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PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
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REVISITANDO A COISA JULGADA À LUZ DO NOVO CPC
RENATO PESSOA MANUCCI
Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS.
Professor Universitário
Advogado
1. Introdução. 2. Aspectos conceituais. 2.1 Terminologia. 2.2 Conceito,
características e natureza jurídica 2.3 Preclusão e coisa julgada – necessárias
distinções. 3. Limites da coisa julgada. 3.1 Limites objetivos. 3.2 Limites subjetivos
4. Meios de impugnação da coisa julgada. 4.1 Ação rescisória. 4.2 Querella
nulitatis. 5. Casos especiais. 5.1 Coisa julgada inconstitucional. 5.2 Coisa julgada e
ação de investigação de paternidade. Conclusão. Referências.
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1. Introdução
Um dos escopos da jurisdição é a pacificação social que somente é viabilizada
quando o Estado soluciona o conflito mediante um provimento jurisdicional. Entretanto,
é preciso que o referido ato adquira estabilidade, o que somente ocorre com o fenômeno
da coisa julgada.
Isso porque a sentença está sujeita a reexame pelos órgãos jurisdicionais
superiores, quando provocados por meio de recurso, ressalvadas as hipóteses em que
cabível a remessa necessária.
Somente após esgotadas as instâncias recursais é que a decisão torna-se
indiscutível e a situação jurídica deduzida em juízo consolidada. Nesse contexto,
emergem algumas indagações: o que e quem fica sujeito aos efeitos da coisa julgada?
Qual a extensão da coisa julgada? Por outro lado, não se pode desconsiderar a
possibilidade de a decisão transitada em julgado padecer de vício insanável ou mesmo
violar norma constitucional. Nesses casos, existem mecanismos para a revisão da coisa
julgada?
O presente estudo buscou apresentar respostas aos referidos questionamentos,
comparando as disposições do Código de Processo vigente (doravamente denominado
tão só “CPC vigente” ou “CPC de 1973”) com as do Novo Código de Processo Civil
(doravamente denominado tão só “NCPC” ou “CPC de 2015”), instituído pela Lei
13.105, de 16 de março de 2015.
Para tanto, inicialmente foram abordados alguns aspectos conceituais da coisa
julgada, como terminologia, conceito, características e natureza jurídica, seguindo-se à
análise dos aspectos práticos relacionados às indagações objeto deste trabalho, tais
como limites e meios de impugnação da coisa julgada, além do estudo de casos
específicos, especialmente aqueles referentes à coisa julgada inconstitucional.
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2. Aspectos conceituais
2.1 Terminologia
Coisa julgada ou caso julgado? Tecnicamente caso julgado é expressão mais
adequada para designar o fenômeno objeto deste estudo; no entanto, prevalece a
denominação coisa julgada. A propósito, a Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, instituída pelo Decreto-Lei 4.657, de 04 de setembro de 1942, com as
alterações promovidas pela Lei 12.376, de 2010, deixa claro que não existe distinção
entre coisa e caso julgado, tratando-se do mesmo instituto (art. 6º, § 3º).
Assim, no presente trabalho, em que pese o entendimento do autor, utilizar-se-á
da denominação “coisa julgada”.
2.2 Conceito, características e natureza jurídica
A parte, ao acionar o Estado-juiz, busca a satisfação de seu interesse (pedido
mediato), incumbindo ao magistrado prestar a tutela jurisdicional pleiteada por meio da
sentença, ato decisório que pode ser impugnado em sede recursal. Assim, a sentença,
por si só, não torna definitiva a situação jurídica deduzida em juízo, porquanto sujeita a
eventuais modificações. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior:
Enquanto sujeita a recurso, a sentença não passa de “uma situação
jurídica”. Os efeitos próprios da sentença só ocorrerão, de forma plena e
definitiva, no momento em que não mais seja suscetível de reforma por meio
de recursos. Ocorrerá, então, o trânsito em julgado, tornando o decisório
imutável e indiscutível (art. 467).1.
1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01: Teoria Geral do
Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1739.
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No entanto, “a impugnabilidade das decisões não pode ser irrestrita; a partir de
certo momento, é preciso garantir a estabilidade daquilo que foi decidido, sob pena de
perpetuar-se a incerteza sobre a situação jurídica submetida à apreciação do
Judiciário […]”2.
A contrario sensu, quando não impugnada a sentença ou esgotados os meios
recursais, emerge a coisa julgada, que qualifica os efeitos da sentença, tornando-os
imutáveis e indiscutíveis. Trata-se de instituto que, dada sua importância, foi incluído
no rol de direitos fundamentais, constando especificamente do inciso XXXVI do art. 5º
da Constituição Federal (doravamente denominada tão só “CF”).
A delimitação do conceito e das características da coisa julgada constitui tarefa
do legislador infraconstitucional. A propósito, o CPC de 1973, no art. 467, define coisa
julgada como “a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a
recurso ordinário ou extraordinário”. O NCPC, praticamente repete a mesma
conceituação, substituindo as expressões “eficácia” e “sentença” por “autoridade” e
“decisão de mérito”, além de suprimir as referências a recurso “ordinário ou
extraordinário”. À luz da nova Codificação, portanto, “denomina-se coisa julgada
material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais
sujeita a recurso” (art. 502).
