks pode ser utilizado como parâmetro para

implementação de políticas públicas baseadas na extrafiscalidade dos tributos, “pois

busca mitigar o problema da maior alocação para todos (Pareto), de forma que a

escolha seja pela alternativa que maximize a riqueza”.360 Com base nessas premissas

teóricas, é que se passa à análise de alguns aspectos econômicos do Prouni. Embora

a iniciativa tenha ampliado expressivamente o acesso ensino superior dos estudantes

de baixa renda, a isenção dos tributos federais provocou perda de arrecadação para

os cofres da União.

Essa renúncia de receitas, que funciona como a contrapartida para

estimular a adesão das instituições de ensino superior ao programa, tem sido alvo de

críticas. Embora os argumentos sejam variados, muitos deles convergem no sentido

de entender o Prouni como uma estratégia de transferência de recursos públicos para

as instituições privadas feita no interesse dos empresários do setor, promovendo,

ainda que por via reflexa, a privatização do ensino em detrimento da expansão das

vagas na rede pública de ensino superior.361

                                                                                                               357RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; GALESKI JUNIOR, Irineu. Teoria geral dos contratos:

contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2009, p. 86-87.

358SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos Direito GV, São Paulo, v. 5, n. 2, mar. 2008, p. 24.

359KALIL, Gilberto Alexandre de Abreu; GONÇALVES, Oksandro Osdival. PROUNI: estudo preliminar sobre a eficiência a partir da análise econômica do direito. In: BIER, Clerilei Aparecida; BADR, Eid; XIMENES, Julia Maurmann (Org.). Direitos sociais e políticas públicas. 1. ed. Florianópolis: CONPEDI, 2015, v. 1, p. 667-698, p. 687.

360RIBEIRO, op. cit., p. 89. 361Nesse sentido, apontam os seguintes autores: DE ALMEIDA, Sergio Campos. O avanço da

privatização na educação brasileira: o Prouni como uma nova estratégia para a transferência de recursos públicos para o setor privado. 2006. 123 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2006, p. 85-113; SARAIVA, Luiz Alex Silva; NUNES, Adriana de Souza. A efetividade de programas sociais de acesso à educação

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      120  

De acordo com dados oficiais, estima-se que a cifra não arrecadada pela

União desde a instituição do programa em 2005 já ultrapassou o montante de 5

bilhões de reais, como se pode observar da Tabela 1:362

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   superior: o caso do Prouni. Revista de Administração Pública, v. 45, n. 4, p. 941-964, 2011, p. 961; MACHADO, Antonia Rozimar. O Programa Universidade para Todos-PROUNI e a pseudodemocratização na contra-reforma da Educação Superior no Brasil. 2009. 217 f.Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009, p. 22.

362Os dados do ano de 2005 foram extraídos do Relatório de Auditoria da Controladoria Geral da União. CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Relatório de Auditoria – Exercício 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=20471-sesu-relatorio-auditoria-2006-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 29 set.2015. Os dados referentes aos anos de 2006 a 2015 foram extraídos do site da Receita Federal do Brasil. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária 2006. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2006/DGT2006.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária 2007. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/gastos-tributarios/previsoes-ploa/arquivos-e-imagens/dgt-2007>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários Série 2008 a 2012. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2010/DGTEfetivoAC2010Serie2008a2012.pdf >. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2009. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2009/DGT2009.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2010. Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2010/DGT%202010.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2011. Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2011/DGT2011.pdf >. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2012. Disponível em:< http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2012/DGT2012.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2013. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2013/DGT2013.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2014. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2014/DGT2014.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2015. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/gastos-tributarios/previsoes-ploa/arquivos-e-imagens/dgt-2015>. Acesso em: 29 set. 2015.

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      121  

Tabela 1 – Renúncia fiscal

Fonte: BRASIL. Secretaria da Receita Federal, 2015.

A divisão dos valores anuais da renúncia fiscal pela quantidade total de

bolsas parciais e integrais concedidas por ano aponta o custo anual médio para a

concessão de cada benefício. Esses dados, quando comparados com o investimento

público direito anual feito pelo Estado por estudante do ensino superior, 363 revelam um

aspecto interessante a respeito do impacto econômico do programa.

Apesar da cifra não arrecadada na primeira década de existência do

Prouni ser bastante significativa, o custo da isenção para o Estado é inferior ao

investimento anual por aluno no ensino superior público. Portanto, ao menos com

                                                                                                               363Os dados são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira –

INEP, com valores atualizados para 2013 pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Os dados dizem respeito aos cursos superiores em Tecnologia, demais cursos de Graduação (Presencial e a distância) (exceto cursos sequenciais) e cursos de pós-graduação Stricto Sensu - Mestrado, Mestrado Profissional e Doutorado (excetuando-se as especializações Lato Sensu). INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Investimento público direto em educação por estudante em valores reais, por nível de ensino. 2015. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/indicadores-financeiros-educacionais/investimento-publico-direto-em-educacao-por-estudante-em-valores-reais-por-nivel-de-ensino>. Acesso em: 18 dez. 2015.

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      122  

relação às atividades de ensino superior, o Prouni atende ao critério de eficiência de

Kaldor-Hicks, pois “produz a maior quantidade de resultados com a menor utilização

dos meios”, 364 colaborando, ainda, para uma melhor distribuição da educação,

enquanto bem essencial para todos.

