por que filosofar

Upload: joyce-muzi

Post on 29-Feb-2016

13 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

a

TRANSCRIPT

  • POR QUE FILOSOFAR?Jean-Franois Lyotard

  • Direitos reservados Parbola EditorialRua Dr. Mrio Vicente, 394 - Ipiranga04270-000 So Paulo, SPpabx: [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax: [11] 2589-9263home page: www.parabolaeditorial.com.bre-mail: [email protected]

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reprodu-zida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso por escrito da Parbola Editorial Ltda.

    ISBN: 978-85-7934-067-3 da edio brasileira: Parbola Editorial, So Paulo, maro de 2014.

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA PUBLICAO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    L995p

    Lyotard, Jean-Franois Por que filosofar? / Jean-Franois Lyotard ; traduo Marcos Marcionilo ; apresentao Corinne Enaudeau. - 1. ed. - So Paulo : Pa-rbola, 2013. il.

    Traduo de: Pourquoi philosopher? ISBN 978-85-7934-067-3 1. Filosofia. I. Ttulo.13-01517 CDD: 100 CDU: 1

    Ttulo original:Pourquoi philosopher? Presses Universitaires de France, abril de 20126, avenue Reille, 75014 ParisISBN: 978-2-13-059510-6

    Edio brasilEiraCapa E projEto grfiCo: Telma CustdiorEviso da traduo: Marcos BagnorEviso: Karina Mota

    Sumrio

    9Apresentao - Corinne Enaudeau

    19Nota editorial

    21Por que filosofar?

    231. Por que desejar?

    452. Filosofia e origem

    653. Sobre a fala filosfica

    894. Sobre filosofia e ao

  • 9Apresentao

    ApresentaoCorinne enaudeau

    A filosofia no deseja a sabedoria ou o saber, ela no nos ensina nem verdades, nem comportamentos a man-ter. Haver quem diga que ela se esgota em se perguntar o que ela e o que , numa solido que no perturba ningum. No mximo, talvez ela oferecesse uma ideia til ao desenvolvimento das riquezas ou o sonho de ou-tro sistema social completamente diverso, ou at mesmo o pio metafsico da consolao. Os filsofos seriam esses loucos papagaios palradores que a humanidade veicularia consigo no decurso de sua histria, sem pro-

  • 10Por que filosofar?

    11Apresentao

    veito, mas tambm sem grande perda. Eles bem que podem interpretar o mundo, mas permanecem a suas portas sem nunca chegar a transform-lo. Seu discurso pode ser interrompido, pode ser devolvido ao silncio, sem que a face do mundo se veja mudada por ele. Visto que, em ltima instncia, ele tem como nico fio um estranho apego perda, o desejo de no perder a perda que mina toda atividade humana e a separa de si mesma, o desejo de no largar a penria, cujo dardo plantado pela morte na vida. Podemos, ento, nos perguntar em 2014, como fazia Jean-Franois Lyotard em 1964: por que filosofar? Que motivo teria havido, que motivo h ainda para filosofar, a voltar a nos engolfar no hiato do sentido e isso, toda vez e sempre, em uma ingenuidade revivida que se pode julgar infantil? Uma vez posta, a pergunta pode parecer retrica. Ela autorreferencial porque sua enunciao j traz, de fato, a resposta do problema enunciado, porque quem se pergunta se pode valer a pena pr-se a filosofar outra vez j comeou a filosofar. Mas o destino da prpria linguagem ter de falar para se inquietar com sua interrupo, a sorte da viglia e da vida renegar in vivo o sono e a morte acerca dos quais se inquirem. Como falamos, agimos e vive-mos sob a ameaa da perda, no sairemos desse crculo onde a ausncia se faz presente e a presena fica perfura-da de ausncia. Porque no h estpido que queira, nos diz Lyotard, se aborrecer com um dado sem fala, com uma plenitude sem falta, com uma noite sem sonho. Filosofaremos, ento, pelo nico motivo de que no po-demos escapar a isso: Dar testemunho da presena da falta por nossa fala.