A par destas notas conceituais, é possível extrair duas características essenciais
da coisa julgada:
Imutabilidade: impede a rediscussão da lide julgada, vedando-se a
propositura de ação idêntica àquela decidida anteriormente.
Definitividade: vincula os magistrados à observância do quanto decidido,
não podendo se afastar das premissas firmadas no julgamento do processo
primitivo que originou a formação da coisa julgada.
Por fim, não há consenso na doutrina acerca da natureza jurídica do instituto da
coisa julgada, havendo três linhas de pensamento:
a) Coisa julgada como um efeito da decisão: a coisa julgada limita-se ao
elemento declaratória da decisão. Deveras, “[…] a carga declaratória da decisão seria
2 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão,
Precedente, Coisa Julgada e Antecipação de Tutela. 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 467.
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imutável, indiscutível, defendem, pois nada apaga aquilo que o juiz declarou […]”3. A
referida concepção vigorou durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939,
que em seu art. 288 indicava as decisões que não tinham “efeito” de coisa julgada;
b) Coisa julgada como qualidade dos efeitos da decisão: desenvolvida por Enrico
Tullio Liebman, os efeitos da coisa julgada são considerados uma qualidade da decisão.
“Em critica a essa corrente doutrinária, parcela da doutrina entende que os efeitos da
sentença de mérito transitada em julgado não se tomam imutáveis, bastando para chegar
a tal conclusão a verificação empírica de que tais efeitos poderão ser modificados por
ato ou fato superveniente, mormente pela vontade das partes”4;
c) Coisa julgada como situação jurídica do conteúdo da decisão: segundo esta
concepção, a coisa julgada reside no conteúdo da sentença, especificamente em seu
dispositivo que contém a norma jurídica aplicável ao caso concreto.
O CPC vigente, fortemente influenciado pela doutrina de Liebman, adotou a
teoria da coisa julgada como qualidade dos efeitos da decisão, tese reafirmada pelo CPC
de 2015 (art. 502, alhures transcrito). Cássio Scarpinella Bueno ensina que “o art. 502
conserva a iniciativa do art. 467 do CPC atual de conceituar a coisa julgada. Ao fazê-
lo, contudo, abandona a palavra “eficácia” em prol de “autoridade”, o que aproxima,
na perspectiva teórica, o conceito legal às lições de Liebman sobre o instituto”5.
2.3 Preclusão e coisa julgada – necessárias distinções
A doutrina diferencia coisa julgada formal, que é sinônimo de preclusão, de
coisa julgada material. De fato, a imutabilidade que decorre da coisa julgada pode se
restringir aos limites do processo em que proferida a sentença (efeito endoprocessual)
ou difundir-se para além dele (efeito extraprocessual).
3 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2 … p. 472. 4 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Método,
2011, p. 531. 5 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
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A coisa julgada formal, também conhecida por preclusão máxima, é aquela em
que a indiscutibilidade da decisão fica restrita ao âmbito do processo em que proferida,
seja pela não interposição do recurso cabível, seja pelo esgotamento das vias recursais.
Trata-se, em verdade, de uma espécie de preclusão, na visão crítica da doutrina,
“constituindo-se na perda do poder de impugnar a decisão judicial no processo em que
foi proferida. Seria a preclusão máxima dentro de um processo jurisdicional. Também
chamada de ‘trânsito em julgado’.”6.
A propósito, de acordo com o art. 507 do CPC de 2015 – que reproduz o art. 473
do CPC de 1973 –, “é vedado à parte discutir no curso do processo as questões já
decididas a cujo respeito se operou a preclusão”. “Decorre a preclusão do fato de ser o
processo uma sucessão de atos que devem ser ordenados por fases lógicas, a fim de que
se obtenha a prestação jurisdicional, com precisão e rapidez”7. Trata-se de instituto
fundamental para o desenvolvimento regular do processo, haja vista que impede o
retrocesso procedimental.
Adverte Fredie Didier Jr. que “[…] a preclusão tem, igualmente, fundamentos
ético-políticos, na medida em que busca preservar a boa fé e a lealdade no itinerário
processual. A preclusão é técnica, pois, a serviço do direito fundamental à segurança
jurídica, do direito à efetividade (como impulsionadora do processo) e da proteção à
boa-fé. É importante essa observação: como técnica que é, a preclusão deve ser
pensada e aplicada em função dos valores a que busca proteger.”8.
O NCPC introduziu significativas modificações no regime recursal, algumas
delas com reflexos no tratamento da preclusão. Com efeito, o § 1º do art. 1009
determina que “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu
respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e
devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a
decisão final, ou nas contrarrazões”.
6 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2 … p. 469. 7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01: Teoria Geral do
Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1769. 8 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1: Introdução ao Direito Processual
Civil e Processo de Conhecimento. 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 329/330.
