por que o padre roberto landell de moura foi inovador?

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Luciano Klöckner Manolo Silveiro Cachafeiro Organizadores. Por que o Pe. Roberto Landell de Moura foi inovador? Conhecimento, fé e ciência Artigos, crônicas, charges, documentário em áudio e documentos oficiais

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  • Luciano KlcknerManolo Silveiro Cachafeiro

    Organizadores.

    Por que oPe. Roberto Landell de Moura

    foi inovador?

    Conhecimento, f e cinciaArtigos, crnicas, charges, documentrio em udio e documentos oficiais

  • ChancelerDom Dadeus GringsReitorJoaquim ClotetVice-ReitorEvilzio TeixeiraConselho EditorialAna Maria MelloArmando Luiz BortoliniAugusto BuchweitzBeatriz Regina DorfmanBettina Steren dos SantosCarlos Graeff Teixeira Clarice Beatriz de C. SohngenElaine Turk Fariarico Joo HammesGilberto Keller de Andrade Helenita Rosa FrancoJane Rita Caetano da SilveiraLauro Kopper FilhoLuciano KlcknerNdio Antonio SeminottiNuncia Maria S. de ConstantinoEDIPUCRSJernimo Carlos S. Braga DiretorJorge Campos da Costa Editor-Chefe

    Luciano KlcknerManolo Silveiro Cachafeiro

    Organizadores.

  • Porto Alegre, 2012

    Luciano KlcknerManolo Silveiro Cachafeiro

    Organizadores.

    Por que oPe. Roberto Landell de Moura

    foi inovador?

    Conhecimento, f e cinciaArtigos, crnicas, charges, documentrio em udio e documentos oficiais

  • P832 Por que o Padre Roberto Landell de Moura foi inovador? : conhecimen to, f e cincia [recurso eletrnico] / org. Luciano Klckner, Manolo Silvei-ro Cachafeiro. Dados eletrnicos. Porto Alegre : EdiPUCRS, 2012.163 p.Sistema requerido: Adobe Acrobat ReaderModo de Acesso: ISBN 978-85-397-0226-8 (on-line)Contm documentrio em udio.

    1. Moura, Roberto Landell de Biografia. 2. Inventores Rio-Gran-denses Biografias. 3. Religiosos Rio-Grandenses Biografias. 4. Telecomunicaes Histria. 5. Fsica. I. Klckner, Luciano. II. Cacha-feiro, Manolo Silveiro.

    CDD 925.3

    EDIPUCRS, 2012

    Rodrigo Valls e Rodrigo Braga Patrcia Arago

    Rodrigo Valls e Rodrigo BragaEdio revisada segundo o novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

    EDIPUCRS Editora Universitria da PUCRSAv. Ipiranga, 6681 Prdio 33Caixa Postal 1429 CEP 90619-900 Porto Alegre RS BrasilFone/fax: (51) 3320 3711e-mail: [email protected] - www.pucrs.br/edipucrs

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas grficos, microflmicos, fotogrficos, reprogrficos, fonogrficos, videogrficos. Vedada a memorizao e/ou a recuperao total ou parcial, bem como a incluso de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibies aplicam-se tambm s caractersticas grficas da obra e sua editorao. A violao dos direitos autorais punvel como crime (art. 184 e pargrafos, do Cdigo Penal), com pena de priso e multa, conjuntamente com busca e apreenso e indenizaes diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

  • SUMRIO

    AGRADECIMENTOS ...............................................................................................................................................09

    PREFCIO ...............................................................................................................................................................12Dom Dadeus Grings

    APRESENTAO ....................................................................................................................................................14Jos Fortunati

    ARTIGOS ..................................................................................................................................................................16

    1) A longa (e interminvel) construo da biografia do Padre Landell ......................................................17Hamilton Almeida2) Roberto Landell de Moura: o pioneiro brasileiro das comunicaes ....................................................38Luiz Artur Ferraretto3) O Padre Landell de Moura e a Faculdade de Medicina Homeoptica do Rio Grande do Sul ...............55Ben-Hur Fernando Cassoll Dalla Porta4) Landell e Galileu ..........................................................................................................................................59Rafael Peruzzo5) O Padre Landell de Moura e a transmisso sem fio ................................................................................67Marcelo S. Alencar6) Landell de Moura: Ondas de rdio nas transformaes no final do sculo XIX ...................................75Daltro DArisbo7) Roberto Landell de Moura: o pai da Bioeletrografia (Foto Landell-Kirlian). ..........................................80Vnia Maria Abatte8) Landell de Moura o Padre-inventor ........................................................................................................88Ana Celina F. da Silva, Cidara Logurcio, David K. Minuzzo, Eliane Muratore, Jeanice T. Ramos, Letssia Crestani, Luciana Brito, Manolo S. Cachafeiro, Marlise Giovanaz e Michele P. Souza

  • 9) O busto de Landell ....................................................................................................................................101Marcelo Rosales10) Padre Landell de Moura: inventrio bibliogrfico ................................................................................102Manolo Cachafeiro e Morgana Marcon11) Padre Landell de Moura e o primeiro transmissor-receptor de voz sem fio ......................................109Carlos Guerra Lima12) Conceitos da Fsica nos inventos do Padre Roberto Landell de Moura ............................................123Gentil Csar Bruscato

    CRNICAS .............................................................................................................................................................132

    1) Aquele estranho menino .......................................................................................................................... 133Srgio Dillenburg2) A caixa preta de Landell ............................................................................................................................136Luciano Klckner3) A presena de Landell ...............................................................................................................................137Jeanice Dias Ramos4) O Padre Landell e o cinematgrafo: entre as luzes e as sombras .......................................................139Fernando Telles de Paula5) De Landell de Moura a Coester ................................................................................................................142Guilherme Socias Villela6) O sobrinho do gnio .................................................................................................................................144Antonio Gabriel de Moura Coelho

  • CHARGES .............................................................................................................................................................145

    Canini ..............................................................................................................................................................146

    Iotti ..................................................................................................................................................................147

    Fetter ...............................................................................................................................................................149

    Luis Gustavo ..................................................................................................................................................151

    DOCUMENTRIO EM UDIO ..............................................................................................................................153

    Realizao dos estudantes de Jornalismo da Faculdade de Comunicao Social (Famecos), da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Dbora Dias, Greisly Picoloto, Luiza Carneiro, Manoela Flores, Matheus Strelow e Ramiro Macedo. Participao Especial: Padre Erico Hammes, interpretando Padre Roberto Landell de Moura

    DOCUMENTOS OFICIAIS .....................................................................................................................................155

    Leis Municipais

    LEI N 8.355, de 11 de outubro de 1999. Autoriza o Executivo Municipal a erigir busto em homenagem ao padre-cientista Roberto Landell de Moura. LEI N 10.438, de 15 de maio de 2008. Denomina a Rua Padre Roberto Landell de Moura o logradouro pblico no cadastrado, conhecido como Rua 7054 Loteamento Hpica Boulevard.LEI N 11.031, de 5 de janeiro de 2010. Institui, no mbito da poltica de Cincia, Tecnologia e Inovao do Municpio de Porto Alegre, o ano de 2011 como o Ano da Inovao Padre Landell de Moura e dispe sobre as aes a esse referentes.LEI N 11.179, de 27 de dezembro de 2011. Inclui a efemride Semana Padre Landell de Moura no Anexo Lei n 10.094, de 31 de maio de 2010 que institui o Calendrio de Datas Comemorativas e de Conscientizao do Municpio de Porto Alegre e organiza e revoga a legislao sobre o tema , e alteraes posteriores, que ocorrer de 24 a 30 de setembro

  • LEI N 11.193, de 6 de janeiro de 2012. Declara Patrono da Cincia, da Tecnologia e da Inovao no Municpio de Porto Alegre o padre e cientista Roberto Landell de Moura. Leis Estaduais

    LEI N 11.384, de 3 de novembro d e 1999. Institui a Semana Padre Landell de Moura, e d outras providncias.

    LEI N 13.903, de 9 de janeiro de 2012. Outorga ao Padre Cientista Roberto Landell de Moura o ttulo de Patrono da Cincia e Tecnologia e Inovao do Estado do Rio Grande do Sul e d outras providncias.

    Lei Federal

    LEI N 12.614, de 27 de abril de 2012. Dispe sobre a inscrio do nome do Padre Roberto Landell de Moura no Livro dos Heris da Ptria. Dirio Oficial da Unio. Ano CXLIX, N. 83, Braslia/DF, 30 de abril de 2012.

  • AGRADECIMENTOS

    A edio deste livro foi possvel devido ao envolvimento da Editora da PUCRS (EDIPUCRS) e do Grupo Interinstitucional, integrado pela Prefeitura de Porto Alegre para a comemorao dos 150 anos do nascimento do Padre Landell de Moura, alm de seus familiares do e das seguintes instituies:

    Familiares do Padre Roberto Landell de Moura; Associao de Dirigentes Cristos de Empresas ADCE; Associao Gacha das Emissoras de Rdio e Televiso AGERT; Associao Nacional dos Profissionais de Histria ANPUH / GT ACERVOS; Associao Riograndense de Imprensa ARI-RS; Colgio Estadual Parob; Colgio Militar de Porto Alegre CMPA; Companhia Riograndense de Artes Grficas CORAG; Escola Estadual de Ensino Fundamental Pe. Landell de Moura; Governo do Estado do Rio Grande do Sul; Biblioteca Pblica do Estado do RS BPE/RS; Secretaria de Estado da Cultura SEDAC;

  • Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Sul IHGRGS; Movimento Landell de Moura MLM; Museu de Cincia e Tecnologia MCT/PUCRS; Museu do Rdio; Ncleo de Estudos e Pesquisa Landell de Moura NEP; Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS; Faculdade de Comunicao Social Famecos/PUCRS; Museu de Cincia e Tecnologia da PUCRS MCT; Prefeitura de Porto Alegre PMPA; Gabinete de Inovao e Tecnologia Inovapoa; Secretaria Municipal da Produo, Indstria e Comrcio SMIC; Secretaria Municipal do Meio Ambiente SMAM; Secretaria Municipal de Coordenao Poltica e Governana Local SMCPGL; Secretaria Municipal de Educao SMED; Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul; Sindicato dos Professores de Estabelecimentos Privados Rio Grande do Sul Sinepe/RS;

  • Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS; Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao Fabico da UFRGS; Instituto de Fsica; Museu Universitrio; Planetrio Professor Jos Baptista Pereira; Rdio da Universidade;

    Universidade do Vale dos Sinos Unisinos.

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    PREFCIO

    UMA NOVA COMUNICAO

    Dom Dadeus GRINGS1

    Ns, hoje, usufrumos de muitos benesses que nos foram proporcionados por nossos antepassados. Para no perder nossa identidade e para melhor nos situarmos na Histria, precisamos fazer memria dos grandes descobridores e benfeitores da humanidade, principalmente daqueles que nos so mais prximos e partilharam de nossas vicissitudes locais. So, por isso, de modo mais concreto, nossos porque fazem parte de nossa convivncia local, viveram beira de nosso Guaba e sombra de nossos jacarands. Sem sua lembrana, nossa Histria, e consequentemente, nossa vida ficariam desconectados e careceria de compreenso.