    O homem que morre em 1998 deixando A con-fisso de Agostinho inacabada talvez tenha se preocu-pado unicamente com esse inacabamento constitutivo do sentido, que o punhal e a chaga do pensamento, sua queimadura e seu vitico. Discurso, figura declara-va recusar-se a concluir, O diferendo interrompia sua sucesso de pargrafos com alguns nmeros abrup-tos sobre a histria. Cada livro de Lyotard inscreve a disjuno em seu objeto, em sua escrita, na distncia dos outros livros. Desde 1964, ele estava convicto de que uma semente de filosofia s pode ser plantada se no nos deixarmos assombrar pela ausncia, se encon- trarmos a energia paradoxal de contaminar os outros com ela, de lev-los a ouvir a lei da dvida, o dbito in-solvvel. A obra semear essa semente, mas ela ter sido precedida e acompanhada, em Lyotard, por um ensino vigoroso, por um engajamento no qual questionar, pro-fessar e militar permanecem indissociveis. A ateno falha, falta de substancialidade como significao, j supe que so os outros, muito mais que as coisas, que perfuram a fala, que por causa deles que a unidade faz falta na totalidade social, por eles que a contrariedade vem cindir a unidade do sentido. Sem eles para bara-lhar os argumentos, para se opor s aes, desiludir as paixes, a falta nunca assomaria ao real para fazer dele um mundo humano, e esse mundo no convocaria a fala a refletir sua falta, a filosofar. Mas se estamos tratando exclusivamente de preencher o vazio, a filosofia pode perfeitamente construir ali um mundo no humano, um sonho metafsico harmonioso. quando ela se encerra em um Logos absoluto, miragem de um Todo invisvel

  • 12Por que filosofar?

    13Apresentao

    que se mantm paradoxalmente separado daquilo que ele une. A ideologia justamente isso, segundo Lyotard: um sistema de ideias tanto mais professvel quanto mais autnomo, quanto mais sublimou a falta da qual proveio, quanto mais fala em outra parte, alm. Isso vale para toda metafsica, mas tambm para toda teoria, mesmo que ela se diga marxista, que queira cumular os espritos necessitados com seu sistema todo pleno. Isolar-se da prtica no falar da substncia em vez de visar re-voluo, fazer delas duas a soluo, defender que o fim est no comeo, que o sentido se pertence desde sempre, que ele sabe o que e para onde vai. Porque a voz que enuncia o sentido deixa de captar tudo o que se refira a desunies silenciosas, mas onde no deixa de se buscar. Professar pelo menos professar a filosofia, no a f nem a cincia no nada sem as perguntas que nos fazemos e que fazemos aos outros, sem esse comrcio partilhado da falta no qual se exerce um paradoxal po-der de passividade tema recorrente em toda a obra de Lyotard , o poder de deixar o mundo vir fala, de se deixar dizer o que falta ao real para ser um quadro e o que falta ao quadro para ser real.

    Lyotard ter lecionado assim, ensinando aos estu-dantes e aos ouvintes que no aprendero nada com ele se no aprenderem a desaprender, como ele o dir outra vez em Nanterre em 1984 (em uma conferncia publicada em O ps-moderno explicado s crianas). Mas foi em 1964, aos 40 anos, que ele mesmo teve de recomear a desa-prender at mesmo aquilo que achava ter aprendido, a se desprender de uma ortodoxia militante que certamente o fizera desaprender a metafsica, mas aprender a esperar

    a revoluo e, por meio dela, a resoluo da histria. Desistir da teleologia revolucionria sem perder a perda que, mesmo esmagada, estava ali atestada essa falta absoluta ou erro em si que a explorao saber que ser preciso falar a lngua ambgua do sim e do no, da presena e da ausncia, quer dizer, corrigir o marxismo com Freud, o materialismo histrico com a ambivalncia pulsional, a reconciliao social com a incerteza do dese-jo. Em suma, dar voz de Marx a fora que a totaliza-o hegeliana lhe subtraiu, a fora de dizer a separao. Separao da sociedade de si mesma, separao do mun-do e da mente, da realidade e do sentido. Mas tambm, segundo Freud, separao do amor e de seu objeto, de um sexo e do outro, da infncia e da linguagem. Todas essas divises que, em 1964, so chamadas de oposi-es sero decantadas a partir de Discurso, figura em proveito de diferenas e se radicalizaro, mais tarde, em diferendos irredutveis: entre salrio e capital sem-pre, mas tambm e de maneira completamente distinta entre judasmo e cristianismo. Infncia permanecer sendo o nome sob o qual Lyotard repensar por mais de trinta anos a exposio a um assombro brutal, que solapa a fala e, mesmo assim, a reivindica.