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A coisa julgada material, por sua vez, traduz o fenômeno da indiscutibilidade da
decisão judicial no processo em que produzida e em qualquer outro. Vale dizer, a
decisão projeta seus efeitos para além do processo em que produzida.
Em suma:
A coisa julgada formal atua dentro do processo em que a sentença foi
proferida, sem impedir que o objeto do julgamento volte a ser discutido em
outro processo. Já a coisa julgada material, revelando a lei das partes,
produz seus efeitos no mesmo processo ou em qualquer outro, vedando o
reexame da res in iudicium deducta, por já definitivamente apreciada e
julgada.
A coisa julgada formal pode existir sozinha em determinado caso, como
ocorre nas sentenças meramente terminativas, que apenas extinguem o
processo sem julgar a lide. Mas a coisa julgada material só pode ocorrer de
par com a coisa julgada formal, isto é, toda sentença para transitar
materialmente em julgado deve, também, passar em julgado formalmente.9.
Outrossim, o CPC de 2015 mitigou a rigidez da distinção, prevendo alguns
efeitos extraprocessuais à coisa julgada formal. Nesse sentido, o § 1º do art. 486
consignou expressamente que “no caso de extinção em razão de litispendência e nos
casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 48510, a propositura da nova ação depende da
correção do vício que levou à sentença sem resolução de mérito”.
Assim, no decorrer do presente estudo, utilizar-se-á da expressão coisa julgada
em contraposição à preclusão, que é sinônimo de coisa julgada formal.
9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01 … p. 1754/1755. 10 “Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
I – indeferir a petição inicial;
[…]
IV – verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do
processo
[…]
VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;
VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer
sua competência […]”.
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3. Limites
O estudo dos limites da coisa julgada visa responder a duas perguntas básicas: o
que faz coisa julgada (limites objetivos)? Quem fica sujeito aos efeitos da sentença
transitada em julgado (limites subjetivos)?
3.1 Limites objetivos
O art. 468 do CPC vigente estabelece que “a sentença que julgar total ou
parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”. Para a
compreensão do referido dispositivo legal, é necessário relembrar que a sentença é
composta de relatório, fundamentação e dispositivo. Logo, não há dúvidas de que
somente o dispositivo ou conclusão, que é a parte do ato decisório que contém a norma
jurídica individualizada aplicável ao caso julgado, fica acobertada pela coisa julgada.
A referida conclusão decorre de uma interpretação sistemática, haja vista que o
art. 469 do mesmo Codex complementa dispondo que não fazem coisa julgada: I. os
motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da
sentença; II. a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III. a
apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo.
Nesse contexto, “somente se submete à coisa julgada material a norma jurídica
concreta, contida no dispositivo da decisão, que julga o pedido (a questão principal,
conforme o art. 468, CPC). A solução das questões na fundamentação (incluindo a
análise das provas) não fica indiscutível pela coisa julgada (art. 469, CPC), pois se
trata de decisão sobre questões incidentes”11.
Não obstante, alerta Daniel Assumpção Amorim Neves que “é natural que essa
rediscussão dos fundamentos da decisão seja admitida somente se não colocar em
perigo o previsto no dispositivo da decisão protegida pela coisa julgada material.
11 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2 … p. 477.
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Afirma-se corretamente que a coisa julgada material não se importa com contradições
logicas entre duas decisões de mérito, buscando tão somente evitar as contradições
práticas que seriam geradas no caso de dois dispositivos em sentido contrário”12.
De outro lado, o ordenamento jurídico processual prevê um instrumento que
permite a extensão da coisa julgada às questões apreciadas na fundamentação da
sentença – a denominada ação declaratória incidental –, excepcionando a regra geral
alhures descrita (art. 470, CPC vigente). Prescreve, a propósito, o art. 5º, que “se, no
curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência
depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a
declare por sentença”.
Além disso, a eficácia preclusiva da coisa julgada (ou princípio do dedutível e
do deduzido) impede que sejam rediscutidas em outras demandas todas as alegações e
defesas que as partes poderiam ter levado ao processo a fim de fundamentar o
deferimento ou a rejeição do pedido. Nesse sentido prescreve o art. 474 do CPC vigente
que “passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas
todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à
rejeição do pedido” (regra reproduzida, com algumas modificações redacionais, no art.
508 do NCPC).
Humberto Theodoro Júnior assinala:
Assim, o que o sistema do Código deixa bem evidenciado é que, mesmo não
incidindo a coisa julgada sobre os motivos da sentença, não poderão eles ser
invocados para, em novas demandas, ou em decisões supervenientes no
mesmo processo, provocar a modificação ou frustração daquilo que se acha
sob a autoridade da res iudicata. Nem mesmo alegações e defesas que, se
usadas a seu tempo, modificariam o julgamento da causa podem
ulteriormente fundamentar decisões em detrimento daquilo que logrou
alcançar o status de coisa julgada.13.
O CPC de 2015, diferentemente, modificou alguns aspectos desta sistemática,
reduzindo o campo de incidência da ação declaratória incidental.