No entanto, esse baixo custo por vaga do Prouni é alvo de críticas. Para

Nicholas Davies, apesar do custo menor, a pesquisa científica e o atendimento médico

em hospitais universitários concentram-se nas universidades públicas, pois são

atividades que pelo seu alto custo não atraem as instituições privadas, que ficam

concentradas apenas nas atividades de ensino. 365 Na perspectiva de Cristina

Carvalho, a isenção “reduz o volume de recursos vinculados ao segmento federal, na

medida em que o art. 212 da CF de 1988 determina que 18% da receita de impostos

deve ser destinada à educação pública”.366

Não se pode ignorar o fato de que ao estimular a iniciativa privada pela

isenção fiscal, o Estado deixa de incorrer em custos inevitáveis na rede pública, como

o pagamento de salários dos professores e demais servidores públicos, gastos com a

manutenção e expansão da infraestrutura das universidades públicas, o

direcionamento de verbas para pesquisa científica, dentre outros. No entanto, as

críticas acima devem ser analisadas à luz do texto constitucional.

Se por um lado, no modelo brasileiro, a pesquisa científica de ponta

encontra-se principalmente nas universidades públicas, por outro, a Constituição

Federal tratou a educação como um direito de todos (art. 205). Sendo esta a escolha

do legislador constitucional, parece adequado entender que o seu objetivo foi

endereçar ao Estado o dever de atuar no sentido de universalizar o acesso a todos os

níveis de ensino, inclusive ao ensino superior, o que pode ser feito em colaboração

com a iniciativa privada, mediante estímulo fiscal do Estado.

A expansão da rede privada de ensino, como consequência do Prouni que

custa menos ao Estado do que a expansão na rede pública, não parece estar em

dissonância com a Constituição Federal, que consagrou um sistema de ensino que

conjuga a ação pública com a privada (art. 209). E, ainda que isso acabe por favorecer

uma lógica mercadológica que concentra as atividades dessas instituições no ensino e                                                                                                                364CALIENDO, Paulo. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica.

São Paulo: Elsevier, 2008, p. 70. 365DAVIES, Nicholas. O governo Lula e a educação: a deserção do Estado continua. Educação

& Sociedade, v. 25, n. 86, p. 244-252, 2004, p. 247. 366CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. Uma análise crítica do financiamento do Prouni:

instrumento de estímulo à iniciativa privada e/ou democratização do acesso à educação superior? In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 34., 2011, Natal. Anais... Natal: ANPED, 2011, p. 14.

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      123  

não em outras atividades acadêmicas mais custosas, possibilitar o acesso ao ensino

superior é um passo inicial para que, posteriormente, o país avance mais em pesquisa

científica.

Para mitigar este efeito negativo, a Lei de regência do Prouni poderia ser

aprimorada para exigir das instituições de ensino superior credenciadas o

direcionamento de recursos às atividades de pesquisa científica, o que poderia ser

feito na proporção das bolsas concedidas, pois, quanto maior o número de bolsas,

maior é o benefício econômico da instituição com a isenção. Como existem no país

mais instituições privadas do que públicas, 367 essa exigência das instituições

vinculadas ao Prouni poderia colaborar para melhorar o cenário do desenvolvimento

científico e tecnológico do país mais rapidamente.

Quanto à crítica lançada por Carvalho, no sentido de que o Prouni acarreta

a redução de recursos que seriam destinados à educação pública, é preciso destacar

que a redação do art. 212 da Constituição Federal refere-se exclusivamente à receita

resultante da arrecadação dos “impostos”. No Prouni, a extrafiscalidade incide

principalmente nas contribuições (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido,

Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social e Contribuição para o

Programa de Integração Social), atingindo somente o imposto de renda das pessoas

jurídicas. Por isso, o volume não arrecadado é maior nas contribuições como indica a

Tabela 2:368

                                                                                                               367Segundo dados do Censo da Educação Superior de 2013, existem no país 2391 instituições,

sendo 301 instituições públicas e 2090 instituições privadas. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da educação superior 2013. 2015. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/apresentacao/2014/coletiva_censo_superior_2013.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2015.

368Os dados referentes aos anos de 2006 a 2015 foram extraídos do site da Receita Federal do Brasil. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária 2006. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2006/DGT2006.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária 2007. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/gastos-tributarios/previsoes-ploa/arquivos-e-imagens/dgt-2007>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários Série 2008 a 2012. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2010/DGTEfetivoAC2010Serie2008a2012.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2009. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2009/DGT2009.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2010. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2010/DGT%202010.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo

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      124  

Tabela 2 – Renúncia fiscal

Fonte: BRASIL. Secretaria da Receita Federal, 2015.

A propósito, nos termos do § 3º do art. 212 da Constituição Federal,369 os

recursos a que se refere o caput do mencionado artigo deverão “assegurar prioridade

ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório”. Isso indica que o objetivo

principal reside no direcionamento de recursos à educação básica e não ao ensino

superior. Consequentemente, parece equivocado o argumento de que o Estado deixa

de alocar verbas nas instituições públicas de ensino superior para investi-las nas

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   dos Gastos Tributários 2011. Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2011/DGT2011.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2012. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2012/DGT2012.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2013. Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2013/DGT2013.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2014. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2014/DGT2014.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2015. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/gastos-tributarios/previsoes-ploa/arquivos-e-imagens/dgt-2015>. Acesso em: 29 set. 2015.

369Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. § 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009).

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      125  

instituições privadas, mesmo porque o Prouni não funciona mediante a transferência

direta de recursos.