    Entre muitos heris, que marcaram e proporcionaram o progresso do Rio Grande do Sul e, consequentemente, nos honram com sua presena e atuao, est, sem dvida, o grande Monsenhor Roberto Landell de Moura. Foi aqui, em Porto Alegre, que ele ultimou sua inveno mais genial, que a rdio e a telefonia sem fio.

    Antes de seu aparecimento, parecia algo inimaginvel. Como transmitir a voz humana mais longe e mais rapidamente que as ondas sonoras at ento conhecidas? Landell de Moura era padre. Sabia que possvel e constitui dever 1 Arcebispo de Porto Alegre/RS.

    salutar comunicar-se com Deus, a quem no se v. Fazemo-lo com a orao, tanto vocal como mental. Ele se comunica conosco por sinais, nos quais lemos seus pensamentos, tanto na natureza como, principalmente, nos sacramentos. Subjaz a certeza de que Deus est presente. Por isso ouve nossas preces. E ns temos f nele. Por isso conseguimos chegar at Ele e comunicar-nos com Ele. Fazemo-lo, de modo mais solene, pelas celebraes litrgicas e por aqueles sinais que Cristo nos deixou para essa comunicao singular.

    Como os homens, nossos irmos, inteligentes e corporais como ns, comunicamo-nos quando sentimos sua presena, tanto por gestos como pela voz. Conseguimos medir a distncia que a voz e os gestos alcanam para nos fazermos entender. Falamos baixo para as pessoas prximas e elevamos a voz para atingir as que esto mais longe.

    Acontece que temos irmos espalhados pelo mundo inteiro. S depois da descoberta dos novos meios de comunicao se comeou a falar de aldeia global. Antes era impossvel atingir os distantes em tempo real. Jesus, h dois mil anos, ordenou seus discpulos anunciar o Evangelho a toda criatura, indo pelo mundo inteiro. Desafiou os meios de comunicao daquele tempo. A Palavra de Deus urge.

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    Desde ento se pe a pergunta de como comunicar o Evangelho aos que esto longe.

    Padre Landell de Moura teve uma inspirao, que deixou surpresas as pessoas de seu tempo. Houve at incompreenses. Parecia fora de poca. Inventou o rdio, ou seja, introduziu no gnero humano uma fala que ultrapassa o espao restrito de suas cordas vocais e de seus gestos visuais. Conseguiu comunicar-se com pessoas distantes, sem necessidade de empreender longas e perigosas viagens, como a seu tempo, Paulo se viu forado a fazer. O Apstolo das gentes utilizou, no primeiro sculo do Cristianismo, um valioso instrumento, que j se encontrava sua disposio, escrevendo cartas. Landell de Moura, dezenove sculos depois, conseguiu transmitir a mensagem a viva voz, num espao que os olhos no conseguiam abranger.

    Hoje este meio de comunicao faz parte da rotina da humanidade. O rdio popularizou-se. usado para transmitir mensagens, aproximar pessoas, divertir, instruir, orientar. A humanidade inteira se comunica. O rdio que Landell de Moura prodigalizou tornou o mundo uma aldeia global. Mrito pois a ele! Vale a pena lembrar seus incios e prestar a devida homenagem a seu criador.

    O ser humano no apenas indivduo. Ningum vive s para si. E se algum tentasse isolar-se estaria fadado ao fracasso. Viver, na verdade, conviver, num mundo que nos foi dado por Deus. Com Deus, que nos transcende infinitamente, conviemos pela f e pelos sacramentos. Liturgia comunicao com o Pai, pelo Filho, no Esprito Santo. Com os homens, que se encontram ao nosso alcance, nos comunicamos e convivemos com a voz e com os gestos. A partir de Landell de Moura, alm das ondas

    sonoras aproveitamos tambm as ondas hertzianas. A inveno do padre visa aproximao das pessoas atravs da formao da opinio pblica em grande escala. Pela rdio estendemos nossa percepo e sensibilidade pelo mundo inteiro. Tornamo-nos, por assim dizer, universais. Nossa vida pessoal mudou. Ficou enriquecida.

    No , pois, de estranhar que este invento, nascido de um gnio sacerdotal fosse colocado a servio do Evangelho. Sua natureza original, pela ndole do inventor, , antes de tudo, anunciar uma Boa Nova humanidade inteira. Trata-se da melhor e mais sublime de todas as novidades. Precisa chegar at os confins do mundo para que todos tenham vida e vida em abundncia. Seu contedo a salvao, que nos veio por Jesus Cristo. Ele a Palavra de Deus que se fez homem e que deve ser anunciado e conhecido no mundo inteiro para que os homens vivam em paz, pela criao de uma humanidade nova, cheia de f em Deus e na dignidade humana, alegre pela esperana de dias melhores, e animada pelo amor que foi derramado em seus coraes, a unir todos os homens, atingidos por estas ondas que irradiam pelas ondas hertzianas a mensagem divina na vida em plenitude. Com a inveno do Padre Landell de Moura, a Mensagem do Evangelho conquistou um precioso colaborador, que a leva, com rapidez e intensidade, por todo o mundo.

    Nossa homenagem a Landell de Moura, cujos restos mortais repousam na igreja do Rosrio, em Porto Alegre/RS, onde atuou por vrios anos e onde lanou ao mundo seu invento. Sentimo-nos felizes e orgulhosos por t-lo em nosso meio, integrante dos cidados e do clero da Arquidiocese de Porto Alegre. Deus lhe pague por todo bem que fez pela Igreja e pela Humanidade!

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    APRESENTAO

    INCENTIVO CINCIA, TECNOLOGIA E INOVAO

    Jos FORTUNATI1

    com grande satisfao que apresentamos este E-Book. Editado pela EDIPUCRS, o livro eletrnico compila trabalhos de pesquisadores, bigrafos e interessados na divulgao da vida e obra do Padre Roberto Landell de Moura. Uma justa e merecida homenagem a esse cientista inovador.

    Como parte do projeto de 2011, Ano da Inovao Padre Landell de Moura, este trabalho, que agora disponibilizado ao pblico, comemora os 150 anos de nascimento do cientista porto-alegrense. O padre serve de inspirao, pela genialidade e perseverana com que realizou suas invenes cientficas.

    Em uma cidade pequena como era Porto Alegre do final do sculo XIX, o homem que acreditava naquilo que fazia aliava desafio ao conhecimento e, com isso, nos proporcionou inventos surpreendentes, entre eles o rdio. Caractersticas de empreendedorismo e perseverana so claramente identificadas no esforo individual e muitas vezes solitrio do Padre Landell.

    1 Prefeito de Porto Alegre.

    Uma trajetria de vida que representa os primrdios dos avanos tecnolgicos que obtivemos at hoje, pois o rdio revolucionou de tal maneira a comunicao que a transmisso da voz humana est presente em celulares, na Internet e nos equipamentos eletrnicos de comunicao. Integrando to fortemente a evoluo da histria que pode ser afirmado com segurana ter sido determinante em perodos como o da Legalidade no Brasil.

    Por reconhecimento do valor deste padre cientista, o executivo municipal encaminhou e a Cmara de Vereadores aprovou Lei que instituiu a Semana Padre Landell de Moura, proporcionando que j em 2012 seja realizado o evento. Tambm foram encaminhadas outras medidas como a denominao da rua Padre Roberto Landell de Moura e a aprovao, pelo Legislativo, do projeto que define a rua da Inovao um logradouro. Ainda deve ser destacada a aprovao da Lei, que declara o Padre Landell de Moura como Patrono da Cincia, Tecnologia e Inovao no mbito do municpio, sendo homenageado, alm da Semana Landell de Moura, tambm na Semana Municipal de Cincia e Tecnologia. O Estado reconheceu

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    o trabalho do cientista, com a distino de Patrono da Cincia e Tecnologia no Rio Grande do Sul. J em abril de 2012, o Governo Federal disps sobre a inscrio do nome do inventor no Livro dos Heris da Ptria.

    Por todo seu trabalho e o que representou na histria local e brasileira, a prefeitura da Capital, por intermdio do Gabinete de Inovao e Tecnologia (Inovapoa), parceira da EDIPUCRS na edio deste

    E-Book, que conta com artigos, crnicas, charges, registros de pesquisas e informaes de acervos e fontes sobre o Padre Landell de Moura.

    A inteno inventariar e preservar a produo histrica da cincia local, alm de avanar em projetos que colocam a cidade em evidncia, reforando o papel de Porto Alegre como local que fomenta a cincia, a tecnologia e a inovao.

    Boa Leitura!

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    A LONGA (E INTERMINVEL) CONSTRUO DA BIOGRAFIA DO PADRE LANDELL

    Hamilton ALMEIDA1

    Era uma das ltimas noites de vero daquele ano. Maro de 1976. Na cidade de So Paulo, bairro do Pacaembu, na sala de aula do curso de Radiojornalismo da Faculdade de Comunicaes da Fundao Armando lvares Penteado (FAAP), o professor chileno Julio Zapata surpreendeu os alunos: o verdadeiro inventor do rdio foi um brasileiro e no o italiano Marconi, como havamos aprendido na escola fundamental.

    Com empolgao, ele narrou a trajetria de Roberto Landell de Moura que lutou, lutou, lutou... e s conheceu a indiferena geral. A injustia histrica sofrida pelo padre-cientista causou forte impacto. Tambm ficou gravado 1 Jornalista e autor de quatro livros sobre o Padre Landell. Publicou Pater und Wissenschaftler, na Alemanha. A sua obra mais completa Padre Landell de Moura: um heri sem glria (Ed. Record). E-mail: [email protected]

    nos coraes e mentes a insistncia do professor em ressaltar que a reconstituio da vida do Padre Landell, como ele gostava de ser chamado, no estava completa, que muita coisa ainda deveria vir tona...

    O que se sabe sobre o Padre Landell pouco, garantiu o mestre. Ele baseou aquela aula especial no livro O incrvel Pe. Landell de Moura, de Ernani Fornari, editado em 1960. Ao ler a primeira biografia escrita sobre o padre-cientista, resultado de 20 anos de pesquisas, me deparei com a honesta advertncia, j no Prefcio, de que a obra no est completa.

    Ao citar as passagens do cientista, Zapata ensinou que ele fora proco em Mogi das Cruzes. Como essa cidade fica perto de So Paulo, motivado pela curiosidade destino? , decidi averiguar se havia alguma pista do incrvel padre por l. E assim acabei localizando um ex-coroinha, Benedicto Olegrio Berti, que contou episdios at ento inditos sobre o Padre Landell.

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    Narrou, por exemplo, que ele levava sempre uma caixinha preta no bolso e a colocava sobre a mesa, no altar, ao lado do clice, enquanto celebrava as missas. E, s vezes, parava a missa para conversar com aquele estranho objeto... Por essas coisas, Padre Landell foi considerado louco, tambm em Mogi. L ele tambm praticou o exorcismo, o que lhe gerou novos conflitos com a cpula da igreja e motivou a sua sada da cidade.

    Essa primeira descoberta me empurrou a investigar mais. Ainda em Mogi, encontrei outra testemunha da histria: Carmine Porcelli, contemporneo do sacerdote.