Isso porque, por força do § 1º do art. 503 daquele diploma legal, a resolução da
questão prejudicial, decidida expressa e incidentalmente no processo, ficará protegida
pela eficácia da coisa julgada se, dependendo o julgamento do mérito da resolução da
12 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 536. 13 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01 … p. 1794.
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referida questão, “a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se
aplicando no caso de revelia” e se “o juízo tiver competência em razão da matéria e da
pessoa para resolvê-la como questão principal [competência absoluta]”. Consoante o
entendimento firmado no Enunciado 313 do Fórum Permanente de Processualistas
Civis, são cumulativos os pressupostos para a incidência da coisa julgada material sobre
a questão prejudicial, previstos no § 1º do art. 503 do NCPC.
Entretanto, a existência de restrições probatórias, a exemplo dos procedimentos
em que é indispensável prova pré-constituída (cujo maior exemplo é o mandado de
segurança), ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da
questão prejudicial obstam a incidência da coisa julgada sobre questão prejudicial (art.
503, § 2º), constituindo verdadeiro requisito negativo à eficácia da coisa julgada sobre
tais questões Todavia, a novel legislação não esclareceu qual o mecanismo tem a parte
para buscar que a questão prejudicial, nessas hipóteses, seja alcançada pela coisa
julgada.
A propósito da omissão legislativa alhures destacada, Cássio Scarpinella Bueno,
comentando o comando legal em estudo, assevera:
[…] Inexistindo, no novo CPC, a ‘ação declaratória incidental’, caberá ao
interessado demandar a parte contrária em novo processo e formular a
questão prejudicial como pedido. Havendo enfrentamento de mérito e
esgotados ou não interpostos os recursos, a coisa julgada formar-se-á. A
única ressalva que parece correta ser anunciada acerca desta hipótese é a de
o autor ter condições de ampliar o pedido, o que, de acordo com o art. 329,
I, pressupõe que o réu não tenha sido citado ou, após a citação, mas antes do
saneamento do processo, tenha dado a sua concordância (art. 329, II)14.
O Enunciado 111 do Fórum Permanente de Processualistas Civis parece indicar
outra solução para o problema, dispondo que “persiste o interesse no ajuizamento de
ação declaratória quanto à questão prejudicial incidental”.
Dessa forma, o art. 504 do NCPC restringiu as hipóteses em que a decisão não
faz coisa julgada, retirando do referido rol a questão prejudicial que, no CPC vigente,
consta expressamente do dispositivo correspondente. O novo comando legal deve ser
interpretado sistematicamente, de modo que “[…] não faz coisa julgada, além dos
motivos e da verdade dos fatos referidos nos incisos I e II do art. 504, a questão
14 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo …, p. 335.
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prejudicial quando não estiverem presentes as exigências do § 1º do art. 503 […]
Também a declaração de falsidade documental arguida de forma incidental (arts. 430,
parágrafo único, e 433) não faz coisa julgada material”15.
3.2 Limites subjetivos
O estudo dos limites subjetivos é indispensável para a correta identificação dos
sujeitos que ficam submetidos à coisa julgada, havendo três modelos para tanto:
a) inter partes: aquele em que os efeitos da coisa julgada somente vinculam
as partes intervenientes no processo, não prejudicando nem beneficiando
terceiros estranhos à relação processual;
b) ultra partes: aquele no qual os efeitos não se restringem às partes,
alcançando determinados terceiros alheios ao processo;
c) erga omnes: aquele em que os efeitos da coisa julgada vinculam todos os
jurisdicionados, independentemente de participação no processo.
Feitos estes breves esclarecimentos, é importante verificar qual modelo foi
adotado pela legislação nacional. O CPC de 1973 filia-se ao modelo de coisa julgada
inter partes, mas existem inúmeras exceções, inclusive no bojo do próprio Estatuto
Processual, em que ora se adota a coisa julgada ultra partes, ora o sistema erga omnes.
A propósito, estabelece o art. 472 do CPC vigente que “a sentença faz coisa
julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”.
Fredie Didier Jr. et al lembra que o referido comando legal é uma decorrência das
garantias constitucionais processuais, especialmente dos princípios da inafastabilidade
da jurisdição, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. “Isso
porque, segundo o espírito do sistema processual brasileiro, ninguém poderá ser
atingido pelos efeitos de uma decisão jurisdicional transitada em julgado, sem que se
15 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo …, p. 336.
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lhe tenha sido garantido o acesso à justiça, com um processo devido, onde se
oportunize a participação em contraditório”16.
Daniel Assumpção Amorim Neves observa que “a doutrina acertadamente
ensina que todos os sujeitos – partes, terceiros interessados e terceiros desinteressados
- suportam naturalmente os efeitos da decisão, mas a coisa julgada os atinge de forma
diferente. As partes estão vinculadas a coisa julgada, os terceiros interessados sofrem
os efeitos jurídicos da decisão, enquanto os terceiros desinteressados sofrem os efeitos
naturais da sentença, sendo que em regra nenhuma espécie de terceiro suporta a coisa
julgada material”17.