Do mesmo modo, o Prouni não concorre com a educação básica. Isso

porque, sendo obrigatórias as parcelas que compõem a educação básica (art. 208,

inc. I da CF), nada afasta a obrigação estatal de universalizar o seu acesso, como já

se sustentou no segundo capítulo deste trabalho. De certa forma, o Prouni pode ser

entendido como resultado de uma escolha estatal em um cenário marcado por duas

características conflitantes: (i) a escassez de recursos para permitir a todos o acesso à

educação superior; (ii) a escolha do texto constitucional por impor ao Estado

obrigações que ultrapassam o mínimo existencial (educação básica), para buscar o

desenvolvimento nacional (progresso econômico, social e político) e a igualdade

material.

Isso exige que o Estado leve em conta os efeitos de suas ações para que

seja possível escolher aquela medida capaz de produzir os resultados mais

consentâneos com o objetivo de atingir a máxima efetivação dos direitos

fundamentais.370 Para isso, a alocação dos recursos públicos escassos deve ser feita

de modo a alcançar o melhor resultado. É preciso ampliar o acesso ao ensino superior

a um número maior de indivíduos ao menor custo para o Estado, como faz o Prouni.

Essa conclusão que se forma com base na eficiência a partir da AED não é

um raciocínio puramente econômico. A eficiência decorre da própria Constituição

Federal. Emerson Gabardo e Daniel Wunder Hachem explicam que o princípio

constitucional da eficiência administrativa (art. 37 da CF) impõe à Administração

Pública o dever de: (i) exercitar sua competência com a máxima celeridade, presteza,

economicidade e produtividade; (ii) atuar para realizar a finalidade pública subjacente

às normas jurídicas às quais está submetida; (iii) utilizar os meios mais adequados ao

alcance ótimo dos objetivos previstos pelas normas; (iv) conferir a máxima efetividade

aos comandos que lhes são dirigidos pelo ordenamento público; (v) guardar

consonância com os direitos fundamentais e com os princípios que orientam a

atividade administrativa.371

                                                                                                               370RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; CAMPOS, Diego Caetano da Silva. Análise econômica do

direito e a concretização dos direitos fundamentais. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 11, n. 1, p. 304-329, 2012, p. 313.

371GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel Wunder. Responsabilidade civil do Estado, faute du service e o princípio constitucional da eficiência administrativa. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello; PIRES, Luis Manuel Fonseca; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Responsabilidade civil do Estado: desafios contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 245.

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      126  

No caso do Prouni, a ampliação das vagas ocorre na rede privada, mas a

iniciativa partiu do Estado quando instituiu a política pública extrafiscal. Quando age

dessa forma, a ação estatal sofre influência desses desdobramentos que decorrem do

conteúdo jurídico do princípio da eficiência. Contudo, reconhecer o Prouni como

política pública eficiente, porque amplia vagas a um menor custo, não afasta ou

sequer mitiga o dever do Estado de investir também na ampliação das vagas na rede

pública de ensino superior.

Como já se sustentou acima, o modelo consagrado na Constituição

Federal conjuga a iniciativa privada com a pública. Claro que não basta garantir o

acesso ao ensino superior a um custo menor, a instalação de um novo cenário

educacional no país reclama um conjunto de ações como uma educação básica

universal e de qualidade, a valorização do profissional da educação em todos os

níveis de ensino, a exigência e fiscalização de um padrão mínimo de qualidade para

todos os níveis de ensino, a melhoria e a ampliação dos estabelecimentos de ensino,

dentre outras providências.

5.5 PROUNI: A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES X A IGUALDADE DE POSIÇÕES

Ao tratar dos deveres do Estado com a educação, a Constituição Federal,

no caso do ensino superior, fez a seguinte enunciação: “acesso aos níveis mais

elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada

um” (art. 208, inc. V). A leitura desse dispositivo não deve ser feita de forma isolada e

literal. Quando o Estado institui políticas públicas visando ampliar o acesso da

população à educação superior, deve ter em mira não somente a previsão contida no

art. 208, inc. V, mas também outros valores e objetivos caros ao texto constitucional,

sobretudo aqueles inseridos em seu art. 3o. 372

                                                                                                               372No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 186)

pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu pela constitucionalidade do sistema de reserva de vagas baseado em critério étnico-racial, discutiu-se o sentido da previsão contida no art. 208, inc. V da Constituição Federal. Segundo o Ministro Relator Ricardo Lewandowski, o Constituinte buscou temperar o rigor da aferição do mérito dos candidatos ao ensino superior com o princípio da igualdade material. Por isso, o mérito dos concorrentes que se encontram em situação de desvantagem em relação a outros, em razão de suas condições sociais, não deve ser aferido a partir de uma ótica puramente linear, devendo ser levado em conta o princípio da igualdade material que permeia todo o texto constitucional. No mesmo sentido, o Ministro Marco Aurélio apontou em seu voto que o art. 208, inc. V deve ser interpretado de modo harmônico com os demais preceitos constitucionais. Isso faz com que a cláusula “segundo a capacidade de cada um” somente possa fazer referência à igualdade plena, quando considerada a vida pregressa e as

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      127  

Os efeitos dessas escolhas no conteúdo jurídico do art. 208, inc. V, da

Constituição Federal podem ser melhor entendidos quando se analisa o Prouni,

enquanto estratégia de combate às disparidades econômicas e sociais, à luz da

discussão que se forma entre o modelo da igualdade de oportunidades e o modelo da

igualdade de posições.