    Em 1976 viajei a Porto Alegre e entrevistei sobrinhos do Padre Landell Guilherme Landell de Moura, Igncio Landell de Moura e Jos Vitorino Panarari de Moura, j

    Benedicto Olegrio Berti foi coroinha do Padre Landell em Mogi das Cruzes: Ele andava com uma caixinha com uns fios, que deveria ter uns 20 cm de largura por 10 cm de altura. Diziam que ele era louco.

    falecidos e vrios contemporneos, como o cardeal Dom Vicente Scherer, o Monsenhor Joo Maria Balm, Euclides Moura, Adroaldo Mesquita da Costa e Carlinda Leite Borges de Lima. Em Campinas, Igncio Carvalho Landell, tambm sobrinho. Novos fatos se acrescentaram ao material de pesquisa.

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    s O mais importante, porm, aconteceu por uma feliz

    casualidade. No dia 6 de outubro de 1976, Guilherme me telefonou para dizer que haviam acabado de encontrar uma poro de papis do Padre Landell numa casa de parentes. Os tais papis haviam sido guardados, sigilosamente, por uma irm do religioso durante toda a sua vida. E l ficaram durante anos, mesmo depois da morte dessa irm, at que, justamente naqueles dias em que me encontrava pesquisando na capital gacha, houve a descoberta. Imediatamente, pedi ao Guilherme para ver, copiar e fotografar todo o material.

    Fornari j havia destacado em seu livro as trs patentes obtidas pelo Padre Landell nos Estados Unidos e escrevera que a ideia do padre-cientista de criao de um campo ondulatrio atravs do espao alicerava a possibilidade de transmitir a imagem a grandes distncias, ou seja, a televiso.

    Igncio Landell de Moura viu coisas misteriosas em fotos que pertenceram ao seu tio.

    Adroaldo Mesquita da Costa: Ele dizia que era o verdadeiro inventor do rdio.

    O tesouro escondido

    Nesses documentos, descobertos em 1976, encontrei vrios papis referentes ao processo de patenteamento, cartas de prestao de contas dos seus advogados norte-americanos, notas promissrias (Padre Landell se endividou para custear os gastos nos EUA), recortes de jornais, rascunhos das cartas que ele havia enviado e uma srie de novos desenhos e manuscritos. Um deles chamou a ateno imediatamente: The Telephotorama ou a Viso distncia. Data: 1904. Tais desenhos e textos careciam de uma anlise tcnica especial, pois seria necessrio no s ter conhecimentos de fsica moderna como entender e dimensionar o que aqueles documentos representaram na poca em que foram traados.

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    Alguns anos foram consumidos na busca de gente qualificada e interessada em se debruar sobre os desenhos e, sobretudo, com boa vontade, j que a anlise teria que ser feita de forma voluntria.

    Boa vontade foi o que no faltou ao engenheiro da Telebras, Eduardo Diniz Schlaepfer, quando tomou conhecimento do meu projeto. Por iniciativa dele, foi formado um grupo de trabalho de alto nvel, no CPqD Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebras, em Campinas. Naquela poca, incio dos anos 1980, o CPqD era estatal e levava o nome do Padre Landell de Moura.

    Meses depois, os especialistas entre eles, Nelson Bardini que entrou recentemente para a histria das telecomunicaes como o inventor do carto telefnico

    indutivo deram o veredicto sobre os novos desenhos: alm do rdio, Padre Landell j podia ser considerado tambm precursor da televiso, do teletipo e do controle remoto pelo rdio.

    Esse grupo de trabalho tambm analisou as patentes outorgadas pelos EUA. E concluiu: Padre Landell foi quem transmitiu, pela primeira vez, em ondas contnuas, utilizando um tipo de vlvula cujas caractersticas se aproximavam da vlvula de trs eletrodos, que a partir da inveno de Lee De Forest (1907) passou a dominar totalmente os meios de transmisso. O primeiro sistema usado oficialmente em radiocomunicaes por outros cientistas foi a emisso por ondas amortecidas.

    Quando patenteava o rdio nos EUA, Padre Landell comeou a projetar a TV.

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    Eng. Edson Benedicto Ramos Fris, que coordenou a comisso de alto nvel da Telebras, em Campinas, analisou as patentes e documentos at ento inditos do padre-cientista e concluiu que ele projetou a TV, o teletipo e o controle remoto pelo rdio, entre outras descobertas.

    Ao patentear as suas invenes nos EUA, recomendou o emprego das ondas curtas para

    aumentar a distncia das transmisses. Marconi, por sua vez, insistia em declar-las completamente inteis na prtica. S em 1916 o cientista italiano reconheceu as vantagens que esse sistema oferecia.

    Padre Landell tambm transmitia mensagens atravs de um feixe de luz. Esse tipo de comunicao renasceu sob a forma de transmisso de variaes luminosas via fibra ptica. Antes, na poca de Landell, era um arco voltaico que tinha sua intensidade luminosa variada; hoje, um laser semicondutor que tem sua emisso de raios infravermelhos modulada pela informao. O princpio, porm, o mesmo.

    Contemporneo do Padre Landell, Fornari afirma em seu livro que as primeiras experincias de telecomunicaes foram realizadas pelo brasileiro entre

    1893 e 1894. Ele no cita a fonte. Os estudos, porm, revelaram indcios que fortalecem a tese de Fornari.

    Encontrei registros de testemunhas da poca: Jayme Leal Velloso (Jornal da Manh de 16/7/1933), Maria Ribeiro de Almeida (Unio, RJ, 5/8/1928 e Correio do Povo, 16/8/1928) e o livro Brazil Actual, de Arthur Dias, que situam os experimentos entre 1890 e 1896. Maria de Almeida, alis, legou outro dado at ento indito: ela presenciou a visita do Padre Landell igreja, no Rio de Janeiro, quando ele foi solicitar recursos para fazer experincias de telegrafia sem fio e radiofonia.

    Isso aconteceu em 1893! Ele no conseguiu o que queria, porm no desistiu de seus sonhos e, com escassos recursos, levou o projeto adiante.

    Chances h, portanto, de que Landell tenha inaugurado a era das radiocomunicaes. Antes de Marconi, cuja experincia primeira aconteceu em 1895. No ano seguinte, em 1896, o cientista italiano patenteou o seu invento na Inglaterra o telgrafo sem fio ou radiotelgrafo.

    Provas concretas das experincias do Padre Landell foram publicadas pela imprensa em 1899 e em 1900. Os jornais O Estado de S. Paulo (16/7/1899) e Jornal do Commercio, RJ (mesma data, 10 e 16/6/1900), noticiaram os fatos. As experincias pblicas foram realizadas em So Paulo, do alto de Santana at a Avenida Paulista, numa distncia aproximada de 8 km em linha reta.

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    O Jornal do Commercio protagonizou, entretanto, outro furo de reportagem: publicou na capa da edio de 14/6/1899 que Padre Landell j havia conseguido transmitir a palavra a uma distncia maior de 7 mil metros e que tais experincias vinham acontecendo h muitos anos.

    Como o aparelho do Padre Landell estava apto para transmitir tanto sinais em cdigo Morse como a voz

    Ptio do Colgio Santana: local das primeiras experincias de rdio do mundo. Ao fundo, a capela de Santa Cruz, onde Pe. Landell foi proco no final sc. XIX.

    humana a distncia, conclui-se: Marconi pode ter sido o pioneiro na radiotelegrafia transmisso de sinais em cdigo Morse a distncia, sem o auxlio de fios. Mas Padre Landell foi realmente o primeiro no mundo a transmitir a voz humana a distncia atravs de uma onda eletromagntica. Ele inventou a radiofonia, ou seja, o rdio tal como o conhecemos.

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    Outra experincia pioneira bem-sucedida em radiofonia atribuda ao fsico canadense Reginald Aubrey Fessenden, que transmitiu a voz humana em dezembro de 1900, seis meses, portanto, depois da ltima experincia do Padre Landell em So Paulo. Outros pioneiros nessa tecnologia: o dinamarqus Valdemar Poulsen, em 1902; e o italiano Quirino Majorana, em 1903. Marconi transmitiu a voz pela primeira vez em 1914.

    A questo candente : por que Marconi considerado o inventor do rdio se ele inventou o telgrafo sem fio? Ele leva a fama pelo que no fez?

    Eis os eventos histricos. As comunicaes evoluram das transmisses com fio para as sem fio:

    1837 - telgrafo com fio (emisso de sinais em cdigo Morse);

    1876 - telefone com fio (emisso de voz humana);

    1895 - telgrafo sem fio (emisso de sinais de sons);

    1899 - rdio (na poca se dizia telefone sem fio porque era uma variante, sem fio, do aparelho telefnico j existente. Hoje em dia, telefone sem fio tem outro significado).

    No h dvidas de que Samuel Morse inventou o telgrafo com fio. A Graham Bell atribuda a inveno do telefone. Se a Marconi cabe a telegrafia sem fio, a quem se deve a inveno do telefone sem fio (denominao de poca) ou rdio? Ao Padre Landell, pelos documentos de que se dispe. Para os canadenses, Fessenden o inventor do rdio porque transmitiu a voz no final de 1900.

    Jornal do Commercio: em 14/6/1899, Landell j transmitia a voz humana h muitos anos.

    E, para os norte-americanos, a glria cabe ao fsico croata Nikola Tesla porque, antes de todos, ele empregou ondas de rdio para mover objetos.

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    H um erro histrico ao se estender a inveno do rdio como conhecemos a Marconi, j que ele no transmitiu a voz humana de forma pioneira. Naquela poca, a inveno de Marconi se chamava radiotelegrafia ou telegrafia sem fio. A confuso existe porque radiocomunicao tem um conceito amplo: o dicionrio nos diz que se refere tanto comunicao de sinais como de sons ou imagens por meio de ondas eletromagnticas. Dentro desse conceito, Marconi foi pioneiro nas comunicaes sem fio (radiocomunicao) e talvez por isso se diga que ele inventou o rdio.

    Porm, no h como negar que a radiotelegrafia diferente da radiotelefonia, assim como a telgrafo com fio diferente do telefone com fio. Ora, se so inventos diferentes, por que no considerar que inventores diferentes foram os seus criadores? Independentemente das discusses de ordem semntica, h fatos. E os fatos indicam que Padre Landell transmitiu a voz pela primeira vez no mundo sem fios a chamada radiotelefonia, telefonia sem fio, radiofonia... ou simplesmente, rdio!

    Jornais antigos

    Longas horas, dias e meses foram dedicados pesquisa em jornais da poca. Colees de vrios anos de diversos dirios, como o Correio Paulistano, foram vasculhadas. No raras vezes o resultado foi nulo. A leitura de jornais antigos um teste persistncia de qualquer pesquisador. Muitos textos no tm ttulo, e necessrio ler colunas inteiras.

    Muitas colees esto microfilmadas e s vezes preciso recorrer a uma lupa, j que o papel, amarelado pelo tempo, nem sempre est bem visvel numa reproduo

    fotogrfica. E tambm aconteceu de os jornais de determinados perodos que se queria investigar estarem inacessveis, m o m e n t a n e a m e n t e recolhidos para restauro e sem prazo de retorno consulta pblica.

    Outra lio: muitas vezes, o que um jornal publicava a realizao de experincia pblica

    Reprodues da primeira patente de rdio do mundo.

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    do padre-cientista, por exemplo no era notcia em outro. Hoje em dia, h fatos cientficos que so notcia em todos os jornais, em todas as mdias, o que facilita a busca. A diferena fica por conta de quem elaborou um material melhor, mais completo. Na poca do Padre Landell, no era assim, o que exigiu trabalho de leitura diversificado, em bibliotecas diferentes, j que h arquivos com colees incompletas.