O NCP reproduziu parcialmente no art. 506 a norma do art. 472 do CPC de
1973, suprimindo a menção à vedação de que a coisa julgada beneficie terceiros
estranhos à lide. Segundo ensina Cássio Scarpinella Bueno, “o novo CPC, acolhendo
iniciativa do Projeto da Câmara, inovou substancialmente ao prever que a coisa
julgada, que se forma entre as partes, não pode prejudicar terceiros. Trata-se de
proposta que consagra, mesmo nos ‘processos individuais’, o transporte in utilibus da
coisa julgada”18.
Excepcionam a sobredita sistemática as normas relativas à substituição
processual, haja vista que o substituído, embora não intervenha no processo, terá sua
esfera de direitos alcançada pelos efeitos da decisão, hipótese em que a coisa julgada
será ultra partes. Aliás, tal fenômeno se manifesta com maior intensidade na situação
prevista no art. 42, § 3º, do CPC vigente (regra reproduzida no art. 109, § 3º, do CPC de
2015), que disciplina os efeitos da alienação do direito ou da coisa litigiosa. De acordo
com o preceptivo legal, a coisa julgada formada na relação originariamente travada
entre as partes atingirá o terceiro adquirente ou cessionário do direito ou coisa litigiosa,
quando este não suceder o alienante ou não intervier na qualidade de assistente.
Nas ações coletivas cujo objeto seja direitos coletivos em sentido estrito, a coisa
julgada igualmente se forma ultra partes, nos termos do art. 103, inciso II, do Código de
Defesa do Consumidor (doravamente denominado tão só “CDC”). Com efeito, nesse
caso, a coisa julgada alcançará, além das partes originárias do processo, todos os
16 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2 … p. 479. 17 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 539. 18 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo …, p. 337.
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membros da categoria, classe ou grupo que sejam ligados entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base.
Outra situação excepcional em que a coisa julgada se opera ultra partes é no
julgamento favorável a um dos credores solidários, nos termos do art. 274 do Código
Civil. Sobre o tema, elucidativo o Enunciado 234 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis segundo o qual “a decisão de improcedência na ação proposta
pelo credor beneficia a todos os devedores solidários, mesmo os que não foram partes
no processo, exceto se fundada em defesa pessoal”.
Merece especial atenção a parte final do art. 472 que, aparentemente, atribui
natureza ultra partes à coisa julgada formada nas ações de estado, ao dispor que “nas
causas relativas ao estado da pessoa, se houverem sido citados no processo, em
litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em
relação a terceiros”.
A disposição está topologicamente deslocada, porque cuida, em verdade, de
litisconsórcio e dos efeitos da coisa julgada sobre os litisconsortes, que não deixam de
ser partes. “Parece que o dispositivo legal confundiu os efeitos da decisão com a coisa
julgada material, considerando-se que todos suportam os efeitos dessa decisão – os
divorciados não estão divorciados somente entre eles, mas também perante terceiros –,
mas evidentemente os terceiros – nesse caso todos terceiros desinteressados – não
suportam a coisa julgada material”19.
O legislador do CPC de 2015, atento às críticas doutrinárias, não reproduziu a
referida norma em seu texto. Pertinentes os comentários de Cássio Scarpinella Bueno,
para quem o NCPC acertadamente eliminou a parte final do art. 472 “[…] que, em
rigor, é redundante: se os terceiros nele referidos são citados como litisconsortes
necessários sujeitam-se à coisa julgada porque passam a ser partes”20.
Por outro lado, nas ações coletivas que versem sobre direitos difusos ou
individuais homogêneos e naquelas inerentes ao controle concentrado de
constitucionalidade, a coisa julgada será erga omnes, porquanto produzirá efeitos sobre
todos os jurisdicionados, inclusive aqueles que não intervieram no processo.
19 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 539. 20 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo …, p. 337.
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Portanto, a coisa julgada no processo civil brasileiro é preponderantemente inter
partes, fazendo-se concessões pontuais aos demais modelos.
4. Meios de impugnação da coisa julgada
A coisa julgada é um consectário do princípio da segurança jurídica que tem por
finalidade garantir a estabilidade das relações jurídicas acertadas em juízo, evitando que
o litígio se eternize. No entanto, dada a falibilidade humana, pode a decisão judicial
transitada em julgada padecer de vícios insanáveis, não constatados no momento
oportuno. Para corrigir eventuais distorções, o ordenamento jurídico prevê alguns
instrumentos, tais como ação rescisória, a querela nullitatis insanabilis e a impugnação
de sentença inconstitucional.
4.1 Ação rescisória
A ação rescisória, que é ação autônoma de impugnação de competência
originária dos Tribunais, constitui instrumento típico para a desconstituição da coisa
julgada material quando a decisão de mérito impugnada estiver eivada dos vícios
rescisórios previstos no rol taxativo do art. 485 do CPC de 1973. Contudo, nem toda
decisão de mérito é rescindível por ação rescisória, sendo sua utilização interditada para
impugnar acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade ou em Ação
Declaratória de Constitucionalidade (art. 26 da Lei 9.868/99) ou decisão de mérito
proferida nos Juizados Especiais (art. 59 da Lei 9.099/95).