Segundo François Dubet, os dois modelos visam reduzir a tensão que

existe nas sociedades democráticas entre a afirmação da igualdade de todos e as

desigualdades sociais decorrentes das tradições e da competição dos interesses

concorrentes. A igualdade de oportunidades consiste em oferecer a todos a

possibilidade de buscar as melhores posições em função de um princípio

meritocrático. Assim, no ponto de partida, devem ser equilibradas as desigualdades.

Depois disso, as desigualdades produzidas pelo uso dos recursos dependem somente

dos indivíduos e do seu livre-arbítrio, motivo pelo qual elas são perfeitamente justas.373

De acordo com Daniel Wunder Hachem, a igualdade de oportunidades

identifica-se com a tese que reduz a fundamentalidade dos direitos sociais ao

conteúdo do mínimo existencial. Bastaria ao Estado diminuir os fatores que figuram

como obstáculo à equitativa competição pelas posições mais elevadas na

sociedade.374 Isso pode conduzir ao raciocínio de que garantir o acesso somente à

educação básica é suficiente. A partir disso os indivíduos podem logram acessar o

ensino superior por seus próprios méritos.

Por esse viés, o Prouni pode até ser entendido como uma mera política

assistencialista para promover o acesso ao ensino superior.375 Há quem diga, também,

que o Prouni termina por excluir seus beneficiários do direito universal à educação

pública e gratuita, mantendo-se assim o processo de exclusão ao longo da história de

escolarização.376 Esses raciocínios não parecem os mais acertados. Isso porque, a

Constituição consagra o direito fundamental social à educação, que pode ser

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   oportunidades que a sociedade ofereceu às pessoas. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 186. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. DJ 26.04.2012.

373 DUBET, François. Repensar la justicia social: contra el mito de la igualdad de oportunidades. Buenos Aires: Siglo XXI, 2011, p. 12, 63.

374HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 371, 373-374.

375CATANI, Afrânio Mendes; GILIOLI, Renato de Sousa Porto. O Prouni na encruzilhada: entre a cidadania e a privatização. Linhas críticas, v. 11, n. 20, p. 55-68, 2005, p. 65.

376ARAUJO, Edineide Jezine Mesquita; CORRÊA, Elourdiê Macena. PROUNI: Políticas de inclusão ou exclusão no contexto das aprendizagens ao longo da vida. Educação e Fronteiras On-Line, v. 1, n. 1, p. 32-47, 2011, p. 45.

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      128  

concretizado tanto em instituições públicas quanto privadas, cujo padrão de qualidade

deve ser fiscalizado e exigido pelo Poder Público, como já se disse acima.

Além disso, na maior parte das vezes, o estudante egresso da rede pública

de ensino básico não consegue concorrer em igualdade de condições, com os

estudantes egressos da rede privada, às vagas nas universidades públicas. Prova

disso é o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio. No ano de 2014, somente 93

escolas públicas entraram no ranking das mil escolas com as melhores notas no

exame, o que equivale a menos de 10% do total.377 Esse dado é um forte indicativo da

baixa qualidade do ensino básico na rede pública.

Como consequência disso, os mais abastados que têm uma educação

básica de melhor qualidade (na rede privada), possuem mais chances de ingressar no

ensino superior público e, quando isso não ocorre, podem pagar pelo acesso a esse

bem. Por outro lado, a parcela da população mais desfavorecida economicamente e,

como uma das consequências disso, sem acesso a uma educação básica de boa

qualidade (na rede pública), enfrenta mais dificuldades de acessar o ensino superior

público e, quando isso ocorre, na maioria das vezes não pode pagar pelo acesso a

esse bem.

Na decisão proferida pelo STF na ADI 3.330/DF, o Ministro Luiz Fux

identificou esse cenário, quando declarou em seu voto que o Prouni supera o

paradoxo pátrio de que “o aluno que estuda em escola pública não ascende ao ensino

universitário público de excelência”.378 A intenção do legislador, quando estabeleceu

que o acesso ao ensino superior se dará “segundo a capacidade de cada um” (art.

208, inc. V), não parece ter sido excluir aqueles indivíduos que, em razão

determinadas circunstâncias sociais e econômicas desfavoráveis, não ostentam a

mesma “capacidade” que outros indivíduos - que desfrutam de melhores posições

sociais e econômicas - possuem para ingressar nesse nível de ensino, seja na rede

pública ou na rede privada.

Percebe-se, então, que a igualdade de oportunidades nada diz a respeito

das distâncias que separam as posições sociais. Muitas vezes, essa distância pode

                                                                                                               377Nesse sentido ver: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS

ANÍSIO TEIXEIRA. Enem por escola. 2015. Disponível em: <http://download.inep.gov.br//educacao_basica/enem/enem_por_escola/2014/enem_escola_2014.xlsx>. Acesso em: 09 nov. 2015. MORENO, Ana Carolina; SOARES, Will. Escolas públicas são menos de 10% entre as mil com maior nota no ENEM. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/08/escolas-publicas-sao-menos-de-10-entre-mil-com-maior-nota-no-enem.html>. Acesso em: 09 nov. 2015.

378Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. DJ. 22.03.2013.