    Nesse contexto, vale assinalar o trabalho persistente de um jovem pesquisador carioca, Rodrigo Moura Visoni. Ele descobriu, atravs da paciente leitura de jornais antigos, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, algumas notcias inditas.

    Outra das revelaes de Fornari foi que Padre Landell obteve uma patente no Brasil, sob n 3.279. Ele indicou o ano de 1900. A patente, cujo original se encontra arquivado no Rio de Janeiro, data de 9 de maro de 1901, possui 8 pginas e diz que a inveno permite projetar pelo espao a voz a distncias bem regulares. Funciona com sol, chuva, tempo mido e forte cerrao, como tambm com vento contrrio se usarmos de placas automticas e, nestes dois ltimos casos, a distncia a que se pode chegar verdadeiramente prodigiosa. No mar, quando h cerrao, e nas regies calmas, esse

    aparelho pode prestar muito bons servios. Essa carta-patente a certido de nascimento do rdio. E nasceu mesmo no Brasil, porque a patente da transmisso da voz, de Fessenden, de 1901.

    No Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Sul, vi as trs cartas-patentes norte-americanas e encontrei cerca de 40 cadernos manuscritos. Assim se abriu uma nova frente de trabalho. Entre os milhares de textos, dissertaes religiosas, filosficas e cientficas. Os manuscritos do Padre Landell no so de fcil leitura. Alm da linguagem vigente no incio do sculo XX, alguns textos parecem que foram escritos rapidamente, tentando acompanhar a velocidade do pensamento. E como ele escrevia direto, os manuscritos contm vcios de linguagem, repeties, excesso de explicaes, etc. O lado positivo que, com o tempo, acostuma-se com a grafia e se aprende a decifrar o texto mais rapidamente.

    Nesses manuscritos h a prova de que Padre Landell descobriu o chamado efeito Kirlian, 32 anos antes dos soviticos. O efeito Kirlian, agora chamado de bioeletrografia, uma imagem fotogrfica que se obtm da energia no visvel aos olhos que circunda todos os seres vivos.

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    s Tambm ali foi encontrada outra bela surpresa: aos 16 anos, alm de se impressionar com as manchas da Lua e gostar de ler as aventuras de Telmaco - o filho de Ulisses, da Odisseia de Homero , o jovem Roberto construiu um telefone! No se sabe como era esse aparelho, mas significante que esse ato tenha acontecido apenas um ano aps a inveno do telefone pelo norte-americano Graham Bell. Foi tambm em 1877 que o primeiro telefone foi disponibilizado no Brasil: na capital Rio de Janeiro, bem distante de Porto Alegre.

    As rplicas do rdio

    Em 1984, a Fundao de Cincia e Tecnologia (Cientec), de Porto Alegre, construiu uma rplica do primeiro aparelho de rdio do mundo: o Wave Transmitter,

    o Transmissor de Ondas, patenteado por Landell nos EUA. Oitenta anos aps a concesso das patentes norte-americanas chegou a hora do tira-teima: comprovar o talento do Padre Landell.

    Depois de trs meses de exaustivos trabalhos, em que foi imperativo mergulhar fundo num universo da fsica no habitual, o engenheiro Antonio Carlos Solano e os tcnicos Jos Clvis Totel e Antnio Felipe Pepe terminaram de modelar a rplica que, contrariando o pessimismo inicial, funcionou e bem, dentro das suas limitaes.

    O aparelho foi apresentado em pblico, pela primeira vez, nas solenidades de encerramento

    da Semana da Ptria. No dia 7 de setembro de 1984, em frente ao Monumento do Expedicionrio, na capital gacha, o governador do Rio Grande do Sul, Jair Soares, pronunciou, pelo fone do aparelho, duas palavras que foram ouvidas nitidamente por centenas de pessoas: Porto Alegre. Aquele momento festivo cristalizou de maneira incontestvel a funcionalidade do invento do Padre Landell.

    A equipe da Cientec teve que superar vrios obstculos na construo da rplica. O primeiro problema foi compreender a especificao tcnica do aparelho. A descrio da patente no muito detalhada e no revela a escala do aparelho. Livros de fsica contemporneos do Padre Landell foram consultados para dar uma idia das caractersticas de certos componentes (bobinas, condensadores, terminais, chaves etc.) e optou-se pelas dimenses aproximadas de um aparelho telefnico da poca.

    Nos cadernos manuscritos, o pensamento cientfico, religioso e filosfico. O acervo est arquivado no IHGRGS.

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    Muitos componentes tiveram que ser construdos diversas vezes, at que se ajustassem adequadamente. Para o diafragma, por exemplo, experimentaram folha de flandres, acetato e cobre laminado. Com cobre martelado, a pea ficou sensvel demais. Com bronze fosforoso, funcionou melhor. Vrias tentativas tambm foram feitas com a bobina de Ruhmkorff, para que se conseguisse uma capaz de produzir fasca de comprimento razovel.

    O Transmissor de Ondas consta, basicamente, segundo relato do engenheiro Solano, de um interruptor fontico, de uma bobina de Ruhmkorff modificada, de um centelhador e de um circuito de antena. As vibraes da voz, atravs do bocal, fazem vibrar o diafragma provido de um contato eltrico na sua parte central, que interrompe, na mesma frequncia, a corrente do primrio da bobina, provocando no secundrio, ligado ao centelhador, oscilaes amortecidas de alta tenso, que do origem ao aparecimento de ondas eletromagnticas, emitidas pela antena.

    O interruptor fontico o elemento mais importante do invento, na opinio da equipe da Cientec, e se constitui

    Rplica do primeiro rdio do mundo.

    na verdadeira inovao, j que as outras partes eram conhecidas na poca, tendo sido arranjadas de modo a possibilitar a emisso de ondas de rdio.

    No ano do centenrio das patentes estrangeiras 2004 Marco Aurlio Cardoso Moura, funcionrio da Caixa Econmica Federal, terminou de construir, em Porto Alegre, uma nova rplica do Transmissor de Ondas. Aps dois anos de pesquisa, dedicao, muitas experincias e enormes dificuldades, devido inexistncia de dados referentes ao dimensionamento das peas e tipos de materiais empregados, Moura testou o aparelho e verificou: funciona!

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    A radiotelegrafia no Brasil

    Pesquisar sobre as invenes do Padre Landell tambm exigiu um profundo estudo paralelo da histria das telecomunicaes no mundo, a nica maneira de poder aquilatar, de forma imparcial, a importncia real das suas descobertas. O que fez o Padre Landell? O que isso representou naquele determinado momento? Isso me levou a pesquisar sobre Marconi e outros pioneiros.

    A histria oficial da radiotelegrafia no Brasil mereceu um captulo parte. E surpreendeu como se cruzaram os caminhos do padre-cientista com as aes do Governo para adquirir a tecnologia de ponta no setor de comunicaes. Se cruzaram e no se encontraram...

    Segundo Fornari, Padre Landell solicitou dois navios da Marinha brasileira para demonstrar as suas experincias, assim que retornou dos EUA, no final de 1904. Como ele foi considerado um padre louco, no lhe concederam a oportunidade e o Brasil perdeu uma chance histrica.

    A Marinha brasileira foi pioneira no uso da radiotelegrafia, pois comeou a estudar a implantao da nova tecnologia em 1903. Duas estaes do tipo Telefunken, que operavam por centelhamento, foram montadas na Ilha das Cobras, no Batalho Naval, e comearam a operar, em regime experimental, em 1904. Nesse mesmo ano, foram montadas estaes, tambm Telefunken, nos navios Aquidaban, Barroso, Riachuelo, Tamoyo e Benjamin Constant.

    Membro da Comisso tcnica mista civil e militar de radiotelegrafia, o engenheiro Francisco Bhering, da Repartio Geral dos Telgrafos, narrou no livro A Radiotelegraphia no Brasil elementos histricos que viajou com ordem do governo brasileiro de estudar a telegrafia sem fio na Europa.

    Visitou as oficinas de Ducretet-Branley para conhecer o sistema adotado pela marinha francesa. Em Berlim, as fbricas da Algemeine Elektricitats Gesellschaft (sistema Slaby, adotado pela marinha alem) e da Siemens & Halske, que explorava o sistema Braun. Na Itlia, as instalaes radiotelegrficas de Marconi. A misso de Bhering foi propor o sistema mais conveniente para a comunicao entre o Rio de Janeiro e Santos.

    De acordo com o livro de Bhering, a inaugurao da estao no morro da Babilnia, no Rio de Janeiro, em 14 de julho de 1907, marcou o incio da rede radiotelegrfica costeira do Brasil. Tudo foi montado com importao

    Os Correios lanaram selo comemorativo pelo sesquicentenrio de nascimento do pioneiro das telecomunicaes no dia 21 de janeiro de 2011.

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    de tecnologia, de diversos fornecedores, segundo a estratgia poltica da poca.

    Sabe-se que Padre Landell tentou, mas nunca conseguiu comercializar as suas invenes. Nos EUA, ele no teve essa oportunidade, pois deixou aquele pas logo que recebeu as cartas-patentes. O cientista cogitava que, depois disso, o destino de inventor seria recompensado na sua ptria. Mas, no Brasil, alm da tentativa de conseguir navios da Marinha, relatado por Fornari, houve ainda outro triste episdio s recentemente descoberto.

    Depois de brilhar nos EUA, pas que consagrou o seu talento inventivo com a concesso de trs cartas-patentes, e de morar numa cidade do porte de Nova York, Padre Landell foi designado pelo bispo Dom Jos Camargo de Barros para trabalhar em Botucatu. Ele dirigiu a parquia da cidade entre mais ou menos o ms de maro at o incio de novembro de 1905, de acordo com registros na Cria Metropolitana de So Paulo.

    O choque da mudana de ares no foi pequeno! Afinal, Botucatu no tinha energia eltrica, fonte imprescindvel para o desenvolvimento das experincias de telecomunicaes do padre-cientista. No incio do sculo XX, a cidade paulista distante 242 km da capital, era um vilarejo empoeirado, sem calamento nas ruas; no dispunha de gua encanada: a populao recorria s bicas. O modo de vida local era muito diferente e atrasado em relao a grandes centros da poca, como Campinas e So Paulo.

    Ironicamente, quando o Padre Landell estava instalando-se nessa cidade, o Brasil entrou, oficialmente, na era das comunicaes sem fio: em 1 de maro de 1905, noticiou-se a emisso da primeira mensagem de telegrafia sem fio pelo encouraado Aquidaban.

    Mesmo sofrendo todos esses golpes do destino ao mesmo tempo, vivendo praticamente como um desterrado, Padre Landell no abdicou dos seus ideais cientficos nem da sua f catlica. Na parquia, fez sermes condenando veementemente os que se entregavam lascvia, aos vcios e ao desleixo com as normas da igreja, segundo o jornal Correio de Botucatu. O lbum Ilustrado, revista literria paulistana, publicou, em setembro de 1905, que ele tinha um corao prdigo de benevolncia e amor e inteligncia aberta ao progresso da cincia.

    Em Botucatu, Landell recebeu visita do Governador de SP.