A desconstituição da coisa julgada por meio de ação rescisória sofre um limite
temporal, devendo a demanda ser ajuizada dentro do prazo de dois anos, contados do
trânsito em julgado, sob pena de perpetuar-se o vício rescisório e a imutabilidade da
decisão (coisa soberanamente julgada). Não é pacífica a doutrina e tampouco a
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jurisprudência sobre o termo inicial do prazo decadencial, especialmente quando a ação
objetive desconstituir capítulos autônomos de uma sentença.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (doravamente denominado tão
só “STJ) consolidou-se no sentido de que “o prazo decadencial da ação rescisória só se
inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”
(Súmula 401). Todavia, o Supremo Tribunal Federal (doravamente denominado tão só
“STF”), no julgamento do RE 666.589/DF, firmou orientação no sentido de que “os
capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por
meio de recurso, surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para
a propositura da rescisória”21.
A jurisprudência do STF, portanto, consagra a possibilidade de coisa julgada
progressiva, que é aquela que se forma à medida que os capítulos da sentença não são
impugnados pelo recurso, transitando em julgado parcialmente. Igual entendimento
consta do item II da Súmula 100 do TST: “havendo recurso parcial, no processo
principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes,
contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada
decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar
insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito
em julgado da decisão que julgar o recurso parcial”.
Todavia, o NCPC positivou o entendimento firmado na jurisprudência do STJ,
prevendo no caput do art. 975 que “o direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos
contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”.
Contraditoriamente, a nova Codificação, no art. 356, admite a existência de decisões
parciais de mérito, o que ensejará inúmeras discussões. Talvez o mais adequado fosse
consagrar a coisa julgada progressiva.
21 STF, RE 666.589/DF, 1ª T., rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.03.2014, DJe 03.06.2014.
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4.2 Querella nulitatis
Trata-se de ação de cunho declaratório que visa reconhecer a inexistência de
coisa julgada sobre decisão maculada por vícios transrescisórios, ou seja, vícios que não
se convalidam nem mesmo com o transcurso do prazo de dois anos para a propositura
da ação rescisória. “Diferencia-se da rescisória, principalmente, por encontrar
hipóteses de cabimento mais restritas e por ser imprescritível – não se submetendo a
qualquer prazo decadencial. Trata-se de ação desconstitutiva que pode ser manejada,
até mesmo, depois do decurso do prazo de 02 anos previsto para a ação rescisória”22.
A querela nullitatis, a teor dos arts. 475-L, inciso I e 741, inciso I, do CPC
vigente, é cabível para desconstituir decisão eivada de vício insanável decorrente da
existência de defeito ou ausência de citação, se o processo correu à revelia. Ademais,
“[…] a moderna doutrina e jurisprudência, considerando a possibilidade de
relativização da coisa julgada quando o decisum transitado em julgado estiver eivado
de vício insanável, capaz de torná-lo juridicamente inexistente, tem ampliado o rol de
cabimento da querela nullitatis insanabilis. Assim, em hipóteses excepcionais vem
sendo reconhecida a viabilidade de ajuizamento dessa ação, para além da tradicional
ausência ou defeito de citação, por exemplo: (i) quando é proferida sentença de mérito
a despeito de faltar condições da ação; (ii) a sentença de mérito é proferida em
desconformidade com a coisa julgada anterior; (iii) a decisão está embasada em lei
posteriormente declarada inconstitucional pelo eg. Supremo Tribunal Federal”23.
5. Casos especiais
Embora louvável a previsão de prazo decadencial para a propositura da ação
rescisória, o que, aliás, valoriza a própria coisa julgada, existem situações anormais que
ensejam a revisão do julgado mesmo depois de transcorrido o prazo para tanto. “Trata-
22 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2 … p. 498. 23 STJ, REsp 1.252.902/SP, 4ª T., rel. Min. Raul Araújo, j. 04.10.2011, DJe 24.10.2011.
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se de movimento recente que vem propondo a chamada relativização da coisa julgada
atípica – já que há hipóteses de revisão da coisa julgada típicas que, dessa forma, já é
relativa, como percebeu BARBOSA MORETRA”24.
O tema é polêmico e suscita divergências em relação às hipóteses em que é
cabível a desconstituição atípica da coisa julgada. De um lado, existem autores que
defendem uma interpretação ampliativa de modo que seja possível a relativização da
coisa julgada quando verificada violação aos princípios da moralidade, legalidade,
razoabilidade e proporcionalidade, bem como na hipótese de desajuste com a realidade
(José Augusto Delgado, ex-Ministro do STJ); de outro, há autores que são
absolutamente contrários a qualquer espécie de relativização, dando preponderância à
segurança jurídica.
Sem embargo das opiniões em contrário, a legislação positivou o cabimento da
relativização em relação à coisa julgada inconstitucional e a jurisprudência a admite nas
ações de investigação de paternidade.