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ser tão grande que os indivíduos nunca chegam a superá-la, com “exceção de alguns

heróis dos quais se pergunta se não seriam a árvore da fluidez que esconde a floresta

da imobilidade, ou, para dizer rapidamente, os heróis de pura propaganda”.379 Claro

que há casos de indivíduos que, mesmo ante as condições adversas, conseguem por

seus próprios méritos acessar o ensino superior sem a necessidade de qualquer

política pública inclusiva.380

Todavia, a regra não é essa. Por isso, o Estado deve adotar políticas

públicas para reduzir a desigualdade que se forma, sobretudo em razão do critério

renda, entre aqueles que podem acessar o ensino superior e aqueles não que podem

acessá-lo, sob pena de aprofundar ainda mais o processo de exclusão, mantendo-se

estratificadas as posições sociais. Aí ganha espaço o modelo da igualdade posições.

Segundo Dubet, a igualdade de posições centra-se nas posições ocupadas

pelos indivíduos na sociedade, com objetivo de reduzir as desigualdades de renda,

das condições de vida, do acesso a serviços, dentre outros bens, que estão

associados às diferentes posições sociais, que ocupam os indivíduos. Para ilustrar,

explica o autor que, nesse modelo, a preocupação central reside em reduzir as

desigualdades entre as condições de vida e de trabalho existentes entre os operários

e os executivos.381

No modelo da igualdade de posições, a redução das distâncias entre as

posições sociais existentes torna-se prioridade para o Poder Público.382 Segundo

Clémerson Merlin Clève, isso exige a implementação de políticas públicas para assistir

ou compensar uma minoria. Para tanto, é preciso adotar meios capazes de permitir

que todos os membros de uma determinada comunidade possam ter a mesma

situação para o desenvolvimento de suas habilidades. Isto é, medidas tendentes a

                                                                                                               379DUBET, François. Os limites da igualdade de oportunidade. Cadernos Cenpec| Nova série,

v. 2, n. 2, 2012, p. 177. 380Nesse sentido, pode-se citar o caso do estudante Wester Silva Vieira, de 19 anos da cidade

Condeúba/BA, egresso de escola pública, que foi aprovado em 4 vestibulares de medicina em faculdades pública, sem frequentar cursos pré-vestibulares. BITTENCOURT, Mário. Ex-aluno de escola pública conta como passou em 4 faculdades de medicina. UOL, 12 fev. 2015. Disponível em: <http://vestibular.uol.com.br/noticias/redacao/2015/02/12/ex-aluno-de-escola-publica-conta-como-passou-em-4-faculdades-de-medicina.htm>. Acesso em: 09 dez. 2015.

381 DUBET, François. Repensar la justicia social: contra el mito de la igualdad de oportunidades. Buenos Aires: Siglo XXI, 2011, p. 11-12.

382HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 371

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remediar as desigualdades e impedir a perpetuação da estratificação social, que se

consolida por força de determinado arranjo desigual nas divisões de poder e renda.383

Por isso, o Prouni aproxima-se do modelo da igualdade de posições, pois

permite para a parcela mais pobre da população o acesso a um bem (ensino superior)

que, na maior parte das vezes, era acessível somente para aqueles indivíduos que

ocupavam as melhores posições na estrutura social. Isso é mais do que apenas

eliminar as desigualdades no ponto de partida. A afirmação do Ministro Joaquim

Barbosa na ADI 3.330/DF parece apontar pela consonância do Prouni com a

igualdade de posições:

como todos sabemos, a pobreza crônica, que perpassa diversas gerações e atinge um contingente considerável de famílias do nosso país, é fruto da falta de oportunidades educacionais, o que leva, por via de consequência, a uma certa inconsistência na mobilidade social. Isto caracteriza, em essência, o que poderíamos qualificar como “ciclos cumulativos de desvantagens competitivas”, elemento de bloqueio sócio-econômico que confina milhões de brasileiros a viver eternamente na pobreza. O Prouni nada mais é do que uma suave tentativa de mitigar essa cruel situação. Investir pontualmente, ainda que de forma gradativa, mas sempre com o intuito de abrir oportunidades educacionais a segmentos sociais mais amplos, que historicamente nunca as tiveram, constitui objetivo governamental constitucionalmente válido. O importante é que o mencionado ciclo de exclusão se interrompa para esses grupos sociais desavantajados”384

Universalizar o acesso à educação básica na rede pública e melhorar a

qualidade de ensino, embora sejam medidas iniciais e necessárias, não são

suficientes para, isoladamente, modificarem o cenário de exclusão dos mais pobres do

ensino superior, sobretudo porque essas medidas surtem efeitos no médio e no longo

prazo. Aguardar até que isso ocorra, significa perpetuar o ciclo de exclusão. Por isso,

essas medidas devem ser acompanhadas de outras iniciativas que visem à

modificação do atual cenário educacional, como faz o Prouni.

Somente reduzir a distância entre as posições sociais não basta. A

igualdade de posições também reclama que essas novas posições sejam fixadas e

asseguradas.385 Se, em um primeiro momento, é necessário garantir o acesso ao

ensino superior, porque isso encurta as distâncias entre as posições sociais, na

                                                                                                               383CLÈVE, Clémerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed., rev. atual. São Paulo:

Fórum, 2014, p. 159, 162. 384 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal

Pleno. DJ 22.03.2013. 385 DUBET, François. Repensar la justicia social: contra el mito de la igualdad de

oportunidades. Buenos Aires: Siglo XXI, 2011, p. 26.

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sequência, é preciso que o aluno que ingressou pelo Prouni consiga ocupar no

mercado de trabalho os melhores empregos, por isso a importância de uma formação

de qualidade.

