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POPLIXO Mário Lisboa Duarte

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A tua dor no a minha

POPLIXO

Mrio Lisboa Duarte

POPLIXO

Quero cinco euros de bom senso, por favor, fica sabendo que vendo sensibilidade pelo mesmo preo, sem tirar nem pr, assim mesmo, como quem no tem cortinas nas janelas l de casa, nem todas as marias do mundo seriam suficientes para me estragar o negcio, nem o pastor metodista com quem bebo ch de mentol pela manh, o que pretendo quase no precisa de discurso, cerca de mil palavras chegaro perfeitamente, todas em torno de trs vezes trs, raio de sol, lastro de lua, acontece-me sempre desde que sa da floresta negra, a viso outrora turva agora lmpida, cristalina, isto no suposto ter sentido, sentir sinta voc, que isto trash pop, baby, poplixo para ti e para mim, pra danar at mais no.

EROS VS ANTEROS

Rasgar-te o corpo

E perscrutar-te visceralmente

Cpias mltiplas do retrato de minha me

PSICOFAGIA

Somos o que lemos

Num processo trifsico

De Automao Industrial

Lemos, digerimos, escrevemos

Somos o que comemos

Num processo transpessoal

De psicofagia do conhecimento

Moldamos palavras entredentes

Lemos o que comemos

Comemos o que lemos

Somos o que somos

EQUILIBRISMO

A diva da pera

Canta mas no encanta

A puta do pera

No canta mas encanta

Eu

No canto nem encanto

E frequentemente

Penso nas duas

Para me sentir como um todo

ResplandescendoPerfeio

A SOMA DE TODAS AS PARTES

Deus

eus

eu

e

eu

deu

deus

DOR

A tua dor no a minha

Por isso te digo que sinto amide

As mos hmidas dos emplastros

Com que te adormeo a pele

Plida

Orologion

Quando me carregaste s costas

Na distncia entre dois pontos

Atingimos o cu num voo noctvago

Depois crescemos

Diurnos divinos fumando clculos

A ignorar constantemente

A evidente criana

Que comeou na inconstncia rectilnea

Que vai de ns para os outros

"Arbeit Macht Frei"

Eu ainda hei-de medir

O peso da minha alma,

Equacion-lo com a massa que ocupa,

E multiplicar tudo ao quadrado,

Para compensar o trabalho.

Se mesmo assim,

No atingir a liberdade que me prometeram,

Desde o primeiro minuto

Do processo de consciencializao,

Fecho os portes casa

E, antes que eles cheguem

Mando eu o tiro nos cornos.

O Bicho-Relgio

Peguei no bicho-relgio

Provocando-lhe um aborto

(Parti-o ao meio)

Recordo que data se preparava

Para sair prematura

A hora certa

Depois, parti

Em busca das vrias partes

E montei uma mquina do tempo

Que em vez de funcionar

Acabou por emprenhar

Era eu

Fnix renascida

Com dois ponteiros no ventre

Oh Leonor

Oh Leonor

Se sonhasses a falta que me faz teu ser poema

Perfume fresca flor em ode pura

Sorriso embriagado em cano

Fontes pretexto devaneio sem fim

Ignorncia feliz coroa de lrios colhidos

Na margem do rio que te lava a essncia

Mas Leonor

Somos o que somos

A urgncia do minuto

Est na hora

A noite curta

Volta para casa Leonor

Deita-te junto a mim

Agora

No te prometo promontrio

Quanto muito ancoradouro

Nova Sodoma para Redeno do Poeta Flanur

O poeta adormeceu sobre a caneta

De tal modo que acordou descompassado

Embrenhado numa amlgama de riscos

Completamente desconexos

Guardou

Por acaso

A folha fruto do infortnio

Numa velha caixa ba

No stio mais recndito de sua casa

Longe da memria

Foi vendida em leilo

Cem anos depois

Pea de esplio

Com valor astronmico

A caneta

Rebentou-lhe nas mos

Das Imagens Prematuras

Emprenhei a minha musa

De imagens trigmeas

Coladas com a cera

Dos ouvidos de um penitente:

- Um pssaro desasado

Emaranhando-se nos cabelos

De uma floresta virgem

- Um cavalo tecendo

Novelos de crina

No riacho de um regao

- Uma hiena fumando

Cachimbo e rindo entredentes

Nos gritos de uma selva diurna

As trs corroendo-lhe o ventre

Na urgncia da luz prematura

Assim se vo esvaindo entrepernas

Todas as musas que me abrigam:

Em poas de lquido semitico

Destes textos pretextos

No mais que meras

marquesas abortadeiras

Voyeurismo

Ontem

Saltei da corrente das tartarugas

Ousando contemplar as curvas da minha cidade.

Se no fosse por causa das coisas

Levava-a para o deserto

E abria-lhe as entranhas,

Mergulhando no seu ventre,

A fim de buscar os pedaos

Que de mim foi devorando.