5.1 Coisa julgada inconstitucional
Até o advento da Medida Provisória 2.180-35/2001 e da Lei 11.232/2005 a
relativização da coisa julgada inconstitucional era construção doutrinária, baseada na
impossibilidade de subsistência de sentença fundada em lei declarada inconstitucional
pelo STF. Com a superveniência da referida legislação, os arts. 475-L, § 1º e 741,
parágrafo único do CPC de 1973 incluíram entre as matérias que podem ser alegadas em
defesa pelo executado (impugnação e embargos, respectivamente) a inexigibilidade do
título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais
pelo STF.
Daniel Assumpção Amorim Neves, a propósito, assinala:
Existe doutrina que defende a inconstitucionalidade dos dispositivos ora
comentados, com o argumento de que a coisa julgada é uma indispensável
24 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2 … p. 502
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garantia fundamental, prestando-se a dotar a sistema da segurança jurídica
indispensável a prestação da tutela jurisdicional. A possibilidade de revisão
da coisa julgada material em razão de posterior inconstitucionalidade
declarada pelo Supremo Tribunal Federal criaria instabilidade insuportável
ao sistema, afastando a promessa constitucional de inafastabilidade da tutela
jurisdicional, considerando-se que tutela jurisdicional não definitiva é o
mesmo que sua ausência.
O tema não é pacífico, considerando parcela da doutrina que os dispositivos
legais são constitucionais, ainda que indesejáveis. Sendo tarefa das normas
infraconstitucionais o estabelecimento de quando e como haverá coisa
julgada, também serão essas espécies de normas que determinarão as
hipóteses excepcionais de seu desaparecimento, indicando as razões e a
forma procedimental para que isso ocorra no caso concreto. Em virtude do
histórico do surgimento dessa regra em nosso direito processual, dificilmente
o Supremo Tribunal Federai a considerara inconstitucional, ainda que exista
ação declaratória de inconstitucionalidade contra o art. 741, paragrafo
único, do CPC, pendente de julgamento [ADI 2.418-3]”25.
Na verdade, os novos comandos legais permitem a rediscussão da sentença
fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional, o que significa que a decisão
do STF, nestes casos, retroage para alcançar situações consolidadas à luz da lei
inquinada de vício insanável. Cuida-se de uma decorrência natural do julgamento de
inconstitucionalidade, cuja decisão tem efeitos ex tunc (retroativos).
O NCPC reproduziu a mesma sistemática nos arts. 525, § § 1º, inciso III, e § 12,
considerando inexigível a obrigação constante do título executivo judicial “fundado em
lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou
fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de
constitucionalidade concentrado ou difuso”. Verifica-se que a nova legislação, em
complemento, esclareceu que serve como paradigma tanto as decisões proferidas em
controle concentrado quanto aquelas prolatadas em sede de controle difuso de
constitucionalidade.
Acrescentou o § 13 do art. 525 que a inexigibilidade poderá ser afastada quando
o STF modular os efeitos da decisão que declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo em que baseado o título executivo, a fim de preservar a segurança jurídica.
Nesse sentido, estabelece o Enunciado 176 do Fórum Permanente de Processualistas
Civis que “compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal modular os efeitos da
decisão prevista no § 11 do art. 539 [art. 525, § 13, na versão final]. Contudo, caso a
25 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 545.
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modulação seja realizada após o trânsito em julgado da decisão exequenda, esta poderá
ser impugnada por meio de ação rescisória (art. 966, inciso V), cujo termo inicial do
prazo será o trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF (§ 15).
5.2 Coisa julgada e ação de investigação de paternidade
Outra questão delicada diz respeito à relativização da coisa julgada motivada
pela superveniência de exame de DNA, inexistente à época do julgamento do litígio. A
jurisprudência do STJ é vacilante, havendo precedente no sentido de que deve
prevalecer a segurança jurídica decorrente da coisa julgada, não se admitindo a
rediscussão da matéria. O voto vencedor do Ministro Ari Pargendler, proferido por
ocasião do julgamento do referido precedente26, consignou: “impossível, pois, afastar-se
o próprio interesse público na segurança jurídica em detrimento do particular, ainda
que este seja inegavelmente relevante. Relevante, porém não preponderante”.
Não obstante, a tendência, em nosso sentir, é a prevalência da tese da
relativização, especialmente porque o STF já enfrentou a questão, inclusive em sede de
repercussão geral:
EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL
E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO
DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM
FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE
ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO
DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA
GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA
REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM
RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA
DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU
DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a
matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de
paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi
julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada
não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o
Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a
coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que
não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir
26 STJ, REsp 706987/SP, 2ª Seção, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, rel. p/ Acórdão Min. Ari
Pargendler, j. 14.05.2008, DJe 10.10.2008.
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as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de
prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal
vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao
exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como
natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-
se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de
qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese
em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com
outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com
relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e
providos.”27.
No mesmo sentido colhe-se da jurisprudência do STJ:
Direito processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de
paternidade com pedido de alimentos. Coisa julgada. Inépcia da inicial.
Ausência de mandato e inexistência de atos. Cerceamento de defesa.
Litigância de má-fé. Inversão do ônus da prova e julgamento contra a prova
dos autos. Negativa de prestação jurisdicional. Multa prevista no art. 538,
parágrafo único, do CPC.