Quando isso ocorre, embora o Prouni tenha um custo financeiro temporário

para o Estado em razão da renúncia fiscal, cria-se, em contrapartida, um benefício

definitivo para aquele beneficiário do programa, que consegue concluir o curso de

graduação e, posteriormente, inserir-se em uma melhor posição no mercado de

trabalho. Isso faz com que se movimentem as posições sociais inferiores

anteriormente imobilizadas, aproximando-as das melhores posições na escala social.

Além disso, reconhecer no Prouni uma maior aproximação com o modelo

da igualdade de posições não significa dizer que este modelo seja absolutamente

incompatível com o modelo da igualdade de oportunidades. Segundo Dubet, a

igualdade de posições é a melhor maneira de realizar a igualdade de oportunidades.

Quanto mais se reduzem as desigualdades entre as posições sociais, mais se eleva a

igualdade de oportunidades. Isso porque é mais fácil mover-se na escala social

quando a distância entre as diferentes posições são mais curtas. 386

De certa forma, o Prouni também realiza a igualdade de oportunidade, mas

adota outro ponto de partida (o ensino superior), o que faz mais sentido com a integral

submissão do direito à educação ao regime jurídico dos direitos fundamentais, bem

como com a vocação do texto constitucional de ultrapassar o mínimo existencial

(educação básica). A partir disso, parece fazer mais sentido a ideia da meritocracia.

Segundo Hachem, a Constituição Federal contempla os dois modelos. A

igualdade de oportunidades decorre da escolha da dignidade da pessoa humana e da

livre iniciativa como fundamentos da República, bem como dos objetivos fundamentais

da República de construção de uma sociedade livre e de erradicação da pobreza e da

marginalização. Daí resulta a obrigação do Estado de garantir condições igualitárias a

todos, isto é, o mínimo existencial (educação básica). A igualdade de posições, por

sua vez, decorre dos valores sociais do trabalho como fundamento do Estado

Brasileiro (art. 1º, IV, da CF), dos objetivos fundamentais da República de construir

uma sociedade não somente livre e justa, mas também solidária (art. 3º, I da CF), da

garantia do desenvolvimento nacional (art. 3o, II da CF), aí entendido em sua

                                                                                                               386Ibid., p. 97, 99.

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dimensão humana e social, da redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3o,

III da CF).387

Com base nisso, pode-se dizer que a igualdade de posições exige que a

implementação de políticas públicas, ainda que por intermédio da extrafiscalidade,

tenha por objetivo beneficiar a parcela mais pobre da população, sendo orientada por

critérios de distribuição de renda. Embora já se possa notar um avanço em relação ao

cenário que antecedia a instituição do Prouni, no qual somente 10,4% dos jovens

entre 18 a 24 tinham acesso ao ensino superior,388 os desafios ainda persistem.

Nos termos do Censo da Educação Superior do ano de 2012, o percentual

de pessoas frequentando a educação superior representava 15,1% da população

brasileira na faixa etária de 18 a 24 anos. Segundo a mesma pesquisa, na parcela

20% mais rica da população, o percentual de acesso ao ensino superior sobe para

36% dos brasileiros com idade entre 18 a 24 anos. Enquanto isso, na parcela 20%

mais pobre da população, o número cai para 3,5% dos brasileiros nessa idade, o que

ainda demonstra a desigualdade de acesso à educação superior quando se considera

a renda como critério.389

O acesso dos jovens entre 18 a 24 anos ao ensino superior sequer atingiu

a meta de 30% (4.3 Objetivos e Metas) estabelecida pela Lei n. 10.172/2001, que

aprovou o Plano Nacional da Educação (PNE) para a década compreendida entre

                                                                                                               387HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais

pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 371, 376-377.

388INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da educação superior 2004: resumo técnico. Brasília: O Instituto, 2005, p. 29. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/superior/2004/censosuperior/Resumo_tecnico-Censo_2004.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2015.

389Segundo consta do Censo da Educação Superior de 2012, a taxa de escolarização na educação superior é calculada de três formas: (i) Taxa Bruta de Escolarização na Educação Superior: expressa o percentual de pessoas que frequentam cursos de graduação na educação superior em relação à população de 18 a 24 anos (28,7% para o ano de 2012); (ii) Taxa Líquida de Escolarização na Educação Superior: expressa o percentual de pessoas de 18 a 24 anos que frequentam cursos de graduação na educação superior em relação à população de 18 a 24 anos (15,1% para o ano de 2012) (iii) Taxa Líquida Ajustada de Escolarização na Educação Superior: expressa o percentual de pessoas de 18 a 24 anos que frequentam cursos de graduação na educação superior ou já concluíram um curso de graduação em relação à população de 18 a 24 anos (18,8%). INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da educação superior 2004: resumo técnico. Brasília: O Instituto, 2005, p. 29. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/superior/censo/2012/resumo_tecnico_censo_educacao_superior_2012.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2015, p. 36-37.

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      133  

2001 a 2010. 390 Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2013 o Brasil atingiu a marca de 7,3 milhões

de estudantes na educação superior, número que embora seja expressivo, é pequeno

se comparado com a população do país que já ultrapassou 200 milhões de

pessoas.391

Mesmo sem ter atingido o objetivo anteriormente proposto, a Lei n.