    Naquele momento, em 1964, preciso recome-ar sem saber como proceder, porque a infncia , no ambiente humano, seu de-curso, sua deriva possvel, ameaadora (segundo as palavras de 1984). Lyotard d incio a sua Deriva a partir de Marx e Freud no lugar em que ele est, em curso, em curso de rota e em curso de filosofia, entre a Sorbonne, onde leciona, Socialismo ou Barbrie, depois Poder Operrio,

  • 14Por que filosofar?

    15Apresentao

    onde ainda milita (por pouco tempo), o volume da co-leo Que sais-je? sobre a fenomenologia que acaba de escrever, o seminrio de Lacan, onde aprende a ler Freud, o seminrio de Culioli, onde se inicia na lingus-tica. em meio a isso tudo que ele tenta tornar audvel a seus alunos a perda da unidade, onde tenta cavar, tanto em si como neles, o luto pela completude, ancorando nesse luto a responsabilidade do filsofo.

    Uma paixo contraditria anima o discurso filos-fico. Porque seu desejo de se possuir em um isolamento absoluto duplicado pelo voto de no se possuir, de per-manecer como uma fala imersa no mundo, pendente de sua prpria deficincia. Ensinar filosofia desencadear essa ambiguidade. Mas a operao s ter seu alcance decepcionante, didtico porque decepcionante, se o cur-so de filosofia tiver um curso, se comear pelo meio, ali onde os interlocutores esto com sua histria e suas perguntas. Trata-se ento de um curso fora do curso, fora da genealogia para se preparar para ela, um curso que no est nem no mundo (cuja pergunta o separa), nem fora do mundo (numa fala j falada em outro lugar), mas no mundo, na distncia em que, como o diz Lyotard, ns nos deixamos penetrar pela coisa, ao mesmo tem-po em que a mantemos distncia para poder julg-la. Sem essa passibilidade (termo de 1987) ao mundo, entendamos, ao mundo humano, a sua falta tenazmente presente, o ensino no passa de uma exposio de ouri-vesaria, certamente admirvel, mas desprovida de prop-sito. Propsito que supe uma tenso entre o desejo e a responsabilidade. A filosofia no tem desejo particular []. o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-

    tra coisa, acrescenta Lyotard, que ela se volte para esse impulso que a toma, a ela e a toda atividade humana. Mas se ela se satisfizer com essa reflexo sobre o desejo, o pensamento continuar sem pagar sua dvida.

    Para Lyotard, em 1964, a filosofia tambm uma prxis, assim como a psicanlise tambm , para Freud, uma clnica. O importante o que falta vida social, no para se reconciliar, mas para se justificar. A fal-ta absoluta, cuja estrutura foi exposta por Marx sob o nome de proletariado, apesar de insuportvel, no indica o que a sociedade realmente deseja, ao con-trrio daquilo que o marxismo estabelecido pretende. Deve-se, portanto, satisfazer opacidade desse desejo, frequentar o silncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente, tcito, que j estaria l, arrastando-se nas relaes entre os homens. Se Lyotard dedica a ltima das quatro conferncias filosofia e ao porque a responsabilidade filosfica no que diz respeito falta indissocivel da dvida poltica para com o mundo, porque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silncio em fala, a passividade em ao.

    Temos aqui duas convices simultneas. Uma, herdada de Husserl via Merleau-Ponty, que o filso-fo leva a experincia muda expresso de seu prprio sentido. A outra, herdada de Marx, que o filsofo s interpreta o mundo para ajudar a transform-lo. Elas se tematizam respectivamente na terceira conferncia, sobre a fala, e na quarta, sobre a ao. A primeira confe-rncia, dedicada ao desejo, herda de Freud, via Lacan, a ideia de que toda relao com a presena se realiza contra um fundo de ausncia. A segunda, por sua vez, articula o

  • 16Por que filosofar?