- A propositura de nova ação de investigação de paternidade cumulada com
pedido de alimentos, não viola a coisa julgada se, por ocasião do
ajuizamento da primeira investigatória – cujo pedido foi julgado
improcedente por insuficiência de provas –, o exame pelo método DNA não
era disponível tampouco havia notoriedade a seu respeito.
- A não exclusão expressa da paternidade do investigado na primitiva ação
investigatória, ante a precariedade da prova e a insuficiência de indícios
para a caracterização tanto da paternidade como da sua negativa, além da
indisponibilidade, à época, de exame pericial com índices de probabilidade
altamente confiáveis, impõem a viabilidade de nova incursão das partes
perante o Poder Judiciário para que seja tangível efetivamente o acesso à
Justiça. [...]28.
CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA.
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. DOCUMENTO
NOVO.
1. Como documento novo, deve-se entender aquele que já existia quando da
prolação da sentença, mas cuja existência era ignorada pelo autor da
rescisória, ou que dele não pode fazer uso. Hipótese dos autos.
2. Deve ser de tal ordem que, sozinho, seja capaz de modificar o resultado da
decisão rescindenda, favorecendo o autor da rescisória.
3. Esta Corte Superior já sedimentou o entendimento de que "O laudo do
exame de DNA, mesmo realizado após a confirmação pelo juízo ad quem da
sentença que julgou procedente a ação de investigação de paternidade, é
considerado documento novo para o fim de ensejar a ação rescisória (art.
485, VII, CPC). Precedente citado: REsp. 189.306-MG, DJ 25/8/2003."
(REsp 300.084-GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 2ª Seção, julgado
em 28/4/2004).
27 STF, RE 363.889/DF, Pleno, rel. Min. Dias Toffoli, j. 02.06.2011, DJe 16.12.2011, sem grifos no
original. 28 STJ, REsp 826.698/MS, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06.05.2008, DJe 23.05.2008, sem grifos no
original.
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4. Recurso Especial provido. 29.
Conclusão
A coisa julgada é instituto essencial para a concretização das garantias
processuais consagradas no texto constitucional, assegurando a estabilização da situação
jurídica acertada em juízo. Logo, trata-se de um consectário do princípio da segurança
jurídica e direito fundamental do jurisdicionado.
A coisa julgada, entretanto, não é um direito absoluto e, por conseguinte, sofre
restrições, podendo inclusive ser relativizada. Nesse contexto, cabe ao Código de
Processo Civil delimitar os contornos do instituto, indicando os limites objetivos e
subjetivos, bem como os instrumentos para a revisão da coisa julgada.
O NCPC promoveu algumas modificações no regime da coisa julgada,
especialmente no que tange aos seus limites objetivos e subjetivos. Assim, o legislador
entendeu prudente incluir a questão prejudicial sob a proteção da coisa julgada,
reduzindo o cabimento da ação declaratória incidental. No entanto, a legislação deixou
alguns vácuos legislativos, os quais serão objeto de intensas discussões quando da
entrada em vigor do novo diploma legal.
Manteve-se a ação rescisória como instrumento típico de revisão da coisa
julgada, ampliando a nova Codificação o seu cabimento, a exemplo da situação em que
o STF, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em que fundado o
título executivo judicial, modula os seus efeitos em momento posterior ao trânsito em
julgado, hipótese em que caberá ação rescisória para desconstituir a decisão exequenda.
Ademais, a relativização da coisa julgada fora das hipóteses de cabimento da ação
rescisória, embora constitua tema polêmico, é hoje prática incorporada ao ordenamento
por força de construção jurisprudencial.
Enfim, a coisa julgada ainda permanece em constante evolução e
aperfeiçoamento, merecendo especial atenção dos operadores do Direito.
29 STJ, REsp 653.942/MG, 4ª T., rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro – desembargador convocado
do TJ/AP, j. 15.09.2009.
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Referências.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.252.902/SP, rel. Min. Raul Araújo,
Diário de Justiça Eletrônico. Brasília 24 out. 2011.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 706987/SP, rel. Min. Humberto Gomes
de Barros, rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília,
10 out. 2008.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 826.942/MS, rel. Min. Nancy Andrighi.
Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 23 maio 2008.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 653.942/MG, rel. Min. Honildo Amaral
de Mello Castro (desembargador convocado do TJ/AP). Diário de Justiça Eletrônico.
Brasília, 15 set. 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 363.889/DF, rel. Min. Dias Toffoli. Diário de
Justiça Eletrônico. Brasília, 16 dez. 2011.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 666.589/DF, rel. Min. Marco Aurélio, Diário
de Justiça Eletrônico. Brasília, 03 jun. 2014.
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo:
Saraiva, 2015.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1: Introdução ao
Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 14ª ed. Salvador: Juspodivm,
2014.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso
de Direito Processual Civil. Vol. 02: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações
Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação de Tutela. 9ª ed.
Salvador: Juspodivm, 2014.
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NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São
Paulo: Método, 2011.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01:
Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2014.