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    Padre Landell visitou e, mais relevante ainda, foi visitado pelo governador do Estado de So Paulo, Jorge Tibiri Piratininga, de acordo com notcias veiculadas no jornal A Plata, em maro de 1905, e replicadas em O Botucatuense. Os textos destacaram a modstia e a genialidade do padre-cientista, que procurava colocar o seu nome e o de sua ptria na ampla e ilimitada esfera dos modernos cometimentos cientficos. Arriscaram prever que o seu futuro seria alimentado por grandes e incalculveis recursos, o que jamais aconteceu.

    Petio para industrializar o rdio

    Em 8 de fevereiro de 2011, descobri no Acervo Histrico da Assembleia Legislativa de So Paulo que Padre Landell apresentou uma petio solicitando recursos do Estado para introduzir o seu aparelho de rdio, indito no mundo, e um novo sistema de telegrafia sem fio no mercado nacional.

    Na sesso de 16 de dezembro de 1905 da ento Cmara de Deputados do Estado de So Paulo (atual Assembleia Legislativa) foi lida a petio do Padre Landell. Diz o peticionrio que se pode telegraphar e telephonar a grandes distncias, servindo-se de ondas luminosas ou ondas areas, publicou o Correio de Botucatu, na edio do dia 21 daquele ms.

    O jornal opinou: um pedido que merece ser attendido, pois o revmo. Padre dr. Landell de Moura um

    trabalhador infatigvel e os poderes pblicos faro justia auxiliando-o em seu nobre commetimento. Joo Carlos Figueiroa, presidente do Centro Cultural de Botucatu, historiador e radialista, acredita que Padre Landell deve ter contado com o apoio de um deputado local, o cel. Amando de Barros, para levar o seu projeto adiante.

    A petio foi escrita de prprio punho pelo Padre Landell, selada, assinada e acompanhada de um dossi com recortes de jornais que publicaram reportagens sobre o seu pioneirismo, incluindo o New York Herald, dos Estados Unidos, alm de traduo juramentada dos pareceres de tcnicos norte-americanos sobre a importncia e a utilidade das invenes.

    Padre Landell utilizou um argumento patritico para sensibilizar os parlamentares paulistas. Destacou que, apesar de as patentes das invenes lhe pertencerem, so tambm vossas. Por isso, se ele no recebesse o auxlio pretendido, deixaro de ser nossas e, por conseguinte, tambm do Brasil, porque, em questo de invenes, no liga o nome a elas quem descobre ou inventa, mas sim quem pe em prtica o que o autor das descobertas no pode pr em prtica por falta de recursos pecunirios.

    Segundo o padre-cientista, as patentes envolviam dois sistemas de telegrafia e dois de telefonia, todos funcionando sem fios condutores. Os seus aparelhos podiam transmitir mensagens a grandes distncias, servindo-se de ondas luminosas ou eltricas. Ele ressaltou tambm que o uso do telgrafo e do rdio atravs de um feixe de luz seria muito apropriado para colocar em comunicao os extremos de uma cidade extensa, principalmente em tempos de agitaes; e para estabelecer comunicaes recprocas

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    entre faris, navios e a costa, sobretudo quando h cerrao, pois a luz de que fao uso tem a propriedade de atravessar os corpos opacos.

    Com os sistemas de transmisso por ondas eletromagnticas, o rdio e o telgrafo patenteados pelo Padre Landell poderiam atingir distncias verdadeiramente prodigiosas, principalmente em alto-mar. O padre-cientista esclareceu ainda que as suas invenes diferem muito dos seus congneres, porque

    so mais constantes em seus efeitos, mais econmicos, mais prticos e de manipulao mais fcil do que quaisquer outros sistemas existentes no comrcio, de acordo com o parecer de uma comisso de peritos americanos, nomeados para emitir juzo sobre o til, prtico e comercial destes meus inventos ultimamente privilegiados.

    A petio de auxlio pecunirio afim de prosseguir nos estudos tendentes a por em pratica os seus systemas de telegraphia e telephonia foi encaminhada Comisso de Fazenda e Contas. Padre Landell no especificou quanto de dinheiro necessitava para industrializar as suas incrveis invenes. Como era muito modesto, provavelmente deixou essa questo a critrio das autoridades estaduais.

    Petio redigida de prprio punho pelo Pe. Landell que foi lida no plenrio da Assembleia Legislativa de So Paulo no final de 1905: ele queria recursos para industrializar o rdio e o telgrafo sem fio.

    Sete meses depois, em 20 de julho de 1906, a Comisso emitiu o seu parecer sobre 10 peties ao mesmo tempo. A do Padre Landell foi a quarta a ser citada. Todos foram arquivados sob a alegao genrica de que uns foram atendidos e outros perderam a sua oportunidade.

    O rdio, a transmisso de voz humana a distncia sem fios que o Padre Landell lograra em experincias

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    pblicas no final do sculo XIX e em patentes no Brasil e no exterior, foi assim, por falta de amparo financeiro, relegado no pas. Landell lutou at o limite das suas foras para introduzir o rdio no mercado brasileiro antes de qualquer outro pas do mundo. No foi suficiente.

    Ao invs de ser um detentor de tecnologia de telecomunicaes, o que estava ao alcance, o Brasil acabou contentando-se em ser um mero importador de aparelhos produzidos em pases do Primeiro Mundo.

    Euclides Moura foi coroinha do Padre Landell entre 1923 e 1925, na Igreja do Rosrio: s quintas-feiras, ele reunia as prostitutas que ficavam prximas dali para catequiz-las. Era muito compenetrado. Sempre estava estudando e dormia pouco, umas 4h por dia.

    Destaque na Repblica Velha

    Outro achado relevante que faz pensar: sob os auspcios da Comisso governamental brasileira de propaganda e expanso econmica, o irlands J.C. Oakenfull escreveu uma srie de livros que foram editados no exterior, em ingls, a partir de 1909 at 1922, ano do centenrio da Independncia.

    Ao traar um panorama do pas, com informaes sobre geografia, clima, Constituio, leis, educao, comunicao, economia, geologia, turismo etc., o autor se referiu ao Padre Landell, no captulo dedicado cincia, como o inventor do rdio. A obra foi atualizada ano a ano com repeties da referncia ao pioneirismo do Padre Landell, que, ento, figurava ao lado de expoentes como Santos Dumont e Vital Brazil.

    Coincidente ou ironicamente, o primeiro desses livros do tipo retrato do pas, destinados a promover a imagem da nascente Repblica no exterior, foi editado em 1909, o ano em que Marconi recebeu o Prmio Nobel de Fsica (16 de novembro) juntamente com o professor Ferdinand Braun, de Estrasburgo, pelo desenvolvimento da telegrafia sem fio.

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    Padre Landell teve reconhecimento em livros da poca, mas a sua realidade particular era distinta. Em 1909, j morando em Porto Alegre, ele parecia um cientista renegado. Quando ele teve tudo para dar certo ocorreu uma dissociao entre o talento e a resposta da sociedade. Paradoxalmente, foi citado como um gnio da cincia, valorizando a Repblica, e a sua genialidade no foi aproveitada pelo pas!

    Roberto Landell de Moura nasceu em Porto Alegre, em 21 de janeiro de 1861, e, na capital gacha, deu o seu ltimo suspiro. Em 30 de junho de 1928, aos 67 anos, faleceu de tuberculose, no anonimato cientfico, num quarto do Hospital da Beneficncia Portuguesa.

    Na tarde do dia 2 de julho de 1928, na sesso da Assembleia Legislativa gacha, o deputado Alvaro Masera fez um discurso emocionante: Acaba de emudecer no seio do clero rio-grandense, uma das palavras mais luminosas que abrilhantavam, para a igreja catlica, as festas da caridade, da religio e da ptria. Masera o definiu como uma figura inesquecvel: o sacerdote catlico, o sbio, o cientista, o pregador fulgurante, o filantropo, o misericordioso, o bom. Um voto de pesar foi aprovado por unanimidade.

    Mesmo quando a radiodifuso j era uma realidade no planeta comeou a ser experimentada a partir de 1910 , o autor no deixou de citar o Padre Landell entre os mais destacados cientistas do pas. Esses livros tiveram repercusso positiva na imprensa escrita nacional e internacional Gr-Bretanha, Estados Unidos, Blgica, Canad, Frana, Sua, Portugal, Austrlia, Nova Zelndia, ndia e China. Financial Times, por exemplo: Interesting, excellent and valuable.

    Em seus livros sobre o Brasil, publicados e atualizados de 1909 a 1922, J.C. Oakenfull citou o pioneirismo de Landell na inveno do rdio e o colocou entre os maiores cientistas do pas, ao lado de Santos Dumont e Vital Brasil.

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    Escrivaninha que pertenceu ao pioneiro das telecomunicaes. Santinhos que ele guardou quando foi proco na Igreja do Rosrio, em Porto Alegre. Landell sempre viveu humildemente.

    Itlia reconhece Landell

    Beira ao inusitado. O fato, porm, que um livro publicado na Itlia - Tu piccola scatola... La radio: fatti, cose, persone, de autoria da jornalista Laura De Luca e do sacerdote Walter Lobina, em 1993 atribui ao Padre Landell a realizao da primeira transmisso de rdio de que se tem notcia. A cidade de So Paulo foi testemunha da primeira transmisso e recepo de ondas eletromagnticas e luminosas. Nasceu o rdio, mas ningum percebeu.

    Segundo os autores, a condio do pas, que mais tarde seria definido como de Terceiro Mundo, foi crucial. O rdio no encontrou aqui um lugar propcio para se desenvolver. Enquanto isso, experimentos anlogos de Guglielmo Marconi obtinham, na Itlia e na Europa, grande publicidade, maior garantia e explorao comercial. Faltava, porm, na patente de Marconi, um elemento fundamental, presente nas invenes do brasileiro: a transmisso da voz.

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    Outro livro, de autoria do professor alemo Eckart Roloff Gttliche Geistesblitze: Pfarrer und Priester als Erfinder und Entdecker , editado em 2010 pela Wiley-VCH, dedica um captulo a Landell de Moura. Baseado nas obras Pater und Wissenschaftler, Padre Landell de Moura: um heri sem glria, de minha autoria, e no livro de Fornari, Roloff resume a saga do padre-cientista, destacando o seu pioneirismo nas telecomunicaes.

    Pesquisar sobre a vida do Padre Landell equivale a montar um grande quebra-cabea. Verificar a credibilidade das fontes de informao um desafio permanente. Na medida do possvel, tratei de empregar um mtodo jornalstico: alm de analisar criteriosamente cada informao, chec-la com pelo menos duas fontes! E entrevistar a mesma pessoa vrias vezes, sempre confrontando as suas declaraes, para ter maior certeza do que escrever.

    Considero como outro desafio do pesquisador deixar as suas convices pessoais de lado ou ideias preconcebidas e procurar a verdade, seja ela qual for. Padre Landell foi perseguido ou ignorado por ser padre e cientista? Quais eram as suas convices religiosas e cientficas? Investigar preciso. Sempre. No h margens para especulao.

    Por isso, no afirmo com absoluta certeza que o Padre Landell foi pioneiro na telegrafia sem fio, antes de Marconi. Pode ser que sim. H indcios que apontam que ele se antecipou a Marconi. Por outro lado, estou convencido, porque h provas contundentes, de que ele foi pioneiro na inveno do rdio e projetou a televiso e o teletipo antes de qualquer outro cientista.