13.005/2014, que aprovou o PNE para a próxima década, estabeleceu como meta

elevar para 33% a taxa líquida de matrícula no ensino superior entre os jovens de 18 a

24 anos (Meta 12).392 Trata-se de uma pretensão ambiciosa, porém adequada à

proteção constitucional dada ao ensino superior, enquanto desdobramento do direito

fundamental social à educação. O atingimento desse estado de coisas exige a

manutenção de uma agenda política voltada à discussão do problema e, mais do que

isso, a implementação de políticas públicas capazes de ampliar o acesso à educação

superior, bem como aos demais níveis de ensino.

                                                                                                               390BRASIL. Lei n. 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, 2001.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.

391Dados do INEP. Disponível em: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Matrículas no ensino superior crescem 3,8%. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/visualizar/-/asset_publisher/6AhJ/content/matriculas-no-ensino-superior-crescem-3-8>. Acesso em: 02 dez. 2015.

392BRASIL. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.

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6 CONCLUSÃO

No presente trabalho, buscou-se enfrentar a problemática central que se

formou em torno do seguinte questionamento: quais deveres a Constituição Federal

endereçou ao Estado no que diz respeito ao direito à educação e em que medida a

tributação extrafiscal pode funcionar como mecanismo capaz de promover a

concretização desse direito? Ao longo dos quatro capítulos acima estruturados, foram

apontadas as respostas possíveis para essa indagação, que podem ser sintetizadas

da seguinte forma:

1. A Constituição Federal de 1988 pode ser compreendida como um

diagnóstico da conjuntura socioeconômica do país naquele momento histórico e, mais

do que isso, como um instrumento necessário para desencadear um processo de

mudança daquela realidade. Por isso, nela foram consagrados objetivos como a

construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza, a

promoção do bem de todos e o desenvolvimento nacional. Além disso, receberam

lugar de destaque os direitos sociais, cujo regime jurídico é idêntico ao dos demais

direitos fundamentais, os quais possuem como principais traços distintivos a sua

aplicabilidade imediata e a vedação contra emendas abolitivas.

2. Dessa proteção constitucional, da qual o direito a educação é

destinatário, decorre a multifuncionalidade, característica comum a todos os direitos

fundamentais. Significa dizer que o pleno exercício do direito à educação, enquanto

direito fundamental social, reclama do Estado, sobretudo, obrigações de: (i) concessão

de prestações normativas necessárias ao exercício dos vários desdobramentos do

direito à educação, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Lei do Prouni;

(ii) concessão de prestações materiais, isto é, o direcionamento de recursos

financeiros para assegurar o acesso à educação em todos os seus desdobramentos,

do ensino básico ao ensino superior; (iii) e até mesmo abstenção, como ocorre com

relação à autonomia de gestão e didático-científica garantida às universidades.

3. A educação, por ser um direito fundamental social, ostenta uma dupla

dimensão subjetiva e objetiva. A primeira permite ao titular do direito exigir do Estado,

tanto pela via administrativa quanto pela via judicial, o cumprimento dos deveres que

decorrem da proteção constitucional. A segunda extrapola a perspectiva individual,

para repercutir seus efeitos em toda estrutural estatal, aí compreendidas as ações dos

Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário. Isso porque, os direitos fundamentais

sociais como a educação possuem um conteúdo axiológico que importa para a

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sociedade como um todo. Logo, o legislador, quando edita normas de qualquer

natureza, inclusive as normas tributárias extrafiscais (aquelas concebidas sem a

finalidade precípua de arrecadação), deve estar atento à proteção outorgada ao direito

à educação, para que elas também colaborem na sua implementação.

4. A Constituição enunciou a educação com um direito de todos, repartindo

o dever da sua concretização com o Estado, a família e a sociedade de modo geral.

Na mesma linha, permitiu que as instituições privadas também desempenhem

atividades de ensino, desde que observem um padrão mínimo de qualidade e sob

fiscalização do Poder Público. Conferiu, ainda, tratamento privilegiado para a

educação básica (mínimo existencial), cujo fornecimento é obrigatório pelo Estado,

não estando sujeita, sequer, à reserva do possível.

5. A educação, do ensino básico ao ensino superior, é um fator essencial

ao desenvolvimento de qualquer país. O desenvolvimento, nos moldes em que foi

tratado pela Constituição Federal, é um processo sistêmico e interativo. Por isso,

implica mais do que o incremento econômico, para exigir, também, progresso político

e social. A educação impulsiona o elemento econômico, pois é essencial para o

avanço científico e tecnológico do país. Colabora, ainda, para o avanço político, na

medida em que permite aos indivíduos o conhecimento necessário à participação no

processo democrático e, além disso, realiza o elemento social, ao diminuir as

disparidades econômicas e sociais.

6. A educação, assim como ocorre com os demais direitos fundamentais

sociais, é um direito tipicamente prestacional. Isso porque, a maior parte das posições

jurídicas que decorre da sua proteção constitucional depende da concessão de

prestações materiais por parte do Estado, o que exige a disponibilidade financeira.

Como os recursos estatais são escassos, a reserva do possível é uma circunstância

real que impacta o grau de efetividade do direito à educação. Se a intenção

constitucional é ampliar o acesso ao direito à educação, inclusive ao nível superior, o

Estado deve conceber políticas públicas visando atingir a maximização do resultado

com a menor utilização dos meios.