    17Apresentao

    desejo com a fala e a ao, elaborando a perda da unidade e a conservao dessa perda na histria sempre retoma-da do esforo filosfico. Apresentado em boa ordem, o tratamento da pergunta por que filosofar? se desenrola do modo seguinte: a razo pela qual filosofamos que desejamos, e o desejo se desdobra ao se interrogar sobre seu prprio movimento. A razo dessa reflexo que a unidade est perdida, no em uma desapario original que nos teria feito esquecer at mesmo a prpria unidade, mas no desdobramento de uma histria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e de novo buscado para se perder uma vez mais. Vemos que no filosofaramos se no falssemos e que no falara-mos se nada pudssemos dizer, se o silncio do mundo condenasse o discurso a divagar, ou se um logos imanen-te ao mundo j tivesse dito tudo e condenasse as palavras a repetir esse tudo. a infncia com a qual o mundo nos investe, a ferida de ser apreendido por ela que faz o filsofo falar, que lhe d essa fora passiva de dar tes-temunho de um sentido j presente, um sentido lacunar que torna seu discurso inacabado e, exatamente por isso, verdadeiro. porque o mundo avana sobre ns que a fala pode avanar sobre ele, exprimindo-o, e a ao pode avanar sobre ele, transformando-o. Filosofamos porque estamos expostos ao mundo e temos a responsabilidade de dar nome ao que deve ser dito e feito.

    Se filosofar deixar-nos fazer por uma falta da qual damos testemunho sem preench-la, se ensinar tornar claro o que ns mesmos no entendemos, a lio aqui magistral, at mesmo no modo de manejar o paradoxo: a transgresso metdica das fronteiras entre as esferas da

    vida, assim como entre as disciplinas, serve aqui, real-mente, para enodar o desejo, o tempo, a fala e a ao em torno de uma fronteira invisvel entre a presena e a au-sncia. Talvez a lio seja excessivamente magistral para quem conhece a exploso que ser tematizada mais tarde em Discurso, figura, como a obra que lhe d sequncia, para quem sabe que o edifcio de 1964 ainda faz o desejo muito feliz, a fala muito carnal, o tempo muito unificado e a ao muito entusiasta. A morte que aterroriza a vida no poder mais se aclimatar na falta, se estrangular na f num sentido latente, ela se tornar mais incisiva na desestruturao do figural ou na voz asfixiada que sela o diferendo. Quaisquer que sejam as revises futuras, elas se justificam de antemo, dado que, alm de tudo, h mais de um filsofo, Plato justamente, ou Kant, ou Husserl, que, no decorrer de sua vida, efetua ele mesmo essa crtica, se volta para aquilo que pensou, o desfaz e recomea, administrando a prova de que a verdadeira unidade de sua obra o desejo que procede da perda da unidade, e no a complacncia no sistema constitudo, na unidade reencontrada. Mais tarde, quando for tratar da ideia de revoluo, Lyotard mostrar que o recomeo nunca se faz a partir do zero, apesar do que dito aqui, que a ingenuidade um voto exorbitante. Seu debate com os historiadores, assim como sua repetida anlise do tem-po, dir que, ao narrar a histria, qualquer que seja ela, fica-se preso roda de um desencadeamento que ame-aa e de um encadeamento que rejeita. Provavelmente, a filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar sua prpria fala, de buscar sua prpria regra e, como Lyotard diz aqui, de irritar todo mundo.

  • Um texto indito de Jean-Franois Lyotard, no qual ele responde com pedagogia e clareza a esta simples pergunta: Por que filosofar?. Obra indispensvel para todos os lei-tores que se lanam ao estudo da filosofia, assim como para todo leitor interessado na obra de Jean-Franois Lyotard ou em questes filosficas.De rara limpidez pedaggica, ao mesmo tempo de rara profundidade, esse curso de introduo filosofia dado por Lyotard em 1964 totalmente indito.

    Traduo: Marcos Marcionilo

    9 7 8 8 5 7 9 3 4 0 6 7 3