    Foi, em suma, um pioneiro das telecomunicaes de grandeza incomum, porque provavelmente ningum teve uma viso to abrangente como ele.

    Pesquisa sem fim

    O desenvolvimento da pesquisa chegou a um ponto em que h uma relativa escassez de novas fontes de informao. Por isso, acho que vale a pena acrescentar uma nova linha ao que j se conhece. O esforo maior para se construir a biografia do Padre Landell se aproximar ao mximo da verdade.

    Desvendar a vida e a obra do Padre Landell tem sido uma longa e praticamente interminvel tarefa. Trinta e cinco anos depois que iniciei a pesquisa ao descobrir um ex-coroinha em Mogi das Cruzes ainda foi possvel encontrar uma informao de peso, como a petio ao Governo paulista.

    Em 1924, quando as primeiras rdios estavam sendo instaladas no pas, Padre Landell declarou ltima Hora: Folgo em ver realizado, na prtica utilitria, aquilo que foi o meu sonho de muitos dias, de muitos meses, de muitos anos. Deus serviu-se da minha humilde pessoa para levantar um pouco o vu que encobre os segredos da natureza.

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    Do que se sabe da biografia do padre-cientista, desponta um personagem singular da nossa histria. Um raro talento. Um gnio da cincia. Padre Landell desafiou a ignorncia e nem sempre ganhou. Teve muitas desiluses e pode ter guardado mgoa por no ter visto o seu esforo reconhecido, de alguma maneira, pelos seus contemporneos.

    Sofreu muito com as restries, obstculos, presses e negativas que rechearam a sua vida. Alm de dispor de poucos recursos financeiros para realizar o que queria, ainda teve que enfrentar a incompreenso alheia. No houve facilidades na sua vida de padre-cientista.

    Padre Landell foi um homem frente do seu tempo. Com um sculo de antecedncia, quando o homem mal conseguia se comunicar entre cidades, previu a possibilidade do envio de mensagens a outros planetas! E tambm foi humilde quando viu, com o passar do

    Jos Vitorino Panarari de Moura, sobrinho: Padre Landell achava que os padres deviam casar, pois so homens como os outros. Tinha ideias avanadas, fora magntica e era vidente. Era capaz de fazer uma pessoa dormir e fazia curas por meio da sugesto.

    tempo, que outros cientistas inventavam o que ele j havia inventado... Ele sempre acreditou que os seus inventos seriam teis para a humanidade: o rdio, a televiso...

    De toda essa fascinante histria, fica, entretanto, a sensao de que ainda h o que descobrir para aprimorar a biografia conhecida. Afinal, h perodos da sua vida em que a documentao razovel. Em outros, escassa.

    O que ele fez em 1892? Ou em 1897? s vezes, s se sabe onde ele estava. E nada mais. Quando, onde e o que ele fez exatamente em Santos? O que ele fez no Rio de Janeiro, antes de embarcar para Roma junto com seu irmo para estudar no seminrio?

    Uma prova definitiva da sua primeirssima experincia ainda algo pendente. Quando, de fato, ocorreu? Teria sido em 1893? 1894? 1899? Quais foram as palavras ditas atravs do primeiro aparelho de rdio do mundo? Quem foi o seu interlocutor?

    Nas experincias pblicas realizadas no final do sculo XIX em So Paulo, de um lado ele instalou o aparelho no ptio do Colgio Santana. Qual foi o local exato da outra ponta de emisso-recepo na avenida Paulista? Aps estudar como era a avenida Paulista na poca e considerar outros fatores que contriburam para as experincias, apontou como um possvel local o ptio do ento Ginsio Anglo-Brasileiro, atual Colgio So Luis, prximo rua da Consolao.

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    H alguma fotografia das suas experincias pblicas ou do primeiro rdio do planeta? Padre Landell foi filmado ou a sua voz foi gravada por algum? Que fim levou o seu indito aparelho de rdio? Como ele fabricava cada pea?

    Que esforo lhe foi exigido para reconstruir os primitivos aparelhos de rdio, destrudos por fiis que achavam que ele era um padre que se comunicava com o demnio? Ele fotografou o efeito Kirlian. Onde esto essas fotos?

    Essas perguntas pairam. E certamente no so as nicas.

    Ainda se aguarda o aparecimento de respostas definitivas.

    Ser que algum dia saberemos?

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    ROBERTO LANDELL DE MOURA: O PIONEIRO BRASILEIRO DAS COMUNICAES

    Luiz Artur FERRARETTO1

    O Marconi do Brasil era um padre. Assim, Edward Anthony Riedinger define Roberto Landell de Moura na abertura do verbete Brazil da Encyclopedia of radio, do Museum of Broadcasting Communications dos Estados Unidos, editada por Christopher H. Sterling (2004, v. 1, p. 193). Na mesma obra, Robert Henry Lochte, em Early wireless, compara a trajetria do brasileiro do servo-croata Nikola Tesla. A respeito de ambos, observa que tiveram a oportunidade de desenvolver a comunicao sem fios por ondas eletromagnticas antes do que Marconi, mas falharam em suas tentativas (2004, v. 1, p. 519). Lochte atribui as dificuldades de Landell oposio de lideranas eclesisticas que viam, no transmissor desenvolvido pelo brasileiro, o trabalho do demnio, creditando ao obscurantismo religioso, no qual se inclui a depredao de equipamentos e a destruio dos laboratrios do padre por um bando de fanticos, o atraso nas pesquisas do brasileiro. Lochte ressalta que o padre, mesmo com dificuldades em funo de uma assessoria legal deficiente, de seu estado de sade que no era bom no incio dos anos 1900 e desconhecendo as particularidades do sistema de patentes

    1 Doutor em Comunicao e Informao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]

    dos Estados Unidos, nunca desistiu de ter o seu trabalho reconhecido. Graas a esse esforo, em 1904, obtm o registro de trs aparelhos junto ao Patent Office: J ento, Marconi e outros controlavam o mercado de rdio (2004, v. 1, p. 519). A Encyclopedia of radio (2004, v. 2, p. 853-4) traz ainda o verbete Landell de Moura, father Roberto 1861-1928, de autoria tambm de Riedinger.

    A presena de Roberto Landell de Moura na provavelmente mais completa obra em lngua inglesa a respeito do rdio, editada simultaneamente nos Estados Unidos e na Gr-Bretanha, obriga a repensar o que se tem escrito e refletido a respeito do padre brasileiro e de sua obra. De fato, faz-se necessrio rever essa trajetria luz de uma historiografia que, aos poucos e com grandes esforos de pesquisadores dos pases subdesenvolvidos, vai se tornando mais inclusiva. Neste artigo, considera-se, portanto, um avano textos como os assinados por Edward Anthony Riedinger, ento professor do Departamento de Histria da Ohio State University (Columbus, Ohio), e Robert Henry Lochte, do Departamento de Jornalismo e Comunicao de Massa da Murray State University (Murray, Kentucky).

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    A proposta deste artigo ampliar, dentro de uma historiografia mais inclusiva e menos eivada de patriotismos, a perspectiva sob a qual se estudam as pesquisas do brasileiro.2 No se trata de qualific-lo como uma espcie de pai do rdio, em oposio ao qualificativo tambm errneo atribudo a Marconi pela imprensa de sua poca. Como tantas outras tecnologias, a que est por trs desse meio de comunicao resulta do trabalho de vrios pesquisadores. A prpria denominao rdio ganha o significado atual nos anos 1920, portanto, bem depois das inovaes apresentadas pelo brasileiro ou pelo italiano. De fato, objetiva-se aqui ampliar a noo a respeito da obra de Landell sabendo que, neste sculo 21 de tantas fronteiras derrubadas ou esmaecidas, as telecomunicaes ganham preponderncia e tendem a aambarcar o conjunto do que um dia foi radiodifuso, radiotelefonia, radiotelegrafia e radiocomunicao. Talvez, o melhor fosse mesmo j usar um termo mais abrangente e adequado contemporaneidade: comunicaes.3

    Com esse objetivo, parte-se dos levantamentos biogrficos de Ernani Fornari (1960), Hamilton Almeida (1983, 1984 e 2006) e Ivan Rodrigues (2004), sem os quais salienta-se a obra do padre brasileiro talvez jamais fosse reconhecida. Pretende-se, no entanto,

    2 Esforo semelhante ao realizado em prol do reconhecimento de Landell de Moura, em oposio ao de Guglielmo Marconi, ocorre, por exemplo, na ndia, em relao a Jagadish Chandra Bose, que, na dcada de 1890, realizou experincias com micro-ondas, tendo aperfeioado um tipo de coesor, componente eletrnico fundamental para a transmisso e recepo hertzianas (GUPTA; ENGINNER; SHEPHERD, 2009).3 No incio deste sculo, ao identificar a diluio das fronteiras dos significados das palavras telecomunicaes, comunicao de massa e informtica, Vencio A. de Lima j defendia: Essas trs reas esto em processo de integrao, j manifesta claramente na formulao de polticas pblicas, na configurao do mercado de trabalho, na legislao regulatria, na organizao sindical etc. Trata-se, portanto, de uma realidade em transformao que em pouco tempo deixar de existir. Dessa forma, torna-se superado e incorreto o tratamento das tele-comunicaes, da comunicao de massa e da informtica como se fazia anteriormente revoluo digital, isto , como reas distintas (2001, p. 27-28).

    fugir da aparente oposio entre o trabalho de Landell de Moura e o do italiano Guglielmo Marconi, descrevendo a trajetria tambm de outros pesquisadores, seus contemporneos.

    O significado da palavra rdio em seu contexto de poca

    A histria como cincia depara-se com a necessidade de reconstruir o ontem um contexto particular impossvel de ser vivenciado novamente hoje com base, portanto, em conhecimentos e formulaes tericas contemporneas. H que considerar, inclusive, alteraes no uso de palavras. Por exemplo, o que significa, na virada do sculo XIX para o XX, a expresso rdio? Que tipo de tecnologia especificamente estava sendo buscada por uma srie de pesquisadores, em especial na Amrica do Norte e na Europa? Qual o objetivo de um Landell de Moura e o que pretendia um Marconi? So questes que precisam ser elucidadas com base no quadro cultural, econmico, poltico e social daquela poca.

    Interesses cientficos, empresariais e militares

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    confundem-se nas dezenas de iniciativas levadas a cabo em diversos pases na tentativa de estabelecer comunicaes sem fio e a distncias cada vez maiores visando transmisso de mensagens, em um primeiro momento, telegrficas e, na sequncia, de voz. Nos dois lados do Atlntico, a Wireless Telegraph and Signal Company Limited e suas sucessoras ou derivadas , de Marconi, disputa a primazia dos esforos para oferecer aos correios e s marinhas mercantil e de guerra tais servios com, em especial, a alem Gesellschaft fr drahtlose Telegraphie mbH, logo popularizada como Telefunken, denominao do sistema de telegrafia por ela comercializado e desenvolvido por Adolf Karl Richard Slaby, Georg Graf Von Arco e Karl Ferdinand Braun. No so as nicas, no entanto, a buscar uma aplicao prtica para as ondas eletromagnticas descobertas teoricamente por James Clerk Maxwell, na primeira metade da dcada de 1860, e comprovadas de modo emprico por Heinrich Rudolf Hertz, em 1887. em meio a toda essa corrida de cunho predominantemente empresarial e, por vezes, com algum interesse cientfico, que a trajetria histrica do brasileiro Roberto Landell de Moura, um pesquisador alheio s esferas capitalistas e acadmicas, destaca-se e deve ser compreendida.