O Elogio da Mscara

Eis como com o gume bem afiado

Fao de ti um cadver esquisito

Desfazendo-te alma e corpo

Nos pedaos do corpo (morto)

Componho um tratado

Anatomopoticosexual

Na alma toda (ainda quente)

Busco a Imagemque l tens de mim

E mando-a emoldurar

HETERONIMIA

Um dizia estar farto de semi-deuses

Outro haver metafsica bastante em no pensar em nada

Outro ainda dizia no chorar por nada que a vida traga ou leve

E um outro que ignorar que vivemos cumpre bastante a vida

Ao que outro dizia ser a hora!

Eu afirmo no confiar em nenhum deles.

(At prova em contrrio)

PRESCRIO

(Repita tudo

Ao acordar

Outra vez

Respire bem fundo rodopiando no seu prprio engenho. Sentir todo um mundo novo. Ficar surpreso, a princpio. Extasiado.

Depois)

- O problema so os passos, sempre os passos.

Quando tudo recomea, redesenhando-se na regurgitao febril dos passos na chuva. Vomitar no passo largo os rostos enlameados. Ganhar algum tempo perdendo algum espao - (im) passe -

(Repita de novo. Outra e outra vez.

Duas tomas dirias.

Num quarto de gua.

Ao deitar)

O MILAGRE DA MULTIPLICAO

Na curva de um texto

Aplico o milagre da desmultiplicao.

Todo o meu ser se explica como a mltipla soma

De uma cambada de inteis visionrios inadaptados.

MODELO ALEMO

Imaginem o que escrevo

Como sempre comparvel

A uma sanita alem ltimo modelo

Com a pequena base de loia

A servir de praia beira-mar

(Em tudo diferentes do modelo americano

Com grandes lagos e nada de praias)

De modo a poder contemplar

A minha prpria merda

Antes que parta

com as ondas

A UMA TELA QUE SE ACHOU NO GRANDE INCNDIO DOS ARMAZNS

Silncio ocasional compe agora

as partes de um todo entrecortado

pelo ltimo suspiro da crepitao

Contam-se as coisas

pelas lgrimas que se apagam

nascena

Do que se consegue achar com pulso

Fumo, fuligem, amargura, esquecimento

E uma paisagem em tons de cinza-esperana

com um pssaro vago no canto

Espcie de vrgula acidental

em poema escrito a lume

Mtodo Natural

Paranormalmente

Comea-se por uma turbulenta auto-estrada de sonhos

Com via verde

(Sim, hoje em dia, assim)

Range-se o dente

fatia-se o ovo (cru) e joga-se roleta russa

com a dor de todas as palavras vazias

Depois acorda-se com uma fome sedenta de mundo

E busca-se a eternidade do sorriso sofrido

Na seiva da parra virgem

Reflexo

Embora ciente

De que um espelho

Ser sempre

Reflexo afluente

De fontes rio reminiscncia

Onde outrora mergulhmos

Pego no passado

E planto-lhe uma pedra

Estilo tumba ancestral

Renegando uma aps outra

Todas as csmicas nostalgias

Que um determinado espao de tempo

Pode conter em si prprio

Bicefalia

De um brao do meu tempo

Ao seu antpoda

Vai a distncia de um abrao

E eu

Ao centro

Em constante diviso bicfala

Ora na distante e delvel bacidez

Ora na promscua premonio do porvir

Receita para Parir um Bom Esquizofrmito

Relacionarmo-nos sexualmente

Com a dor de todas as palavras

De tantas quantas as pessoas

Que outra possa guardar no seu interior

Abraar as eternas meias-horas

Que por ns passam e nos trespassam

(O Verbo que se faz Carne

Que se refaz sangue

Que se reduz p)

- TARDE

Na inconstncia da etrea luz

Do ventre da lngua

Ser-se ubiquamente omnisciente

De uma linguagem que se desenvolta

No movimento frentico

Dos mltiplos orgasmos

Seguidos de ternos espasmos violentos

TODOS

Todos os meus dias so

Imitao consecutivamente repetitiva de

Todos os meus dias

So imitao repetitivamente consecutiva

De todos os meus dias so

Imitao redundantemente cclica

De todos os meus dias so imitao

Ciclicamente redundante de

Todos os meus dias so

IMPOTENCIABILIDADE

Na palavroclastia dos molhes de chaves

Para portas abissais

A poesia no mais que

Procurar a chave una

Para todas as portas

Frequentemente

Perde-se toda uma vida

TCNICA

Bato na tecla

Ao ritmo de uma imagem por carcter

No passo ora trpego, ora bruto

Em busca do trauma original

Curvo-me pescando e repuxando

A memria

Atemorizado pela sucesso

De recordaes (minhas?)

Que se atiram sobre o abismo

Involuntariamente

CRIADA DE MARCEL PROUST

Ao abrir a porta do quarto

Celeste, criada, no calcularia nunca

Que seria como trancar o criador

No seu tugrio a sete chaves

Curioso como dali em diante

Passariam a dar acesso

Aos mais obscuros recantos da alma

(Quando regurgitadas)