portugal e brasil nos primórdios da colonização profa. valéria da vinha instituto de economia /...
TRANSCRIPT
PORTUGAL E BRASILnos primórdios da colonização
Profa. Valéria da Vinha
Instituto de Economia / UFRJ
Início da Colonização
A aparente falta de metais preciosos e a riqueza das “Índias” obscurece a ação da Coroa no Brasil nos 30 anos iniciais => conflitos de soberania com espanhóis e, principalmente, franceses (mair ou peró?)
Sistema de feitorias, que comercializavam o pau-brasil, extraído pelos índios em troca de quinquilharias
1530 – decisão sobre a posse p/ não perder a terra (expedição Martim Afonso de Sousa e fundação de São Vicente, 1532)
O SISTEMA DE CAPITANIAS
Tem origem no senhorio medieval. O nobre recebia o título hereditário de capitão e “proprietário” (donatário) da área, além de concessões econômicas e autonomia política-jurídica, mas teria que administrar o território.
Distribuídas 15 entre 1533 e 1535, em faixas que partiam do litoral até o Tordesilhas.
Principal papel do donatário: distribuir sesmarias p/ iniciar o povoamento
Capitanias hereditáriasO donatário era a autoridade máxima dentro da capitania, com compromisso de
desenvolvê-la com recursos próprios, embora não fosse o seu proprietário.
O vínculo jurídico entre o rei de Portugal e o donatário era estabelecido em dois documentos: a Carta de Doação, que conferia a posse, e a Carta Foral que determinava direitos e deveres
Pela Carta de Doação, recebia a posse da terra, podendo transmiti-la aos filhos, mas não vendê-la. Recebia também uma sesmaria de dez léguas de costa (60 kms). Devia fundar vilas, distribuir terras a quem desejasse cultivá-las, construir engenhos; exercia plena autoridade no campo judicial e administrativo p/ nomear funcionários e aplicar a justiça, podendo decretar pena de morte p/escravos, índios e homens livres. Tinha isenção de taxas e podia receber parte das rendas devidas à Coroa; podia escravizar e vender indígenas a Portugal até o limite de 30 por ano.
A Carta Foral tratava dos tributos a serem pagos pelos colonos e definia o que pertencia à Coroa e ao donatário. Os produtos do subsolo eram da Coroa , que detinha o monopólio do comércio do pau-brasil e de especiarias. O donatário podia doar sesmarias aos cristãos que pudessem colonizá-las e defendê-las, tornando-se assim colonos.
Desenvolvimento das Capitanias
Padrão de povoamento – enclaves costeiros formados pela aliança europeu + índios
Sistema de capitanias fracassa devido a sua ambigüidade: interesses conflitantes da Coroa (controle + renda), dos donatários (poder + lucros) e dos colonos (mobilidade social)
Governo Geral em Salvador (Tomé de Sousa, 1549) => centralizar para defender e apoiar os donatários
França Antártica (1550-1567) – colonização do Rio pelos franceses – obriga a Coroa a militarizar e reforçar a ação dos jesuítas na região (fundação de São Paulo, em 1557, e pacificação dos índios no Sul)
França Antartica
Mapa Baía da Guanabara (1555)
Mapa francês da baía de Guanabara, c. 1555. Rico em detalhes, mostra a conformação topográfica original do Pão de Açúcar (Pot de Beurre), afastado da praia. Com os morros da Urca e Cara-de-Cão, ele formava a Ilha da Trindade, que hoje está integrada ao continente em consequência de assoreamento e de um aterro no final do século XVII. Outra curiosidade é a indicação de pontos de interesse, ora em francês, ora em língua indígena.
Os índios não compreendem o mercantilismo
... Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros que se deram ao trabalho de ir buscar seu arabutã (pau-brasil). Uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, mairs e perós (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? Respondi que tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como supunha ele, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: E por ventura precisais de muito? - Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. - Ah!, retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhes dissera: mas esse homem tão rico de que me falas não morre? - Sim, disse eu, morre como os outros.
Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso, perguntou-me de novo: E quando morrem, pra quem fica o que deixam? - Para seus filhos, se os têm, respondi: na falta destes, para os irmãos ou parentes mais próximos. - Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros mairs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem. Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois de nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados. (Jean de Léry - Viagem à Terra do Brasil, 1557)
A sociedade indígena• Estima-se 2.400.000 índios tupi-guarani em 1500; 40 anos depois,
1.400.000
• Praticavam agricultura com rotação (descanso ou pousio) para manter a fertilidade do solo e o equilíbrio da caça => semi-nômades
• Após a coivara (queimada e preparo da terra) permaneciam 2 a 3 anos no terreno e se deslocavam em busca de safras naturais (tainha, caju, pinhão)
• Coleta: cacau, guaraná, castanha, caju, pinhões, mel, caça e mariscos
• Cultivos: amendoim, milho, feijão, batata doce, cará, abóbora, pimenta, urucum, tabaco, algodão
O mais importante era a mandioca (aipim, macaxeira) porque com ela se fazia uma variedade de produtos a partir da farinha, da bebida e do amido, que pode ser estocado
Escravização do índio • O escambo nos anos iniciais é substituído pela escravização
dos índios (trabalho compulsório e extenuante)
• Políticas de integração dos índios são conflitantes: conversão religiosa (Coroa e jesuítas) x escravização (colonos)
• Leis que proíbem a escravização (1570, 1595, 1609) não vingam => “resgate de cativos” acirram as guerras internas
• Índios transferidos p/ aldeias jesuítas => quebra das regras sociais (guerra, canibalismo, poligamia, casamento entre primos); alguns preferiam viver nos engenhos.
Restrições• Fracassa o projeto missionário dos jesuítas de
transformar os índios em mão-de-obra livre camponesa
• Pouca distinção entre os índios livres (forros) e os escravizados (gentio ou negro da terra)
• Resistência do índio ao trabalho agrícola • Susceptibilidade às doenças européias (varíola,
sarampo e gripe) => 1/3 dos índios das aldeias morreram
• Facilidade de fugir e sobreviver na mata
Introdução do escravo africano
Na fase inicial, vieram poucos, como trabalhadores domésticos ou marinheiros. Duarte Coelho, da capitania de PE, solicitou importação, em 1540.
A partir de 1560, o fluxo se regulariza
Em 1580, havia 2 mil escravos africanos nos 63 engenhos de PE (média de 100 escravos p/ engenho) => representavam 1/3 da mão-de-obra, mas era considerada superior ( 3 vezes + produtiva que a indígena)
Barreiras iniciais à produção do açúcarBarreiras iniciais à produção do açúcar
• A produção de açúcar substitui o extrativismo do pau-brasil, monopólio da Coroa, mas o colono precisava de capital, crédito e mão-de-obra
• Nenhum produto agrícola era comercializado em larga escala na Europa dada as dificuldades e custos do armazenamento e transporte
• O caráter manufatureiro exigiria a constituição de um segmento de produção de maquinaria e disponibilidade de crédito para montar o empreendimento
• Não havia fornecimento regular em grande volume de mão-de-obra
Surge um novo “negócio” A possibilidade de alavancar a exportação de
produtos tropicais usando mão de obra escrava africana é percebida como um novo negócio
1600 –início de um novo padrão social baseado no escravo africano, que supera o índio como força de trabalho