    O contexto histrico em que essas ento novas tecnologias desenvolvem-se marcado (1) pelo colonialismo europeu na frica e na sia e (2) pela Guerra de Secesso (1861-1865) nos Estados Unidos. Se, em relao ao primeiro, aprimorar a comunicao entre as metrpoles e as colnias constitui-se em necessidade

    estratgica para as grandes potncias, nesta ltima, o telgrafo j provara sua importncia estratgica na vitria da Unio sobre os confederados e, em seguida, na integrao e manuteno da unidade nacional daquele pas. Na virada para o sculo XX, a maior potncia mundial segue sendo a Gr-Bretanha, mas os Estados Unidos j despontam no cenrio internacional. A Alemanha, em um processo que vai levar Grande Guerra de 1914-1918, tenta impor-se tambm como uma das principais protagonistas. Ao mesmo tempo, amparado pela Revoluo Industrial em consolidao na Europa e na Amrica do Norte, o capitalismo expande-se. Radiotelegrafia, radiotelefonia e radiocomunicao so, assim, tecnologias importantes poltica e economicamente, todas pensadas para a interligao entre apenas um emissor e apenas um receptor. Das duas ltimas, vai se originar o meio de comunicao conhecido como rdio, cuja ideia central, ao contrrio, conectar uma fonte de transmisso de mensagens, de modo concomitante, a vrios pontos de recepo.

    Da dcada de 1890 at os anos 1920, em especial nos pases de fala inglesa com bvios reflexos em pases como o Brasil, tais modalidades confundem-se, sendo representadas, de modo genrico, por expresses como wireless em portugus, sem fio ou, simplesmente, radio. Esta ltima uma apropriao da palavra latina radio (1) Brilhar e lanar raios e feixes de raios de luz a distncia. (2) Resplandecer, reluzir , enquanto a variante radius est associada tanto luz que se propaga a partir de um ponto central quanto ao elemento

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    Marconi e a radiotelegrafia

    Criticado por vrios cientistas de seu tempo pelo carter essencialmente prtico de suas pesquisas, mas uma celebridade com larga presena nos principais jornais da poca, Guglielmo Marconi soube como poucos antever as possibilidades comerciais da radiotelegrafia na virada do sculo XIX para o XX. Industrial astuto e empreendedor, o italiano, alm de desenvolver tecnologia prpria, vai adquirindo os direitos sobre diversos inventos, aprimorando-os e integrando-os a sistemas mais complexos e potentes. A aparelhagem das primeiras experincias de Marconi, em 1895, na Villa Grifone,4 j d uma ideia de suas atitudes e estratgias futuras. Inclui um oscilador semelhante ao desenvolvido por Heinrich Hertz, mas aperfeioado por Augusto Righi, pesquisador de quem o jovem Guglielmo fora uma espcie de discpulo. A antena segue o modelo da utilizada pelo russo Alexander Stepanovich Popov. Alm disso, Marconi emprega coesores,5 como os do francs Edouard Branly, e demonstra conhecimentos a respeito do trabalho do britnico Oliver Lodge. No se tire, no entanto, o mrito dele, que com uma idade pouco superior a 20 anos utiliza esses equipamentos, com sucesso, em tentativas frequentes e obstinadas, at atingir um quilmetro com suas irradiaes.

    4 A propriedade da famlia Marconi no vilarejo italiano de Pontecchio, nas proximidades de Bolonha.5 Componentes essenciais transmisso de sinais.

    geomtrico, o comprimento ou a distncia percorrida em linha reta entre o centro e o permetro de um crculo ou a superfcie de uma esfera e, da, ideia de distncia atingida (JAMIESON, 1828, p. 458). Dela, origina-se o verbo ingls to radiate em portugus, emitir raios , que, de acordo com o Oxford English dictionary (2009), j usado com esse sentido no sculo XVII e, mais tarde, no XIX, para a transmisso de qualquer tipo de energia na forma de raios ou de ondas. Como prefixo, segundo a mesma fonte, radio- vai formar palavras substituindo a expresso wireless a partir de 1881 e adquire, na dcada de 1900, significado independente como sinnimo destas, dos aparelhos empregados e mesmo da mensagem especfica transmitida atravs de telegrafia ou de telefonia por ondas eletromagnticas. O Oxford registra que a palavra radio s passa a ser usada em relao ao meio de comunicao especfico em 1922, embora Lee De Forest, um dos cientistas pioneiros desse campo, a tenha utilizado em sentido semelhante em um artigo publicado no ano de 1907. J o verbo to broadcast e o substantivo broadcasting, originariamente referncias ao de semear em vrias direes, comeam a ser empregados, significando disseminar qualquer tipo de mensagens, no incio dos anos 1920, por rdio e, posteriormente, por televiso (OXFORD, 2009).

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    No primeiro semestre de 1896, j em Londres, Marconi apresenta o seu aparelho de radiotelegrafia s autoridades britnicas. Graas a estas demonstraes, obtm, logo depois, a carta-patente sobre a telegrafia sem fio. No ano seguinte, transmite a uma distncia de 14,5 quilmetros e, em paralelo, constitui a Wireless Telegraph and Signal Company que, na virada do sculo, converte-se na Marconi Wireless Telegraph Company. Rapidamente, medida que a tecnologia aprimorada, o italiano vai criar novos empreendimentos em outros pases, buscando mais e mais mercados para os seus produtos. Assim, j em 1899, comea a operar, nos Estados Unidos, a Marconi Wireless Telegraph Company of America, brao do seu conglomerado multinacional em fase de estruturao (FLICHY, 1993, p. 141). A respeito do tino empresarial do italiano, uma de suas biografias mais difundidas, apesar de possuir carter laudatrio,6 observa:

    Outros inventores [...] incursionaram nos campos das descobertas sobre fenmenos eltricos, mas, embora observando as ondas hertzianas, falharam ao apreciar sua significao para o futuro comercial do mundo. Estudaram de perto e notaram suas variadas manifestaes, suspeitaram de suas possibilidades, determinaram suas caractersticas variadas e variveis, mas hesitaram prevendo toda espcie de tropeos que tornariam suas descobertas impraticveis (JACOT; COLLIER, 1940, p. 103).

    6 Lanada na Gr-Bretanha, nos anos 1930, como Marconi, master of space, tem por subttulo An authorized biography of the marchese Marconi e dedicada segunda esposa do ita-liano, Maria Cristina Marconi.

    Um exemplo dessa obstinao o esforo de Marconi para garantir a primazia nas comunicaes navais. No ms de dezembro de 1901, buscando provar a validade de seus sistemas nesse campo, consegue enviar o primeiro sinal radiotelegrfico transocenico: uma estao montada na Terra Nova, no Canad, recebe a letra S em cdigo Morse transmitida de Poldhu, na Gr-Bretanha. Este mpeto nitidamente capitalista de Marconi explica, tambm, os acordos e as disputas legais nos quais suas empresas entram a fim de garantir o controle sobre as cartas-patentes de diversos componentes eltricos relacionados radiotelegrafia. Na Gr-Bretanha, h a disputa com a Lodge-Muirhead Syndicate, finalizada com a aquisio pelo italiano, em 1911, dos direitos sobre a tecnologia de sintonia pertencente companhia de Oliver Lodge e Alexander Muirhead (LARSON, 2007, p. 489). Nos Estados Unidos, no ano de 1905, a justia dera ganho de causa a Marconi Wireless Telegraph Company of America em detrimento da De Forest Wireless Telegraph Company (JACOT; COLLIER, 1940, p. 102). J o contrato estabelecido com o engenheiro eltrico e fsico John Ambrose Fleming para que retornasse empresa depois de dispensado, anos antes, sem muitas explicaes demonstra bem o tipo de relao que Guglielmo Marconi estabelece com seus colaboradores. Uma das clusulas d ao italiano o direito de utilizao de duas invenes do cientista ingls: o ondmetro, aparelho que mede o comprimento das ondas

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    eletromagnticas, e a vlvula terminica, componente eletrnico essencial para aprimorar o fluxo de eltrons, garantindo uma irradiao de melhor qualidade. Pelo acordo, Fleming vai manter, no entanto, a propriedade das patentes (LARSON, 2007, p. 361).7

    At a Grande Guerra de 1914-1918, a alem Telefunken constitui-se na principal concorrente da Marconi Wireless Telegraph Company. Fundada em Berlim, no ano de 1903, por determinao do kaiser Guilherme II, a Gesellschaft fr drahtlose Telegraphie mbH, ainda sem a denominao que vai torn-la conhecida mundialmente, o resultado da associao de duas outras empresas: a Allgemeine Elektrizitts-Gesellschaft (AEG), de Adolf Karl Richard Slaby e Georg Graf Von Arco, fornecedora de equipamento radiotelegrfico para a Marinha do Imprio Germnico; e a Siemens & Halske, em que Karl Ferdinand Braun lidera o desenvolvimento de tecnologia semelhante para o Exrcito imperial. Concordando em compartilhar tecnologia e em garantir que seus sistemas passem a se comunicar entre si, a Marconi e a Telefunken chegam a um acordo em meados de 1914, sem resultados prticos em funo da guerra declarada entre a Alemanha e a Gr-Bretanha em 4 de agosto daquele ano (LARSON, 2007, p. 482-3).

    Alm da capacidade tcnica e da habilidade empresarial, a primazia de Guglielmo Marconi sobre os demais e a ideia errnea, mas bastante popular desde ento, de que inventara, de modo isolado, o rdio podem

    7 Obviamente, estes no foram os nicos concorrentes do italiano, nem as nicas tecnologias desenvolvidas por outros e por ele adquiridas.

    ser creditadas a trs fatos: (1) em 1909, a concesso do Prmio Nobel da Fsica; (2) em 1910, o uso da radiotelegrafia pela Scotland Yard para solucionar o chamado Caso Crippen; e (3) em 1912, a utilizao de equipamentos da Marconi Wireless Telegraph Company no socorro s vtimas do naufrgio do Titanic, a luxuosa embarcao pertencente White Star Line.

    A outorga do Prmio Nobel vai representar o reconhecimento cientfico do trabalho de Marconi, talvez mais popular nas manchetes e nos ttulos de jornais do que no meio acadmico:

    Para Marconi, receber o prmio foi uma honra imensa e completamente inesperada, pois nunca se considerara um fsico. Na abertura de sua palestra na entrega do prmio em Estocolmo, Marconi reconheceu que nem era um cientista. Posso mencionar, disse, que nunca estudei fsica ou eletrotcnica da forma tradicional, apesar de ter, quando garoto, um interesse profundo nestes temas. Ele tambm admitiu com franqueza que ainda no entendia totalmente por que era capaz de transmitir sinais atravs do Atlntico, somente sabia que podia faz-lo (LARSON, 2007, p. 398).