7. A implementação do direito à educação, assim como dos demais direitos

fundamentais sociais, deve ocorrer, sobretudo, pela via administrativa, isto é, sem que

haja a necessidade de provocação judicial, pois, além de nem todos terem acesso a

essa via, o cumprimento de condenações judiciais prejudica a alocação de recursos

para atendimento das necessidades coletivas. Como decorrência da dimensão

objetiva do direito à educação, é obrigação do Estado ampliar de forma espontânea,

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igualitária e coletiva o acesso a esse direito. Para fazê-lo, as normas tributárias

também podem ser úteis.

8. A tributação é indispensável ao Estado. Pagar tributos é um dever

fundamental, sobretudo quando a ordem jurídica pretende conferir aos indivíduos o

máximo que a proteção dos direitos fundamentais oferece. No entanto, além de

arrecadar, os tributos podem ser utilizados de forma promocional, isto é, como

ferramentas capazes de promover a concretização de direitos como a educação. Para

isso, o Estado pode majorar a carga tributária, mitigar a sua incidência ou até mesmo

eliminá-la. Ao atuar desta forma, o Estado direciona o comportamento dos agentes

privados para que pratiquem uma conduta desejável ou para que deixem de praticar

um comportamento reprovável, fenômeno conhecido como extrafiscalidade dos

tributos.

9. O conteúdo axiológico veiculado no texto constitucional, sobretudo o

princípio solidariedade social (art. 3o, inc. I) e a proteção outorgada aos direitos

fundamentais sociais (art. 6o), repercute sobre a tributação. Na tributação fiscal,

reclama que os recursos arrecadados sejam utilizados para o atendimento das

necessidades de forma coletiva e igualitária. Do mesmo modo, na tributação

extrafiscal, o agravamento da imposição tributária ou a sua desoneração, não se

distanciam desses objetivos. Contudo, nessas hipóteses, o Estado conta com o auxílio

dos agentes privados na promoção de determinado direito destinatário de proteção

constitucional, como a educação. Em última análise, a indução extrafiscal somente

será legítima se o seu manejo for feito com objetivo de realizar a ordem constitucional.

10. Na tributação extrafiscal, ocorre uma mitigação do princípio da

capacidade contributiva (desdobramento do princípio da igualdade), que é o critério de

diferenciação entre os contribuintes na tributação fiscal. Isso ocorre em prol da

realização de outros objetivos econômicos e sociais. Por isso, as normas tributárias

extrafiscais devem estar submetidas ao controle da proporcionalidade, enquanto forma

de controle da própria isonomia. A medida extrafiscal deve ser simultaneamente: (i)

adequada para a promoção do objetivo extrafiscal; (ii) necessária, enquanto medida

menos restritiva a outros direitos; (iii) proporcional, ao produzir mais efeitos positivos

do que negativos no que tange à realização de outros objetivos constitucionais.

11. O Prouni atende ao postulado da proporcionalidade. Além da

expressiva inclusão da parcela mais pobre no ensino superior, seus efeitos são

positivos porque colaboram para a redução das desigualdades sociais e econômicas

e, via de consequência, para o desenvolvimento nacional. O Prouni demonstra, ainda,

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que a tributação extrafiscal pode e deve servir para promover os direitos destinatários

de proteção constitucional. A isenção de tributos federais concedida às instituições de

ensino superior privadas, como contrapartida pela concessão de bolsas de estudo

integrais e parciais, funciona como um instrumento para maximizar o grau de

efetividade do direito fundamental social à educação.

12. O Prouni realiza, também, a igualdade material, ao estabelecer um

regime diferenciado de acesso ao ensino superior para indivíduos cuja situação é

desfavorável, sobretudo em razão da baixa renda. A discriminação positiva é feita para

igualar a situação desses indivíduos com aqueles outros, que não necessitam da

política pública, já que possuem mais condições de ingressar no ensino superior

público ou ainda pagar pelo seu acesso. Nessa perspectiva, o Prouni pode ser

compreendido como uma ação afirmativa, como reconheceu o Supremo Tribunal

Federal quando entendeu pela constitucionalidade do programa.

13. Em um cenário de recursos públicos escassos, o Prouni revela-se

como uma alternativa eficiente, porquanto maximiza o acesso ao ensino superior

custando menos ao Estado. Além disso, distribui melhor a educação para aqueles

indivíduos que mais necessitam. Isso, contudo, não desobriga o Estado de continuar

investindo na expansão da rede pública de ensino, já que o sistema escolhido pela

Constituição Federal é misto, isto é, conjuga a iniciativa pública com a privada. Não se

pode negar o fato de que o Prouni, mesmo após uma década de existência, apresenta

várias falhas, sobretudo a inclusão de beneficiários que não preenchem o perfil do

programa e a baixa qualidade de ensino de parte das instituições que ofertam as

bolsas. Por isso, é necessária a rigorosa fiscalização pelo Estado, tanto dos

beneficiários quanto das instituições cadastradas, já que a partir disso são

identificadas as falhas que podem levar ao contínuo aprimoramento do programa,

reduzindo-se ao máximo o desperdício de recursos públicos.

14. Finalmente, apesar das inúmeras críticas, é possível concluir que o

Prouni já colaborou para uma modificação do cenário do ensino superior no Brasil.

Embora ainda seja baixo o número de jovens nesse nível de ensino, permitir o acesso

da população mais pobre é passo importante para melhorar a estrutura

socioeconômica do país. Isso porque encurta a distância entre as diferentes posições

existentes na sociedade, permitindo uma maior mobilidade na escala social, o que

aproxima o Prouni do modelo da igualdade de posições, que é mais adequado ao grau

de proteção constitucional conferido ao direito fundamental social à educação.

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