    No ano seguinte, o pblico das grandes cidades europeias acompanha nas pginas dos jornais as tentativas da Scotland Yard para localizar e prender o mdico estadunidense Hawley Harvey Crippen, que assassinara, em Londres, a esposa e fugira com a amante. Identificado pelo comandante do navio em que viajava da Europa para

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    o Canad, seu paradeiro comunicado s autoridades graas aos equipamentos da empresa de Marconi instalados a bordo. A importncia da radiotelegrafia cresce, assim, no imaginrio coletivo, apoiada na ideia amplamente divulgada, ento, de Captured by wireless!, forma como a imprensa destaca, em vrias manchetes, o desenlace do caso (LARSON, 2007, p. 433-5).

    A possibilidade de a radiotelegrafia quebrar a incomunicabilidade das embarcaes em meio ao oceano e, por extenso, em caso de naufrgio, com certa possibilidade de salvamento, torna-se mais evidente aps o desastre envolvendo o Titanic na madrugada de 14 para 15 de abril de 1912. Em um discurso na Cmara dos Comuns, o chefe geral dos correios britnicos, Herbert Samuel (apud LARSON, 2007, p. 482), chega a afirmar, tempos depois: Aqueles que foram salvos o foram atravs de um homem, o senhor Marconi e... sua inveno maravilhosa. Dos 2.223 passageiros do Titanic, 712 sobreviveram graas ao pedido de socorro emitido por meio do aparelho de telegrafia sem fio.

    Landell de Moura e o transmissor de ondas

    Ao mesmo tempo em que eram realizadas pesquisas na Europa e na Amrica do Norte, o brasileiro Roberto Landell de Moura obtm em seus experimentos

    resultados, segundo os divulgadores de suas pesquisas, superiores aos dos cientistas estrangeiros. Ernani Fornari (1960, p. 42) registra, sem indicar fonte, que as primeiras experincias com transmisso e recepo da palavra falada teriam ocorrido entre 1893 e 1894 e, portanto, seriam anteriores s realizadas por Guglielmo Marconi. Cauteloso, o jornalista Hamilton Almeida (1984, p. 25) observa com relao ao exposto por Fornari: Esta informao no pode ser confirmada e se choca com outros documentos que no merecem ficar margem. Vale, portanto, como indicao.

    Mais confivel, desse modo, a notcia publicada pelo Jornal do Commercio (apud FORNARI, 1960, p. 12), do Rio de Janeiro, em 10 de junho de 1900, a respeito de experincias pblicas ocorridas no dia 3 daquele ms:

    No domingo prximo passado, no alto de SantAna, cidade de So Paulo, o padre Roberto Landell fez uma experincia particular com vrios aparelhos de sua inveno, no intuito de demonstrar algumas leis por ele descobertas no estudo da propagao do som, da luz e da eletricidade atravs do espao, da terra e do elemento aquoso, as quais foram coroadas de brilhante xito. Estes aparelhos, eminentemente prticos, so, como tantos corolrios, deduzidos das leis supracitadas. Assistiram a essa prova, entre outras pessoas, o senhor P.C.P. Lupton, representante do governo britnico, e sua famlia.

    O mesmo peridico publica no dia 16 de junho de 1900 uma carta em que Landell de Moura (apud ALMEIDA,

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    2002, p. 62) recorre ao governo britnico na tentativa de obter financiamento para suas pesquisas. O padre indica que, na demonstrao do dia 3, cinco aparelhos haviam sido apresentados. Dois deles chamam a ateno por se destinarem, ao contrrio dos demais, transmisso sem fio da voz:

    Com o anematfono, sem fio, obtm-se todos os efeitos da telefonia comum, porm com muito mais nitidez e segurana, visto funcionar ainda mesmo com vento e mau tempo. admirvel esse aparelho, pelas leis inteiramente novas que revela como, outrossim, o que se segue.

    O teletiton, sorte de telegrafia fontica com o qual, sem fio, duas pessoas podem se comunicar, sem que sejam ouvidas por outra. Creio que com esse meu sistema poder-se- transmitir, a grandes distncias e com muita economia, a energia eltrica, sem que seja preciso usar-se de fio ou cabo condutor.

    Os dois aparelhos em questo remetem radiotelefonia e radiotelegrafia. Com equipamento semelhante, Landell de Moura obtm em 9 de maro de 1901 a patente brasileira sob o nmero 3279. No memorial descritivo encaminhado ao governo, consta: O objeto da inveno um aparelho que se presta transmisso a distncia com fio e sem fio condutor, tanto atravs do espao e da terra como do elemento aquoso (apud ALMEIDA, 1983, p. 111).

    Na imprensa da poca, existem, no entanto, indcios da realizao de experincias anteriores. Hamilton Almeida elenca, pelo menos, trs, algumas citadas tambm por outros autores (FORNARI, 1960/ RODRIGUES, 2004): (1) notcia na capa do Jornal do Commrcio, do Rio de Janeiro, em 14 de junho de 1899, referindo-se a outro texto publicado no Dirio Espanhol,8 sob o ttulo O telforo, dando conta de que as experincias de Landell de Moura j vinham sendo realizadas h vrios anos e com irradiaes ultrapassando a distncia de sete quilmetros (ALMEIDA, 2002, p. 51-3); (2) notas nas edies de O Estado de So Paulo e do Jornal do Commrcio, em 16 de julho de 1899, sobre demonstrao de telefonia sem fio a ser realizada naquela data na parquia de SantAna, em So Paulo, embora os dois peridicos no noticiem, nos dias seguintes, se a experincia ocorreu ou no (ALMEIDA, 2002, p. 51-3); e (3) artigo de autoria de J. Rodrigo Botet, publicado em 16 de dezembro de 1900, no jornal La voz de Espaa,9 afirmando ter testemunhado bem-sucedidas experincias do padre com a radiotelefonia por volta de 1899 na capital paulista (ALMEIDA, 2002, p. 64).

    Em 1901, Landell de Moura viaja Europa e, de l, aos Estados Unidos, estabelecendo-se, por fim, em Nova Iorque. Durante trs anos, busca junto ao Patent Office o reconhecimento para suas invenes.

    8 Peridico publicado em So Paulo e voltado para a comunidade de origem hispnica radicada no Brasil.9 Peridico publicado no Rio de Janeiro e voltado para a comunidade de origem hispnica radicada no Brasil.

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    A luta, o esforo pessoal de superao de dificuldades considerveis, foi, enfim, compensada no dia 11 de outubro de 1904, quando padre Landell recebeu a patente nmero 771.917, para o transmissor de ondas (wave transmitter). Em 22 de novembro de 1904, obteve as patentes nmeros 775.337 para o telefone sem fio (wireless telephone), e 775.846 para o telgrafo sem fio (wireless telegraph). As patentes foram concedidas com a chancela no model, como era praxe na poca (ALMEIDA, 2002, p. 81).

    Embora10o processo de concesso das cartas patentes no inclusse a apresentao e o teste dos equipamentos, graas documentao relativa a elas que, nas ltimas trs dcadas, tornou-se possvel reconstituir e, o mais importante, comprovar o tipo de trabalho realizado por Landell de Moura. Em 1984, em um projeto coordenado pelo engenheiro Antonio Carlos Solano com o apoio dos tcnicos Jos Clvis Totel e Antnio Felipe Pepe, a Fundao de Cincia e Tecnologia (Cientec), instituio ligada ao governo do Rio Grande do Sul, construiu uma rplica do transmissor de ondas. Nas experincias com o equipamento, as irradiaes foram captadas em uma larga faixa de frequncia e em distncias de at 5011metros. Na poca de Landell, pode-se supor que o alcance possa ter sido bem maior por no existirem, ento, tantas fontes de

    10 Apesar do sobrenome, no se trata de parente de Roberto Landell de Moura.11 Em reportagem a respeito veiculada na TV Assembleia, canal do Poder Legislativo do Rio Grande do Sul, aparece uma demonstrao, com esse tipo de resultado, da rplica construda por Marco Aurlio Cardoso Moura.

    interferncia automveis, linhas eltricas de alta tenso, lmpadas fluorescentes, equipamentos industriais etc. O equipamento tambm no reproduziu com preciso a entonao, como observou Antonio Carlos Solano (apud ALMEIDA, 2002, p. 101):

    As letras m, n, l, c, s, f, v e g no so reproduzidas nas suas nuances caractersticas, mas apenas os sons guturais que as acompanham; as consoantes t, d, p, b e q e as vogais a e e so reproduzidas de maneira igual entre si.

    Por esse motivo, conforme Almeida (2002, p. 101), Landell de Moura chegou a sugerir a adoo de um cdigo de palavras para a melhor comunicao. Outra rplica do mesmo equipamento foi construda, em Porto Alegre, por Marco Aurlio Cardoso Moura,10 com o apoio tcnico de Rolf Stephan e Alexandre Stephan, da Industrial Eletro Mecnica Apex Ltda.

    O aparelho foi testado, usando-se como receptor um rdio com vrias faixas de ondas. A melhor recepo se deu em ondas mdias, em torno dos 540 kHz, sendo que em FM tambm foi recebido o sinal da transmisso (RODRIGUES, 2004, p. 192).

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    O desempenho da rplica construda por Moura semelhante ao verificado com a da Cientec. O som tambm gutural e pouco ntido11 (TV ASSEMBLEIA, 2006). Conforme Almeida (2002, p. 105), os testes foram realizados dentro de casa, sem antena e sem ligao a terra, em distncias at 10 metros.

    Os indcios existentes apontam, portanto, para o sucesso de Landell de Moura na transmisso e recepo de voz mesmo que a qualidade no permitisse a imediata aplicao prtica dos aparelhos criados pelo brasileiro. O aprimoramento destes em territrio nacional dependeria de aporte significativo de recursos a partir de uma conscincia a respeito da importncia estratgica de tal tecnologia. Conscincia inexistente no Brasil de ento. Um exemplo a negativa da Marinha brasileira, no ano de 1905, em emprestar navios para experimentos a serem realizados por Landell (FORNARI, 1960, p. 69-70). Na mesma poca, mais precisamente de 1903 a 1907, a Armada testava, em especial, aparelhagens da alem Gesellschaft fr drahtlose Telegraphie mbH, o chamado sistema Telefunken; da britnica Marconi Wireless Telegraph Company; e da estadunidense De Forest Wireless Telegraph Company (ALMEIDA, 2006, p. 112-6).

    Da transmisso sem fio da voz ao rdio

    No incio do sculo XX, os experimentos para transmisso sonora sem fio deparam-se, como demonstrado pelo prprio equipamento desenvolvido por Landell de Moura, com um grande problema: diferentemente dos sinais telegrficos, a voz humana necessita certa estabilidade no fluxo das ondas eletromagnticas. Na tentativa de obteno da tecnologia necessria, empenham-se diversos pesquisadores e os registros histricos a respeito carecem de preciso, existindo mesmo verses discrepantes. Destacam-se, nesse processo, o britnico John Ambrose Fleming, o canadense Reginald Aubrey Fessenden e os estadunidenses Edwin Howard Armstrong e Lee De Forest.

    No ano de 1902, conforme John S. Belrose (2002, p. 43), Fessenden idealiza um circuito no qual a frequncia da onda eletromagntica que chega ao receptor e a de outra onda, nele gerada e de frequncia levemente diferente, sobrepem-se. A esse processo que aprimora a qualidade de recepo, d o nome de heterdino, juno de duas palavras gregas: hetero, significando diferena, e dino, fora. Um ano depois, registra um detector eletroltico, que supera em qualidade os coesores at ento empregados. Em 1906, Lee De Forest, com base no diodo, inventado dois anos antes

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